Concertos Teatro Bradesco serie pianistas 2015

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Temporada 2015

14 abril

Fテ。IO MARTINO

02 junho

RICARDO CASTRO

28 julho

ELIANE RODRIGUES

25 agosto

ANNA MALIKOVA

24 novembro

ARNALDO COHEN


Queridos amigos, Em sequência aos cinco extraordinários recitais de piano programados em 2014, é com grande satisfação que reabrimos, sempre apoiados pelo Minas Tênis Clube, a Série Pianistas dos “Concertos Teatro Bradesco”. Conforme anunciamos no ano passado, a série acrescenta, na Temporada 2015, outros cinco ilustres representantes do instrumento e seu magnífico repertório. Para a abertura, no dia 14 de abril, convidamos o brilhante jovem pianista brasileiro Fábio Martino, já aclamado pela plateia mineira em concertos com orquestra. O pianista faz sua primeira apresentação em recital na cidade. No dia 02 de junho, ouviremos o piano soberano de Ricardo Castro. Em seu belíssimo programa, interpretará, entre Debussy e Schumann, a sonata da célebre Marcha Fúnebre de Chopin. A brasileira Eliane Rodrigues, radicada na Bélgica e com décadas de sucesso na Europa, nos dá, no dia 28 de julho, a especial oportunidade de programá-la pela primeira vez na capital. Eliane apresenta um programa diversificado e revelador de sua versatilidade como intérprete. Anna Malikova, artista já reconhecida e admirada em nosso meio, assina o quarto recital da Série Pianistas, no dia 25 de agosto, executando duas sonatas de Scriabin. A integral das sonatas foi recentemente lançada em álbum duplo pela pianista russa, em homenagem ao centenário de morte do compositor. Para o encerramento da Temporada 2015, no dia 24 de novembro, sentimos orgulho de contar com a indiscutível participação de Arnaldo Cohen. Aguardamos com grande ansiedade o repertório instigante, que teremos o prazer de ouvir com o artista, em parte, pela primeira vez. Estamos felizes com a honrosa presença de nosso público fiel e de podermos celebrar juntos os mágicos momentos de boa música proporcionados pelos “Concertos Teatro Bradesco”. Celina Szrvinsk Diretora Artística dos “Concertos Teatro Bradesco”


Fテ。IO MARTINO

Friedrun Reinhold


14 de abril - terça-feira - 20h30 P

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A

LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827) Sonata nº 23 em fá menor, op.57 “Appassionata” Allegro assai Andante con moto Allegro ma non troppo - Presto

MAURICE RAVEL (1875-1937) Miroirs: (1905) Une barque sur l´océan Alborada del gracioso

FRANZ LISZT (1811-1886) Noturno nº3, “O lieb, so lang du lieben kannst” Rapsódia Espanhola S.254


Já aos cinco anos de idade FABIO MARTINO

Como solista, Fabio Martino interpreta internacional­

começou a tocar piano: no instrumento de sua avó, uma

mente concertos para piano e orquestra de Prokofiev,

professora em São Paulo. Dezessete anos mais tarde -

Rachmaninov, Beethoven, Schumann, Medtner, Mozart

após uma rigorosa formação nas principais universida-

entre outros, acompanhado por importantes orquestras

des do Brasil e Alemanha - Martino compra seu primeiro

nacionais e internacionais como OSESP, OSB, Filarmô-

instrumento Steinway. O dinheiro para tal veio do pri-

nica de Minas Gerias, Orquestra Sinfônica da Rádio da

meiro lugar no maior concurso internacional de piano

Baviera, Orquestra Filarmônica de Duisburg, entre tan-

da América Latina, o “BNDES”, com quantia equivalente

tas outras.

a 48 mil dólares. Na final, seus concorrentes eram um

Seus concertos e recitais no Festival Internacional de

japonês e um russo com respectivos 28 e 29 anos de idade.

Piano de Miami, no Gilmore Festival ou no Heidelberger Frühling, na Rádio NDR em Hannover ou no Gasteig

Um ano mais tarde, 2011, Martino conquista o primeiro

em Munique deixaram o público e crítica especializada

lugar com um prêmio de 10 mil euros no concurso inter-

extremamente impressionados.

nacional de piano “Ton und Erklärung” (som e palavra)

Em setembro de 2014, Martino toca novamente com a

promovido pelo Círculo Cultural da Economia Alemã. Martino é considerado ousado e ao mesmo tempo aberto a desafios no cenário pianístico internacional. Como uma marca registrada apresenta-se sempre com uma gravata borboleta de laço feito a mão. Como próximo importante marco em sua carreira está o lançamento do seu primeiro CD solo com obras de Brahms, Schumann e as primeiras audições mundiais da 3a Sonata para piano de York Höller e dos 3 estudos intervalares de Edino Krieger. O compositor Höller elogia “a sua expressividade, o seu poder, a sua sensibilidade, sem deixar de mencionar a sua perfeita técnica ao piano...”. O “Frankfurter Allgemeiner Zeitung” escreve

Filarmônica de Minas Gerais em Belo Horizonte e com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo na Sala São Paulo além de dois recitais solo na série de solistas da OSESP.

“A Fantasia op. 17 de Schumann interpretada pelo pianista Fabio Martino ficará na minha memória musical: algo que não nos esquecemos. E nesse acervo pianístico da minha memória, estão também a interpretação da Fantasia op. 17 de Schumann com Nelson Freire, as Variações Sérias de Mendelssohn com Alicia de Larocha, a Partita em dó menor de Bach com Martha Argerich e a Sonata Op. 2 nº 3 de Beethoven com Vladimir Ashkenazy.”

Ronaldo Miranda, crítico e compositor

após um de seus concertos: “Fabio Martino reviveu energicamente o 5° concerto para piano e orquestra de Beethoven com uma força criadora decisiva, demonstrando prazer nas passagens harmoniosas, mas também vigor e brilho nos momentos de virtuosismo.“

.após um momento de concentração, foi como se Martino tivesse se inserido em uma outra esfera e entrado inteiramente na obra-prima de Beethoven, com toque sensível e interpretação soberana...”

Neue Musikzeitung e Münchner Merkur, Alemanha


“Leia a Tempestade de Shakespeare”, respondeu LUDWIG VAN BEETHOVEN ao ser indagado sobre o sentido das sonatas Opus 31 nº2 e Opus 57. O caráter indômito das duas obras reflete uma faceta do espírito beethoveniano daquele momento e, sob todos os aspectos, são dramas clássicos para piano. Beethoven compôs a Sonata op.57 entre os anos 1804 e 1805, em Viena, dois anos após escrever o Testamento de Heiligenstadt - um relato angustiado de sua crescente surdez no qual cogita o suicídio. Em 1838, o editor Cranz deu o subtítulo “Appassionata” à obra, porém sabe-se que Beethoven já havia conhecido esse título, que não o desagradou. Segundo Czerny, Beethoven considerava a Appassionata sua sonata mais importante até aquele momento. Foi dedicada ao conde Franz von Brunswick, irmão das alunas prediletas de Beethoven: Charlotte, Thereza e Josephine. De coração fraco, Beethoven se apaixonara por elas, principalmente por Josephine: há quem diga que a filha de Josephine - que engravidara em 1812, época da enigmática “carta à Amada Imortal” - seria também filha do gênio de Bonn. “Oh espelho! A água fria congelada pelo tédio em teu quadro. Quantas vezes, por horas a fio, entristecido por sonhos procurei minhas memórias, como que folhas mortas debaixo do gelo? Quantas vezes me vi refletido em seu abismo profundo como um fantasma distante? Mas, oh horror! Nalgumas noites, em teu atroz manancial, reconheci a nudez do meu sonho desordenado!” Esse trecho do poema Hérodiade de Stéphane Mallarmé possibilita um vislumbre do que intentava M A U R I C E R AV E L ao intitular Miroirs (espelhos) o conjunto de cinco peças para piano compostas em 1905. Ravel vivia um período de múltiplas conquistas: renovação estética, afirmação como compositor sério e libertação das amarras acadêmicas, que não raro o desiludiram. Mallarmé fora então um importante referencial estético para Ravel e, por mais que a consolidação do ideal simbolista fosse transitória em sua música, propiciou-lhe reflexão e autoconhecimento O “espelho”, uma das quintessências do ideário simbolista, era um título sumamente adequado. “[Miroirs] são um conjunto de peças para piano que supõem mudança bastante considerável em minha evolução harmônica”, disse Ravel, “elas desconcertaram até os músicos mais acostumados à minha maneira de compor”. A ligação de Ravel com outros movimentos literários e pictóricos evidencia-se através das dedicatórias das peças de Miroirs aos integrantes da sociedade Les Apaches,

formada pela vanguarda artística francesa. Das cinco peças, o autor elegeu duas para transcrever para orquestra: Une barque sur l´océan e Alborada del gracioso. A última, uma colorida visão de Ravel sobre a Espanha, país que ele próprio afirmava ser sua “segunda pátria musical”, merece destaque para a tradução de seu título: “alborada” é uma serenata entoada ao amanhecer, “gracioso” é um dos personagens da antiga commedia dell’arte castelhana - um bufão amoroso, cômico e grotesco, semelhante à estereotipada figura de Don Quixote. A produção vocal de F R A N Z L I S Z T compreende aproximadamente 80 canções escritas sobre poemas em seis diferentes idiomas. Muitas existem na forma de piano solo, como os três Sonetos de Petrarca e os três Noturnos - também intitulados Liebesträume (Sonhos de Amor) - que Liszt musicou entre 1845 e 1849 e transcreveu para piano solo em 1850. Em geral as canções de Liszt são ecléticas e experimentais, e a sua inspiração parece ter sido social ou pessoal em vez de literária, com base em 44 poetas, com textos que vão de obras-primas reconhecidas a versos de salão triviais. O Noturno nº3 basea-se no poema O lieb, so lang du lieben kannst (oh amor, enquanto puderes amar) do poeta alemão Ferdinand Freiligrath. Sua melodia, conhecida como Sonho de Amor, tornou-se uma das mais populares criações de Liszt. Liszt embebeu-se da cultura e da música espanhola - inclusive da cigana - durante os seis meses nos quais viajou em turnê como pianista por toda a península ibérica, em 1844. La romanesca I e II, Serenata espanhola, Rondó Fantástico sobre o tema espanhol “El Contrabandista”, Zingarella Spagnola, Romancero espagnol, Grande Fantasia de Concerto sobre Árias Espanholas: são exemplos de obras de Liszt para piano sobre temas espanhóis ou de influência espanhola que, por desconhecimento ou inacessibilidade, não fazem parte do habitual repertório de concerto. Não é o caso da Rapsódia Espanhola, concluída em 1863 e publicada em 1867, obra exuberante na qual Liszt conjuga duas impressões musicais da Espanha: uma culta, baseada em La folía, e outra popular, baseada na La jota aragonesa. La folía, ou Folies d’espagne, remonta ao século XV e já inspirou nada menos que 150 compositores a compor variações sobre seu tema. Marcelo Corrêa


RICARDO CASTRO


02 de junho - terça-feira - 20h30 P

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CLAUDE DEBUSSY (1862-1918) Images (Livro II) Cloches à travers les feuilles Et la lune descend sur le temple qui fut Poissons d’Or

FRÉDÉRIC CHOPIN (1810-1849) Sonata nº2 em si bemol menor op. 35 Grave - Doppio movimento Scherzo Marche funèbre - Lento Finale - Presto

ROBERT SCHUMANN (1810-1856) Estudos Sinfônicos, op.13


Em 1993, RICARDO CASTRO recebeu o pri-

Félicitations du Jury”. Neste mesmo ano foi vencedor

meiro lugar no prestigioso “Leeds International Piano

(ex-aequo) do Concurso Internacional da ARD de Muni-

Competition” na Inglaterra sendo o primeiro vencedor

que dando assim o primeiro impulso na sua carreira

latino-americano desde sua fundação em 1963.

internacional. Pouco depois completou seus estudos de

Radicado na Suíça desde 1984, já foi solista em concertos

piano em Paris com Dominique Merlet.

da City of Birmingham Symphony, Tokyo Philharmonic,

Em 2003 iniciou uma colaboração em duo com a pia-

Orchestre de la Suisse Romande, Mozarteum de Salz-

nista Maria João Pires. Juntos fizeram uma série de reci-

burg, BBC Philharmonic , English Chamber , Academy

tais nas mais importantes salas de concerto da Europa,

of St. Martin in the Fields. Já colaborou com Sir Simon

dentre as quais Konzerthaus em Viena, Palau de la

Rattle, Yakov Kreizberg, John Neschling, Kazimierz Kord,

Música em Barcelona, Alte Oper de Frankfurt, Auditório

Gilbert Varga, Alexander Lazarev e Michioshi Inoue.

Nacional de Madrid, Théâtre des Champs Elysées, Con-

Suas apresentações e gravações são aclamadas pela crí-

certgebouw de Amsterdam e Tonhalle de Zurich.

tica internacional. Nascido em Vitória da Conquista, Bahia, começou espontaneamente a tocar piano aos 3 anos de idade. Com 5 anos foi admitido em caráter excepcional nos Seminários de Música de Salvador, famosa escola que hoje faz parte da UFBa. Brilhante aluno de Esther Car-

Em janeiro de 2005 foi lançado o primeiro CD do duo pelo selo Deutsche Grammophon com obras de Franz Schubert a solo e a quatro mãos. Ricardo Castro já gravou vários discos para o selo Arte Nova - BMG com obras de W. A. Mozart, Manuel De Falla,

doso, aos 8 anos deu seu primeiro recital e aos 10 tocou

Franz Liszt e um box de 5 cds “Master Pieces” dedicado à

o Concerto em Ré Maior de Haydn acompanhado pela

Fréderic Chopin para comemorar os 150 anos da morte

Orquestra da UFBa.

do compositor.

Em 1984 foi com recursos próprios estudar na Europa.

As atividades pedagógicas e sociais tem sido uma cons-

Entrou no Conservatório Superior de Música de Gene-

tante na sua vida. É professor de um exclusivo grupo de

bra na classe de virtuosidade de Maria Tipo e na classe

jovens pianistas profissionais na “Haute École de Musi-

de regência de Arpad Gerecz. Primeiro lugar dos con-

que” de Lausanne, Suíça e é desde 2007 Diretor Fun-

cursos Rahn em Zurique em 1985 e Pembaur em Berna

dador do NEOJIBA – Núcleos Estaduais de Orquestras

em 1986, recebeu do conservatório de Genebra em

Juvenis e Infantis da Bahia, um programa pioneiro no

1987, o “Premier Prix de Virtuosité avec Distinction et

Brasil inspirado no famoso “El Sistema” da Venezuela.


“Você tocou Images?”, escreveu CLAUDE DEBUSSY ao editor da obra, “sem falsa modéstia, creio que estas três peças se sustentam e que tomarão lugar na literatura do piano... à esquerda de Schumann, ou à direita de Chopin... como quiser”. Mesmo se referindo ao primeiro caderno de Images para piano, Debussy faz uma previsão acertada e, coincidentemente, anuncia o presente programa: Images ao lado de obras-primas de Schumann e Chopin. Debussy compôs quatro cadernos de Images, contendo três peças cada, sendo eles Images Oubliées (1894), Images I (1905), Images II (1907) e Images pour orchestre (1912). Este último, formado por três peças orquestrais inicialmente concebidas para dois pianos. Debussy, na verdade, já iniciara esse processo de transmutação sonora de imagens, símbolos e impressões no caderno de Estampes (1903), também contendo três peças para piano. Se as séries de Images para piano são consideravelmente mais abstratas que Estampes, as peças de Images II representam uma espantosa evolução tímbrico-pianística com relação à primeira série. O refinamento da escrita polifônica do segundo caderno pode ser exemplificado diretamente pela partitura: toda a música é distribuída em três pautas - ao contrário de Images I, escrita em duas pautas. É como se o pianista precisasse de três mãos para conseguir tocá-la! As duas primeiras peças sugerem a atmosfera noturnal - Cloches à travers les feuilles (Sinos através das folhagens), Et la lune descend sur le temple qui fut (E a lua desce sobre o templo que foi) - e a terceira, Poissons d’Or (Peixes dourados) é uma radiante sugestão simbólica de um biombo japonês em laca com detalhes em dourado e madrepérola que o compositor tinha em seu estúdio. Quando FRÉDÉRIC CHOPIN começou a compor para o piano em meados de 1820, como todos os compositores do romantismo ele tinha diante dos olhos os modelos opressores das 32 Sonatas de Beethoven. “Quem estará em condição de fazer algo depois de Beethoven?”, perguntou Schubert. Alfred Cortot tentou diferenciar as sonatas de Beethoven e Chopin dizendo que em Beethoven traduzem-se sentimentos de ordem universal e em Chopin manifestam-se sentimentos pessoais, assim como em Schumann. Já Schumann, acerca da Sonata Op. 35 de Chopin, escreveu: “Dar a isto o nome de sonata é uma extravagância, quando não uma vaidade. Isto porque ele apenas reuniu quatro das suas mais loucas produções a fim de, pela fraude, introduzi-las com esse nome num lugar onde, de outro modo, elas talvez nunca teriam penetrado”. Embora a maior parte da Sonata ter sido composta em 1839, a célebre Marcha Fúnebre foi escrita dois anos antes. Não é surpreendente que este movimento se tornou o ponto central do Op.35, atuando como tema poético e determinando o caráter de toda a composição, concebida ciclicamente. Sobre o último movimento Schumann foi mais otimista: “Este grande movimento talvez seja a página mais

audaz até hoje escrita em toda a música. Nele aparece a morte em todo o realismo de sua força bruta que tudo destrói e arruína”. O enigmático final suscitou as mais diversas interpretações, tais como “a alma errante do morto” (Carl Tausig) ou “o murmúrio do vento noturno que sopra sobre as tumbas” (Anton Rubinstein). Inquirido sobre a significação deste, Chopin sugeriu: “Gente bisbilhotando depois do funeral” - uma resposta propositadamente frívola para uma pergunta um tanto retórica. Em 1830, após assistir a um concerto do virtuose do violino Nicolò Paganini, ROBERT SCHUMANN decidiuse por sua vocação musical: abandonou o curso de Direito em Heidelberg para estudar piano com o professor Friedrich Wieck, em Leipzig. A pretensão de ser o “Paganini do piano” contagiara muitos compositores da época: Chopin compôs as variações Souvenir de Paganini, Schumann compôs 6 Études de Concert d’après Paganini e Franz Liszt compôs os Études d’exécution transcendante d’après Paganini, dedicados à Clara Wieck, filha de Friedrich e futura senhora Schumann. Escritos em 1834, os Estudos Sinfônicos op.13 somam a sensibilidade de Schumann, o virtuosismo de Paganini e a capacidade polifônica do piano. A obra, estruturada na forma de tema com variações, associa-se ao anterior relacionamento amoroso de Robert Schumann com Ernestine von Fricken. Figura inspiradora na gênese de obras como o Allegro op.8, o Carnaval op.9 e Estudos Sinfônicos op.13, Ernestine era filha ilegítima do Barão von Fricken, flautista amador e autor do tema escolhido para variações do Opus 13. É de se imaginar que a jovem pianista Clara, após enamorar-se de Robert, passaria a renegar as obras que ele compusera sob os encantos de Ernestine. No entanto, existem fatos que comprovam o contrário. Quando em turnê pela Alemanha, Clara, proibida pelo pai de se encontrar com Robert, executou os Estudos Sinfônicos para a surpresa e o desgosto do velho Wieck. Ela sabia que o compositor, secretamente, estaria escondido na plateia: “toquei isso por não poder lhe mostrar o interior da minha alma. Não podia fazê-lo em segredo, logo fiz em público. Você acha que meu coração não tremia ao agir assim?”, confessou Clara. Tempos depois, um ano após a morte de Robert, Clara escolheu submeter os Estudos Sinfônicos à apreciação de seu ferino arquirrival, o compositor Richard Wagner, presente em um concerto em Zurique. Ela estava certa de que a alta qualidade da obra agradaria aquele severo crítico. Por fim, Clara, e também o próprio Friedrich Wieck, foram responsáveis por importantes edições da obra. Schumann compôs dezesseis variações, mas nunca as publicou na íntegra. Os Estudos Sinfônicos só foram publicados com o suplemento inédito por Johannes Brahms, em 1890. Marcelo Corrêa


ELIANE RODRIGUES


28 de julho - terça-feira - 20h30 P

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JOHANN SEBASTIAN BACH (1685-1750) / E. RODRIGUES Fantasia e Fuga em sol menor BWV 542

SERGEI RACHMANINOV (1873-1943) Prelúdio op.32 nº5, em sol maior Prelúdio op.32 nº10, em si menor Prelúdio op.23 nº5, em sol menor

FRANCISCO MIGNONE (1897-1986) Valsa de Esquina nº1 Valsa de Esquina nº5

NIKOLAI KAPUSTIN (1937) Estudo op.40 nº2 “Rêverie”, de 8 Jazz Concert Etudes

MAURICE RAVEL (1875-1937) Scarbo, de Gaspard de la Nuit

FRÉDÉRIC CHOPIN (1810-1849) Noturno op.55 nº2, em mi bemol maior Scherzo nº1 op.20, em si menor


ELIANE RODRIGUES nasceu no Rio de

grande impacto. Desde então, Eliane Rodrigues tem

Janeiro, onde seu talento musical foi descoberto muito

sido convidada a atuar em mais de 25 países em todo o

cedo e orientado por Helena Galo e Arnaldo Estrella.

mundo, em salas como Concertgebouw de Amsterdan,

Aos cinco anos tocou seu primeiro recital nessa cidade

Schauspielhaus de Berlim e Gewandhaus de Leipzig, e

e aos seis estreava na televisão, interpretando o Con-

cidades como Antuérpia, Bruxelas, Haia, Moscou, Nova

certo em Ré Maior de Haydn, sob a regência de Alceo

Iorque, Paris, Rio de Janeiro, Roterdan, São Petersburgo,

Bocchino com a Orquestra Sinfónica Nacional, concerto

Volgogrado, Zurique e muitas outras. O jornal “Die Welt”,

que logo depois também tocou com a Orquestra Sinfô-

em 1985, a caracterizou como “brilhante e tecnica-

nica Brasileira, dirigida por Eleazar de Carvalho e Isaac

mente perfeita”. Seu repertório eclético e vasto abrange

Karabtchevsky. Ao completar sete anos foi novamente

61 concertos para piano e orquestra.

solista da Orquestra Sinfônica Nacional, desta vez com o

Em 2002 tocou em São Petersburgo os 5 concertos para

maestro Edouard van Remoortel. No Conservatório Real

piano e orquestra de Prokofiev, tendo sido gravada a

da Antuérpia foi aluna de Jacques De Tiège.

integral em 2 CDs. Sua discografia inclui inúmeros CDs

Foi laureada nos EUA com o “prémio especial do júri” no

com o mais diversificado repertório.

concurso Van Cliburn e no Concurso Rainha Elisabeth,

Eliane Rodrigues é também regente e compositora e

sua execução do Concerto nº 4 de Beethoven causou

leciona no Conservatório Real na Antuérpia.


Foi o húngaro Franz Liszt quem iniciou a tradição de adaptar grandes obras organísticas de JOHANN SEBASTIAN BACH para o piano. Liszt, também um exímio organista, não raro interrompia suas turnês para realizar concertos em igrejas nas quais deparasse com um órgão de tubos. Ele transcreveu 6 Prelúdios e Fugas e a Fantasia e Fuga em sol menor BWV 542 de Bach, mantendo todas as notas da versão original. Da transcrição lisztiana do BWV 542 surgiram outras adaptações de grandes pianistas, como Szántó, Tagliapietra, Philipp e Eliane Rodrigues. Em 1892, SERGEI RACHMANINOV publicou seu primeiro opus para piano solo, intitulado Morceaux de Fantaisie op.3 (peças de fantasia), do qual faz parte o famoso Prelúdio em dó sustenido menor. Em 1901, compôs o Prelúdio op.23 nº5, em sol menor, publicado em 1903 juntamente com outros dez prelúdios. Posteriormente, Rachmaninov confessaria: “considero qualquer prelúdio do Opus 23 superior ao meu primeiro Prelúdio [em dó sustenido], mas o público não está disposto a compartilhar da minha crença”. Somente em 1910 o compositor se decidiria por completar o ciclo de 24 Prelúdios, seguindo a tradição iniciada por Bach e mantida por Chopin, Alkan e Scriabin. Para isso, compôs treze peças nas tonalidades não abordadas nos opus precedentes. O resultado foi o Opus 32, do qual fazem parte o Prelúdio op.32 nº5, em sol maior e o Prelúdio op.32 nº10, em si menor.

FRANCISCO MIGNONE compôs mais de cinquenta valsas para as mais variadas formações. Para piano, além de obras avulsas, escreveu três importantes conjuntos de peças do gênero: 12 Valsas de Esquina, 12 Valsas-choro, 7 Valsas-brasileiras. Batizado “rei da valsa” por Manuel Bandeira, Mignone tinha apenas 16 anos quando foi premiado em concurso de composição com a valsa Manon. As 12 Valsas de Esquina, escritas nas doze tonalidades menores, são de um período mais tardio - entre 1938 e 1943 - marcado pelo amadurecimento artístico e pela influência de Mário de Andrade. “De início as valsas de esquina não tinham esse nome não”, escreveu Mignone, “foi Mário de Andrade quem assim as denominou quando as ouviu pela primeira vez”. Mignone esclarece que, quando os chorões tocavam serenatas às amadas, “as esquinas serviam de refúgio, caso aparecesse um parente na rua para afugentar os boêmios perturbadores do silêncio noturno”. Stravinsky, Ravel, Copland e Martinu são exemplos dos muitos compositores clássicos que incorporaram elementos jazzísticos em sua música. O russo NIKOLAI KAPUSTIN incorpora a música clássica no jazz e combina Escola Pianística Russa com Earl Hines, Oscar Peterson e Chick Corea. Ao vermos suas partituras, é impossível não nos enlearmos diante da minuciosa descrição sonora, nota a nota, dos trejeitos do american jazz e seus afluentes. O genuíno jazz posto em formas

clássicas - sonata, variação, estudo, prelúdio e fuga - proporciona imenso deleite, a música é exuberante. Podemos confirma-lo com o Estudo op.40 nº2 “Rêverie”, dos 8 Estudos de Concerto escritos em 1984 juntamente com sua 1ª Sonata. O Estudo Rêverie inicia-se com uma sonhadora cascata de notas duplas - herança de Rachmaninov - que retornam após a seção central, mais jazzística idiomaticamente. Em 1908, MAURICE RAVEL compôs o tríptico para piano intitulado Gaspard de la Nuit: Trois poèmes pour piano d’après Aloysius Bertrand. O próprio compositor referiu-se à obra como “três poemas românticos de virtuosismo transcendente”: cada uma das peças - Ondine, Le Gibet e Scarbo - possui em si, um universo de dificuldades, sejam elas técnicas, estéticas ou mesmo simbólicas. A complexidade de Gaspard de la Nuit transcende para além das dificuldades pianísticas: ela atinge as fronteiras da complexa psique de Ravel, atormentado pela recente morte do pai e mergulhado na poesia obscura de Bertand. As aterradoras assombrações descritas nos poemas de Bertrand foram, por sua vez, inspiradas nos Contos Noturnos de Hoffmann e nos quadros de Rembrandt e Callot, bem representados na última peça: Scarbo. Predestinada a ser mais difícil que Islamey - a temida fantasia oriental cujo compositor, Balakirev, burilou por trinta anos - Scarbo descreve as traquinices de um gnomo enigmático, que se encontra em toda parte e em lugar nenhum. Do suor frio, da vertigem e do medo de se estar enlouquecendo, Scarbo surge e badala sua sineta dourada. Mas, “logo o seu corpo torna-se azul, translúcido como a cera de uma vela e de repente ele se extingue”. E num fugaz arpejo que interrompe a peça, o diabólico Scarbo de Ravel desaparece. Diferentemente de Beethoven, que consolidou o scherzo como movimento de sonatas, sinfonias e obras de câmara, F R ÉD ÉR I C C H O P I N firmou o gênero como movimento independente, um poema musical como dizia Alfred Cortot. A diferença acentua-se ainda pela ausência da jocosidade, substituída por um clima lúgubre e certa exaltação trágica logo questionada por Schumann: “como se vestirá a gravidade, se o humor usa véus tão escuros?”. O Scherzo nº1 carrega ainda a dor patriótica e a denúncia do momento atroz que Varsóvia vivia nas mãos dos russos: na seção intermediária da peça dissipam-se os estrondos e a agitação, dando voz à canção natalina polonesa “dorme, pequeno Jesus, dorme minha pérola!”. Chopin escreveu 21 Noturnos, atingindo a expressão máxima do gênero iniciado pelo compositor irlandês John Field. O Noturno op.55 nº2 difere dos demais por não abordar uma estrutura tripartida, pelo acompanhamento “cantante” constantemente modificado e pelas linhas melódicas expandidas e alinhavadas umas às outras. Uma expressiva e suave codetta ilumina o desfecho da obra. Marcelo Corrêa


ANNA MALIKOVA


25 de agosto - terça-feira - 20h30 P

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R

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A

FRÉDÉRIC CHOPIN (1810-1849) Balada nº4 em fá menor, op.52 Improviso nº2 em fá sustenido maior, op.36 Improviso nº3 em sol bemol maior, op.51 Andante Spianato e Grande Polonaise Brilhante, op.22

ALEXANDER SCRIABIN (1872-1915) Sonata nº3 em fá sustenido menor op. 23 Drammatico Allegretto Andante Presto con fuoco

Sonata nº5 op.53


ANNA MALIKOVA nasceu no Uzbequistão,

América do Sul, Oriente Médio e Extremo Oriente. Para-

onde recebeu suas primeiras aulas de piano com Tamara

lelamente é convidada como jurada de importantes

Popovich. Na Escola de Música Central e no Conservató-

concursos, como o Concurso Chopin em Moscou e Bei-

rio Tchaikovsky de Moscou estudou com Lev Naumov,

jing, Concurso Vianna da Motta, em Lisboa e Concurso

graduando-se nesta última instituição em 1991. Mais

Gyeongnam, na Coréia. Juntamente com sua agenda

tarde ela própria obteve o cargo de professora nesse

intensa de concertos, Anna Malikova aumenta conti-

Conservatório durante muitos anos. Sua carreira como

nuamente seu repertório gravado. Até o momento já

recitalista e solista de orquestra teve início na antiga

foram registradas em CD grande parte das obras impor-

União Soviética, tocando em cidades como Moscou, São

tantes de Chopin, assim como obras de Schubert, Liszt,

Petersburgo, Omsk, Baku, entre outras. Detentora de

Shostakovich, Prokofiev e Soler. Como destaque entre

prêmios em importantes concursos em Oslo, Varsóvia

as recentes gravações, encontram-se os cinco concer-

(Concurso Chopin) e Sydney, Anna Malikova começou

tos de Camille Saint-Saëns, com a Orquestra Sinfônica

a tocar mais frequentemente na Europa Ocidental. Pas-

da Rádio de Colônia, sob a regência de Thomas Sander-

sou a ser convidada por importantes orquestras como

ling. Essa produção ganhou em 2006 o Prêmio Internet

Orquestra de Câmera da Austrália, Sinfônica de Syd-

Clássica e foi aclamada entusiasticamente pela crítica

ney, Filarmônica Nacional de Varsóvia, Academia de St

internacional. Novo CD com obras de Tchaikovsky acaba

Martin in the Fields e a Orquestra Corporativa da Rádio

de ser lançado. Em seus projetos para 2011 e próximos

Bávara, entre várias. Em 1993, Anna Malikova obteve

anos incluem-se reiteradas turnês pela Europa, Coréia,

o primeiro prêmio no Concurso ARD de Munique, prê-

Japão e China. Malikova estará ativa como solista com

mio que por 12 anos consecutivos já não era oferecido

orquestra e recitais e também como jurada de concur-

a nenhum pianista. Este sucesso garantiu-lhe destaque

sos como o Concurso Europeu de Piano da França, Con-

no cenário internacional. Atualmente apresenta-se

curso Maria Canals da Espanha e Concurso Chopin da

como recitalista, camerista e solista por toda a Europa,

Rússia.


Sobre FRÉDÉRIC CHOPIN e suas Baladas, Schumann escreveu: “Ele contou-me que havia encontrado inspiração para as Baladas em alguns poemas de seu amigo e compatriota Mickiewicz, embora considere que seria muito mais fácil a um poeta encontrar palavras para suas músicas, pois comovem o mais íntimo da alma”. Segundo Charles Rosen, “as Baladas possuem forma narrativa, mas não possuem um programa. Não há acontecimentos, apenas expressão elegíaca, nelas a forma narrativa é preenchida por um conteúdo lírico”. O termo balada foi uma invenção de Chopin, no sentido por ele usado, pois se distanciava grandemente do gênero homônimo dançado e cantado pelos trovadores no século XIII. A 4ª Balada foi escrita em 1842, em Nohant, no castelo de George Sand, novelista excêntrica e companheira de Chopin. Ali passaram as férias de verão, na esperança de que o compositor se curasse da tuberculose. Um dos amigos que os acompanharam notou que, em nenhum momento, Chopin se afastara tanto do mundo como ao compor sua 4ª Balada, considerada frequentemente sua melhor obra.

Ao lado de Debussy e Stravinsky, ALEXANDER

Em 1830, aos vinte anos e ainda residindo em Varsóvia, Chopin escreveu a Polonaise em mi bemol, na versão para piano e orquestra. Em Paris, quatro anos depois, compôs o Andante spianato em sol maior para piano solo, obra plácida e noturnal, a qual Chopin preferia executar isoladamente ou preludiando outras de suas composições. Em 1836, ele publicou as duas obras em conjunto sob o nome de Grande Polonaise Brillante précédée d’un Andante spianato, para piano e orquestra. Em 1838, publicou a versão para piano-solo. O termo italiano spianato, originário do verbo spianare - “aplanar” ou “acalmar” - deriva da palavra piano, do italiano “suave”, nome abreviado do instrumento de Chopin: o pianoforte.

e selvagem, lançada num redemoinho de sofrimento e luta;

Em seus quatro Improvisos (impromptu, em francês) reina o espírito livre de uma música que, como descreve Alfred Cortot, “deveria parecer nascer, de alguma maneira, de sob os dedos do executante”. Os Improvisos de Chopin - dos quais faz parte a célebre Fantaisie-Impromptu - correspondem, ao mesmo tempo, à liberdade de inspiração e à um esquema formal pré-determinado. Os Improvisos op.36 e op.51, publicados em 1840 e 1843, respectivamente, mostram-nos o período tardio de Chopin, caracterizado pela total ausência do estilo galante inicial e marcado pelo conturbado relacionamento com a escritora George Sand, com quem viveu entre 1838 e 1847. Chopin foi exímio na arte de improvisar: tocava sem hesitação, embora ao tentar anotar passasse dias em confinamento. Modificou a indicação de andamento de dois Improvisos: o Allegretto, do op.36, transformou-se em Andantino e o Vivace, do op.51, em Vivace giusto.

mica e harmônica à melódica. Composta em 1907 - no decurso

SCRIABIN é considerado um dos pais da música moderna. Nasceu dez anos após Debussy e dez anos antes de Stravinsky, no entanto, faleceu prematuramente antes dos dois. Scriabin compôs doze sonatas para piano, além de notáveis estudos, prelúdios, poemas, improvisos, mazurcas e outras peças. Em 1890, mostrou antigas composições ao editor musical russo Jurgenson, que aceitou publicá-las. Em 1894, as peças publicadas chamaram a atenção do distinto crítico e editor Mitrofan Beliaiev, o qual, reconhecendo nelas verdadeira genialidade, decidiu não só publicar toda a música escrita por Scriabin como também patrocinar sua carreira artística. É desse período a Sonata nº3 em fá sustenido menor Op 23, iniciada em Paris, em 1897, ano do casamento de Scriabin com a jovem pianista Vera Isaakovich. A Sonata nº3, segundo o autor, evoca a impressão de um castelo em ruínas. Para cada movimento, Scriabin, posteriormente adicionou um programa descritivo: “I. Drammatico - a alma, livre II. Allegretto - a trégua momentânea e ilusória; III. Andante - um mar de sentimentos, vagos desejos, pensamentos inexplicáveis, ilusões de um sonho delicado. IV. Presto con fuoco - das profundezas se eleva a voz do homem criativo cuja canção ressoa triunfante. Mas, ainda muito fraco para alcançar o ápice, ele mergulha, temporariamente derrotado, no abismo do não ser”. A Sonata nº5 op.53 delineia uma nova fase na vida de Scriabin, marcada espiritualmente pela inspiração no ocultismo teosófico e, musicalmente, por sobrepujar a concepção rítde apenas seis dias - a Sonata nº5 é, segundo o compositor, uma de suas obras mais bem sucedidas: “minha quinta sonata é um grande poema para piano”. Foi composta juntamente com o Poema do Êxtase, obra orquestral acompanhada de um poema literário de autoria do próprio Scriabin, texto do qual a Sonata nº5 op.53 toma emprestada a seguinte epígrafe: “Exorto-vos à vida, desejo misterioso!/Afogado nas profundezas obscuras/Espírito criativo, temeroso/Centelha vital, eu vos trago audácia!” Caracterizada pelo rompimento com o editor Beliaiev e pela insatisfação de viver em Paris, a Sonata nº5 constitui uma das criações mais audaciosas e originais de Scriabin e, com toda sua complexidade e misticismo, é também uma das mais executadas. Marcelo Corrêa


ARNALDO COHEN


24 de novembro - terça-feira - 20h30 P

R O

G

R

A

M

A

CLAUDE DEBUSSY (1862-1918) Images (Livro I) Reflets dans l’eau Hommage à Rameau Mouvement

ISAAC ALBÉNIZ (1860-1909) Suite Iberia (Livro I) Evocacion El Puerto El Corpus Christi en Sevilla

INTERVALO

ALEXANDER SCRIABIN (1872-1915) Sonata nº2 em sol sustenido menor “Sonata-Fantasia”, op.19 Andante Presto

FRANZ LISZT (1811-1886) Sonata em si menor


ARNALDO COHEN foi o único aluno na história da universidade brasileira a graduar-se com grau máximo em piano e violino pela Escola de Música da UFRJ. Teve no grande pianista brasileiro Jacques Klein seu principal mestre. Conquistou por unanimidade o 1º Prêmio no Concurso Internacional Busoni, na Itália e, desde então, apresentou-se em mais de 2.000 concertos pelo mundo, como solista das mais importantes orquestras. A BBC Magazine definiu-o como um raro fenômeno. Para o selo sueco BIS gravou Cd dedicado à música brasileira e, sobre essa gravação, o crítico do jornal inglês The Times escreveu: “Cohen é possuidor de uma técnica extraordinária e capaz de chamuscar as teclas do piano ou derreter nossos corações”. Em 2006, a revista Gramophone escolheu a gravação de Cohen para o selo BIS, com obras de Liszt, para integrar a prestigiosa e seleta lista do Editor’s Choice e justificou: “Sua interpretação de Liszt não fica nada a dever à famosa gravação feita por Horowitz, tanto em cores como em temperamento. Sua maturidade musical e virtuosidade estonteante o colocam na mesma categoria de Richter”. A mesma Gramophone não poupou elogios ao CD de Cohen lançado recentemente como solista da Orquestra Sinfônica de São

Paulo sob a regência de John Neschling. Executando os dois concertos de Liszt e a Totentanz, o crítico Jeremy Nicholas resumiu: “difícil de superar”. Após viver mais de vinte anos em Londres, Cohen transferiu-se para os Estados Unidos em 2004, tornando-se assim o primeiro músico brasileiro a assumir uma cátedra vitalícia na Escola de Música da Universidade de Indiana. Na Inglaterra, Cohen lecionou na Royal Academy of Music e no Royal Northern College of Music, onde recebeu o título de Fellow Honoris Causa. Seu interesse pela vida acadêmica levou-o a participar como jurado de vários concursos internacionais como o Concurso Chopin, em Varsóvia. Os destaques da última temporada incluem apresentações como solista das orquestras de Cleveland, Filadélfia, Los Angeles e Seattle, entre outras. O crítico Steve Smith do New York Times definiu a arte de Cohen: “Com uma técnica infalível, sua performance foi um modelo de equilíbrio e de imaginação.” Yehudi Menuhin, um dos mais importantes músicos do século XX, foi mais longe: “Arnaldo Cohen é um dos mais extraordinários pianistas que já ouvi”.


O primeiro livro de Images para piano de CLAUDE DEBUSSY marca o exato ponto central de uma evolução - ou revolução - que o compositor imporia ao instrumento em menos de três décadas. Escrita após L’Isle Joyeuse (1904), obra que encerra com chave de ouro a fase anterior, Images I (1905) coincide com o nevrálgico ano no qual Einstein expõe a Teoria da Relatividade e comprova a Teoria Atômica, Freud publica Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade e Monet pinta a série Nymphéas e Reflets dans l’eau. O último quadro é homônimo à música de Debussy, a qual introduz magnificamente as duas séries de Images. A peça Hommage à Rameau, conforme Debussy, reverencia “o gosto perfeito e a elegância austera que formam a beleza absoluta da música de Rameau”. Debussy compôs uma dança “no estilo de uma sarabanda”, sem, entretanto, pretender recriar o estilo do homenageado. Mouvement é uma espécie de moto perpétuo maquinal, enérgico, que se adensa lançando fagulhas numa rotação contínua de tercinas, e se esvai alcançando os extremos do instrumento, num pianíssimo sobreagudo presque plus rien, ou “quase nada”.

DER SCRIABIN compôs duas sonatas para piano

A Suite Ibéria, do compositor espanhol ISAAC ALBÉNIZ é um conjunto de doze peças publicadas em quatro livros. Foram compostas em Paris, em seus últimos quatro anos de vida e, estilisticamente, se distanciam das charmosas peças de salão que marcaram sua produção pianística até o momento. A obra conjuga nacionalismo espanhol - escola da qual foi um dos precursores; pianismo exuberante - herança de seu mestre Franz Liszt; e técnicas impressionistas de composição - reflexo do contato com Claude Debussy. “A música nunca alcançara tal impressão colorida e diversificada”, escreveu Debussy, “de olhos fechados, nos deslumbramos a contemplar tal riqueza de imagens”. Albéniz deu o subtítulo de “12 nouvelles ‘impressions’ en quatre cahiers”, reforçando a qualidade descritiva da obra. A primeira peça, Evocación, pórtico de entrada para a Suite, prepara o ouvinte para a evocação de elementos ibéricos, como o fandanguillo vasco, transmutado pela lenteza e expressividade. El Puerto descreve uma alegre cena em El Puerto de Santa María, próximo à cidade de Cádiz, na Andaluzia. El Corpus Christi en Sevilla relata a impressão de se assistir a celebração do Corpus Christi sevilhano. A peça se inicia com o ressoar distante de tambores, que se aproximam trazendo a canção infantil La Tarara - um raro caso de paráfrase na obra de Albéniz. Em seguida irrompe a copla seção central da peça - na qual surge um canto devocional e meditativo conhecido como saeta, entoado espontaneamente durante as procissões espanholas da Semana Santa.

A importância de FRANZ LISZT para a história da música necessita ainda de uma reavaliação adequada. Entre as primeiras obras, cuja impulsividade juvenil o próprio compositor moldou em novas revisões, e as últimas obras, sacras e de menor escala, mas plenas de significado, está um conjunto de composições do período de Weimar e Roma, no qual ele expandiu a estrutura da música orquestral e antecipou profeticamente os próximos passos da música moderna. Criador do poema sinfônico, foi também o primeiro a compor música deliberadamente sem tonalidade e o primeiro a conceber um tema de doze tons, perceptível nos compassos iniciais de sua grandiosa Sinfonia Fausto, iniciada em 1854. Um ano antes, em 1853, ele concluiu sua maior obra pianística, a Sonata em Si menor, que representa um verdadeiro marco na história da música: é a primeira obra do gênero composta em um só movimento, constituindo o mais ousado e determinante avanço na forma-sonata desde Beethoven. Numa comparação com os temas da Sinfonia Fausto - inspirada em Lenau, não em Goethe - podemos enxergar na grandiosa Sonata em Si menor os elementos da morte, do amor e da redenção, conjugados com aparições das personagens Mefistófeles, Gretchen e Fausto. Por outro lado, o autor omitiu qualquer associação que pudesse atuar sobre a percepção das estruturas temáticas e seu percurso formal, o que poderia desvirtuar a obra como música absoluta ou não programática. A Sonata em Si menor é dedicada a Robert Schumann em retribuição à dedicatória de sua Fantasia op.17, feita a Liszt em 1839.

Como não confundir duas obras do mesmo autor, com o mesmo título, subtítulo e tonalidade? Pois ALEXAN-

em sol sustenido menor, ambas intituladas “sonata-fantasia”. Se a origem desse gênero híbrido, síntese do formal e do rapsódico, deve-se ao Opus 27 de Beethoven - sonata quasi una fantasia - ou à Sonata Dante de Liszt - fantasia quasi sonata - será difícil precisar. Especula-se que uma sonata em um único movimento ou em movimentos interligados faria jus ao título de fantasia, e não ao de sonata. Em 1886, quando tinha quatorze anos, Scriabin escreveu sua primeira Sonata-Fantasia e a dedicou à paixão juvenil, Natalya Sekerina. A obra, composta antes de Scriabin ingressar no Conservatório de Moscou, só foi publicada postumamente. A segunda Sonata-Fantasia de Scriabin foi iniciada em 1892 e levou cinco anos para ser concluída. Foi publicada em vida do compositor, com ordenamento e catalogação - nº2 op.19 - e, segundo seu editor, Beliaiev, teve o mar como fonte inspiradora. Scriabin, em carta à sua esposa, escreveu: “uma composição é sempre multiforme, ela vive e respira; hoje é assim, amanhã será diferente - como o mar. Quão terrível seria se o mar permanecesse imóvel e rígido!”.

Marcelo Corrêa


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