A terra porvir

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Mestrado em Ciências da Religião Prof. Dr. João Batista Borges Pereira Sérgio de Souza Pires

“A Terra Porvir” Resenha da obra “O Celeste Porvir – A inserção do Protestantismo no Brasil”, de Antônio Gouvêa Mendonça.

Junho 2007


1- “A Terra Porvir” - A inserção do Protestantismo no Brasil

Quem são estes em busca da nova terra? Eles moram fora do Brasil, especificamente nos Estados Unidos da América, vivem e vestem-se como americanos. Quem são eles? São os brasileiros que tentam a vida em uma nova terra, onde acabam criando seus filhos sem identidade, já que vivem se dividindo entre as duas culturas. Essa geração começou a imigrar para os Estados Unidos na década de 80, quando centenas de brasileiros, motivados pelos fracassos dos planos econômicos, buscaram imigrar-se em busca de oportunidades de trabalho. De acordo com a revista eletrônica Jornal Hoje Missões1, existem mais de 30 mil brasileiros vivendo somente em Framingham2 no Estado de Massachusetts, onde possui uma das maiores comunidades de brasileiros dos Estados Unidos. Dentre eles, missionários, pastores e evangélicos de forma geral. Para debater este assunto, em maio deste ano aconteceu o Primeiro Congresso Internacional Visão Mundial – Brazilian Ministers Network (BMNET), que teve o seguinte tema: Tempo de Conquista. Este evento foi realizado em Wayland, outra cidade do Estado de Massachusetts e, contou com a presença de missionários imigrantes e convidados, a fim de discutir assuntos, como à questão imigratória. Um dos participantes desse encontro foi o sociólogo Paul Freston, que está realizando atualmente uma pesquisa sobre a presença de evangélicos brasileiros em outros países. Na análise ali desenvolvida, Freston apontou a necessidade urgente de que as igrejas que se encontram nesta diáspora evangélica (expressão dele) desenvolvam uma teologia do indocumentado´. Isso porque a maioria dos evangélicos brasileiros que moram nos Estados Unidos está em situação ilegal, assim como a dos pastores, que partiram para a América à procura de melhor sorte e, chegando lá, perceberam que poderiam exercer o pastorado. Este fato serve para exemplificar um novo contexto de missões, mais especificamente missionário. Entendemos por missionário3, o homem ou a mulher que

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www.jornalhoje.com.br/missoesjoje/index.htm (acessado em 15/06/2007) Localizada na região metropolitana de Boston 3 No cristianismo os missionários e as missionárias têm um significado importante. Os apóstolos foram os primeiros missionários cristãos. O cristianismo é até hoje uma religião missionária. 2


tem por função a pregação religiosa em locais onde sua religião ainda não foi difundida, realiza trabalho de promoção social ou em local que necessite de reavivamento do Evangelho. É uma figura comum dentro de diversas crenças. Na verdade dentro da concepção cristã, missionário é a figura do plantador de igrejas. Muitos confundem missões com atividades em regiões internacionais, porém, as missões podem ser locais, regionais, estaduais, nacionais, internacionais, mundiais, enfim, tudo vai do desprendimento do missionário. Baseado nesse contexto, estas missões aqui apresentadas em relação às missões tratadas por Antônio Gouvêa Mendonça, em seu livro, Celeste Porvir (1995), merecem ser analisadas para se perceber suas diferenças. A proposta de Mendonça em sua obra possui três facetas: a primeira, que a inserção do protestantismo na sociedade brasileira deu-se num momento histórico-social propício; segundo, que a aceitação do protestantismo ocorreu na camada “livre e pobre” da população rural e só ali provavelmente poder-se ia dar e, finalmente a terceira, que a expressão do protestantismo foi facilitada pela expansão do café, ou melhor, seguiu a trilha do café. Através uma análise histórica, desde a Pós-Reforma, principalmente na Inglaterra, assim como suas repercussões na formação do protestantismo norteamericano, raiz do protestantismo brasileiro. 2 - “Ilegal é o diabo” Para trabalhar nos Estados Unidos é preciso de um visto específico, sendo que a maioria não tem esta autorização, pois possuem vistos de turistas (que não dá este direito) ou entrar pela fronteira com o México, sem visto algum. Pela lei americana, os dois casos citados, fazem com este imigrante esteja de forma “ilegal” no país, o que dá o direito de serem deportados pelas autoridades americanas. De acordo com um dos organizadores do Primeiro Congresso Internacional Visão Mundial, Josimar Salum, que organizou o evento, “ilegal” é o termo técnico e político. “Na Teologia do Imigrante usamos o termo `indocumentado´ que é

A motivação para uma atividade como missionário é o desejo de ser um enviado na transmissão de crenças religiosas (Evangelização). Outra motivação pode ser o amor ao próximo e vontade de suprir as carências de infraestruturas adequadas em países pobres. Por essa razão, as organizações missionárias enviam frequentemente pessoal qualificado para as missões, por exemplo; médicos, enfermeiros, técnicos especializados, professores (nomeadamente em áreas como a agronomia, a medicina e a teologia). Frequentemente trabalham juntas no mesmo projeto, igrejas, ou outras organizações, de países ricos e pobres. (Wikipedia - http://pt.wikipedia.org).


misericordioso, pois ilegal mesmo é o diabo”, afirmou em uma carta publicada na revista eletrônica http://www.jornalhoje.com.br/missoeshoje/.4 Em um mundo pós-moderno e o consumismo exagerado, através do capitalismo, os motivos de imigração são outros, bem diferentes da implantação do protestantismo no Brasil e, muito mais diferente dos peregrinos ingleses da Nova Inglaterra nos Estados Unidos. É através da Teologia do Avivamento, narrado por Mendonça e na busca de uma nova identidade é que o homem se mobiliza em busca de uma nova terra. Desde o homem livre do século XIX ao pós-moderno do século XXI, há a busca desta identidade, na conquista de bens materiais e espirituais que são um dos fatores da imigração de brasileiros para os Estados Unidos. A diferença, é que o homem livre e pobre do século XIX, buscava novas terras, isso aqui no Brasil mesmo. Já o homem pós-moderno, atravessa fronteiras atrás do american way of life. De acordo com Mendonça, a Teologia dos Avivamentos, é uma resposta necessária da religião às condições de uma sociedade sui generis em que as oportunidades estavam abertas para todos. A ascensão dependia das aspirações e do desempenho e as diferenciações sociais que ainda estavam por fazer. Ainda, as idéias filosóficas evolucionistas reforçavam o crédito na capacidade de aperfeiçoamento e progresso do indivíduo e da sociedade. Não havia como fugir a uma reformulação teológica, reformulação essa que teve como matriz o arminianismo metodista. De acordo com a pesquisadora Maria Sylvia de Carvalho Franco, a característica do homem livre no final do século XIX era Livre e Pobre. Maria Sylvia diz que, liberdade é a total disponibilidade. Podia ir e vir, organizar seu trabalho, ocupar o seu tempo como bem lhe aprouvera. “Eram homens a rigor dispensáveis, desvinculados dos processos essenciais à sociedade. A agricultura mercantil baseada na escravidão simultaneamente abria espaço para a sua existência e os deixava sem razão de ser”.

A mobilidade de homem estava ligada a terra, oriundo não de um ativismo qualquer, mas de sua pobreza. A falta de meios para construir casas boas e duráveis, instalações adequadas para a guarda dos excedentes da produção (galpões, currais, cercas limítrofes, etc.) e, principalmente, a incapacidade material para cultivar adequadamente a terra, permitindo que ela logo mostrasse pouco produtiva, exigia do homem pobre o abandono periódico de seus sítios.

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Acessado em 15/06/2007 às 14h30.


Mendonça diz que a civilização e progresso material não são indícios seguros da presença do Reino de Deus, uma vez que a sociedade pode ser má porque os indivíduos não são bons; é necessário que eles sejam regenerados para que a sociedade seja transformada. Esta Ideologia, bastante influenciada pelo individualismo, pode ser entendida como essencialmente religiosa e originada da Teologia dos Avivamentos americanos. A ideologia do protestantismo civilizador, isto é de que as formas sociais e políticas que o povo americano havia descoberto e implantado em sua própria sociedade, podia ser entendida como produto da Teologia do Puritanismo. As instituições americanas, refletindo os ideais puritanos de “povo escolhido”, eram modelos que deviam ser compartilhados com outros povos a fim de que o reino se implantasse no mundo todo. No fundo, essas ideologias só contradizem o método. Uma queria transferir para outros povos as instituições americanas acabadas (american way os life) e a via escolhida era a educação, conversão, para uma nova sociedade.

3 - Os primeiros imigrantes

Em relação à imigração, a primeira tentativa de manifestação de uma colonização protestante no Brasil deu-se pouco depois do inicio da colonização portuguesa (1532) com a chegada da expedição de Villegaignon em 1555, que, soube o amparo de Coligny, pretendia a França Antártica e constituí um refúgio onde os huguenotes pudessem praticar livremente o culto reformado. A empreitada não teve êxito, pois foram expulsos pelos portugueses, pode-se afirmar sob um ponto de vista, que estavam “ilegais”, pois praticavam outro “credo”, o protestantismo. Resta a este grupo o prestígio de terem organizado sob os céus da América a primeira igreja protestante, segundo o modelo da igreja reformada de genebra, e aqui realizado o primeiro culto em 10 de março de 1557. Uma duradoura tentativa de implantar o protestantismo no Brasil foi no período Holandês, quando reformados se estabeleceram no nordeste com toda a sua organização eclesiástica à moda de genebrina. Não há indícios de que a intenção dos holandeses tenha sido religiosa, no sentido de uma visão de terra prometida: essa hipótese, porém, não deve ser de todo descartada, uma vez que integrava o clima da época. Durante 15 anos (1630-1645) Pernambuco e outras áreas do Nordeste brasileiro foram protestante, embora Maurício de Nassau fosse bastante tolerante com os católicos, o esforço dos


“predicantes” logo conseguiu reunir flamengos, ingleses e franceses moradores no Recife e, com eles, organizar a primeira igreja. Abriram guerra à imoralidade reinando entre os locais e mesmo entre os próprios neerlandeses. Em 1835, chegou o primeiro missionário metodista ao Rio de Janeiro, o reverendo Fountain E. Pitts, do Board os Mission da Methodist Episcopal Church in the United States, que começou a pregar em residências particulares. Já em 1855, chega ao Rio de Janeiro o médico escocês o Robert Reid Kalley que, fugindo de violenta perseguição religiosa na ilha da Madeira, reúne em torno de si alguns correligionários também fugidos da perseguição e começa e Petrópolis atividades proselitista em português. Em 1858, organiza a Igreja Congregacional com pequeno número de prosélitos brasileiros, além dos Madeirenses. A partir de Kalley, vários missionários chegaram ao país e inauguram várias igrejas de denominações diferentes. Na segunda metade do século XVIII, com o movimento metodista de João Wesley, na Inglaterra, estava praticamente encerrado o longo ciclo da Reforma Protestante.

4 - Protestantismos americano e brasileiro

Segundo Mendonça, o protestantismo americano é de povoamento, isto é, ele se foi formando à medida que protestantes europeus passavam para as possessões inglesas à busca de novas condições de vida. O catolicismo americano, portanto, é um catolicismo de imigração. A construção da nacionalidade americana, no seu espírito, está intimamente ligada ao calvinismo, considerado em todas as suas variantes. De acordo com Mendonça, os americanos, baseando-se na teologia calvinista, sentiam-se como o povo escolhido de Deus (God´s Chosen People), tanto no sentido espiritual como no intelectual. Evidencia-se desde logo, o ideal de uma sociedade em que o sagrado e o profano seriam distintos, a com cretização renovada do Corpus Christianum. No Brasil, o protestantismo que chegou foi um produto nuclearmente indiferenciado do protestantismo norte-americano na sua era missionária. Assim, embora, até o fim do império já estivessem estabelecidas no Brasil, todas as grandes denominações e protestantes, as distinções que havia entre elas eram de natureza secundária, niveladas que foram pela teologia originada dos movimentos religiosos norte-americanos, de um lado, e das condições peculiares do Brasil por outro lado.


Quanto o homem pobre e sua religião, Mendonça diz que era uma religião difusa. Não sistematizada, estava em tudo e em todos. Era produzida e consumida como os outros bens necessários à existência. Era coletiva e indiferenciada em autonomia, como era a própria sociedade a ela correspondente. Quando o protestantismo chegou ao Brasil, através da pregação missionária, estava estreitamente vinculado ao liberalismo que no século XIX permeava tanto o pensamento europeu, como o norte-americano. A pregação do protestantismo continha um elemento importante: o individualismo. A aceitação e a prática de uma religião dependiam de uma decisão individual.

A dificuldade de natureza interna que o

protestantismo tem para penetrar em áreas de cultura católica oferece dois aspectos: a expansão numérica, mas principalmente geográfica do protestantismo, que acompanhou a trilha do café e, a rarefação do campo religioso católico, mais sensível nas zonas pioneiras, e o deslocamento constante de famílias já protestantizadas deram essa configuração à expansão protestante. Portanto, baseado nos fatos citados, a imigração ilegal de brasileiros para os Estados Unidos, repete a busca por uma nova terra, assim como o homem pobre e livre do século XIX, tratada por Mendonça. Porém, a questão missionária tem outro contexto, pois os missionários tinham como tarefa pregar o evangelho e modificar o “meio” possibilitando ações sociais. Já os novos missionários nos Estados Unidos, são modificados pelo “meio”, pois está em jogo questões econômica e de melhores condições de vida em outro país, assim como Abraão, conquistar a terra prometida, só que nesse caso, a “terra prometida” possui toda uma infraestrutura, capaz de propiciar boa educação para os filhos, dirigir bons carros, ou seja, uma nova terra... A Terra Porvir.

Bibliografia MENDONÇA, Antônio Gouvêa. O Celeste Porvir: a Inserção do Protestantismo no Brasil. 3. ed. São Paulo: EDUSP, 2008. 376 p.



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