O Que Há de Concreto na Canção - Gil de Assis e Ana Fridman

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O que há de concreto na canção Do que é feita uma canção? Esta é uma pergunta que ronda a música brasileira moderna, entendida assim a partir dos primeiros acordes de João Gilberto, e sobre a qual vários atores envolvidos no processo do fazer musical, entre músicos, críticos, acadêmicos e compositores se debruçam para tentar, se não responder, ao menos entender o encantamento que uma canção provoca. É também a partir dessa pergunta que esses mesmos atores criam novas ferramentas para continuar produzindo e mantendo viva a linha evolutiva da música popular brasileira. Desde a declaração de óbito da canção, proferida pelo crítico José Ramos Tinhorão em 2004, esse debate tem se concentrado em discussões sobre mercado e sua necessidade de produzir música para o esquecimento. Quando os músicos Gil Assis e Ana Fridman nos procuraram com um projeto para enfrentar essa questão, nos propuseram, de maneira inteligente, uma nova maneira de encarar a pergunta. Ao se indagarem sobre o que há de concreto na canção, o que se procura é conhecer a sonoridade que existe por trás de cada palavra. De buscar, na palavra escrita, sua for-


ça e memória. Trata-se de investigar as possibilidades que a poesia, em especial a concreta, oferece para o universo musical. Desafio complexo, mas que, como pode ser ouvido aqui, ajuda a avançar o debate. Com esse CD, o Sesc reafirma seu compromisso de incentivar projetos que busquem a convergência de linguagens, ajudando a estabelecer novas relações entre música e literatura, ao mesmo tempo em que contribui com outros argumentos, colocando novamente os criadores – poetas e músicos, no centro da discussão.

Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo


A carne da canção é feita de ossos? A canção popular brasileira hoje é atravessada, arremessada, retalhada, fragmentada, desfigurada por tantas linguagens que é de se surpreender como deglute, consome e se reconstitui, soberana. O Brasil é feito assim, na complexidade transformada no simples, no plural virado singular. Gil e Ana nos propõem uma viagem. Eles elegeram uma série de poemas – ossudos, secos, visuais – para transportá-los a outra linguagem: a canção popular. Como torná-los ouvíveis, além de visíveis? Como torná-los cantáveis, apreensíveis e reconhecíveis, carne além do concreto? Aqui, como observadora, vejo-os como arqueólogos de poeira estelar: eles tinham que encontrar, nos ossos, a carne de que somos feitos. Bota dificuldade nisso, porque desafio maior que esse... Mas, aproximemos mais o olhar. Gil e Ana, Ana e Gil. Parceiros, casal. Eles, juntos, buscando o indizível, as entrelinhas, o que já está e não se vê. Um mergulho de mãos dadas, um salto compartilhado no escuro. O resultado é tão belo, tão rico, que nós, espectadores ouvintes, nos esquecemos de que são poesia virada música. São lindas canções do


vasto repertório popular, todas devidamente despertadas de seu sono de osso para virar carne. À exceção de Nome, de Arnaldo Antunes, as agora-canções são ora descobertas por Ana, ora por Gil, ora por ambos: essa alternância rica de casal, onde um completa o que o outro começou, onde a ideia esboçada vira gesto, o som vira arranjo. Nesse ritmo casal enxergo o poema Alice sob novas luzes, também: a palavra de Leminski através do espelho/Alice despertada por AnaGil. E a delicadeza dos sons! A vontade do existir... O escuro e suas luzes. Luzes de Ná Ozzetti, Marcelo Pretto, Carlos Careqa, Zeca Baleiro, todos os grandes músicos que aqui constituem o osso/carne, os sonhos compartilhados, a música virada concretude, aqui, ao alcance das mãos/ouvidos. Sim, a alegria de ouvir essas canções foi ainda maior do que a surpresa de ter sido convidada por Ana e Gil a escrever algumas linhas para o encarte. Vocês vão ter que se virar com estas mal traçadas, mas, celebremos: a canção popular brasileira, essa, sim, vive.

Suzana Salles



a grama desenha o verde a árvore desenha o céu o vento desenha a nuvem a nuvem desenha o azul a água desenha o rio e o homem desenha o tempo na exatidão do sonho

01. a

grama desenha o verde [poesia Amílcar de Castro / música Gilberto Assis]

arranjo e piano Ana Fridman, contrabaixo Gilberto Assis, harmônica Vitor Lopes, clarone Mario Checchetto, bateria e gongos melódicos Sergio Reze, percussão Caito Marcondes, voz Carlos Careqa / BRSC41500067


o cão vê a flor a flor é vermelha anda para a flor a flor é vermelha passa pela flor a flor é vermelha

02. o

cão e a flor [poesia Ferreira Gullar / música Gilberto Assis e Ana Fridman]

arranjo, violão e viola Gilberto Assis, piano Ana Fridman, harmônica Vitor Lopes, clarone Mario Checchetto, voz Zeca Baleiro / BRSC41500068


aves de ramo em ramo meu pensamento de rima em rima erra até uma que diz te amo

03. aves [poesia Paulo Leminski / música Ana Fridman]

arranjo e piano Ana Fridman, contrabaixo Gilberto Assis, clarone e sax soprano Mario Checchetto, bateria e gongos melódicos Sergio Reze, percussão Caito Marcondes, voz Ná Ozzetti / BRSC41500069


algo é o nome do homem coisa é o nome do homem homem é o nome do cara isso é o nome da coisa cara é o nome do rosto fome é o nome do moço homem é o nome do troço osso é o nome do fóssil corpo é o nome do morto homem é o nome do outro

04. nome [poesia e música Arnaldo Antunes]

arranjo e contrabaixo Gilberto Assis, piano Ana Fridman, harmônica Vitor Lopes, sax tenor Mario Checchetto, percussão Caito Marcondes, voz Marcelo Pretto / BRSC41500070


era uma vez em que chovia chovia tanto que até hoje tenho os olhos cheios d’água

05. fim

de caso [poesia Antônio Risério / música Gilberto Assis e Ana Fridman]

arranjo Gilberto Assis e Ana Fridman, piano Ana Fridman, violão Gilberto Assis, voz Carlos Careqa / BRSC41500071








leio um quadrado leio um círculo leio uma linha vejo um triângulo

como um dado como certo como minha no deserto

abro a janela mastigo um pão marco um ponto desenho a perna

como se fosse ela como um leão num impossível outro de fora da janela

faço isto tudo ando pra frente fico na mesma

como se fosse entrudo no meio da gente a olhar pra lesma

como um bife olho pró lado estou assim

dentro dum esquife no fundo de um lago como se fosse o fim

06. das

duplas figuras [poesia E. M. de Melo e Castro / música Gilberto Assis]

arranjo e contrabaixo Gilberto Assis, piano Ana Fridman, harmônica Vitor Lopes, sax soprano Mario Checchetto, bateria e gongos melódicos Sergio Reze, voz Marcelo Pretto / BRSC41500072


arranjo e piano Ana Fridman, baixo fretless Gilberto Assis, harmônica Vitor Lopes, clarone Mario Checchetto, bateria e gongos melódicos Sergio Reze, voz Ná Ozzetti / BRSC41500073

07. alice [poesia Paulo Leminski / música Ana Fridman]

ali só ali se

se alice ali se visse quando alice viu e não disse

se ali ali se dissesse quanta palavra veio e não desce

ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece


todas as coisas do mundo não cabem numa ideia. mas tudo cabe numa palavra, nesta palavra tudo.

08. tudo [poesia Arnaldo Antunes / música Gilberto Assis]

arranjo e violão Gilberto Assis, piano Ana Fridman, harmônica Vitor Lopes, clarone Mario Checchetto, bateria e gongos melódicos Sergio Reze, voz Zeca Baleiro / BRSC41500074


movimento [poesia Décio Pignatari / música Gilberto Assis]

arranjo Gilberto Assis e Ana Fridman, piano Ana Fridman, baixo fretless Gilberto Assis, harmônica Vitor Lopes, clarone Mario Checchetto, bateria e gongos melódicos Sergio Reze, percussão Caito Marcondes, voz Carlos Careqa, backing vocal Priscilla Frade / BRSC41500075

09. um

c a l

n u v c

c

um m o m e o m p é m e m u m a m p d o m b v i n t o o n d o d a

o e a t e

m i r a g e m i r a d e u m h o r i z o n t e p u r o n u m mo m e n t o v i v o


d e lu o so if lh s sou o na eu o s meu gô o s is os b l qu pr íta p óp lo s tu e ma t an s inas tu rio de do país s

se dom s b in a s ár ba rasí ros b

10. filho

de lusos [poesia Antônio Risério / música Gilberto Assis e Ana Fridman]

arranjo e piano Ana Fridman, contrabaixo Gilberto Assis, harmônica Vitor Lopes, sax soprano Mario Checchetto, bateria e gongos melódicos Sergio Reze, percussão Caito Marcondes, voz Marcelo Pretto, backing vocal Priscilla Frade e Ana Fridman / BRSC41500076


mar azul mar azul marco azul mar azul marco azul barco azul mar azul marco azul barco azul arco azul mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul

11. mar

azul [poesia Ferreira Gullar / mĂşsica Gilberto Assis]

arranjo, violĂŁo e baixo fretless Gilberto Assis, piano Ana Fridman, clarone Mario Checchetto, jarro e hang Caito Marcondes, voz Zeca Baleiro / BRSC41500077


produção musical Gilberto Assis direção musical Gilberto Assis e Ana Fridman produção executiva Cris Amin bases gravadas entre os dias 16 e 18 de dezembro de 2014 no Estúdio Sala Viva, Espaço Cachuera, por Carlos Akamine bateria e gongos melódicos gravados no Estúdio Falando Música, por Gilberto Assis / Na música “Alice”, bateria gravada no Estúdio Sala Viva, por Carlos Akamine vozes de Ná Ozetti e Zeca Baleiro gravadas no Estúdio A Outra Margem, por Leonardo Nakabayashi em janeiro de 2015 violões do CD e vozes de Carlos Careqa e Marcelo Pretto gravados por Gilberto Assis em janeiro de 2015


mixagem Gilberto Assis masterização Estúdio Reference Master por Homero Lotito capa / desenho primeiro Maurício Fridman e João Mariano / design gráfico Luciano Pessoa e Liliane Mayo fotografia Laura Rosenthal (Ana, Gilberto, Mario, Caito, Vitor), Eric Rahal (Ná Ozzetti), Rama de Oliveira (Zeca Baleiro), Edson Kumasaka (Carlos Careqa), Lauro Lisboa Garcia (Marcelo Pretto) e Gilberto Assis (Sergio Reze) faixa 01 [a grama desenha o verde], poema licenciado por InARTS.com faixa 02 [o cão e a flor], Universal Music Publishing Ltda, poesia “O Cão”, de Ferreira Gullar faixa 07 [alice], poesia “Ali”, de Paulo Leminski faixa 10 [filho de lusos], poesia “Passaporte”, de Antonio Risério


SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor Regional Danilo Santos de Miranda Superintendentes Comunicação Social: Ivan Paulo Giannini Técnico-Social: Joel Naimayer Padula Administração: Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento: Sérgio José Battistelli Gerente de Artes Gráficas: Hélcio Magalhães Gerente Adjunta: Karina Musumeci Coordenador: Rogério Ianelli SELO SESC Gerente do Centro de Produção Audiovisual: Silvana Morales Nunes Gerente Adjunta: Sandra Karaoglan Coordenador: Wagner Palazzi Produção: Igor Pirola, Ricardo Tifona Comunicação: Alexandre Amaral, Raul Lorenzeti, Renata Wagner Administrativo: Katia Kieling, Thays Heiderich, Yumi Sakamoto

Av. Álvaro Ramos, 991 São Paulo I SP l CEP 03331-000 Tel: (11) 2607-8271 selosesc@sescsp.org.br sescsp.org.br/selosesc sescsp.org.br/livraria




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