Inquérito, fugacidade e rememoração três visões de uma mesma cidade

Page 1

INQUÉRITO INQUÉRITO INQUÉRITO INQUÉRITO INQUÉRITO 1 a

FUGACIDADE FUGACIDADE FUGACIDADE FUGACIDADE FUGACIDADE

REMEMORAÇÃO REMEMORAÇÃO REMEMORAÇÃO REMEMORAÇÃO REMEMORAÇÃO

três visões de uma mesma cidade



INQUÉRITO aluna CAROLINA COELHO orientador RICARDO LUÍS SILVA

FUGACIDADE

REMEMORAÇÃO

três visões de uma mesma cidade

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro, como exigência para obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. SÃO PAULO . 2015



AGRADECIMENTOS Como em toda boa história, há sempre um bom herói, que surge para nos lembrar o melhor que um ser humano pode ser. Para construção desta história, não foi diferente, e para estes heróis meus agradecimentos. Aos meus pais, Diomedes e Monica, por todo o amor, dedicação, e incentivo. Ofereceramme a possibilidade de viver este sonho. Dedico esta e todas as outras conquistas que estão por vir, a vocês.



Aos meus irmãos, André, Guilherme e Victor, que me acolheram em meio a abraços, tapas e sorrisos nos melhores, e piores dias da minha vida. A minha família, que vive e compartilha da mesma loucura que eu. As amigas de uma vida, Amanda Faria, Amanda Bello e Jaqueline, pelo companheirismo e sonhos compartilhados. A minha amiga de coração, Maria Tereza, pela sabedoria e carinho compartilhado. As minhas “bisnagas” Juliana e Eloísa, pela paciência, hospitalidade e todo amor e amizade. As meus colegas de faculdade que percorreram este caminho comigo. E ao meu orientador Ricardo Luis, pela inspiração, aprendizado e bom humor durante a realização deste trabalho.



RESUMO A pesquisa apresenta o imaginário urbano como uma ação propulsora à fuga idealizada da realidade caótica. Em teor crítico, direto, pessoal e motivacional; experiências extraídas a partir de derivas e observações das relações entre o corpo e o espaço, resultaram em ensaios narrativos, poéticos, visuais e materiais; a partir das visões imaginárias de três personagens. Palavras-chaves: Imaginário urbano; idealização; ensaios; personagens.



ABSTRACT This search presents the urban imaginary as an propulsive action to scape from the chaotic reality. In a critical, direct, personal and motivational way; experiences extracted from drifts and observations of relation between body and space, result in narratives, poetics, visuals and materials experiments from a perspective of three characters. keywords: urban imaginary, idealization, experiments, caracters.



SUMÁRIO

INQUIETAÇÕES ESTÍMULOS CAÓTICOS __3b

[IM]PREVISTOS __9b [IN]DEFINIÇÕES __25b DESPERTAR IMAGINÁRIO __35b IDEALIZAÇÃO DO/PARA O HOMEM __49b A UTOPIA DE MOR __65b A BUSCA __77b

APROXIMAÇÕES

INCORPORAÇÕES PALCO __3d

INQUÉRITO __9d FUGACIDADE __15d REMEMORAÇÃO __25d NARRAÇÃO __31d VALISE __39d [IN]CONCLUSÃO __43d



INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO 15 a

INTRODUÇÃO



17 a

A inquietação fora um estado constantemente presente e pertinente em meu olhar para a cidade. Inicialmente, o contato com as problematizações urbanas eram enfrentados de modo inconsciente, visto minha imaturidade quanto à compreensão da mesma. No entanto, essa alienação não me protegia de vivencia-los, condicionando sua permanência.



19 a

A escolha em cursar Arquitetura e Urbanismo advém desta inquietação, como uma medida necessária para compreender a cidade, o espaço, o homem, e assim sanar este sentimento manifesto em meu âmago. Idealizar soluções que promovessem um bemestar pessoal e coletivo, uma vez que me localizo inserida na metrópole. Durante cinco anos, fui introduzida a discussões pertinentes às minhas intenções, aprimorando uma postura questionadora e reflexiva a ações cotidianas que qualificam a vida na cidade. A idealização continuou sendo premissa, aplicada em exercícios disciplinares dos mais diversos, nos quais me habilitaram gradualmente a sensibilidade necessária para a compreensão das origens destes problemas. Esta sensibilidade promoveu a expansão deste olhar, conscientizando-me que as soluções ideais que buscava, estavam intrínsecas



21 a

as necessidades do outro. Quando surgiu a necessidade de propor um tema para meu trabalho de conclusão, o ímpeto em uma abordagem com problematizações, e consequentemente soluções idealizadas, fazia-se vigente. As inúmeras vertentes que o campo arquitetônico oferece, estimulou em mim certa indecisão inicial a respeito da escolha do tema. As primeiras especulações giravam em torno de um trabalho projetual, visando à requalificação em uma escola na região suburbana de São Paulo. Uma situação próxima a mim, graças ao trabalho de minha mãe. No entanto, esta proposta não me satisfazia. Atendia meus anseios quanto à possibilidade de propor soluções, mas atuava em um universo mais técnico e restrito; e, quando analisava o meu pensar, tudo se embasava



23a

em estados e condições psíquicas e imateriais. Recapitulando reflexões feitas no curso de filosofia, a obra de Italo Calvino – Cidades Invisíveis me estimulou na escolha do tema, uma vez que abordava visões de cidades imaginárias e idealizadas pelo autor, atendendo a todos os meus desejos imateriais. A partir de então, mergulhei neste universo imaginário, como uma fuga idealizada a realidade caótico que estava inserida. A partir de então o procedimento metodológico iniciou-se com as análises, percepções e possíveis compreensões as minhas INQUIETAÇÕES, dispostas no segundo volume do trabalho. Estrutura-se a partir da absorção teórica de autores, filósofos



25a

e pensadores como Igor Guatelli, Jacques Derrida, Guilles Deleuze, Jane Jacobs, Habermas, Nietzsche, Cervantes, Walter Benjamin e Armando Silva. Embasando-me em minhas fundamentações teóricas na desconstrução analítica sobre o fazer arquitetônico, validando a importância da promoção das eventualidades no espaço. Apresentados a partir de certo estranhamento linear, sua cacofonia justifica-se como introdução ao meu pensamento, compilados as reflexos dos autores mencionados. Tratando-se de uma pesquisa explorada em um campo psíquico e imaterial, algumas reflexões advêm de um saber empírico. O terceiro volume, APROXIMAÇÕES, apresenta pontos de vistas de retalhos



27a

de meu estado imaginário, capturados através de fotografias, tornando-se visões da cidade. Estruturam-se como uma forma do imaginário visual, documentando as derivas feitas no desenvolver da pesquisa, para a compreensão e aproximação destes imaginários particulares de cada elemento da cidade. A partir de então, meu olhar sobre a cidade se multiplicou, oferecendo-me a possibilidade de personifica-los; a partir das sensações oferecidas pelos lugares visitados. Relatados em meu quarto volume, INCORPORAÇÕES, apoiando-me em referências literárias, fui inspirada por Nelson Brissac, Thomas More, Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Lewis Carroll, Charlotte Perkins, Edwin A. Abbott, Ángela León e Italo Calvino, para a construção de três personagens: O Detetive, O Viajante e o Colecionador.



Estes por fim, conferem a minha pesquisa ensaios literários, apresentando estas visões imaginárias sobre São Paulo, com o objetivo de proporcionar ao leitor as sensações experimentadas durante suas concepções, na tentativa de convida-los a exercitar seu imaginário também, para possíveis criações de outros personagens.

29a



BIBLIOGRAFIA

31 a

Livros: -GUATELLI, igor. Arquitetura dos Entre-Lugares: sobre a importância do trabalho conceitual. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2012. - MORE, thomas. A Utopia. [tradução Alda Porto]. – 1ed. – São Paulo: Martin Claret, 2013. (coleção a obra-prima de cada autor; 40).



33a

- PEIXOTO, nelson brissac. Cenário em Ruínas: a realidade imaginária contemporânea. Editora Brasiliense, 1987. - LEÓN, angela. Guia Fantástico de São Paulo. São Paulo: A. León, 2015. - LIMA, Rogerio; FERNANDES, Ronaldo Costa (org.). O Imaginário da cidade. Editora Universidade de Brasília, 2000. - JACOBS, Jane. Morte e Vida das Grandes Cidades. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. - SILVA, Armando. Imaginários, estranhamentos urbanos. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2014. - CALVINO, Italo. AS Cidades Invisíveis. Cida das Letras, 1998.



35a

- CARROLL, Lewis. A Caça ao Turpente. Editora Interior, 1984. - GILMAN, Charlotte Perkins. Herland – A Terra das Mulheres. Editora Francisco Alves, 1981. - ABBOTT, Edwin A. Planolândia – um romance de muitas dimensões. Editora Conrad, 2002. Artigos: - BISELLI, Mario. Teoria e prática do partido arquitetônico. Vitruvius. 2011 - COSTA, Vivian; MONFERDINI, Juliana. O Guia do não-estar na Avenida Paulista as estratégias de sobrevivência na guerrilha urbana. Vitruvius, 2013 - CYTRYNOWICZ, Roney. Comer na Rua – cidadania e festa. Vitruvius, 2014.



37a

- KATHOUNI, Saide. Sobre um outro ícone de paisagem paulistana, a Avenida Paulista. Vitruvius, 2008. - KEHL, Maria Rita. O olhar no olho do outro. Pisegrama. N.7, p. 22 – 33, jan./2015. - FLORES, Renata L. B, Descobertas sobre o colecionador benjaminiano por entre as coleções de meu pai. Experiências de vida e reflexões: do individual ao coletivo em busca de resistência. III Seminário Internacional Politicas de La Memoria. 2010. - JAYO, Martin; KOHLER, André Fontan. A batalha dos Arcos do Bixiga – mais arte e mais cidade, mas menos arte na cidade! Vitruvius, 2015. - VAZ, Alexandre Fernandez. Subjetividade, memória, experiência: sobre alguns escritos de Walter Benjamin e Theodor W. Adorno sobre o tema da infância. GT Filosofia da



Educação n.17, sem data. - ZIONI, Silvana; KATO, Volia Regina Costa. Avenida Paulista – um espaço público singular. Vitruvius, 2015 Filmes: - Le Fabuleux destin d’Amélie Poulain. Direção: Jean Pierre Jeunet, França: Lumiére, 2001. - Midnight in Paris. Direção: Woody Allen, EUA: Paris Filmes, 2011. - Good bye, Lenin! Direção: Wolfgang Becker, Alemanha: X- Filme Creative Poll, 2002.

39a



41 a

Sites: - Autor desconhecido. Veja roteiro de visitas por obras de Ramos de Azevedo em São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/publifolha/405674-veja-roteirode-visitas-por-obras-de-ramos-de-azevedo-em-sao-paulo.shtml Acesso em: 22/10 - Autor desconhecido. Notícias. Disponível em: http://www.culturajaponesa.com.br/. Acesso em: 04/11 - LINDER, Larissa. Ruas de SP tinham touradas, treinos de artilharia e força no século 19. Disponível em: www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2014/06/1473214-ruas-de-sp-tinhamtouradas-treinos-de-artilharia-e-forca-no-seculo-19.shtml Acesso em: 22/10 - NASCIMENTO, Douglas. Palacete Franco de Mello. Disponível em: http://www.



saopauloantiga.com.br/franco-de-mello/ Acesso em: 20/10 -NASCIMENTO, Douglas. Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Disponível em: saopauloantiga.com.br/nsdorosario-dos-homens-pretos/ Acesso em: 03/10/2015 - MANARA, Amanda. Beco do Batman. Disponível em: cidadedesaopaulo.com/sp/br/oque-visitar/atrativos/pontos-turisticos/3924-beco-do-batman Acesso em: 22/10

43a



45a


1 b

INQUIETAÇÕES INQUIETAÇÕES INQUIETAÇÕES INQUIETAÇÕES INQUIETAÇÕES



ESTÍMULOS CAÓTICOS

3 b

Atualmente, a crise urbana é uma condição implícita aqueles que vivem na cidade. Os recorrentes fenômenos inesperados no cotidiano da metrópole contemporânea denotam este cenário caótico, despertando ao homem urbano o sentimento de impotência.



A ausência da vogal “e” entre os termos Arquiteto – Urbanista explora uma linha de raciocínio construída no decorrer da pesquisa onde suas funções não são compreendidas separadamente. Apesar de atuarem em escalas diferentes a intervenção no espaço é comum aos dois.

5 b

O Arquiteto Urbanista dotado de uma formação que se produzem espaços, ao deparar-se com esta realidade urbana, manifesta uma inquietação em organiza-los de forma apaziguadora e utopicamente perfeita, abrangendo-o por completo. No entanto, a perfeição neste contexto torna-se inconcebível, caracterizando sua busca como uma idealização. Uma das possíveis posturas adotadas, ao se conformar com a impossibilidade de perfeição e controle absoluto do espaço, é a redução na AO CAMINHAR PELA CIDADE, ATENTO - ME escala de sua atuação: de cidade para bairro, AOS PEQUENOS RECADOS QUE ELA ME DÁ. COMO SE bairro para lote, lote para casa. Essa regressão ESTIVESSE FALANDO COMIGO, CLAMANDO PARA SER OUVIDA.... EM SEUS PEDIDOS RECONHEÇO SEU DESEJO pode resultar em uma descaracterização e um EM SER “BOA” ÀQUELES QUE DELA DESFRUTAM. SINTO não-reconhecimento da sua função Arquiteto QUE ESTOU COMPROMETIDA A ATENDÊ-LA. Urbanista, de modo que recolhe a um território menor e mais seguro, no qual suas intervenções



7 b

podem ratificar sucesso. No entanto, existem aqueles que, mesmo ao encarar esta regressão, não abandonam sua idealização original. Sua postura condiciona-o a intervenções em menor escala, mas não inibi sua motivação para aplicar medidas que idealiza serem as melhores para alcançar a perfeição. Na verdade, o caos urbano torna-se um ambiente propício à estimulação do imaginário. A abordagem proposta está na discussão destas atuações. No entanto, analisase a percepção que a existência destes objetos arquitetônicos promove no espaço, e os novos valores a ele atribuídos. Trata-se da expansão da compreensão do papel [Arquiteto] quando sua atuação não se limita somente ao projeto com forma definida, mas como responsável a agenciar sensações no espaço, dos quais não preveem. “Se há objeto e forma, e é difícil supor arquitetura sem objeto e forma, eles não são o sujeito da frase, mas a conjunção, a partícula que liga, possibilitando novos sentidos ao que foi ligado.” (BARTOLINI, 2012, apud GUATELLI, 2012, p.11).



[IM]PREVISTOS

9 b

Por qual motivo deparamo-nos com uma realidade urbana caótica? Há muito, são estabelecidas estruturas estáveis de pensamento sobre o fazer arquitetônico, historicamente categorizados. Resultados de um raciocínio lógico no qual a linearidade metodológica projetual é tratada como uma técnica realizada passo a



11 b

passo. Processo este discutido por arquitetos como Le Corbusier, que defende a adoção de partidos arquitetônicos que abrangem estratégias de implantação, distribuição do programa, estrutura e relação do espaço. A análise a estes conceitos projetuais estabelecidos ao longo do tempo, ainda aceitos e adotados atualmente, promove percepção crítica a seus sentidos e significados. Questiona-los, traduz o desejo de compreender a cidade e as possíveis origens de suas problemáticas. Inicialmente, discuto a teoria desconstrucionista do filósofo francês Jacques Derrida, onde conceitos formulados no passado e imutáveis no tempo são utilizados de modo a transformar-se em fontes fecundas, despertando modificações no campo arquitetônico. Embasando-se como ponto de partida inferir pensamentos iniciais a uma realidade passada, e assim, atribuir novos fins. A apropriação da arquitetura na cidade, a maneira com que o homem a vivência e utiliza, manifesta-se de maneira inesperada. Os objetos arquitetônicos são concebidos seguindo um modelo projetual no qual se estabelece significado e significações durante



seu processo de criação. Pensados a partir de uma lista de preceitos a serem seguidos, que interligam e justificam todas as decisões tomadas durante sua concepção (utilizamse como exemplos, programas e usos levantados em torno do tipo de público e apropriação que se idealiza àquele espaço, onde a partir destes, estabelece a forma e o contexto que estarão inseridos. Em suma, são formalidades que instituem o significado daquele modelo arquitetônico).

13 b

Baseando-se na filosofia pós-estruturalista dos pensadores franceses Jacques Derrida e Gilles Deleuze, no qual defende a postura interrogativa e em constante questionamento

UMA VEZ INICIADO ESSE DIÁLOGO, MERGULHO NO FASCÍNIO DE SUA COMPLEXIDADE... NA MANEIRA SURPREENDENTE E ENCANTADORA QUE SE MANIFESTA. PERCEBO QUE ME RENDI VOLUNTARIAMENTE À ELA... ESTOU VULNERÁVEL ÀS EXPERIÊNCIAS MAIS IMPREVISTAS QUE PUDERA IMAGINAR. vOU ME APAIXONANDO POR ESTE MISTÉRIO ENVOLVENTE QUE ELA CARREGA... NUNCA SEI O QUE ME ESPERA!



15 b

sobre conceitos dados como certos nos mais diversos campos do conhecimento, denominam-se como “eventos” acontecimentos imprevistos e incontroláveis no espaço. Avalia-se então, a força dos objetos arquitetônicos enquanto capacitores da promoção destes eventos a partir de sua indefinição. No entanto, a possibilidade da concepção de uma obra arquitetônica desprovida de qualquer significado ou atribuição conceitual de seu autor é questionada. Uma vez concebida para tornar-se indefinida, já fora atribuída seu significado, sua própria indefinição. A partir disto, questionam-se aplicações de métodos projetuais que assegurem a realização dos eventos. Mas, quais são estes métodos? De que maneira é possível promover e aplicar medidas em um espaço em que o objetivo é estimular o imprevisto? É inconcebível a produção de espaços sem estarem intrínsecos em sua concepção designações de uso. Como exemplo, podemos analisar a relação interior x exterior de um objeto arquitetônico quando projetados de modo independente, desprovidos de



17 b

relações entre si. A determinação do uso interior não se justifica na imagem/forma de seu uso exterior, deixando de assumir um raciocínio de totalidade. Esta composição espacial, que poderia ser considerada problemática dentro de um conceito urbano convencional, torna-se atraente no contexto explorado. Configura embasamento a suposições futuras, e novas apropriações dinâmicas. Espaços abertos, livres, flexíveis e propulsores a permanentes inquietações, questionamentos. São os casos dos espaços residuais, as sobras da cidade disponíveis as mais diversas apropriações. Uma vez desprovidas de condicionamentos e imposições propostas por uma precondição, direcionam a formulação do seguinte principio: Regras e dados designados como absolutos e únicos no processo arquitetônico, podem sugerir as condições que possibilitam habitar aquele espaço. Compreende-se arquitetura como propulsora das relações interpessoais. Uma vez materializada como forma, convida a demorar-se, possibilitando àqueles que o usufruem inesgotáveis e variáveis experimentações. Estas



...UM LUGAR QUE ACHA SENTIMENTOS DOS MAIS DIVERSOS, QUE TENHA VIDA, QUE VIVA. LUGAR QUE NÃO TENHA OBSTÁCULOS PARA SERMOS QUEM QUISERMOS SER, QUE PERMITA A CONSTANTE E ENRIQUECEDORA TROCA DE EXPERIÊNCIAS, QUE SE DEIXE MODIFICAR E QUE SE MOFIFIQUE TAMBÉM...

19 b

práticas experimentais traduzem na sua ativação como espaço arquitetônico, e, a partir de sua utilização e apropriação, os inesperados eventos se manifestariam de forma orgânica, despertando o pensamento imaginativo de seus usuários quando possibilita a adequação de seu uso. Cabe ao arquiteto à atuação nestas condições, com propostas de situações espaciais. Segundo Derrida, a aposta deve residir na manipulação destes espaços, buscando a conciliação em construir adequações e prescrições espaciais, favorecendo características que propiciem a ambiguidade e incongruência do imprevisto. Estas prescrições espaciais estão na formulação de programas que se organizam de maneira a sugerir circunstâncias que convidem aqueles que o usam a habita-lo, mesmo que temporariamente. O investimento estaria na potencialização dos significados mutáveis atrelados ao uso. Significados nada mais são do que definições atribuídas a um termo, e no caso da arquitetura, é o propósito a que foi concebido, o uso que pretende promover naquele



21 b

espaço. Nesta produção de indeterminação, aquilo que se projeta não precisa vir acompanhado imediatamente de significado, ou que ele seja rígido e imutável. É nesta discussão que se permeabiliza a absorção do imaginário, neste ambiente que estimula e convida a intervenção do homem. Passa a encarar o objeto arquitetônico muito além do que sua forma significa, mas o que ela propicia e resulta no espaço. É o desprendimento a princípios funcionalistas, onde todas as decisões adotadas para definir a forma estão atreladas a sua função, ignorando recursos ornamentais e estilísticos, uma vez que atuam no campo estético e visual. A busca reside na matériaforma e suas atribuições, e consequentemente na estimulo imaginativa do homem. Quando aprimorada sua capacidade de observar determinado lugar, e compreender as necessidades ali implícitas, exercita seu pensamento a propor novos usos. Propostas estas manifestadas de modo espontâneo, sem relação com o significado inicial de ocupação e uso do espaço.



Idealiza uma cidade composta por esses preceitos, que contrapõem a realidade. O objeto arquitetônico deixa de ser um veículo de publicidade e marketing desta sociedade capitalista e midiática, e passa por um processo de constante mutação, reinventando-se para atender a pluralidade de desejos e necessidades daqueles que vivem na metrópole.

EM MINHAS FANTASIAS DESEJO UMA CIDADE EM QUE TODOS TENHAM VOZ, SE FAÇAM OUVIR...

23b



[IN]DEFINIÇÕES

25b

Estabelecer um programa para conceber espaços é um clássico processo projetual implícito na arquitetura. Determina-lo como procedimento, justificando decisões tomadas durante o desenho, relacionando forma e função, como já analisadas anteriormente, são medidas consideradas coerentes e objetivas neste processo. Mais do que um roteiro de necessidades a serem atendidas, reflete culturas, costumes e valores sociais do seu



27b

contexto histórico. No entanto, a adoção dessas medidas não implica necessariamente na concepção de uma forma precisa, no controle do espaço por meio de modulações rígidas e segregações de uso que não permitem a composição de um todo. Obras arquitetônicas do século XIX retratam a possibilidade de conceber espaços que atendam a complexos programas, mas que ofereçam fluidez e flexibilidade. Os benefícios ocasionados estão no uso permanente deste ambiente, uma vez que sua forma não esta associada a seu conteúdo, torna-se passível a diversos tipos de apropriação, tornando-o sempre vivo. Contudo, a medida funcionalista fora ganhando força e sendo adotada com o proposito universal de metodologia projetual. Orientando-se nesse principio, os objetos arquitetônicos devem conter uma identidade definida, e ao qualificar como definida entende-se por uma identidade permanente, diferente daquelas mencionadas anteriormente, readaptável às necessidades recorrentes ao tempo. Vislumbrou-se o funcionalismo como medida universal na tentativa de promover a



integração de culturas em todos os âmbitos por intermédio da arquitetura. Em uma era globalizada e fortemente influenciada pela tecnologia, já acontecia à integração virtual entre culturas diferentes, o desafio estava em traduzi-la no espaço público, no convívio em sociedade. [...] a busca por uma adequação entre forma e conteúdo pensados e a apropriação social manifesta, seja ela ao nível do edifício ou da cidade, ou o que poderíamos chamar de uma vinculação entre os significantes propostos e os significados surgidos. Há sempre a preocupação de se estabelecer limites daquilo que parece ser mais apropriado para aquele lugar ou situação temática. (GUATELLI, 2012, p. 30,31).

29b

De que maneira o arquiteto, enquanto organizador do espaço, pode determinar definitivamente sua identidade e assegurar que o mesmo tenha uso constante durante



31 b

períodos diferentes no tempo? Uma vez que a cada nova época surge novas gerações e consequentemente novas necessidades? A consideração das eventualidades, dos acontecimentos se faz cada vez mais necessária no atual contexto urbano. Ao observar a cidade, notam-se locais apropriados de maneiras criativas e inusitadas, provocando certos desajustes a sua proposta inicial. Essas ocupações, por vezes, se manifestam de forma momentânea,



mas estabelece um novo tipo de “pensar arquitetônico”, onde a relação entre espaço e tempo é determinante para um ambiente em constante mutação, nunca estável, acompanhando e atendendo as mais diversas necessidades recorrentes ao tempo e, o mais importante, jamais previstas ou premeditadas. Como exemplo, destaca-se a escadaria do edifício gazeta na avenida paulista, elemento compositivo de circulação na arquitetura, onde a condição de passagem está implícita em sua significação, torna-se o oposto, um lugar de permanência pelos seus frequentadores. Apropriam-se deste espaço, o caracterizando como uma espécie de arquibancada, resguardando sua permanente ocupação.

33b



DESPERTAR IMAGINÁRIO

35b

O processo projetual arquitetônico apresenta-se inicialmente no campo imaginativo, contendo pensamentos e intenções não concretizadas. Após materializar-se, além da possibilidade de experimentações estéticas, atribui à matéria como agenciadora de situações, influenciando no comportamento e relação do homem com o espaço, e por



EM NOSSA CONVERSA SOU CONVIDADA A ME MANIFESTAR POR MEIO DELA... E PERCEBO, ENTÃO, QUE OUTROS JÁ FIZERAM ISSO.

37b

consequência, em seu convívio com o próximo. Tornam-se vulneráveis a experiências sensitivas, perceptivas e afetivas (estas também encontradas no campo artístico), usufruindo do espaço como veículo de expressão, não somente àqueles que o concebem, mas quem o recebe e o usa, ampliando sua capacidade de criação. O espaço arquitetônico proposto, só passa a existir na cidade quando associado à intensidade das ações nele realizado. Estes meios de apropriação e atuação abrem inúmeras análises perspectivas no campo filosófico pautadas na desconstrução de Derrida, abrangendo a pluralidade de lógicas espaciais na atualidade. No entanto, estes conceitos e novas abordagens, manifestam-se com o objetivo unicamente experimental das possíveis atuações no espaço, protegendo-se da concretização de novos paradigmas a serem seguidos no campo da arquitetura. Explora o intuito do desapego à monogamia de ideias, permeabilizando visões e abordagens da vida na cidade, construindo condições favoráveis à proliferação do imaginário urbano.



VEJO QUE SUA BELEZA ESTÁ NO QUE, PRA ELA, É DEFEITO. É NO CAOS QUE ME SINTO MOTIVADA A ATUAR - ATIVO MINHA IMAGINAÇÃO...

39b

Para entender os estímulos que a realidade urbana nos oferece, analisa-se a postura desse homem inserido no caos. Aproprio-me da expressão deleuziana “plano de imanência” para qualificar este pensamento em constante processo de questionamento e problematização. Fatos dados como verdades absolutas são reavaliados,



41 b

proporcionando a construção de novos conceitos, indo muito além do que mera percepção ao redor. Este exercício mental promove a ativação da mente para idealização de soluções. E, tratando-se de um processo psíquico no qual a pretensão traduz o alcance da perfeição, estas soluções não se vinculam necessariamente a serem realizáveis. Este homem urbano em imanência beneficia-se com os estímulos oferecidos por espaços flexíveis, e o beneficia com sua presença. A disponibilidade espacial presente, o caracteriza como uma espécie de palco para imaginação, atento a atender as necessidades daqueles que o usam. E por sua vez, usa-lo ativa seu significado quanto espaço proposto para o homem. Identifica a habitação do espaço como uma ação benéfica para o mesmo, na medida em que compreende seu significado e objetivo proposto. Sua inutilização desqualifica sua existência, uma vez dotada com a responsabilidade de abrigar. Se inabitada só manifesta-se visualmente, banalizando-o como local de permanência. A flexibilidade implícita nestes múltiplos significados de um objeto arquitetônico,



VEJO QUE SUA BELEZA ESTÁ NO QUE, PRA ELA, É DEFEITO. É NO CAOS QUE ME SINTO MOTIVADA A ATUAR - ATIVO MINHA IMAGINAÇÃO...

43b

caracterizando-o como um espaço capaz de assimilar as mais diversas requisições propostas por seus frequentadores, desprende-o do uso inicial proposto pelo arquiteto durante a sua concepção. Esta desvinculação pode direcionar a um não reconhecimento da necessidade do programa estabelecido como metodologia projetual, e consequentemente, o questionamento do papel do arquiteto. Qual sua atribuição, uma vez que se idealiza um espaço onde nada poderia ser pré-determinado? O que lhe resta para intervir? O desconstrucionismo não determina o abandono do programa projetual como medida adotada, mas estimula sua mutação, para adequar-se ao uso aplicado naquele momento. Inicialmente com um, posteriormente com outro, e quando e se necessário, voltar ao seu estado original. Seu papel reside na tentativa de promover interações entre o definido e o indefinido. Significa o rompimento de barreiras estruturadas a certa “condenação” do objeto arquitetônico: articular estes dois conceitos ambivalentes, agenciar esse processo transitivo, quando não deixou de ser o que era, mas também não passou a assumir sua nova significação. Atua na articulação.



45b

Rompendo os paradigmas considerados “apropriados” ao espaço, a arquitetura manifesta todo seu potencial criativo e inventivo quando confrontada com excessos. Condições que desestabilizam o ímpeto de controle ao espaço, vão além do que se caracteriza natural por meio de estipulações pré-concebidas. Estas circunstâncias impulsionam ao homem a certa liberdade, quando consideramos que cada um carrega em si desejos e vontades que são inibidas a serem manifestadas devido a dogmas sociais e morais. Estes espaços indeterminados possibilita-os a imanência. Suscetível as mais diversas, imprevistas e inesperadas experiências, este homem desprende-se das condições rotineiras que a vida urbana muitas vezes implica e passa a apresentar uma interação imaginativa com o espaço, ao invés de apenas reprodutora. Espaços intermediários abrangem muito mais do que objetos arquitetônicos e formas espaciais, mas também o que lhe é externo, o vazio existente entre eles. A atenção direcionada a estes também conota a o interesse dado a forma, uma vez que ambos não são analisados separadamente, mas como elementos componentes de um



todo. A arquitetura reside também na não-matéria, e esta não é secundária a forma. Esses vazios também são palcos para ações imprevistas. Podem estabelecer diferentes relações entre as formas dispostas nele, promover questionamentos e possibilidades que transbordam as determinações utilitárias em diferentes períodos. São novas apropriações não só do edificado, mas do externo.

47b



IDEALIZAÇÃO DO/PARA O HOMEM

49b

Analisando a atuação deste homem ativo, e os consequentes benefícios gerados por ele no espaço, valoriza-se sua atuação e principalmente sua permanência, tornando-o centro de interesses nas práticas projetuais. O planejamento organicista e harmonioso nas concepções espaciais traduz o desejo de explorar a forma ideal para sua habitação. Atitudes estas, tomadas em prol do bem estar do homem, identificando a inserção do humanismo na arquitetura. O humanismo marca um período que surge para resgatar a importância do homem como centro de discussões, uma vez esquecida com a eclosão da tecnologia. A



51 b

máquina surge como veículo propulsor a transformações sociais, atendendo a arquitetura funcionalista na otimização do processo construtivo, onde a racionalização como medida projetual facilita a reprodução em série, atendendo demandas em massa, encarando os interesses do homem como secundários. Sua retomada surge por intermédio do humanismo, como via crítica ao funcionalismo regente na arquitetura. Metodologias projetuais que priorizam a repetição, esquematização projetual, ausência estética ornamental (irrelevante para esta arquitetura funcional, sendo apenas um recurso estético) e demais medidas adotadas em prol da funcionalidade, passam a ser questionadas. Em contraponto prioriza experimentações projetuais, analisando cada nova construção como única, provida de singularidades contextuais, como por exemplo, seu público, implantação, período que está inserido, cultura, materiais, entre outros. Incentivo a formas orgânicas e espontâneas, e demais medidas que visem o bem estar ao homem. Uma nova postura projetual assumida para atendes estas necessidades urgentes.



53b

A arquitetura reflete muito dos anseios do homem. São projeções idealizadas do habitar, combinada com inúmeros fatores que expressam características daqueles que o concebem e o usam. Padronizar esta concepção inibe a identificação do homem com o espaço, e por consequência, com sua cidade. A partir dela que encontra respostas de quem é, quem foi. Resguarda memórias que possibilitam a compreensão de sua história. Os benefícios atrelados com adoção do humanismo na arquitetura consolida esta relação de identidade, tempo, casualidade e lugar. Também potencializa a aptidão que o homem carrega em relação as suas projeções imateriais; sua capacidade imaginativa em idealizar medidas que atinjam a perfeição, quando observa e questiona a uma realidade. A análise as causas que proporcionaram mudanças no campo da arquitetura, e as soluções propostas a partir destas, advém do aprofundamento desta relação entre homem x espaço, explorada e aprofundada por meio das eventualidades e desta arquitetura suscetível a intervenções. Mas qual importância da instigar este homem em constante questionamento, para



55b

a idealização de uma sociedade perfeita? Na verdade, trata-se da retomada de sua postura em constante especulação, perdida no período pós-industrial. Neste período, o homem moldava-se as “imposições” concebidas pela máquina, estimulando sua desumanização uma vez que se estimava eficácia, desempenho, competência, qualidade e velocidade; características extraídas da exploração total da capacidade potencial tecnológica. Esta indução ocasionou uma crise no ato de pensar em busca pela razão, compreensão e totalidade. O homem passou a receber os mais diversos tipos de informação em quantidade e velocidade intensa, contribuindo para uma nova condição: a ocupação do pensar informativo, no lugar do reflexivo e formativo, tornando-se uma espécie de receptáculo de informações. Assim, valores culturais e informativos passam a serem encarados como mercadorias, instrumentos propulsores de circulação capital, com seu valor atribuído na possibilidade de comercialização, de troca, não mais uso.



[...] Com a atual hegemonia da informática e do mundo informacional-virtual como principal acesso ao “conhecimento” (conhecimentos prontos-para-uso, prontos para serem absorvidos), “o saber passou a ser produzido para ser vendido, e ele é e será consumido para ser valorizado numa nova produção: nos dois casos, para ser trocado. Ele deixa de ser para si mesmo seu próprio fim; perde seu valor de uso” (LYOTARD, 1998 apud GUATELLI, 2012, p.119).

57b

Este homem limitado em sua capacidade reflexiva passa a ser espectador na cidade. Inserido em uma ideologia mercantilista, valoriza muito mais a prática que a reflexão, sendo cobrado em prol de sua produtividade. Habitantes desta cidade em velocidade e troca de informações constantes, ao confrontarem com problemas cotidianos, são incapazes de desprender-se, graças à desmotivação implícita a sua capacidade de questionar o que é apresentado como



59b

“comum” ou “padrão” na vida urbana. Forma-se uma sociedade composta de pessoas passivas e adaptáveis ao meio que estão inseridas, sem interferi-lo ou melhora-lo segundo suas concepções e necessidades. Dai advém à necessidade desta arquitetura propulsora de eventualidades, rompendo paradigmas de uma sociedade que produz repetições, oferecendo espaços projetados para organizar e controlar, não só a si próprio, mas todas as ações a serem realizadas. Promover estes espaços estimula a imaginação social, o convívio com as diferenças, a troca de experiências, a possibilidade de expressões criativas dando voz aqueles que habitam e usufruem a cidade, manifestando seus sentimentos e expectativas, e absorvendo e convivendo com as expectativas do outro. Lidar com o imprevisto, enriquece o sujeito em vários âmbitos. Mas, o que fazer com os objetos arquitetônicos e espaços existentes consolidados a partir de métodos funcionalistas? Ou aqueles rígidos em sua concepção? Condena-os ao fracasso? Negligencia-se sua existência? Promovem ao homem um enriquecimento



61 b

ainda maior quanto a sua capacidade reflexiva, desestabilizando seus paradigmas, e assim assegurando a constantes inquietações, a nunca acomodar-se. Se alcançada esta perfeição idealizada, sua busca chegaria ao fim, estagnando seu pensamento, sua atuação e todos os outros valores que ativam e qualificam o espaço e a relação do homem com a sua cidade. Além do que, estamos condicionados a viver em sociedade, e consequentemente a lidar com pluralidade de desejos e idealizações imaginárias. Como alcançar um estado perfeitamente comum a todos, quando suas necessidades não necessariamente são as mesmas? Trata-se então da valorização do caminho que se percorre para alcançar a perfeição, e não na sua obtenção de fato. A contradição existente nesta busca incessante comporta-se como combustível a imaginação. Idealiza-se a liberdade do homem para com seu meio, livre de influências espaciais que impõem usos e apropriações, possibilitando manifestar desejos dos indivíduos que



o habitam, sendo estes reconhecidos por sua singularidade e necessidades específicas, pluralizando apropriações, e provendo até mesmo o convívio com aqueles que conflitam entre si.

63b



A UTOPIA DE MORE

65b

•IDEALIZAR: Medida adotada como resultado de certo descontentamento com o presente. •INQUIETAR-SE: Questionar aquilo que se manifesta de maneira contrária a julgamentos e conceitos estabelecidos como apropriados, justificados a partir de pretensão que propiciem bem estar ao homem.



67b

Idealizar uma cidade traduz este manifesto descontente, proveniente da análise a realidade urbana de seu autor. Esta por sua vez reflexiva, extraída por experiência práticas onde a vivencia dos problemas, o sensibiliza e o torna apto a buscar soluções. Esta busca é fundamental no processo imaginativo. •UTOPIA: conceito relacionado ao ato de sonhar, fantasiar. De âmbito irrealizável. Local que tudo acontece de maneira perfeita, estritamente ligada ao estado de felicidade. Thomas More, um dos melhores representantes humanistas no século XVI, concebe um mundo imaginário onde, sua base estrutural de valores da sociedade apresenta-se completamente oposta a realidade enfrentada na Europa do século XVI, criando uma ilha chamada Utopia. A sociedade inglesa encontrava-se no seu período de transição, de uma estrutura social regida por valores da nobreza para burguesa. Essas camadas sociais eram privilegiadas com inúmeras regalias, concentrando riquezas e consequentemente fortalecendo a



69b

desigualdade entre classes. Sua estrutura econômica adotara medidas que agravam esta situação, como o alto índice de cobrança de impostos, privilégios às propriedades individuais e imposição de um governo absolutista e opressor, que retirava da sociedade seu direito de liberdade de expressão, censurando suas manifestações politicas e religiosas. A partir destes aspectos vivenciados por More, concebe a imagem de um mundo ideal, onde existe uma sociedade igualitária e justa. Toda estrutura social, espacial e ideológica da ilha esta embasada em conceitos totalitários, que inibem qualquer medida que favoreça o indivíduo, priorizando o bem coletivo. No que diz respeito à organização espacial da ilha, as cidades apresentam a mesma linguagem estrutural, costumes e tradições. Localizadas relativamente próximas, possibilitam fácil acesso e circulação de pessoas. São compostas por lotes e quadras precisamente quadradas, e sobrados de três andares, sem muro e todos com jardins nos fundos para cultivo agrícola pessoal. Incentiva o uso de matérias transparentes



71 b

como o vidro, para o aproveitamento solar durante o dia. Seus residentes não são permanentes, fazem parte de um sistema no qual se permite habitar uma casa por dez anos, e após cumprir o prazo, realizam-se trocas entre os habitantes. As escolhas dessas casas são feitas de maneira sorteada e aleatória, sem privilegiar preferencias de ninguém em especial. Todas as medidas idealizadas por More corroboram para a percepção de seu desejo em criar um universo completamente oposto ao que enfrentava. Analisando a arquitetura de Utopia, notamos a forte crítica à propriedade privada, com composições espaciais sem qualquer tipo de delimitação territorial, e o compartilhamento de casas. Opondose a realidade da Inglaterra, onde estimulavam o monopólio e concentração de terra como conotação de capital e riqueza, produto a ser comercializado, desestabilizando e distorcendo estruturas sociais, além da promover injustiça com classes menos favorecidas, que sobreviviam da produção agrícola, passando a ser explorados pelos proprietários das terras.



73b

Para uma sociedade justa More imaginara a igualdade entre todos os cidadãos e em todos os âmbitos, até aqueles que possuíam cargos considerados notórios em uma sociedade comum, não tinham nenhum tipo de privilégio ou qualquer manifestação ostensiva perante aos demais, conquistando seus cargos democraticamente, por meio de eleições. No que diz respeito à economia, tudo adquirido para consumo era isento de pagamento, e a sociedade fora educada para contrair apenas o necessário. Não cultivavam tendências ambiciosas, uma vez que a consciência coletiva era o valor regente desta sociedade. A criação de More fora muito mais que uma fantasia, uma obra literária. Impõemse quanto crítica a uma sociedade que clama justiça. Idealiza-la traduzia sua concepção humanista, estimular a esperança ao homem. Por mais “utópica” que seja sua estrutura de um mundo ideal, não desencoraja seus leitores a irem à busca de melhorias, e é neste aspecto que reside à força e o valor da imaginação. Desestabilizar o que se apresenta como norma, induzir a ações reflexivas e



propulsoras de pessoas hábeis a intervir no espaço, motivadas por desejos e expectativas. Não sendo esse um exercício individual, mas uma prática coletiva, enriquecida pela diversidade. Discorrer sobre diversidade, evoca características inerentes a viver em sociedade. Quando o homem é condicionado a interagir com outras pessoas, mesmo que de maneira indireta, se sujeita a pluralidade, a inúmeros pontos de vista sobre as mais diversas situações, a conviver com desconhecidos. No entanto, estes desconhecidos, por mais diferentes que se apresentem ainda assim são semelhantes. Se recorrer ao significado literal da palavra, semelhante é “aquele pertencente à mesma espécie”: humanos. Além do que, assemelham-se no sentido de compartilharem esta cidade (mesmo que possa se manifestar de diferentes formas a eles, ainda assim é a mesma). Compartilham esse ímpeto de sonhar e imaginar melhorias, enfrentar desafios e as demais circunstâncias implícitas no ato de viver.

75b



A BUSCA

77 b

Identificando e reconhecendo as inquietações que carrego, procuro materializar os desejos implícitos que estruturam esta cidade perfeita. Saio à procura de imaginários urbanos em São Paulo, momentos inventivos que o espaço e as pessoas me oferecem, contando-me através deles, seus desejos e idealizações de cidade. Meu entendimento por perfeição, ao imagina-la, está na sua capacidade de atender a pluralidade que habita. Exploro então, fragmentos e recortes do estado imaginário na cidade, na expectativa de apontarem o caminho que devo percorrer para projetar a perfeição.


1 c

APROXIMAÇÕES APROXIMAÇÕES APROXIMAÇÕES APROXIMAÇÕES APROXIMAÇÕES


ilustraçþes, mom

reta

m


visual. retalhos do estado imaginário... ilustrações, momentos capturados, ilustrações, retalhos do estado imaginário... momentos capturado mentos capturados, retalhos do estado imaginário... momentos capturados, ilustrações, retalhos do estado imaginário... momentos capturados, retalhos do estado imaginário... momentos capturados, visual... alhos do estado imaginário... visual... visual... ilustrações, retalhos do estado imaginário... pessoal. visual... visual... pessoal... ilustrações, pessoal... visual... momentos capturados, pessoal... pessoal... momentos capturados, momentos capturados, pessoal... retalhos do estado imaginário... momentos capturados, retalhos do estado imaginário... visual... 3 cvisual... ilustrações, retalhos do estado imaginário...


CIDADE AQUARELA HABITANTES CORES


5 c


BRISAC, 1987, p.35

“nesse mundo que todos estão se escondendo, tem sempre alguém que quer se encontrar”


7 c


em meio a solid達o, os muros observam, me vigiam, sou amparado por conretos, sozinho no meio da multid達o.


9 c


PLATÉIA


11 c


LOUCOS DE JUQUERY


13 c


BAGAGEM


15 c


“PAULICÉIA DESVAIRADA”


17 c


A CARTOLA


19 c


VESTÍGIOS


21 c


gritos ecoam em ru铆nas, que contam hist贸rias... que me permitem ser passado.


23c


A COLHEITA


25c


HQ


27c


ECO’RREIOS


29c


projeto-me, sou sombra, marionete, personagem. meu palco ĂŠ a cidade, cenĂĄrio de possibilidades de ser um e qualquer um


31 c


MEIO HOMEM


33c


habito meu lugar estando em qualquer lugar


35c


AO AR LIVRE


37c


REFLEXOS


39c


A CIDADE Nテグ DESPERTA


41 c


TELEGRAMA, ZECA BALEIRO

“mais solitário que um paulistano”


43c


HABITANTES DE HISTÓRIA


45c


PREDADOR URBANO


47c


torno-me ent찾o melancolia, saudade de um passado que n찾o me pertence, de mem처rias roubadas.


49c


OUTUBRO ROSA


51 c


LABIRINTO


53c


AMORE MIO


55c


SABORES


57cc


TRADIÇÕES


59c


PARLARE


61 c


SUZURANTÕ


63c


CAMINHOS CRUZADOS


65c


DESIGN DE EXTERIORES


67c


CAETANO VELOSO, SAMPA

...“que só quando cruza”...


69c


POESIA


71 c


COTOVELADAS


73c


BANHISTAS PAULISTAS


75c



O que inicialmente se caracterizava como uma busca a cidade ideal, transformou-se, na exploração, e consequentemente, na vivência destes “imaginários particulares”, absorvidos nas derivas realizadas. A partir de então, meu olhar sobre a cidade se multiplicou, oferecendo-me a possibilidade de personifica-los; reinventando-me a partir das sensações oferecidas pelos lugares visitados.

77 c


1 d

INCORPORAÇÕES INCORPORAÇÕES INCORPORAÇÕES INCORPORAÇÕES INCORPORAÇÕES



PALCO

3 d

O homem urbano, por muitas vezes pode se reconhecer como um sujeito solitário em meio à multidão. Esta condição não advém necessariamente de seu isolamento. Este mesmo homem vive em sociedade, mas isto, não o protege de estar só. Inserido em meio a desconhecidos, impulsionados por uma rotina urbana em constante velocidade, concebem esta própria condição. Um envoltório consolidado por indiferença e discriminação a tudo aquilo que não o interessa, que lhe é estranho. Esta postura pode ser interpretada como uma tentativa de defender-se. Uma vez em contato com este desconhecido, está suscetível a se reconhecer a partir dele. Confronta características que tenta negar, ou então as que revelem quem gostaria de



5 d

ser, caracterizando-o como um “desconhecido semelhante”. No entanto, é por meio do convívio com o próximo que de certa forma se torna indivíduo, para reconhecer no outro suas semelhanças e diferenças são necessários primeiramente o autoconhecimento, identificar-se como indivíduo. Nessa singularidade que a mesma cidade pode assumir diversas interpretações e formas, a partir das experiências de cada sujeito, regida por sentimentos, significância, memórias; construída pelo imaginário. As grandes cidades, cidades de multidões, multidões de solitários; inerentes a seus semelhantes e ao meio que vive. Como então analisar estas pessoas? Idealizar um espaço que promova bem estar a todos aqueles que o habitam, se estes se mantêm inacessíveis? Esta busca da idealização impeliu a procura na cidade por situações que retratassem, de certo modo, esse “estado de completa felicidade” entre os indivíduos, e também para com o espaço. A análise ao comportamento do homem, suas apropriações espaciais, e até mesmo sua reinvenção e adequação ao lugar, introduziam-me, sutilmente a seus imaginários particulares. Encaro a cidade como palco, um lugar destinado a encenações. Manifesta-se, de forma propulsora a formação de novos gêneros, determinando o comportamento dos personagens que nela se apresentam, quando não por si só, se personifica. Estes personagens suscetíveis a esta modificação, apresentam-se com características singulares que, aparentemente, os diferenciam. São conectados pelo espaço que estão inseridos: o palco/cidade/cenário, comum a todos.



7 d

Na obra de Nelson Brissac, Cenário em Ruínas – a realidade imaginária contemporânea; identifico-me com personagens apresentados pelo autor, com o propósito de introduzir a visão de três modos de constituição da subjetividade contemporânea; O Detetive, O Viajante e o Estrangeiro. Esta identificação se dá justamente pelas personalidades descritas por eles, induzidas a mim, através das experiências vividas na cidade pela busca dessa condição ideal. A compreensão e absorção do estrangeiro foram somadas a personalidade do viajante, por encara-los como indivíduos que se assemelhavam em seus propósitos e condições, tornando-os um só em sua narrativa. No entanto, minhas vivências pediamme a criação de mais um personagem: o colecionador. A cronologia em que são apresentados (Detetive, Viajante e Colecionador) é absorvida em minhas experimentações como um processo de mutação, abordado nas análises a seguir. Vale ressaltar, que a existência de cada personagem depende das experiências vividas por aqueles que o antecedem (Para tornar-me viajante, fora preciso antes ser detetive, e para tornar-me colecionador, era preciso ser detetive e viajante). O entendimento sobre São Paulo, como um espaço que habita essa diversidade de pessoas, sentimentos, e necessidades; amadureceu na medida em que explorei estas outras visões. Reinventando-me e, assumindo desejos, olhares e necessidades diferentes, percebi o quão abrangente pode ser; adaptando seus significados de acordo com as necessidades de cada indivíduo.



INQUÉRITO

9 d

O primeiro personagem apresentado por Brissac é o Detetive. Surge como o estímulo inicial para a inserção na cidade, como tentativa de saciar seu ímpeto investigativo. Pratica exercícios de deriva, a procura de vestígios do homem que são deixados para trás, encarando-os como provas das pessoas que ali estiveram, e sua relação com a cidade. Cada vestígio encontrado, carrega consigo memórias daqueles que lhe pertenceram, alimentando a mente investigativa deste personagem. “Para ele não existe vida sem esta procura de uma imagem que sempre lhe escapará” (BRISSAC, 1987, p.17).



11 d

Identifico-me então com este indivíduo, uma vez que a motivação inicial para minha inserção na cidade assemelha-se com a sua: a constante busca por uma condição “ideal”. Sua procura caracteriza este estado de permanente inquietação, proveniente dos questionamentos sobre a cidade e o comportamento das pessoas que o cercam. Retratam seu desejo de reconhecer-se no outro, como em um jogo de espelhos, procura encontrar respostas que lhe digam quem és. O meio que explora para encontra-las se dá através de suas análises estáticas e solitárias, enquadrando indivíduos e vestígios neste cenário. Ao analisá-los, questiona o motivo pelo qual foram deixados para trás, interpretando este abandono como uma tentativa de esquecimento a tudo que simboliza. Uma vida insatisfatória, imersa em frustrações que alimentam anseios imaginários; projeções futuras desvinculadas com o passado, justificando assim seu abandono. O fracasso neste contexto é o impulso necessário para a reinvenção, criações de novas identidades, reconstrução e recomeço de uma vida. Movimento puramente imaginário. E, para estas pessoas que almejam reinventar-se, o detetive comporta-se como o elo ao passado, resgatando estas memórias que querem ser esquecidas. Seu ofício também denuncia sua própria frustração, na medida em que sua vida se resume a análise e observação da vida de outras pessoas, cultivando este ímpeto investigativo em encontrar soluções que só existem em um âmbito irreal e imaterial, sua imaginação. Enquanto não houver o confrontamento com o real, aquilo que procura torna-se simulacro, e quando supostamente encontrado, não corresponde às



13 d

expectativas, retomando o processo de busca. Esta fadado ao fracasso, e só esta condição assegura sua vida enquanto detetive. Ao incorpora-lo, exploro por meio deste perfil investigativo que o define, o imaginário urbano. Estabelecendo inquéritos irreais a partir dos estímulos que a cidade me oferece. Tratando-se de um personagem vinculado ao passado, seu espaço de especulação esta no centro velho da cidade de São Paulo, região que acolhe a maior parte dos edifícios que retratam a história da cidade. Encara-os como estímulos a suas investigações, quando se compromete a “descobrir” suas histórias. Com um olhar atento e curioso, discute as relações do corpo com o espaço, com o tempo, com a memória e as percepções na cidade. A vida noturna é o cenário favorável a essas simulações. Um universo sombrio, dispostos por lugares de metamorfose, impessoais, desprovidos de objetos que carregam memórias de alguém. Oferecem a liberdade de transitarem sem serem notados, podendo transformar o espaço, e a si mesmo, no que desejar. No entanto, suas expectativas são roubadas ao amanhecer, onde a luz revela tudo àquilo que a sombra dissimulara. “Sentir-se roubado de suas expectativas é a experiência do homem da noite” (BRISSAC, 1987, p.68). Reflexos, sombras e projeções fazem parte desse universo fantasioso, onde já não se distinguem o mais o real do imaginário. A sombra é um elemento que parte originalmente do real e existente, mas ao transformar-se em projeção, pode assumir inúmeros significados. São como releituras, elementos componentes da simulação do imaginário.



FUGACIDADE

15 d

A partir das investigações feitas através da incorporação do papel do detetive, os exercícios de deriva por São Paulo transformaram-me em viajante, o personagem seguinte apresentado por Brissac. Também esta em busca por sua identidade. No entanto, não procura nas pessoas reflexos que revele quem é, mas catalisa estas respostas na busca de um lugar. Seu desejo está em explorar o desconhecido, construir uma visão atenta e disponível a percepção do novo, absorver o espaço e toda a novidade que ele tem a oferecer. Esta postura advém do estranhamento de não sentir-se parte ou pertencente aquele lugar, este “não enquadramento” torna-se impulsor do seu nomadismo.



17 d

“São aqueles que vêm do nada e partem a lugar nenhum” (BRISSAC, 1987, p.83). Projetam no espaço expectativas de um modo de vida ideal, e tratando-se de projeções utópicas e imaginárias, a imaterialidade permanece; tornando-os indivíduos em constante movimento, uma vez que a estagnação transforma-se em um estado anestésico a percepção ao redor. Sua rota é sem destino, sujeitos às eventualidades são incapazes de estabelecer um trajeto, uma vez que cultivam a casualidade de não saber o que lhes esperam. Seu imaginário é alimentado pelo que lhe surge como novo, desconhecido. O cenário anterior se manifestava nas sombras, onde o homem se escondia em suas projeções, assumindo a postura que gostaria de ser. Já este personagem viajante não quer se esconder, mas se destacar nas imensidões dos grandes vazios; cenários ideais para libertar sua imaginação, que se projeta no futuro, no que esta por vir, o desconhecido. Encontra-se na maior parte do tempo entre estas cidades, o deserto, o vazio, as grandes estradas, linhas horizontais que rasgam o plano. Esses locais representam a possibilidade de escapar, de sair à procura do novo. Tornam-se “portais” da abstração, o caminho que o leva do ponto A ao B, sabe-se o que deixara para trás, mas desconhece o que lhe espera no fim da estrada, tudo que possuem são expectativas que lá esteja o que tanto procuram. Ao chegar nestas cidades, este personagem em constante movimento simplesmente passa por ela superficialmente. Depara-se com um mundo composto por imagens e



19 d

simulações, onde a arquitetura apropria-se de formas com falsas dimensões pelo olhar deste observador condenado a um nomadismo constante, cultiva uma analise em velocidade. Sempre permeável por suas ruas e avenidas, as edificações não se impõem como barreiras, mas como elementos que estruturam uma imagem. O mundo lhe é apresentado como espetáculo, como algo apenas a ser visto e contemplado. O estrangeiro (terceiro personagem apresentado por Brissac), assim como o viajante, também esta a procura de sua identidade através do espaço, no entanto ludibria-se por um estilo de vida americanizado e cinematográfico. Identificando-se por essa cultura de simulações, construindo uma identidade imaginária descaracterizada de seu país. É sufocado pelo capitalismo. Torna-se marca, precisa tornar-se marca para marcar presença, no entanto essa apropriação o faz desaparecer. Quando se junta aos demais consumistas e se apropria desse estilo de vida, se mistura em meio à multidão, torna-se apenas mais um, perdendo sua singularidade. Mas quando não consome essa simulação torna-se invisível. Isolamento e solidão são características provenientes deste personagem. Não pertence mais a seu país, uma vez despidos das qualidades que o caracteriza como conterrâneo. No entanto, sua identidade criada não o nacionaliza como americano, embasada em simulações distantes do real. Torna-se de lugar nenhum; indivíduo no qual a viagem se converte em um movimento permanente e sem fim. É atraído pela superficialidade, o simbolismo carregado por estas apropriações, e não no que realmente são. Apresentam-se em um cenário em que o espaço perde seu



21 d

referencial. As paisagens são sempre as mesmas: um enquadramento estático e superficial em que a imagem capturada sempre conota a ausência de seu capturador. Tudo se resume em projeções de imagens, planos bidimensionais como em uma tela de cinema. Tornase telespectador de um mundo onde tudo é fantasia. A arquitetura se torna imagem, representações clichês de outras culturas, tempos e lugares. O falso se torna real para um indivíduo que está sempre passando, desfrutando o superficial. “A cidade é um cenário. Aqueles que não têm lugar, que estão sempre indo de um lugar para o outro, criaram para si um lugar imaginário constituído por painéis decorados, para ser vista da janela de veículos, a cidade é um mundo de fantasias.” (BRISSAC, 1987, p. 205) Esse personagem pode ser identificado não só como um estrangeiro em seu próprio país, mas um estrangeiro há seu tempo. Sua idealização está em um período que não existe mais. Projeta seu imaginário em elementos do passado, tentando encontrar-se neles. Para identificar-se com um período que nunca vivenciou, molda o tempo a sua maneira. Inexistente em seu presente, não há a obrigatoriedade de confrontamento com o real, o que possibilita qualifica-lo sempre como uma época melhor do que a que vive. Essa análise em movimento foi explorada espacialmente pelo personagem, em alguns pontos turísticos da cidade de São Paulo; são eles: Avenida Paulista, Baixa Augusta, Beco do Batman (Vila Madalena), Praça da República, o cruzamento da



Avenida Ipiranga com a Avenida São João, Largo do Arouche, Liberdade, Bixiga e Estação da Luz. Selecionados a partir das divulgações midiáticas que abrangem estes espaços, transformando-os “objetos de consumo”.

23d



REMEMORAÇÃO

25d

Seguindo a cronologia dos personagens; após realizar as investigações do detetive, que proporcionaram os destinos do viajante; as experiências vividas pediam mais um personagem: o colecionador. O ultimo estágio de meus ensaios literários, o personagem com o maior nível de consciência e compreensão da cidade, e de si mesmo se comparado aos demais. Colecionador de memórias, de personalidade e de experiências no espaço; objetificadas.



A partir do entendimento explorado nas obras de Walter Benjamin, onde o próprio também cultivava o colecionismo (de livros), a paixão era sentimento regente nesta prática. No entanto, ao contrário do que possa parecer, este sentimento não se dá pelos objetos enquanto objetos que são, mas a partir do simbolismo que carrega por meio de sua origem e duração na história. Paixão esta também atrelada à memória e história individual do colecionador. O objeto enquanto elemento colecionado é desconectado de toda sua funcionalidade, para poder integrar-se a seu novo fim: a coleção. Livre de significados torna-se possível sua ressignificação enquanto elemento que se inscreve no espaço e carrega sua história. [...] uma relação com as coisas que não põe em destaque o seu valor funcional ou utilitário, a sua serventia, mas que as estuda como palco, como cenário de seu destino. (BENJAMIN, 1995, p.228, apud. FLORES, 2010).

27d

A ideia de pertencimento a este objeto também é revista, uma vez desvinculada a seu uso funcional, o olhar do colecionador que o possui, é muito mais complexo e significativo, comparado ao olhar de um proprietário utilitário. Este sujeito objetifica estas memórias como fragmentos de uma história, que ao relacionarem-se, apresentam-se como uma narrativa figurada; alegorias. Sua metodologia em reportar estas lembranças ao presente, esta em sua representação espacial. Coleta vestígios que contem sua experiência de vida, individual e contextualizada;



sendo assim podem ser incompreendidos enquanto sua organização, uma vez que esta coleção não necessariamente se faz de objetos de uma mesma ordem. A revisitação a sua coleção, é uma ação recorrente a este personagem. Se, coleciona objetos que resguardam memórias, revive-as todas as vezes que a reencontra. Justificando assim seu significado. A maneira metódica com que são guardados conota o preciosismo com que cada objeto é encarado, quando atrelado a seu significado.

29d



NARRAÇÃO

31 d

Todos estes personagens apresentam a busca pela identidade como objetivos em comum. Mas por qual motivo usam o imaginário para construí-la? Para estes indivíduos existir é fazer história, deixar sua marca no mundo. Por meio de seus sonhos, suas fantasias, e devaneios, atingem a perfeição, se reinventam e assumem exatamente a forma que qualificaram como a melhor possível. Faz história em seu mundo imaginário, com seu eu imaginário. Não há barreiras, não



a confrontamento com o real, tudo a sua volta pode ser exatamente o que deseja, e quando seu desejo modificar o resto modifica-se com ele, se adaptando. As experiências, extraídas de cada um destes personagens, são registradas a partir de discursos em primeira pessoa, voz íntima característica do romance. Não se identificam por nome, tão pouco gênero, acentuando esta procura por autoconhecimento, comum a todos. A forma como se apresentam e narram, retratam um fluxo de consciência que provém de interioridades psíquicas. Por meio de suas narrativas, denotam a consciência adquirida sobre seu meio, entrando em constantes questionamentos. Analisando narrativas de clássicos literários, notam-se, em alguns deles, a atenção dada aos sentimentos e psicologia dos personagens, por vezes maior do que a importância dada às descrições de paisagens. Como exemplo, temos a cidade do Rio de Janeiro, retratada nas obras de Machado de Assis e em O Cortiço de Aluísio de Azevedo.

33d

[...] Entre a cidade inventada e a cidade que cita a real, como em Balzac, Machado e Aluísio de Azevedo, existe a intenção. O primeiro narrador idealiza um modelo; o segundo parte de uma realidade para estabelecer uma cidade que é tão inventada quando a outra. A diferença está em que o narrador da cidade inventada terá de dispensar maior cuidado para caracterizar sua “cidade” e dar tons urbanísticos verossímeis a fim de que a cidade-modelo se pareça com uma cidade real. A cidade real, por



seu lado, também pode soar falsa se as relações dentro da obra não corresponderem aos dados da realidade. (LIMA; FERNANDES (org.), 2000, p.30). As compreensões extraídas destas análises, feitas a partir destas duas obras em específico, aponta apresentações de cidades que se dão não somente pela descrição espacial, mas nas características psicológica de seus personagens, estruturados como desajustes e críticas sociais. Encontradas também, na abordagem proposta em “Memórias de um Sargento de Milícias” – Manuel Antônio de Almeida, onde estas “várias cidades” são retratadas através da cidade barroca, urbanística e cotidiana, no decorrer do romance. O teor fictício dado à narração advém, além dos discursos sobre o imaginário urbano discorridos durante toda a pesquisa, de uma desqualificação literária do interesse pela verdade (introduzido no período modernista), manifestando assim, a subjetividade. Onde os personagens são observadores; formuladores de perguntas que estão fadadas ao fracasso, sem respostas. Os benefícios proporcionados ao leitor são analisados a partir do ponto de vista do filosofo Miguel de Cervantes; onde afirma que:

35d

“A vida dos personagens de ficção ilumina a vida dos personagens reais que somos. Os personagens de ficção e os reais não se confundem, mas dialogam entre si no ato da leitura” (LIMA; FERNANDES (org.), 2000, p.63).



A separação dos volumes “técnico” e “narrativos” justifica-se no intuito de promover ao leitor total desprendimento do mundo real. Imerso a estas narrações fictícias e subjetivas, mergulha na São Paulo imaginária de cada personagem.

37d



VALISE

39d

O Detetive, o Viajante e o Colecionador. Se analisarmos os motivos que registram e narram suas experiências, identificamos suas buscas em se reconhecerem por intermédio de suas memórias. Mas como resguarda-las inseridos nesta cidade em constante mutação? A valise (maleta ou mala) surgiu como um receptáculo destas memórias, materializadas pelos personagens com o objetivo de jamais desaparecerem, eterniza-las



no tempo mesmo com as transformações na cidade. Do ponto de vista do leitor, conceitualmente explorado na pesquisa, “imaginários materializados” possibilitam experiências sensitivas, perceptivas e afetivas, assegurando a inserção do mesmo, com o mundo particular imaginário de cada personagem. Investigando as propostas de organização de notas e trabalhos, empreendidas pelo artista plástico Marcel Duchamp, explora-se o conceito de “museus portáteis”. Na abordagem proposta, o leitor tem acesso a fragmentos do mundo imaginário relatado pelos personagens, “arquivados” ou guardados em um elemento comum aos três, visto sua funcionalidade.

41 d



[IN]CONCLUSÃO

43d

As inquietações iniciais permanecem; no entanto sana-las nunca foi meu objetivo. Como já mostrado durante todo o trabalho a partir das reflexões exploradas, encontrar uma resposta, lugar ou finalizar uma coleção, seria declarar morte a estes personagens; uma vez que sua vida assegura-se na constante busca. O mesmo se aplica quanto a minha imaginação. Declarar contentamento estagna minha condição inquieta, estado propulsor de toda esta viagem e inserção imaginária.



Banalizando o propósito da incorporação de cada um destes personagens e limitando a criações futuras. A sensibilidade adquirida ao realizar estes exercícios imaginários, incorporandome em problematizações, vivencia e experiências não exploradas anteriormente, me enriquecem quanto minha atuação como futura arquiteta. A motivação inicial em idealizar uma cidade perfeita a todos que o habitam, amadureceu na medida em que reconheci as diferentes abordagens sobre perfeição, sendo impossível homogeneizar uma solução.

45d


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.