Semana Revista 2

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SEMANA REVISTA

Distribuição gratuita

8ª Semana do Jornalismo UFSC 2009



Setembro de 2009 Tiragem: 3.000 exemplares www.semanadojornalismo.ufsc.br

Expediente Reportagem Bárbara Dal Fabbro Cecília Cussioli Giovana Suzin Jessé Torres João Schmitz Juliana Frandalozo Juliana Gomes Júlio Ettore Suriano Laís Mezzari Laura Dauden Letícia Arcoverde Luíza Fregapani Marcelo Andreguetti Mariana Chirè Marina Ferraz Murilo Bomfim Wesley Klimpel Colaboração Maurício Oliveira Edição Cecília Cussioli Flávia Schiochet Laís Mezzari Letícia Arcoverde Jessé Torres Marcelo Andreguetti Editoração Jessé Torres Marcelo Andreguetti

Carta ao leitor Se a primeira edição da Semana Revista já foi boa, o objetivo deste ano era fazer uma ainda melhor e implantar uma tradição para as próximas semanas. Ver o pessoal nos corredores do curso perguntando sobre a revista, já esperando por ela, também nos ajudou a manter o projeto. Mas é claro que isso requer tempo, organização, dor de cabeça, muitos e-mails, reuniões e uma equipe competente. Todos os mínimos detalhes foram pensados: pautas que acolhessem os temas a serem discutidos na 8ª Semana, abordagens diversificadas, edição minuciosa e diagramação que mantivesse a identidade visual do evento. Esperamos ter cumprido com os nossos objetivos, e que matérias como o perfil de Marcelo Rubens Paiva, o artigo sobre Os Sertões ou ainda a resenha sobre o livro-reportagem O nome da morte, sejam tão agradáveis de ler quanto foi gratificante para nós preparar essa revista que está em suas mãos. E que venha a 8ª Semana do Jornalismo! Laís Mezzari

Ilustrações Carlos Chilenus Urquizar Felipe Parucci João Paulo Bernardes Juscelino de Souza Júnior (imagem da capa) Lucas Fiacadori Tarik Pinto Tharso Duarte Coordenação Editorial Laís Mezzari Coordenação Gráfica Jessé Torres Marcelo Andreguetti 8ª Semana do Jornalismo

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Índice

Cultura e inovação: novas direções do olhar da imprensa sobre o universo cultural

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Reciclagem de ideias: a busca pelo discurso sustentável

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30 anos do curso de Jornalismo: conversa com ex-alunos 19

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O resto é número: a cobertura econômica em tempos de crise

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Palestras da 8ª Semana

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Discursos divergentes: como a imprensa brasileira vê a América Latina

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Narrativas do fato: crescimento do mercado de livros-reportagem

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Na era da interatividade: exploração de recursos multimídia no jornalismo online

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8ª Semana do Jornalismo


8ª SEMANA DO JORNALISMO UFSC 21/09/09–25/09/09 PROGRAMAÇÃO

21/09 22/09 Local: Auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE)

9h–12h: MINICURSOS 14h30: EXIBIÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS E FILMES 17h30: MESA DE DISCUSSÃO NARRATIVAS DO FATO: CRESCIMENTO DO MERCADO DE LIVROS-REPORTAGEM 19h30: PALESTRA DE ABERTURA COM MARCELO RUBENS PAIVA* *Marcelo Rubens Paiva é escritor, dramaturgo e jornalista, e assina uma coluna no jornal Estado de S. Paulo.

Local: Auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE)

9h–12h: MINICURSOS 14h30: EXIBIÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS E FILMES 17h30: MESA DE DISCUSSÃO RECICLAGEM DE IDEIAS: A BUSCA PELO DISCURSO SUSTENTÁVEL 19h30: MESA DE DISCUSSÃO CULTURA E INOVAÇÃO: NOVAS DIREÇÕES DO OLHAR DA IMPRENSA SOBRE O UNIVERSO CULTURAL

8ª Semana do Jornalismo

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23/09 24/09 25/09 Local: Auditório do Centro Sócio-Econômico (CSE)

9h–12h: MINICURSOS 14h30: EXIBIÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS E FILMES 17h30: MESA DE DISCUSSÃO DISCURSOS DIVERGENTES: COMO A IMPRENSA BRASILEIRA VÊ A AMÉRICA LATINA 19h30: MESA DE DISCUSSÃO O RESTO É NÚMERO: A COBERTURA ECONÔMICA EM TEMPOS DE CRISE

Local: Auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE)

9h–12h: MINICURSOS 14h30: EXIBIÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS E FILMES 17h30: 30 ANOS DO CURSO DE JORNALISMO: CONVERSA COM EX-ALUNOS 19h30: CHURRASCO DO DALTON – ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DA UFSC* *O Churrasco do Dalton já faz parte da tradição do curso de Jornalismo da UFSC. Dalton Barreto foi Secretário do Depto. do curso durante 27 anos.

Local: Auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) 14h30: EXIBIÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS E FILMES 15h30: MESA DE DISCUSSÃO NA ERA DA INTERATIVIDADE: EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MULTIMÍDIA NO JORNALISMO ONLINE 19h30: PALESTRA COM A EQUIPE DO PROGRAMA PROFISSÃO REPÓRTER 22h: FESTA DE ENCERRAMENTO – DRAKKAR

Programação sujeita a alterações. Os minicursos acontecem nas dependências do curso de Jornalismo.

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National Photo Company Collection (Library of Congress)

Cultura e inovação: novas direções do olhar da imprensa 8ª Semana do Jornalismo

A mistura entre Jornalismo e Cultura muitas vezes é vista somente como a possibilidade de crítica, ou simples serviço. A 8ª edição da Semana do Jornalismo vai debater como tratar de um tema tão amplo com a cultura em diferentes mídias. Para esquentar a discussão, a Semana Revista entrevistou Alberto Renault, que está acostumado tanto a produzir quanto a cobrir manifestações culturais, e explica como não deixar a matéria e a crítica caírem na rotina. E para ter exemplos concretos, vale dar uma espiada nas dicas de materiais de cultura que procuram apresentar o tema de uma forma alternativa.

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entrevista

Realidade, dos palcos ao horário nobre por Letícia Arcoverde, ilustrações de João P. Bernardes

A Revista Semana foi até a capital carioca para conversar com o roteirista, escritor e diretor Alberto Renault, que rodou o país para mostrar a cultura em programas como o Brasil Legal e o Minha Periferia ao mesmo tempo em que dirigia óperas no Teatro Municipal. Alberto Renault entende de cultura pelos olhos de quem faz e quem cobre. E quando faz, ele produz muita coisa, senão tudo. O carioca que se diz totalmente ipanemense dirige documentários, programas de televisão, desfiles de moda e óperas — que ele diz serem a “cereja no bolo”. Também escreve roteiros e lançou quatro livros. Isso tudo depois de começar como ator e diretor de teatro, onde aprendeu que a realidade deve ser reinventada antes de ser transmitida. “Eu acho que tudo é cena”, disse em conversa no café onde costuma ir todo dia, em Ipanema, no Rio de Janeiro: “O jornalismo é a encenação dos fatos.” semana revista: Quando a gente fala sobre jornalismo cultural às vezes as pessoas deixam tudo muito separado: tem a crítica do teatro, da ópera, do cinema, que fica longe da matéria sobre moda e mais longe ainda de um texto sobre uma festa popular... alberto renault: Totalmente. Existe uma pouca compreensão das pessoas de um trabalho que possa ser muito abrangente, porque a tendência é classificar. A palavra em si é gasta, mas os rótulos existem. Eu, sem ter feito jornalismo, passo muito pelos dois lados da câmera. Eu dou muita entrevista sobre os meus trabalhos, e também entrevisto muito. Eu acho maravilhoso poder estar dos dois lados. Acho que eu facilito a vida do entrevistador, muitas vezes eu sei colocar a pergunta na resposta. sr: Inclusive você adivinhou minha próxima pergunta, que seria justamente isso: como é criar pautas ao mesmo tempo em que você é pauta? ar: É, acho que é confortável. Acho que eu facilito bastante. Inclusive, eu acho que existe um despreparo ― talvez nem seja despreparo, mas uma falta

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de autenticidade nos entrevistadores e na imprensa. Por exemplo, a pessoa vai me entrevistar sobre Fidelio [última ópera que Alberto produziu, de Beethoven]: eu parto do pressuposto que ela tenha aprofundado um pouco aquele tema, que ela saiba sobre aquela ópera e sobre Beethoven. Mas eu sinto falta de ela ter uma opinião sobre aquilo. Ela já chega querendo uma resposta, querendo que eu dê aquela frase boa, que vai ficar boa na edição. Não é possível que a pessoa não ache nada de Beethoven, não é possível que não ache que Fidelio é uma ópera chata ou boa ou que represente isso ou aquilo. Eu diria que falta autenticidade, opinião. Não tem nenhuma coisa que te desestabilize, te tire o tapete, ou que te instigue a pensar no que você está fazendo, a refletir sobre o seu trabalho.

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sr: Os veículos de jornalismo cultural falam das manifestações que você produz: TV, teatro, óperas, moda. Você sente diferença na forma como eles abordam cada uma delas? ar: Não... Bem, os nichos em que eu trabalho já possuem seus vocabulários próprios, que entre si são um pouco diferentes. Mas, por exemplo, as críticas. Elas são muito esquemáticas. Elas tentam fixar um pouco aquela obra no tempo e no espaço, analisam se aquilo está bom ou ruim e pronto. Não é instigante... As críticas de teatro são uma bula de remédio. Molière fez a peça assim, o diretor fez isso, a luz está assim, vale ou não vale a pena. É um guia de serviço, o que a crítica virou. São até bons os textos sobre o meu trabalho, mas no geral

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não me acrescentaram muito. E vejo uma diferença porque são veículos diferentes, mas o que eu vejo é uma pré-disposição ao mesmo, à rotina. Eu sinto que, principalmente nas artes cênicas, o crítico ele já vai com o pressuposto do que ele quer ver. Se ele não vir aquilo que ele queria ver, aquilo não está bom. E é uma análise maniqueísta, de estar bom ou ruim. Você tem pensadores nos jornais, sim, mas o tempo inteiro é um julgamento de valores. A gente volta ao século retrasado: é um juízo do gosto, que eu vejo na crítica. E nas matérias, então, é informativo. Apenas uma informação, quase um serviço. O caderno de cultura virou um serviço inchado. Se precisar adicionar informações, recorre-se ao Google, não se aprofunda muito.

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sr: Vamos conversar um pouquinho agora sobre o começo, você começou no teatro, certo? Como isso te ajudou a trabalhar com a televisão? ar: Exato. A minha formação ― ou melhor, minha informação, minha deformação ― começou com as artes cênicas. Comecei como ator, depois eu logo me interessei por direção e também por literatura e texto. Eu adaptei o romance Homem sem qualidades [de Robert Musil] para a diretora de teatro Bia Lessa. A Regina Casé e o Hermano Vianna foram assistir a encenação e na semana seguinte eles me chamaram para participar da equipe de criação de um programa que viria a ser o Brasil Legal. Eu entrei como redator, não sabia a diferença entre uma câmera, uma lente, um microfone. Comecei a fazer roteiros totalmente a partir da minha própria opinião, do que eu estava achando das coisas, e deu certo. Em dois anos virei o diretor geral do programa, depois fui dirigir o Muvuca também, fiquei na Globo por mais algum tempo, fico indo e vindo. Mas a minha formação vem das artes cênicas, o que eu acho que me ajudou muito. Acho que jornalismo em televisão é cênico. Você tem que colocar em cena uma situação, fazer a mise-enscène daquilo, dirigir aquilo. Toda vez que eu olho pra um locutor eu olho o fundo ― o que ele resolveu escolher para estar naquele quadro, porque ele está andando assim, está parado assim... Acho que uma noção cênica, espacial, me ajudou em tudo que eu fiz de jornalismo. Essa certa teatralização ou ficcionalização ― que bem ou mal é uma certa criatividade ― eu acho que vem da minha noção lúdica da cena. Eu acho que tudo é cena. Acho que literatura é a encenação da palavra, e jornalismo é a encenação dos fatos. Senão eu deixaria uma câmera aberta e mostrava aquilo. A partir do momento em que você entra naquilo, você é o autor daquele espaço, eu estou vendo ele através dos seus olhos. O seu olhar é criativo em relação àquilo que você vê. Não que

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“Acho que jornalismo em televisão é cênico. Você tem que colocar em cena uma situação, fazer a mise-en-scène daquilo, dirigir aquilo” 8ª Semana do Jornalismo


Para Alberto Renault, não há opinião: os jornalistas já chegam querendo uma resposta, querendo que ele dê a frase que fica boa na edição você vá mentir ou omitir, mas você vai criar a partir da realidade. Sem deixar de ser real. sr:

Quando você começou a fazer óperas?

ar: Minha primeira ópera eu já estava na TV. Eu era redator do Brasil Legal quando eu dirigi A Violação de Lucrecia [de Benjamin Britten]. E era incrível fazer um programa onde a brasilidade surgia na televisão de uma maneira muito inédita enquanto eu estava montando uma ópera inglesa. Então tinha dias que eu ia viajar para o interior do Sergipe e estava pensando em Britten, ao mesmo tempo. Eu acho que essa mistura do pop com o erudito que me ajudou muito a não ter preconceito e ver tudo com olhos curiosos. sr: Estava lendo em seu site um texto da Regina Casé falando sobre como ela ficou surpresa ao te ver à vontade na periferia enquanto gravavam os programas. Foi a primeira vez que você teve esse contato no seu trabalho? ar: Quando eu fui trabalhar com ela, fazia pouco tempo que eu tinha voltado de Paris, onde eu tinha estudado na Sorbonne, e tinha toda uma aura parisiense, apesar de ser completamente ipanemense. Ao longo do Brasil Legal e do Muvuca a gente visitava muito um Brasil mais “pitoresco”, no interior do nordeste, no sertão. Mas a periferia mesmo, a favela, eu só fui frequentar mais assiduamente com ela durante o Minha Periferia [quadro para o programa Fantástico, da Rede Globo]. E eu acho que eu fico à vontade nesse ambiente ou em qualquer outro porque sou curioso, e essa é minha maior afinidade com a Regina. A gente gosta de saber tudo, de ver tudo. Seja um chá no consulado da Hungria, ou uma festa de aniversário no alto da Rocinha. A gente tem curiosidade pelas pessoas e pelos fatos. sr: Ela também escreveu uma coisa interessante: que a televisão sofre mais preconceito do que a favela.

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ar: Acho que a dita “Cultura”, que se diz com C maiúsculo, tem um preconceito com a televisão. Eu acho que é difícil as pessoas compreenderem que você pode dirigir o Brasil Legal e La Traviata, dirigir um desfile de moda e também escrever um romance. Que você pode se interessar pela favela assim como você se interessa pela moda. É difícil as pessoas entenderem que você não é um especialista numa coisa só. sr: Quando você está produzindo pra linguagens diferentes, você leva elementos de uma pra outra? ar: Com certeza. Talvez até vocabulário. Eu não deixo de ser uma coisa pra quando eu vou fazer outra. Quando eu escrevo, acho que a linguagem do vídeo está na minha escrita. Quando eu penso num cenário eu penso na capacidade fílmica que aquilo ali pode ter. Acho que as linguagens se interpenetram. E a literatura é muito como uma base pra tudo isso. A literatura me deu a palavra e me deu a capacidade de realmente pensar. Ajuda muito. E acho que a televisão também: a rapidez do documentário, o treino para o imediato, pra captar o que está acontecendo ali. E que o que está acontecendo ali nem sempre é um fato, às vezes é um clima, uma atmosfera. E que depois na edição você vai transformar naquele clima novamente. Isso é um exercício de enorme rapidez, de enorme ligação. Acho que essa rapidez, essa ligação, vai para mim quando eu estou ensaiando um cantor de ópera, um desfile de moda. A televisão me deu rapidez. sr: Você acha que todo mundo devia ser um pouco mais artista? ar: Não sei se é ser artista, mas olhar para as coisas com mais liberdade. Quanto menos burocratizar, quanto mais deixar-se surpreender, melhor. Por exemplo, se você vai entrevistar o Almodóvar, qual o Almodóvar que você vai descobrir? E qual você vai reapresentar ao mundo através da sua escrita? Porque o mundo já o conhece. Como você vai reapresentar ao mundo de uma maneira original aquela pessoa que também já deve estar farta de ser ela mesma, que já deve estar cheia de frases prontas? Acho que o ideal é fazer a pergunta certa para você ― não o que você acha que o leitor quer saber ou o que o editor quer, mas inventar uma pergunta. Ser artístico na criação da sua pergunta.

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dicas

Retrato plural da cultura por Cecília Cussioli

Em busca de inovação na cobertura do jornalismo cultural, separamos algumas publicações e sites que trazem linguagens e olhares menos convencionais: Etiqueta Negra (etiquetanegra.com.pe)

A revista peruana se auto-descreve como uma revista para se distrair. Preocupada com o outro lado da história, a publicação traz grandes reportagens, ensaios e ficção com assuntos inusitados e abordagens originais. A melhor definição vem de Julio Villanueva, um dos criadores: “somos a orquestra do Titanic que não para de tocar sua música enquanto o transatlântico comandado pela CNN vai por água abaixo”. Revista Noize (www.noize.com.br)

Publicação mensal gratuita que oferece um jornalismo musical além do convencional. As matérias visitam os sons do passado e as atuais paradas musicais, destacam bandas independentes sem ignorar àquelas cujo nome já foi dito à exaustão, extrapolam os limites da música para falar de moda, cinema e outras expressões artísticas. No site é possível fazer download da versão impressa. Revista Continuum (www.itaucultural.org.br)

Revista publicada pelo Instituto Itaú Cultural que faz parte do projeto Rumos. Dedica-se mensalmente a divulgar cultura e arte brasileira. A publicação é gratuita e pode ser acessada pelo site. Também é possível recebê-la em casa, basta mandar um email para o projeto. FFW Mag! (apenas nas bancas)

Paulo Borges, criador da São Paulo Fashion Week, resolveu editar uma revista. Diferente do que se imagina, a revista não se restringe apenas a editoriais de moda ou a matérias exclusivamente ligadas ao mundo fashion. A FFW Mag! é escrita por colaboradores, renovados a cada edição trimestral, que reúnem conteúdo sobre comportamento, tendências e cultura pouco explorados e esteticamente tratados.

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Revista Cartaz Cultura & Arte (apenas nas bancas)

Publicação bimestral, com foco na diversidade e na produção cultural do sul do Brasil. Kátia Klock, convidada da 8ª Semana do Jornalismo, foi colaboradora e editora da revista por cinco anos. Revista Cinética – Cinema e Crítica (www.revistacinetica.com.br)

Revista eletrônica de cinema que traz, regularmente, ensaios e resenhas de filmes, em particular dos chamados “alternativos”. Overmundo (www.overmundo.com.br)

Colaboradores de todo o Brasil publicam dicas, artigos e notícias sobre assuntos voltados à diversidade cultural brasileira, sob a coordenação do antropólogo carioca Hermano Vianna. Cultura e Mercado (www.culturaemercado.com.br)

Blog que se propõe a discutir política e gestão cultural. Criado há 11 anos pelo pesquisador Leonardo Brant, consultor de investimentos culturais de grandes empresas como Avon e Fundação Vale, é referência em políticas culturais no Brasil. Memória da Censura no Cinema Brasileiro (www.memoriacinebr.com.br)

O site é um vasto arquivo de documentos de censura, filmes e textos da imprensa sobre o tema. É possível ver os motivos da proibição de certos filmes no cinema, além de requisições de cortes e pareceres. Continente Multicultural (www.continentemulticultural.com.br)

Revista mensal pernambucana com matérias sobre arte e cultura, perfis, entrevistas e ensaios, fugindo das pautas já esgotadas do eixo cultural do sul e sudeste. IDança (www.idanca.net)

Trabalho que busca formar uma rede internacional sobre dança contemporânea brasileira, trazendo notícias, trabalhos de pesquisa e vídeos de apresentações. 8ª Semana do Jornalismo


Jan Arundell E Ray Southwell

Reciclagem de ideias: a busca pelo discurso sustentável 8ª Semana do Jornalismo

O jornalismo ambiental ganhou destaque relevante na imprensa nos últimos anos, mas o que ainda se vê na cobertura da grande mídia é a reprodução de discursos e declarações. Pensar em outras opções é imprescindível para garantir a objetividade na divulgação de assuntos com tantas opiniões divergentes. Qual o papel de ONGs, especialistas e portais independentes nesse cenário? Como é a discussão de pautas ambientais dentro dos grandes veículos? A 8ª Semana do Jornalismo propõe o debate.

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reportagem

Na briga por um pedaço do Tabuleiro por Marcelo Andreguetti

A arena política catarinense foi, no início de 2009, palco de uma das questões ambientais mais polêmicas que o Brasil já viu. O legislativo barrigaverde, aprovou, com 30 votos a favor e apenas seis contrários, no dia 4 de março, o Projeto de Lei nº 347/08, que reavalia os limites do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e cria o “Mosaico de Unidades de Conservação da Serra do Tabuleiro e das Terras do Massiambu”. Num canto do ringue estão os ambientalistas. Estes pregam a indispensável conservação das formações naturais de mata atlântica, restinga e os mananciais dos rios Vargem do Braço e Cubatão. São áreas que, além de garantir a diversidade e o equilíbrio ecológico da região, abastecem a grande Florianópolis de água potável e compreendem a principal arma contra desastres naturais, como as enchentes ― fatalidades que o povo catarinense conhece muito bem. João de Deus de Medeiros, catarinense e diretor de Áreas Protegidas no Ministério do Meio-Ambiente, acredita que a criação das Áreas de Preservação Ambiental (APAs) abre brechas para a ocupação imobiliária desordenada, como já aconteceu no parque nas praias da Pinheira, do Sonho e da Guarda do Embaú, no município de Palhoça. “A área é ambientalmente muito frágil, e na região a infraestrutura de saneamento é nula”, explica Medeiros, visto que a área possui cordões arenosos recentes com afloramentos do lençol freático, ou seja, faixas de areia que funcionam como esponjas para a formação de um aquífero. É importante lembrar que as praias citadas fazem parte da Baixada do Massiambu, que per-

Santa Catarina é o segundo estado em desmatamento nos últimos dez anos. Restam 23,29% de floresta no estado, grande parte dela na Serra do Tabuleiro 14

deu quinhentos metros de costa num decreto municipal da prefeitura palhocense em 1979. A manobra, lembra o jornalista Marcos Sá Correa, abriu o atalho político para o desmembramento do parque. Paula Scheidt, jornalista do site CarbonoBrasil que participará da 8ª Semana do Jornalismo, cobriu outro episódio da política catarinense: a aprovação do código ambiental estadual. O incidente gerou até manifestações contrárias da ex-ministra do Meio Ambiente, Marina da Silva, que escreveu um artigo para a Folha de S. Paulo rechaçando a manobra de seus colegas políticos em Santa Catarina. Entre os pontos polêmicos do código está a alteração das áreas de preservação permanente ao longo de rios e cursos d’água. Scheidt lamenta o retrocesso político que o estado enfrenta na área. “O revoltante é como as votações dos dois projetos de lei [o do mosaico de APAs e o do novo 8ª Semana do Jornalismo


Bárbara Dal Fabbro Thalles Fiala

Imagens da Casa de Cultura Euclides da Cunha, no estado de São Paulo

gens como repórter pelo Estadão. “Canudos é um fato que o livro de Euclides da Cunha transformou em fato histórico” (ANDRADE, 2002). Deste modo, como o próprio jornalista afirma não ser um literato, seu texto possui em sua linguagem recursos característicos do jornalismo, já que o livro deriva de sua caderneta de campo e, consequentemente, de matérias publicadas no jornal. Como por exemplo:

“Ali, em continuação à praça, acamparam sucessivamente todas as forças que aqui tem chegado e seguido para o sertão; um acervo informe de farrapos, trapos multicores do fardamento, botinas velhas, cantis arrebentados, bonés inutilizados esparsos, código ambiental do estado] foram—conduzidisseminados numa extensa, indica a estadia das às pressas, semárea envolvimento correto de das tropassetores que desde a segunda expedição têm diversos de interesse. E só não ali foram acampado” (CUNHA, Euclides O Estado de votados ainda mais rápido porda. causa dos deSão Paulo. 09/08/1897). sastres de novembro no Vale do Itajaí”, lembra aAo jornalista. ser reescrita para o livro, a reportagem acima torna-se: Um estudo divulgado em maio pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional “Ali tinham parado todas as forças anteriormente de Pesquisas (INPE) coloca Santa Caenvolvidas naEspaciais luta, no mesmo prolongamento do tarina como para o segundo estado des-e largo aberto a caatinga cujosque tonsmais pardos matou nos últimos trêsrequeimadas, anos: cerca sugeriam de 26 mila brancacentos, de folhas hectares, perdendo Minas Gerais. denominação da vila. apenas Acervospara repugnantes de farRestam 23,29% detrapos floresta no estado, grande rapos e molambos; multicores e imundos, de parte dela navelhos; Serrabotinas do Tabuleiro. “Com o novo fardamentos e coturnos acalcanhaCódigo Ambiental e o PL dos mosaicos, este dos; quepes e bonés; cantis estrondados; todos os renúmero será reduzido ainda mais”, afirma botalhos de caserna, esparsos em área extensa, em Scheidt. que branqueavam restos de fogueiras, delatavam a passagem dosalto lutadores, que lá de armaram as tendas, Segurando o cinturão campeão está a partir da expedição Febrônio” (CUNHA, a bancada agrária da Assembléia e osEuclides lobisda. Os Sertões. Ateliê Editorial, 2002,partido pág. 675). tas imobiliários, que tomaram das 8ª8ªSemana Semanado doJornalismo Jornalismo

Com este exemplo podemos verificar que há, sim, alguma adaptação da reportagem para o formato literário, porém não se trata de um romance-reportagem já que nele não há o uso da ficção como elemento de composição e de enredo. Contudo os recursos jornalísticos se mantêm os mesmos, nesse caso, o elemento que mais chama atenção é a descrição objetiva e detalhada; o que fica bem claro na própria divisão do livro em subtítulos, como nas matérias de jornal. “É inquestionável, contudo, que Os Sertões faz uso tanto da narrativa literária quanto da objetividade jornalística” (ARCOVERDE, 2003). Em comemoração ao centenário da morte de revoltante como asas Euclides da “O Cunha (1866–1909), é voltaram-se atenções, tanto de pesquisadores e literatos, votações dos projetos de lei quanto da imprensa, ao engenheiro-escritor. conduzidas às pressas, Um foram dos exemplos é a publicação semanal ― aos domingos, no período de março a agosto sem envolvimento correto de ― de um especial, no caderno Cultura, sobre o autor e todos”, suas obras diz n’O Estado São Paulo, PauladeScheidt onde trabalhou quando o jornal se chamava A Província dejurídicas São Paulo.com Além Academia pendengas as disso, quais amuitos dos Brasileira de Letras, dana qual Euclides fez parte, proprietários de lotes região enfrentavam. herdando a cadeira de Castro disDe 79 em diante, quando se deu Alves o corte(seu da pricurso de posse deu origem ao livro Castro Alves meira fatia do bolo, o número de propriedades e seu tempo), promove de para agosto 27 de na região duplicou, de de seis11mil 12amil. O outubro um Ciclo de Conferências que busca Ministério Público, alegando a inconstituciohomenagear o escritor. Nomes como Walnice nalidade da ocupação, sucessivamente proGalvão,ações Afonso Arinos e Moacyrque Scliar commovia contra a população adquiriu põem o quadro de conferencistas. sua casa de veraneio ali. O fato, afirma Medeiros, é que a baixada doOsMassiambu perMuito já setoda escreveu sobre Sertões e Euclitence áreaainda foi ‘cedida uso des daà União. Cunha, “Essa todavia não separa aplicou comunitário’ ao de estado de Santa uma mudança conceito queCatarina, incluísseque os

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arbitrariamente a repassou para a Prefeitura de Palhoça, a qual por sua vez foi a maior ‘promotora’ da venda de lotes aos particulares.” afirma. Juridicamente, nenhum ocupante da baixada do Massiambú tem direito a indenização por terras ocupadas. Medeiros lembra também do principal articulador do movimento em favor da aprovação da “Lei do Mosaico”, o empresário Renato Sehn, proprietário da Pousada do Papagaio. Luxuosa, foi eleita pela Veja a “Melhor Pousada do Brasil”. Ele se instalou na Ilha do Papagaio ainda nos anos 80. A ilha, como qualquer uma das ilhas na costa brasileira, faz parte do patrimônio da União, e, fazia parte de um Parque Estadual. “Qual a razão para transformar uma ilha costeira em APA?”, questiona Medeiros. O diretor observa que a criação de tal unidade de conservação não possui a mínima coerência e vem apenas ao encontro do interesse particular do empresário. Durante a discussão do projeto, Sehn mantinha um blog (http://liberdadesustentavel.blogspot. com), no qual pregava o desenvolvimento sustentável à região, com textos demagogos e cheio de floreios políticos em prol de uma suposta “defesa das comunidades”. Procurado para uma entrevista, Renato Sehn disse estar sempre muito ocupado para atender.

O serviço do Patrimônio da União em Santa Catarina, que deveria zelar por manter protegidas tais áreas, tem se omitido sobre o assunto

O serviço do Patrimônio da União em Santa Catarina é quem deveria zelar pelos interesses da União em manter protegidas tais áreas, tem se omitido sobre o assunto. “É a falência do Estado Democrático de Direito, patrocinada por aqueles que são pagos para defendê-lo.”, lamenta o diretor do Ministério do Meio Ambiente, João de Deus de Medeiros.

Como é o parque? O parque Estadual da Serra do Tabuleiro é a maior unidade de conservação em Santa Catarina e ocupa cerca de 1% do território estadual. Lá estão cinco das composições botânicas do estado: restinga, pinhais, matinha nebular, campos de altitude e floresta pluvial (mata atlântica). A geologia do lugar também se destaca, um exemplo é a planície costeira do Massiambu, onde existem faixas de 16

areia semicirculares da Restinga. Esta, por sua vez, é considerada um monumento geológico. O mosaico institui, em aproximadamente 10% dos 90 mil hectares do Parque, várias Áreas de Preservação Ambiental (APAs), que, dentro da legislação ambiental, compreendem o mais frágil dos regimes de proteção. Tão frágil que o jornalista Marcos Sá Corrêa chegou a salientar num artigo seu que ali “cabem até favelas, fábricas e eucaliptais”.

8ª Semana do Jornalismo


porJuliana Frandalozo, ilustrações de Eliazar P. Cardenas

Lin Kristensen

glossário

Mitos do jornalismo ambiental Sempre que um assunto passa a ser muito comentado, gera uma série de inverdades. É como fofoca. Ao final, ninguém sabe ao certo do que está falando, mas alguém sempre tem certeza e aumenta o falatório. Assim também são as questões ambientais, exploradas com frequência pela imprensa. A quantidade de mitos que confundem leitores e jornalistas é grande. É um tal bombardeio de falsas informações que volta e meia aparece alguém atingido. Abaixo os maiores equívocos comuns:

A expressão meio ambiente De forma simples, meio é onde você está e ambiente, também. Isso significa que não é necessário dizer meio ambiente, porque o ambiente já é um meio, o que torna a expressão redundante. Logo, meio ambiente é tudo o que nos cerca, não só florestas e árvores. Evidente? É, mas tem gente que esquece.

Meio ambiente e economia não combinam Parece mesmo engraçado que ainda exista gente que trate questões ambientais Emforma uma época de mídias e econômicas de distinta e sepamuita rada. Mas tem.convergentes, Vamos pensar economiinformação camente: se você investe ae pouco curto tempo, prazo, os livros-reportagem se ser tem retorno imediato. Porém, pode meio no de aprofundar que não tenha tornam estabilidade futuro. Ao passo que se você pensa no futuro, temas através de uma pode longa não ter um lucro muito grande, mas Pelos está e minuciosa apuração. investindo em índices estabilidade. E agora ecode vendas, é possível logicamente: sever você recursos queexplora obras deosnão-ficção naturais de umaagradam vez e destrói a fonte, o público, mastem a um bom lucro de uma vez e nunca mais. dificuldade de publicação Florianópolis está cheia de exemplos. ainda é presente. Para aguçar Uma cidade bonita, cheia de paisagens a vontade de conhecer mais naturais, mas que tem autoridades que esse gênero, a Semana Revista pensam a curto prazo, como se viu na traz a resenha livro dedo operação Moeda Verde e na do redação Kléster Cavalcanti, O Nome novo Código Ambiental.

Narrativas do fato: crescimento do mercado de livrosreportagem Desenvolvimento sustentável

Publicidade e assessoria de imprensa adoram botar a palavra “sustentabilidade” nos informes que enviam à imprensa. Isso porque as empresas querem ter uma ‘imagem verde’. Mesmo que seja só a imagem. Sustentabilidade ambiental se refere ao que gera menos impacto possível, é durável, utiliza menos recursos, tanto ambientais quanto financeiros e promove uma cultura de consciência de consumo. Há estudos que denunciam o mito do desenvolvimento sustentado. Porque em geral o desenvolvimento é econômico, gera impacto e aumenta o consumo. Há estudiosos que defendem que o melhor é o ‘decrescimento sustentável’, uma redução no consumo. Para que essas informações não explodam na sua cabeça, é preciso entendê-las melhor, porque senão pode surgir outro mito.

8ª8ªSemana Semanado doJornalismo Jornalismo

da Morte, um estudo sobre Os Sertões, de Euclides da Cunha O “ecologicamente (considerado ocorreto” primeiro Não caia nessa. livro-reportagem É um rótulo que publicitábrasileiro), rios e marqueteiros gostam usar para e o relato dede escritores dete fazer acreditar que existeviagem. uma forma fácil primeira

de ser ecológico. Assim podem te vender a bolsa, o carro, a roupa e até a mãe ecologicamente correta.

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O uso do verde e do branco em embalagens Se você quer comprar um produto saudável, faz diferença se a embalagem é verde, branca, vermelha ou laranja? Não faz. Cada vez mais as empresas estão adotando embalagens verdes e brancas para dar a entender ao consumidor que são saudáveis e ecológicas.

Desenvolvimento sustentável ou picaretagem publicitária? Vegetarianismo é pura pose ou é questão de saúde? Tire suas próprias conclusões

Vegetarianismo ou alimentação verde Por que verde? O vegetariano não come só alface como muitos imaginam. O site da Sociedade Brasileira Vegetariana adotou várias cores, para tentar derrubar esse mito. Outro equívoco é em relação aos motivos para ser vegetariano, já que são poucos os que adotam essa dieta pensando em alimentação saudável ― a maioria é ambientalista mesmo, defende os animais e o consumo consciente.

Testes em animais Não são necessários, ao contrário do que muita gente defende. Prova disso são marcas muito conhecidas que não testam em animais e têm padrão de qualidade internacional. Por quê? Tecnologia. Ora, Sir Alexander Fleming, em 1928, testou a penicilina em um cavalo. Dá prá acreditar que em 2009 esse é o único meio de testar produtos? A ciência não parou no tempo, como parecem ter acontecido com os testes.

Novo Código Ambiental de Santa Catarina Se a água que você bebe estivesse sendo envenenada pelo mesmo veneno que impregna sua comida o que você faria? Jogaria mais veneno ou tomaria uma atitude que pudesse melhorar a situação? Pelo novo Código Am18

biental de Santa Catarina, podemos deduzir que os representantes da Assembléia Legislativa e do Governo do Estado escolheriam a primeira opção. Os pontos polêmicos do novo Código, aprovado em 31 de março, estão sendo questionados pelo Ministério Público de Santa Catarina. A representação contra o código, protocolada em 20 de abril, qualifica a lei estadual como “dano de extensão incalculável aos cidadãos e ao meio ambiente”. No novo Código as Áreas de Preservação Permanente (APPs) das quais fazem parte as matas ciliares que protegem os rios, passam de 30 para cinco metros em propriedades pequenas. E as nascentes de rios, que antes tinham 50 metros, passam a ter dez metros de área de preservação. Além disso, as áreas de preservação que já foram cultivadas no estado passam a ser áreas consolidadas, o que legitima os crimes ambientais já cometidos. Trata-se de um mito porque não existe lei estadual que possa passar por cima de uma lei federal. O que pode ocorrer é uma complementação, para ampliar a proteção ambiental, não reduzir. 8ª Semana do Jornalismo


por Júlio Ettore Suriano

Ao presentear Barack Obama com o livro As veias abertas da América Latina, Hugo Chávez não esperava aumentar as vendas da obra do jornalista Eduardo Galeano, mas certamente tinha consciência da simbologia política do presente entregue em abril, durante uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA). É com a história da exploração econômica da América Latina, foco do livro, que o presidente venezuelano justifica a crescente eleição de governos de esquerda na América do Sul, como na Bolívia e no Equador, além da própria Venezuela. Uma rebelião contra os “ianques”, como Chávez costuma caracterizar os estadunidenses em seus discursos efusivos. Mas essa “rebeldia” latinoamericana recebe diversas interpretações por parte da mídia, seja no Brasil, nas nações envolvidas ou nas grandes agências mundiais. São nuances que dificultam a compreensão do que está acontecendo de verdade na América Latina.

Marshall Astor

reportagem

A incompreensão do olhar vizinho no Fórum Social Mundial de 2003, em Porto Alegre. Ao cobrir o mesmo acontecimento da reportagem da Veja ― a vitória no plebiscito que garantiu a Chávez concorrer a um número ilimitado de eleições -, a edição 313 do jornal cita as missões (programas sociais do governo venezuelano) como instrumento de aproximação das classes populares e afirma que “de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina da ONU foram responsáveis pela redução da pobreza venezuelana na última década”.

A cobertura polarizada que os diferentes veículos de comunicação oferecem dificulta a compreensão das mudanças políticas e Osociais no continente curso de Jornalismo da

30 anos do curso de Jornalismo: conversa com ex-alunos Em geral, veículos grandes e de propriedade privada, defensores abertos do livre-comércio interpretam os novos líderes como ditadores e taxam os governos de antidemocráticos. No Brasil, o exemplo mais icônico é a revista Veja, que frequentemente critica o líder venezuelano. A reportagem Um caudilho para sempre, publicada na edição de 25 de fevereiro, acusa Chávez de querer se perpetuar no poder, através de “um governo que utiliza descaradamente o dinheiro público para seu próprio proveito político e eleitoral”. Já o especial Populismo na América, disponível no site da revista, diz que Evo Morales, presidente boliviano, “se aproveita da origem indígena para encarnar o papel de líder autêntico do povo andino”, e o equatoriano Rafael Correa não traz ameaça, apenas “engrossa as fileiras chavistas”. Na direção oposta estão agências de notícias ligadas a movimentos sociais e partidos políticos, ou de controle estatal, abertamente de esquerda. Como a agência Brasil de Fato, criada 8ª8ªSemana SemanadodoJornalismo Jornalismo

UFSC completou 30 anos em Não faltam amostras dessamais polarização 2009, e nada justo do da imprensa, por que maisresgatar contraditório históriasque das possa soar frente àdiferentes premissaépocas. do jornalismo Desde imparcial. Quandoo presente a província de Santaàs Cruz profissional declarou sua autonomia dopara governo de Evo expectativas o futuro, Morales, no fim de 2007, a classificou a reunião dosVeja ex-alunos como departamento “mais próspero”, apoiapretende discutir e avaliar do na agricultura, quedécadas lutava epara “frustrar as três a formação os planos populistas de Evo”.Por Já onde a mesma profissional. andaBrasil de Fato, em maio 2008, fezfamoso? questão de aqueledegraduado enfatizar a história da exploração Ou aquele outro que colonial ― assim como Chávez para destacar sempre ― fazia festa? Alémque o movimento é articulado porouma oligarquia, de descobrir que estão que “tenta se contrapor aos avanços dos mofazendo alguns dos formados pela UFSC, a Semana Revista mostra também órgãos Por que para parte da laboratoriais criados no curso. os governos de imprensa

orientação esquerdista são antidemocráticos, se chegaram ao poder por vias democráticas? 19 47


diário

As aventuras de um repórter autônomo do blog do frila Maurício Oliveira (vidadefrila.blogspot.com)

13/07/2009

Leiam a matéria, meninas A Women’s Health deste mês traz a minha inusitada estreia no universo das revistas femininas. Inusitada não por eu ter escrito a mulheres ― já estou mais do que convencido que a vida de frila reserva muitas surpresas ―, mas por eu ter assinado a matéria (sobre os erros das mulheres ao lidar com dinheiro) em parceria com a norte-americana Katie Arnold, autora do texto original na revista-mãe. A mim coube adaptá-lo à realidade brasileira, ouvindo fontes nacionais e acrescentando um tempero tupiniquim. A vantagem da assinatura dupla é que posso credenciar à colega frases comprometedoras, como “Às vezes é preciso decidir entre comprar uma bolsa linda (e caríssima) e uma que também fará bonito e custará três vezes menos”. 06/05/2009

Quando o telefone toca... ― Você poderia passar uma semana em Belo Horizonte? ― Precisamos de alguém para cobrir férias durante um mês. Interessa? ― Estou entrando em reunião e preciso saber se você chegaria a São Paulo amanhã cedo. ― Vamos dar um especial sobre gripe suína e queríamos que você fosse à região de Chapecó conversar com produtores. ― Talvez tenhamos que mandar alguém à Holanda para entrevistar o presidente da Philips. Seu passaporte está em dia? Sondagens fazem parte do cotidiano de frila. Muitas vezes não dão em nada, porque costumam ser feitas para um projeto que pode ser cancelado ou simplesmente porque o escolhido acaba sendo outro. Ou, é claro, porque você não pode ou não quer fazer o

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trabalho. Minha dica a quem está começando na frilagem é, portanto, não criar grandes expectativas e avaliar se a missão vale a pena. O lado bom das sondagens infrutíferas é que depois de duas ou três bolas na trave o gol acaba saindo. P.S.: até para ajudar Protógenes Queiroz a escrever um livro fui sondado recentemente por uma editora. Mas ficou só na sondagem. Ainda bem, eu acho. Já pensou em que confusão eu iria me meter? 16/04/2009

Conselho ao jovem frila Acabo de receber o pagamento por um frila que entreguei há sete meses. E não há nada de estranho nisso. A matéria para a VIP (sobre o hábito de dar carona em Floripa) ficou algum tempo na gaveta, e é normal só receber depois da publicação. Para mim, lidar com essas oscilações depois de cinco anos como frila é tranquilo. Mas conto um caso extremo para ilustrar como a vida financeira de um “desempregado” pode ser irregular, informação importante a quem está fazendo planos nesse sentido. Deve-se começar com uma reserva para garantir, pelo menos, seis meses de contas pagas. 05/01/2009

De Copenhague a Goianésia Embora seja frila, eu me sinto como integrante de algumas das equipes com as quais colaboro regularmente. Uma delas é a do Anuário Exame de Infra-Estrutura, publicado ao final de cada ano. É o quarto ano seguido em que preparo a reportagem sobre o setor de saneamento, mas na edição que acaba de chegar às bancas minha participação foi bem maior. Os editores me pediram uma matéria sobre um aeroporto, de qualquer parte do mundo, que fosse um referencial em qualidade. Eu teria 8ª Semana do Jornalismo


Luis Carlos Diaz

21/03/2009

Da Vinci também era frila E, como todo frila, às vezes pegava mais trabalho do que deveria. Perfeccionista que só, ele frequentemente atrasava as entregas. No caso da Última Ceia, enrolou o mecenas Ludovico Sforza com uma desculpa bem esfarrapada: “Vossa Excelência está ciente de que apenas a cabeça de Judas ainda não foi feita, e ele era, como todos sabem, um notório vilão. Portanto, a ele deve ser dada uma fisionomia correspondente a sua vileza. Para tal, durante um ano ou mais, noite e dia, eu tenho ido ao Borghetto — onde Vossa Excelência sabe que todos os rufiães da cidade vivem —, mas ainda não consegui descobrir um rosto de vilão correspondente ao que tenho em mente. Uma vez encontrado o rosto, terminarei a pintura em um dia. Contudo, se minha busca permanecer infrutífera, vou pegar as feições do superior que Venezuela veio se queixar a Vossa Excelência e ele servirá perfeitamente ao que Capital: Caracas procuro.” (Do meu livro de cabeceira no momento, Leonardo, o primeiro População: 26 milhões deEditora habitantes cientista, escrito pelo jornalista inglês Michael White, Record.)

Presidente: Hugo Chávez

O canal Globovisión foi acusado por Chávez de transmitir mensagens que alteraram a ordem pública

Aque Venezuela é oo aeroporto, caso, ultimamente, mais identificar levantar dados emblemático na América que justificassem a escolha,Latina para sóquando então o assunto relaçãoPesquisa governo/meio de comunifazer a ématéria. daqui, pesquisa cação. O atual presidente, Hugo Chávez, ficou dali, cheguei ao aeroporto de Copenhague. mundialmente conhecido ao aprovar a Lei Foi uma matéria feita a distância, mas logode Responsabilidade no Rádio e Televiem seguida veio aSocial recompensa: repetimos a são, em agosto de 2004. sobre um “município fórmula na reportagem

exemplo” na área de saneamento dentro Teoricamente, tal lei tem o objetivo de do esBrasil, coma evolução significativasocial no setor ao tabelecer responsabilidade que longo das décadas. Encontrado abrange a duas todosúltimas os prestadores de serviço o era sónamarcar viagem. Foi assim demunicípio, comunicação rádio aou televisão, “foque conheci simpática Goianésia (GO)entre e, de mentando o aequilíbrio democrático quebra, Goiânia, ondeefiquei hospedado. seus deveres, direitos interesses, a fim de procurar a justiça social e de contribuir para a formação da cidadania, democracia, paz, 21/10/2008 direitos humanos, educação, cultura, saúde pública, e o desenvolvimento social e econôEspecialista em coisa alguma mico da Nação”. Escrevi uma matéria sobre os danos que Aoideia para a criação dacérebro lei surgiu diabete pode causar ao paracom o constante conflito entreSaúde! Chávez e abancas. imprensa um especial da revista nas privada, que constantemente criticava Quem acompanha este blog já percebeu atos o irresponsáveis que, em quanto tenho do sidoexecutivo. “eclético”Tanto comoéfrila. 11Escolhi de abril de 2002, houvejustamente uma grande manifazer jornalismo pela festação para a renúncia do presidente, lideperspectiva de aprender coisas novas todos rada pelaemídia. os dias, os últimos anos me ofereceram oportunidade. Eu certamente nãodaseria Oessa presidente conta ainda com o apoio jusfeliz como setorista, falando sempre com 8ª Semana do Jornalismo

tiça, já que ofontes Supremo Tribunal de Justiça as mesmas e escrevendo sobre um da Venezuela determinou a retiradaemdocoisa ar de mesmo assunto. Sou especialista qualquer transmitida porNão rádio alguma, emensagem não me envergonho disso. há e tema TV que possa, segundo o Poder Executivo, que eu considere chato, sinceramente. atentar segurança da nação e dos vaPara a contra matériaa sobre o diabete, por exemplo, lores tive da queRepública. começar do zero. Li muito sobre o

deGlobovisión entrevistar éneurologistas e Oassunto caso doantes canal um dos mais endocrinologistas. Aprendi bocado sobre controversos. O ministro deum Obras Públicas do cérebro, conhecimento dao funcionamento Venezuela, Diosdado Cabello, disse reque carrego comigo após ter digitado o ponto centemente que o governo vai buscar “refinal do texto. Que profissão maravilhosa, cuperar” metade da concessão cedida ao esta: ser pagouma paradas aprender. canal, já que duas pessoas a quem a permissão foi dada já faleceu. O ministro também disse estar disposto a retirar com03/09/2008 pletamente a concessão do canal opositor caso sejaanos comprovado Cinco de frila que o mesmo cometeu delitos inconstitucionais. A Globovisión Foi em setembro de 2003 que tomei a decisão enfrenta vários processos administrativos, e de viver como frila, sem a menor certeza de seu presidente, Guillermo Zuloaga, é acusaque daria certo. Com o tempo, no entanto, do de fraude, e a procuradoria venezuelana estabeleci relações sólidas com pessoas e inclusive o proibiu de deixar o país, inforveículos que se tornaram clientes habituais. mou a agência France Press. Hoje me sinto muito mais seguro e satisfeito do que se tivesse um único Issocanais sem Atualmente, o governo contapatrão. com seis falar emsendo uma série outras vantagens que estatais, que de cinco deles foram obtieu em resumiria em uma única palavra: dos iguais cinco anos. Desses, doisliberdasão de de. E liberdade não tem preço. transmissão nacional e um internacional.

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retrospectiva

Inovação no currículo por Laís Mezzari

Desde 1979, o Curso de Jornalismo da UFSC mostrou que uma das suas principais características é a inovação. Em 1999, foi o primeiro curso do país a abandonar a habilitação em Comunicação Social e se tornar exclusivamente Jornalismo. Também foi o primeiro, a partir do trabalho do professor Adelmo Genro Filho, a criar no Brasil a disciplina Teorias do Jornalismo. As inovações continuam com as publicações produzidas pelos estudantes através de projetos como o Universidade Aberta, que transmitia as notícias do campus em todas as mídias e com o jornal laboratório Zero, que desde 1982 se apresenta como um dos grandes desafios dos estudantes.

Brasil afora Os 862 jornalistas graduados nestes 30 anos de curso trabalham em diversas mídias, em importantes empresas e órgãos, públicos e privados, não só de Florianópolis como do Brasil. Atualmente, dos 31 estudantes que participam do trainee do jornal O Estado de São Paulo, sete estudaram na UFSC. Confira por onde andam alguns dos jornalistas formados pelo curso.

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8ª Semana do Jornalismo


panorama

Situação da mídia dos hermanos por Wesley Klimpel

Paraguai

Alexander Steffler

Infografia: Júlio Ettore Suriano

Capital: Assunción População: 6,1 milhões de habitantes Presidente: Fernando Lugo

Stencil em Assución critica o Partido Colorado, derrotado em 2008 após 60 anos de domínio político

O Paraguai passou por alguns escândalos recentemente no que se refere à comunicação. Em julho de 2008, no final do mandato de Nicanor Duarte (2003-2008), do partido Colorado, foram comprovados os investimentos de 13 milhões de dólares, vindos do governo, em meios de comunicação. O montante seria uma forma de ajudar em sua campanha eleitoral. Toda a verba estatal veio de Itaipu, a usina hidrelétrica binacional (Brasil e Paraguai), e foi destinada, principalmente, a estações de rádio, canais de TV e jornais, além de uma empresa publicitária do próprio presidente. Os colorados acabaram não resistindo e perderam sua primeira eleição presidencial em mais de 60 anos. A imprensa é constitucionalmente livre desde a queda do ditador Alfredo Stroessner em 1989, embora existam periodicamente casos de atentados a jornalistas, principalmente aos que denunciam as ações do crime organizado. Em junho deste ano, um radialista de Pedro Juan Caballero, cidade na fronteira com o Brasil, foi assassinado com 8ª Semana do Jornalismo

nove tiros em sua residência. Ele falava em seu programa de rádio sobre os crescentes problemas de segurança da região. A mídia é, em geral, controlada pelos partidos políticos mais influentes no país: o Colorado e o Liberal. Fernando Lugo, presidente eleito em 2008, não é vinculado a nenhum destes, embora receba apoio dos liberais. Talvez por conta disso enfrente periodicamente duras críticas dos principais veículos de imprensa do Paraguai. Ainda assim, Lugo pretende ter uma relação bastante branda com a imprensa, e revelou não ter qualquer intenção de alterar a legislação vigente no país, seja para instituir qualquer espécie de “lei da mordaça” ou para discutir códigos de ética com jornais e TVs. Sua medida mais contundente até agora quanto às comunicações foi a criação do Información Pública Paraguay, ou IPP, uma agência estatal de notícias. O objetivo seria divulgar para todas as regiões do país informações atualizadas do executivo.

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Projetos-laboratório do Jornalismo UFSC ZERO (1982) Em 27 anos o jornal-laboratório já apresentou diversas novidades, teve edições temáticas, uma edição especial em revista e outra feita apenas com o uso de softwares livres. Entre os prêmios recebidos estão os de Melhor Peça Gráfica do Set Universitário da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, de 1988, 1989, 1990, 1991, 1992 e 1998, o de Melhor Jornal Laboratório do I Prêmio Foca do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina de 2000 e o de 3º Melhor Jornal Laboratório do Brasil, da Expocom 94. Após anos sob comando do professor Ricardo Barreto, em 2006 o ZERO passou a ser disciplina obrigatória da sexta fase do curso e atualmente é coordenado pelo professor Jorge Ijuim.

Universidade Aberta (1991) Inicialmente era um projeto de rádio que dava as principais notícias do campus e produção científica da UFSC sob a orientação dos professores Valci Zuculoto e Eduardo Meditsch . Em 1998, o UnAberta entrou na internet e a partir de 2001 a página passou a ser atualizada em tempo real, obtendo cerca de 5 mil acessos por dia. O projeto também abrangeu as áreas de televisão e mídia impressa, e foi premiado pelas edições do Expocom de 1998, 1999, 2000 e 2004 nas categorias Design de Tela, Jornal Online, Homepage e Agência de Notícias.

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Lagartixa (2006) Jornal-mural que, apesar do tema cultura, apresenta matérias diversificadas que vão desde uma entrevista com Rubem Alves até o dia-a-dia de um barbeiro mudo, passando por uma viagem a Machu Picchu. O projeto foi produzido sob a orientação da professora Daisi Vogel e teve sete edições disponíveis no site http://www.lagartixa.ufsc.br.

Cotidiano (2006) O site www.cotidiano.ufsc.br funciona como projeto de extensão, coordenado pela professora Maria José Baldessar e tem como objetivo divulgar notícias de interesse da comunidade universitária. No ano de 2009, o portal passou a inovar com produção hipermídia.

Quatro (2008) O mais novo jornal laboratório do curso teve sua primeira edição publicada em agosto de 2008 como produto da disciplina Redação IV do semestre anterior. O projeto, inicialmente sob a supervisão do professor Jorge Ijuim, tem como sua principal característica apresentar reportagens humanizadas sobre temas diversos.

8ª Semana do Jornalismo


Na terça-feira 25 de novembro de 2008, a Defesa Civil catarinense contabilizava 65 mortes devido às chuvas que castigavam o estado. A região mais atingida ficava na cidade de Ilhota, ao norte do vale do Itajaí. O Morro do Baú não dava sinais de comunicação, água, luz ou abrigo. Entre notícias de rádios estrangeiras, da imprensa local e jornais de todo Brasil, um repórter com 40 anos de rua partia do município de Navegantes e chegava ao local sentado no chão de um helicóptero para mais uma reportagem sobre a enchente. Foram poucos os jornalistas que não calçaram botas de borracha ou tiveram acesso aos voos da Força Aérea Brasileira. Com o microfone da TV Globo, Caco Barcellos vestia calças jeans, sapatos escuros e um colete bege com bolsos naquela terça-feira. Ele e sua equipe de jornalistas, que compõem o programa Profissão Repórter, acompanharam as missões de risco dos voluntários e das equipes no resgate às vítimas. Foram registradas cenas chocantes, como o saque de um supermercado inundado e os rebanhos mortos nas fazendas cobertas de água.

Diorgenes Pandini

por Juliana Gomes

Felipe Micaroni Lalli

perfil

Repórter pé no chão sem botas de borracha

O resto é número: cobertura econômica em tempos de crise

Não havia como deixar o Morro do Baú por terra. No fim do dia, Caco esperava o último helicóptero disponível para deixar a cidade de Ilhota e varar madrugadas debruçado sobre as imagens inéditas. Na lembrança dos assessores, bombeiros e técnicos da Defesa Civil, só havia um repórter com o rosto avermelhado do sol e a roupa molhada da chuva ao deixar Santa Catarina. Caco está nas ruas desde moço, e, aos 59 anos, mostrou mais uma vez que suas histórias não são esquecidas.

Na lembrança daqueles homens, só havia um repórter com o rosto avermelhado do sol e a roupa molhada da chuva ao deixar Santa Catarina 8ª Semana do Jornalismo

Aprender a conviver com a linguagem da economia não é fácil, mas necessário, principalmente Caco Barcellos: Prêmio Jabuti emquando 1993 as atenções estão voltadas Em oito anos, o repórter as nuancesoda para ela. apurou Para o jornalista, polícia que maisdesafio mata, em São Paulo, depois é ainda maior:e,afinal, de muitas noitesnão insones, publicou oRota 66. A basta conhecer mundo obra lhe rendeueconômico, o primeiro éprêmio precisoJabuti passarem 1993 e mais oito tais de Direitos Humanos. informações de forma simples e útil para a público. Seu segundo Jabuti começou com um telefonetempo, como ma. Uma ligaçãoAo demesmo um missionário do morro para investidores Dona Marta, no escrever Rio de Janeiro, o surpreendeu e empresários que vivem em uma madrugada. No encontro marcado dosLa números sem parecer para o restaurante Mole, na praia do Botabanal? Nas páginas, fogo, Caco descobriu que umpróximas dos homens mais descubra que acom escolha procurados do país queriaovê-lo urgência. de nomes tem a ver com a VP O jornalista já havia conhecido Marcinho e aprenda a nunca em 1996, quandoeconomia este dividia uma cela com o mais confundir pib e pnb . cardono da favela Jacarezinho, o Lambari, na ceragem da Polícia Interestadual. Nos três anos seguintes, Marcinho fugiu da prisão e continuou os contatos com Caco. A Associação Rio Contra o Crime oferecia 2.000 dólares pela captura do foragido.

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resenha

Economia, de curiosos para curiosos por Luisa Fregapani, ilustrações de Tarik Assis

“O moralismo representa a forma como as pessoas gostariam que o mundo funcionasse, enquanto a economia representa a forma como ele realmente funciona. A economia é, acima de tudo, uma ciência feita para medir. Possui um conjunto incrivelmente eficiente e flexível de ferramentas, que também podem ser utilizadas com relação a temas mais... ora, mais interessantes” (pág. 15). Logo nas primeiras páginas descobre-se que este não é um livro comum de economia. Temas mais interessantes? O que os autores quiseram dizer com isso? Quiseram dizer ao leitor que iriam abordar assuntos comuns, e até mesmo batidos, mas por meio de ângulos até então inexplorados, o que sacudiria a certeza que tínhamos adquirido do senso comum por meio de osmose. Freakonomics, para a tradutora Regina Lyra, é isso: economia excêntrica; ou até mesmo bizarra, se traduzida com outra palavra. As histórias contadas no livro não costumam fazer parte das aulas de economia. Segundo o autor, Steven Levitt, isso se dá pelo fato de que foram utilizadas ferramentas desta ciência para analisar toda e qualquer ideia de situação excêntrica que viesse à sua mente. Essa é outra justificativa para não haver um tema centralizador no livro, como estamos acostumados. Afinal, qual é a graça de lermos sobre histórias com início, meio e fim, cujo final podemos prever? Levitt recebeu recentemente a medalha John Bates Clark, concedida ao melhor economista americano que tenha menos de 40 anos. Apesar disso, não se considera economista, e diz não gostar de matemática. É neste ponto em que o autor nos convence de que existe sim um lado da economia diferente do que estamos acostumados ― e esta é uma ideia que se transforma em verdade ao longo do livro. Já Stephen Dubner, co-autor da publicação, trabalha para o The New York Times e escreve

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sobre temas que variam de esportes à política. Pelos artigos que escreve, demonstra ser alguém tão curioso como Levitt, o que resultou na parceria para produzir Freakonomics. Para mentes leigas e despreparadas, o livro une assuntos completamente diferentes. Por exemplo, “o que os professores têm em comum com os lutadores de sumô?”. O objetivo é mostrar que o mundo é composto por situações entrelaçadas, que influenciam umas às outras, mesmo que não aparentem. Outro exemplo é o caso Roe versus Wade, processo que levou à liberação do aborto nos Estados Unidos no início dos anos 80, e que, segundo o autor, influenciou a queda da criminalidade no país, lá pela metade da década seguinte. Porém, nas pesquisas de causa e efeito realizadas por criminologistas e cientistas políticos, essa hipótese não foi citada nem uma vez. As situações para as quais se apontava eram: estratégias policiais inovadoras, cres8ª Semana do Jornalismo


8ª Semana do Jornalismo

O mercadoFreakonomics para esse profissional estámostra cada vez nos mais exigente. Só o fato de muitas empresas que o mundo é composto estabelecerem a necessidade do diplomapor de jornalista já garante um compromisso situações entrelaçadas maior que das emissoras na relação imagem-texto. Além influenciam umas àsinformatioutras, dos cuidados com a ética, caráter vo e estética das imagens, o profissional nemesmo que não aparentem cessita de um domínio técnico relacionado à operação das câmeras. Ele lembra que, com o lançamento das câmeras de alta definição, o jornalista da imagem “tem de ter curiosidade e ser tecnicamente perfeito no manuseio do equipamento. Dominar a câmera, e não ser dominado por ela”.

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dar errado, o que esperar do segundo? Bem, o primeiro, aos 40 anos, tem uma extensa ficha criminal, sendo quase 40 prisões por assalto, assassinato, violência doméstica, invasão e resistência à prisão. Já o segundo, formou-se na Universidade Lafayette, na Pensilvânia, entrou para o Departamento de Polícia e chegou a Sargento. Para o autor, o pai deve ter confundido o destino dos dois quando os batizou, senão jamais escolheria estes nomes. Carlo

cente confiança nas prisões, leis mais rígidas formações da pauta”. Isso para que quem está de controle de armas, poliinformando através danúmero imagemmaior possa de sugerir e melhora situação econômica. Para o eciais contribuir no na encaminhamento da matéria autor, quanto nenhuma destas quedaPor de tanto quem estájustificava apurando adados. mais hoje, de 40% no índice de criminalidade em isso, muitas empresas investem na forapenasprofissional poucos anos. sua temação dosPara seuscomprovar contratados. oria, comparou o número de crimes violentos Um bom repórter cinematográfico deve ter a entre estados em que o aborto era permitido e sensibilidade e a curiosidade suficientes para outros em que não era. As taxas de diminuição passar ao público a informação através do que se drástica deram-se naqueles em que o mesmo vê na tela. Se esse olhar não possuir uma preocuera legalizado. pação mínima com o caráter informativo e com cada na capítulo, umade surpresa. Se nãoa lhe fez aA ética construção uma matéria, função mudar de ideia, pelo menos você passou a anado jornalista da imagem perde o sentido. lisar a situação com outros olhos, como se alguém tivesse lhe mostrado possibilidades que até então não lhe eram familiares. Chega-se ao final de cada capítulo com uma visão diferente da que se tinha no início. Em outro momento, é analisado até que ponto o nome influencia em quem a pessoa vai se tornar. Em geral, os pais escolhem o nome de seus filhos de acordo com as expectativas que têm daquela criança. O que esperam que ela seja, ou melhor, quem esperam que ela seja. O nome tem toda uma mágica envolvida, e pode ser inspirado por alguém famoso, ou importante, e determina o que será dela no futuro, certo? Não. Errado. O nome nada mais é que um indicador da origem da criança e da escolaridade de seus pais. Por exemplo: Alguém é pobre porque tem o nome escrito errado, ou tem o nome escrito errado porque é pobre? Como todas as suas teorias, esta não podia deixar de envolver a Economia. Assim, o autor analisou a certidão de 100.000 crianças nascidas no estado da Califórnia em um período de dez anos. A sua curiosidade era saber quais nomes tinham sido escolhidos e se havia um padrão de comportamento dos pais, levando em conta a escolaridade destes e a sua situação sócio- econômica. Tendo as certidões, foi fácil notar uma repetição dos nomes, e perceber que havia um padrão. Nomes de negros, nomes de brancos, nomes de ricos, nomes de pobres e grafia, tudo isso era um indicador de quem eram os pais e qual a sua escolaridade. Um caso curioso desta pesquisa de nomes foi a comparação dos irmãos Winner e Loser Lane. Se o primeiro com este nome não tinha como

Estes são apenas exemplos pontuais da riqueza do livro Freakonomics, que nos faz pensar, como o subtítulo diz, no lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta.

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guia

Um glossário básico de “economês” por Laís Mezzari, ilustrações de Tharso Duarte

A economia muitas vezes assusta: palavras complicadas, termos estrangeiros, cotações, gráficos, números, leis... Mas, no fundo, sabe-se que essa é uma área de extrema importância para a política e desenvolvimento de qualquer país, e também para o seu bolso. Afinal, a economia está interligada em todas as instâncias do cotidiano. Você procura um trabalho para poder se manter, escolhe promoções para não gastar demais, aplica parte do salário em uma poupança para ter rendimento. Além disso, um problema econômico no exterior, assim como a crise pela qual o mundo está passando, afeta a todos. No governo, essa importância é ainda maior, pois nada pode ser decidido sem se saber a cotação do dólar, o comportamento da Bolsa de Valores ou em quanto está a taxa Selic. A função do jornalista que lida com este ramo é tornar o mundo econômico mais inteligível à população. Para que isso seja feito de maneira clara, é preciso não apenas conhecer, mas entender como funciona toda a estrutura econômica mundial. Pensando nisso, a 8ª Semana do Jornalismo ajuda você a desvendar alguns dos mistérios do economês, e a perceber que toda essa linguagem é bem mais simples do que aparenta.* Juros: O juro funciona como um “pagamento” por um empréstimo. Quando você empresta uma determinada quantia de dinheiro, está deixando de gastá-lo no momento, em termos econômicos, se abstendo da liquidez do dinheiro. Para recebê-lo novamente, é justo que seja pago o valor do empréstimo e um adicional. Neste sentido, os juros também são vistos como o preço da “mercadoria” dinheiro. Taxa Selic: A taxa de Serviço de Liquidação e Custódia de Títulos Públicos serve de base para toda a economia. Também é conhecida como taxa básica de juros, pois nela são baseadas as taxas de poupança, de empréstimos e financiamentos, entre outros. Copom: É a cúpula que define a taxa de juros Selic, e seu objetivo é estabelecer um valor

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que concilie o crescimento econômico sem um aumento generalizado de preços, ou seja, sem inflação. Produto Interno Bruto (pib): é uma maneira de

medir a riqueza de um país analisando o valor de todos os produtos finais feitos em território nacional, mesmo que sejam de empresas estrangeiras.

Produto Nacional Bruto (pnb): assim como o pib,

também mede a riqueza de um país, mas este através de todos os produtos finais que são produzidos por empresas nacionais, independentemente do país em que ela esteja localizada.

Melhor e maior economia do mundo: Respectivamente, é analisado o crescimento e o grau de desenvolvimento econômico de um país. Por exemplo: a China é uma das maiores economias do mundo porque está em pleno crescimento, mas não pode ser considerada a melhor, pois ainda tem problemas com a qualidade de vida e renda per capita da população. 8ª Semana do Jornalismo


Insumos: matéria prima e o serviço utilizado para produzir algo. Tributo: Não, tributo na economia não é uma homenagem a alguém que morreu ou a alguma empresa que faliu, neste caso é o nome comum dado a impostos, taxas e contribuições.

tranhos que os economistas inventam, mas no fundo são bem simples. Quando o governo gasta mais do que recebe com os tributos temse um déficit nas contas públicas. Em contrapartida, quando o governo consegue gastar menos (com saúde, segurança, entre outros) do que recebeu, obtém-se um superávit nas contas públicas.

Dívida Pública: É gerada pelo empréstimo cedido ao governo pelos bancos e agentes econômicos nacionais ou estrangeiros.

Zé Dassilva/DC

Déficit e Superávit: Mais um dos nomes es-

Amortização da Dívida: É o pagamento do empréstimo em si, sem a parte dos juros. Zé Dassilva,formado pelo Jornalismo UFSC, faz da charge um instrumento de opinião Moratória da Dívida: Vulgo “calotagem”. O

devedor diz que não vai pagar e ponto. Claro quedeisso trazpartiu váriosda problemas. Nocolocar caso deà ideia fazê-lo vontade de um governo, por ele exemplo, a perda prova tudo o que pensa. ocorre Tas acredita queda o credibilidade domostra país, aque redução do insatiscrédito sucesso do blog tem gente internacional e de possivelmente embargo feita com o tipo cobertura daum política pela econômico, que em palavras um immídia tradicional e ooutras veículo acaba éservindo pedimento da realização de negociações pore como um adendo ou até mesmo uma crítica parte do devedor. contraponto. Inflação: Ode grande dos bolsos popuJornalistas opiniãovilão renomados comodaMarcelo lação é Paiva, o aumento contínuo generalizado Rubens que participa da 8ªesemana do Jordos preços. Ela geralmente nalismo, Arnaldo Jabor, Miltonacontece Hatoum,quando Zé Dashá muita a oferta procura silva e Luizdiferença Fernandoentre Verissimo, têmeseu lugar de produtos. salárioSão mínimo, exemplo, garantido nos Ojornais. crônicaspor e artigos em aumenta,especiais, dando maior podercomentários de compra para cadernos resenhas, assia população, o número de produtos ofenados, carta demas leitores e até mesmo em charges. recidos continua igual. Com a maior demanO editorial ganha mais força quando entrada e a pouca oferta, aumenta-se o preço dos mos no campo do jornalismo opinativo. Ele produtos oferecidos. Ou ainda: o governo codemonstra o ponto de vista do veículo em reloca uma nova taxa para a produção dos prolação a uma declaração, notícia do dia ou um dutos, que por consequência se tornam mais tema da atualidade. Para o jornalista e escritor caros. Quando o contrário acontece e o preço Juarez Bahia, o editorial é uma notícia qualifidos produtos passa por uma queda constante, cada, porque representa o foro íntimo do veacontece a chamada deflação. ículo. É uma notícia exclusiva, porque emite Títulos: própria, São certificados dívida, ou seja, opinião e é notíciadeem profundidade, quando não o governo ou uma empresados precisa porque se limita à superfície fatosdee 8ª Semana do Jornalismo

O editorial é o espaço do jornal onde a opinião está mais explícita. É nele que o veículo toma partido sobre os fatos da atualidade incorpora autoridade, consistência e hierarquia ao conteúdo. Qualquer que seja o estilo de texto adotado pelo jornalista de opinião, seja ele editorial, artigo, crônica ou charge, traz consigo uma característica marcante: a persuasão. A dimensão opinativa, além de explanar o fato, tenta conquistar novos adeptos a uma ideia e convencer o leitor. O que demonstra que a sociedade não quer mais apenas o fato, mas a análise do mesmo, e como ele pode afetar e influenciar nossas vidas. De certa forma, é como se o jornalismo regredisse às suas origens para, dessa forma, evoluir. Para aqueles que não concordarem, bem, todos têm direito à sua própria opinião.

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dinheiro e não quer pedir ao banco, pode-se vender títulos, que garantem ao vendedor o dinheiro no momento e ao comprador os juros referentes ao empréstimo. Ações e Debêntures: Quando alguém compra

uma ação, que é a menor parte do capital de uma empresa, torna-se um proprietário dela, ainda que minoritário. Já quem compra um debênture, vira credor da empresa em questão, pois ele é um título privado.

Securities: Nome geral dado a títulos públicos, títulos privados e ações. Bolsa de Valores: Presença garantida nos no-

ticiários e páginas econômicas, as Bolsas de Valores são mercados de ações e títulos. O diferencial deste mercado é que qualquer um pode investir, mesmo que seja um pequeno investidor. Os preços das ações mudam constantemente, de acordo com o ritmo da economia. Algumas Bolsas, como a Nasdaq dos eua, só atuam com pregão eletrônico, mas a maioria tem também um pregão físico. As Bolsas mais importantes em nível mundial são as de Nova York, Londres, Paris e Tóquio.

Correção Monetária: É a correção dos investi-

mentos para compensar a inflação. Para ficar mais claro, imagine que você colocou na poupança R$ 30,00 que é o valor aproximado para comprar um livro. No ano seguinte, porém, houve inflação e o valor do livro subiu para R$ 35,00. A correção monetária, portanto, deverá ser de R$ 5,00.

Taxa de Câmbio: Quando dois países têm mo-

edas diferentes, é preciso encontrar uma proporção de valor entre elas, ou seja, estipular um preço para a moeda. Neste sentido, quando se fala em taxa de câmbio alta significa que a moeda nacional está desvalorizada, pois por convenção, a relação entre ambas é feita moeda nacional/moeda estrangeira. Por consequência, uma taxa de câmbio baixa quer dizer que a moeda nacional está valorizada.

Protecionismo: Como o próprio nome indica, estas medidas protegem o produto interno. Trata-se da política econômica que incentiva a aquisição de produtos nacionais através de

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medidas como a desvalorização cambial e a imposição de taxas que deixam o produto estrangeiro mais caro. Fundo Monetário Internacional (fmi): Outro termo constantemente visto em notícias, o FMI funciona como uma “caixinha” onde os países associados fazem uma provisão que será usada por aquele que tiver dificuldades em pagar suas contas. Embora o fmi não tenha fins lucrativos, são feitas diversas exigências para manter a economia, como o corte de gastos sociais e a contenção de salários para reter o consumo. Commodities: São as mercadorias que têm seus preços estabelecidos pelo mercado mundial. Como exemplo tem-se o petróleo, o açúcar, a soja e o algodão. 8ª Semana do Jornalismo


fique meia hora sem ler o livro” nas últimas páginas de Blecaute). Desde Malu de bicicleta, lançado em 2004, após oito anos dedicados ao teatro, iniciou uma série de relatos que têm como pano de fundo o tema “relacionamento amoroso”. Em entrevista à Folha de S. Paulo, disse que “o que é interessante na literatura é a sombra, o escondido. E o papel do escritor, infelizmente, é mexer com as coisas ruins, falar daquilo que se esconde. Mas essas coisas nos fazem bem ler. Fez bem a todos ler Flaubert, que fala de uma mulher [Madame Bovary] entediadíssima no casamento”.

Seus livros prendem quem os lê. Impossível não se desesperar com o “Leitor, fique meia hora Buscando o diferencial, a 8ª Semana do Jornalismo sem lertrazo aslivro” nas últimas palestras de dois páginas de oBlecaute tipos diferentes: escritor,

Palestras da 8ª Semana

Depois do sucesso de Feliz Ano Velho, Paiva passou a escrever crônicas para diversos veículos, entre eles o jornal Folha de S. Paulo, as revistas Veja e Vogue RG e, até chegar ao Estadão. O olhar e a linguagem são sua grande arma: uma escrita descontraída e mesmo assim profunda sobre cenários e situações da vida urbana ― como o submundo da Rua Augusta, por exemplo. Seus personagens são prostitutas que tomam banho de sol na piscina de um flat, um ex-conquistador que acredita que a mulher o trai ou os três únicos sobreviventes de um misterioso acontecimento que paralisou todos os outros habitantes. Personagens que falam palavrão, que fazem sexo e cometem as burradas que todos cometemos. 8ª Semana do Jornalismo

dramaturgo e colunista do Estadão, Marcelo Rubens Paiva, e três jornalistas do Profissão Repórter. Paiva, que em suas crônicas escreve a verdade sem floreios, tem seus principais trabalhos comentados através de um perfil na Semana Revista. Já a equipe do Profissão Repórter surpreende pela nova proposta de programa veiculado em um canal aberto, e apresenta a necessidade do jornalista cinematográfico e as características do programa através de um perfil do idealizador Caco Barcellos.

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reportagem

Potencial neurose de um despreocupado por Marina Ferraz

“— Aí, Gregor, vou descobrir o tesouro que você escondeu aqui embaixo, seu milionário disfarçado. Pulei com a pose do Tio Patinhas, bati a cabeça no chão e foi aí que ouvi a melodia: biiiiiiin. Estava debaixo d’água, não mexia os braços nem as pernas, somente via a água barrenta e ouvia: biiiiiiin. Acabara toda a loucura, baixou o santo e me deu um estado total de lucidez: “Estou morrendo afogado.” Mantive a calma, prendi a respiração, sabendo que ia precisar dela para boiar e aguentar até que alguém percebesse e me tirasse dali. “Calma, cara, tente pensar em alguma coisa.”

“O papel do escritor, infelizmente, é mexer com as coisas ruins, falar daquilo que se esconde. Mas essas coisas nos fazem bem ler”

Acaba a louc baixou e me d

Quando decidi escrever um texto sobre Marcelo Rubens Paiva, de quem sou fã há muito tempo, vi que era uma boa oportunidade para reler Feliz Ano Velho, livro que publicou em 1983, aos 23 anos, e que narra o acidente que o deixou tetraplégico. O livro tornou-se um best seller, ganhou o prêmio Jabuti (mais tradicional e importante prêmio literário do Brasil) e colocou Paiva na listas dos mais renomados escritores brasileiros da sua geração. Foi adaptado para o teatro e para o cinema e tido como um ícone da juventude brasileira da época, a chamada “Geração Coca-Cola”. De lá pra cá, o escritor fez de tudo um pouco. Além de romancista, é jornalista, dramaturgo, diretor, roteirista, apresentador e ator. Desde 2003 é colunista do Caderno 2 do Estado de S. Paulo, além de relatar suas Pequenas Neuroses Contemporâneas no blog de mesmo nome no site do jornal.

Entre seus trabalhos na televisão, está a apresentação do programa Fanzine, da TV Cultura e o roteiro do programa As novas aventuras da Tiazinha, da Band. No teatro, ganhou o prêmio Shell de melhor autor, em 2000, pela peça E aí, comeu? ou Da boca pra fora ― como passou a se chamar fora do Rio de Janeiro. Alterar suas obras parece não ser um problema para o autor. E não apenas o título, boa parte de seus livros já sofreram modificações e foram

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8ª Semana do Jornalismo


Malu Malueeseu seumundo mundosexual sexual Cinco Cincoanos anosapós apósser serlançada, lançada,aaobra obraque que marcou marcouaavolta voltade deMarcelo MarceloRubens RubensPaiva Paiva aos aosromances romancescomeça começaaaser serfilmada, filmada,eeem em 2010 2010chega chegaao aocinema. cinema.AAversão versãoem empelícula película de deMalu Malude deBicicleta Bicicletaterá teráseu seufinal finalmodificamodificado. do.Essa Essanão nãoééuma umanovidade novidadepara paraooautor, autor, que queassina assinatambém tambémooroteiro roteirodo dolongalongametragem. metragem.Ele Elejájáalterou alterouoonome nomeeediversas diversas cenas cenasde desuas suaspeças peçaseelivros. livros. Lançado Lançadoem em2004, 2004,depois depoisde deoito oitoanos anosdededicados dicadosao aoteatro, teatro,Malu Maluinicia iniciauma umasérie sériede de obras obrasbaseadas baseadasno notema tema“relacionamento “relacionamento amoroso”. amoroso”.AAtrama tramase sedesenrola desenrolaem emtorno torno do docasal casalLuiz LuizeeMalu. Malu.Um Umpaulista paulistafascinafascinado dopelo pelosexo sexosem semcompromisso compromissoque quevive vive oodilema dilemade deachar acharque queestá estásendo sendotraído traído pela pelaúnica únicamulher mulherpor porquem quemse seapaixonou. apaixonou. Nesse Nessemeio meiotempo, tempo,relembra relembratoda todaaasua suafase fase de deluxúria luxúriadesde desdeaainiciação iniciaçãosexual sexualcom com aaempregada empregadada dacasa. casa.AAsemelhança semelhançacom com Dom DomCasmurro Casmurroééinegável: inegável:um umprotagonista protagonista atormentado atormentadopela peladúvida dúvidaquanto quantoààfidelifidelidade dadeda daesposa esposaeeaavisão visãoparcial parcialda dahistória história ― ―que queéécontada contadaapenas apenasatravés atravésde deLuiz. Luiz. OOpróprio próprioautor autorconfirma confirmaque quese seinspirou inspirou em emMachado Machadode deAssis Assispara paracompor comporaatrama. trama. Mas, Mas,ao aocontrário contrárioda daobra obramachadiana, machadiana,aqui aqui éépossível possívelsaber saberse sehouve houveou ounão nãoaatraição. traição. OOtexto textode dePaiva Paivaééatual, atual,urbano urbanoeepróximo próximo da darealidade. realidade.ÉÉum umlivro livrode deamor, amor,sexo sexoe,e, para paraalgumas algumaspessoas, pessoas,um umótimo ótimopornô. pornô. Sim, Sim,porque porqueaalinguagem linguagemusada usadapor porPaiva Paivaéé aamais maisdireta diretapossível possívelao aose setratar tratarde desexo. sexo. ÉÉerótico, erótico,sem semser servulgar vulgar― ―eeaapresença presença feminina femininade deMalu Maluééessencial essencialpara paraisso. isso.EnEntre trelembranças lembrançasdo dopassado, passado,desconfianças desconfianças eepossíveis possíveispistas pistasda dainfidelidade infidelidadeda daesposa, esposa, surge surgeoolivro livroMadame MadameBovary, Bovary,do dofrancês francês Gustave GustaveFlaubert. Flaubert.AAobra obraque queem em1857 1857 trouxe trouxeootema temada dainfidelidade infidelidadeeechocou chocouaa sociedade sociedadeda daépoca, época,chega chegaàs àsmãos mãosde deLuiz Luiz com comum ummisterioso misteriosobilhete bilhetedentro. dentro. Essa Essaé,é,para paraooprotagonista, protagonista,aaprova provacabal cabalde de que queestá estásendo sendotraído. traído.“Sim, “Sim,doutor doutorBovary, Bovary, me meidentifico identificocom comoosenhor senhorneste nestemomenmomento toparticular particularde deminha minhavida. vida.EEvou vouviver viveroo meu meupesadelo pesadelocomo comooosenhor: senhor:só sóeecalado. calado. Mas Masuma umacoisa coisanos nosdifere, difere,doutor doutorBovary. Bovary.Eu Eu mereço. mereço.”” 33 33

ara toda ura, cura, u o santo deu um enxugadas enxugadas― ―Não NãoéséstutuBrasil Brasilteve teve40 40páginas páginas cortadas cortadaseeMalu Malude debicicleta bicicletaterá teráoutro outrofinal finalem em sua suaversão versãocinematográfica cinematográfica(leia (leiamais maisno nobox). box). Paiva Paivacostuma costumadizer dizerque queenquanto enquantoestá estávivo, vivo, sua suaobra obratambém tambémestá. está.OOmais maisrecente recentecaso casoéé aapeça peçaAAnoite noitemais maisfria friado doano, ano,que quemarca marcasua sua estreia estreiacomo comodiretor diretorde deteatro, teatro,onde ondeuma umacena cena foi foimodificada modificadano nomeio meioda datemporada. temporada.

OOacidente acidenterelatado relatadoem emFeliz FelizAno AnoVelho Velhoééooponponto tode departida partidapara parauma umavirada viradana navida vidade dePaiPaiva. va.Em Ementrevista entrevistapara paraooportal portalde denotícias notíciasG1, G1, ooescritor escritordiz: diz:“eu “eume mereconstruí, reconstruí,aos aos20 20anos, anos, como comodeficiente. deficiente.Mudei Mudeide decidade, cidade,de deinteresinteresses, ses,de defaculdade, faculdade,de desonhos, sonhos,de deamigos. amigos.Não Não só sóoocorpo corpose setransformou, transformou,aacabeça cabeçafoi foijunto. junto. Quero Quero dizer dizer para para as as pessoas pessoas que que existe existe uma uma segunda segundachance. chance.EEàs àsvezes vezeséépreciso precisodeixar deixarde de ser seruma umacoisa, coisa,para paraser seroutra”. outra”. 8ª8ªSemana Semanado doJornalismo Jornalismo


Paiva mudou de Campinas para São Paulo, de Engenharia Agrônoma na Unicamp para Comunicação Social na usp. Desde a faculdade em Campinas já escrevia músicas e poemas. Chegou a participar de um concurso de novos compositores promovido pela TV Cultura, mas foi depois do acidente que passou a escrever com regularidade. Um de seus exercícios de fisioterapia era digitar em uma máquina de escrever. Assim começou a escrever Feliz Ano Velho, parou para prestar vestibular na usp e, depois, escreveu a segunda parte.

Feliz Ano Velho (1983) Blecaute (1986) Ua: Brari (1990) As Fêmeas (1992) (reunião de crônicas) Bala na Agulha (1994) Não és tu, Brasil (1996) Malu de Bicicleta (2004) A Segunda vez que te conheci (2008) ― foram sete romances. Todos com diálogos dinâmicos, narrativa veloz e linguagem coloquial, que prende o leitor até a última página (impossível não se desesperar com o “Leitor,

Nordisk familjebok

De lá até o livro A Segunda vez que te conheci ― lançado em dezembro do ano passado

Romances publicados

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8ª Semana do Jornalismo


fique meia hora sem ler o livro” nas últimas páginas de Blecaute). Desde Malu de bicicleta, lançado em 2004, após oito anos dedicados ao teatro, iniciou uma série de relatos que têm como pano de fundo o tema “relacionamento amoroso”. Em entrevista à Folha de S. Paulo, disse que “o que é interessante na literatura é a sombra, o escondido. E o papel do escritor, infelizmente, é mexer com as coisas ruins, falar daquilo que se esconde. Mas essas coisas nos fazem bem ler. Fez bem a todos ler Flaubert, que fala de uma mulher [Madame Bovary] entediadíssima no casamento”.

Seus livros prendem quem os lê. Impossível não se desesperar com o “Leitor, fique meia hora Buscando o diferencial, a 8ª Semana do Jornalismo sem lertrazo aslivro” nas últimas palestras de dois páginas de oBlecaute tipos diferentes: escritor,

Palestras da 8ª Semana

Depois do sucesso de Feliz Ano Velho, Paiva passou a escrever crônicas para diversos veículos, entre eles o jornal Folha de S. Paulo, as revistas Veja e Vogue RG e, até chegar ao Estadão. O olhar e a linguagem são sua grande arma: uma escrita descontraída e mesmo assim profunda sobre cenários e situações da vida urbana ― como o submundo da Rua Augusta, por exemplo. Seus personagens são prostitutas que tomam banho de sol na piscina de um flat, um ex-conquistador que acredita que a mulher o trai ou os três únicos sobreviventes de um misterioso acontecimento que paralisou todos os outros habitantes. Personagens que falam palavrão, que fazem sexo e cometem as burradas que todos cometemos. 8ª Semana do Jornalismo

dramaturgo e colunista do Estadão, Marcelo Rubens Paiva, e três jornalistas do Profissão Repórter. Paiva, que em suas crônicas escreve a verdade sem floreios, tem seus principais trabalhos comentados através de um perfil na Semana Revista. Já a equipe do Profissão Repórter surpreende pela nova proposta de programa veiculado em um canal aberto, e apresenta a necessidade do jornalista cinematográfico e as características do programa através de um perfil do idealizador Caco Barcellos.

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por Mariana Chiré

A pergunta que não quer calar: imparcialidade no jornalismo existe? O uso da primeira pessoa e opiniões particulares são coisas que, no geral, não aparecem no jornalismo. Porém, existe um gênero onde emitir suas ideias é obrigatório: o jornalismo opinativo. A postura do jornalismo opinativo remete inclusive às origens do próprio texto jornalistico. Os primeiros jornais emitiam, principalmente, uma visão política e crítica. Basta voltar na história e verificar essa afirmação no panfletismo ideológico da época da Revolução Francesa quando, até o começo do sec. XX nos Estados Unidos da América, as empresas de comunicação manipulavam os fatos de acordo com os interesses dos grupos proprietários dos jornais. É apenas nos anos 30 que o jornalismo de opinião é caracterizado como gênero à parte, da mesma forma que a notícia e a reportagem.

nas, Luiz Roberto Saviani Rey, fala que o texto opinativo sempre traz um ponto de vista em particular, seja ele seu ou da empresa jornalística, sempre calcado, principalmente, em fatos do cotidiano. Esse tipo de texto contém avaliações, considerações e juízos, que não estão ocultos como nos textos de notícia, por exemplo. A ideia, a apreciação e a crítica são explícitas. Cada vez mais o estilo vem ganhando espaço, principalmente na internet por meio de blogs e sites. Este é o caso do jornalista e apresentador Marcelo Tas que, em entrevista ao site Globo.com, admite que seu blog se transformou no seu principal meio de trabalho e que a

Nicolas De Bonneville/Claude Fauchet

panorama

A opinião que costura os fatos

O gênero opinativo não perde seu papel informativo, pois aborda os fatos como nas notícias ou reportagens, com a diferença de que traz julgamentos e conclusões particulares do jornalista, dando-lhe liberdade de posicionamento. Para o jornalista e escritor Luiz Beltrão, o jornal deve exercer sim a opinião, visto que é ela que valoriza e engrandece a atividade profissional. “Quando expressa com honestidade e dignidade, com a intenção de orientar o leitor, sem fazer rodeios ou distorcer das ocorrências, a opinião se torna fator importante na compreensão da realidade” Em um artigo sobre o tema, um professor da faculdade de Jornalismo da PUC de Campi-

Seja para criticar, enfatizar ou contrapor, a opinião é uma ferramenta importante na compreensão dos fatos e na afirmação do veículo jornalístico 36

Jornal de 1790 divulgava ideais iluministas 8ª Semana do Jornalismo


Insumos: matéria prima e o serviço utilizado para produzir algo. Tributo: Não, tributo na economia não é uma homenagem a alguém que morreu ou a alguma empresa que faliu, neste caso é o nome comum dado a impostos, taxas e contribuições.

tranhos que os economistas inventam, mas no fundo são bem simples. Quando o governo gasta mais do que recebe com os tributos temse um déficit nas contas públicas. Em contrapartida, quando o governo consegue gastar menos (com saúde, segurança, entre outros) do que recebeu, obtém-se um superávit nas contas públicas.

Dívida Pública: É gerada pelo empréstimo cedido ao governo pelos bancos e agentes econômicos nacionais ou estrangeiros.

Zé Dassilva/DC

Déficit e Superávit: Mais um dos nomes es-

Amortização da Dívida: É o pagamento do empréstimo em si, sem a parte dos juros. Zé Dassilva,formado pelo Jornalismo UFSC, faz da charge um instrumento de opinião Moratória da Dívida: Vulgo “calotagem”. O

devedor diz que não vai pagar e ponto. Claro quedeisso trazpartiu váriosda problemas. Nocolocar caso deà ideia fazê-lo vontade de um governo, por ele exemplo, a perda prova tudo o que pensa. ocorre Tas acredita queda o credibilidade domostra país, aque redução do insatiscrédito sucesso do blog tem gente internacional e de possivelmente embargo feita com o tipo cobertura daum política pela econômico, que em palavras um immídia tradicional e ooutras veículo acaba éservindo pedimento da realização de negociações pore como um adendo ou até mesmo uma crítica parte do devedor. contraponto. Inflação: Ode grande dos bolsos popuJornalistas opiniãovilão renomados comodaMarcelo lação é Paiva, o aumento contínuo generalizado Rubens que participa da 8ªesemana do Jordos preços. Ela geralmente nalismo, Arnaldo Jabor, Miltonacontece Hatoum,quando Zé Dashá muita a oferta procura silva e Luizdiferença Fernandoentre Verissimo, têmeseu lugar de produtos. salárioSão mínimo, exemplo, garantido nos Ojornais. crônicaspor e artigos em aumenta,especiais, dando maior podercomentários de compra para cadernos resenhas, assia população, o número de produtos ofenados, carta demas leitores e até mesmo em charges. recidos continua igual. Com a maior demanO editorial ganha mais força quando entrada e a pouca oferta, aumenta-se o preço dos mos no campo do jornalismo opinativo. Ele produtos oferecidos. Ou ainda: o governo codemonstra o ponto de vista do veículo em reloca uma nova taxa para a produção dos prolação a uma declaração, notícia do dia ou um dutos, que por consequência se tornam mais tema da atualidade. Para o jornalista e escritor caros. Quando o contrário acontece e o preço Juarez Bahia, o editorial é uma notícia qualifidos produtos passa por uma queda constante, cada, porque representa o foro íntimo do veacontece a chamada deflação. ículo. É uma notícia exclusiva, porque emite Títulos: própria, São certificados dívida, ou seja, opinião e é notíciadeem profundidade, quando não o governo ou uma empresados precisa porque se limita à superfície fatosdee 8ª Semana do Jornalismo

O editorial é o espaço do jornal onde a opinião está mais explícita. É nele que o veículo toma partido sobre os fatos da atualidade incorpora autoridade, consistência e hierarquia ao conteúdo. Qualquer que seja o estilo de texto adotado pelo jornalista de opinião, seja ele editorial, artigo, crônica ou charge, traz consigo uma característica marcante: a persuasão. A dimensão opinativa, além de explanar o fato, tenta conquistar novos adeptos a uma ideia e convencer o leitor. O que demonstra que a sociedade não quer mais apenas o fato, mas a análise do mesmo, e como ele pode afetar e influenciar nossas vidas. De certa forma, é como se o jornalismo regredisse às suas origens para, dessa forma, evoluir. Para aqueles que não concordarem, bem, todos têm direito à sua própria opinião.

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por João Schmitz

Chelovek S. Kino-Apparatom/Dziga Vertov

perfil

Uma câmera que conta muitas histórias Quando se formou em jornalismo pela Universidade de Taubaté, no interior de São Paulo, em 2006, Mikael Fox não fazia ideia do que teria que enfrentar para obter as melhores imagens e os melhores ângulos das reportagens. Convidado da 8ª Semana do Jornalismo, Mikael Fox ― que já foi guarda-mirim, cobrador e vendedor de sapatos — faz parte do Profissão: Repórter, da Rede Globo. Mas, diferente da maioria dos seus colegas, ele fica por detrás das câmeras, trabalhando o conteúdo informativo das reportagens através das imagens. Ele é repórter cinematográfico, ou jornalista da imagem. Além do clichê de que na televisão não existe matéria sem imagem, a forma com que essa representação vai ser trabalhada é que lança a discussão sobre a importância da qualificação profissional no exercício da função de repórter cinematográfico. A primeira ideia que deve estar clara é da diferença entre o jornalista de imagem e o operador de câmera. O segundo está ali, atrás das lentes, recebendo

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O cinegrafista impõe seu olhar sobre a realidade

ordens por um fone de ouvido e cumprindo as determinações de uma equipe de produção. Já o primeiro utiliza seus conhecimentos jornalísticos na captação dos acontecimentos. Para Mikael, “o papel do repórter cinematográfico no jornalismo é de apurar com imagens as in-

Formado em 2006, há 12 anos o jornalista integra a equipe da rede Globo, pela qual já cobriu a enchente em Santa Catarina e o acidente do Airbus da Tam

8ª Semana do Jornalismo


8ª Semana do Jornalismo

O mercadoFreakonomics para esse profissional estámostra cada vez nos mais exigente. Só o fato de muitas empresas que o mundo é composto estabelecerem a necessidade do diplomapor de jornalista já garante um compromisso situações entrelaçadas maior que das emissoras na relação imagem-texto. Além influenciam umas àsinformatioutras, dos cuidados com a ética, caráter vo e estética das imagens, o profissional nemesmo que não aparentem cessita de um domínio técnico relacionado à operação das câmeras. Ele lembra que, com o lançamento das câmeras de alta definição, o jornalista da imagem “tem de ter curiosidade e ser tecnicamente perfeito no manuseio do equipamento. Dominar a câmera, e não ser dominado por ela”.

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ar

dar errado, o que esperar do segundo? Bem, o primeiro, aos 40 anos, tem uma extensa ficha criminal, sendo quase 40 prisões por assalto, assassinato, violência doméstica, invasão e resistência à prisão. Já o segundo, formou-se na Universidade Lafayette, na Pensilvânia, entrou para o Departamento de Polícia e chegou a Sargento. Para o autor, o pai deve ter confundido o destino dos dois quando os batizou, senão jamais escolheria estes nomes. Carlo

cente confiança nas prisões, leis mais rígidas formações da pauta”. Isso para que quem está de controle de armas, poliinformando através danúmero imagemmaior possa de sugerir e melhora situação econômica. Para o eciais contribuir no na encaminhamento da matéria autor, quanto nenhuma destas quedaPor de tanto quem estájustificava apurando adados. mais hoje, de 40% no índice de criminalidade em isso, muitas empresas investem na forapenasprofissional poucos anos. sua temação dosPara seuscomprovar contratados. oria, comparou o número de crimes violentos Um bom repórter cinematográfico deve ter a entre estados em que o aborto era permitido e sensibilidade e a curiosidade suficientes para outros em que não era. As taxas de diminuição passar ao público a informação através do que se drástica deram-se naqueles em que o mesmo vê na tela. Se esse olhar não possuir uma preocuera legalizado. pação mínima com o caráter informativo e com cada na capítulo, umade surpresa. Se nãoa lhe fez aA ética construção uma matéria, função mudar de ideia, pelo menos você passou a anado jornalista da imagem perde o sentido. lisar a situação com outros olhos, como se alguém tivesse lhe mostrado possibilidades que até então não lhe eram familiares. Chega-se ao final de cada capítulo com uma visão diferente da que se tinha no início. Em outro momento, é analisado até que ponto o nome influencia em quem a pessoa vai se tornar. Em geral, os pais escolhem o nome de seus filhos de acordo com as expectativas que têm daquela criança. O que esperam que ela seja, ou melhor, quem esperam que ela seja. O nome tem toda uma mágica envolvida, e pode ser inspirado por alguém famoso, ou importante, e determina o que será dela no futuro, certo? Não. Errado. O nome nada mais é que um indicador da origem da criança e da escolaridade de seus pais. Por exemplo: Alguém é pobre porque tem o nome escrito errado, ou tem o nome escrito errado porque é pobre? Como todas as suas teorias, esta não podia deixar de envolver a Economia. Assim, o autor analisou a certidão de 100.000 crianças nascidas no estado da Califórnia em um período de dez anos. A sua curiosidade era saber quais nomes tinham sido escolhidos e se havia um padrão de comportamento dos pais, levando em conta a escolaridade destes e a sua situação sócio- econômica. Tendo as certidões, foi fácil notar uma repetição dos nomes, e perceber que havia um padrão. Nomes de negros, nomes de brancos, nomes de ricos, nomes de pobres e grafia, tudo isso era um indicador de quem eram os pais e qual a sua escolaridade. Um caso curioso desta pesquisa de nomes foi a comparação dos irmãos Winner e Loser Lane. Se o primeiro com este nome não tinha como

Estes são apenas exemplos pontuais da riqueza do livro Freakonomics, que nos faz pensar, como o subtítulo diz, no lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta.

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Mikael entrou para o universo das imagens em 1997, quando começou a trabalhar na TV de sua universidade. Logo em seguida, foi convidado a cobrir férias numa das afiliadas da Rede Globo no interior de São Paulo. Não demoraria muito para ser contratado pela emissora local, ainda em 1997. Passou por três afiliadas, cobriu seis vezes férias na capital e precisou se formar em Jornalismo para ser admitido pela Globo São Paulo. Em Abril de 2006, Mikael era o mais novo repórter cinematográfico da emissora, um lugar que ele brinca chamando de “Academia Brasileira de Cinematografia – tem de morrer um para entrar outro”. O convite para fazer parte da equipe do Profissão: Repórter aconteceria oito meses depois de sua contratação, pelo seu então chefe, Hélio Alvarez. O jornalista defende que todas as matérias são difíceis, mas confessa que as que mais o marcaram, no Profissão: Repórter, foram as da enchente em Santa Catarina e da queda do Airbus da Tam, em São Paulo. Na reportagem sobre as inundações, que fez ao lado de Thais Itaqui (também convidada da VIII Semana do Jornalismo), Mikael lembra do desespero das pessoas na busca por alimentos, sem saber como sobreviver àquele caos provocado por uma catástrofe natural. Já na cobertura da queda do Airbus da Tam, em julho de 2007, ele não consegue esquecer o cheiro de carne humana queimada que exalava dos corpos das vítimas, nem o desespero dos parentes em busca de informações e explicações. Tudo isso devi-

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do à necessidade do repórter cinematográfico de estar o mais perto possível dos acontecimentos. Por questões éticas, ele não iria filmar um corpo carbonizado, como no acidente da Tam, mas precisava saber o que era aquilo para garantir uma construção fiel da matéria, precisava sentir aquele efeito desesperador para, na hora de capturar, saber lidar com as imagens que passavam a sua frente. Depois de se formar em Jornalismo em 2006 e, finalmente, entrar para a Rede Globo, no mesmo ano, Mikael iniciou a pós-graduação em Cinema, Vídeo e Fotografia na Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo. Hoje, além do Profissão: Repórter, ele ministra a disciplina de Reportagem Cinematográfica, a primeira do país, na Universidade São Camilo, no Espírito Santo. A matéria aborda tanto questões relacionadas ao esquecimento dessa profissão pelo mercado de trabalho quanto ângulos, enquadramentos, os estudos e significados da imagem nas reportagens de TV, um pouco de semiótica e história da arte. No Profissão: Repórter, Mikael explica que sua relação com os colegas se dá de igual para igual: “muitas vezes na rua somos só nós dois, eu e o repórter, e nesse momento tem de haver uma afinidade muito grande, é como um casamento onde duas pessoas são cúmplices de uma relação de informações”. Ambos são jornalistas, e por isso “o profissional que está por detrás da câmera, só apertando um botão, está com os dias contados”. 8ª Semana do Jornalismo


Na terça-feira 25 de novembro de 2008, a Defesa Civil catarinense contabilizava 65 mortes devido às chuvas que castigavam o estado. A região mais atingida ficava na cidade de Ilhota, ao norte do vale do Itajaí. O Morro do Baú não dava sinais de comunicação, água, luz ou abrigo. Entre notícias de rádios estrangeiras, da imprensa local e jornais de todo Brasil, um repórter com 40 anos de rua partia do município de Navegantes e chegava ao local sentado no chão de um helicóptero para mais uma reportagem sobre a enchente. Foram poucos os jornalistas que não calçaram botas de borracha ou tiveram acesso aos voos da Força Aérea Brasileira. Com o microfone da TV Globo, Caco Barcellos vestia calças jeans, sapatos escuros e um colete bege com bolsos naquela terça-feira. Ele e sua equipe de jornalistas, que compõem o programa Profissão Repórter, acompanharam as missões de risco dos voluntários e das equipes no resgate às vítimas. Foram registradas cenas chocantes, como o saque de um supermercado inundado e os rebanhos mortos nas fazendas cobertas de água.

Diorgenes Pandini

por Juliana Gomes

Felipe Micaroni Lalli

perfil

Repórter pé no chão sem botas de borracha

O resto é número: cobertura econômica em tempos de crise

Não havia como deixar o Morro do Baú por terra. No fim do dia, Caco esperava o último helicóptero disponível para deixar a cidade de Ilhota e varar madrugadas debruçado sobre as imagens inéditas. Na lembrança dos assessores, bombeiros e técnicos da Defesa Civil, só havia um repórter com o rosto avermelhado do sol e a roupa molhada da chuva ao deixar Santa Catarina. Caco está nas ruas desde moço, e, aos 59 anos, mostrou mais uma vez que suas histórias não são esquecidas.

Na lembrança daqueles homens, só havia um repórter com o rosto avermelhado do sol e a roupa molhada da chuva ao deixar Santa Catarina Semanado doJornalismo Jornalismo 8ª8ªSemana

Aprender a conviver com a linguagem da economia não é fácil, mas necessário, principalmente quando Caco Barcellos: Prêmio Jabuti em 1993 as atenções estão voltadas Em oito anos, o repórter nuances oda para ela.apurou Para o as jornalista, polícia que mais mata, São Paulo, e, afinal, depois desafioem é ainda maior: de muitas noitesnão insones, 66. A basta publicou conhecer Rota o mundo obra lhe rendeu econômico, o primeiro prêmio Jabuti em é preciso passar 1993 e mais oito de Direitos Humanos. tais informações de forma simples e útil para público. Seu segundo Jabuti começou com uma telefonetempo, como ma. Uma ligação Ao de mesmo um missionário do morro escrever para investidores Dona Marta, no Rio de Janeiro, o surpreendeu e empresários que vivem em uma madrugada. No encontro marcado dosLanúmeros parecer para o restaurante Mole, nasem praia do Botabanal? páginas, fogo, Caco descobriu queNas umpróximas dos homens mais descubra que com a escolha procurados do país queria ovê-lo urgência. de nomes tem a Marcinho ver com a VP O jornalista já havia conhecido e aprenda a nunca em 1996, quandoeconomia este dividia uma cela com o mais confundir pib e pnb dono da favela Jacarezinho, o Lambari, na. carceragem da Polícia Interestadual. Nos três anos seguintes, Marcinho fugiu da prisão e continuou os contatos com Caco. A Associação Rio Contra o Crime oferecia 2.000 dólares pela captura do foragido.

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Laura Corrêa

Caco foi hippie, nunca ficou bêbado, esteve na Nicarágua em plena revolução, trabalhou na Veja e IstoÉ, casou-se duas vezes e teve três filhos

“Li aquele seu livro sobre os crimes dos PM lá de São Paulo, o Rota 66. Não vai escrevê sobre os crime dos homi daqui, não? É papo sério, aí!” A história de Marcinho VP e da fundação do Comando Vermelho colocou Caco Barcellos nas prateleiras das faculdades de Jornalismo. Abusado – O Dono do Morro Dona Marta fez a Rede Globo deslocar o repórter para a surcusal de Londres, onde recebeu a notícia da morte do grande personagem e afirma não se culpar pelo fato. Caco foi hippie, nunca ficou bêbado, esteve na Nicarágua em plena revolução, trabalhou na Veja e IstoÉ, casou, teve um filho, se separou, casou de novo e teve mais dois. Entre picos de audiência e best sellers, Caco continua a priorizar as pautas sociais, a área de segurança pública e as histórias sobre quem não costuma ocupar espaço na imprensa. O grande salário não mudou seus hábitos de comer muito arroz integral, fugir das bebidas alcoólicas e jogar uma pelada sempre que pode. O repórter parou de ler a revista Veja, não tem vergonha de adorar televisão e assegura que tem independência pra trabalhar, mas não liberdade.

Caco continua a priorizar as pautas sociais

Medo ele não sente. Mesmo com sua obsessão pela polícia, desde os tempos em que corria dos PMs no bairro periférico onde nasceu, em Porto Alegre, diz que nunca sofreu ameaças. Largar a praça tão cedo nem pensar. Seu próximo livro discutirá a cultura da violência, mas ele garante: “Não vou atrás do risco, vou atrás de uma história”.

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8ª Semana do Jornalismo


panorama

Situação da mídia dos hermanos por Wesley Klimpel

Paraguai

Alexander Steffler

Infografia: Júlio Ettore Suriano

Capital: Assunción População: 6,1 milhões de habitantes Presidente: Fernando Lugo

Stencil em Assución critica o Partido Colorado, derrotado em 2008 após 60 anos de domínio político

O Paraguai passou por alguns escândalos recentemente no que se refere à comunicação. Em julho de 2008, no final do mandato de Nicanor Duarte (2003-2008), do partido Colorado, foram comprovados os investimentos de 13 milhões de dólares, vindos do governo, em meios de comunicação. O montante seria uma forma de ajudar em sua campanha eleitoral. Toda a verba estatal veio de Itaipu, a usina hidrelétrica binacional (Brasil e Paraguai), e foi destinada, principalmente, a estações de rádio, canais de TV e jornais, além de uma empresa publicitária do próprio presidente. Os colorados acabaram não resistindo e perderam sua primeira eleição presidencial em mais de 60 anos. A imprensa é constitucionalmente livre desde a queda do ditador Alfredo Stroessner em 1989, embora existam periodicamente casos de atentados a jornalistas, principalmente aos que denunciam as ações do crime organizado. Em junho deste ano, um radialista de Pedro Juan Caballero, cidade na fronteira com o Brasil, foi assassinado com 8ª Semana do Jornalismo

nove tiros em sua residência. Ele falava em seu programa de rádio sobre os crescentes problemas de segurança da região. A mídia é, em geral, controlada pelos partidos políticos mais influentes no país: o Colorado e o Liberal. Fernando Lugo, presidente eleito em 2008, não é vinculado a nenhum destes, embora receba apoio dos liberais. Talvez por conta disso enfrente periodicamente duras críticas dos principais veículos de imprensa do Paraguai. Ainda assim, Lugo pretende ter uma relação bastante branda com a imprensa, e revelou não ter qualquer intenção de alterar a legislação vigente no país, seja para instituir qualquer espécie de “lei da mordaça” ou para discutir códigos de ética com jornais e TVs. Sua medida mais contundente até agora quanto às comunicações foi a criação do Información Pública Paraguay, ou IPP, uma agência estatal de notícias. O objetivo seria divulgar para todas as regiões do país informações atualizadas do executivo.

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Eduardo Amorim

Uruguai Capital: Montevideo População: 3,4 milhões de habitantes Presidente: Tabaré Vázquez

Difamação e injúria é conversa para boi dormir. A não ser que o “gaucho” em questão aja de má fé

O Uruguai passou por uma reforma, recentemente, que mudou alguns rumos do jornalismo local. A Lei de Imprensa de 1989 e o Código Penal tiveram vários artigos alterados, o que teve como consequência a descriminalização da difamação e da injúria, como também do desacato por ofensa. Tais mudanças, é claro, se referem a quando as informações são de interesse público ou que envolvam funcionários do governo ou personagens relevantes socialmente, como empresários e esportistas. Todavia, quando comprovados má-fé, ou intenções de causar danos à vida privada, as punições podem variar de três a 18 meses de prisão. A reforma da Lei de Imprensa foi motivada, em grande parte, pela pressão feita pela Associação de Imprensa do Uruguai, que criticava a postura do judiciário em relação aos jornalistas, como, por exemplo, Alvaro Alfonso, que foi condenado por ter exposto, em seu livro Segredos do Partido Comunista Uruguaio, informações que acusavam o vereador Car-

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los Tutzó, de Montevideo, de ter colaborado com o Exército durante a ditadura militar no país. A decisão foi duramente rechaçada pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que considerou o caso “contrário à jurisprudência interamericana no que diz respeito às liberdades de expressão e imprensa”. A própria SIP aumentou a pressão sob o governo uruguaio para que a despenalização deste tipo de delito fosse efetivada, como, por fim, o foi em junho deste ano. Outras mudanças que estão por vir no nosso vizinho dizem respeito ao conteúdo de televisão, rádio e cinema. Um Projeto de Lei criará o ombudsman, que responderá, por exemplo, a denúncias de pais que questionam o conteúdo nos meios de comunicação ao alcance de seus filhos e dará atenção à opinião de artistas e escritores que estiverem sofrendo ameaças às suas liberdades. O parlamento quer também que um mínimo de produção nacional seja exigido dos veículos. É esperar para ver. 8ª Semana do Jornalismo


Luis Carlos Diaz

21/03/2009

Da Vinci também era frila E, como todo frila, às vezes pegava mais trabalho do que deveria. Perfeccionista que só, ele frequentemente atrasava as entregas. No caso da Última Ceia, enrolou o mecenas Ludovico Sforza com uma desculpa bem esfarrapada: “Vossa Excelência está ciente de que apenas a cabeça de Judas ainda não foi feita, e ele era, como todos sabem, um notório vilão. Portanto, a ele deve ser dada uma fisionomia correspondente a sua vileza. Para tal, durante um ano ou mais, noite e dia, eu tenho ido ao Borghetto — onde Vossa Excelência sabe que todos os rufiães da cidade vivem —, mas ainda não consegui descobrir um rosto de vilão correspondente ao que tenho em mente. Uma vez encontrado o rosto, terminarei a pintura em um dia. Contudo, se minha busca permanecer infrutífera, vou pegar as feições do superior que Venezuela veio se queixar a Vossa Excelência e ele servirá perfeitamente ao que Capital: Caracas procuro.” (Do meu livro de cabeceira no momento, Leonardo, o primeiro População: 26 milhões deEditora habitantes cientista, escrito pelo jornalista inglês Michael White, Record.)

Presidente: Hugo Chávez

O canal Globovisión foi acusado por Chávez de transmitir mensagens que alteraram a ordem pública

Aque Venezuela é oo aeroporto, caso, ultimamente, mais identificar levantar dados emblemático na América que justificassem a escolha,Latina para sóquando então o assunto relaçãoPesquisa governo/meio de comunifazer a ématéria. daqui, pesquisa cação. O atual presidente, Hugo Chávez, ficou dali, cheguei ao aeroporto de Copenhague. mundialmente conhecido ao aprovar a Lei Foi uma matéria feita a distância, mas logode Responsabilidade no Rádio e Televiem seguida veio aSocial recompensa: repetimos a são, em agosto de 2004. sobre um “município fórmula na reportagem

exemplo” na área de saneamento dentro Teoricamente, tal lei tem o objetivo de do esBrasil, coma evolução significativasocial no setor ao tabelecer responsabilidade que longo das décadas. Encontrado abrange a duas todosúltimas os prestadores de serviço o era sónamarcar viagem. Foi assim demunicípio, comunicação rádio aou televisão, “foque conheci simpática Goianésia (GO)entre e, de mentando o aequilíbrio democrático quebra, Goiânia, ondeefiquei hospedado. seus deveres, direitos interesses, a fim de procurar a justiça social e de contribuir para a formação da cidadania, democracia, paz, 21/10/2008 direitos humanos, educação, cultura, saúde pública, e o desenvolvimento social e econôEspecialista em coisa alguma mico da Nação”. Escrevi uma matéria sobre os danos que Aoideia para a criação dacérebro lei surgiu diabete pode causar ao paracom o constante conflito entreSaúde! Chávez e abancas. imprensa um especial da revista nas privada, que constantemente criticava Quem acompanha este blog já percebeu atos o irresponsáveis que, em quanto tenho do sidoexecutivo. “eclético”Tanto comoéfrila. 11Escolhi de abril de 2002, houvejustamente uma grande manifazer jornalismo pela festação para a renúncia do presidente, lideperspectiva de aprender coisas novas todos rada pelaemídia. os dias, os últimos anos me ofereceram oportunidade. Eu certamente nãodaseria Oessa presidente conta ainda com o apoio jusfeliz como setorista, falando sempre com 8ª Semana do Jornalismo

tiça, já que ofontes Supremo Tribunal de Justiça as mesmas e escrevendo sobre um da Venezuela determinou a retiradaemdocoisa ar de mesmo assunto. Sou especialista qualquer transmitida porNão rádio alguma, emensagem não me envergonho disso. há e tema TV que possa, segundo o Poder Executivo, que eu considere chato, sinceramente. atentar segurança da nação e dos vaPara a contra matériaa sobre o diabete, por exemplo, lores tive da queRepública. começar do zero. Li muito sobre o

deGlobovisión entrevistar éneurologistas e Oassunto caso doantes canal um dos mais endocrinologistas. Aprendi bocado sobre controversos. O ministro deum Obras Públicas do cérebro, conhecimento dao funcionamento Venezuela, Diosdado Cabello, disse reque carrego comigo após ter digitado o ponto centemente que o governo vai buscar “refinal do texto. Que profissão maravilhosa, cuperar” metade da concessão cedida ao esta: ser pagouma paradas aprender. canal, já que duas pessoas a quem a permissão foi dada já faleceu. O ministro também disse estar disposto a retirar com03/09/2008 pletamente a concessão do canal opositor caso sejaanos comprovado Cinco de frila que o mesmo cometeu delitos inconstitucionais. A Globovisión Foi em setembro de 2003 que tomei a decisão enfrenta vários processos administrativos, e de viver como frila, sem a menor certeza de seu presidente, Guillermo Zuloaga, é acusaque daria certo. Com o tempo, no entanto, do de fraude, e a procuradoria venezuelana estabeleci relações sólidas com pessoas e inclusive o proibiu de deixar o país, inforveículos que se tornaram clientes habituais. mou a agência France Press. Hoje me sinto muito mais seguro e satisfeito do que se tivesse um único Issocanais sem Atualmente, o governo contapatrão. com seis falar emsendo uma série outras vantagens que estatais, que de cinco deles foram obtieu em resumiria em uma única palavra: dos iguais cinco anos. Desses, doisliberdasão de de. E liberdade não tem preço. transmissão nacional e um internacional.

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Richie Diesterheft

Costa Rica Capital: San José População: 4,3 milhões de habitantes Presidente: Óscar Rafael de Jesús Sánchez O país tem passado por uma certa crise na área jornalística nos últimos tempos. Um relatório da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) aponta a preocupação quanto à violência e demais violações contra profissionais da mídia em alguns países da América Latina, dentre os quais Guatemala, Equador e Honduras. Tanto é que o Colegio de Periodistas (associação de jornalistas) da Costa Rica repudiou publicamente a postura do Governo, após este ter confiscado fotos e vídeos de um jornalista que se envolvera em um acidente de helicóptero.

O terremoto causou também embaraço na mídia quando um jornal local publicou fotos de operários recuperando os corpos de uma mãe com seus filhos. A população pediu, então, para que o escritório nacional de censura (sim, existem alguns desses pelo mundo) interviesse na situação.

Robert Croma

Em janeiro de 2009, um forte terremoto abalou o país. E, com os tremores, surgiram

“jornalistas cidadão”, pessoas que foram afetadas ou que estavam próximas ao ocorrido e que relataram, através da internet, o que estava acontecendo. A grande mídia chegou a usar certo material “colaborativo”, mas não foram em todas as vezes que identificaram a origem, a fim de não perder a “credibilidade”.

Nicarágua Capital: Manágua População: 5,6 milhões de habitantes Presidente: Daniel Ortega A Nicarágua tem enfrentado alguns problemas com o atual governo, quanto aos meios de comunicação: a Radio La Ley foi fechada minutos antes de ser inaugurada por um grupo armado de civis que levaram também o equipamento de transmissão avaliado entre seis e 10 mil dólares. Coincidentemente, o proprietário da rádio era um comentarista da oposição. O Instituto Nicaraguense de Telecomunicações e Correios (Telcor) prometeu

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investigar, ainda, outras cinco ou seis rádios irregulares. Diante de tantas dificuldades, o Observatório de Meios de Comunicação (OMC) apontou 2008 como o pior ano para a liberdade de expressão do país. A conclusão seria em decorrência da chegada ao poder do atual presidente, Daniel Ortega, e de sua intimidação e difamação contra a oposição e mídia independente. 8ª Semana do Jornalismo


por Júlio Ettore Suriano

Ao presentear Barack Obama com o livro As veias abertas da América Latina, Hugo Chávez não esperava aumentar as vendas da obra do jornalista Eduardo Galeano, mas certamente tinha consciência da simbologia política do presente entregue em abril, durante uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA). É com a história da exploração econômica da América Latina, foco do livro, que o presidente venezuelano justifica a crescente eleição de governos de esquerda na América do Sul, como na Bolívia e no Equador, além da própria Venezuela. Uma rebelião contra os “ianques”, como Chávez costuma caracterizar os estadunidenses em seus discursos efusivos. Mas essa “rebeldia” latinoamericana recebe diversas interpretações por parte da mídia, seja no Brasil, nas nações envolvidas ou nas grandes agências mundiais. São nuances que dificultam a compreensão do que está acontecendo de verdade na América Latina.

Marshall Astor

reportagem

A incompreensão do olhar vizinho

no Fórum Social Mundial de 2003, em Porto Alegre. Ao cobrir o mesmo acontecimento da reportagem da Veja ― a vitória no plebiscito que garantiu a Chávez concorrer a um número ilimitado de eleições -, a edição 313 do jornal cita as missões (programas sociais do governo venezuelano) como instrumento de aproximação das classes populares e afirma que “de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina da ONU foram responsáveis pela redução da pobreza venezuelana na última década”.

A cobertura polarizada que os diferentes veículos de comunicação oferecem dificulta a compreensão das mudanças políticas e sociais no continente O curso de Jornalismo da

30 anos do curso de Jornalismo: conversa com ex-alunos Em geral, veículos grandes e de propriedade privada, defensores abertos do livre-comércio interpretam os novos líderes como ditadores e taxam os governos de antidemocráticos. No Brasil, o exemplo mais icônico é a revista Veja, que frequentemente critica o líder venezuelano. A reportagem Um caudilho para sempre, publicada na edição de 25 de fevereiro, acusa Chávez de querer se perpetuar no poder, através de “um governo que utiliza descaradamente o dinheiro público para seu próprio proveito político e eleitoral”. Já o especial Populismo na América, disponível no site da revista, diz que Evo Morales, presidente boliviano, “se aproveita da origem indígena para encarnar o papel de líder autêntico do povo andino”, e o equatoriano Rafael Correa não traz ameaça, apenas “engrossa as fileiras chavistas”. Na direção oposta estão agências de notícias ligadas a movimentos sociais e partidos políticos, ou de controle estatal, abertamente de esquerda. Como a agência Brasil de Fato, criada 8ª Semana do Jornalismo

UFSC completou 30 anos em Não faltam amostras polarização 2009, e dessa nada mais justo do da imprensa, por mais contraditório que que resgatar histórias daspossa soar frente à diferentes premissa épocas. do jornalismo Desde imparcial. Quandooapresente província de SantaàsCruz profissional declarou sua autonomia do para governo de Evo expectativas o futuro, Morales, no fima de 2007,dos Veja a classificou reunião ex-alunos como departamento “mais próspero”, apoiapretende discutir e avaliar do na agricultura, que décadas lutava para “frustrar as três e a formação os planos populistas de Evo”.Por Já aonde mesma Braprofissional. anda sil de Fato, em maio degraduado 2008, fezfamoso? questão de aquele enfatizar a história da exploração Ou aquele outro que colonial ― assim como Chávez parafesta? destacar sempre―fazia Alémque o movimento é articulado por ouma de descobrir queoligarquia, estão que “tenta se contrapor aos avanços dos mofazendo alguns dos formados pela UFSC, a Semana Revista mostra também órgãos Por que para parte da laboratoriais criados no curso. os governos de imprensa

orientação esquerdista são antidemocráticos, se chegaram ao poder por vias democráticas? 19 47


Juscelino “Neco” Souza Jr.

vimentos sociais indígenas”. Ambas destacaram manifestações, respectivamente, favoráveis e contrárias à autonomia cruzenha. Recentemente, a Colômbia negocia a cessão de cinco bases militares aos Estados Unidos para o combate ao narcotráfico, o que é interpretado por Chávez como uma ameaça à segurança sul-americana. No dia 02 de agosto, um editorial do jornal O Estado de S. Paulo delineou: “o compañero bolivariano e seu seguidor Rafael Correa fazem o que podem para ajudar o bando armado que se sustenta do narcotráfico (as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)”. Já as agências Prensa Latina, do governo cubano, e a boliviana Bolpress, dois dias

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depois, deram destaque a fontes que confirmam os temores de Hugo. Segundo a última, vários analistas consideram uma concepção geoestratégica dos EUA para manterem seus interesses hegemônicos na América Latina. O desafio está posto: o que é verdade e o que não passa de linha editorial na cobertura dos fatos latinoamericanos? E essa última deve, necessariamente, adotar um enfoque polarizante? A dificuldade aumenta com a falta de análises profundas, que identifiquem as raízes da ascensão destes governos para além de uma “onda esquerdista” e respondam: ora, se todos são eleitos pelo povo, porque são antidemocráticos? 8ª Semana do Jornalismo


porJuliana Frandalozo, ilustrações de Eliazar P. Cardenas

Lin Kristensen

glossário

Mitos do jornalismo ambiental Sempre que um assunto passa a ser muito comentado, gera uma série de inverdades. É como fofoca. Ao final, ninguém sabe ao certo do que está falando, mas alguém sempre tem certeza e aumenta o falatório. Assim também são as questões ambientais, exploradas com frequência pela imprensa. A quantidade de mitos que confundem leitores e jornalistas é grande. É um tal bombardeio de falsas informações que volta e meia aparece alguém atingido. Abaixo os maiores equívocos comuns:

A expressão meio ambiente De forma simples, meio é onde você está e ambiente, também. Isso significa que não é necessário dizer meio ambiente, porque o ambiente já é um meio, o que torna a expressão redundante. Logo, meio ambiente é tudo o que nos cerca, não só florestas e árvores. Evidente? É, mas tem gente que esquece.

Meio ambiente e economia não combinam Parece mesmo engraçado que ainda exista gente que trate questões ambientais época de mídias e econômicas Em de uma forma distinta e sepamuita rada. Mas tem.convergentes, Vamos pensar economiinformação camente: se você investe eapouco curtotempo, prazo, os livros-reportagem se ser tem retorno imediato. Porém, pode meio de que não tenhatornam estabilidade noaprofundar futuro. Ao passo que se você pensa no de futuro, pode temas através uma longa não ter um lucro muito grande, masPelos está e minuciosa apuração. investindo emíndices estabilidade. E agora ecode vendas, é possível logicamente: severvocê recursos queexplora obras deos não-ficção naturais de uma vez e destrói a fonte, agradam o público, mas tem a um bom lucro dificuldade de uma vezde e nunca mais. publicação Florianópolis está cheia de exemplos. ainda é presente. Para aguçar Uma cidade bonita, cheia de paisagens vontade conhecer mais naturais, mas aque tem de autoridades que esse gênero, a Semana Revista pensam a curto prazo, como se viu na trazVerde a resenha livro dedo operação Moeda e nadoredação Kléster Cavalcanti, O Nome novo Código Ambiental.

Narrativas do fato: crescimento do mercado de livrosreportagem Desenvolvimento sustentável

Publicidade e assessoria de imprensa adoram botar a palavra “sustentabilidade” nos informes que enviam à imprensa. Isso porque as empresas querem ter uma ‘imagem verde’. Mesmo que seja só a imagem. Sustentabilidade ambiental se refere ao que gera menos impacto possível, é durável, utiliza menos recursos, tanto ambientais quanto financeiros e promove uma cultura de consciência de consumo. Há estudos que denunciam o mito do desenvolvimento sustentado. Porque em geral o desenvolvimento é econômico, gera impacto e aumenta o consumo. Há estudiosos que defendem que o melhor é o ‘decrescimento sustentável’, uma redução no consumo. Para que essas informações não explodam na sua cabeça, é preciso entendê-las melhor, porque senão pode surgir outro mito.

8ª Semana do Jornalismo

da Morte, um estudo sobre Os Sertões, de Euclides da Cunha O “ecologicamente (considerado o correto” primeiro Não caia nessa.livro-reportagem É um rótulo quebrasileiro), publicitários e marqueteiros gostam de usar para e o relato de escritores de te fazer acreditar primeira que existe uma forma fácil viagem.

de ser ecológico. Assim podem te vender a bolsa, o carro, a roupa e até a mãe ecologicamente correta.

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artigo

Os Sertões: primeiro livro-reportagem? por Bárbara Dal Fabbro

A guerra de Canudos foi o primeiro acontecimento histórico brasileiro a ter cobertura diária na imprensa. As consequências da guerra foram amplamente divulgadas não só nos jornais da época, mas também em livros e artigos. Dentre eles, destacam-se Os jagunços (1898), de Afonso Arinos; Última expedição a Canudos (1898), de Emídio Dantas Barreto; O rei dos jagunços (1899), de Manuel Benício; A campanha de Canudos (1900), de Aristides Milton; Descrição de uma viagem a Canudos (1900), de Alvim Martins Horcades; A guerra de Canudos (1902/1903), de Henrique Duque-Estrada de Macedo Soares. Os Sertões foi um dos últimos livros sobre a Campanha de Canudos a ser publicado na época. Embora o manuscrito já estivesse pronto em maio de 1900 (BERNUCCI, 2002: 57), só em dezembro de 1902 saiu em livro, e é o relato mais conhecido, hoje, sobre a guerra ocorrida no sertão da Bahia. Apesar de ser classificado como pré-moderno, sua linguagem não pode ser considerada estritamente literária, já que tem origem em matérias publicadas no jornal O Estado de São

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Paulo nos anos de 1897 e 1898, embasadas nas anotações que compõem a Caderneta de Campo (1975). Nestes registros, Euclides da Cunha escrevia suas impressões sobre o sertão baiano, o sertanejo e o conflito entre jagunços e o exército brasileiro. A Guerra de Canudos ocorreu no sertão da Bahia entre os anos de 1893 e 1897. Sob a liderança de Antônio Mendes Maciel, o Conselheiro, milhares de jagunços fundaram a vila de Canudos com 15 mil casebres de pau-a-pique e o intuito de estabelecer ali uma comunidade em que a partilha dos bens e da fé tornaria a vida no árido e abandonado sertão mais fácil e digna. Contudo, o arraial era considerado pelo governo brasileiro um foco monarquista que ameaçaria a República. Para cobrir o conflito, o jornal O Estado de São Paulo enviou como repórter de guerra o também engenheiro Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha. O autor diz ser um “escritor por acidente” (MARTINS, 2005), um autodidata. Assim, é possível inferir que Euclides da Cunha não pretendia escrever livros e sim tecer relatos sobre o que viu, ouviu e presenciou durante suas via-

8ª Semana do Jornalismo


Bárbara Dal Fabbro Thalles Fiala

Imagens da Casa de Cultura Euclides da Cunha, no estado de São Paulo

gens como repórter pelo Estadão. “Canudos é um fato que o livro de Euclides da Cunha transformou em fato histórico” (ANDRADE, 2002). Deste modo, como o próprio jornalista afirma não ser um literato, seu texto possui em sua linguagem recursos característicos do jornalismo, já que o livro deriva de sua caderneta de campo e, consequentemente, de matérias publicadas no jornal. Como por exemplo: “Ali, em continuação à praça, acamparam sucessivamente todas as forças que aqui tem chegado e seguido para o sertão; um acervo informe de farrapos, trapos multicores do fardamento, botinas velhas, cantis inutilizados esparsos, códigoarrebentados, ambiental bonés do estado] foram— conduzidisseminados numa área extensa, indica a estadia das às pressas, sem envolvimento correto de das tropassetores que desde segunda expedição têm diversos deainteresse. E só nãoali foram acampado” (CUNHA, Euclides O Estado de votados ainda mais rápido porda.causa dos deSão Paulo. sastres de09/08/1897). novembro no Vale do Itajaí”, lembra a jornalista. Ao ser reescrita para o livro, a reportagem acima Umtorna-se: estudo divulgado em maio pela Fundação SOStinham Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional “Ali parado todas as forças anteriormente de Pesquisas (INPE)prolongamento coloca Santa Caenvolvidas na Espaciais luta, no mesmo do tarinaaberto comopara o segundo estado deslargo a caatinga cujosque tonsmais pardos e matou nos últimos três anos: cercasugeriam de 26 mil brancacentos, de folhas requeimadas, a hectares, perdendo apenas para Minas Gerais. denominação da vila. Acervos repugnantes de farRestam 23,29% de floresta no estado, grande rapos e molambos; trapos multicores e imundos, de parte dela na Serrabotinas do Tabuleiro. “Com o novo fardamentos velhos; e coturnos acalcanhaCódigo Ambiental e o PL dos mosaicos, dos; quepes e bonés; cantis estrondados; todos oseste renúmerodeserá reduzido ainda mais”, afirma botalhos caserna, esparsos em área extensa, em Scheidt. que branqueavam restos de fogueiras, delatavam a passagem dosalto lutadores, que lá armaram as tendas, Segurando o cinturão de campeão está aapartir da expedição Febrônio” (CUNHA, Euclides bancada agrária da Assembléia e os lobisda. Sertões. Ateliêque Editorial, 2002,partido pág. 675).das tasOsimobiliários, tomaram 8ª Semana do Jornalismo

Com este exemplo podemos verificar que há, sim, alguma adaptação da reportagem para o formato literário, porém não se trata de um romance-reportagem já que nele não há o uso da ficção como elemento de composição e de enredo. Contudo os recursos jornalísticos se mantêm os mesmos, nesse caso, o elemento que mais chama atenção é a descrição objetiva e detalhada; o que fica bem claro na própria divisão do livro em subtítulos, como nas matérias de jornal. “É inquestionável, contudo, que Os Sertões faz uso tanto da narrativa literária quanto da objetividade jornalística” (ARCOVERDE, 2003). Em comemoração ao centenário da morte de “O revoltante é como as Euclides da Cunha (1866–1909), voltaram-se as atenções, tanto de pesquisadores e literatos, votações dos projetos de lei quanto da imprensa, ao engenheiro-escritor. foram conduzidas às semanal pressas, Um dos exemplos é a publicação ― aos domingos, no período de março a agosto sem envolvimento correto de ― de um especial, no caderno Cultura, sobre o autor e suas obras diz n’O Estado São Paulo, todos”, Paulade Scheidt onde trabalhou quando o jornal se chamava A Província de São Paulo.com Alémasdisso, Academia pendengas jurídicas quaisamuitos dos Brasileira de Letras, da na qual Euclides fez parte, proprietários de lotes região enfrentavam. herdando a cadeira de Castro (seu De 79 em diante, quando se deuAlves o corte da dispricurso de posse deu origem ao livro Castro Alves meira fatia do bolo, o número de propriedades ena seuregião tempo), promovededeseis 11 mil de agosto 27 deO duplicou, para 12a mil. outubro umPúblico, Ciclo dealegando Conferências que busca Ministério a inconstituciohomenagear escritor. Nomes como Walnice nalidade da oocupação, sucessivamente proGalvão, Afonso Arinos e Moacyrque Scliar commovia ações contra a população adquiriu põem o quadro de conferencistas. sua casa de veraneio ali. O fato, afirma Medeiros, é que a baixada perMuito já setoda escreveu sobredoOsMassiambu Sertões e Euclitence União. “Essa área foi ‘cedida uso des daàCunha, todavia ainda não se para aplicou comunitário’ estado de Santa uma mudançaaode conceito que Catarina, incluísseque os

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Referências bibliográficas ABREU, Allan de. New Journalism: A experiência literária no Jornalismo. Revista Etecetera, número 19, 2006. (Disponível em http:// www.revistaetcetera.com.br/19/new_journalism/2.htm). ANDRADE, Olímpio de Souza. História e Interpretação de Os Sertões. Org. e Int. Walnice Nogueira Galvão: 4ª. edição. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2002. ARCOVERDE, Wilson. Oito livros para entender o novo jornalismo. (Disponível em http:// www.rabisco.com.br/21/jornalismo.htm). conceitos jornalísticos inerentes à linguagem empregada no livro, porém nenhuma reclassificação foi feita. Se isso acontecer, o “livro vingador” pode entrar no ranking de livrosreportagem brasileiros. No livro Páginas Ampliadas, Edvaldo Pereira Lima confirma que Os Sertões pode ser enquadrado como um livro-reportagem e ainda faz uma maior especificação, classificandoo como um livro-reportagem-epopéia, pois abarca com grande magnitude, episódios históricos de grande relevância social, ou seja, uma subclassificação de livro-reportagemhistória. Este focaliza um tema do passado recente ou algo mais distante no tempo. O tema, porém, tem geralmente algum elemento que o conecta com o presente, dessa forma possibilitando um elo comum com o leitor atual. Não se trata de uma tarefa fácil, pois a obramor do euclidianismo, para Andrade (2002), é um livro inclassificável, indefinido entre os gêneros, que justifica o espanto da maioria dos críticos. Contudo, ao ser reclassificado, o livro poderá servir como prova de que Euclides da Cunha é um dos pioneiros, no Brasil, nesse novo estilo de escrita que mistura recursos jornalísticos com elementos literários. *Texto baseado no trabalho de conclusão de curso da autora que será defendido em dezembro de 2009.

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BORGES, Luís. O romance-reportagem e a denúncia social no Brasil. 2001. (Disponível em: http://www.diariopopular.com. br/21_08_01/artigo.html). BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1980. CUNHA, Euclides da. Coleção de periódicos do jornal O Estado de São Paulo entre julho de 1897 e janeiro de 1898. (Campanha de Canudos). CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Organização de Leopoldo Bernucci. São Paulo: Ateliê, 2002. DEL GUERRA, Rodolpho. Conhecendo Euclides da Cunha. Volume II, 1998. HERMMAN, Jacqueline. Canudos Destruído em Nome da República. 1996. (Disponível em http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg3-4.pdf). JORGE, Sebastião. O Repórter Euclides da Cunha. Observatório da Imprensa, 21/8/2002. MARTINS,Wilson. Discursos acadêmicos (II). JB online, 29/10/2005. (Disponível em http:// www.jornaldepoesia.jor.br/wilsonmartins111.html).

8ª Semana do Jornalismo


por Giovana Suzin e Laura Daudén

Quando escolhemos estudar Jornalismo, sabíamos que nosso principal objetivo era falar sobre temas relacionados aos problemas sociais, aos conflitos, à cultura e à história dos povos. Eram os temas que nos interessavam, nos quais encontrávamos sentido para o exercício da profissão. Ryszard Kapuscinski, que dedicou todo o seu trabalho como historiador e repórter à denúncia da situação dos países do terceiro mundo, diz que “existências vividas em dois mundos tão diametralmente opostos estabelecem a obrigação moral de falar delas”. Esse foi o fator determinante para que escolhêssemos falar sobre o Saara Ocidental. Dávamos-nos conta, a cada entrevista, a cada visita, o quanto a responsabilidade e o conhecimento são essenciais para o trabalho do repórter. Era comum que as pessoas com as quais conversássemos terminassem dizendo o quanto agradeciam por estarmos ali, ouvindo sua história.

Felipe Parucci

Jan Arundell E Ray Southwell

crônica

Entre pontes e muros

Reciclagem de ideias: a busca pelo discurso sustentável

Estávamos a mais ou menos trezentos metros do muro de areia que divide o Saara Ocidental. A viagem de mais de um mês chegava ao fim e só agora tínhamos conseguido ver a parede que caracteriza, com seus 2200 quilômetros, as fronteiras culturais, históricas, políticas e econômicas que impedem a resolução da disputa entre Marrocos e Frente Polisario. Os soldados das Forças Armadas Reais marroquinas observavam, de longe, o movimento não esperado na faixa de terra que demarca o cessarfogo acordado em 1991. Veio à cabeça a frase do fotojornalista de guerra James Natchwey: “De certo modo, se um indivíduo assume o risco de colocar-se no meio de uma guerra com o propósito de comunicar ao resto do mundo o que está acontecendo, ele está tentando negociar pela paz”.

Não esquecer o objetivo de uma reportagem é fundamental para não se perder no caminho. Principalmente quando o jornalista se vê no meio de um cabo-de-guerra, e todo e qualquer discurso ou entrevista pode vir carregado de interesses. Tínhamos que fazer essa negociação, contar ao público brasileiro, 8ª Semana do Jornalismo

O jornalismo ambiental ganhou destaque relevante na imprensa nos últimos anos, mas o que ainda se vê na cobertura da grande mídia é a reprodução de discursos e declarações. Pensar em outras opções é imprescindível para garantir a objetividade na divulgação de assuntos pela primeira vez, história de um conflicom atantas opiniões diverto e de um povo que foram pela gentes. Qual oesquecidos papel de ONGs, grande mídia. especialistas Queríamos estabelecer uma e portais indeponte, uma comunicação horizontal, pendentes nesse cenário? que aproximasse e Como despertasse o interesse, que é a discussão de pautas se sobrepusesseambientais à indiferença e a compaixão dentro dos grancom as quais se des costuma olhar para os países veículos? A 8ª Semana do africanos. E lá estávamos, frente ao muro Jornalismoem propõe o debate. que, meses antes, era nada mais que um traço no mapa oficial. Lembramos das pessoas que conhecemos na capital Aaiun, do outro lado, que desde 1975 está sob controle de Mohamed IV, rei do Marrocos. Na primeira parte da viagem, tanto saarauís quanto marroquinos falaram sobre os

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Para os nômades que insistem em viver naquela parte do deserto, a guerra não terminou: milhares de bombas continuam plantadas sob o solo problemas gerados pela falta de uma solução mutuamente aceitável, ainda que essa expressão represente, no consciente da população saarauí, um atestado de que o conflito não se resolverá tão cedo. Nessa parte do Saara Ocidental, ativistas que lutam pela defesa dos direitos humanos têm enormes dificuldades para trabalhar: as perseguições são constantes, assim como as prisões arbitrárias e as torturas. Para os saarauís que ficaram nos territórios controlados pelo governo marroquino, a guerra está no filho que nunca voltou para a casa, está na família dividida que não pode cruzar o muro. Ali, na chamada buffer zone, faixa de cinco quilômetros no meio do deserto que separa marroquinos e saarauís, também víamos as cercas de arame farpado que marcam as zonas minadas. Veio à memória a conversa que tivemos em Smara, outra cidade sob controle do Marrocos, com pessoas que sofreram com a explosão de minas terrestres plantadas nos anos de conflito armado. Como ainda não há um acordo de paz, milhares delas continuam sob o solo, lembrando aos nômades que

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insistem em continuar a vida nessa parte do deserto, que a guerra não terminou para eles. No lado do território em que estávamos, sob controle da Frente Polisário, apenas a organização não-governamental britânica Landmine Action trabalha para limpar o solo desses espólios mortais. Partimos das chamadas zonas liberadas levando muito mais do que imaginávamos. Não só algumas entrevistas gravadas ou uma dezena de fotografias panorâmicas, mas todo um mundo na memória e a vontade de contar o que ninguém conta. O jornalismo nos fez atravessar o muro da incomunicação que, em muitos casos, fada o povo saarauí e sua experiência a uma história de datas e fatos ― que, apesar de completa, sempre será limitada. A importância da profissão do repórter reside em construir através da convivência, das trocas, das sensações, uma história de pessoas, que aproxime e seja humana. Essa é sua principal capacidade: a de traçar pontes, ainda que pequenas e frágeis, incapazes de trazer as famílias ou as terras de sonho de volta. 8ª Semana do Jornalismo


resenha

Para Alberto Renault, não há cada caixão Trinta orações para opinião: os jornalistas já chegam por Murilo Bomfim, ilustrações de Lucas Fiacadori

querendo uma resposta,

A morte com nome, endereço e família. Foi a históquerendo eledodê a frase que ria que cruzou oque caminho jornalista Klester Cavalcanti, durante o trabalho fica como boa correspondente na edição da revista Veja na Amazônia. No ano de 1999, ao você vá mentir omitir, mas você vai criar aregião, partir investigar sobreoutrabalho escravo naquela da realidade. Sem deixar ser real. ouviu que a solução paradeatrair os trabalhadores fujões era matar alguém de suas famílias. Isto era sr: Quando você começou a fazer óperas? trabalho para Júlio Santana. ar: Minha primeira ópera eu já estava na TV. Eu era redatormaranhense do Brasil Legal quandoFranco eu dirigi A O pistoleiro de Porto carViolação dede Lucrecia [de Benjamin Britten]. rega o peso ter matado 492 pessoas. ApenasE era incrível fazernão um estão programa onde a brasilidade cinco vítimas catalogadas. As desurgia na televisão de uma maneira muito inédita mais foram registradas a mão, desde março de enquanto eucaderno estava montando uma óperado inglesa. 1974, num com a ilustração Pato Então tinha dias que eu iamarcados viajar para o interior do Donald na capa. Eram a data e o loSergipe estava pensando em Britten, pelos ao mesmo cal dos ehomicídios, a remuneração tratempo. acho que essa mistura do epop o erubalhosEu e os nomes do mandante dacom vítima. dito que me ajudou muito a não ter preconceito e Santana nunca matou por vontade própria. O ver tudo com olhos curiosos. motivo que o levava a cometer os homicídios : Estavaolendo em seu umo texto da Reerasrapenas dinheiro, desite onde protagonisgina falando sobreextraiu como ela surpreta deCasé O Nome da Morte seuficou sustento e, sa ao te ver à vontade naesposa periferia posteriormente, o de sua e deenquanto seu casal gravavam de filhos. os programas. Foi a primeira vez que você teve esse contato no seu trabalho? O trabalho de apuração de Cavalcanti levou ar:anos Quando eu se fui concretizar trabalhar comnaela,obra faziadepouco sete para 256 tempo quelançada eu tinhapela voltado de Paris, ondeDurante eu tinha páginas editora Planeta. estudado na Sorbonne, toda uma aura pariesse período, autor eetinha personagem mantivesiense, apesar de ser completamente ipanemense. Ao ram conversas telefônicas mensais, com cerca longo do Brasil e do Muvuca gente visitade duas horas Legal de duração. Todasa as histórias va muito um “pitoresco”, interior do do contadas noBrasil livromais chegaram aosno ouvidos nordeste, sertão. Mas a periferia mesmo, a favela, jornalistanoatravés de um telefone público. Soeu só fuiem frequentar mais assiduamente com ela dumente 2006, após adquirir confiança no rante o Minha Periferia para o prograjornalista, Júlio aceitou[quadro encontrá-lo. ma Fantástico, da Rede Globo]. E eu acho que eu Ao unir escrita leve e fluente com conteúdo de fico à vontade nesse ambiente ou em qualquer outro difícil digestão, Klester Cavalcanti reporta um porque sou curioso, e essa é minha maior afinidade dos momentos mais importantes da vida de com a Regina. A gente gosta de saber tudo, de ver Santana: a captura de José Genoino na Guerritudo. Seja um chá no consulado da Hungria, ou uma lha do Araguaia. O ex-presidente do Partido dos festa de aniversário no alto da Rocinha. A gente tem Trabalhadores e atual deputado federal eleito curiosidade pelas pessoas e pelos fatos. pelo estado de São Paulo filiou-se ao Partido sr: Ela também escreveu uma Comunista do Brasil em 1968. Emcoisa 18 deinteresabril de sante: que a televisão mais de preconceito 1972, foi encontrado nosofre município Xambioá, do a favela.pelo delegado Carlos Marra e emque Tocantins, 8ª Semana do Jornalismo

ar: Acho que a dita “Cultura”, que se diz com C maiúsculo, tem um preconceito com a televisão. Eu acho que é difícil as pessoas compreenderem que Júlio você Devido pode dirigira ouma Brasil confusão, Legal e La Traviata, dirigir um desfile de moda e também escrever um acabou por matar o João romance. Que você pode se interessar pela favela assim como você se interessa pelapelo moda. menos É difícil as Baiano errado. Por pessoas entenderem que você não é um especialista anos numa25 coisa só. sonhou com a feição

ensanguentada do inocente sr: Quando você está produzindo pra linguagens diferentes, você leva elementos de uma pra outra? ar: Com certeza. Talvez até vocabulário. Eu não deixo de ser uma coisa pra quando eu vou fazer outra. Quando eu escrevo, acho que a linguagem do vídeo está na minha escrita. Quando eu penso num cenário eu penso na capacidade fílmica que aquilo ali pode ter. Acho que as linguagens se interpenetram. E a literatura é muito como uma base pra tudo isso. A literatura me deu a palavra e me deu a capacidade de realmente pensar. Ajuda muito. E acho que a televisão também: a rapidez do documentário, o treino para o imediato, pra captar o que está acontecendo ali. E que o que está acontecendo ali nem sempre é um fato, às vezes é um clima, uma atmosfera. E que depois na edição você vai transformar naquele clima novamente. Isso é um exercício de enorme rapidez, de enorme ligação. Acho que essa rapidez, essa ligação, vai para mim quando eu estou ensaiando um cantor de ópera, um desfile de moda. A televisão me deu rapidez. sr: Você acha que todo mundo devia ser um pouco mais artista? ar: Não sei se é ser artista, mas olhar para as coisas com mais liberdade. Quanto menos burocratizar, quanto mais deixar-se surpreender, melhor. Por exemplo, se você vai entrevistar o Almodóvar, qual o Almodóvar que você vai descobrir? E qual você vai reapresentar ao mundo através da sua escrita? Porque o mundo já o conhece. Como você vai reapresentar ao mundo de uma maneira original aquela pessoa que também já deve estar farta de ser ela mesma, que já deve estar cheia de frases prontas? Acho que o ideal é fazer a pergunta certa para você ― não o que você acha que o leitor quer saber ou o que o editor quer, mas inventar uma pergunta. Ser artístico na criação da sua pergunta.

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Ele nunca matou por vontade própria. O motivo que o levava a matar era apenas o dinheiro, que serviu de sustento a ele, à esposa e ao casal de filhos seus cinco soldados — entre eles, Júlio. Apesar de não ter praticado todas as torturas sofridas por Genoino, o então futuro pistoleiro presenciou a maior parte do sofrimento. Durante as narrações, o autor se preocupa em fazer com que o leitor penetre no pensamento de Júlio Santana. A empatia provocada pela análise que Cavalcanti faz da índole e do caráter do matador por vezes nos faz esquecer das centenas de mortes e nos aproxima de Júlio pelo entendimento do ser humano que é. Uma certa culpa atingia o matador, e, por isso, tinha o hábito de rezar dez ave-maria e vinte pai-nosso após cada assassinato. O maior arrependimento de Santana, além de ter executado crianças e mulheres, foi uma morte por engano. Em março de 1981, Júlio e seu tio e padrinho de profissão Cícero Santana viajaram até a região de Serra Pelada, no Pará. Na época, 80 mil homens compunham o chamado formigueiro humano em busca de ouro no maior garimpo manual do mundo. A situação era propícia aos matadores, que recebiam diversos pedidos para realizar vinganças que envolviam as pedras preciosas. O primeiro trabalho de Júlio foi encomendado por José Mariano. A vítima era João Baiano, funcionário que teria embolsado 30 gramas de ouro em vez de repassá-los integralmente para o chefe. Devido a uma confusão na descrição da vítima, Júlio acabou por matar o João Baiano errado. Pelo menos até 2006 ele sonhou com a feição ensanguentada do inocente. No dia seguinte conseguiria realizar o trabalho para Mariano. Ainda voltaria para Serra Pelada a fim de atender a mais dois pedidos. Klester Cavalcanti situa muito bem o leitor ao contar a história de Júlio Santana de forma linear, com eventuais flashbacks oniscientes.

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As datas são informadas com frequência, o que faz o leitor acompanhar a narrativa com facilidade, não só nos fatos históricos vivenciados pelo protagonista, mas também nas passagens de sua vida pessoal. Quem inicia a leitura ganhando intimidade com aquele menino que se divertia na imensidão da Amazônia, vê suas transformações à medida em que ele cresce, e desconfia do seu futuro como matador. A imagem que cada um constrói do personagem se preserva pela ausência de fotos, que o protagonista preferiu evitar divulgar por medo. O Nome da Morte ‒ A história real de Júlio Santana, o homem que já matou 492 pessoas é uma reportagem digna de ser contada por gerações. 8ª Semana do Jornalismo


ar: Não... Bem, os nichos em que eu trabalho já possuem seus vocabulários próprios, que entre si são um pouco diferentes. Mas, por exemplo, as críticas. Elas são muito esquemáticas. Elas tentam fixar um pouco aquela obra no tempo e no espaço, analisam se aquilo está bom ou ruim e pronto. Não é instigante... As críticas de teatro são uma bula de remédio. Molière fez a peça assim, o diretor fez isso, a luz está assim, vale ou não vale a pena. É um guia de serviço, o que a crítica virou. São até bons os textos sobre o meu trabalho, mas no geral

não me acrescentaram muito. E vejo uma diferença porque são veículos diferentes, mas o que eu vejo é uma pré-disposição ao mesmo, à rotina. Eu sinto que, principalmente nas artes cênicas, o crítico ele já vai com o pressuposto do que ele quer ver. Se ele não vir aquilo que ele queria ver, aquilo não está bom. E é uma análise maniqueísta, de estar bom ou ruim. Você tem pensadores nos jornais, sim, mas o tempo inteiro é um julgamento de valores. A gente volta ao século retrasado: é um juízo do gosto, que eu vejo na crítica. E nas matérias, então, é informativo. Apenas uma informação, quase um serviço. O caderno de cultura virou um serviço inchado. Se precisar adicionar informações, recorre-se ao Google, não se aprofunda muito. Id-Iom Arts Collective

sr: Os veículos de jornalismo cultural falam das manifestações que você produz: TV, teatro, óperas, moda. Você sente diferença na forma como eles abordam cada uma delas?

Na era da interatividade: exploração de recursos multimídia no jornalismo online 8ª Semana do Jornalismo

Mesmo com as inúmeras possibilidades que a tecnologia proporciona, o jornalismo online continua recorrendo aos textos para passar informações. Por que os recursos multimídias ainda não são utilizados em larga escala? Como respostas ao enigma pode-se ter a falta de conhecimento dos repórteres e da população, o medo do novo e a insegurança quanto à durabilidade do conteúdo. Este ano, a 8ª Semana do Jornalismo tem o objetivo de mostrar estes novos caminhos em diferentes plataformas e discutir a atual falta de inovações no jornalismo online.

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por Jessé Torres

Em Hamlet no Holodeck, Janet Murray traça um panorama da arte narrativa em formatos digitais diversos, do vídeo ao texto, passando pelos games. Formada na área de literatura, mas com experiência como programadora da IBM, Murray é uma autora fundamental para entendermos os processos narrativos nos novos meios. O título alude a duas obras ficcionais: Hamlet, de Shakespeare, e Star Trek, seriado televisivo norte-americano. Em Star Trek, os tripulantes da nave espacial Voyager podem se divertir com as holonovelas, narrativas em ambientes virtuais interativos. A grande questão que permeia todo o livro é: veremos nestes meios obras densas e de fundamental importância como Hamlet? Atuaremos em narrativas participativas que irão além do mero entretenimento? Ou: tais narrativas um dia serão elevadas ao status de arte “séria”? A autora menciona Aldous Huxley, que no clássico Admirável Mundo Novo, prevê um futuro em que as narrativas dos “cinemas sensíveis” serviriam apenas para um entretenimento vazio, sensório, sem densidade. Janet, entretanto, é otimista, e acredita que a maturidade do meio trará qualidade narrativa. “(...) Em algum momento, perceberemos que estamos olhando ‘através’ do meio, em vez de ‘para’ ele.” É feita uma compilação dos “precursores do holodeck”, escritores, cineastas e dramaturgos que em suas obras ousaram usar estruturas não-lineares, hipertextuais e participativas, superando as possibilidades narrativas do meio. Murray afirma que no início da história do cinema, o mesmo era chamado de “fototeatro”: uma vez que a câmera permanecia estática, era só um registro das atuações teatrais. Esse caráter aditivo da transição entre os meios, referindo-se sempre ao meio anterior, seria característico de um estágio primário de desenvolvimento de uma linguagem própria. Entre os tópicos abordados está a questão da imersão, que é a propriedade de um leitor ser

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Gerald R. Lucas

resenha

O labirinto das histórias multiformes

Janet Murray, formada na área de literatura

completamente absorvido pela história que está lendo. Vem à tona o debate sobre o conflito entre participação na obra e a quebra da imersão: tradicionalmente, para entrar em uma obra, seria necessário considerá-la algo externo ao leitor. A arte depois quebra esta concepção, no teatro, por exemplo, com a quebra da “quarta parede”, com o personagem falando com o público, “cobrando” sua interação. Para a autora, a participação na obra deve ser estruturada como uma visita a um parque de diversões, onde sentamos em um carrinho de trem-fantasma e passeamos por um ambiente ficcional, limitados ao carrinho. A participação estaria estruturada a partir do uso de máscaras, avatares representativos do usuário nos ambientes virtuais. Os avatares são também personagens atuantes nas histórias.

Característica das histórias em formato de teia é a inclusão de múltiplos pontos de vista para os mesmos acontecimentos, ou várias “entradas” para um “nó” 8ª Semana do Jornalismo


National Photo Company Collection (Library of Congress)

“(...) Em algum momento, perceberemos que estamos olhando ‘através’do meio, em vez de ‘para’ele”, afirma a autora de Hamlet no Holodeck

Cultura e inovação: novas direções do olhar da imprensa

Surge o conceito de agência, a capacidade de realizar uma ação dentro da história com significado e resultados tangíveis. A história que permite a navegação é prazerosa pela navegação em si: constatou-se que muitos dos jogadores de Doom, por exemplo, gostavam de correr pelos labirínticos corredores do game sem propósito. O labirinto é a história sem fim, sem solução, como no clássico romance hipertextual de 1992 Afternoon, a Story, de Michael Joyce, construído para plataforma Storyspace. O formato rizomático (rizoma, para a botânica, são estruturas de algumas plantas cujos brotos podem virar raiz em qualquer ponto, e servem de analogia ao formato das histórias multifor8ª Semana do Jornalismo

A mistura entre Jornalismo e Cultura muitas vezes é vista somente como a possibilidade de crítica, ou simples serviço. A 8ª edição da Semana do Jornalismo vai debater como tratar de um tema tão amplo com a cultura em diferentes mídias. Para esquentar a discussão, a Semana Revista mes, sem começo, meio ou fim) remete à próentrevistou Alberto Renault, pria maneira como o cérebro organiza-se. Caque está acostumado tanto racterística das histórias em formato de teia é a produzir quanto a cobrir a inclusão de múltiplos pontos de vista para os manifestações culturais, e mesmos acontecimentos, ou várias “entradas” explica como não deixar a para um mesmo “nó”, especialmente interesmatéria e a crítica caírem sante para fins jornalísticos (não só online), já na rotina. E para ter que a realidade não tem “início, meio e fim”, exemplos concretos, vale mas é passível de abordagens. dar uma espiada nas dicas A televisão deverá acompanhar o movimento de materiais de cultura que dos ciberdramasprocuram dos computadores apresentare otornartema se cada vez mais de interativa. O computador, uma forma alternativa. por sua vez, é camaleônico, extremamente fluído, e previsões exatas sobre o futuro das narrativas mediadas por ele são impossíveis.

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8ª SEMANA DO JORNALISMO UFSC 21/09/09–25/09/09 PROGRAMAÇÃO

21/09 22/09 Local: Auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE)

9h–12h: MINICURSOS 14h30: EXIBIÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS E FILMES 17h30: MESA DE DISCUSSÃO NARRATIVAS DO FATO: CRESCIMENTO DO MERCADO DE LIVROS-REPORTAGEM 19h30: PALESTRA DE ABERTURA COM MARCELO RUBENS PAIVA* *Marcelo Rubens Paiva é escritor, dramaturgo e jornalista, e assina uma coluna no jornal Estado de S. Paulo.

Local: Auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE)

9h–12h: MINICURSOS 14h30: EXIBIÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS E FILMES 17h30: MESA DE DISCUSSÃO RECICLAGEM DE IDEIAS: A BUSCA PELO DISCURSO SUSTENTÁVEL 19h30: MESA DE DISCUSSÃO CULTURA E INOVAÇÃO: NOVAS DIREÇÕES DO OLHAR DA IMPRENSA SOBRE O UNIVERSO CULTURAL

8ª Semana do Jornalismo

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Setembro de 2009 Tiragem: 3.000 exemplares www.semanadojornalismo.ufsc.br

Expediente Reportagem Bárbara Dal Fabbro Cecília Cussioli Giovana Suzin Jessé Torres João Schmitz Juliana Frandalozo Juliana Gomes Júlio Ettore Suriano Laís Mezzari Laura Dauden Letícia Arcoverde Luíza Fregapani Marcelo Andreguetti Mariana Chirè Marina Ferraz Murilo Bomfim Wesley Klimpel Colaboração Maurício Oliveira Edição Cecília Cussioli Flávia Schiochet Laís Mezzari Letícia Arcoverde Jessé Torres Marcelo Andreguetti Editoração Jessé Torres Marcelo Andreguetti

Carta ao leitor Se a primeira edição da Semana Revista já foi boa, o objetivo deste ano era fazer uma ainda melhor e implantar uma tradição para as próximas semanas. Ver o pessoal nos corredores do curso perguntando sobre a revista, já esperando por ela, também nos ajudou a manter o projeto. Mas é claro que isso requer tempo, organização, dor de cabeça, muitos e-mails, reuniões e uma equipe competente. Todos os mínimos detalhes foram pensados: pautas que acolhessem os temas a serem discutidos na 8ª Semana, abordagens diversificadas, edição minuciosa e diagramação que mantivesse a identidade visual do evento. Esperamos ter cumprido com os nossos objetivos, e que matérias como o perfil de Marcelo Rubens Paiva, o artigo sobre Os Sertões ou ainda a resenha sobre o livro-reportagem O nome da morte, sejam tão agradáveis de ler quanto foi gratificante para nós preparar essa revista que está em suas mãos. E que venha a 8ª Semana do Jornalismo! Laís Mezzari

Ilustrações Carlos Chilenus Urquizar Felipe Parucci João Paulo Bernardes Juscelino de Souza Júnior (imagem da capa) Lucas Fiacadori Tarik Pinto Tharso Duarte Coordenação Editorial Laís Mezzari Coordenação Gráfica Jessé Torres Marcelo Andreguetti 8ª Semana do Jornalismo

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