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carta ao leitor Não foi fácil. Chegar a este resultado que você tem em mãos exigiu pouco tempo, muita colaboração e relativa paciência. Mas trabalho em equipe é assim; com a ajuda de tantas pessoas, acreditamos que o conteúdo vai agradar a todos. E essa diversidade se reflete por todas as páginas da Semana Revista, onde você encontra matérias referentes aos temas que serão abordados por nossos convidados durante a 11ª Semana do Jornalismo UFSC. Se você quiser entender melhor a história da Semana, temos um perfil dela nas páginas 40 e 41. Em época de eleições, apresentamos uma matéria sobre como políticos devem usar as redes sociais. A expediente Reportagem Bruno Volpato Caio Spechoto Camila Hammes Diego Cardoso Gabriele Duarte Giovanni Belo Guilherme Longo Helena Stürmer Janine Silva Jennifer Hartmann João Paulo Fernandes Joana Zanotto José Antônio Hüntemann Laís Souza Lucas Inácio Lucas Pasqual Marcone Tavella Mariana Della Justina Mariana Pitassi Matheus Pismel Pâmela Carbonari Rafael Canoba Rafaela Blacutt Rafaella Coury

Copa do Mundo de 2014 ganha destaque num infográfico com dados sobre gastos de infraestrutura e planejamento. Outro evento muito comentado foi o Occupy, que aparece perfilado e analisado nas páginas da revista. E como não podemos falar de jornalismo sem falar de tecnologia, ela está presente em uma matéria que aborda o seu uso atrelado à rotina de um repórter. Com ajuda de colaboradores, a revista foi feita por alunos especialmente para você, leitor. Então esperamos que você aproveite as páginas a seguir e se prepare para a 11ª Semana do Jornalismo UFSC!

Sâmia Fiates Colaboração Jorge Ijuim Núcleo de Jornalismo Esportivo UFSC Rogério Christofoletti Edição Gabriele Duarte Helena Stürmer Lucas Pasqual Mariana Della Justina Rafael Canoba Rafaella Coury Victor Hugo Bittencourt Diagramação Gabriel Coelho Jennifer Hartmann Laís Souza Rafaella Coury Revisão Gabriele Duarte Helena Stürmer

Jennifer Hartmann Laís Souza Arte William Flores Marcel Yuri Muriel Machado Lucas Anghinoni Allan Sborz Lucas Pasqual Rafael Canoba Capa José Antônio Hüntemann Coordenação Editorial Gabriele Duarte Helena Stürmer Coordenação gráfica Jennifer Hartmann Tiragem 1000 exemplares Setembro de 2012


Sumario 7

Proteste Aqui: a cobertura de conflitos e movimentos sociais

Produção independente e democrática .............................................................. 8 Onde fica a consciência no Jornalismo? ............................................................ 10 Ocuppy aqui, ali e acolá.................................................................................. 12

Pauta 2.0: marketing digital no jornalismo Pedro, cadê meu viral? ................................................................................. Sou candidato, como devo tuitar? .................................................................... Entre tapas e beijos ....................................................................................... Marketing para o futuro digital .........................................................................

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Copa 2014: cobrindo o outro lado do esporte

A busca por informações na Copa ............................................................... 22 A Copa de 2014 no sul do Brasil ..................................................................... 24 O que você não vai ler sobre a Copa................................................................ 27

Jornalismo tecnológico: Inovações e cobertura mais ampla em pauta 29 O novo oeste de software e sementes ......................................................... 30 Tecnologia além da informática ........................................................................ 31 Sobre tecnologia, ser nerd não basta ................................................................ 33 Com tablets, o jornalismo acontece na rua ....................................................... 34

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Reportagem de um personagem só: a produção de perfis jornalísticos

O começo-meio-fim de cada indivíduo .......................................................... Retratos .................................................................................................. Um Marcelo no meio do caminho ................................................................ Da vida, o que ficam são as histórias ............................................................

Palestras

Rio +2o versus Código Florestal ...................................................................... Descaso à ceu aberto .................................................................................. O bóson de Higgs para jornalistas ................................................................... Opinião no Jornal é histórica .......................................................................... Juízes no bando dos deuses ......................................................................... O jornalismo que denuncia e pune .................................................................. Cultura também se faz na internet .................................................................

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~ PRogramacao

Local: Auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) UFSC 17 a 21 de setembro de 2012

9h - 12h: Minicursos 15h: Webconferência 17h30: Mesa de discussão Proteste Aqui: a cobertura jornalística de conflitos e movimentos sociais 20 h: Palestra de abertura

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9h - 12h: Minicursos 15h: Exibição de documentários 17h30: Mesa de discussão Pauta 2.0: marketing digital no jornalismo 20 h: Palestra com Felipe Patury

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9h - 12h: Minicursos 15h: Webconferência 17h30: Mesa de discussão Jornalismo tecnológico: Inovações e cobertura mais ampla em pauta 20 h: Palestra com Frederico Vasconcelos

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9h - 12h: Minicursos 15h: Exibição de documentários 17h30: Mesa de discussão Copa 2014: cobrindo o outro lado do esporte 20 h: Debate sobre Jornalismo Cultural

9h - 12h: Minicursos 15h: Webconferência 17h30: Mesa de discussão Reportagem de um personagem só: a produção de perfis jornalísticos 20 h: Palestra de encerramento

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Proteste Aqui Cerca de 900 ocupações pipocaram pelo mundo em outubro do ano passado, a partir da hashtag #WorldRevolution. O ano de 2011 ficou marcado por pessoas tomando as ruas e reconquistando o espaço público. Seja na Primavera Árabe, nos movimentos Occupy, ou em marchas das vadias e da maconha, uma consciência de solidariedade mútua guiou as mais diversas causas pelo mundo. Movimentos sociais como esses, a desocupação do pinheirinho e a entrada de tropas de choque na USP serão o tema da mesa que vai ser discutido por: Leonardo Sakamoto, coordenador-geral da ONG Repórter Brasil; Mauro Wedekin, repórter da TV Record; Bruno Torturra, editor da revista Trip.


Produção independente e democrática ONG’s jornalísticas aproximam informação do interesse público

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ão tratar jornalismo como mercadoria, visar o interesse público e denunciar violações aos direitos humanos: é a isso que se destinam as agências de jornalismo independente. Essas organizações são alternativas aos tradicionais canais de informação e abordam temas menosprezados ou tratados superficialmente pelos mesmos. Representam a democratização da informação ao tirá-la do controle de determinados grupos e ao dar voz a quem geralmente não tem a oportunidade de ser ouvido. Isso não significa que o que é produzido na mídia convencional seja de má qualidade ou deva ser descartado. Daniel Santini, editor da Repórter Brasil, agência independente criada em 2001, acredita que é necessário separar o joio do trigo e que há muitos profissionais bons atuando em veículos tradicionais e bons trabalhos sendo realizados. Nas agências independentes, a diferença é que não há uma constante busca pela audiência e pelo lucro - o objetivo é criar uma discussão baseada em dados e não apenas no apelo emocional. Nesse aspecto, a internet amplia as dimensões do debate e possibilita um retorno mais direto do público. As agências independentes utilizam a web para divulgar seu material, e contribuem para discussão ao gerar todas as publicações em creative commons.

Os ANOS em

CONFLITOS Rafaella Coury

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Santini afirma que a decisão de liberar o conteúdo da Repórter Brasil foi tomada pela equipe a partir do desejo de que as denúncias feitas atinjam o maior número de pessoas possível. “A tentativa que a gente faz de dar voz para as pessoas deve ser estimulada, ela deve ser disseminada. Não faz sentido, nesse caso, tratar informação como mercadoria.” Jornalismo independente custa caro e o fato de as agências não estarem ligadas a nenhum grupo comunicacional e de não cobrarem pelo que produzem faz com que elas busquem outras formas de se manter financeiramente. Essas organizações contam com o apoio do público, que encontra no site as indicações para realizar doações. Na Repórter Brasil, é tomado o cuidado de não se aceitar dinheiro de empresas ou grupos que estejam envolvidos nas investigações, ou que assumam posturas opostas à da agência para garantir a independência do conteúdo.

A defesa pelos direitos humanos

As dificuldades enfrentadas não são empecilhos para se produzir um bom material. A Repórter Brasil atua na área de direitos humanos e ambientais. Uma das matérias de maior destaque foi publicada em agosto de 2011 e expôs a utilização de mão de obra escrava na confecção

1989

2000

Protesto na Praça da Paz Celestial - China: Marchas pacíficas estudantis, que foram fortemente repreendidas pelo Partido Comunista, matando e ferindo mais de 12 mil pessoas.

Segunda Intifada - Palestina: Movimento da população civil da Palestina contra a presença de israelenses nos territórios ocupados e pertencentes à Autoridade Palestina. A primeira foi em 1987.

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das roupas da grife Zara. Os repórteres, que acompanharam os agentes públicos na fiscalização de oficinas subcontratadas da marca, encontraram trabalhadores (alguns menores de 16 anos) submetidos a altas cargas horárias, condições de trabalho degradantes e até mesmo impedidos de sair de casa sem o consentimento do dono da oficina. Sobre a postura da agência diante desses casos, Santini diz que, no Brasil, as pautas sobre direitos humanos são quase inesgotáveis e que a equipe é parcial ao tratar dessas questões: “A gente é contra a violação dos direitos humanos e essa é base de qualquer sociedade democrática, de qualquer sociedade baseada em valores humanistas”. Além das reportagens, a ONG também realiza pesquisas como o mapeamento de cadeias produtivas que ferem direitos sociais, trabalhistas e ambientais e tem até mesmo um programa educacional: o “Escravo, nem pensar!” que, por meio da conscientização tenta prevenir o surgimento de mais casos como o da Zara. Denúncias como essas são acompanhadas do descontentamento dos envolvidos. É normal o recebimento de ameaças – diretas ou não – de donos de indústrias, fazendeiros, advogados, políticos e tentativas de inibir judicialmente a produção jornalística. “Já teve contra a Repórter Brasil discursos no Senado, na Câmara dos deputados. Já teve pressão por parte de políticos que tem os negócios afetados. [...] A gente recebe pressão por vários lados, de várias maneiras”, declara Santini.

Do senado às favelas Fundada pelo jornalista André Fernandes, a Agência de Notícia das Favelas (www.anf.org.br) é a primeira organização do mundo destinada a esse público e divulga reportagens com o objetivo de defender os direitos básicos da cidadania e integralizar as comunidades carentes de toda a América Latina. Seu trabalho não se restringe apenas ao jornalismo. A ONG promove o REP – Ritmo e Poesia, festival que divulga a arte de quem vive no morro do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. O evento acontece a cada 15 dias, sempre em uma quinta-feira. Já a Agência Pública de Jornalismo Investigativo (www.apublica.org) foi criada em 2011 pelas jornalistas Marina Amaral e Natalia Viana. Defendendo o direito à informação e a promoção dos direitos humanos, sua área de atuação é bastante ampla: desde um especial sobre o massacre dos guerrilheiros do Araguaia até reportagens sobre a venda de créditos de carbono na Amazônia. Um dos trabalhos de maior expressão da Pública é a série WikiLeaks que divulga os documentos diplomáticos - obtidos e publicados pelo site suíço em 2010 - referentes ao Brasil. Há também a Copa Pública, conjunto de matérias sobre a Copa em 2014.

Janine Silva

2003

2004

2006

Guerra do Gás - Bolívia: O presidente Gonzalo Lozada permitiu que os EUA e o México explorassem o gás boliviano, revoltando a população que, em sua maioria, ainda usava fogão a lenha.

Revolta da Catraca - Brasil: Contra o aumento da tarifa do ônibus em Florianópolis, violentamente reepreendida em 2005, culminando com um princípio de incêndio na Câmara dos Vereadores.

Guerra do Líbano: Importante episódio do conflito árabe-israelense, que ocorreu no norte de Israel e no sul do Líbano, durou 34 dias e resultou na morte de quase 1500 pessoas.

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Onde fica a consciência no jornalismo Em casos polêmicos, nem sempre se publica o que o repórter acredita

I

Divulgação

dealismo e parcialidade ajudam a consolidar uma imagem equivocada do jornalismo. Embora ele seja uma atividade de massa, altamente exposta e cada vez mais presente na vida social, nem sempre se sabe como ele funciona, o que chega a ser uma contradição. Como são cercadas por veículos de informação, as pessoas acham que estão íntimas do jornalismo e se acomodam com os conceitos que dele têm. Por conveniência e letargia, jornalistas e veículos também não se mobilizam muito para desmanchar mitos insustentáveis como os da objetividade, imparcialidade e verdade única. Este círculo vicioso mantém visões românticas e glamourosas da profissão. Como isso interfere na vida do cidadão comum, que não frequenta uma redação nem se preocupa com os valores-notícia? Essa visão idílica distorce também os julgamentos sobre os produtos e serviços jornalísticos, fazendo com que as pessoas passem a julgar as coberturas de uma forma que não tem correspondência com o cotidiano das ruas. Trocando em miúdos: as pessoas vêem o noticiário e se escandalizam com o enfoque das reportagens,

julgando que alguém ali está querendo enganálas. Claro que isso pode acontecer, mas nem sempre é manipulação descarada, distorção deliberada ou um grande plano conspiratório. Pode haver uma série de razões que expliquem a diferença entre a expectativa do público e a narrativa apresentada. Este descolamento entre o desejo da audiência e o produto jornalístico causa frustração num primeiro momento, depois indignação e uma quase incontornável repulsa na sequência. Em coberturas de casos polêmicos, a zona de tensão se amplia porque tendências ideológicas afloram com mais força e os limites editoriais também se impõem mais. Veja-se o Caso Pinheirinho. Em janeiro deste ano, a Polícia Militar de São Paulo expulsou com violência 1,6 mil famílias de moradores da comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos. Os soldados cumpriam uma decisão judicial de reintegração de posse do terreno, que pertencia à massa falida do grupo Selecta, do investidor Naji Nahas. A área contava com 1,3 milhão de metros quadrados, e o litígio opunha a ordem da justiça e milhares de favelados que ocuparam um terreno de um especulador que devia milhões de reais em impostos à prefeitura. Como a maior parte dos veículos de comunicação

2008

2009

2010

Independência do Kosovo: Tornou-se independente da Sérvia. Foi reconhecido por alguns países, mas não pela Rússia, Espanha e a própria Sérvia, que se virou contra os países que reconheceram.

Protestos na eleição presidencial - Irã: Devido a uma alegação de fraude, ocorreram vários protestos contra o resultado da eleição - os mais intensos desde a Revolução Iraniana de 1979.

Primavera Árabe - Oriente Médio e norte da África: Morte de jovem que ateia fogo ao próprio corpo gera protestos que leva o presidente tunisiano a renunciar e formenta série de revoltas contra o autoritarismo.

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Divulgação

cobriu o assunto? Basicamente apoiada na legitimidade da ação policial em “desocupar” a área, sem questionar se a ordem era justa ou razoável, ao determinar desalojar milhares de pessoas para pagar dívidas tributárias. O cidadão comum pode se queixar do tratamento dado ao caso pela mídia, enxergando ali a preferência de um lado em detrimento de outro, e – pior! – questionando a ética dos repórteres. Isso é legítimo? Sim, se o cidadão esperar que o relato jornalístico reflita o que o repórter sente e acredita. Mas nem sempre é assim. O jornalismo é uma atividade complexa e coletiva. O resultado final, aquele que chega ao público, é produto de diversas etapas de apuração, checagem, recorte, seleção, adequação de formato, tradução de linguagem, embalagem e difusão. Claro que isso envolve mais gente, e que a visão do repórter pode se perder no meio de tudo, seja porque não é a que melhor retrata o fato, ou porque se corrompe ao longo do processo. As omissões no Caso Pinheirinho – sobre os abusos de poder da Polícia Militar e as violações de direitos humanos na ação -, a prevalência de um ângulo e a escolha da ênfase em algum aspecto podem sim contrariar preceitos da ética jornalística, expressa em códigos escritos ou em regras tácitas da categoria. O repórter “se vendeu” à visão do veículo que trabalha e por isso fez um “mau serviço”? Pode ser, mas é difícil afirmar com segurança. Sabe por quê? Porque existem mais fatores que ajudam a determinar a situação. Nem sempre é o proprietário do meio de

comunicação quem determina o viés da matéria. Muitas vezes, são os chefetes de plantão que atuam em nome de um jornalismo que insiste em conservar as coisas como elas estão. Eles fazem o serviço sujo, antecipando-se à sanha de um superior que supostamente gostaria de controlar todas as peças no tabuleiro. Em outras ocasiões, há o despreparo de quem sai às ruas para a cobertura, tanto técnico quanto cultural e cognitivo. Isso mesmo! Há repórteres que não se mostram capazes de “ler” uma cena, de compreender uma disputa, de perceber absurdos nas circunstâncias. Existem ainda os episódios em que tanto se mexe na matéria que ela se deforma, distanciando-se muito do seu sentido original. Note-se quantos fatores podem definir o resultado final de uma pauta! Nem sempre é a consciência do repórter que determina e conduz a narrativa da reportagem. Valores-notícia, critérios editoriais do veículo, escolhas momentâneas de editores e decisores, consensos de redação também estão em campo. Afinal, onde fica a consciência no jornalismo? Fica em muitos lugares, mas precisa se orientar por um horizonte único: o interesse e a necessidade do público. Sem essa referência, qualquer bússola se desorienta. Rogério Christofoletti é jornalista e professor do curso de Jornalismo da UFSC

2011

2011

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Renúncia de Hosni Mubarak Egito: Presidente renuncia cargo após protestos com mais de 1 milhão de pessoas descontentes com o desemprego, a pobreza e a corrupção.

Guerra Civil - Líbia: Resposta violenta de Muammar al-Gaddafi a protestos contra seu governo causa uma guerra civil, que dura oito meses, até o Conse-lho Nacional de Transição conquistar a capital.

Occupy: movimento de protesto contra a desigualdade econômica e social. Começou em Nova York e espalhou-se pelo mundo. É revolucionário pois luta por uma democracia não controlada pelo dinheiro.

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Occupy aqui, ali e acolá Despolitização e falta de estratégia limitam eficácia do movimento

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rganização horizontal, sem líderes eleitos nem outorgados. Rostos novos apresentando uma multiplicidade de reivindicações. Uma juventude destituída de perspectivas que, atingida pela crise econômica, deu os primeiros passos na tentativa de mudar os destinos. O Occupy Wall Street, que completa um ano em setembro de 2012, é o retrato de uma sociedade fraturada que parece entrar em colapso e, ao mesmo tempo, vem se tornando o retrato de uma geração. Sem estratégia definida, e vagamente inspirados na Primavera Árabe, os acampados na Wall Street gritavam palavras de ordem como “Get money out of politics!” (“Separe dinheiro e política”). Reclamavam que as corporações estão comprando o governo, ditando leis e confiscando diretos individuais. Reconquistavam o espaço público na tentativa de mudar o “sistema”. A brasileira Vanessa Zettler esteve acampada em Nova York. Ela se envolveu no movimento desde o começo e viveu de perto os momentos de tensão em praça pública. Para ela, o Occupy é um grito de indignação, como contou à revista Istoé Independente. “A ocupação é uma formação orgânica que evolui através do tempo. Ela é a resposta para um mundo que parece estagnado, onde não vai ser apenas uma

passeata que vai promover a mudança que queremos.” O editor da revista Trip Bruno Torturra também conviveu com os acampados no centro financeiro dos EUA e testemunhou o novo tipo de protesto. Segundo ele, ao se espalhar pelo mundo, o movimento pode indicar o surgimento de uma nova forma de democracia e de consciência global. “Não era uma mera manifestação, mas uma megaconferência de incontáveis protestos localizados, centenas de causas e tipos humanos. Poucas coisas eram capazes de unir as milhares de vozes em um só coro”, arremata.

Cresce e enfraquece

Das praças ocupadas por acampamentos às marchas de protesto nas avenidas das principais metrópoles emergiu uma solidariedade mútua, que resultou em todo tipo de material sobre o movimento, amplamente compartilhado nas redes sociais. Foi o sábado, 15 de outubro de 2011, dia em que mais de 900 ocupações pipocaram pelo continentes, guiadas pela hashtag #WorldRevolution. Essa manifestação global simultânea definiu para sempre o ano de 2011: a indignação pública, orgânica e difusa, que busca nas ruas descobrir sua verdadeira face. E que, ao longo dos meses, tenta enxergar um

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Invasão da Reitoria da USP - Brasil: Ocupação feita por estudantes descontentes com o autoritarismo do reitor João Grandino Rodas e com a ampliação da atuação da Polícia Militar no campus.

Corrida do ouro - Brasil: Garimpeiros que foram expulsos da terra indígena Yanomami em 2009, retornaram ao local devido à valorização do preço dos minérios, invadindo território indígena.

Los Indignados - Espanha: Protestos pacíficos, organizados pelos cidadãos nas redes sociais, reinvindicando uma mudança na política e na sociedade, por não se sentirem beneficiados por seus representantes.

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denominador comum no descontentamento geral. Descontentamento, esse, que no Brasil ainda não se fez presente com a mesma magnitude. Porém teve o diferencial de mobilizar diversas camadas sociais, alvos de uma sistemática repressão policial, desde as marchas da maconha em São Paulo e da entrada das tropas de choque na USP, até a expulsão dos moradores do Pinheirinho e os projetos higienistas nas capitais do país. No entanto a crítica recorrente da falta de uma articulação representativa, das ideias confusas e ingênuas é comum entre especialistas. Slavoj Zizek, filósofo e teórico crítico esloveno, alerta, em ensaio na obra Occupy - movimentos de protesto que tomaram as ruas, para o perigo de os manifestantes apaixonarem-se por si mesmos. “Quando a ocupação em Wall Street ecoou em São Francisco, um rapaz dirigiu-se à multidão com um convite para participar do ato como se fosse um acontecimento hippie dos anos 60: ‘Estão nos perguntando qual é o nosso programa. Não temos. Estamos aqui para curtir o momento’.” Para ele, os manifestantes devem saber o que querem e, principalmente, pensar em alternativas. “Que organização social pode substituir o capitalismo atual? De que tipo de novos líderes precisamos? E de que orgãos?”, provoca. O antropólogo Harrysson Luiz da Silva reconhece a importância social desses movimentos. Contudo ele alerta que a maioria dos Ocupe não passam de demonstração do descontentamento. “A questão mais séria de tudo

isso é a ausência de discussão e fundamentação que sustentem esses movimentos”, defende. Para a ativista brasileira Vanessa Zetler, a essência difusa do movimento não é um problema. “O mais interessante das ocupações é que elas não têm demandas específicas. Antes de mais nada, queremos estabelecer um diálogo e, por meio dele, chegar a novos lugares, quem sabe até a novas demandas. Temos primeiro de rever nossos conceitos, nosso vocabulário e nossas relações de poder”. Ao fim da ocupação, no ano passado, deserta e cercada por grades removíveis, a praça de Nova York era meticulosamente esfregada em cada centímetro quadrado por uma equipe de limpeza, que agia como se quisesse desinfetá-la dos micróbios da revolução. Nem precisava chegar a tanto. Que descansem os donos de Wall Street e tantos outros. O espetáculo do aniversário de um ano mostra que a despolitização e falta de objetividade diminuem os efeitos desejados dos movimentos Occupy. Apesar disso, a emergência de um protesto internacional sem um programa coerente pode ser um acidente - e revela uma crise sem soluções tão óbvias. Gabriele Duarte

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2011

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Marchas da Maconha/Vadias: Manifestações pacíficas que aconteceram no mundo todo para defender a legalização da cannabis e protestar contra a culpa feminina nos casos de agressão sexual.

Guerra do Líbano: Importante episódio do conflito árabe-israelense, que ocorreu no norte de Israel e no sul do Líbano, durou 34 dias e resultou na morte de quase 1500 pessoas.

Desocupação do Pinheirinho - Brasil: A ocupação irregular da Comunidade do Pinheirinho tinha mais de 6 mil moradores quando o governo pede reintegração do terreno causando conflitos.

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Pauta 2.0 As oportunidades que surgem com a expansão da internet muitas vezes não são tratadas dentro dos cursos de comunicação. Uma dessas é o marketing, que tem se tornado um mercado de trabalho com diversas oportunidades para os recém-formados. A mesa pretende discutir o marketing e suas conexões com o jornalismo. A importância do conhecimento das mídias digitais para o assessor de imprensa e relações públicas. Estratégias de comunicação, exemplos de gestão de crise, e a divulgação de uma empresa, instituição pública ou privada nas mídias sociais e tradicionais, como televisão, rádio e jornal. Os especialistas da área irão levantar atitudes e conhecimentos do jornalista que pretende atuar neste mercado, além de mostrar casos recentes de estratégias e planejamentos de sucesso para divulgação na mídia. Dirceu Vieira, Gerente de Comunicação e Marketing da Folha de S. Paulo Mariana Moreira, Consultora de Comunicação e Marketing Digital Rachel Sardinha, Sócia da Em Voga Comunicação

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Pedro, cadê meu viral? Usando humor e criatividade, qualquer pessoa pode fazer sucesso na web

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Lucas Pasqual

ma xícara de humor, duas colheres de sopa de non-sense, 250 gramas de bizarrice. Todo mundo diz que não há uma receita para fazer sucesso na internet. Mas segundo uma pesquisa do site YouPix, existe, sim, uma combinação certa para quem quer criar o próprio viral. Foram 166 vídeos brasileiros analisados em 2010. E os resultados apontam um perfil do viral perfeito. Os protagonistas geralmente são homens, adultos e feios. As cenas cotidianas com pessoas comuns são as preferidas do público. Além disso, características como vergonha, burrice e humor aparecem em quase todos os vídeos analisados. Para ser viral, o seu vídeo precisa se espalhar espontaneamente entre o maior número de pessoas possível. O tempero especial para a receita dar certo é a sorte. Que o diga Rafael Ziggy, criador do movimento “Foo Fighters 50 pila”. Para quem nunca ouviu falar, Ziggy criou um evento no Facebook no ano passado para arrecadar R$ 50 por pessoa e com o dinheiro trazer a banda ao Brasil. “A banda não vinha para o país há mais de 10 anos e a quantidade de pessoas que gostam de Foo Fighters no Brasil é enorme”, diz. Embalado na onda do crowdfunding (arrecadação colaborativa de fundos para

realizar uma iniciativa), Ziggy soltou em uma conversa com amigos em tom de brincadeira: “Vamos fazer uma vaquinha megalomaníaca, juntar 50 pila de cada pessoa e trazer nós mesmos os caras”. Ziggy é publicitário e trabalha como estrategista digital. Para ele, “viral é só o efeito de uma determinada ação, é difícil criar ou prever”. Mas existem campanhas que tendem ao sucesso. Um exemplo é o clipe com os palhaços Atchim e Espirro cantando rap. O comercial, de uma marca de remédios para gripe, circulou exclusivamente na internet e teve sete milhões de acessos. O publicitário acredita que o sucesso se deve “ao poder da nostalgia aliado à brincadeira levada a sério”. O professor de marketing digital José Telmo garante que “viralizar é um prêmio para as marcas que conseguem tal feito”. Ele diz que se aproveitar de virais pré existentes pode ser uma sacada inteligente. “A Luiza no Canadá surgiu de um comercial, viralizou, virou meme e chegou até a figurar como jogo virtual de uma escola de idiomas.” Mas Telmo alerta que o humor deve ser trabalhado com cautela, para não ridicularizar a marca. É, pode ser que não seja assim tão simples fazer o próprio viral. Mas não custa tentar: com todos os ingredientes em mãos, misture tudo e leve ao forno. Ou melhor, ao Youtube. Sâmia Fiates

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Sou candidato, como devo tuítar? Redes sociais têm o poder de salvar ou enterrar campanhas eleitorais

oposto, os votos. Para que seja atingido o objetivo do marketing político, o candidato precisa planejar uma estratégia de campanha, m ano eleitoral, nada mais justo do além de sua postura diante de problemas, que se discutir marketing político. propagandas e discursos. Durante todo o Nesse meio, a comunicação pode ser processo, o político deve tomar posições a a morte ou a salvação: em doses adequadas, fim de reforçar suas palavras e convicções é medicamento; em doses elevadas, veneno para que ocorra maior adesão dos eleitores. fatal. Portanto, é preciso saber o momento Para isso, o método de comunicação do certo e falar com moderação. Marketing candidato deve ser administrado pela sua político é o conjunto de recursos utilizados assessoria. Contudo, com o surgimento da na busca de ganhos para candidatos e eleitores. Esses ganhos são trocas entre campanha eleitoral online, a mídia ambos os lados. No sentido candidatos- eletrônica passou a ser considerada um eleitores seriam as promessas, e no sentido “segundo Deus” por sua onipresença e poder de influência sobre as pessoas. Uma pesquisa divulgada pela empresa Burson-Marsteller em março de 2012 revelou quais são os perfis do Twitter mais influentes na política do Brasil. O ranking faz parte do estudo “Influenciadores do G20” e tem como destaque o jornalista Ricardo Noblat. A presidente Dilma Rousseff ocupa a segunda colocação, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin vem em seguida e José Serra está em quarto lugar. No Brasil, somente cinco dos dez primeiros colocados são políticos. Na outra metade, estão os formadores de opinião. Como ainda existem aqueles que não se Depois que o perfil oficial da presidente deixou de ser atualizado, surge o satírico Dilma Bolada convenceram da importância

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das redes sociais nas eleições, os números expressam a sua influência. Durante os 90 dias de estudo, os dez perfis mais influentes receberam mais de 51 mil retweets e quase 322 mil novos seguidores. Aqueles que são resistentes à adesão às redes sociais para explorar melhor sua campanha política estão perdendo eleitores, pois praticamente todo o público-alvo está conectado na web.

Marketing político inclui planejamento de campanha, postura diante de problemas, propagandas e discursos Um olhar sociológico

Em entrevista ao site UOL, o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIbr), fez uma análise sobre as redes sociais em campanhas políticas. Para ele, a internet tende a ser fulminante na vida de um candidato, porque notícias e denúncias podem tomar proporções muito maiores com a repercussão na web. Segundo o filósofo, a maioria dos políticos prefere utilizar perfis virtuais apenas para distribuir material de campanha, apesar de alguns já olharem para os comentários na internet com um elemento para definir estratégias de marketing. “Um candidato não pode falar ‘Twitter não me atinge’, porque afeta a imagem dos políticos, sim. Ataques podem acontecer, vão acontecer, e os candidatos devem estudar melhor como responder”.

Política em 140 caracteres A presidente Dilma Rousseff não fica para trás nessa história. Em abril de 2010, ainda pré-candidata às eleições presidenciais daquele ano, fez sua estreia no Twitter (@dilmabr). Menos de 24 horas após a criação, já contava com mais de dez mil seguidores. “Começo hoje minha aventura no twitter. Quero aprender com vocês”, escreveu em sua primeira mensagem. Dilma explicou que o conteúdo postado também seria abastecido por outras pessoas. “Não vou ficar fingindo que passarei muito tempo na web. Alguns amigos vão me ajudar”. Mas na verdade Dilma nunca postou uma frase em que ela mesma tivesse digitado. Era o comitê de campanha o responsável pelas atualizações. Mas o perfil oficial da presidente do Brasil não é atualizado há mais de um ano. O twitter de Dilma, que foi utilizado com freqüência durante a campanha eleitoral, teve seu último post em dezembro de 2010, quando a presidente afirmou que conversaria mais em 2011. Segundo a assessoria do Planalto, a equipe de comunicação do governo tentou convencer Dilma Rousseff a utilizar as redes sociais, mas a presidente nunca gostou da ideia. E teve gente que se aproveitou disso. “Dilma Bolada” (@diImabr, com “i” maiúsculo no lugar do “L”) é o perfil fake da presidente. Hoje, ele possui mais de 50 mil seguidores e não trata sobre política. O criador da conta é o estudante de administração Jeferson Monteiro, 22 anos, e com sua criatividade alimenta o microblog com humor na voz da presidente. Um dos post de Jeferson, digo, de Dilma Bolada, dizia “quem me acha a brasileira mais linda do Twitter dá RT [retweet]!”. O twitter é tão bem-feito que no início de 2012 foi premiado pelo Shorty Awards, uma espécie de Oscar do Twitter, como o melhor twitter fake do mundo. Ficou bolada, hein, Dilma.

Rafaela Blacutt Semana Revista

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Entre tapas e beijos Jornalistas e assessores são rivais, mas dependem um do outro

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assliebe é o tipo de palavra que dificulta o trabalho de tradutores da língua alemã. Sem tradução equivalente em outro idioma, o substantivo poderia ser explicado em português como “relação íntima de amor e ódio”. Seria, talvez, a descrição perfeita para designar o tipo de relacionamento travado entre jornalistas e assessores de imprensa. Estes profissionais, que compartilham as cadeiras dos cursos de comunicação durante a formação, chegam ao mercado de trabalho tendo que optar por um dos dois lados do “ritual midiático”: a poderosa imprensa, filtradora de informação e com influência fulcral sobre a opinião pública, ou a coordenação da exposição de instituições e pessoas públicas, interessados e dependentes da construção de sua imagem. A formação semelhante não garante, porém, a perfeita simbiose no fluxo das informações entre os colegas comunicadores. Seu cotidiano de trabalho alimenta, ao mesmo tempo que uma dependência mútua, uma evidente rivalidade ideológica. O crescente desenvolvimento dos núcleos de comunicação institucional dentro das empresas e o trabalho das agências de comunicação têm se tornado tão massivo que hoje não é possível pensar o jornalismo sem a ajuda destes profissionais. Alessandra Ogeda, editora de economia do Diário Catarinense, afirma que a dependência das assessorias é um dilema. “Grande parte do jornalismo é abastecido por assessorias de imprensa. A nossa filosofia é nos tornar cada vez menos dependentes destas informações oficiais, que geralmente são tendenciosas”,

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argumenta. Entretanto, independente do perfil das empresas jornalísticas, o convívio constante com o assédio dos assessores é inevitável. Alessandra recebe diariamente pelo menos 200 e-mails, a maioria vindos dos colegas assessores. Destes, cerca de 80 não servirão para o jornal. Para Sabrina D’Aquino, jornalista do Grupo RBS há 10 anos, o que mais perturba o trabalho nas redações não é o excesso e a utilidade duvidosa dos releases, mas o chamado follow. No jargão jornalístico, follow é a prática de telefonar ao jornalista após o envio de e-mail com o pretexto de confirmar o seu recebimento. A intenção, claro, é defender a pauta. “Nas editorias que trabalham mais com assessoria, o telefone não para de tocar. Isso desconcentra e perturba o trabalho nas redações”, diz. Sabrina trabalhou dois anos numa agência de comunicação antes de migrar para a redação - o inverso do caminho tradicional dos jornalistas, que levam consigo para as assessorias um círculo de relacionamentos. “Mesmo na época como assessora, eu evitava telefonar sem necessidade. Não é preciso ter experiência nas duas áreas para ter consciência disso. Vai do bom senso.”. A editora Alessandra Ogeda salienta que quando a pauta é realmente boa, dispensa qualquer contato telefônico: “Apenas no lead e na linha de apoio já fica claro se a pauta nos interessa. Não adianta desperdiçar 20 minutos repetindo as informações”. É unânime entre os comunicadores, porém, que essa intransigência é consequência da incompreensão dos contratantes dos serviços de assessoria, que muitas vezes


pressionam seus assessores a “fecharem o cerco” contra os repórteres - um problema que pode ser atenuado com apoio de profissionais de media training. A ansiedade e a pressão dos patrões, junto à impaciência dos jornalistas, colocam os assessores numa encruzilhada. A assessora de imprensa da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN), Suzete Antunes, ironiza, dizendo que tem dois patrões: a empresa e a mídia. “Enquanto o primeiro muitas vezes menospreza a importância da imprensa, o outro desacredita das intenções da empresa, achando que ela está sempre tentando vender o seu peixe.” De acordo com Suzete, no cargo há 20 anos, outro problema é a falta de disposição dos jornalistas em se aprofundar na apuração. “Muitos pedem somente uma declaração. Não querem entender o problema e os processos.” Numa empresa de serviços essenciais, que requer um contato rotineiro com a imprensa, as agruras da relação ficam ainda mais evidentes. “É comum jornalistas ligarem às 17h30 solicitando uma resposta da

empresa e pedindo pressa. Muitos deles não entendem que uma empresa pública não funciona como uma redação”, lamenta. O assessor especial da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Jorge Duarte, diz que, com o amadurecimento do campo de relações públicas, a tendência é não só que o profissional entre direto no setor de comunicação das empresas, sem passar pelas redações, como acumule mais funções além do contato com a imprensa. “Hoje é muito mais fácil para as empresas falarem com o consumidor através da internet. Os profissionais de comunicação estão envolvidos com processos ligados ao marketing. A imprensa está deixando se der protagonista.” Sobre o que chama de “ tensão” entre jornalistas e assessores, Duarte contemporiza: “Isso é natural, bem-vindo e facilmente explicável. Afinal, os dois profissionas muitas vezes têm interesses contrários. Essa tensão fortalece a democracia”. João Paulo Fernandes Semana Revista

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Marketing para o futuro digital Com olhos na inovação, empresas buscam resultados a longo prazo

“A

ções de comunicação que as “As empresas querem a assessoria também empresas podem se utilizar por para poder falar com o público digital - a meio da Internet e da telefonia imprensa inclui outros influenciadores celular e outros meios digitais para divulgar e disseminadores da informação, como e comercializar seus produtos, conquistar blogueiros, tuiteiros e profissionais de sites.” novos clientes e melhorar a sua rede de As mídias também se destacam como relacionamentos.” É o que diz o primeiro o meio de maior periodicidade na internet site que aparece na pesquisa do Google - segundo a pesquisa, 55% das ações pela palavra-chave Marketing Digital - a interativas, aparecem nas redes sociais Wikipédia. Ficar no topo em sites de busca mais de uma vez por semana. Bruno de é a ação de marketing que dá mais resultado, Souza, autor do blog Marketing Digital segundo a pesquisa Marketing Visão 360º, 2.0, recomenda planejar uma produção de realizada pela TNS Ressearch International, conteúdos que explore as ferramentas das a maior empresa de pesquisa de mercado redes - como fotos e aplicativos. Bruno customizada do mundo. O nome da ainda destaca o seu potencial de retorno, estratégia é Search Engine o feedback. “A resposta é Marketing (SEM). rápida. Se gostou, o usuário Para aparecer na Estratégias devem fala, se não ele fala também, primeira página do Google, diferente de um comercial focar na interação de TV, que não dá para a empresa pode comprar das redes sociais um espaço através de links opinar.” O blogueiro patrocinados ou trabalhar completa que “idade, classe com a otimização do site para que o próprio social e gênero já não são pontos principais buscador o selecione naturalmente. Evitar para classificar as pessoas. A palavra-chave links quebrados, aumentar a quantidade para estudar como cada um consome os de conteúdo relevante do site e até reduzir produtos da era digital é comportamento”. o tamanho do título das postagens são Mas a aposta da Marketing Visão técnicas que facilitam a seleção. 360º para o futuro é o mobile marketing. As redes sociais aparecem em segundo Atualmente, a indústria é a que cresce lugar na análise de ações mais utlizadas. O mais rápido no mundo. No final de 2010, consultor e professor de marketing digital a previsão era de acesso a redes sociais Nino Carvalho acredita que ser sociável através de dispositivos móveis, aplicativos e é a melhor forma de promover e levantar publicidade nos games para celular. Agora, uma marca. Para ele, o importante nas quase 2 bilhões de pessoas não vivem redes sociais é ser transparente, participar sem smartphones. E com elas, carregam das discussões e agregar valor ao público. o nome de várias marcas através dos Nino caracteriza o papel dos assessores compartilhamentos em redes sociais. de imprensa na era digital como “RP 2.0”. Sâmia Fiates

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copa 2014 A escolha do Brasil como a sede da Copa de 2014 fez com que a cobertura da mídia extrapolasse o campo de jogo. Jornalistas, organizações independentes e pesquisadores vêm investigando os investimentos e os impactos resultantes da organização de um dos maiores eventos do mundo. Essa perspectiva pode ter criado um novo paradigma para o jornalismo esportivo brasileiro, aumentando o viés de investigação e interagindo com outras editorias. Para levantar esta e outras questões, a mesa de discussão sobre a Copa conta com a participação de convidados que trabalham na área do jornalismo esportivo, econômico e investigativo. Os gastos, a infraestrutura e o impacto social são alguns tópicos que serão abordados pelo público e pelos jornalistas. Lúcio de Castro, repórter da ESPN Brasil Dimmi Amora, repórter da Folha de S. Paulo

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A busca por informações na Copa Evento deve trazer abordagens próximas do interesse público

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m outubro de 2007 o presidente da porque no planejamento original dos Jogos FIFA, Joseph Blatter, anunciou o a arena do ciclismo seria apenas temporária. Brasil como sede da Copa do Mundo Quando os organizadores decidiram investir de 2014, em uma cerimônia que apenas R$ 14 milhões em uma pista permanente, já formalizou a situação, já que o país foi não havia tempo de construí-la nos padrões candidato único naquela eleição. A chegada olímpicos. da Copa era bem vista pela grande maioria No Manual do Jornalismo Esportivo de da imprensa e da sociedade brasileira, Heródoto Barbeiro e Patrícia Rangel há a pois daria ao país a oportunidade de seguinte passagem: “jornalismo é jornalismo, crescer e fazer grandes investimentos em seja ele esportivo, político, econômico, infraestrutura, especialmente nas 12 cidades social.” Os autores estabelecem um ideal de sede, indefinidas até então. As esperanças de repórter esportivo, que não se limita a cobrir desenvolvimento eram grandes e aumentaram jogos, mas busca informações e as divulga de quando, dois anos após o anúncio de Blatter, acordo com o interesse público e as regras o Comitê Olímpico Internacional (COI) da ética. O jornalista idealizado no Manual escolheu o teria, antes da Rio de Janeiro inauguração para sediar os O repórter esportivo ideal busca do Velódromo, Jogos de 2016. percebido que a informações e as divulga de Organizando os organização do acordo com o interesse público. Pan, na melhor dois principais e v e n t o s das hipóteses, não esportivos do sabia o que estava planeta em um período de dois anos e tendo fazendo. O caso, porém, passou praticamente uma boa oportunidade de crescimento em batido entre os profissionais da área, dando pouco tempo, uma palavra ganhou destaque razão a Andrew Jennings, jornalista inglês no vocabulário dos brasileiros: legado. autor do livro Jogo Sujo, no qual relata a Esta palavra-chave já apareceu em corrupção na FIFA e critica a preparação julho de 2007, quando recebemos os Jogos destes profissionais. Segundo ele, repórteres Panamericanos no Rio de Janeiro, tidos de esporte são ótimos em descrever lances, pelo Comitê Olímpico Brasileiro como um mas preferem esperar press releases a apurar “estágio” para que a cidade possa receber uma por conta própria. Olimpíada. Entre as instalações erguidas Jennings tem razão. A preparação para o Pan está o Velódromo do Rio de dos jornalistas esportivos é falha desde Janeiro, que teve sua demolição denunciada sua formação nas universidades e segue em julho deste ano, a fim de ceder lugar a ruim pelas redações, onde as editorias de um novo, desta vez dentro das exigências do esporte são tratadas como áreas peculiares, COI. O atual não atende a essas exigências contrariando o “jornalismo é jornalismo”

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de Barbeiro e Rangel. O esporte, de fato, está ligado ao entretenimento. Falta, porém, a consciência de que envolve também questões de saúde pública, integração e inclusão social, que ganha ainda mais importância durante os preparativos de dois megaeventos, pois o jornalismo esportivo passa a ser relacionado, entre outros assuntos, a obras de infraestrutura e gasto de dinheiro público. A preparação não é das melhores, mas mesmo assim o cenário vem mudando aos poucos. Estimulados por jornalistas de outras áreas, como a repórter Daniela Pinheiro, da revista piauí, que, em julho de 2011, publicou o repercutido perfil de Ricardo Teixeira, ou como Andrew Jennings, tradicionais veículos de comunicação (como Folha, Estadão e Record) e outros não tão tradicionais assim (ESPN, IG e Lance) tomaram uma linha mais crítica, abordando pautas mais profundas que resultados de jogos e o dia a dia dos clubes. Quase que diariamente são publicadas reportagens sobre atrasos em obras tanto de estádios quanto de infraestrutura urbana. O público tem demonstrado interesse nesses temas e as editorias estão se abrindo para isso. Na entrevista a Daniela Pinheiro, o expresidente da CBF, Ricardo Teixeira, usou o termo “traço” para definir o alcance dos veículos críticos a ele, dizendo, inclusive, que os ignorava. “Só vou ficar preocupado quando sair no Jornal Nacional”. Nove meses depois da reportagem, o principal telejornal do país noticiava a saída de Teixeira da entidade. Com 23 anos de CBF e pilhas de denúncias de corrupção, o cartola abandonou a presidência da Confederação alegando problemas de saúde. As denúncias contra o ex-presidente da CBF tornaram-se cada vez mais frequentes após o anúncio de 2007. Lentamente,

importantes veículos da imprensa se tornaram mais críticos aos desmandos no futebol brasileiro e, especialmente, na organização da Copa do Mundo. Conforme 2016 se aproxima, os Jogos Olímpicos também começam a virar pauta. As várias matérias apontando falhas de organização são um indício de que o jornalismo esportivo no Brasil está evoluindo e aos poucos toma consciência de que o esporte é socialmente importante, não apenas como entretenimento. E esse é o legado dos grandes eventos para o jornalismo esportivo: a aproximação com as outras áreas e abrindo espaço para abordar assuntos de interesse público. Núcleo de Jornalismo Esportivo da UFSC

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A Copa de 2014 no sul do Brasil Curitiba e Porto Alegre não vão sediar Copa das Confederações

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enhuma das duas cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 localizadas no sul do Brasil receberá jogos da Copa das Confederações em 2013. O torneio disputado entre os campeões continentais - somados à seleção do país sede e à atual campeã mundial - não passarão pelos estádios Beira-Rio, em Porto Alegre, ou pela Arena da Baixada, em Curitiba, por atrasos na reforma dos estádios. ESTÁDIOS

Beira-Rio

Clube: Spor t Clube Internacional Jogos: 5 par tidas Capacidade: 52.000 lugares Execução: 20% Investimento público: 235 milhões

Arena da Baixada

Clube: Atlético Paranaense Jogos: 4 par tidas Capacidade: 41.262 lugares Execução: 11% Investimento público: 137 milhões Fonte: Portal da Copa / Julho 2012

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Até maio de 2012, no último relatório do governo federal, apenas 20% da obra havia sido executado na arena gaúcha e 11% na paranaense. A Arena da Baixada, pertencente ao clube Atlético-PR, não investiu os 25% do valor total das obras, pagas pelo governo municipal e estadual e pela iniciativa privada, condição para a liberação do auxílio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por sua vez, as obras do estádio Beira-Rio ficaram paradas entre junho de 2011 e março de 2012 por desacordo entre o Internacional e a construtora Andrade Gutierres. Em pesquisa realizada pelo Datafolha em 2010, 57% dos entrevistados mostraram-se contra o uso do dinheiro de impostos para construir ou reformar estádios. Juntas, as arenas do sul custarão R$ 358 milhões aos cofres públicos. Diferente de cidades como Manaus, Cuiabá e Brasília, as duas capitais do sul têm times com grande número de torcedores, o que mostra potencial para não se tornarem elefantes brancos. Mas os investimentos estatais ainda podem acabar servindo à iniciativa privada, como aconteceu com a Arena Olímpica do Rio de Janeiro. Construída para os Jogos Pan-Americanos de 2007, a instalação é controlada hoje pelo banco HSBC. Existem ainda outros R$ 925 milhões a serem gastos em aeroportos, mobilidade urbana e investimentos dos governos estaduais e municipais na infraestrutura das cidades que têm impacto diretamente nas necessidades da população. Parte destas obras também está atrasada.


MERCADO DE TURISMO

O perfil turístico existente em Curitiba beneficia a cidade-sede com estrutura mais apropriada para receber turistas durante os jogos. Porém, ambas as cidades são polos de turismo executivo, o que diminui o número necessário de novos empreendimentos para atender todo o público

POPULAÇÃO 1,7 MILHÕES DE PESSOAS

POPULAÇÃO 1,4 MILHÕES DE PESSOAS

PÚBLICO ESTIMADO 508 MIL PESSOAS

Curitiba

PÚBLICO ESTIMADO 542 MIL PESSOAS Guias turísticos

224 358

Hoteis

293

Agências de turismo

433

Por to Alegre 362

Hoteis

354 31.885

35.689

Vagas

Vagas

Transpor tadoras turísticas

16.061

Quartos

246

246

14.496

Quartos

Fonte: IBGE, CADASTUR, Fundação Getúlio Vargas e Ministério do Turismo.

E pro turista, tudo? Tudo! Pro morador...

Na sabatina realizada em Genebra em maio a Organização das Nações Unidas (ONU) repreendeu o Brasil recomendando que a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016, não gerem despejos forçados. De acordo com o Dossiê “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”, produzido pela

Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa, para usar os terrenos nas obras dos dois megaeventos, entre 150 e 170 mil pessoas serão desalojadas. O governo não emitiu dados oficiais. Segundo o mesmo dossiê, 4 mil famílias em Porto Alegre e 2 mil em Curitiba serão obrigadas a sair de suas residências para dar lugar às obras da Copa do Mundo. Embora

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essa movimentação já fosse prevista, poucos dos projetos de realojamento dessas famílias foram colocados em prática ou nunca foram divulgados, de acordo com o relatório do Observatório das Metrópoles. Em São José dos Pinhais, na região metropolitana da capital paranaense, a associação dos moradores da Vila Quissinana, bairro que será atingido pela construção da terceira pista do Aeroporto Afonso Pena, fizeram um abaixo-assinado contra as obras. O projeto ignora os impactos nas estruturas das moradias e o alto nível de ruídos gerados aos habitantes da região. Além disso, a Vila Quissinana terá vias de ligação com bairros próximos e ao centro da cidade fechadas pelas novas construções, gerando o isolamento da área. Para construção da nova pista do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, os moradores da Vila Dique foram transferidos para um loteamento no bairro Bernardino da Silveira, que deveria estar concluído em 2010. O bairro, porém, ainda conta com problemas graves de saneamento e apenas 440 famílias foram transferidas. Quem ainda permanece tem condições precárias de coleta de lixo e energia elétrica, minimizadas após o início dos realojamentos. A localização privilegiada da Vila Torres - comunidade de baixa renda, hoje legalizada pela COHAB - fez com que a Prefeitura Municipal firmasse parceria com a empresa de tintas Coral para revitalizar o bairro. A comunidade fica no caminho do aeroporto, por onde os mais de 500 mil turistas devem passar durante a Copa do Mundo, em direção ao centro de Curitiba. Há previsão de pintura de fachadas, reforço de estrutura e construção de muros, entre outros serviços. Tudo isso, porém, apenas na parte externa das residências do bairro. Ou seja, aquela que os turistas irão enxergar.

OBRAS DE TRANSPORTE Porto Alegre AEROPORTO 579,2 MILHÕES 0,8% das obras concluídas RODOVIÁRIA Não há obras previstas

MOBILIDADE 259,3 MILHÕES Não há medição do andamento

Curitiba AEROPORTO 160,3 MILHÕES Obra não iniciada RODOVIÁRIA 48,9 MILHÕES Obra não iniciada

MOBILIDADE 248,7 MILHÕES Não há medição do andamento Fonte: Portal da Copa / Julho 2012

Rafael Canoba

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Estádios-abrigos

Minha arena, minha vida Arquibancadas brasileiras abrigam refugiados do êxodo financeiro europeu

Yann Arthus-Bertrand

Os europeus vindos da Grécia, Irlanda, Espanha, parque pantaneiro. Portugal e Itália agora têm opção de alojamento. Estas são algumas das opções de moradia, Passada a Copa do Mundo 2014, conquistada que inclui ainda a Arena Pernambuco, o Mané pela surpreendente Jamaica, pelo menos quatro Garrincha, em Brasília, e a Arena das Dunas, no Rio estádios serão destinados a abrigar os “novos Grande do Norte, que ainda não está pronto para imigrantes” que chegam no Brasil em busca de este fim e carece de mais investimentos públicos. empregos e melhores condições de vida. A Arena da Amazônia, em Manaus, pode comportar até 44 mil gringos, já que os 310 que completam a capacidade máxima serão utilizadas para o Campeonato Amazonense de 2015. Em Cuiabá, a Arena Pantanal poderá receber 43.600 imigrantes sentados. A vantagem de lá é que, como não há futebol praticado no estado, o campo será transformado em um grande parque ecológico, com jacarés, piranhas e araras. O governo do estado não se responsabiliza por qualquer incidente Andrade Gutierrez - empreitera da Copa - abriga você no Brasil envolvendo imigrantes e animais do

Empobrecidos

Prejuízos de luxo Faltam mansão, cigarro e plano de saúde a organizadores da Copa “Tive que vender minha mansão no Guarujá”, lamentou o maltrapilho presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marín. Sua fala comprova o estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas, em julho, sobre o rendimento das pessoas envolvidas diretamente com a organização da Copa de 2014 no Brasil. De acordo com o levantamento, dirigentes, políticos, juízes e dependentes tiveram as riquezas reduzidas em 90%, em média, nos últimos quatro anos. Os dados também apontam que a perda foi proporcional ao envolvimento com

a organização do evento. “Tem um cigarro?”, pediu o diretor de seleções da CBF, Andrés Sanchez, enquanto distribuía credenciais aos operários que construíram o estádio da abertura da Copa, o Itaqueirão. “O Marco Polo Del Nero não veio, porque teve que levar o filho mais novo no Posto de Saúde. Parece que é disenteria”, revelou o ex-presidente do Corinthians. Veja no site Vítimas da Copa uma galeria de fotos com a situação de penúria de Ricardo Teixeira, Ronaldo, Bebeto, Aldo Rebelo e Tiago Leifert.

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R10

Hoje estou curado Ronaldinho retoma o bom futebol e mostra que tem a última lenha a queimar “Oi, meu nome é Ronaldo de Assis Moreira. Estou há um ano, sete meses e doze dias sem beber.” A brincadeira de um Ronaldinho Gaúcho em forma fez a Arena do Grêmio vir abaixo em um coro eufórico. Com o sorriso característico, a camisa tricolor e o número dez nas costas, o jogador abriu a cerimônia prévia do seu último jogo pelo time gaúcho antes da Copa do Mundo 2014. “Espero brilhar com a camisa amarela aqui, na minha casa, em breve”, evocou, emocionado, em um palco ao lado do campo. Depois de passagens por Flamengo e AtléticoMG, time vice-campeão em 2012 – ano do tri do Grêmio de Celso Roth – quis o destino que o jogador três vezes melhor do mundo fizesse as pazes com o presidente Paulo Odone e retornasse ao time do coração. Apresentado sem alvoroço e com a desconfiança da torcida, o “Érredez” provou em pouco tempo que voltaria a ser, enfim, aquele atleta fantástico da metade da década passada. A média de três gols por jogo no Gaúchão e o bom desempenho na Libertadores fizeram com que o técnico da

Seleção Brasileira, Luiz Felipe Scolari, convocasse Ronaldinho para a Copa das Confederações. Resultado: campeão invicto, com direito a show da estrela e líder do grupo, de onde não sairia mais. “Largar a bebida foi um grande passo na minha carreira, mas o principal mesmo foi parar de pegar mulheres nada a ver”, diria O Cara, durante a comemoração do terceiro título da Libertadores da história do Grêmio. Pois um ano, sete meses e doze dias depois e Ronaldinho deu um até logo a sua torcida para liderar a mais importante instituição nacional em busca do maior título de sua história. Diante de um Flamengo acuado, o Grêmio venceu por dois gols, com um do Erredez e outro de Jonas, com assistência do craque. O delírio do torcedor tricolor foi do apito final à saída emocionada do jogador da nova Arena do Grêmio, estádio que vai sediar a Copa em Porto Alegre no lugar do rival. “Anotem o que eu digo. O Ronaldo sai desta Arena hoje para fazer história”, encerrou a festa o diretor de futebol do Grêmio, Roberto de Assis Moreira, o Assis.

Construtoras

Pilares da confiança nacional No fim das contas, empreiteiras da Copa erguem mais que estádios Principais responsáveis por garantir a realização da Copa do Mundo no Brasil, construtoras e empreiteiras conquistaram de vez seus lugares no coração do brasileiro. Em pesquisa divulgada pelo site Encomende sua PesquisAqui, ambos segmentos empataram em primeiro lugar na classificação das empresas de maior credibilidade no mercado brasileiro. “Acho natural: quando há pouca expectativa

em relação a um fato, a chance de uma surpresa positiva é grande. Havia um preconceito durante os fechamentos de contratos para execução das obras da Copa”, analisou Rodolfo Rosa, síndico do edifício onde moro. “O resultado está aí para todo mundo ver: gastos abaixo do estimado, moderníssimas construções e o real legado, deixado graças ao empenho destes segmentos”, completa. A votação foi feita exclusivamente pelo Google +.

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´ JORNALISMO TECNOLoGICO

O jornalismo especializado em tecnologia tem ganhado importância à medida que inovações na área de telefonia, computação e demais dispositivos têm interferido no dia-a-dia das pessoas e, inclusive, na forma como elas se comportam em sociedade. Seja na área de comunicação, transporte, saúde, segurança, trabalho ou entretenimento, o assunto tem despertado o interesse e a curiosidade de parte da população, o que exigiu do jornalismo uma cobertura mais ampla e que informasse tanto os leigos quanto os mais entendidos, os entusiastas. Para explicar essa evolução e a forma como os portais tratam o conteúdo, convidamos: Pedro Burgos, jornalista do site GizModo; Renato Cruz, repórter do Caderno Link do Estadão.


O oeste de softwares e sementes Em Chapecó, empresas de tecnologia renovam os produtos e a economia locais

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ara tentar colocar em prática uma ideia que não avançava no Rio Grande do Sul, o engenheiro Anderson Sanick decidiu, em 2005, mudar-se para Chapecó e transformar o projeto de um contador de grãos em um produto. Com seu irmão Fabiano, administrador por formação, criou uma marca com o nome da família que, oito anos depois, vende o equipamento para multinacionais do agronegócio em vários estados brasileiros. O negócio dos irmãos e de outras empresas do município e da região compõem um polo econômico catarinense que cresce no interior do estado e busca oportunidades pelo mundo inteiro. Na região, 42 empresas especializadas em tecnologia da informação (TI) estão associadas ao Deatec, o polo tecnológico do oeste. Em 2011, este tipo de organização empregou mais de 300 profissionais em Chapecó. No negócio dos Sanick, além dos dois sócios, trabalham seis pessoas nas áreas mecânica e de tecnologia, o suficiente para produzir o ASC - nome comercial

do contador de grãos - e outros produtos eletrônicos. Os irmãos comemoram o crescimento da empresa: no ano passado, o faturamento cresceu 49% em relação a 2010.“O chapecoense aposta muito no potencial do oeste”, diz Fabiano S. Padilha. A opção pelo agronegócio como públicoalvo, tal qual os irmãos Sanick fizeram, também foi feita por alguns empresários da região, já que a base econômica do oeste catarinense está na produção rural. Porém, esta não é a única aposta dos empreendedores em TI de Chapecó. Outros produtos, como softwares de gestão e soluções para indústria metal-mecânica, também são produzidos por lá. Apesar da influência local, as vendas desses produtos não ficam apenas na região, já que, com feiras de negócios recorrentes e um aeroporto no município, é fácil conhecer e atender clientes de diferentes estados e até em outros países. “As condições são atrativas para que o negócio possa abranger outros espaços e que não fique restrito ao regional”, explica o especialista em inovação e professor da Unochapecó, Claudio Jacoski. As oportunidades que o setor de TI pode trazer para Chapecó chamaram a atenção do governo do estado e de entidades empresariais. Eles oferecem cursos gratuitos para formação de profissionais e mantém um projeto de um parque tecnológico para organizações locais e multinacionais que queiram instalar-se por lá. Tudo para alavancar negócios como o de Fabiano S. Padilha, que busca novas possibilidades para a Sanick crescer no oeste catarinense: “agora, nosso próximo passo é pensar na exportação, de forma bem modesta e simples, para atender outros mercados.” Diego Cardoso

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Tecnologia além da informática Para Dória, quem cobre essa área deve entender o amplo conceito

“S

aiba tudo sobre o novo Galaxy S II.” “Testamos o novo iBooks 2.” “Vale a pena comprar o novo iPad?” Essas são algumas manchetes que dominaram, por muito tempo, as editorias de tecnologia. Atualmente, o cenário mudou, o mercado tecnológico cresceu e o interesse por esse tipo de jornalismo, que pode ser chamado também de jornalismo de informática, aumentou. Para entender melhor esse novo estilo, o papel dos jornalistas nele e as tendências do ramo, entrevistamos Tiago Dória, jornalista, pesquisador de mídia e pós-graduando em Gestão Estratégica de Tecnologia da Informação, que desde 2003 mantém um site sobre tecnologia e mídia. Semana Revista: Na sua opinião o jornalismo de tecnologia se enquadra na categoria científico? Por quê? Sim. O conceito acadêmico de jornalismo científico abrange a área de tecnologia. Uma é a versão prática do outro. O que existe de equivocado hoje em dia é o costume de chamar de jornalismo de tecnologia algo que é muito mais um “jornalismo de informática”, restrito à abordagem de assuntos sobre computadores. Tecnologia é um conceito muito mais amplo - vai desde um iPhone até o garfo e faca que utilizamos para comer todos os dias. S.R.: A revista INFO passou por uma reformulação recentemente, tentando se transformar em uma revista com menos testes. Qual você acredita ser a tendência nesse ramo do jornalismo? Com o surgimento e ascensão dos blogs

e fóruns de tecnologia, muitas revistas tradicionais na área passaram por uma reformulação. A maioria deixou os testes de produtos de lado para investir na parte de reportagens mais analíticas. Uma tendência bem visível nesse ramo é falar de tecnologia como se estivesse cobrindo a área de cultura ou de esportes. E as reportagens serem menos sisudas, com uma linguagem menos técnica. Por muitos anos, a área recebia uma cobertura que lembrava a da editoria de carros. Falava-se de tecnologia como se estivesse falando de automóveis, com

Quando voce vai comprar um produto tecnológico, a opinião nas redes sociais é muito mais relevante do que a das revistas de tecnologia publicações repletas de testes de produtos e outras questões técnicas. Enfim, hoje existe uma forte tendência de ver tecnologia não somente como produtos (gadgets), mas também como cultura, pessoas e negócios. S.R.: O espaço para testes de produtos é grande na área, até que ponto você acha isso válido, e quando isso se transforma em mera propaganda? Acho válido, mas acredito que, para o leitor, esse espaço para testes de produtos terá cada vez menos importância. Por um motivo simples - hoje, a opinião dos contatos nas Semana Revista

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Divulgação

Dória: Jornalismo de tecnologia não se restringe apenas à informática

plataformas de redes sociais é muito mais decisivo na hora de comprar um produto. Atualmente, quando você vai comprar um produto tecnológico, a opinião nas redes sociais é muito mais relevante do que a opinião desta ou daquela revista de tecnologia. O iPad, por exemplo, quando saiu, foi muito criticado por colunistas da revista Wired. Hoje o tablet é um sucesso. S.R.: Os jornalistas que trabalham nessa área, a seu ver, têm uma especialização adequada? Não. O ideal é ter uma formação ou experiência na área de tecnologia. Uma coisa é você aprender “tecnologia” arvorandose em jornalismo, “que cobre a área há não sei quantos anos”. Outra é conhecer “tecnologia” estudando-a de forma estruturada, acadêmica, e trabalhando na área. Há coisas que você somente vai entender e apreender ao estudar de forma estruturada as tecnologias e seus processos. Recomendo a todos que querem trabalhar com jornalismo de tecnologia a buscar uma formação na área. S.R.: Qual o motivo da mudança e ascensão do jornalismo de tecnologia no Brasil, na sua opinião? Faz parte do processo de simplificação das

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tecnologias. Cada vez mais, a comunicação pessoal e a produção simbólica são mediadas pelas redes de computadores e as tecnologias voltadas para os usuários finais. É natural que exista um interesse maior das pessoas em saber como funcionam essas tecnologias, como elas podem nos afetar, quais são as tendências e novidades, quem está por trás delas. Hoje se o Google fica fora do ar por muito tempo chama mais atenção do que a Bolsa de Valores cair de forma acentuada. S.R.: O Brasil tem diversos polos tecnológicos que pouco saem em matérias de tecnologia. A que você credita isso ? Não há pautas interessantes em polos como Campinas e Porto Alegre? Há diversas pautas interessantes no Brasil. Acredito que a escassez de matérias em editoriais de tecnologia acontece por dois motivos. Um é histórico. O Brasil nunca foi um país produtor de tecnologia. Por esse motivo, o jornalismo brasileiro de tecnologia sempre foi acostumado a olhar para as empresas e os polos tecnológicos lá de fora, pois eram lá que as coisas aconteciam. O Brasil sempre consumiu muita tecnologia, mas sempre produziu pouca. Outro motivo é a falta de profissionalização das empresas brasileiras de tecnologias. Por diversos anos, muitas dessas empresas sequer tinham assessoria de imprensa, o acesso a executivos e a informações sobre produtos era muito difícil. É lógico que esse cenário vem mudando nos últimos anos. Mas, se fôssemos resumir a questão, essa falta de matérias sobre o Brasil em editorias de tecnologia é, na realidade, reflexo histórico de um país que nunca investiu de forma contínua e maciça em tecnologia. Muitas vezes, o modo de fazer jornalismo num determinado setor é reflexo de algo muito maior. Jennifer Hartmann


Para tecnologia, ser nerd não basta

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onforme as tecnologias evoluem e se tornam cada vez mais importantes para empresas, governo e população, a busca por informações sobre o tema também cresce, o que demanda uma cobertura especializada. A internet, inovação tecnológica popularizada na década de 90, é responsável pela veiculação dos principais conteúdos referentes a computadores, tablets, smartphones e outros. Ao analisar os principais portais de tecnologia do país, a jornalista Risa Stoider constatou que “a maior tendência das notícias do ramo divide-se entre abordar o desenvolvimento e lançamento de novos produtos no Brasil e no mundo, e os aspectos financeiros e empresariais por trás dessas novidades, com ampla cobertura das disputas no mercado, da rivalidade entre empresas e, principalmente, dos seus lucros ou prejuízos, investimentos e aquisições.” A tendência, no entanto, é criticada pelo jornalista Diego Kerber, do site de tecnologia Adrenaline. Para ele, essa forma de produção de conteúdo atinge apenas o público entusiasta e não a grande parte menos entendida no assunto, que quer saber o que as tecnologias podem oferecer para viverem melhor. O

problema, de acordo com o jornalista, é que a maioria do conteúdo é produzido por quem entende bem do assunto, os nerds. São poucos os que conseguem ser didáticos e atingir todos os interessados. Mas é preciso ser nerd para escrever sobre tecnologia? Para o editor do canal Tec do site do jornal Folha de S. Paulo, Leonardo Cruz, ser nerd não basta. Ele acredita que, para escrever sem equívocos, é fundamental ter uma base boa de cultura e acompanhar o noticiário. “Não adianta ser ´supernerd´ se você não consegue dimensionar a importância que os fatos da área de tecnologia têm”, afirma. Em relação às pautas abordadas, Cruz explica que elas surgem da apuração dos repórteres, das notícias de agências internacionais e de informações publicadas em sites estrangeiros especializados em tecnologia. Sendo a internet o principal veículo, os canais do segmento não apostam só no texto para falar do assunto. Felipe Vinha, colaborador do site TechTudo, afirma que a migração do texto para outras mídias foi uma das mudanças mais significativas nos últimos anos. Uma prática comum nos sites do ramo é a análise de produtos. A redação testa suas funcionalidades e emite uma opinião sobre o acessório ou eletrônico, o que pode, inclusive, influenciar na compra. Lucas Anghinoni

Busca por informações sobre o assunto pede cobertura mais ampla e maior conhecimento

José Antônio Hüntemann

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Com tablet, repór ter produz na rua Dinamismo e mobilidade das tecnologias tiram jornalistas da redação

Muriel Machado

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uando questionados sobre a importância da tecnologia dentro das redações, muitos profissionais de comunicação dizem que um jornalista não existe sem smartphone, laptop e gravadores digitais. A agilidade na hora de transmitir a informação hoje é maior, impondo ao repórter um deadline menor, muitas vezes alterado durante o dia. O editor-chefe do jornal O Globo Ascanio Seleme explica que isso acontece porque até a notícia mudou de velocidade. Para dar conta do novo ritmo de produção, as redações estão incorporando os novos dispositivos quase junto a seus lançamentos. N’O Globo, todos os editores e muitos repórteres já têm iPads, por exemplo. Já no Extra Online, do Rio de Janeiro, toda a equipe recebeu notebooks, smartphones e conexão 3G para uma operação descentralizada. Lá, os repórteres raramente voltam à redação, pois têm disponíveis todos os recursos necessários para executar suas atividades. Essa é a característica principal que define o “jornalismo móvel” (MoJo), que desde 2007 vem se consolidando em diversos grupos de comunicação do país e é uma grande tendência. De acordo com o pesquisador do Centro Internacional de Estudos e Pesquisa em Cibercultura

Fernando Firmino, foi a partir do surgimento da internet 3G que as empresas passaram a ter repórteres fora da redação. Ao mesmo tempo que a mobilidade oferece custos reduzidos, ela pode ser o primeiro passo para uma “apuração na rua” mais efetiva, dando maior agilidade ao profissional para produzir textos fidedignos. Com tablets, o computador de mesa pode ser substituído e fixado apenas para o trabalho “pesado”. “O iPad hoje compara-se ao celular na década de 90. No começo, poucos tinham. Hoje é indispensável para todo jornalista”, diz o editor-chefe d’O Globo. Além dos prazos encurtados, a adesão aos dispositivos móveis também inclui à nova rotina a exigência da “multitarefa profissional”, que agrupa em uma só pessoa a capacidade de capturar imagens e vídeos, redigir textos e editar todo o material longe da redação. Para Lucas Longo, essa mudança é uma desvantagem, pois aumenta a possibilidade de trabalho sobrecarregado, já que não existe mais a desculpa de não estar no escritório. Mas para Firmino, dependendo do modelo adotado, poderá surtir uma reforma na hierarquização tradicional das redações, tornando o trabalho mais flexível por conta da mobilidade tecnológica, o que elimina algumas atividades do jornalismo e adiciona novas. Diante do atual contexto de convergência e multiplataformas, o pesquisador aponta outras questões importantes nessa relação: “o fundamental não é a tecnologia em si, mas o que se faz com ela nas estratégias de produção jornalística”. Helena Stürmer


reportagem de um personagem Um perfil precisa ser muito bem recortado para relatar a pessoa pautada. Sendo classificável como investigativo, esse tipo de jornalismo exige que o repórter aprofunde-se na história que será contada, extraia as informações essenciais e consiga enxergar quais são de fato relevantes e quais são detalhes que não passam de exercício de linguagem. Essa mesa discutirá de que forma o jornalista deve pautar suas entrevistas e pesquisas e qual a melhor forma de construir sua narrativa para transformar indivíduo em personagem. Dorrit Harazim, fundadora e editora da revista Piauí Adriana Negreiros, repórter das revistas Playboy e Cláudia Sérgio Vilas-Boas, Jornalista, escritor e professor de pós-graduação em Narrativas do Real


Começo-meio-fim de cada um

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m jornalismo, perfil significa enfoque na pessoa – seja uma celebridade, seja um tipo popular, mas sempre o focalizado é o protagonista de uma história: sua própria vida. Esta afirmação de Sodré e Ferrari talvez seja uma boa síntese do que conhecemos por perfil. Sua inspiração na literatura tornou-se tradição no país desde a imprensa engajada do século XIX. Na luta pela abolição da escravatura ou pela implantação da república, a descrição do perfil de personagens de embates foi um recurso de usual que ajudou a sedimentar esta forma de narrar na imprensa brasileira. João do Rio e Joel Silveira reforçaram essa tradição. Nos tempos recentes, Ricardo Kotscho, Eliane Brum, João Moreira Salles e Dorrit Harazim são algumas boas referências. Além de Sodré e Ferrari, outros autores consagrados como Sérgio Vilas Boas definiram e classificaram esta forma de narrar. Diferente da biografia, um gênero genuinamente literário, o perfil focaliza apenas alguns momentos da vida da pessoa – celebridade ou um tipo popular. O focalizado é protagonista da história – sua própria vida. Por isso, é um recurso rico para as matérias chamadas humanas. Assim, podemos admitir alguns tipos de perfil: Personagem indivíduo – Retrato mais psicológico que referencial. Interesse recai sobre a atitude do entrevistado diante da vida, comportamento, peculiaridades, modo de atuação.

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Personagem tipo – Caso de celebridades que se inscrevem em categorias: esportistas, cantores, milionários, princesas... Enfatiza aquilo que lhes deu fama: habilidade, talento, dinheiro, beleza... algum atributo típico de suas classes ou profissões. Personagem caricatura – São pessoas estranhas, grotescas, de atitudes mirabolantes, com acentuada tendência para a exibição, que podem gerar um perfil tipo caricatura. Miniperfil – Eventualmente inserido numa reportagem. Destaque é dado aos fatos, à ação, e os personagens são secundários. O relato de um fato é interrompido para dar um enfoque rápido sobre personagens, sob a forma de narrativa ou curta entrevista. Multiperfil – Há pessoas tão significativas que merecem uma cobertura maior que a do perfil. Ex: quando Carlos Drummond fez 80 anos ou quando Jonh Lennon foi assassinado, quase todos os jornais organizaram cadernos especiais exclusivos sobre eles. Divulgação

Com uma boa narrativa, um perfil transforma pessoas em personagens


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Mais importante que tais classificações é verificar que o perfil é uma narrativa... e pode ser uma boa narrativa. Se o seu objetivo é focalizar um personagem, este está inserido num contexto, num momento histórico; expressa significância, um movimento e/ou fenômeno social. Portanto, construir um perfil é contar uma história, é construir uma narrativa. Que narrativa? Narrativa para Jonatan Culler é uma história com começo, meio e fim, que deve causar prazer ou satisfação pela transformação do personagem destacado, ou seja, que constitua uma mensagem. Se causa prazer e traz uma mensagem, também deve gerar mudanças em quem ouve, lê a história. Walter Benjamin acrescenta que uma narrativa, além de informação, evidencia a experiência do personagem – esta emerge com mais força que as próprias informações dadas. Para o alemão, este personagem invoca o espírito do “justo” e, por isso, a boa narrativa incorpora um fundo moral que orienta ou provoque o interlocutor. Nessa linha de raciocínio, destaco a fundamental importância de recorrer ao caráter subjetivo do repórter. Ora, se focamos protagonistas não nos relacionamos

Fazer um perfil é construir uma narrativa que cause prazer ou satisfação pela transformação com objetos, mas com pessoas – que têm pensamentos, impressões, opiniões, experiências... VIDA! Se tratamos de vidas, não relatamos apenas fatos, mas fenômenos sociais compostos por informação e impressões – portanto subjetividades. Joel Silveira é uma excelente referência nessa conjugação do objetivo e do subjetivo na construção de perfis. Ele mostrou a personalidade de Graciliano Ramos como numa pintura impressionista de seu entrevistado; como retratou movimentos sociais e políticos ao traçar o perfil de João Goulart. Ou detalhou peculiaridades de um movimento histórico como a reportagens de um grupo de cangaceiros numa penitenciária baiana. Em trabalhos recentes, o caso Francenildo, na piauí, foi uma narrativa exemplar em que João Moreira Salles colaborou para resgatar a dignidade do “caseiro de Palocci” acusado de lavagem de dinheiro. Um perfil? Sim, mas uma reportagem muito bem apurada e estrutura de forma que o protagonista teve voz e pode esclarecer a injustiça a que foi submetido. Os pensamentos, os sentimentos, as experiências de Francenildo dialogaram com as impressões, as opiniões de Sales. Daí uma reportagem de perfil que constituiu uma narrativa, com começo, meio e fim, que trouxe mais que informações as experiências, mensagens, transformação – o espírito do justo que causou provocações em quem leu esta boa história. Jorge Kanehide Ijuim - Jornalista, professor do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina

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Retratos O retrato fotográfico tem a intenção de identificar, definir uma característica ou toda uma pessoa em apenas uma imagem. Mais: o retrato não precisa identificar alguém, muito embora haja alguém no retrato de algo. Escolhi quatro. O retrato de um lugar, de uma situação, de um fato e, para não fugir demais, de alguém. Cada qual, cada quem, cada onde e o quê, definidos no infinito de significados que guarda uma imagem.

Esse é o retrato de ninguém. O homem é um morador de rua, e a partir de agora você sabe que ele existe. Mais ou menos com esse objetivo – vê-los – Lee Jeffries começou a fotografar essas pessoas. Seu trabalho explodiu internet afora e ao mesmo tempo abriu os olhos e mentes de muitas pessoas. O rosto deste homem não é um retrato seu, embora íntimo como poucos; é o retrato da situação que vive ele e tantos outros. A cada foto, Jeffries devolve a dignidade destes homens, “na esperança de que as pessoas percebam que eles são justamente como eu e você”, explica em entrevista à Time.

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A chamada Primavera Árabe representa a insatisfação de um povo frente ditaduras desgastadas e falsas democracias. Mas o povo, onipresente, não tem rosto nem representante. O retrato de uma mãe com seu filho ferido nos braços talvez seja, então, o retrato dessa gente. Já se descobriu quem são os mártires ao lado, onde estão e o que fazem, mas isso não interessa realmente. Essa fotografia é um retrato do que aconteceu (e acontece) em países como Tunísia, Egito, Líbia, Síria e Iêmen. De autoria do espanhol Samuel Aranda, não à toa venceu o World Press Photo 2011.

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À primeira vista o retrato é do casal. À segunda vista, diria que é de John. Annie Leibovitz, tirou essa foto sem grandes aparatos. Queria os dois nus, mas Yoko se recusou a tirar as calças e decidiu-se que apenas John ficaria pelado. Um retrato perfeito sacado do improviso. A ligação forte demais entre os dois supostamente terminou com os Beatles, e Lennon exala toda sua admiração e necessidade por sua mulher através de cada gesto. Agarrado a ela, nu, beijando-a, envolvendo seu rosto com os braços e de olhos fechados. Para os dois, profundo amor, para a imprensa especializada em fofoca, obsessão e dependência. Essa é uma das últimas fotos do artista antes de morrer, talvez seu retrato definitivo, felizmente carregado de múltiplos significados e interpretações.

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No início da década de 80, Bruce Davidson documentou o metrô de Nova York, percorrendo suas distintas linhas, procurando por cenas, pessoas e coisas que mostrassem a realidade deste mundo subterrâneo. A foto ao lado abarca quase tudo. O clima de insegurança ganha força pelas pichações indecifráveis e pela figura de dois valentões, paradoxais seguranças improvisados (e necessários). Os dois são membros dos Guardian Angels, organização civil para proteger a população e manter a segurança em locais públicos. O retrato do metrô de Nova York poderia ser essa fotografia: um vagão vermelho-frio protegido por seguranças voluntários mais mal-encarados que os próprios criminosos. Giovanni Bello

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Um Marcelo no meio do caminho Em onze anos, não houve nome mais marcante na Semana do Jornalismo

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arcelo é um nome carregado de poder cármico. Ao menos para a organização da Semana do Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Em mais de uma década, não houve nome que marcasse o evento com força maior. Era sábado, 19 de setembro de 2009, quando o escritor, jornalista e Marcelo, o Rubens Paiva, telefonou para uma das organizadoras da 8ª Semana do Jornalismo para cancelar sua participação no evento. Ele seria o convidado da palestra de abertura, a ser realizada dali a dois dias. “Como assim, você não vem?”, exasperou-se Cecília Cussioli, responsável pelo contato com Rubens Paiva. “Vai atrapalhar muito, né?”, disse um sensibilizado Marcelo, ciente que estava estragando meses de preparação e divulgação pesada. Na correria, a (enlouquecida) equipe organizadora conseguiu outro nome forte para substituí-lo - o também escritor e cronista João Paulo Cuenca. Não

bastasse a necessidade de explicar para um público frustrado a troca de última hora, Cecília embolou-se, preparada para conversar com o Rubens Paiva, e apresentou o “cronista e escritor Marcelo Cuenca”. Na 6ª Semana, em 2007, outro perrengue com um Marcelo. A organização conseguiu veicular chamadas do evento durante a programação da RBS. Produzido o vídeo, enviaram para os convidados, mostrando que a Semana estava sendo divulgada para todo o estado. Tudo corria bem até que um convidado, então jornalista da Folha de S. Paulo, responde, elogiando o vídeo, mas informando que a foto que acompanha seu nome não é dele. Procuraram a imagem online e descobriram que, na foto, posava o músico da banda O Rappa e - surpresa Marcelo, o Yuka. A força do nome foi positiva no contato com outro Marcelo, o Tas. Convidado para encerrar a sétima edição, em 2008, Tas ficou chocado ao descobrir que o evento é totalmente organizado por estudantes. “Como vocês conseguem?” Nem a organizadora da época, Juliana Sakae, soube responder. É a força cósmica do Marcelo. Deve ser feng shui. Mas a alcunha não é suficiente para ofuscar a maior semana acadêmica de jornalismo do país. Todo ano, são dezenas de profissionais reunidos em Florianópolis para debater os rumos do jornalismo com as pessoas mais interessadas no assunto: futuros jornalistas, estudantes de graduação. Desde que surgiu, em 2000, a Semana do Jornalismo é concebida e executada por estudantes. Na primeira edição, o sucesso das mesas de discussão e palestras surpreendeu a organização e motivou a realização


do evento no ano seguinte. Plano que não se concretizou, devido à greve de professores de universidades federais em 2001. A 2ª Semana só foi organizada em 2002. A quarta edição, em 2004, inovou ao trasmitir as palestras e mesas de discussão pela internet, ação que é mantida até hoje. Outra greve causou o adiamento da 5ª Semana, realizada apenas em 2006. E voltou com força total, com um episódio que até hoje é lembrado por quem acompanhou o evento. Não, desta vez nenhum Marcelo estava envolvido. Em 2 de agosto de 2006, Juca Kfouri subiu ao palco do Auditório do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC e falou por algumas horas com os presentes. Momentos depois, era a vez da palestra do também jornalista Renan Antunes. A surpresa foi geral quando Antunes caminhou até o palco com um pano de chão amarrado à cabeça, apenas com buracos revelando os olhos, dizendo que se sentia envergonhado por estar num auditório que aplaudiu Juca Kfouri. O pano permaneceu na cabeça do jornalista durante toda a palestra. Certamente algum Marcelo dava risadinhas escondido na plateia.

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Talvez o maior poder sobre a Semana do Jornalismo - mais do que o Marcelo-power - seja a pressa. Um grupo de estudantes se reúne no começo do ano letivo, em março, e começa os preparativos para a Semana daquele ano. Desde 2008, o evento acontece em setembro. Nesse grupo estão alunos de diferentes fases da graduação - toda ajuda é bem-vinda. Durante as reuniões semanais, todos dão sugestões de possíveis convidados. A condição: ter experiências interessantes

que possa compartilhar com os estudantes. Em maio, a equipe começa os contatos com os jornalistas. Entre junho e agosto, todos os convidados precisam ser confirmados e perfilados; as passagens devem ser compradas e os hotéis, reservados; as mesas de discussão são nomeadas e recebem ementas; a identidade visual é finalizada, juntamente com a parte gráfica - banners, folders, panfletos, cartazes, camisetas; o site e os perfis da Semana no twitter e no facebook são atualizados; e releases do evento chegam à imprensa catarinense. Somado a tudo isso, a equipe produz, desde 2008, esta Semana Revista, com textos que servem como introdução aos temas que serão discutidos durante a Semana. Em um mês, geralmente durante as férias, é preciso apurar, escrever, editar, diagramar, revisar, fotografar e ilustrar as 64 páginas da publicação. A Semana é pensada do jeito que os estudantes querem; depois, a equipe que corra atrás do dinheiro necessário para bancar todos os gastos. E a Semana é cara - em 2011, a décima edição movimentou R$ 8,5 mil. Como bem lembra um dos organizadores da 9ª Semana, Diego Cardoso, esse “não é um evento amador, não é um evento de moleques”. Não há Marcelo que atrapalhe os planos. Lucas Pasqual

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Da vida, o que ficam são histórias Pessoas comuns têm suas trajetórias contadas no obituário do jornal

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Mariana Della Justina

irei obituarista e logo O primeiro passo pessoas fragilizadas. é apresentar o despertei a curiosidade personagem. A alguns repórteres cabe a taA idade deve ainda de amigos e familiares. aparecer refa de entrevistar personalidades nas primeiras nhas, pois o leitor Tem quem pergunte até quan- liquer ainda vivas para material no futusaber logo anos do escreverei sobre os mortos quantos ro. Isso é o que fazia Alden Whittinha a pessoa. Busque sempre os aspectos mais intere outros que vibram, lembran- essantes. Ele tinha apelido? Um hobbie? man, o Sr. Má Notícia, imortalizaUm ideal? Lembre-se sempre de que, de homenagem, você tem um do escritores famosos que co- além do em perfil escrito por Gay Talese público cativo a agradar. Um obituário precisa ser grande, ele tem de ser meçaram da mesma forma que não no livro Fama e Anonimato. conciso e trazer informações. Esqueça dos elogios melosos e repetitivos, subeu. Mas um obituário não é macastitua por características que faça quem ar as suas próprias conclusões. Por E vêm as perguntas: como lêfim,tirdatas bro. No jornalismo, em quais mosão importantes, mas não é preciso fazer um registro cronológico. se escreve um obituário? mento temos oportunidade de faComo é o contato com a famílar sobre alguém já morto que não lia em luto? Dou uma pausa, abro o sorriso em notícias de doença, crime ou acidente? e explico com paciência: da mesma forma E poder contar das vivências, escolhas e que converso com pessoas que perderam conquistas com simplicidade? Conhecer alguém, escolho as melhores palavras para histórias de amor, de superação, de dedicatransmitir o que elas têm a dizer. ção à família e ainda ser recompensado com A cada dia de trabalho são novos per- agradecimentos? sonagens reais que preciso conhecer. Na Mais do que aos que partiram, a homerotina entra o contato com assinantes do nagem é para os que ficaram. A função de jornal, funerárias, centrais de óbito e o olho quem escreve é tornar o texto simpático à vivo para as mortes locais, nacionais e inter- familiares, amigos e, claro, aos leitores. O nacionais. Em cada ligação, é preciso genti- jornal deve aproximar-se do seu público, leza e atenção aos pequenos detalhes. criar o sentimento de pertencimento. Ricardo Stefanelli, diretor de redação O leitor quer saber dos famosos, que lhe dos jornais catarinenses da RBS, sente por despertam curiosidade imediata. Mas tamnão ter sido obituarista, mas já escreveu bém quer ler sobre o vizinho, ou a figura iruma centena deles e destaca três aspectos reverente que sempre via ao visitar a praça relevantes: obituário é história de vida, da cidade. Pessoas comuns que nem conheé exercício de texto e estreita laços com o ceu, mas que gostaria de ter conhecido. O leitor. que fica sobre eles, esses ilustres anônimos, As histórias de vida são o melhor do jor- é aquele texto que pretende traduzir um nalismo. É aí que o repórter e o seu texto se pouco do que foram de forma sucinta. revelam. Mostra como ele enxerga as situaMostrar aos outros que o fim é parte da ções, a maneira de retratá-las e a relevância vida não é trabalho menos importante. Alique dá a aquilo que é aparentemente co- ás, corremos nossos olhos nos melhores livros mum. Não é tarefa simples, pois, no obitu- querendo saber como eles vão terminar. ário, ainda existe o agravante de entrevistar Mariana Della Justina


Andre trigueiro “O jornalismo ambiental preconiza um olhar ecológico, inter-relacional, que remete a uma abordagem sistêmica dos assuntos do cotidiano. Invariavelmente desagrada interesses políticos e econômicos contrários à sustentabilidade”. É esse o olhar que preza o trabalho do jornalista André Trigueiro. É editor-chefe do programa semanal “Cidades e Soluções”, exibido na Globo News. Também é comentarista da Rádio CBN desde 2003, onde apresenta o quadro “Mundo Sustentável”. Em abril de 2012, aceitou o convite para retornar a Rede Globo (onde foi repórter entre 1993 e 1996) para ser o primeiro colunista de sustentabilidade do Jornal da Globo, onde apresenta o quadro “Sustentável”, e realizar reportagens para o Jornal Nacional. Desde maio deste ano é colunista do blog Mundo Sustentável do G1. Trigueiro é o nosso convidado para a palestra de abertura e vai falar sobre sua carreira e perspectivas para o jornalismo ambiental.

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Rio+20 versus Código Florestal Busca pela sustentabilidade tropeça em algumas falhas da lei

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Thaianna Cardoso

nquanto a Europa procura meios Conferência, que acabaram por aceitar o texto para sair de uma crise econômica que já finalizado e denominado de O Futuro Que culmina com o endividamento da Queremos. Grécia, Itália, Espanha, Portugal e Irlanda, O documento demonstra falta de representantes dos 193 Estados-membros da comprometimento financeiro e de medidas ONU e integrantes de setores da sociedade urgentes. Por isso, a Cúpula dos Povos, civil se reúnem na tentativa de conciliar encontro entre a sociedade civil realizado desenvolvimento e ecologia. O Brasil sediou simultaneamente ao evento principal, essas discussões na Conferência das Nações afirmou, em sua declaração final, que as Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, instituições financeiras e a maioria dos Rio+20, em junho. Em paralelo, o país também governos demonstraram irresponsabilidade foi palco de embates entre governo, ruralistas com o futuro da humanidade. E acrescentaram e ambientalistas pela conclusão do texto que “em contraste a isso, a vitalidade e a força final do Novo Código Florestal, que rege os das mobilizações e dos debates fortaleceram rumos da legislação em Áreas de Preservação a convicção de que só o povo organizado e Permanente (APP) e mobilizado pode libertar reserva legal. o mundo do controle O Rio de Janeiro das corporações. As abriu no dia 13 de junho críticas são relativas à a Rio+20, com o objetivo economia verde que de fazer um balanço continua a manter a geral do progresso na sociedade sustentada execução das diretrizes pelo pilar do consumo. traçadas, há 20 anos, por Thaianna Cardoso, um desenvolvimento estudante de engenharia sustentável durante Mais de duas mil pessoas acamparam na Rio+20 ambiental da UFSC a Eco-92, também foi uma das integrantes realizada na cidade. O fórum foi dividido do Comitê Facilitador da Sociedade Civil em três momentos. No primeiro, o Comitê Catarinense para a Rio+20. Ela dormiu em Preparatório, integrado por técnicos de um dos dois campings destinados aos jovens, todos os países, elaborou o documento que na Cúpula dos Povos, com mais 2.300 pessoas. seria depois examinado pelos presidentes Apesar da pressão imposta à sociedade e primeiros-ministros. O segundo, para não apresentar o documento ao grupo formado por 18 mesas de discussões, deu principal da Rio-centro, com interferência da espaço aos membros de organizações polícia durante passeata pacífica, Thaianna não governamentais e universidades. E o ponderou: último reuniu as autoridades para debater – O encontro valeu a pena por ter os documentos elaborados durante a proporcionado a troca de experiências

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Fabio Rodrigues/Pozzebom-ABr

com gente de todos os lugares, que puderam expor suas necessidades. Isso certamente terá um reflexo, e os resultados serão discutidos em Santa Catarina. Sabemos que as mudanças emergem da sociedade. Integrantes da Campanha Veta Dilma, promovida por ecologistas Cúpula dos Povos afirmou em declaração que governos são irresponsáveis com o futuro da humanidade e respaldada por documento contendo dois milhões de de áreas de proteção nas margens de rios assinaturas recolhidas pela internet, também intermitentes, aqueles com interrupção do participaram do evento. O grupo foi fluxo de água durante épocas do ano. A emenda não agradou o governo e nem a motivado após a aprovação, no Congresso, do novo Código Florestal, que regulamenta bancada do PV, liderada pelo deputado federal a exploração de terras e delimita áreas de e ex-ministro do Meio Ambiente Sarney Filho vegetação nativa e de produção rural. O (PV/MA), que apoiou a campanha Veta texto é visto como um retrocesso pelos Dilma. Para ele, o novo código “ampliou em ambientalistas, por afrouxar a legislação muito a insegurança jurídica que reina no país e priorizar os interesses de ruralistas. Já o em relação às normas de proteção da vegetação relator, Paulo Piau (PMDB-MG), defende nativa na propriedade”. Quando questionado que as críticas são geradas por desinformação sobre os rumos da medida ele, que é o atual e afirmou em declarações que “a proposta não presidente da Comissão do Meio Ambiente incentiva desmatamento ou permite anistia, da Câmara dos Deputados e coordenador da mas apenas consolida a produção em áreas de Frente Parlamentar Ambientalista, ressalta: – Contamos muito com a pressão da preservação, o que, historicamente, já vinha sociedade. O maior objetivo da MP foi ocorrendo nas últimas décadas”. No mesmo dia em que a presidente corrigir o que foi aprovado pelo Congresso promulgou o projeto de lei da Câmara, Nacional, mas o relatório apresentado, que já também editou a Medida Provisória 571/12, foi aprovado na comissão mista, teve como que tenta suprir os vetos e endurecer o código. único mérito manter algo que fazia parte Para analisar a MP, que desta vez tem como do texto original: o reconhecimento das relator o senador Luiz Henrique da Silveira florestas e demais formas de vegetação nativa (PMDB/SC), foi criada uma Comissão como bens de interesse comum. As demais Mista. A votação vem sendo adiada por falta inovações apresentadas em nada beneficiam o de consenso no relatório já aprovado pela meio ambiente. comissão, que possui questões polêmicas, como uma emenda que elimina a exigência Joana Zanotto Semana Revista

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Descaso à ceu aber to Só 9% das cidades do país se comprometeram com a política do lixo

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Divulgação

m 2011, o Brasil aprovou após duas décadas de discussões a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que procura organizar a forma como o país trata o lixo, incentivando a reciclagem e a sustentabilidade. Com a sanção da lei, foi elaborado o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, cujo texto passou por um processo de consulta pública. São três os principais objetivos: - fechamento de lixões até 2014: Quase 40% dos resíduos de todo o país são descartados de forma inadequada - em lixões à céu aberto. No lugar deles devem ser criados aterros controlados ou aterros sanitários. Os aterros têm preparo no solo para evitar a contaminação de lençol freático, captam o chorume que resulta da degradação do lixo e contam com a queima do metano para gerar energia; - só rejeitos poderão ser encaminhados aos aterros sanitários: Os rejeitos compõem parte de 10% do lixo que não permite reciclagem. A maioria é orgânica, que em compostagens pode ser reaproveitada e transformada em adubo, e reciclável, que deve ser devidamente separada para a coleta seletiva; - elaboração de planos de resíduos sólidos nos municípios: os planos serão elaborados para ajudar munícipes a descartar

de forma correta o lixo.

Primeiros encaminhamentos

Em cumprimento à lei 12.305/2010, apenas 8,8% das cidades enviaram seus Planos Municipais de Gestão de Resíduos Sólidos. O governo federal entendeu que o prazo de dois anos dado para elaborar o documento foi suficiente, e cortou o repasse de recursos federais para as áreas de saneamento e limpeza urbana nas cidades faltantes. Até 2 de agosto, apenas as prefeituras de 488 cidades, de um total de 5.561, conseguiram cumprir um dos primeiros encaminhamentos da PNRS. Com o envio e aprovação, o repasse de recursos federais é reestabelecido, e a cidade começa a trabalhar, com o apoio do governo, para que as metas sejam alcançadas até 2014. Florianópolis, assim como 91,2% dos municípios brasileiros, não enviou as propostas. Em 27 de julho foi lançado um edital de tomada de preços no site da prefeitura para contratação de uma empresa consultoria, para elaborar o “Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Urbanos de Florianópolis”. A partir daí, o prazo para conclusão do plano é de um ano. O assessor técnico da presidência da Comcap, Wilson Cancian Lopes, garantiu que Florianópolis não vai deixar de receber as verbas do governo para implantação da PNRS. “Nós só não iremos receber o primeiro repasse do orçamento, assim como outras cidades, porque isso depende das prioridades de cada gestão”, declara. Gabriele Duarte

Brasil tem até 2014 para substituir lixões por aterros


Felipe Patury No jornalismo diário é imprescindível a tentativa de imparcialidade. A opinião do jornalista não deve ser perceptível, de modo que o texto tenha vida própria e seja balanceado, não favorecendo nenhum dos envolvidos. Quem tem a oportunidade de manifestar sua opinião nas páginas do jornal é o colunista. Figura clássica nos meios de comunicação, o colunista possui um leitorado fiel, que acompanha o profissional e participa com sugestão de pautas, reclamações, críticas e feeedback ao que é publicado. Alem disso, a credibilidade do jornalista é responsável, muitas vezes, por elevar a credibilidade do próprio veiculo em que seus textos são publicados. Felipe Patury publica com Leonel Rocha e Igor Paulin notícias inéditas e relevantes de política, economia, negócios e entretenimento na Revista Época


O bóson de Higgs para jornalistas Como as publicações tratam o mesmo assunto de maneira diferente

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ma das vacas sagradas do jornalismo tem um nome pomposo: “linha editorial”. Porém, tal qual a maioria das vacas sagradas, ela não é um negócio muito real – que me desculpem os hinduístas. Em tempos de redes sociais e de Fla-Flu entre governistas e oposicionistas, a coisa fica ainda mais exacerbada. “Tal revista é antipetista”, “Fulano não gosta do Lula”, “Beltrano do blog ganha mesada da Dilma” e “Sicrano é boca alugada do governo” são algumas das frases mais leves ditas desde as eleições de 2010, quando os questionamentos em relação a linhas editoriais cresceram. Se você não tem ideia do que estou falando, alegre-se: você não é tuiteiro, assessor de político ou, pior dos cenários, jornalista. Como tudo que envolve a prática diária do jornalismo, as únicas pessoas que se importam com linhas editorias são aquelas cujos rendimentos mensais dependem do que sai nas manchetes. Boa parte deste contingente é composto por puxa-sacos de políticos e, em menor escala, repórteres, já que para os últimos os gastos no bar para a manutenção do alcoolismo tenham mais peso no saldo bancário ao fim do mês. Não vamos falar de política, porém. Se é possível tipificar a linha editorial de algumas das publicações brasileiras sem tocar em as-

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sunto tão desagradável, fá-lo-emos. Há um famoso texto – que você certamente já recebeu via e-mail e, portanto, deve ter sido escrito por Caio Fernando Abreu – que tenta fazer isso através da fábula da Chapeuzinho Vermelho. É criativo, mas esbarra no que falei anteriormente: é feito por jornalistas e para jornalistas, portanto nenhuma pessoa normal deve se interessar. Vamos tentar, então, com a descoberta do bóson de Higgs, que agitou o mundo em julho e que, a essa altura do campeonato, já foi totalmente esquecida – um legítimo evento histórico, portanto. “Ah, mas eu li em um monte de jornais e vi o William Bonner falar sobre isso”, exalta-se um leitor deste texto que provavelmente só existe na cabeça do missivista. Sim, imaginário amigo, é verdade, mas você não entendeu do que trata, não é mesmo? Eu, por exemplo, boiei. Que tal, por exemplo, uma capa da revista Caras em que Adriane Galisteu, em Punta del Este, reclama do desgaste de sua relação com o bóson de Higgs. “Quero dar um tempo, mas ele não quer me largar”, diria a platinada apresentadora, sempre em letras maiúsculas, na manchete da publicação. Nas páginas internas, a moça apareceria de biquíni, comendo frutas,


relaxando e em outras diversas poses, sempre acompanhada da partícula de Deus. A Folha de S. Paulo poderia contribuir com um infográfico: “Saiba onde encontrar o bóson de Higgs dentro desta edição”. Se você estivesse lendo online, um pequeno texto excitaria a sua curiosidade para, no final, convidá-lo a pagar uma pequena taxa para saber todos os locais onde encontrar a tal coisinha. Na capa da edição impressa, uma foto com chamada para uma matéria da Ilustrada sobre uma peça com atores nus, com a legenda “O bóson de Higgs em peça com atores nus”. Na Carta Capital, o editor Mino Carta escreveria um editorial enorme e saudosista sobre a luta do bóson contra a ditadura militar no Brasil. “Ele esteve presente em momentos crucias da história do país”, diria o velho jornalista. Na capa, a revista nos lembraria de que a partícula só deu as caras depois de dez anos de governo Lula, num pequeno ato falho que o leitor médio da publicação nem mesmo perceberia. Por outro lado, a Veja só publicaria alguma coisa caso tivesse recebido algum dossiê pelo correio na semana anterior. Em caso positivo, o bóson de Higgs seria acusado de ter estado com José Dirceu em seu quarto num hotel de Brasília. Em caso negativo, uma matéria especulando os efeitos benéficos de uma dieta baseada na partícula estaria na pauta, com uma mulher gostosa com roupa de ginástica na capa. Suando, claro.

O jornal Zero Hora traria estampado na capa: “O bóson de Higgs está no Rio Grande do Sul”. O Diário Catarinense também. Nos portais, o Terra colocaria em destaque um slideshow com homens de sunga e mulheres seminuas, com o título: “Veja algumas celebridades que já foram flagradas com o bóson de Higgs”. Já o R7 mostraria os melhores momentos da partícula subatômica na Fazenda, além de lembrar-nos, constantemente, que a Record tem os direitos exclusivos de transmissão da participação do bóson nas Olimpíadas de Londres. Atitudes simpáticas assim destes meios de comunicação facilitariam em muito a nossa compreensão dos fatos. A linha editorial deveria estar a serviço justamente disto: promover um maior entendimento do nosso mundo, a partir da informação e da interpretação dela. Por mais que os exaltadinhos fiquem de mimimi, não tem nada de mais em uma publicação ter uma linha editorial: não existe jornalismo totalmente imparcial ou isento. Quem manda, no fim das contas, é sempre o leitor. Se ele achar que uma publicação não presta, deixa de ler, pura e simplesmente. Tem sido assim desde sempre na história desse país, ele pode fechar o jornal, a revista e, hoje em dia, o site. O leitor tem o poder, além do bóson de Higgs. Bruno Volpato


Opinião no Jornal é histórica Desde século XVII, colunistas exercem influência nos leitores Credibilidade Os colunistas muitas vezes são conhecidos como “a cara” do jornal. De acordo com uma pesquisa feita pelo Washington Post em 1995, as colunas eram campeãs de leitura e credibilidade na maioria das publicações norte-americanas. Tendência que dura até hoje vide pesquisa mais recente, realizada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) em 2008, que ainda aponta os colunistas como referência para os leitores.

Um novo tipo A década de 60 trouxe a decadência ao formato “coluna”, pois passou a retratar a vida das celebridades, com informações de nenhuma relevância social, política ou econômica. O marco desse novo formato foi a Page Six, do The New York Post, criado em 1976 por James Brady. Até hoje, a coluna, que recentemente ganhou uma revista própria, é uma das mais importantes nos Estados Unidos.

Burguesia O texto opinativo foi introduzido nos jornais durante o século XVII na Inglaterra, para disseminar os ideais burgueses.

High society A coluna em seu formato atual ganhou maior notoriedade nos Estados Unidos, com as gossip columns, ou colunas sociais, no século XX. Os colunistas relatavam com sarcasmo os acontecimentos da alta sociedade americana.

Influência Também eram importantes formadores de opinião. Com pequenas notas nos jornais, alguns chegaram a derrubar políticos e fechar fábricas, além de contribuir com a disseminação de ideologias. Foi o caso do macarthismo, na década de 50, onde o senador Joseph McCarthy liderou uma caça aos comunistas.

E no Brasil... Leveza

Web

O colunismo social surgiu por aqui na década de 50, adaptado do formato norte-americano, mas mais leves e sutis nas críticas políticas. Ibrahim Sued, da coluna “Em Sociedade” do jornal O Globo, é considerado o maior nome brasileiro do gênero.

“Acho que as colunas ganharam mais força porque a internet é uma baita confusão. As pessoas precisam de alguém que organize a bagunça para que possa haver um debate menos dispersivo.” (Clóvis Rossi, colunista da Folha de S. Paulo). Guilherme Longo

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FREDERICO VASCONCELOS Em tempos de julgamento do Mensalão, o jornalismo investigativo volta-se ainda mais para o submundo da politicagem brasileira. Nesse cenário, a tênue relação entre jornalistas e fontes pode resultar em novos escândalos, como o envolvimento da revista Veja com o bicheiro Cachoeira. Para debater assuntos como cobertura jornalística, política nacional, gastos públicos, entre outros, a Semana traz o repórter especial da Folha de S. Paulo, considerado um dos maiores jornalistas investigativos do país, Frederico Vasconcelos.


Juízes no banco dos deuses No interior, magistrados são mitificados e cometem abusos de poder

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à reflexão “absolutamente distorcida da democracia e do verdadeiro papel do juiz” feita por De Santis. No texto, a co-fundadora do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia ainda lembrou que quando começou a atuar na magistratura, em janeiro de 1989, um magistrado não aceitava bem a idéia da participação de mulheres no Judiciário, disse que “não concebia mulher judicando porque, afinal, Deus era homem e, assim, os juízes só poderiam ser do sexo masculino.” Esse tipo de pensamento ainda é muito comum no Poder Judiciário, e é até motivo de piadas. “Então você nunca ouviu falar em advogados que se acham deuses e que juízes têm sempre certeza?”, brinca a estudante Allan Sborz

m novembro de 2008, o juiz da 6ª Vara Criminal Federal, Fausto De Sanctis - responsável pela acusação do banqueiro Daniel Dantas por crimes financeiros e corrupção -, causou polêmica ao citar um autoritário filósofo político alemão, considerado o “jurista do nazismo”. Segundo editorial publicado pelo jornal O Estado de São Paulo no dia 12 de novembro, durante uma palestra o juiz havia dito que “a Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil”. A afirmação foi duramente criticada pela imprensa nacional e por juízes e promotores. Uma semana depois, a juíza de direito Kenarik Boujikian Felippe publicou na Folha de São Paulo um artigo que respondia

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de direito Francine Nazário ao se referir e começou a tirar os sapatos. Eu fui até lá e à sua futura profissão. Ela trabalha como expliquei que não precisava tirar, que ele técnica judiciária na comarca de Camboriú, podia ficar à vontade. Então, todo sem jeito em Santa Catarina, e percebe que muitos ele me disse que os sapatos estavam sujos de juízes são realmente idolatrados, e que esse barro, e que ele não queria sujar o chão. Só poder concedido a eles torna-se motivo para entrou depois de ter batido todo o barro do abusos de autoridade. Ela lembra um caso calçado na entrada”. emblemático que aconteceu recentemente Para Sibelly, a maior vantagem de trabalhar no Fórum de Camboriú: “um dos juízes em comarcas menores é a humanização do costumava mandar guinchar qualquer carro trabalho. Como a população atendida é bem que parasse em alguma vaga privativa do menor, é possível manter contato maior com estacionamento aqui do Fórum, mesmo as pessoas, interagir mais com a comunidade, isso não sendo responsabilidade dele. Um o que é difícil fazer em comarcas grandes, dia uma funcionária pública contratada como a da capital, onde os processos chegam estacionou a sua van em uma dessas vagas, a ser superiores a três mil por vara. “Quando e se recusou a tirar chegava algum quando ele foi abordájuiz novo, em Em 1989, um magistrado não la. Os dois discutiram, pouco mais e no dia seguinte, de seis meses concebia mulher judicando ela estava na rua. Foi pessoas já porque, afinal, Deus era homem as demitida por discutir começavam a e, assim, os juízes só poderiam chamá-lo pelo com o juiz.” ser do sexo masculino O “endeusamento” nome na rua, de juízes, promotores e ele também, e advogados é ainda conhecia de mais comum em cidades do interior. A perto a história de cada um dos moradores, o funcionária do Tribunal de Justiça da que facilitava muito o trabalho. Procurávamos Capital, Sibelly Favero, trabalha há 16 anos sempre lembrar que atrás daqueles papéis no judiciário e começou sua carreira como existiam pessoas”. Ela também percebe que assessora de um juiz na comarca de vara nas cidades maiores, as pessoas não mantêm única da cidade de Ponte Serrada, na região o mesmo respeito que no interior, e acredita de Chapecó, oeste de Santa Catarina. Ela que o “endeusamento” está perdendo força. lembra que não só o juiz, mas também Apesar de lamentar casos como os citados promotores e delegados de polícia eram no início dessa matéria, Sibelly afirma que vistos como pessoas míticas, consideradas em todos esses anos que trabalhou como as mais importantes da cidade. Havia um assessora nunca conviveu com juízes que respeito muito grande pelos trabalhadores tentassem se aproveitar do poder atribuído do Judiciário, e as pessoas mais humildes a eles. Mesmo no interior, onde é comum tinham até vergonha de ir ao Fórum. “Uma a influência das famílias dos donos de vez, deu pra ver que um senhor era bem terra, ela nunca presenciou nenhum caso do interior e havia vestido seu melhor traje de magistrado influenciado por ofertas de para falar com o juiz: a roupa toda justinha, dinheiro ou vantagens. engomada... o blazer antigo apertado com as calças curtas. Ele chegou à porta do Fórum, Camila Hammes Semana Revista

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O jornalismo que denuncia e pune Grupos de comunicação conseguem resultados com séries especiais

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próprio setor com o objetivo de criar uma rede inter-hospitalar para atender a comunidade. A partir dessa informação, a repórter foi buscar na ouvidoria de saúde se havia alguma queixa de pacientes. Eram centenas de reclamações, muitas sobre a falta de medicamentos psquiátricos nas farmácias dos hospitais. Uma apuração que demorou três meses e, como consequência, gerou uma revisão completa do setor e no fechamento de duas intituições: o Hospital São Marcos e da Clínica Pinho Mazini. Daniela sempre ouviu que para fazer a diferença com jornalismo era preciso mudar-se para os grandes centros, onde os jornais possuem mais força para aguentar processos e recursos para proteger seus jornalistas. Ainda assim, ela apostou no Tribuna de Minas, com uma tiragem de 15 mil exemplares. As dificuldades de trabalhar em um grupo

instituição psquiátrica Casa de Saúde Aragão Villar, de Juiz de Fora, teve seu fechamento anunciado para agosto deste ano, por meio de portaria, pelo Ministério da Saúde. A unidade, que possui 146 leitos, ficou abaixo da média mínima em duas verificações do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (Pnash). Será a terceira instituição a fechar nos últimos oito anos por falhas no atendimento em Juiz de Fora. Consequência do trabalho de jornalismo investigativo de Daniela Arbex, repórter do Tribuna de Minas. Em 2004, o jornal recebeu uma denúncia anônima de que pessoas morriam nos hospícios da cidade e, portanto, decidiram investigar por meio de trabalho de campo por que “Eu sou uma pessoa indignada. Não isso vinha acontecendo. adianta só falar, tem que transformar “Ficamos de campana em essa indignação em ação.” um hospital que já sabíamos ser comprometido na qualidade”, conta Daniela. “Ficamos lá por uma semana e flagramos pequeno ajudaram a refinar suas técnicas diversas situações impressionantes de investigação. Como a redação pode de maus tratos.” Mas apenas as fotos fechar suas portas por conta de um não eram o suficiente para sustentar processo, nada que não esteja muito a matéria. Daniela também descobriu fundamentado é publicado. Em 17 anos que o dinheiro de leitos desativados de carreira, a jornalista coleciona 17 nos hospitais foram aplicados em outras premiações nacionais e internacionais e áreas não relacionadas à saúde. O correto nenhum processo. seria que o dinheiro fosse reinvestido no Em 2004, o jornal mineiro fez uma

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Laís Souza

matéria contra a Concer - concessionária responsável pelo trecho Juiz de Fora e Rio de Janeiro da BR-040 -, uma companhia que movimenta milhões de reais todos os dias. Através de um especial, o Tribuna conseguiu provar que a Concer acumulou 115 milhões atráves do aumento na planilha de pedágio por três anos, usando obras nunca executadas como justificativa para os novos preços. “Foi uma série de reportagens imensa, na qual a gente não podia errar” diz Daniela. Na matéria da Concer, os repórteres trabalharam junto a engenheiros e deputados para levantar mais de três mil documentos comprovando as irregularidades, entre elas a de que todas as multas por infrações contratuais aplicadas a Concer haviam desaparecido do Ministério do Transporte e dos arquivos da companhia. O resultado foi a duplicação completa do trecho. “É muito gratificante para o repórter”, afirma Daniela ao falar de suas matérias que resultaram em mudanças consistentes na cidade. A repórter brinca que o jornalismo investigativo escolheu ela. “Na própria faculdade eu fazia matérias com esse viés. Matéria de denúncias, muito comprometidas com as questões sociais. Isso é um perfil meu. Eu sou uma pessoa indignada. Não adianta só falar, tem que transformar essa indignação em ação. A maneira como eu encontrei isso foi o jornalismo.” A forma como Daniela fala de Jornalismo investigativo se encaixa na definição que o autor e doutor em Linguística Nilson Lage dá a esse estilo. Uma reportagem extrema, em que o profissional dedica tempo e esforço no levantamento de um tema pelo qual é apaixonado. Um

Arbex: 17 premiações em 17 anos de carreira no Tribuna de Minas

jornalismo que evidencia as misérias presentes ou passadas de um corpo social, esforçando-se para contar os fatos como eles são, foram ou deveriam ter sido. O jornalismo investigativo no Brasil, segundo Percival de Souza, a partir dos anos 70, passou a ser caracterizado como reportagem especial, já que sua apuração foge da correria de pautas diárias. Algumas matérias podem levar anos para serem escritas. Como é muito despendioso para a redação contar com um repórter a menos, esse tipo de trabalho tem mais espaço em documentários e livros-reportagens. Num contraponto a essa separação no meio jornalístico, vale citar Gabriel Garcia Marquez “a investigação não é uma especialidade do ofício, mas todo jornalismo tem que ser investigativo por definição...”. Laís Souza

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DEBATE CULTURAL Viagens, música, literatura e arte. Para escrever sobre cultura, nada mais justo do que uma editoria específica destinada a cobrir as diversas notícias e eventos que acontecem em torno desses assuntos, já que são muitos. Pode acabar sendo prazeroso, sim, entrevistar ídolos, artistas preferidos e visitar lugares exóticos pelo mundo todo. Há, porém, o outro lado da moeda. Os desafios em inovar nas pautas recorrentes, a necessidade de estar sempre se deslocando, além da concorrência muito frequente com pessoas que não são jornalistas - maior ainda nessa área - são algumas das dificuldades encontradas pelo jornalismo cultural. No debate sobre o assunto, questões como o modo atual de se cobrir cultura no país, a relevância do jornalismo cultural e de que forma ele pode se diferenciar na grande e alternativa mídia serão levantadas pelo público e pelos convidados.


Cultura também se faz na internet Sites, blogs e redes sociais sustentam o jornalismo cultural

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Marcelo Yuri

m meados de setembro de 1960, no auge da Bossa Nova e do Tropicalismo, nascia o Caderno B, o encarte de cultura do Jornal do Brasil. Com o slogan de “Cultura escrita com B”, ficou conhecido pelo público como uma antena de cultura e comportamento da época. Desde 2010 não se pode mais folhear as páginas do velho Caderno B, apenas clicá-las. Mas não foi apenas isso que a Internet modificou no jornalismo cultural. Ao longo dos 20 anos de Internet no país, a cultura passou a ser pauta de incontáveis endereços eletrônicos, e para acompanhar essa mudança, o modo de produzir, consumir e informar sobre o tema foi transformado. “A internet é o ponto de democratização da cultura. O grande barato é que você não precisa estar em um grande jornal pra soltar isso no mundo” afirma Sérgio Maggio, subeditor de cultura do Correio Brasiliense. É notável que o jornalismo cultural impresso não vive seu ápice. A tiragem da revista Cult é de 36 mil exemplares e das 47 revistas em circulação da Editora Abril, a Bravo! está na lanterna, com 35 mil. Mesmo assim, a crítica tradicional não perdeu seu espaço, como ressalta o crítico de cultura da revista Época, Luis Antônio Giron. “Apesar de na Internet todos poderem ser críticos, a crítica tradicional tem autoridade e ganhou um incremento, uma explosão

com os blogs, o twitter. Vejo um grande potencial, mas ela ainda é um cânone e uma maneira de ter critérios para julgar”.

Panfletagem

Muito se acusa o jornalismo cultural de ser banal, ter pautas mal apuradas ou de se restringir à panfletagem de produtos criados pelo show business, ainda mais em tempos em que os botões “curtir”, “compartilhar”, “tweet” e “retweet” economizam caracteres. Os próprios jornalistas reconhecem. “O jornalismo cultural virou uma vítima consentida da publicidade. Hoje ele tem um papel muito mais de divulgação que de reflexão”, como aponta o jornalista do portal Conexão Vivo, Israel do Vale. Para suprir a demanda imediatista do mercado e/ou dos leitores, a velocidade da era digital pode até ter pasteurizado as redações e dado origem a milhares de sites superficiais, mesmo assim, endereços de qualidades se destacam, como o “Nota de Rodapé”. O blog cultural, que tem uma média de 15 mil acessos mensais, possui 15 colunistas fixos, dentre eles Fernando Evangelista e Tomás Chiaverini. A jornalista da SeCult da UFSC, Raquel Wandelli, ensina: “Jornalismo cultural não é apenas falar sobre cultura. É escrever de forma artística, ter zelo com o texto para seduzir o leitor do início ao fim”. Pâmela Carbonari Semana Revista

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Por mais cultura em Santa Catarina Elaboração do Plano Nacional objetiva participação da sociedade

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m 2012 foi composta uma comissão estadual para sistematizar o plano de cultura para Santa Catarina. É a primeira vez na história do estado em que se pensam projetos culturais a longo prazo. O planejamento parte das diretrizes estabelecidas no Plano Nacional de Cultura (PNC), que devem ser adequadas às realidades de cada região. A presidente do Conselho Estadual de Cultura (CEC), Mary Elizabeth Benedet, aponta dificuldades em entender o material do governo federal. “A diferença entre a teoria e a prática, as especificidades do estado e a compatibilidade com o plano nacional entravam o tema.” A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) desenvolveu um projeto de apoio à elaboração dos planos estaduais. A professora do curso de Administração Eloise Dallagnelo é a esponsável pelo plano de capacitação das comissões dos 18 estados que aderiram ao PNC. Ela salienta a necessidade de diálogo em todo o processo, mesmo que seja difícil. “Se houver sensibilização, divulgação e mobilização vai dar certo, porque as pessoas querem ser ouvidas”. Uma das principais instruções determinadas no PNC é justamente a ampla participação da sociedade civil. Apesar da presidente do conselho reconhecer o diálogo como ponto fundamental no desenvolvimento do projeto, a conversa entre governo e sociedade civil não acontece. Para Fifo Lima, jornalista e membro do CEC, o planejamento vem

sendo elaborado a portas fechadas. “O correto seria que já no começo deste ano o governo tivesse produzido um grande debate com os produtores culturais e com a população de maneira geral.” A gerente de políticas de cultura da Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Cultura (SOL) e membro da comissão de desenvolvimento do plano, Suzana Bianchini, reconhece que o processo está atrasado devido à mudança de secretário, com a substituição de Cesar Souza Júnior por José Natal. Outra dificuldade tem sido organizar o material apurado nas reuniões regionais em um único texto. Até o final do ano o plano deve ser apresentado ao governo federal. A presidente do CEC acha que não será possível. “Precisaremos pedir mais tempo para fazer bem feito.” A professora Dellagnelo assegura que o prazo é suficiente. “Não estamos cogitando que algum estado não consiga”. Há dois anos o governo não lança editais para a área cultural. “O de cinema existe há dez anos, mas não foi realizado em quatro edições. O Prêmio Cruz e Sousa, de literatura, e o Salão Victor Meirelles, de artes visuais, não são lançados desde 2008 e 2009, respectivamente. O Cocali, que prevê a compra de obras de autores catarinenses para bibliotecas, também não é cumprido”, aponta Fifo Lima. Além desses programas, o Edital Elisabete Anderle, o maior do estado, com


Divulgação

Enquanto Plano não é refeito, manifestações chamam atenção para descaso no setor e reinvidicam transparência nos editais

verba de R$ 10 milhões para ser distribuída em projetos artísticos, também foi cancelado. O presidente da FCC, Joceli Souza, culpa os relatores do decreto, que teriam insistido em “questões equivocadas”. Por isso, não teria havido tempo para a publicação no ano passado e, neste ano eleitoral, não seria permitida a execução de um edital não realizado no ano anterior. Souza sugere que alguns relatores causaram confusão por motivações políticas.

Ocupa CIC

A transparência na execução dos editais foi uma das reivindicações de representantes da classe artística catarinense durante ocupação realizada em abril deste ano no Centro Integrado de Cultura (CIC) de Florianópolis. A intenção dos manifestantes era chamar atenção para o descaso do governo e exigir mudanças no setor. Durante seis dias aconteceram

intervenções culturais para exigir a criação de uma secretaria específica, além de uma participação da sociedade civil na elaboração do plano estadual de cultura. As reivindicações foram apresentadas em uma carta encaminhada ao poder público e assinada por 130 entidades artísticas do estado. Apesar de a ala de cinema e o Museu de Artes de Santa Catarina (MASC) terem voltado a funcionar, o CIC foi escolhido por ser considerado um símbolo do descaso. A principal atividade do espaço tem sido o trabalho de orgãos do governo estadual. Lá, funcionam a Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Cultura (SOL), a Fundação Catarinense de Cultura(FCC) e o Conselho Estadual de Cultura (CEC).

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Mariana Pitasse Matheus Lobo Pismel

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Vem ter uma

boa noite com a gente... 21/09 Celula Showcase + Dj Andreguetti + Dj’s Oompa Loompas + Bandas + Cachacinha do meu escritorio



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