Uma Elegia Africana

Page 1

ROBERT DUNCAN

PARA UMA ELEGIA AFRICANA Tradução AFFONSO ÁVILA



Para uma elegia africana



Robert Duncan

Para uma elegia africana Traduテァテ」o Affonso テ」ila

2011


Toward an African elegy In the groves of Africa from their natural wonder the wildebeest, zebra, the okapi, the elephant, have enterd the marvelous. No greater marvelous know I than the mind’s natural jungle. The wives of the Congo distil there their red and the husbands hunt lion with spear and paint Death-spore on their shields, wear his teeth claws and hair on ordinary occasions. There the Swahili open his doors, let loose thru the trees the tides of Death’s sound and distil from their leaves the terrible red. He is the consort of dreams I have seen, heard in the orchestral dark like the barking of dogs.


Para uma elegia Africana Nos bosques da África de seu natural prodígio o mais selvagem, zebra, o ocapi, o elefante, introduziu-se o maravilhoso. Nada maravilhoso conheço eu maior que a nativa selva do pensamento. As esposas do Congo ali destilam seu sangue e os maridos caçam leão com as lanças e pintam espórios-da-Morte nos escudos, usam seus dentes garras e cabeleira nas habituais cerimônias. Ali o Swahili abre suas portas, desencadeia entre as árvores as marés de som da Morte e destila de suas folhas o terrível vermelho. É o concerto de sonhos que eu tenho visto, ouvido na orquestral escuridão como o latido de cães.


Death is the dog-headed man zebra-striped and surrounded by silence who walks like a lion, who is black. It was his voice crying come back that Virgínia Woolf heard, turnd her fine skull, hounded and haunted, stoppd, pointed into the scent where I see her in willows, in fog, at the river of sound in the trees, prepare there to enter Death’s mountains like a white Afghan hound pass into the forest, closed after, let loose in the leaves with more grace than a hound and more wonder there even with flowers wound in her hair, allowing herself like Ophelia a last pastoral gesture of love toward the world; and I see all our tortures absolved in the fog, dispersed in Death’s forests, forgotten. I see all this gentleness like a hound in the water float upward and outward beyond my dark hand.


A Morte é o homem de cabeça-de-cão zebra-listrado e cercado pelo silêncio que caminha como um leão, que é negro. Foi sua voz chorando de volta que Virginia Woolf escutou, perturbado seu claro juízo, perseguido e acuado, paralisado, apontado para o rastro onde eu a diviso entre os salgueiros, na neblina, ao rio de som nas árvores, pronta a penetrar nas montanhas da Morte como o passo de um branco cão-de-caça afegão dentro da floresta, a desprender-se entre folhas com mais graça que um cão-de-caça e ainda ali mais maravilha com flores esparsas no cabelo, permitindo-se ela mesma como Ofélia um último gesto bucólico de amor para o mundo; e eu vejo todos os nossos tormentos absolvidos na neblina, dispersados nas florestas da Morte, esquecidos. Eu vejo toda esta suavidade como um cão-de-caça na água flutuar visível fora do alcance de minha negra mão.


I am waiting this winter in the black of love for the Negro armies in the eucalyptus, for the cities laid open and the cold in the love-light, for hounds, women and birds to go back to their forests an leave us our solitude.


Eu aguardo este inverno no escuro do amor pelas legiões do Negro nos eucaliptos, pelas cidades reveladas e o frio no lume-do-amor, para cães-de-caça, mulheres e pássaros voltarem a suas florestas e deixar-nos nossa solidão.


Negroes, negroes, all those princes holding cups or rhinoceros bone, make magic with my blood. Where beautiful Marijuana towers taller than the eucalyptos, turns within the lips of the night an falls, falls downward, where as giant Kings we gatherd and devourd her burning hands and feet. O Moonbar there and Clarinet – those princes, quickend in their sheltering leaves like thieves, those negroes, all those princes holding to their mouths like Death the cups of rhino bone were there to burn my body, divine the limits of the bone and with their magic tie and twist me like a rope. I know no other continent of Africa more dark than this dark continent of my breast.


Os negros, os negros, todos aqueles príncipes segurando taças de ossos de rinoceronte, operam sortilégios com meu sangue. Onde belo cânhamo ergue-se mais alto que o eucalipto, inclina-se para os lábios da noite e tomba, tomba sobre o chão, onde como reis gigantes nós arrancássemos e devorássemos seus pés e mãos ardentes. Ó Moonbar ó Clarinet – aqueles príncipes, excitados como ladrões em seus enfolhados refúgios, aqueles negros, todos aqueles príncipes levando a suas bocas como a Morte as taças de ossos em que a arder estava meu corpo, predizem os limites dos ossos e com seu sortilégio atam e enrolam-me como uma corda. Eu não conheço nenhum outro continente da África mais sombrio que este sombrio continente de meu peito.


And when we are deserted there, when the rustling electric has passd thru the air, once more we begin in the blind and blood throat the African catches. The demon Desdemona wails whitin our bodies, riding, warns against this towering Moor of Self, and then laments her passing from him.


E quando estamos ali abandonados, quando o raio e seu rugido cruzaram o ar, recomeçamos na garganta e na tocaia do sangue a caçada africana. O demônio Desdêmona geme dentro de nossos corpos, cavalgando, adverte contra esse furioso Mouro do Eu, e então lamenta sua morte por ele.


And I cry: Hear in the coild and secretive ear the drums that I hear beat. All those princes holding cups of bones and horn are there in halls of blood that I call forests, in dark and shining caverns where beats heart and pulses brain, in jungles of my body, there, Othello moves, striped black and white, the dog-faced fear. Moves I, I, I, whom I have seen as black Othello, strange to my sight, pursued deliriously his sound and drownd in hunger’s tone, the deepest wilderness.


E eu grito: escutai no espiral e dissimulado ouvido os tambores que ouço bater. Todos aqueles príncipes empunhando taças de osso e chifre lá estão em antecâmaras de sangue que eu chamo florestas, em escuras e resplandecentes cavernas onde cérebro pulsa e bate coração, em selvas de meu corpo, e ali move Otelo, entre suas listras brancas e negras, o medo cara-de-cão. Move o Eu, o Eu, o Eu, a quem tenho encarado como a Otelo sinistro, estranho à minha vista, perseguido em delírio seu rumor e afogado em timbre de fome, o ermo mais profundo.


Then it was I, Death singing, who bewilderd the forest. I thot him my lover like a hound of great purity disturbing the jungle. This was the beginning of the ending year.


Depois foi o Eu, Morte canora, quem confundiu a floresta. Eu o imaginava minha amante como um cão-de-caça de grande inocência perturbando a selva. Este o começo do ano final.


From all of the empty the tortured appear and the bird-faced children crawl out of their fathers and into that never-filld pocket the no longer asking but silent, seeing nowhere the final sleep.


Em tudo o angustiado revelar-se do vazio e as crianças de cara-de-pássaro a rastejarem de seus pais e dentro daquele bolso-nunca-cheio a nenhuma pergunta mais longa que o silêncio, em lugar algum a visão do sono final.


The halls of Africa we seek in dreams as barriers of dream against the deep, and seas disturbd turn back upon their tides into the rooms deserted at the roots of love. There is no end. And how sad then is even the Congo. How the tired sirens come up from the water, not to be touchd but to lie on the rocks of the thunder. And how sad then is even the marvelous.


As antecâmeras da África nós a buscamos em sonhos como barreiras de sonho contra o abismo, e mares perturbados voltam-se sobre suas ondas para dentro de salas abandonadas às raízes do amor. Nenhum final existe. E então como sombrio é ainda o Congo. Como as cansadas sereias surgem das águas, não para serem tocadas mas para repousarem sobre os rochedos do trovão. E então como triste é ainda o maravilhoso.


Miniglossário SWAHILI – Língua banta falada no leste da África. MOONBAR – Presumível palavra montada pelo poeta: compasso lunar. CLARINET – Clarineta. OCAPI – Mamífero das selvas africanas. OFÉLIA, DESDÊMONA, OTELO – Personagens de tragédias de Shakespeare.


Robert Duncan Robert Duncan nasceu em Oakland, Califórnia, em 1919. Com vários livros publicados, inclusive algumas seleções de poemas em grande tiragem, ele foi a principal figura entre os poetas norteamericanos que centralizavam, no século XX, a sua atividade na cidade de São Francisco. Em 1957, obteve o Poetry’s Union Prize, grande láurea atribuída a poetas nos Estados Unidos. Esteve ligado aos movimentos da Beat Generation e de cultura “gay” norte-americanos, tendo publicado em 1944 o polêmico ensaio O homossexual na sociedade. Uma das mais qualificadas fontes para o estudo do poeta, sua obra e sua vida, é o livro Utopia and Dissent – Art, Poetry, and Politics in California. University of California Press, 1995. Duncan faleceu a 3 de fevereiro de 1988. O poema aqui apresentado em tradução, publicada em primeira mão pelo Suplemento Literário do “Minas Gerais”, 4 de março de 1967, pertence ao volume Selected Poems, da série The Pocket Poets, lançado pela editora City Lights Books, de São Francisco, em 1959.


Criação gráfica: Sérgio Luz Tiragem: 100 exemplares Papel Reciclato 80g Fonte Minion Pro, corpo 14




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.