Azul - Gustavo Lisboa. 2016

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AZUL

(POEMAS DISPERSOS)

Gustavo Lisboa

2016X



AZUL

(POEMAS DISPERSOS)



AZUL

(POEMAS DISPERSOS) Gustavo Lisboa 2016



Fiat Voluntas Tua



“(...) semiergo-me enérgico, convencido, humano, e vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário. (...) ” TABACARIA Álvaro de Campos



É no corpo que a alma se consola. O corpo esfria, a alma se cala, a fala estiola a palavra escondida. É no corpo que a alma se perde, perambula pela noite adentro: dentro, perde o rumo, pendida. É no corpo que a alma se aprende: quando o corpo não se acha, relaxa-se a alma já fugida. É no corpo que o corpo se anima.



Urbano



O dia deu em cinza; Espelhos nas ruas, As estrelas sumiram das sarjetas. (Para os esgotos?) Enquanto caminho, Nada penso além Das contas para pagar. E o desejo - solerte – que não se me esvai. O dia deu em cinza. (Quando a noite virá?)


A rua com suas gentes. Seu tråfego itinerante pelos asfaltos. A jovem que vende velhas flores. (Eu compro-lhe rosas; o troco: mistÊrio e distância) A tarde, o sol irradiando cores nas nuvens felinas. O rådio soltando uma morte de estadista (contudo apenas morte) A garota que me cumprimenta, retrocede seu andar, e sensual, joga o andar no meu olhar. As coisas e as pessoas, o observar pausado na natureza humana.


O jornal com manchetes de vida. Tudo (muda) Tudo, nessa tarde, favorece ao enlace da vida com seu produto.


QUARTO DE HOTEL

anonimato pouco ĂŠ bobagem: um fato, uma bolsa de viagem, uma foto de uma miragem. e a morte rindo-se no espelho. com sorte, vou ficar bem velho.


À uma hora da tarde o estômago trabalha a fome e o desejo passeia incólume ao olhar de soslaio das meninas À hora da claridade os pés traduzem o nome e o desejo é um só lume para o olhar de desmaio das meninas A carne reluz no ventre e a lembrança é mais grito que bocejo insinuado no olhar de espanto das meninas A carne é simples vivente neste mundo de rico rito no esplendor apaixonado do olhar de manto das meninas


Ah, não pensar em nada, absolutamente nada... Tragar a fumaça, alma evaporada, e olhar pela vidraça, a cidade e a estrada (que não me leva, mas só me traz, abrupto, sem paz, o coração que me neva) Ah, para que pensar ? Se dói tanto, tanto, e nem ao menos o mar distante e seu canto, nem ao menos suas ondas podem me lavar agora as tristezas longas que meu corpo gora. Ah, não pensarei mais, sou rocha, parede nua de um edifício a mais nessa cidade futura. Ah, não pensar em nada, relativamente nada...


(ELEGIA PORTO-ALEGRENSE) Para piano e voz

Andantino No pálido brocado dessa tarde sinto e retomo a visão do passado; uma outra tarde de primavera, quase verão em Porto Alegre. As montanhas brilham na claridade, o rio imutável e consagrado, a cidade esquecida de uma espera: mais um verão em Porto Alegre.

Allegro Moderato Que importa se vou-me embora para talvez nunca mais ? Outros virão e tomarão meu lugar, outros verão Porto Alegre. Que importa se é chegada a hora de partir para outro cais ? Outros chegarão para esse ar, noutro verão em Porto Alegre.


Moderato No cálido arremedo de azul que essa redoma de céu mostra, despeço-me sem alegria, sem temor, vou-me indo para outro horizonte. Um dia voltarei para o Sul, chegarei cansado de apostas, recobrarei o sentido de uma dor: atravessarei por fim a ponte.

Andante Contudo tenho muito que fazer; outras cidades - apenas uma necessitam de meus olhares, tenho muito, muito que sonhar. Mas sempre, sempre irei saber, que essa cidade é, em suma, o que outras de infensos mares me esperam para o solícito lutar.


Largo Um dia voltarei noutro tempo e atravessarei velhas avenidas. Beberei em noites de bares, sombras; amarei em velhos amores o eterno. Um dia voltarei noutro vento e serei fantasmagĂłricas partidas. Sonharei em luas muito longas; amarei em paraĂ­sos seus infernos.


DUAS CODAS VESPERTINAS

I a tarde continua solta sol nuvens vida banal cerveja carros vento uma mulher ao sol pernas rosas sombra ar assombrando o desejo vendo que o sono é prazer de uma tarde revolta uma paixão serena de mal o verde suave o cimento estrelas presas em arrebol seios de áspero beijo uma tarde mulher ser uma tarde que só vejo


II Tardíssima tarde de inverno: azul esfregado no céu, nuvens rápidas e inóspitas, a cidade e seus seres, carros, ônibus, lixo nas calçadas, escrevo sob um teto indiferente, décimo andar. No sonho não me realizo, o leito é desprezado pela amante incompleta, ela é só irrealidade; ontem, o abraço inútil, a alma também ignorada: hoje escrevo, olhando a vida e seu repassar. Breve, não breve, irei sair na noite por ali e acolá; breve, não leve, vestirei o casaco da noite fria: avenidas, sonhos, luzes, bares, calçadas, becos. Porto Alegre, oito graus, mais frio em Santa Maria, onde já refiz variadamente o trajeto do vinho seco: Porto Alegre, inverno, julho, um úmido qualquer já.


Quatro e meia sol começando a sair se arrumar um véu de estrelas e ir namorar Tarde sereia não andas mais a me afogar tuas mãos posso vê-las não mais a me despir A tarde desfaz a teia nuvem vento a rir carro voando pelas águas do Paranoá


A noite tropeça a tarde se embebeda e dorme a noite acorda Por sobre nuvens, céu; por sobre o asfalto, a rua, os carros, e o maralto da garota que vai Ai, meu desejo fútil, não vês que essa é somente mais uma ? As nuvens olham e quem sabe não cochicham ?


Seis e meia. Já é noite fechada, carros procuram o jantar. As notícias no rádio, o bar, fórmica de mármore, o café após o trabalho, o olho solto na memória, os ônibus, por que estou aqui ? Preso ao momentâneo ser, faço a história, o mundo gira, nada acontece. O frio me deixa e me esquece num bar comum.


Vem a vida te ganhar aos berros, nas esquinas de uma cidade qualquer; quando menos se espera ela vem e te assalta a bolsa e a corrida. Mas ela não te deixa nu na calçada, ela não te faz mais que o normal; poderia ela te amar ou te odiar, essa vida que te traz no existir? Está certo, tem aquele vago desejo que te alucina sempre no querer; e o que dizer dos tempos de estio, quando o próprio cio vira solidão? Vem a vida te perder nos erros, na alma almofadada de u’a mulher; cheirando a noites de puro bem, te fazendo viver mais que a vida. Vem a vida te deixar coisa sonhada, como a mulher que te traz o sal comesse dentro de ti o teu mar, te parisse bem velho a sorrir. Vem a vida cheia de sonho e arquejo, te moldando em conhecido reviver; sem te falar daquele pavio, fio sempre aceso, pronto para a explosão.


O assassino saiu bem cedo de casa E foi ao supermercado Comprar tomates. Depois afiou facas E justificativas E descobriu que a carne É sempre de segunda. Quando o sol Era sem sombras olhou os edifícios. Depois molhou as plantas E lavou as cuecas E descobriu que a alma Não se lava com Omo. Quando a lua Era alta e virgem Olhou os edifícios. Depois vestiu as luvas, Calçou as botas, E descobriu que a estrada Sempre acaba onde começa. O assassino saiu de madrugada E foi ao parque Procurar vestígios de répteis. No seu lugar habitual, Esperou a passagem do vento.


O assassino foi encontrado Pela manhã Numa alameda mal-cuidada, Coberto de sangue. Com um desespero leve Em seus olhos arregalados, Segurava calmamente Uma brisa. Seu rosto era bonito. Contudo, o que mais se destacava, O que mais mexia com aqueles que O olhavam, Eram seus lábios. Sensuais, carnudos, oníricos, Com uma vaga cor De tomates maduros.



Lunar



Caminhava como quem sonha Um andar constante e doído Através de paragens e sombras Seguindo um caminho perdido O sol não me queimava o rosto Pois minha pele era todo pó O vento não me tocava jamais Eu era pedra - ternamente só A noite dormia em pés alados Que teimavam em descobrir dias Às vezes sorria para o alto Olhando as estrelas bem frias Não me apetecia profanar O segredo que a noite traz Em silêncio e melancolia Mergulhava numa inquieta paz Só sei que nada de tudo conheço E caminho nas terras que são Faço meu destino e por ele sou feito Sou amigo de mim e meu único irmão


Rua Lua Perto da terra Endereรงo distante


AUTOPSIQUIATRIA

O poeta é um puro louco. Louqueja tão loucamente que chega a louquejar pouco a loucura que sempre sente. E na loucura que delira eles lidam muito bem; não as cordas da lira, mas só as que eles não têm. Lá nas montanhas da Lua gira a enlouquecer a razão esse disco-voador de rua que se chama o coração.


LÍNGUA MINGUANTE

1

Entre a minha língua e a tua existem palavras à míngua. Nossa boca vestida de dentes; nossa língua de sonhos despida. Entre a minha fala e a tua existe um verbo que não se cala. Entre o ser vivo das gentes existe mais que um adjetivo; entre o ser posto das coisas existe mais que um aposto. Entre a minha voz e a tua existem frases a serem ditas. O silêncio prende, se amua; transforma o ser em coisa aflita.

2

Aqui está um poema solitário, escrito incólume nessa face desvelada de papel e espaço;


apenas mais um ser de cenário. Mais um poema vulgar e real, trazendo vivo como se revelasse uma tarefa num único abraço, como se moldasse o bem no mal. Ignorado de sua própria criação, o poema não veio para decifrar o leitor hipotético de vagar; o poema acontece em danação, voraz construtor de fantasias, destroços verbais de maresias.

3

O poema jaz subterrâneo no poeta; dele é parte fulgurante e escura. O criador não sabe que ele é meta da criação, assim repleta de pura fábula ou sonho ou mito ou verdade. O poema se compraz em atordoá-lo, torcê-lo em seu pescoço frouxo, tirar o equilíbrio de seu pé coxo, atirar sua alma no resvão do calo, fazer dessa escritura uma vaidade.


O poema é escravo e rei soberano. Mal sabe o poeta dessas maldades do que o poema é capaz, no plano ardiloso de se esconder nas idades.

4

Entre o meu poema e o dele existe apenas uma intenção de um pacto forjado no chão, feito de palavras e peles. Entre o meu poema e o nosso não medeia mais que um nada, só o vento mexendo os ossos de uma sepultura arruinada. O meu poema é melhor que o ar, o dele é mais que uma beleza; eu caio na armadilha do sonhar, ele permanece sobre a mesa. Apago a luz e esqueço quem era, e ele fica recolhido em espera.


O universo ĂŠ tĂŁo pequeno Cai o sereno No verso das estrelas


Eu tenho inúmeros olhares: são pássaros que preveem tempestades; são sonhos que aprisionam mares em fugazes vislumbres de cidades, são meus olhos de tabaco e madrugada. Eu tenho milhares de gestos: são insinuantes e ríspidos a abarcar outros corpos que ocupam incestos em lugares bisonhos para se amar: são meus gestos de fadigas e encruzilhada. Eu tenho infinitos passos: são nervosas e rápidas pernas; outras ruas que se perdem em traço por sobre a superfície da terra eterna: são meus pés suados de jornada. Eu tenho apenas um corpo e só um coração aspirante à saída; o que faço é fazer um dia torto, que embora fugitivo será ferida aberta no escuro dessa estrada.


Noturno



Gostarias, quem sabe ?, sombra minha, de caminhar pelo azul da noite, e por outras cores alĂŠm das que conheces ? Apesar, se existes sĂł em parcelas de mim, quando o outro lado da luz se acende entĂŁo surges, sombra minha, sombra calculada, reacendes o fato estranho de se sentir especial, algo a ser invocado em noites escuras. Ah, essa maldita estafa de viver, apagar de vez esse olhar embriagado no espelho do banheiro. Minha sombra me espera, assombra-me na noite, amor incendiado, amor de sombra e cores ignoradas.


A madrugada escorre, água parada na sarjeta dos séculos urbanos: a lua baça sobe por latitudes e coordenadas imaginárias. Ah, como imaginávamos a noite na sua maturidade... Agora, quando os carros passam e ecoam histórias nos paralelepípedos da avenida, a noite e a cidade são uma coisa só, entremeadas de augúrios e sinais e pó, recriando a música nos ruídos e gemidos esparsos, que conseguem dizer das palavras algo que não podemos saber senão no término da jornada.


Ah sombra, sombra. (paronomรกstica) Grita em tua sombra solitรกria em poste quase queimado. (luz obscura, cheiro de lixo) Ah sombra, assombra a luz deste poste; um gato passa, repassa o bicho.


ODE NOCTÍVAGA

Não venham as noites que não bebi. Os sonhos, eu os traguei: as águas passaram por sobre os tenros telhados de bares, e eu fiquei. Desejos, desejos, por que não sabê-los? Conhecê-los em suas incógnitas: aquela deusa diáfana de jeans e solidão, aquela ninfa de ar que trouxe a solução, aquela náiade de fogo que faz a amplidão: todas e mais nenhuma não me traduzem do que é ser uma mulher, (pelo menos para o meu desejo que não conhece o conhecimento), e não sabem me trazer o odor da fruta quando ela é apenas projeto de sonho. Venham, pois, as cariátides da imensidão, dizendo-me, sabendo-me, traduzindo-me em comezinho, banal ser;


macho por um acaso, devorando-me em meus olhos de cerrado carvão. O desejo é o mal, ou qualquer coisa, embora o prefira por ser nunca desigual o meu olhar em seus seios, coxas, ancas, ventres, úteros, nada, afinal.


Rua deserta lua desperta o olho sonha


O tempo passa rápido, pensa o olho do poste de luz, brilhante olho amarelo vendo passar algum vivente, ou gato ou homem. O tempo passa rápido, pensa o olho da lua quase cheia, brilhante olho prateado, vendo passar algum vivente, ou estrela ou sonho. Eu que não penso nada, daqui da janela do quarto. Não passa muita gente na rua, quatro da manhã, o mundo gira, um dia o mundo acaba, só a noite não sabe disso, nem a estrela bem luminante que vi sumir detrás do rio. O tempo passa rápido.


Noite calma... As estrelas subsumidas no espaรงo. As luzes... Um gato observa a rua. Detrรกs das portas, Dormem sonhos.


Chuvíssima noite de charcos no céu, relampejas a água, soltas o trovão, inundas a cidade, carros, prédios, léu: chove em todo o construído chão. Um impassível gato passa além de ti, procura um abrigo, ele não há além; quem sabe aquém da última marquise, quem sabe adiante daquela luz também. Um carro esmoreja seus faróis de luz, o gato se encaracola, molhado de ratos, seguro a noite de chuva no que me seduz, acendo um cigarro, ilumino os fatos. Ah, noite, de incendiados parcos versos, noite de insônia de sonhos, amplexos, noite, mais uma na sacada do universo, noite, noite, para adiante do teu plexo.



Marinho



MARINHEIRO

Volto de novo ao velho mar velejando por águas profundas que me dão temor O horizonte não me parece longe nem estranho Sei que vou chegar a saber meu destino ele não brinca mais comigo pois estou montado nos meus sonhos qual cavaleiro sobre as águas da existência Assim vou para a beira do infinito observando o vento me alertar inútil porque já estou cavalgando os cavalos-marinhos


DUAS CANTIGAS à Martim Codax

1 Ondas do mar do Rosa, águas das mais belas, quereis bailar comigo ? Águas do mar do Rosa, ondas da mais Bela, quereis bailar comigo ? Águas das mais belas, vosso corpo de nua cama, quereis amar comigo ? Águas verdes d’Ela, vosso corpo de crua lama, quereis amar comigo ? Vosso corpo de lua chama, areia e vento do mar, quereis sonhar comigo ? Vosso corpo de pura fama, teia de vento do mar, quereis sonhar comigo ?


2 mar é morte mar é moto contínuo dentro da mente audaz mar é sorte mar é moto contínuo dentro do corpo falaz mar é corte mar é moto contínuo dentro da alma sem paz onda vela vela onda o corpo naufragado de meu amigo amado perdido na noite longa


Alguém achará essas palavras noutro instante diferente deste, e o rio de suas iguais águas continuará a passar. A verdadeira viagem é o retorno; sempre para o imenso mar os rios tornam: o céu se molda água, e a linha do horizonte continua a fugir do perpétuo marinheiro. Jogo a garrafa, com sua mensagem tão própria de mim, nas ondas, que deixam fantasmagóricos indícios a meus pés. Ela desaparece, volta a surgir, aqui e ali um reflexo, pronto... não mais a vejo. Olho para as nuvens, beijo a face do vento, e me dirijo para a solidão tão peculiar dos sonhos.


BEIRA-MAR

As coxas do dia são douradas; noites de bom sono e preguiça estendida na areia. Os seios são ninhos de senões: (devo ou não devo? será que ela me quer?) o ventre escasso deixa entrever uma noite bem obscena. (seus olhos são escriturados em verde tinta) As coxas do dia ficam mais queimadas à passagem do sol indiferente; passarei meus dedos ávidos molhando-as com silente desejo.


Essa velha, velhíssima música que se vai pelos vãos das ondas, quando o mar esvai-se-nos, quando a praia é apenas areia. És tu, Ulisses, no rumor sem cor deste mar amargado, um mar ? És tu, Lisboa, névoa de ventos ? Já não sonho: és-me este sonho, cem vezes sonhado, esta glosa irrefletida de palavras, e só. No mar de todos os sonhos, o sonhador é : ser aquático. Afogado e feliz, Ulisses sonha.


NAVEGARNAVAGANAVE

I Meu barco é o vagar Meu barco é o mundo Onde acabo em segundos Meu barco é o trilhar Meu barco é pedra e poeira Molhando de vez primeira Meu barco é o penar Meu barco é ponto no espaço Desafio o suor no que faço Meu barco é o saltar Entre a noite e a escuridão Até o dia e sua amplidão § Meu veleiro é o sonhar Meu veleiro é o fazer perfeito Tão eleito fazer que é leito


II O céu é o olhar O céu é uma mulher De olhos e faces quaisquer A nuvem é o pairar A nuvem é o sinal futuro Negando o claro e o escuro A calmaria é o voar A calmaria é o caminho real Onde espreito o mar e seu sal A terra é o estar A terra é o que permanece E que meu vento não esquece § A caminhada é o ficar Onde tudo que se mereça Seja a luz por sobre a mesa


III O barulho das vagas é o açoitar Dos pássaros no horizonte Onde o sol poente é fonte A música é o dançar Nas noites de lua cheia Sobre o convés das sereias O som é o girar Dos fantasmas tripulantes Doces marujos amargas amantes O sentido é o desejar No silêncio e na espera Na fuga de uma primavera § Meu espelho é o amar Imanente estado d’água Sem sinal de dor ou mágoa


IV Meu arco é o caminhar Dou voltas em ondas estradas De brisa sonho e jornadas Minha corda é o arar Das marés noites em claro No leme que sempre agarro Minha seta é o varar Até o dia enlouquecido Ferir-se sem tê-lo sido O corpo é o navegar Por dentro e fora d’alma Sem pressa e sem calma § O canto é o curar Das palavras não ditas Que mergulham malditas


Dinamene, Dinamene, Onde está o teu viajante; Afogou-se contigo no Rio que engole o mar? Dinamene, Dinamene, Onde está o teu amante; Dorme contigo, nu, Eternamente sem lar? Dinamene, Dinamene, Onde está o teu semblante; Figurado em papel cru, Para além do vão afogar?


Acordo-me náufrago: urge-me ânsia de mar. Que faço?, já gago de tanto sonho falar. Vou-me indo a Marte, ou Pasárgada, sei lá!, tudo faz mísera parte; sonho do lado de lá. Porque aqui não estou, nada sei, sou morto; acordo na noite, vou ao navio, não há porto.

O navio já vai distante, e deixo o cais adiante.


Celeste (sonetos metalĂ­ricos)



I Oh sim, desculpe-me menina, criatura de vozes e sombras, por essa insônia de alfombra: não desmereço minha doida sina. O dia consegue ser turmalina em qualquer entreaberta porta, nesse sonho que somente aporta no cais resoluto da madrugada. Oh sim, desculpe-me enfim, ainda que eu seja bem sério e mais velho que um Serafim, tenho resguardado um mistério para aquele dia recolhido e só: cem sonhos cobertos desse pó.


II Não vou te cantar os seios, amada minha e de outros; não temo fazer outros meios para conceber aqueles fins. Aspiro teus olores: jasmins Sabendo a um sabor de verão; arrombo em silêncio teu dia e perco a chave de teu portão. Colho teus olhos e alimento, com sinais de covardes guerras, tua carne de violentas terras. E sulcas minha acre pele, deixas derramar tuas palavras, ouro de extinguidas lavras.


III Quando passo em ti qual onda, deixo espumas, solto marcas em tua areia molhada de todo: somos animais feitos de lodo. Mas tu és rochedo ou castelo, não sou guerreiro nem revelo minha fragilidade que ronda pelo mar, na água de tua fronte. Quando olhas para mim, não és essa neblinosa costa ao longe que observo quando volto. Quando olhas para mim, grito sob escuro teto que vem e foge, e retorno para ti e me solto.


IV Que teus olhos traziam cores, estranhas e mortais flores num gramado pisoteado de ar, era algo que nĂŁo poderia negar. Eram comuns olhos de estanho, lembravam minas vazias de ganho, buracos pĂĄlidos de minĂŠrio frio, minas devassadas pelo meu cio. Quem dera ver mais claro e alto o que deveria me falar um salto E um mergulho para dentro do mar que existia em teus olhos, num par de matizes de flores e rochas: olhos que o vislumbre desabrocha.


V Mas teus olhos bem enganadores prendiam-me belo e tonto, lá onde não é o existir das cores que define um vasto soçobrar: estava acorrentado a tais seres já impacientes de quereres. Olhos tecidos de ectoplasmático fio ou rede de vento asmático enveredando por outros ventos, olhos que se perpetuavam lentos. Uma luta por fim apaziguada transformou essa teia inatural em dédalo de seda serenada: teus olhos de bem e de mal.


VI Se falo tanto de teus olhos secos é que sou faiscador de seduções, procuro diamantes em ácidos becos, ou apenas molho teus colchões com esperma de volúpias afligidas: tanto faz, menina de tez fingida. Teu corpo agora eu compadeço em aceitar e renegar, apertado na libra de um raro, incomum apreço: falarei dele para a morte eterna. Teu corpo que de olhos é formado, não é mais que a morte ou a paixão: coisas fúteis que um alucinado pode deitar tudo a perder no chão.


VII Mas os amores nunca, um dia, Tornam-se o que eles revelam. Quando um nos traz melancolia, uma face reticente se alteia. E volta ensandecida a alegria. Falar de quais outros receios? Do amor solene virar em areia, de olhos sem rebentos nem seios? Onde encontrar o corpo do abrigo, se a vida incĂłlume se esvai na partida do orgasmo antigo? E o desejo, miragem talvez, onde ele ajuda, onde ele trai? Ah menina, ĂŠ chegada essa vez.


VIII Por um instante onipresente senti mais que tua ausência; mergulhamos em vazio quente, sem saber da vívida falência feita vida virada em sopro, ou concha de areia tantalizada. Ou quem sabe um grisalho lobo ganindo faminto noutra estrada que nos arrebata sempre daqui, para junto de mais um começo: aquele obsceno e puro apreço Que nos pesa um ao outro. Em todo o desejo preso e solto existe um insinuar a definir.


IX Tragado pelo vento solícito, remeti meu sentido além, muito além do lancinante páramo onde fui habitar. Vi um sonho bem explícito nesse voar solitário também, e vi mais ainda o amante que todavia tenho sido no ar. Voando pelo vento atordoado, não pude nunca mais parar. Eu era um rápido arrepio naquele sopro determinado. E pude minha paixão cantar na inconstante voz de um rio.


X Por que temos talvez um lerdo, incipiente medo de achar um fero segredo no gesto sem sua vez, na fala roufenha de azul da paixão serena de frio, no sentido de um blue e sua música como um fio, corrente de lentas horas, suas nuances harmônicas desfazendo-se no agora? Como se fosse água agônica, nosso medo vai-se embora, e ficamos sábios lá fora.


XI Certamente acredito em sinais, sempre tenho um razoável delírio: vejo que ter o dia se muda jamais em sonho estéril, em inútil filho. Eu pergunto bastante àquela agonia: que é sonhar sem saber-se à glória ou desencantada frustração de algo, indefinido como uma bela escória? Apesar disso permanecemos no lago de torturados olhos de euforia: eu a escrever o mergulho no espaço, Tu a deixares tudo muito claro. E nós a pressentirmos na carne um corte bem forte de tênue aço.


XII Volta nessa dor, nesse alento de alcatifado deserto pedregoso, o bailado hipnótico de teus olhos, fazendo mais que um rio atordoado, violência de um dúctil cimento. E saio a correr pelo ar vaporoso de minhas lembranças, num molho insípido de sustento insinuado. Não, menina, não voltes para cá, não me alimentes, deixe-me à míngua por favor, vou-me querer afogar. Por esses olhos de trágica amplidão vou cegar os meus, cortarei a língua, não te tocarei mais, nunca mais não.


Azul



• Azul-cobalto azul-celeste azul de salto azul de peste azul de fome azul sem nome azul azul azul azul

assim azul nada azul quase azul toda azul

azul azul azul azul

inconteste que nĂŁo ĂŠs que me deste das marĂŠs

azul azul azul azul

do sul da noite azul azul de pernoite


•• azul-amianto azul de espanto azul-radiação azul-turmalina azul de retina azul de chão Meu corpo se fendeu azul de breu azul de ser meu teu azul não sou eu Tua alma é azul teu corpo também olho bem azul que não vejo bem Azul azul azul mar azul azul de mar azul azul azul onde o azul, onde o mar?


A gente sempre pensa: um corpo não compensa. Por mais crime que seja, tem o corpo que almeja; não aquele que me beija, mas um outro que pensa, um corpo passível de clara destruição. Ora, é plausível... Porque não há o porquê. Não há nada, a não ser esse nosso corpo que pensa. Não existe o tal ser: existe (se existe) o corpo que insiste, o que se compensa naquele escuro senão. Seria possível?



Composição: Santa Maria (1978 - 1979) – Porto Alegre (1980 – 1988) – Rio de Janeiro (80s) – Brasília (1989 – 2001) Montagem e Revisão: Belo Horizonte (início 2002) – Rio de Janeiro (fim 2016}


AZUL – crônica de uma criação Pelo autor Belo Horizonte, 29/10/2002 – Rio de Janeiro, 30/08/2016 O livro AZUL (poemas dispersos) não deixa de ser uma compilação de poemas escritos ao longo de mais de duas décadas de criação poética. O próprio subtítulo oferece uma indicação nesse sentido. Não obstante, percebi, entre os vagares da intuição, que o livro, dividido em seis partes, obedece a uma ordem de sentido, embora a execução dos diferentes poemas que compõem essas partes (ou matizes da cor azul) esteja espalhada pelo tempo e pelo espaço. Pensando na possibilidade, quiçá remota, de ser algum dia escolhido como objeto de análise e interpretação, ofereço uma indicação do tempo e do espaço e das circunstâncias em que os poemas vieram ao mundo dos Homens.


A História O livro AZUL (poemas dispersos) foi terminado (?) em 2002*, depois de várias versões. A primeira vez que resolvi compor um livro de poemas foi em janeiro de 1988. Animado pela presença de uma máquina de escrever, da casa e do carinho de minha prima, de seu então companheiro e do filho bebê de ambos, além do beneplácito de um mês pela frente de sol e praia no Rio de Janeiro, animei-me a colocar em uma ordem coerente a minha produção poética de quase uma década. Trabalhando aqui e ali um verso oco, um ritmo capenga e uma sintaxe arrevesada, montei o livro, que mantém o mesmo título, algo simplório, propositalmente falando. Inscrevi o resultado de duas semanas de catilografia em um concurso de poesia no Rio de Janeiro, naquele verão. Desnecessário dizer que nunca soube do resultado. A segunda versão aconteceu em 1989, em Porto Alegre, naquele dezembro quente, naquele apartamento de uma grande amiga, que gentilmente me ofereceu a sua


máquina elétrica Olivetti Praxis 20. Em alguns dias, coloquei em uma ordem primária os poemas que julgava adequados para a minha estreia literária. O ponto de partida, é evidente, foi a primeira versão do AZUL, com alguns poemas excluídos e muitos incluídos. Foram tiradas poucas cópias, distribuídas entre amigos e a repercussão, se aconteceu, foi dissipada pelo tempo. Nunca me atrevi a mandá-lo em manuscrito para editoras. Decerto, seria colocado em uma gaveta ad eternum. Alguns anos se passaram e a produção continuava, não no mesmo ímpeto desairado de antes (quantos poemas, ou embriões de, escritos em papéis os mais diversos e em circunstâncias e locais idem não devem estar perdidos pelo mundo?). Com a chegada do computador pessoal, o meu trabalho de compilar os poemas virou uma eterna obra em progresso. Dezenas de tentativas de compilação foram feitas, todas elas registradas e catalogadas, de forma confusa e difusa. Em 2000, o desejo de dar um basta àquela obsessão quase paleográfica levou a me concentrar em compor o livro


em matizes da cor que o nomeia: descobri certas invariantes temáticas, certas idiossincrasias em meu trabalho como poeta. Assim, estruturei o livro a partir de um único verso, inexistente em qualquer poema que porventura fiz: URBANO LUNAR NOTURNO MARINHO CELESTE AZUL Também podemos ler como as diferentes matizes, ou manifestações, da cor AZUL, poeticamente falando: (AZUL) URBANO – Poemas de índole citadina, abrangendo instantes da vida em comunidade, epifanias prosaicas em diferentes horas do dia, do amanhecer ao anoitecer; (AZUL) LUNAR – Os sortilégios da lua e as lunações da criação poética; (AZUL) NOTURNO – Revelações e angústias da vigília noite adentro; (AZUL) MARINHO – Thalassa! Thalassa! (AZUL) CELESTE – Sonetos de amor e desencanto. Embora distantes no tempo


e no espaço, eles mantém uma perfeita e quase narrativa sincronia. AZUL – o poema que nomeia o livro, um exercício rítmico de lirismo, quase uma canção. Escolhi dois poemas para abrir e fechar o livro: É no corpo que a alma se consola e A gente sempre pensa [os seus primeiros versos], ambos de 1991. Pareceram-me apropriados para indicar o erotismo que permeia, de forma atenuada ou acentuada, a obra. A seguir, uma breve contextualização de cada poema (em itálico, o primeiro verso, em maiúsculas, o título; as datas são as iniciais, isto é, quando eles surgiram pela primeira vez, antes de serem lapidados).


O LIVRO Dedicatória: Fiat Voluntas Tua [Faça-se a Tua vontade]. De Deus ou do livro ou de ambos ou do Nada, o definitivo nome da Divindade. Epígrafe: versos de Tabacaria (1928), de Álvaro de Campos. Acredito pertinentes. É no corpo que a alma se consola (1991 – Brasília) Um dos meus poemas prediletos, de certo modo é a minha summa existencialis.

(AZUL) URBANO O dia deu em cinza (novembro 1999 Brasília). Reflexões sobre um dia nublado qualquer, ao acordar, visto da janela do meu apartamento no Areal, em Brasília. A rua (1985 – Porto Alegre). O olhar de flaneur sobre a Avenida Oswaldo Aranha, em Porto Alegre. QUARTO DE HOTEL (dezembro 1991 – Porto Alegre). Escrito em um hotel de


terceira em Porto Alegre na manhã de uma cerimônia de casamento na qual fui um convidado inesperado. Meus futuros impossíveis biógrafos que se virem! À uma hora da tarde (maio 1991 – Brasília). Epifania pré-almoço, vagando pelo campus da UnB, do ICC – Sul até a Biblioteca Central. O poema é esse olhar faminto àquelas cuja beleza já feneceu. Ah, não pensar em nada (1995 – Núcleo Bandeirante). Um momento de enfado qualquer. ELEGIA PORTO-ALEGRENSE (novembro 1988 – Porto Alegre). Uma despedida à cidade que amo, de volta a Brasília. A tarde continua solta (1986 – Porto Alegre). Outra revelação súbita, em um domingo de sol no Brique da Redenção, em Porto Alegre. Tardíssima tarde de inverno: azul esfregado (1988 – Porto Alegre). Com o pensamento longe, em Santa Maria. Escrito no meu antigo apartamento de Porto Alegre. Quatro e meia (1992 – Brasília). Um divertissement prosaico no finado DCE


Bar, em Brasília. A noite tropeça (1991 – Brasília). Idem. Seis e meia (1982 – Porto Alegre). No balcão da Lancheria do Parque, vendo a vida passar, na minha melancolia habitual. Vem a vida te ganhar aos berros (1990 – Porto Alegre). Janeiro quente em Porto Alegre, em meio a amigos e cervejas. O assassino saiu bem cedo de casa (1984 – Porto Alegre). Vagamente inspirado na música THE END, do The Doors.

(AZUL) LUNAR Caminhava como quem sonha (maio 1981 – Porto Alegre). Aula de Introdução à Ecologia, em uma sala do Campus Central da UFRGS. Sentado à janela, olhava as folhas do outono dançarem no saibro do passeio quando essa milonga surge no caderno. Trabalhado ao longo de vários lustros. Rua Lua (1985 – Porto Alegre). Hai-kai singelo. AUTOPSIQUIATRIA (1991 – Brasília). Uma de minhas glosas pessoanas. A fonte é


deveras conhecida. LÍNGUA MINGUANTE (1990 – Brasília). Sonetos escritos em uma madrugada qualquer, na SQN 202, quando estudava Lingüística. O universo é tão pequeno (1986 – Porto Alegre). Outro Hai-Kai. Eu tenho inúmeros olhares (1988 – Porto Alegre). No auge de uma paixão (biógrafos!)

(AZUL) NOTURNO Gostarias (1985 – Porto Alegre). Ah, minhas vigílias no banheiro... A madrugada escorre (1986 – Porto Alegre). Ah, minha insônia... Ah sombra, sombra (1986 – Porto Alegre). Epifania vagabunda em u´a madrugada, antes de dormir ODE NOCTÌVAGA (1991 – Brasília). Escrito de ressaca, talvez. Rua deserta (1990 – Brasília). Mais um


Hai-Kai. O tempo passa rápido (1986 – Porto Alegre). Olhando as luzes do rio/lago Guaíba, lá longe. O adjetivo luminante é um neologismo involuntário. Noite calma (1997 – Brasília). A noite estava calma, mesmo. Chuvíssima noite de charcos no céu (1994 – Brasília). Um toró, um gato, um carro.

(AZUL) MARINHO MARINHEIRO (1978 – Santa Maria). Meu poema mais antigo (ou o que melhor se preservou). Sem alterações desde a sua criação. DUAS CANTIGAS (1990 – Brasília). Exercícios de Cantigas de Amor, enquanto estudava Literatura Galaico-Portuguesa. O verso As águas do mar do Rosa refere-se à praia do Rosa, em Santa Catarina. Alguém achará essas palavras (1982 – Porto Alegre). Mensagem em uma garrafa além-Tempo e Espaço.


BEIRA-MAR (1991 – Rio de Janeiro). Ah, Ipanema plena de sol... Essa velha, velhíssima música (2000 – Águas Claras). Ecos de Camões, de Pessoa, de... NAVEGAR NA NAVE VAGA (1986 – circa 2010, Porto Alegre e além). A estória ou história desse poema é deveras curiosa, mesmo para meu absconso fazer poético: durante uma noite extremamente intensa de 1986, em meio à balbúrdia de uma mob party em meu apartamento, bateu-me uma imagem marinha e coloquei meu daimon para trabalhar. Páginas desconexas de manuscrito foram o resultado. Ao longo de décadas lapidei o insight daquela barulhenta noite. Dinamene, Dinamene (1999 – Águas Claras). Imerso nos Sonetos de Camões, preparando (?) aulas de Literatura Portuguesa. Acordo-me náufrago (1993 – Brasília. Resultado de uma ressaca qualquer. A forma é pretensamente elizabetana.


(AZUL) CELESTE Sonetos das mais diversas maneiras, escritos ao longo dos anos de 1984 a 1990, principalmente em Brasília. O encontro/ desencontro amoroso transfigurado em versos. Há uma quase narratividade na ordem de apresentação dos sonetos. A montagem deu trabalho.

AZUL AZUL (1986 – circa 2000, Porto Alegre e mais além). Trabalhado ao longo do tempo. Uma canção a ser musicada. Será? A gente sempre pensa (1991 – Brasília). Talvez a resposta desencantada do poema de abertura. Ou seria a sua refutação?

Para finalizar essa tentativa de auxílio aos exegetas futuros, a memória falha em guardar mais circunstâncias da criação dos poemas que compõem o livro AZUL ( poemas dispersos). Com relação a sua análise formal, deixo-a aqueles que têm prazer nessas minúcias.





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