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A opção por madeira no cenário da construção civil atual
No Brasil e no mundo, com o avanço da industrialização, o concreto armado passou a ser um dos principais protagonistas na construção civil, sendo visto como um sinônimo de desenvolvimento, crescimento econômico e, principalmente, de resistência. E essa predominância permanece até os dias atuais, com o concreto presente na grande maioria dos empreendimentos imobiliários, desde a autoconstrução até projetos de grande porte. Mas ao mesmo tempo, o setor da construção também é responsável por uma considerável parcela da emissão dos gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), o que influencia no aumento da temperatura do planeta a longo prazo. A própria industrialização do cimento demanda grande energia na sua produção, levando a queima de combustíveis e compostos químicos que geram uma quantidade significativa de carbono na superfície terrestre. Outro ponto importante é que, dos métodos construtivos mais utilizados, poucos são de fontes renováveis, ou seja, são materiais que não retornam à natureza. O gráfico 1 mostra que, conforme as emissões de carbono vão aumentando, principalmente a partir do século XX, a temperatura global, consequentemente, também aumenta. Entre os anos 1910 e 1935, a média da temperatura vai subindo gradualmente, e o que antes eram médias mais estáveis, passam a ser médias cada vez mais quentes em relação aos anos anteriores, principalmente a partir dos anos 1970.
Gráfico 1 Aquecimento global e emissões de CO2: 1880-2015. Fonte: adaptado de Alves, 2016.
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Material Consumo de energia Emissão de CO2 Poluição do ar Resíduos sólidos Impacto Ambiental
Madeira a b c d e
Aço 2,40(a) 1,45(b) 1,42(c) 1,36(d) 1,16(e) Concreto 1,70(a) 1,81(b) 1,67(c) 1,96(d) 1,97(e)
Tabela 1 Comparação do ciclo de fabricação da madeira, aço e concreto. Fonte: adaptado de Canadian Wood Council, 1997 apud BARBOSA et al 2000.
Segundo o relatório da “Agenda 21 on Sustainable Construction”, de 1999, citado por DERMAZO e PORTO (2007), o setor da construção civil consome cerca de 20 a 50% do total de recursos naturais utilizados pela sociedade, ao mesmo tempo que gera 40% de todos os resíduos sólidos produzidos. Esses resíduos - que podem ser resultado de reformas, demolições ou entulho de obra - muitas vezes não tem o destino apropriado, não são recicláveis e podem ser um dos maiores responsáveis pelas enchentes e poluição de cursos d’agua, rios e nascentes. Um dos índices que avaliam o ciclo de vida de um material e contabiliza sua possível degradação ambiental é o LCA “Life Cycle Analysis” (ACV - Análise do Ciclo de Vida), que estima os potenciais impactos de qualquer produto, desde sua extração inicial até o descarte final. Esse método pode ser utilizado para informar profissionais, construtores e autoridades administrativas públicas e privadas sobre as qualidades ambientais no uso dos materiais (DEMARZO e PORTO, 2007). A tabela 1 compara, em termos proporcionais e por etapas, o ciclo do concreto e aço em relação à madeira. Já o gráfico 2 mostra o consumo energético de acordo com a quantidade de material produzida, mostrando a madeira, perfil de aço, concreto armado e bloco cerâmico. Observando os dados, podemos perceber a diferença de consumo energético na produção desses materiais. No que se diz respeito ao consumo de energia na produção da madeira, cerca de 75% se concentra na etapa de secagem, enquanto na fase de tratamento, a energia consumida se aproxima de 15%. (LAWSON, 1997 apud DEMARZO e PORTO, 2007). Mas como a madeira consumiu CO2 durante toda sua vida por processos de fotossíntese, o seu ciclo de fabricação pode ser considerado com uma pegada de carbono neutra.
Com isso, podemos observar que, em relação ao aço e concreto, a madeira se mostra uma opção mais sustentável, gera menos resíduos e tem um impacto ambiental menor, além de reter o carbono da atmosfera em seu interior por mais tempo quando utilizada em edificações. Entretanto, é importante ressaltar que alguns resíduos sólidos resinados resultantes da produção da madeira ainda não são totalmente aproveitáveis, não podendo ser reutilizados na fabricação de produtos compensados ou aglomerados. Outra questão que ainda precisa ser melhorada é a dos adesivos sintéticos à base de melamina-ureia-formol, usados para a prensa das tábuas de lajes CLT ou pórticos de MLC, por exemplo. Apesar desses entraves que impedem de o material ser completamente sus-
Figura 1 Depósito irregular de entulho de construção civil. Fonte: Porto, 2021. tentável, mesclar métodos construtivos e, prever, ao menos, o partido do projeto com madeira estrutural, são atitudes que já ajudam a reduzir os impactos ambientais do setor da construção civil à longo prazo. Até porque, não é possível extinguir completamente os materiais construtivos não renováveis de hoje, pois todos eles serão necessários em algum ponto do projeto, principalmente para manter a integridade da madeira ao longo do tempo.
600
500 quantidade de material (kg) consumo energético (kwh)
400
300
200
100
0
madeira perfil em aço concreto armado
bloco cerâmico
Gráfico 2 Comparação de consumo energético para a realização de um pilar de 3 metros de altura, à mesma solicitação de carregamento. Fonte: adaptado de JOSEF KOLB, 2011 apud Ita Construtora, 2014.
Abordando um pouco do contexto histórico, a madeira sempre serviu como uma boa opção para edificações, devido a sua praticidade e sua potencialidade de reter calor por mais tempo, o que é ideal para climas mais frios. Países como Noruega e Japão são exemplos em arquitetura medieval em madeira que permanece intacta ainda hoje. Um dos edifícios de madeira mais antigo do mundo é o templo Horyu-ji, na cidade de Nara, no Japão, que foi construído no ano de 607 aproximadamente, e possui mais de 30m de altura. Mesmo após um pouco mais de 1400 anos, o Horyu-ji permanece conservado atualmente e mostrando que edifícios de madeira em altura também podem durar muito tempo, até mesmo em condições sísmicas desfavoráveis. Na Noruega, a igreja de Urnes, localizada no condado de Sogn og Fjordane, foi erguida em meados do século XII, e é uma das mais antigas da região. Atualmente, com o objetivo de cumprir metas de redução dos gases do efeito estufa, diversos países da Europa passaram a incluir a madeira em seus mercados de maneira mais ampla, monitorando o ciclo dos materiais e controlando a pegada de carbono emitida. Para isso, certos incentivos nas legislações foram propostos. De 1990 a 2010, a Alemanha dá início a um programa de fundos para promoção de venda da madeira (German Timber Sales Promotion Fund), divulgando as qualidades do material na construção civil. Já em 2002, o programa “Charta für Holz” focou no aumento do consumo per capita de madeira em 20% no período de 2004 a 2014 (MAHAPATRA et al., 2012, apud SHIGUE, 2018). França, Reino Unido, Canadá e Finlândia são alguns outros países que incentivaram e implementaram decretos e leis para o incentivo de opções mais sustentáveis na construção, tanto em habitações unifamiliares quanto edifícios de múltiplos andares. A partir da primeira década do século XXI, edifícios de madeira em altura começaram a ser erguidos mais extensivamente, seguindo as técnicas construtivas da madeira engenheirada. Em 2019, o edifício Mjøstårnet, na Noruega, foi inaugurado, e é considerado o maior do mundo na atualidade. A construção de 85m de altura e 18 pavimentos é composta por um hotel, restaurante, escritórios, espaços de uso comum, entre outros. O projeto é, hoje, uma das confirmações do quanto os avanços em pesquisas com madeira se mostraram promissores no campo da construção civil, ressaltando que a madeira está longe de ser um material frágil e difícil de ser utilizado. Com os tratamentos corretos e a evolução no desenho da madeira engenheirada, edifícios em altura com o material já são uma realidade para as cidades, e podem ser até mesmo mais resistentes em estrutura que os tradicionais de concreto armado, por exemplo. Entretanto, falando do contexto brasileiro, um fator que pode influenciar na ampliação do uso da madeira engenheirada, ou mesmo de qualquer método construtivo pré-fabricado que exija conhecimento técnico, é a mão de obra pouco qualificada. Apesar das construções em sistemas pré-fabricados e de curto prazo já serem uma realidade mundo afora, em nosso país esse tema ainda vem sendo introduzido. Se tratando de educação ambiental, pouco é debatido no canteiro de obras como podemos desempenhar uma obra mais limpa, quais os novos métodos construtivos, e como esses profissionais poderão se especializar para as demandas do futuro das construções super-rápidas e ambientalmente corretas. A madeira ainda é um material que é visto com certo receio, pouco aproveitado por sua má utilização, lon-
ga exposição à água e a fatores externos. Por isso, o conhecimento que ainda é largamente difundido por ser julgado como mais eficiente é o da autoconstrução com concreto armado. Imprevisibilidade na obra, problemas no canteiro, resíduos sólidos, degradação ambiental e ruídos são alguns dos maiores problemas na construção civil atualmente. A necessidade de racionalizar, agilizar o canteiro e capacitar pessoas vem dessas problemáticas, e a madeira pré-fabricada pode ser uma ferramenta sustentável para ajudar a solucionar esses problemas. Usar madeira, de forma correta e responsável, valoriza florestas, incentiva comunidades que trabalham no setor, gera empregos e colabora para uma pegada de carbono neutra na construção civil. O Brasil tem capacidade de investir nesse setor e possui vasta matéria prima, mas ainda estamos caminhando, mesmo que lentamente, para investir progressivamente em cidades mais sustentáveis.
Figura 3 Templo Horyu-ji, Japão. Fonte: Chris W., 2018. Figura 2 Edifício Mjøstårnet, na Noruega. Fonte: Dezeen, 2019.
Figura 4 Igreja de Urnes, Noruega. Fonte: Casas Condor, 2021.