Compêndio de matérias sobre Educação dos filhos de 0 a 10 anos Revista Ser Família‐ edições de 1 a 17
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Sumário 01
A agressividade infantil, crd: La Salut i Psicologia Social
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A idade da teimosia, por Autimio Antunes
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A música educa, por Álvaro Siviero
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Aprendendo a ler, por Carmen Silvia Porto
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Consumismo na infância, por Lais Fontenelle Pereira
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Desenvolvimento pisicossocial na primeira infância, por Ludmila Girão Antunes de Souza e Sheila Marina Van Blarcum de Graaff Misasi
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Elas e eles, por Carmen Silvia Porto
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Etiquetando os filhos, por Dora Porto
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O mundo dos livros, por Julia Manglano
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O dilema da autoridade dos pais, por Julia Manglano
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O hábito da ordem, por Julia Manglano
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Como multiplicar a inteligência, por Julia Manglano
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A criança terceirizada, por José Martins Filho
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Educação da vontade base para a felicidade, por Julia Manglano
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Estimulação através dos sentidos, por Carmen Silvia Porto
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Estimulação da Inteligência musical, por Julia Manglano
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Ao infinito e além, por Ricardo Regidor
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Os pesadelos noturnos, por Elena López
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1. A agressividade Infantil Fonte: Departamento de Psicologia de La Salut i Psicologia Social, Universitat autônoma de Barcelona. Projeto Fundos de Investigação Sanitaria Ref: 99/1199. Os pais são capazes de construir uma história de paz e serenidade na vida de seus filhos, basta saber como conduzi‐la. “Não sei o que acontece! Meu filho de cinco anos era tão bonzinho, tão ajuizado e obediente, e, de repente, sou chamada na escola e a orientadora me diz que ele está agressivo, rebelde e não obedece”! Por que os filhos, de repente, viram rebeldes? Calma... Primeiramente, não é de repente, faz parte de um processo que, muitas vezes, os pais não levam em consideração. A agressividade sempre foi um tema muito atual, com destaque à agressividade dos adolescentes. Mas estes adolescentes costumam ter uma história de condutas agressivas, desde a mais tenra idade. Palavra dos estudiosos Não há unanimidade, nem entre os estudiosos do assunto, em relação à definição de agressividade: não se considera um transtorno (não tem nenhuma classificação diagnóstica), mas, muitas vezes, apresenta‐se como uma conduta não adaptada, que acaba por se unir aos muitos
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transtornos. E, também, em certos períodos do desenvolvimento infantil, alguma agressividade é absolutamente normal. Não é o intuito aprofundar no terreno da psiquiatria, mas aproveitar‐se dos estudos e projetar luzes para as condutas normais que apresentam uma característica de agressividade temporária. A conduta agressiva em crianças, geralmente é influenciada por fatores individuais, familiares e ambientais. Vamos analisar apenas os FATORES FAMILIARES que podem influir na conduta agressiva. Há estudos sobre os fatores que potencializam e facilitam o aparecimento da agressividade: A depressão materna; algum tipo de psicopatologia; problemas de auto‐ estima; família mono parental; dificuldades econômicas; conflitos matrimoniais. Pais como modelos e educadores A falta de habilidades sociais e o comportamento inadequado são, entre outros, responsáveis pelo aparecimento de condutas agressivas. O exemplo dos pais (quando berram, gritam, reclamam dos filhos na frente dos outros) tem implicação na instauração de condutas agressivas. O que se entende por habilidades sociais? A forma de conviver, de falar, de se comportar, de se vestir, enfim, uma gama enorme de aptidões e 5
qualidades que tornam a convivência mais prazerosa e um ambiente que educa. Principalmente nessa fase, em que a mãe exerce maior influencia, a sua falta de habilidades sociais contribui para a instauração de um ambiente constrangedor, que inibe o crescimento pessoal e torna difícil a orientação e educação dos filhos de forma positiva e motivadora. Esses pais costumam ser controladores demais e não demonstrar aprovação aos filhos, nem respeitar sua autonomia. Diversos autores descrevem crianças submetidas a este tipo de ambiente como sujeitos que não aprenderam a se relacionar com os outros, a serem disciplinados para alcançar seus objetivos, nem a aceitar críticas. Depressão e hostilidade materna versus agressividade. É impressionante como o estado geral dos pais, e, sobretudo da mãe, influi drasticamente na conduta do filho pequeno. Há sim uma forte relação entre agressividade infantil e os problemas psicossociais maternos. Naturalmente, outros transtornos graves dos pais como os de personalidade anti‐social, depressão profunda e abuso de substâncias, são fatores de maior risco. Porém, como já mencionamos anteriormente, estamos procurando projetar luzes sobre a agressividade “normal” das crianças. 6
Dinâmica familiar Deve‐se fazer uma distinção entre as relações pai/filho e as interações que se dão entre todos os membros da família, isto é, entre o dia‐a‐dia adulto/criança e o contexto familiar. As pesquisas sobre famílias, geralmente apontam para o papel influenciador da interação mãe/filho. Pouco se tem falado sobre o efeito do apoio mútuo e implicação dos dois: o pai e a mãe, na criação do filho. Processos Dentro deste contexto de interação familiar, há certos processos que se destacam... Hostilidade e competitividade: Um dos mais estudados fatores de adaptação infantil em trabalhos sobre famílias foi o conflito entre os pais. Viu‐se que quando esta hostilidade se expressa abertamente, e envolve a criança, esta mostra claros sinais de ansiedade, inclusive em idades muito precoces. Porém, quando esta situação não a envolve, o impacto é menos negativo. O estresse do casal não é um fenômeno unilateral, determinados aspectos do casamento incidem diferentemente no ajuste da criança. Não há dados consistentes sobre as seqüelas do conflito matrimonial observado nos primeiros anos de vida. Mas poderíamos supor, neste sentido, que a hostilidade do casal atua como fator ambiental de inconsistência, incitando a criança a experimentar desequilíbrio interno e incerteza. Com o tempo, este desequilíbrio constante poderia evoluir para a frustração e impulsividade, que, mais tarde, daria lugar a 7
problemas de conduta. Desta maneira a dimensão hostilidade‐ competitividade seria fator de risco para o desenvolvimento da sintomatologia externa. O distanciamento, ou a exclusão, de um dos pais na relação com o filho, pode ser experimentado como um vazio na família, impulsionando a criança para sentimentos de insegurança, ansiedade, tristeza, levando‐a ao desenvolvimento de condutas anti‐sociais. O distanciamento, ou a exclusão, de um dos pais na relação com o filho, pode ser experimentado como um vazio na família, impulsionando a criança para sentimentos de insegurança, ansiedade, tristeza, levando‐a ao desenvolvimento de condutas anti‐sociais. Outro aspecto a considerar neste contexto é o “coparenting” encoberto: como atuam o pai e a mãe isoladamente, na coesão familiar, quando o outro cônjuge não está. Que imagem do cônjuge ausente se dá à criança? Os resultados do estudo de McHale apóiam a hipótese de que altos níveis de hostilidade; e pouca harmonia familiar se associa aos índices elevados de agressividade em idade infantil. Por outro lado, as crianças menos problemáticas eram aquelas que tinham um pai que promovia a coesão familiar e uma mãe pouco crítica com a postura do seu companheiro. Também é interessante saber que os pais mais coesos, na família são aqueles que mais acariciam os filhos nas diversas situações; e que estas famílias estão centradas no filho e existem poucas discrepâncias entre 8
os cônjuges. Aqui se percebe claramente como a ausência de afeto e de manifestações de carinho, por parte dos pais, podem se manifestar na criança com uma conduta mais agressiva. Estilos educativos É evidente que não existem soluções mágicas, mas há algo em que todos os pais podem refletir e adaptar ao seu contexto familiar: o efeito positivo na formação da personalidade dos filhos, de acordo com o estilo educativo adotado pelos pais. As práticas educativas paternas são avaliadas positivamente quando produzem nos filhos os seguintes efeitos personalizadores positivos: •
Formação de um autoconceito equilibrado, realista e positivo, base da autoconfiança e a segurança interior. As crianças descobrem a bondade e a justiça que têm suas ações, principalmente através da reação dos pais.
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Produção de um “eu” forte, capaz de valer‐se por si mesmo. A fortaleza do “eu” se manifesta na firmeza das convicções pessoais, na auto‐regulação, autodomínio, independência interior e criatividade. Que o filho vá assumindo, pouco a pouco, um grau de autonomia que é capaz de usar sem cair no desamparo.
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Disposição ao esforço pessoal, à auto‐superação e ao rendimento (particularmente necessário numa sociedade hedonista).
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Produção do sentido de responsabilidade e de compromisso pessoal nos filhos (a criança deve ir aprendendo que é pessoalmente responsável por suas ações, que há de calcular e assumir as conseqüências das opções livres na vida e que há de ser fiel aos seus compromissos).
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Competência social. Esta qualidade não significa só as habilidades da criança para comunicar‐se e desempenhar seus papéis sociais, mas também o gosto por compartilhar esforços e a solidariedade.
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2. A idade da teimosia Por: Autimio Antunes, pós‐graduando em Orientação Familiar pela Universidad Austral/Argentina. Todos os pais observam uma mudança de conduta em seus filhos por volta dos 3 anos, em média. É comum os pais manifestarem ‘meu filho era tão obediente e bonzinho e agora está tão desobediente e com uma teimosia incansável”! ‘Papais’ tenho uma notícia boa e uma ruim para dar: a ruim é que não existe receita para estabelecer condutas, e a boa é que a educação está baseada em tendências naturais de desenvolvimento. Por exemplo, é natural que a criança aprenda a falar por imitações dos pais, a partir de certa idade, que aprenda a andar com certa idade etc. Todo desenvolvimento, quer seja emocional, racional, ou físico, tem um momento e uma forma ideal de acontecer. Voltando às crianças de 3 anos, percebemos que passam a protestar quando são exigidos, querem impor sua vontade aos irmãos e amigos. Passam a distinguir entre o “meu” e o “teu”, e os conflitos e brigas tendem a aparecer, principalmente quando querem tirar seu brinquedo. E em algumas ocasiões se isola dos demais, brinca sozinho e fala consigo mesmo. Este novo comportamento, que denota rebeldia, recebe o nome de obstinação (teimosia), e nas meninas se inicia antes do que nos meninos.
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A obstinação pode unir‐se à violência: a criança mantém sua própria opinião e seu próprio desejo, ao qual se fixa com violência contra a oposição e desejos alheios. Como aquela mãe que nega um sorvete para o filho, por motivos que julga importante, e ele reage com chutes tapas, mordidas, gritos etc. Como se explica a aparição da fase de obstinação, violência e desobediência? Que forças e funções psíquicas atuam por trás deste modo de conduta próprio desta idade? Precisamos saber a respeito desta fase para não atrapalhar o desenvolvimento e crescimento das crianças para a independência e autonomia, além do crescimento e conhecimento de sua identidade, uma vez que, até então, ele não reconhecia um ‘eu’ e um ‘tu’. Até os 3 anos a criança se considera um prolongamento da mãe e os outros são apenas ‘coisas’. Vocês já devem ter percebido como as crianças, antes dos 3 anos, empurram as outras crianças como se fosse algo material, “uma cadeira e uma outra pessoa não têm diferença; são usadas ou empurradas da mesma forma”. Mas aos 3 anos, a criança começa a reconhecer e diferenciar as pessoas, pais, irmãos e amigos como ‘outros’. Assim se inicia a primeira crise de identidade, na qual a criança terá de se identificar como um ‘eu’, único e irrepetível. Entretanto, os conflitos fazem parte deste processo de identidade. Por isso devemos encarar as brigas entre amigos e irmãos como algo natural, muitas vezes interferir numa briga pode atrapalhar este processo de amadurecimento e independência. Levando em conta o 13
bom senso, é importante deixar que resolvam seus conflitos por conta. É muito comum presenciarmos em parquinhos infantis discussões entre mães porque o Joãozinho tirou o brinquedo do Pedrinho e este bateu no outro. Se as mães encarassem como um processo normal de desenvolvimento infantil, com certeza abrandariam, e muito, os seus ânimos. O próprio fato de uma criança tirar um brinquedo da outra faz com que ela vá percebendo que existe um outro que também tem desejos e opiniões que devem ser respeitados. E a intervenção da mãe pode querer dizer: “filho, você e seus desejos são únicos e não podem ser contrariados”, com o agravante de que a criança já tem esta convicção em mente, de que todos têm opiniões e desejos iguais aos seus. ‘Mamães’, não queiram educar seus filhos na generosidade como meta nesta fase, afinal é muito comum, também, as mães falarem para seus filhos: “você tem que emprestar seus brinquedos para seu amigo/irmão”. Chegará o momento propício para educá‐los em generosidade. O mais importante neste momento é saber identificar as outras crianças com desejos, opiniões e brinquedos próprios e que devem ser respeitados. Mesmo porque, as crianças só conseguirão desenvolver‐se bem nas próximas etapas, se ganharem a maturidade e autonomia próprias desta fase. Num primeiro momento, na idade da obstinação se produz uma mudança decisiva: o despertar da consciência do ‘eu’ manifestando o rompimento simbiótico da criança com o mundo e esta individualidade, em relação ao ambiente, ela descobre através de um conhecimento prático, e não teórico. 14
O sintoma desta individualidade e consciência do ‘eu’ é exatamente o uso, pela primeira vez, da palavra ‘eu’, enquanto que antes só falava de si na terceira pessoa. Marcas características da idade da obstinação: •
Possessivos: um impulso possessivo que não se refere somente às suas coisas, mas também em relação às pessoas. A criança quer que as pessoas que a rodeiam, especialmente a mãe, se dediquem exclusivamente à ela. A criança tem grande necessidade de carinho.
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Egoísmo: é tarefa educativa importante não satisfazer todos os desejos da criança. Do contrário, o egoísmo se tornará marca permanente de seu caráter.
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Manifestações de diferenças dos sexos: os meninos querem ser admirados pelo que fazem, enquanto as meninas querem ser admiradas pela beleza e suas roupas.
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Independência: as crianças tem necessidade de ampliar seu universo de conhecimento e descoberta de lugares novos e maiores. Esta ampliação do raio de ação traz novos perigos: escapam, sobem em árvores, atravessam ruas...
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O despertar da consciência do ‘eu’ gera o despertar da ‘vontade’. A criança começa a se dar conta de sua capacidade de querer e tenta fazer uso dela constantemente. No princípio, não possui o conhecimento dos valores e, por isso, não pode exercer uma conduta visando a um fim que tenha um valor em si, mas sim 15
devido ao prazer que lhe produz. Isto explica a mudança constante de objetivos com tanta facilidade. Nesta idade, a educação é fundamental para incutir os fundamentos para a posterior formação da consciência. Para isso são necessárias duas coisas: a criança tem de se submeter às imposições e, ao mesmo tempo, adquirir a consciência da sua capacidade de livre arbítrio. Mas no início sua percepção moral é ainda ingênua. Capta o que é bom ou mal quando está de acordo com as ordens e proibições, especialmente dos pais. Os pais têm de saber a medida adequada entre a liberdade e a imposição. Por um lado, impor limites onde julgar absolutamente necessário e deixá‐los livres naquilo que se pode permitir. A criança tem de se submeter às imposições e, ao mesmo tempo, adquirir a consciência da sua capacidade de livre arbítrio. Uma criança nesta idade que não aprendeu a colocar‐se em seu lugar e a renunciar a seus caprichos, não o saberá fazer depois e se tornará egoísta. Ao mesmo tempo, a criança que tem sua vontade paralisada por incompreensões, ou castigos corporais, não terá força nem audácia para defender seus justos objetivos. Será um adulto sem iniciativas e sem confiança em si mesmo.
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3. A Música educa Por: Álvaro Siviero, graduado em Física pela Universidade de São Paulo com especialização em Educação Multicultural pelo Lesley College, Cambridge.
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Faz não muito tempo participei de divertida conferência sobre o poder nutritivo dos alimentos. De modo natural, e com base científica, racionalizamos o óbvio: embora tudo possa ser ingerido, nem tudo faz bem. O famoso ‘junk food’ comprovadamente não agrega ‐ com todas as suas variações de frituras, balas e alimentos plásticos – valor nutricional, embora todos nos permitamos a experimentá‐los alguma vez, ou no caso de alguns, muitas vezes (que o digam os gordinhos e as gordinhas!). Pois bem, afirmo que a música é alimento da alma humana e que, por ser expressão criativa e sensível, potencializa a criatividade da pessoa e favorece o desenvolvimento afetivo e emocional. É interessante verificar que a audição começa a se desenvolver a partir do quarto mês de gestação e, antes mesmo do nascimento, o contato com o ‘som rítmico’ da batida do coração da mãe auxilia o feto a formar‐ se harmonicamente e a se sentir bem. Esse mesmo ‘som rítmico’ – as batidas do coração da mãe ‐ tranqüilizará o bebê quando houver estridências ao redor da criança. Suzuki, um exemplo entre muitos outros professores e estudiosos, chegou a comprovar a enorme facilidade que uma aluna sua de violino, de seis anos de idade, tinha para interpretar as peças que sua mãe havia escutado no período de gestação. Uma gestante comunica‐se com o filho pelo tato e, também, pela música. Este fenômeno é conhecido como estimulação precoce. O cérebro de uma criança ao nascer tem aproximadamente 10 milhões de neurônios, muitos deles ainda não conectados – a maioria – e que aguardam um estímulo necessário para que se integrem no circuito cerebral. Cientes de que desde o quarto mês da gestação o feto pode escutar, verifica‐se que a música tem influência direta no 18
desenvolvimento da mente, por meio do estímulo auditivo. Não se refere aqui somente ao aspecto físico ‐ o som que incide no ouvido e provoca uma reação psicomotora – mas à provocação de uma ativação e conseqüente desenvolvimento do pensamento. As estatísticas mostram que, como tendência geral, os bebês expostos à música tendem a ser mais tranqüilos, com um sentido de curiosidade mais aguçado e com inteligência e imaginação mais criativas. Sabe‐se também que nos três primeiros anos de vida o cérebro desenvolve 50% da sua capacidade. Favorecendo as conexões neuronais estamos, portanto, facilitando a aprendizagem: muitos músicos ‐ como Bach, Mozart, Beethoven ‐ asseguraram que seu amor à música lhes vinha do ambiente altamente musical em que viveram. Não se faz necessário ter um dom especial, um ouvido especial, para que isso seja possível e o que se pode fazer com a música não é somente fruto de uma habilidade inata, mas também dos estímulos que se recebeu. Muitos músicos ‐ como Bach, Mozart, Beethoven ‐ asseguraram que seu amor à música lhes vinha do ambiente altamente musical em que viveram. Um bebê tem experiências musicais desde que começa a ouvir: algo que cai, a batida do coração da mãe, a música que a mãe escuta antes que ele nasça... E o cérebro da criança vai assimilando tudo isso, ao mesmo tempo em que vai se estruturando. Oferecer estridências ‐ ruídos, sons desnorteados embebidos de gritaria – é contribuir para a criação da instabilidade e aumentar a insegurança que o bebê sente em relação a um mundo, completamente desconhecido para ele. Dom Campbell, em sua obra O efeito Mozart para crianças, afirma que a música põe em 19
conexão a parte racional do ser humano com a sua parte emocional. De fato, nos alegramos com a música alegre e protestamos diante da música desagradável. Outras pesquisas afirmam que a música também tem a capacidade de ampliar a concentração. Verificou‐se que a montagem de um quebra‐ cabeça, com música de fundo, tinha seu rendimento dobrado, o que não ocorria quando se tinha como fundo barulho de conversa, de TV, de uma máquina de lavar roupas acionada etc. Interessante foi a experiência de uma professora, em Madrid, que começou a utilizar música clássica tanto para realizar a troca de conteúdos como para dar algum intervalo entre as atividades e verificou, ao final do terceiro trimestre, que todos os seus alunos permaneciam nos seus locais, serenamente trabalhando, quando havia música clássica, mesmo quando se fazia necessário deixar a sala de aula por alguns breves minutos. Alguns autores afirmam que os que tocam algum instrumento chegam a ter mais facilidade de manifestar abertamente suas opiniões, pois o treino diário lhes capacita defender um ponto de vista musical e, inconscientemente, um crescimento em auto‐afirmação. Além disso, aprender a tocar um instrumento requer horas de prática e concentração e, se algo caracteriza a prática de um instrumento é a constância. A vida é em realidade uma partitura musical onde todos têm a sua posição – como fusas, semibreves, mínimas, com pausas – e, com o trabalho diário e o nosso comportamento, vamos fazendo a melodia cotidiana para o qual fomos criados. Pela nossa liberdade, não nos esqueçamos,
podemos
desafinar:
comportamento. 20
tudo
depende
de
nosso
A música clássica não é, portanto, música de entretenimento, mas de enriquecimento. Em uma sociedade evoluída – onde a família é sua primeira célula – esses dois conceitos costumam caminhar junto: a pessoa se entretém no enriquecimento. Uma sociedade que preza como valores, o famoso ‘popular’, valores culturais e estéticos que não vão ao encontro das aspirações humanas torna‐se cúmplice e responsável pelo que semeia. A música popular ‐ a música típica de um povo – pode e deve ser questionada quando o resultado de sua absorção desedifica, desumaniza, embrutece. E é isso o que verificamos nos dias atuais, infelizmente. O nível cultural e humano do nosso país está bastante baixo! Em uma sociedade evoluída – onde a família é sua primeira célula – esses dois conceitos costumam caminhar juntos: a pessoa se entretém no enriquecimento O crítico Arthur Nestrovsky afirmou que “a música clássica é – no domínio dos sons – o que é a literatura no domínio das palavras. O ouvinte lê com os ouvidos e, naturalmente, não necessita ser alfabetizado em música. Desprezar a chance de ouvir Bach, Mozart, seria o mesmo que proibir a si mesmo a leitura de Shakespeare”. E continua: “O que é preciso para conhecer música clássica? Começar. Todo o repertório virtualmente inteiro em CDs, transmissões por rádio e TV e o crescente número de apresentações tornam cada vez mais fácil o cultivo da verdadeira música. A idéia de se embrenhar pode ser amedrontadora, mas a porta de entrada é tão vasta que ninguém precisa ser ‘erudito’ para ouvir compositores eruditos. O que é necessário é interesse, sem preconceitos”. 21
A própria filosofia – enquanto ciência – afirma que toda pessoa adulta já teve, alguma vez, a experiência do encontro com coisas belas, com a formosura: uma estória preciosa, uma aula fascinante, uma garota maravilhosa. Todos esses adjetivos retratam o Belo, a Beleza. O pulchrum ‐ braço filosófico, iniciado no século XVIII, que busca o aprofundamento e intelecção do Belo – afirma a existência de formosuras profundas e ricas. Outras mais de superfície: essas comumente designadas pelo termo latino bellus ‐ bonito, encantador; enquanto aquelas pelo termo pulchrum, derivativo do grego polikroon que analisa a harmonia plural do humano. Entre esses dois extremos – o bellus e o pulchrum – há uma grande possibilidade de opções. A vida é feita de escolhas e a pessoa verdadeiramente livre sempre acaba optando pelo melhor. Fica o convite.
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4. Aprendendo a ler Por: Carmen Silvia Porto, Máster em Matrimônio e Família pela Universidade de Navarra/Espanha. O processo de aprender a ler pode ter início muito antes da alfabetização. Reconhecer palavras individuais e compreender que elas representam um objeto ou uma idéia é um passo básico na aprendizagem da leitura. Descobrir a capacidade de representarem uma idéia mais complicada já é um passo adicional e muito importante. Existem três importantes áreas da inteligência humana que se ocupam do aspecto intelectual: a leitura, o conhecimento geral e a matemática. A mais importante delas é a leitura, por onde deve começar todo o aprendizado. Ela é a base do desenvolvimento da inteligência dos nossos filhos. Portanto, o primeiro passo para multiplicar a inteligência do bebê consiste em ensiná‐lo a ler. O primeiro passo para multiplicar a inteligência do bebê consiste em ensiná‐lo a ler. O alicerce de toda inteligência é formado pelos ‘fatos’ (unidade mínima de informações), ou seja, sem eles não pode haver inteligência. O número de fatos que podemos armazenar está limitado pelo numero de células de memória que contem. A cada novo fato, o número de respostas que podemos obter aumenta numa curva exponencial. As palavras são fatos, os números são fatos e as imagens são fatos, especialmente se forem precisos, não ambíguos e certos. 24
A idade para começar a ler depende dos pais (não do bebê), mas quanto antes melhor. Com três meses de vida, já é possível iniciar o processo, embora a idade ideal seja um ano. Depois disso, a leitura se faz cada vez mais difícil. Com três meses de vida, já é possível iniciar o processo, embora a idade ideal seja um ano.. A criança de menos de cinco anos tem uma tremenda quantidade de energia e um enorme desejo de aprender. Esta criança pode aprender a ler e quer fazê‐lo. Pode aprender uma ou mais línguas completas com a mesma facilidade que entende a língua falada. Algumas regras: •
Jogo: O aprendizado da leitura deve ser focado como um jogo. Não podemos esquecer que o aprendizado é o jogo mais interessante da vida e não um trabalho. A prender é uma recompensa, não um castigo, um prazer e não uma tarefa.
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Tempo: O tempo empregado nos exercícios deve ser curto. No início, três vezes ao dia e por alguns minutos apenas, antes que a criança queira finalizar. Desta maneira, a criança voltará a pedir para recomeçar o jogo naturalmente.
•
Materiais: Cartões brancos, rígidos, onde escreveremos as palavras a serem utilizadas, que devem ser escritas com canetas de ponta grossa, de maneira clara e com um estilo constante.
Ao redor das letras deve ser mantida uma margem de pelo menos 1,2 cm. Os materiais começam com letras minúsculas, vermelhas e grandes e progressivamente vão mudando até minúsculas pretas de tamanho 25
normal. Isto é para que o caminho visual da criança amadureça e seja capaz de apreciar as impressões menores que se apresentam o seu cérebro. Para ensinar, num primeiro momento, 15 palavras bastam. Conforme eles vão aprendendo, podemos avançar. O mais fácil e eficaz é começar com as palavras ‘mamãe’, ‘papai’, o nome da criança etc. Devem ser termos familiares e objetos que rodeiam a criança. É bom incluir os nomes dos membros da família, animais domésticos, alimentos favoritos, objetos da casa e atividades preferidas. Coloque a palavra ‘mamãe’ longe de seu alcance e diga a ele ‘isto diz mamãe’, sem nenhuma outra descrição e sem pedir que repita. Depois da quinta palavra, manifeste afeto e dê beijos. Durante o primeiro dia, repita isso três vezes, separando as sessões por meia hora. Ao decorrer dos dias, o segredo é aumentar as sessões gradativamente, até chegar a nove sessões. Com estes exercícios, o caminho visual e seu cérebro são capazes de diferenciar um símbolo escrito de outro. Consegue‐se, também, o domínio da abstração mais notável: ler palavras. Quando a criança aprende as palavras de um livro, ela fica maravilhada e descobre o grande segredo de que este livro está falando com ela e só para ela. A partir desta descoberta, as crianças conseguem entender que as palavras conhecidas podem dispor de tal forma que se criam idéias totalmente novas. Não precisam aprender uma nova série de palavras cada vez que lêem outro texto.
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É uma descoberta muito importante. Poucos momentos de sua vida poderão comparar‐se a isto. Agora a criança pode ter alguém que fale com ela de uma nova maneira, novas conversações... E isso em qualquer momento desejado, basta pegar um livro novo. Ela começa a perceber que tem à sua disposição todo o conhecimento do homem: não só das pessoas que conhece em sua casa, mas também de pessoas distantes que nunca verá. Pode aproximar‐se de pessoas que viveram no passado, em outros lugares, outras épocas... E isso é fascinante! Exercícios práticos: •
Ler um livro real. Uma palavra, uma frase e uma página de cada vez. A escolha do livro é muito importante;
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Deve ter um vocabulário que não ultrapasse cento e cinqüenta palavras;
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Não ter mais de quinze ou vinte palavras em uma só pagina;
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As letras impressas não devem ter mais de 0,6 cm de altura;
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O texto e as ilustrações devem ter o máximo de separação possível.
Estes exercícios melhoram o crescimento cerebral e o desenvolvimento dos caminhos visuais. O alfabeto: será muito fácil de ser reconhecido depois de ter aprendido as palavras. Todo ensinamento afirma que se deve iniciar com o
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conhecido e o concreto, depois passarem para o novo e o desconhecido e, por fim, chegar ao abstrato. Nada pode ser mais abstrato para um cérebro de dois anos que a letra ‘A’. Ler letras é muito difícil, porque não se come um ‘a’, não se veste um ‘a’... Pode‐se comer uma fruta ou vestir uma camisa. Ainda que as letras que formam a palavra bola sejam abstratas, a bola não o é, por isso é mais simples apreender a palavra que as letras. Ainda que as letras que formam a palavra bola sejam abstratas, a bola não o é, por isso é mais simples apreender a palavra que as letras.
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5. Consumismo na infância: Um assunto que merece cuidado e atenção Por: Lais Fontenelle Pereira, mestre em Psicologia Clínica pela PUC‐Rio, autora da Coluna Consumindo Ideias na Folhinha e coordenadora de Educação e Pesquisa do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana. Publicidade na TV. Ações de marketing dentro de escolas. Produtos licenciados. Embalagens chamativas... A infância foi mercantilizada e essas são somente algumas técnicas de comunicação mercadológica usadas para atrair os olhares e os corações de nossas crianças ‐ tão vulneráveis e indefesos frente ao apelo de mercado. Nosso tempo é urgente, ácido, fugaz e contrário à construção de experiência da infância, que nos remete ao encantamento, aos questionamentos e às descobertas. É o tempo do agora, do consumo e da descartabilidade, no qual o verbo foi substituído pela imagem, o afeto pelo presente e a criança pelo consumidor ‐ antes mesmo de estar apta ao exercício pleno da cidadania. A infância de hoje é precoce. Mães com dupla jornada de trabalho, pais com agendas lotadas, ruas violentas e sem espaço para as brincadeiras são outros aspectos da realidade vivenciada pela criança contemporânea, que está confinada a espaços privados, na ilusão de estar protegida. Outra pedagogia se instalou: a das mídias como a TV, os celulares e a internet, que falam diretamente com os pequenos. Dessa forma, a criança passou a compartilhar segredos e histórias antes restritos ao universo adulto. O uso dessas mídias não necessita de uma alfabetização formal: basta ligar um botão e pronto! A criança acessa o mundo. 30
A autoridade e os modelos anteriormente ligados à família e à escola parecem ter sido substituídos pelos modelos de consumo. As crianças desejam ser como os ídolos das telinhas e se identificam com estes pela posse de objetos. As mídias ocuparam o lugar de ditar os caminhos da infância, mas não assumiram esse papel pensando no bem‐estar das crianças. O mercado enxergou no abandono de nossos filhos em frente às telas uma chance de aumentar seus lucros e passou, então, a endereçar mensagens que se aproveitam da vulnerabilidade infantil e da falta de abstração de pensamento das crianças para vender. As crianças desejam ser como os ídolos das telinhas e se identificam com estes pela posse de objetos A publicidade não endereça às crianças somente mensagens de produtos ligados ao universo infantil, mas também de objetos adultos. Segundo pesquisa da Interscience de 2003, as crianças influenciam em 80% dos processos decisórios das compras da família, tornando‐se promotoras de venda dentro de casa. No entanto, elas são ainda frágeis diante das ilusões do mundo midiático. Até mais ou menos os seis anos, ainda misturam a programação televisiva com os comerciais. Por isso precisam ser não só protegidas, mas preparadas para esse novo mundo. A criança brasileira é a que mais assiste à televisão. Segundo dados do IBOPE de 2008, ela passa, em média, quase 5 horas do dia em frente às telas. Assim, essa mídia passou a ter o poder não só de entreter: de informar e educar também! Mas, a televisão, sendo o principal veículo da publicidade, educa para o consumismo e não para a cidadania. Passa valores materialistas: ‘é preciso ter para ser’. Seus efeitos transcendem
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as fronteiras do aparelho e afetam diretamente a formação subjetiva de nossas crianças. Antigamente, quem sabia o que a criança precisava eram seus cuidadores. Hoje, quem dita as regras parece ser o consumo. Isto posto, fica claro que os pais devem voltar a ‘tomar as rédeas’ de sua função social junto às crianças, de formar agentes autônomos, criativos e críticos. O resgate do diálogo entre adultos e crianças é imprescindível para o resgate da infância, enquanto um tempo de formação de hábitos. A criança será, em função do tempo em que vivemos, uma consumidora no futuro, logo, além da função do Estado de protegê‐la legalmente da comunicação mercadológica que lhes é dirigida, a família precisa prepará‐la para que seja uma cidadã e uma consumidora responsável. Precisamos, como pais e principais modelos, pensar sobre nossos próprios hábitos de consumo, além de educar nossas crianças para que tenham responsabilidade ao comprar. Nosso discurso deve ser coerente com nossos atos... Por isso, antes de consumir, temos que pensar se realmente precisamos daquele item e nos impactos que nosso consumo individual gera na vida coletiva. Se vivenciamos hoje grandes catástrofes e problemas ambientais, tais como devastação de florestas, extinção de espécies animais, acúmulo de lixo em localidades urbanas e as mudanças climáticas, é porque, além de não pensarmos nas consequências de nossas atitudes, estamos permitindo que nossas crianças sejam educadas para um consumo desenfreado. Que infância queremos?
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Como pais e principais modelos, precisamos pensar sobre nossos próprios hábitos de consumo, além de educar nossas crianças para que tenham responsabilidade ao comprar. Nossas crianças precisam ser priorizadas em nossa casa e em nosso país. É o que prevê o Art 227 de nossa Constituição Federal, que diz: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Criança precisa ter infância para ser criança. Precisa do olhar, da palavra, do acolhimento e da escuta. Precisa brincar. Ela precisa ser ouvida nos seus reais anseios, portanto resgate em você sua própria infância para ouvir nossas crianças. Recupere o diálogo com seus filhos. Esteja mais presente e dê menos presentes. Tire‐as da frente das telas. Brinquem. Passe valores mais humanos e menos consumistas. Comece a honrar a infância dentro de casa.
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