ed.
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TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES Natureza & cultura
fronteiras dissipadas pela tecnologia
Sistemas de produção em rede criação, financiamento, fruição e conservação na era digital
Crise, resistência e reinvenção
participação, cultura hacker e perspectivas das políticas culturais
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OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
Centro de Memória, Documentação e Referência Itaú Cultural Revista Observatório Itaú Cultural : OIC. - N. 19 (nov. 2015/maio 2016). – São Paulo : Itaú Cultural, 2007-. Semestral
ISSN 1981-125X (versão impressa)
1. Política cultural. 2. Políticas públicas. 3. Tecnologia e cultura. 4. Gestão cultural. 5. Produção artística.
expediente REVISTA OBSERVATÓRIO
EQUIPE ITAÚ CULTURAL
Editor Marcos Cuzziol
Presidente Milú Villela
Conselho editorial Gilbertto Prado Luciana Modé Marcel Fracassi Rafael Figueiredo Ronaldo Lemos Tiago D’Ambrosio
Diretor Eduardo Saron
Projeto gráfico Marina Chevrand/ Serifaria (terceirizada)
NÚCLEO DE INOVAÇÃO/ OBSERVATÓRIO
Design Serifaria (terceirizada)
Gerente Marcos Cuzziol
Produção gráfica Lilia Góes (terceirizada)
Coordenadora do Observatório Luciana Modé
Ilustração Daniel Bueno (terceirizado) Tradução (terceirizada) Marisa Shirasuna Sieni Campos
Superintendente administrativo Sérgio Miyazaki
Produção Marcel Fracassi Rafael Figueiredo Tiago D’Ambrosio
NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO Gerente Ana de Fátima Sousa Coordenador de arte Jader Rosa Produção editorial Raphaella Rodrigues Supervisão de revisão Polyana Lima Revisão (terceirizada) Rachel Reis Samantha Arana
As páginas desta edição da Revista Observatório são ilustradas por Daniel Bueno. Seu trabalho explora contornos geométricos, texturas, ambiguidade gráfica e fantasia. Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) e fundador do coletivo Charivari, colaborou para diversas publicações, entre elas, três livros contemplados com o Prêmio Jabuti. Participa de anuários como os da Society of Illustrators, A merican Illustration e 3x3.
aos leitores
Desde o surgimento da humanidade, possuímos uma relação simbiótica com a tecnologia. Em um eterno feedback autoamplificador, moldamos nossas ferramentas e elas nos moldam de volta. Elas atuam tanto sobre nosso aparato cognitivo e sensorial – verdadeiros upgrades mentais – quanto sobre nossas estruturas econômicas, políticas e sociais. Os aparelhos eletrônicos digitais, que hoje parecem monopolizar injustamente o significado do termo “tecnologia”, constituem parte de nossos sentidos e de nossas redes neurais, assim como óculos e telescópios são extensões de nossos olhos e instrumentos musicais tornam-se membros do corpo de um músico. Nesse sentido, como diz Andrew Clark, sempre fomos ciborgues. Abrindo a Revista Observatório número 19, Lucia Santaella afirma que nossa primeira tecnologia, a linguagem, é marca constituinte do ser humano, nossa condição inevitável. Do surgimento da comunicação oral e escrita, da narrativa e da memória nascem a cultura e a tradição. Ao longo de nosso processo histórico, as tecnologias foram se acumulando e complexificando nossos modos de viver,
culminando na atual sociedade híbrida, potencializada pelo poder do computador e da internet. “O ser humano, desde a sua gênese, foi e continua sendo um ser inacabado que se metaboliza transformando em cultura a natureza de onde emergiu.” Contextualizando em uma linguagem simples os recentes avanços das máquinas e seu poder de processamento, Marcos Cuzziol discute a possibilidade de já estarmos vivendo em um mundo que nos obriga a nos relacionar com entidades artificiais mais competentes do que nós e que pode muito bem levantar importantes dúvidas filosóficas. Um programa de computador pode atingir um estágio de consciência? O que nos define como humanos? A partir desse cenário incerto, são analisados os impactos das tecnologias digitais em diferentes fases do sistema de produção cultural: como criamos, financiamos, fruímos e conservamos obras de arte no mundo atual. Como economia, política, estética e cultura se relacionam? E como tudo pode ser mais bem analisado do ponto de vista das redes que se formam? “Rede”, aliás, é
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uma palavra recorrente – e polissêmica, é verdade. Das neurais à de computadores, das sociais às de produção, das analógicas às digitais, o fato é que a sociedade globalizada levou o número de conexões ao limite do que parecia possível. Hoje, qualquer sistema é complexo. Além da linguagem – ou melhor, antes mesmo da linguagem, como sugere Edilamar Galvão –, a experiência interativa surge mais proeminente que nunca. Vivemos num tempo em que participação é pressuposto para tudo. Não à toa o mercado de videogames é um dos que mais faturam no mundo, como bem aponta Arthur Protasio. E o mesmo se pode prever sobre inúmeros aspectos da vida social. Enquanto Santaella fala da semiosfera – esse exosqueleto de signos e linguagem que reveste nossa natureza humana –, Ivana Bentes afirma que, no “semiocapitalismo” em que estamos vivendo, a cultura é um processo transversal e decisivo, cujos modos de produção não são mais exceção, mas a regra da contemporaneidade. Regra essa que nos obriga a repensar nossas instituições e nossos modelos de representatividade num contexto de crescente disjunção entre Estado e sociedade civil, como apontado por Lúcia Maciel. Quando a política e a gestão tradicionais parecem não conseguir acompanhar a velocidade da dinâmica cultural, de desejos múltiplos, a interface de proximidade trazida pelas redes parece um bom modelo a ser seguido. As tensões permanentes da democracia e do mundo da cultura exigem que se abram fendas e se encontrem brechas de movimentação, das quais a internet está
repleta. Seriam os hackers, estudados por Gabriella Coleman, os grandes sendeiros desse percurso? Se a vital importância da alfabetização – domínio formal da primeira tecnologia humana de todas – não é mais questionada, hoje dominar a linguagem digital torna-se necessário. Apropriar-se dela é tornar-se sujeito emancipado. A tecnologia não só muda a cultura, como também é parte dela. E “a cultura sempre será um campo de incertezas” (Lúcia Maciel). Boa leitura a todos. Equipe do Observatório Itaú Cultural
sumário 9. Aos leitores
Equipe do Observatório Itaú Cultural
1.
64. Um ser de sensação Edilamar Galvão 77. Arquivos de arte digital –
NATUREZA & CULTURA
17. Adeus às fronteiras entre
natureza e cultura Lucia Santaella
24. Programas de computador
e imprevisibilidade Marcos Cuzziol
2.
SISTEMAS DE PRODUÇÃO EM REDE
34. Uso criativo e crítico de redes complexas Burak Arikan
44. Games: uma linguagem em descoberta Arthur Protasio
52. Crowdfunding baseado em blockchain: qual seu impacto sobre a produção artística e o consumo de arte? Primavera De Filippi
estratégias, metodologias e paradigmas Jorge La Ferla
3.
CRISE, RESISTÊNCIA E REINVENÇÃO
88. Cultura de redes e políticas culturais no Brasil Ivana Bentes
96. A estética do novo ativismo Ronaldo Lemos entrevista Gabriella Coleman 111. Política de experimentação: nas redes e nas ruas Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira
TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES
1.
NATUREZA & CULTURA
17. ADEUS ÀS FRONTEIRAS ENTRE NATUREZA E CULTURA Lucia Santaella
24. PROGRAMAS DE COMPUTADOR
E IMPREVISIBILIDADE Marcos Cuzziol
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TECNOLOGIA E CULTURA: UMA SOCIEDADE EM REDES
Lucia Santaella
ADEUS ÀS FRONTEIRAS ENTRE NATUREZA E CULTURA Lucia Santaella
Para compreender a hipercomplexidade da cultura contemporânea, este artigo coloca em discussão a atual coexistência de seis eras culturais: a oralidade, a escrita, a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digital. Tendo sua gênese nas tecnologias de linguagem, cuja inexorável tendência é crescer e se multiplicar, essas formações culturais foram cada vez mais imprimindo suas indeléveis marcas sobre a face do globo, até o ponto de dissipar quaisquer fronteiras entre a natureza, de um lado, e a cultura, de outro.
A
cultura digital veio para embaralhar todas as cartas do jogo das linguagens, tornando densas, intrincadas e hipercomplexas as tramas da cultura. Além de incessantes novidades que não param de surgir, o que mais espanta no mundo digital são os passos acelerados de suas transformações e, sobretudo, a naturalidade com que elas são absorvidas pela sociedade em todas as faixas etárias, sobretudo pelos muito jovens. Quanto mais jovem, tanto mais rápida e espontaneamente se dá a adaptação às emergentes paisagens das interfaces interativas de acesso à informação e à comunicação em tecidos híbridos de linguagem nos quais sons, ruídos, imagens, diagramas, pistas, ícones e escrita indissoluvelmente se misturam. Qual o segredo de tudo isso? Para abrir algum caminho de resposta, é preciso abandonar a tendência corrente de considerar o universo digital como um fenômeno explicável no seu isolamento, sem se preocupar com sua genealogia. Entende-se
por genealogia como método de trabalho a busca por fatores que sejam capazes de iluminar, do passado, as determinações do presente. Não se trata de sair à caça de origens ou causas explicativas de que o presente seria um efeito; portanto, não se trata de seguir uma linha cronológica para construir uma totalidade histórica. Ao contrário, é preciso exercer uma atividade criadora de descobertas de pontos luminosos, muitas vezes heterogêneos, que vão elaborando um tecido de analogias e contaminações entre passado e presente com relativa força explicativa para aquilo que nos espanta no presente. Linguagem e cultura como condições do humano Tudo isso para dizer que o universo digital ainda conserva as longínquas mas indeléveis marcas da constituição do ser humano como um ser de linguagem. Desde que emergiu na evolução, a linguagem impregnou o humano com a consciência do tempo, da vida e
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da morte, do outro e de si mesmo, condição da memória, da sociabilidade e das antecipações de futuro. Há autores, como Merlin Donald (1991), que defendem que, antes de se comunicar por meio das palavras, a cultura humana passou por um estágio mimético, imitativo de gestos, movimentos, sons, figurações. Foi a fala, entretanto, que trouxe a garantia de que o passado não desaparecesse na fugacidade do presente, mas se fixasse na memória por meio da transmissão oral das gerações mais velhas para as mais jovens. Nascem aí as culturas e suas tradições. Entretanto, para satisfazer o requisito da memória, o cérebro é muito frágil, visto que é mortal. As escritas surgiram para compensar essa vulnerabilidade e, antes disso, ensaios de protoescritas já apareciam em imagens nas grutas. A partir da escrita foi encontrado o caminho para o incremento gradativo da memória para fora do corpo biológico: o ser humano começou, desde então, a povoar a natureza não só com os rebentos que procria de si mesmo, mas também com as linguagens que não cessa de produzir, reproduzir e multiplicar. Alguns autores (entre eles MORIN, 1975) chamam isso de camada que o humano sobrepôs à natureza mineral, vegetal e animal, marcando-a com uma profusão de sinais de sua onipresença. Prefiro usar o termo “semiosfera” (semio = signo), para fazer jus à natureza de linguagem dessas marcas na agricultura, no cozer dos alimentos, em artefatos, construções, livros e museus, passando pelas mídias reprodutoras da industrialização, fotografia, cinema, rádio, televisão, até chegar ao computador, à comunicação planetária, à nuvem informacional, às cidades inteligentes, aos satélites, às naves etc. Para
sistematizar esse percurso crescente e cada vez mais complexo que hoje resulta na cultura digital, tenho trabalhado com o que chamo de seis eras culturais (SANTAELLA, 2003). Seis eras culturais: da oralidade ao digital A divisão em eras culturais não é senão uma estratégia metodológica que tenho utilizado para compreender o imenso caldeirão de intrincadas misturas constitutivas da contemporaneidade. São elas: a cultura oral, a escrita, a impressa, a de massas, a das mídias e a digital, também chamada de cibercultura. A divisão baseia-se nas tecnologias de linguagem que estão no alicerce de cada uma dessas eras e que foram surgindo e se transformando ao longo do tempo. Embora, evidentemente, a linguagem e seus mecanismos de produção, transmissão e preservação da memória não sejam por si sós definidores de uma cultura – pois cultura envolve também subsistência material e econômica, tanto quanto poderes políticos –, defendo que tudo isso está inextricavelmente interconectado, o que nos permite delinear o perfil de uma cultura pelos seus modos de produção de linguagem e pelos intercursos sociais de comunicação que ela possibilita. Além disso, os meios de comunicação, desde o aparelho fonador até as redes digitais atuais, como mediadores da informação que circula socialmente, ao criarem ambientes socioculturais, são capazes de moldar o pensamento, os modos de ação e a sensibilidade dos seres humanos. O termo “eras” é utilizado na falta de um nome melhor, pois com isso a intenção não é significar períodos culturais lineares, como
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se uma era fosse desaparecendo com o surgimento da próxima. Ao contrário, há sempre um processo cumulativo de complexificação. Um novo ambiente vai se integrando ao(s) anterior(es), provocando reajustamentos e refuncionalizações, em uma verdadeira guerra e paz em busca de sobrevivência. Mas é certo que, em cada período histórico, a cultura fica sob o domínio da técnica ou da tecnologia de comunicação mais recente. Contudo, esse domínio não é suficiente para asfixiar as formações culturais preexistentes. Afinal, a cultura comporta-se sempre como um organismo vivo e, sobretudo, inteligente, com poderes de adaptação imprevisíveis e surpreendentes. Levar as eras em consideração permite perceber especificidades importantes e reveladoras. Por exemplo: a cultura impressa não nasceu diretamente da oral, mas foi antecedida por uma rica cultura da escrita não alfabética, pictográfica. A memória dessas escritas traz grandes contribuições para a visualidade contemporânea. Da mesma forma, embora haja uma tendência de ver a cultura digital como continuidade da de massas, houve uma fase transitória entre elas, que caracterizo como cultura das mídias. Para isso, basta rememorar que, por volta do início dos anos 1980, se intensificaram cada vez mais os casamentos e as misturas entre linguagens e meios, misturas essas que funcionam como um multiplicador de mídias. Elas produzem mensagens híbridas como as que se podem encontrar nos suplementos literários ou culturais especializados de jornais e revistas, nas revistas de cultura, no radiojornal, no telejornal etc. Ao mesmo tempo, surgiram equipamentos e dispositivos que possibilitaram o
Lucia Santaella
aparecimento de uma cultura do disponível e do transitório: fotocopiadoras, videocassetes e aparelhos para a gravação de vídeos, equipamentos como walkman e w alkie-talkie, acompanhados de uma remarcável indústria de videoclipes e videogames, além da expansiva indústria de filmes em vídeo para ser alugados nas videolocadoras – tudo isso se somando ao surgimento da TV a cabo, para atualmente culminar, entre outros exemplos, no fenômeno da Netflix. Essas tecnologias têm como principal característica propiciar escolhas e consumos individualizados, em oposição ao consumo massivo. Foram esses processos que arrancaram o ser humano da inércia da recepção de mensagens impostas de fora, passando a buscar a informação e o entretenimento desejados, o que preparou sua sensibilidade para a chegada dos meios digitais cuja marca principal está na busca dispersa, alinear e fragmentada, mas certamente uma busca individualizada da mensagem e da informação. A hipercomplexidade da cultura contemporânea Hoje, todas as formas de cultura – desde a oralidade até a cultura escrita, a impressa, a de massas, a das mídias e a cibercultura – coexistem, convivem e sincronizam-se na constituição de uma mescla cultural hipercomplexa e híbrida. Tudo isso incrementado pela potência do computador, uma verdadeira metamídia, capaz de absorver, misturar e devolver transmutadas todas as formas culturais que lhe precederam e que fora dele continuam coexistindo para a exacerbação da densa rede de produção e circulação de bens simbólicos dos nossos dias.
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Como se tudo isso não bastasse, na sequência ininterrupta de suas transformações a cultura digital trouxe ao nosso convívio uma invenção notável: os dispositivos móveis (SANTAELLA, 2007). Eles, em muito pouco tempo, reduziram a documento histórico obsoleto a tríade dos filmes Matrix, que encena a separação exacerbada entre o mundo virtual e o mundo físico. Com os equipamentos móveis, portáteis, os usuários passaram a abrigar, na palma das mãos, computadores poderosos que os têm transportado para novas dimensões de espaço e tempo nas misturas inextricáveis entre o virtual (o ciberespaço) e os ambientes físicos em que o corpo biológico circula (ver SOUZA E SILVA, 2006). A emergência de tecnologias portáteis contribuiu para a possibilidade de estar constantemente conectado a espaços digitais e de, literalmente, levar a internet para todos os cantos, esquinas e recintos do cotidiano. Com isso, modificam-se relações afetivas, sociais e de trabalho, impulsionadas não apenas pela mobilidade, mas também pela incorporação ao computador de plataformas e aplicativos que, nas trocas incessantes de mensagens, imagens e vídeos pelas redes, estão levando as relações sociais ao limite do paroxismo. Junto com isso surgem programas de computação como realidade aumentada, mista, computação ubíqua, pervasiva e vestível. Os nomes dados a esses programas são sintomáticos do apagamento a que os construtos humanos sobre a Terra levaram a pretensa naturalidade da natureza. Desde o século passado já se sabia que a natureza havia se tornado cartão-postal, atualmente incrementado por fôlderes e sites de
resorts ou, então, de spots mais modestos para o turismo consumista. Alguns buscam no capitalismo as causas para todas essas avalanches de produções humanas, tidas como desvirtuadoras da essência de uma vida natural. Sem dúvida, sem o incremento produtivo do capital, seus rebentos não seriam possíveis. Todavia, sem negar suas evidentes contradições e mazelas, o capitalismo não contém a chave da explicação para tudo. Não explica, por exemplo, que uma pretensa essência humana só existiu para Adão no Paraíso, já que o mundo pós-adâmico traz a insígnia da linguagem cujo destino é crescer, tanto quanto está no crescimento o destino da própria vida. Não por coincidência, é no cerne da vida que as tecnologias de linguagem, miniaturizadas em chips, estão cada vez mais se infiltrando. O atual estado da arte Nos últimos anos, a aceleração na tendência multiplicadora das mídias atinge níveis desconcertantes e perturbadores. Sob o nome de internet das coisas, big data, realidade aumentada e tecnologias portáteis, vestíveis e implantáveis, as tendências tecnológicas, que se avizinham, levam a prever ambientes de computação em rede globais, imersivos, invisíveis, construídos “por meio da proliferação contínua de sensores inteligentes, câmeras, softwares, bases de dados e centros de dados massivos em um tecido de informação de abrangência mundial.” (FANAYA, 2014, p. 112-113) O panorama elaborado por Fanaya (ibid.) é ainda mais eloquente no que se segue. Quando as redes da internet envolverem também as coisas, como já começa a
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acontecer, as pessoas estarão usando dispositivos de conexão que lhes darão feedback sobre suas atividades, sua saúde e fitness. Esses dispositivos serão capazes de monitorar outras pessoas, como filhos e empregados, também munidos de sensores ou ao entrar e sair de lugares sensorializados. As pessoas poderão controlar, remotamente, um grande número de tarefas em suas residências – nelas, os sensores avisarão tudo, indicando desde objetos que precisam de reparo até se o jardim já foi regado. Dispositivos embarcados e aplicativos para smartphones (ou quaisquer outros dispositivos que venham a substituí-los) permitirão o transporte mais eficiente de cargas e mercadorias. Os sistemas inteligentes poderão fornecer eletricidade e água de forma mais eficaz e alertar sobre problemas de infraestrutura. Indústrias e cadeias de abastecimento terão sensores e leitores que acompanharão de modo mais preciso a fabricação e a distribuição de mercadorias, de modo a acelerar e suavizar os processos. Haverá leitura em tempo real dos níveis de poluição, umidade do solo e extração de recursos nos campos, nas florestas, nos oceanos e nas cidades, o que permitirá um acompanhamento mais detalhado dos problemas. Dizem os especialistas que tudo isso se tornará realidade rotineira até 2025, mas muitas dessas previsões já estão começando a povoar as paisagens do mundo e a se insinuar no psiquismo e nos comportamentos sociais. A realidade atual de conexão e comunicação entre pessoas irá se expandir até os objetos (máquinas e/ou artefatos) que as cercam. Eles irão interagir de maneira inteligente, gerando ações responsivas ao
comportamento humano. Todas essas tendências que se avizinham transformarão o gigantesco organismo comunicativo que já é hoje a web em um superorganismo planetário estendido por todas as peças dos ambientes. Além disso, grupos de cientistas e engenheiros que trabalham com robótica evolutiva (developmental robotics) estão engajados no desenvolvimento de robôs capazes tanto de identificar, analisar e interpretar o ambiente de maneira dinâmica quanto de aprender com essas experiências, à maneira de um organismo vivo dotado de inteligência. Trata-se da busca de desenvolvimento de uma computação subjetiva que vise à emulação de alguns traços da subjetividade humana – como a adaptação e a flexibilidade em ambientes desconhecidos –, da reflexibilidade, da percepção e das relações entre humanos por meio de algoritmos capazes de desenvolvimento mental autônomo [autonomous mental development (AMD)]. Isso significa dotar o agente tecnológico de uma concepção individual a respeito do ambiente, em um impulso normativo de arbítrio e de abertura às experiências no mundo. Sem entrarmos aqui nas acaloradas discussões sobre os perigos iminentes da crise ecológica, as inestimáveis perdas ou os possíveis ganhos para a humanidade, é preciso constatar que o ser humano, desde a sua gênese, foi e continua sendo um ser inacabado que se metaboliza transformando em cultura a natureza de onde emergiu, até o ponto de levar à completa dissipação as fronteiras entre natureza e cultura que o pensamento ocidental tão ilusoriamente costumava resguardar.
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Lucia Santaella
Lucia Santaella É professora titular nos programas de pós-graduação em tecnologias da inteligência e design digital e em comunicação e semiótica na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com doutoramento em teoria literária na PUC/SP, em 1973, e livre-docência em ciências da comunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em 1993. É diretora do Centro de Investigação em Mídias Digitais (Cimid) e coordenadora do Centro de Estudos Peirceanos e do Grupo de Estudos Sociotramas, na PUC/SP. É presidente honorária da Federação Latino-Americana de Semiótica e correspondente brasileira da Academia Argentina de Belas Artes, eleita em 2002, além de vice-presidente (1989-1999) da Associação Internacional de Semiótica e presidente (2007) da Charles S. Peirce Society, nos Estados Unidos. Recebeu os prêmios Jabuti (2002, 2009, 2011 e 2014), Sérgio Motta (2005) e Luiz Beltrão (2010). Organizou 13 livros e, de sua autoria, publicou 41 livros e cerca de 300 artigos em livros e revistas especializadas no Brasil e no exterior.
Referências bibliográficas DONALD, Merlin. Origins of the modern mind. Three stages in the evolution of culture and cognition. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1991. FANAYA, Patricia. Autopoiese, semiose e tradução: vias para a subjetividade nas redes sociais. Tese (Doutorado)–Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. MORIN, Edgar. O enigma do homem: para uma nova antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano. Da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003. _______. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007. SOUZA E SILVA, Adriana. Do ciber ao híbrido. Tecnologias móveis como interfaces de espaços híbridos. In: ARAUJO, Denize Correa (Org.). Imagem (ir)realidade. Comunicação e cibermídia. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2006. p. 21-51.
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PROGRAMAS DE COMPUTADOR E IMPREVISIBILIDADE Marcos Cuzziol
Apesar de não passarem de conjuntos predeterminados de instruções que, por mais complexos que sejam, executam unicamente aquilo que lhes foi instruído por programadores humanos, programas não são necessariamente previsíveis nem incapazes de gerar resultados surpreendentes. Este artigo aborda a imprevisibilidade e a surpresa que se originam dessas sequências de instruções.
Força bruta
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e um lado, Deep Blue, supercomputador criado pela IBM nos anos 1990, com um programa desenvolvido especificamente para jogar xadrez. De outro, Garry Kasparov, então campeão mundial absoluto de xadrez. Entre 1996 e 1997, Deep Blue enfrentou Kasparov em 12 partidas de xadrez jogadas segundo regras internacionais. Apesar da polêmica levantada por Kasparov sobre o resultado final das partidas de 1997, o fato é que Deep Blue perdeu a sequência de seis partidas jogadas em 1996 (uma vitória, dois empates e três derrotas), mas venceu a revanche de 1997 (duas vitórias, três empates e uma derrota). Para a época, Deep Blue era um computador avançadíssimo, com 256 processadores especializados, capazes de analisar mais de 100 milhões de posições por segundo. Além disso, possuía armazenadas em sua memória milhares de partidas de mestres enxadristas e as usava para computar as
próprias jogadas. O princípio das instruções executadas por esse computador era simples: avaliar o maior número possível de jogadas com base nos dados disponíveis e escolher a que tivesse maior p robabilidade de sucesso. Mas, quando instruções simples como essas são repetidas muitas vezes por segundo, algo interessante acontece: o programa passa a exibir capacidades estratégicas. Não se tratava apenas de avaliar o próximo lance; Deep Blue podia avaliar longas sequências de jogadas e escolher a melhor delas. Esse volume de processamento foi fundamental para que o programa pudesse vencer o campeão humano de xadrez. De fato, o sucesso de Deep Blue deveu-se à estratégia de “força bruta”, com seu programa tentando avaliar todas as jogadas possíveis entre os dados disponíveis para só então decidir qual movimento fazer. Mas da mera repetição de instruções em altíssima velocidade emergiu algo novo, pois o programa foi capaz de fazer o que seus criadores jamais conseguiriam: vencer o campeão mundial de
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xadrez. Se o programa fosse previsível, como leva a crer o fato de ter sido escrito como sequência fixa de instruções, Kasparov dificilmente perderia uma única partida. Mas a previsibilidade tem limites, pelo menos para os seres humanos. Podemos entender perfeitamente como funciona um neurônio, por exemplo, e até prever com precisão o que a célula fará em decorrência dos sinais que recebe de outras. Mas como prever o resultado do conjunto interconectado dos 100 bilhões de neurônios que formam um cérebro humano? De modo similar, como prever um programa absolutamente determinista, mas capaz de analisar mais de 100 milhões de posições de peças de xadrez por segundo e que tenha os dados de milhares de partidas armazenados em sua memória? Murray Campbell, um dos principais programadores de Deep Blue, ilustra o estranho efeito causado por esse estilo força bruta de programação: A capacidade da máquina de ignorar ideias humanas preconcebidas permite que ela encontre lacunas no conhecimento humano que muitas vezes são difíceis de entender sem estudo e esforço. Há situações específicas no jogo de xadrez, consideradas uma parte dos finais de jogo, em que é possível para os programas jogar com perfeição. A experiência de jogar contra ou observar esses programas de jogo perfeito é quase fantasmagórica: as jogadas ótimas
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não têm nenhum raciocínio aparente para sustentá-las, e os programas não conseguem explicar as jogadas além de observar que as melhores produzem um xeque-mate em 42 lances, enquanto as alternativas levam mais tempo. (CAMPBELL, 2010, p. 64)
Mas a repetição de instruções programadas não está limitada à estratégia da força bruta. Um programa pode também ser instruído a encontrar soluções de forma evolutiva. Adaptação evolutiva Difundidos pela pesquisa do cientista americano John Holland nas décadas de 1960 e 1970, os algoritmos genéticos são especialmente aptos a esse tipo de solução. A pesquisa de Holland tinha dois objetivos principais: contribuir para a compreensão dos processos de adaptação natural e projetar sistemas artificiais que apresentassem propriedades similares a sistemas naturais. No lugar de planejarmos e escrevermos um programa, imagine que simplesmente sorteássemos instruções ao acaso para formá-lo. Cada número sorteado definiria uma instrução específica (o que é muito conveniente, pois as instruções de um programa não passam de valores numéricos interpretados por um processador). Definimos dessa maneira um “genoma” muito simples para o programa: uma sequência de variáveis que, ao assumir valores específicos (por exemplo,
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após o sorteio), representa um “genótipo”, um dos muitos programas possíveis dentro do genoma proposto. Dificilmente um programa escrito assim faria algum sentido. Ainda menos provável seria que ele funcionasse como solução para um problema específico. Potencialmente, entretanto, existem sequências de instruções permitidas pelo genoma que solucionariam diversos problemas diferentes. Convencionalmente, encontrar a sequência correta de instruções para solucionar tais problemas seria função de um programador. É justamente aqui que um novo paradigma se faz presente: O novo paradigma baseia-se fortemente nas regras da seleção natural, procriando novos programas a partir de uma variada reserva de genes. As primeiras poucas décadas do software foram essencialmente criacionistas em sua filosofia – uma vontade todo-poderosa conclamava o programa à existência. Mas a próxima geração é profundamente darwiniana. (JOHNSON, 2001, p. 169)
Sequências de instruções inicialmente aleatórias podem evoluir até uma solução adequada. Para tanto, é necessário um laço de realimentação entre os resultados dos programas e as sequências de valores que os compõem. Essa realimentação é executada pelo algoritmo genético, que neste caso pode ser descrito, de modo bastante simplificado, como: 1. Gerar uma população de programas aleatórios. 2. Avaliar o resultado de cada programa (função de avaliação).
3. Caso exista resultado satisfatório, parar a execução e apresentar uma solução. 4. Selecionar os programas mais eficientes e eliminar os restantes. 5. Gerar nova população de programas por meio de hibridização, mutação ou clonagem dos genótipos dos programas selecionados. 6. Retornar ao passo 2. É interessante notar que não há nada de essencialmente diferente num algoritmo genético: ele é apenas uma sequência de instruções, como qualquer outro programa. Mas sua aplicação é relativamente aberta. Como os resultados dos programas são selecionados segundo uma função de avaliação, é possível evoluir programas com finalidades completamente diferentes por meio de uma simples troca da função de avaliação no mesmo algoritmo genético. Programas desse tipo existem há algum tempo. Dois exemplos no campo das artes são as obras Eden (Jon McCormack, 2000) e Evolved Virtual Creatures (Karl Sims, 1994), que apresentam criaturas simples capazes de evoluir os próprios comportamentos programados por meio de algoritmos genéticos. Em Eden, por exemplo, as pequenas criaturas circulares são capazes de evoluir comportamentos sonoros que atraem a atenção dos humanos sem que o autor do programa tenha sequer previsto algo semelhante. Na obra, a presença de pessoas em frente às telas gera indiretamente “alimento” para as criaturas, e
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a capacidade de atrair a atenção de pessoas é uma significativa vantagem evolutiva. Instruções como essas não são programadas, mas, antes, “cultivadas” por evolução artificial. Ao programador do sistema original cabe apenas definir uma função de avaliação apropriada para o comportamento desejado. Ele não precisa sequer compreender as soluções desenvolvidas por seu programa inicial. Algoritmos genéticos criam soluções que potencialmente podem estar além da capacidade criativa de seus programadores humanos. Mas seria possível, para um programa, aprender com a própria experiência? Redes de instruções Redes neurais artificiais também se baseiam na repetição de instruções bastante simples. São redes formadas por “neurônios” que se conectam entre si. Cada neurônio é representado por nada mais que um mero valor binário, podendo estar ligado ou desligado dependendo das conexões com outros neurônios. As conexões representam sinapses, simples multiplicadores que tornam determinada conexão mais ou menos importante. O estado de um neurônio é definido então pela soma dos estados de todos os outros neurônios a ele conectados, multiplicados pelos respectivos pesos das sinapses: se a soma ultrapassar determinado valor, o neurônio liga; caso contrário, ele desliga. Redes neurais são programas, conjuntos de instruções como as descritas anteriormente. Mas programas como esses têm uma característica interessante: eles aprendem. Podem ser treinados. Uma aplicação comum para redes neurais é o reconhecimento da escrita. Seria extremamente
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difícil para um programador estipular quais características definem cada letra. O que torna um “f ” um “f ”? Como associar a imagem da letra “f ” ao caractere “f ”? Esse não é um problema trivial, ainda mais se considerarmos todas as possibilidades de representação para cada letra e a forma como cada pessoa a representa. Numa rede neural é possível apresentar a imagem da letra “f” aos neurônios de entrada e associar o caractere “f ” aos neurônios de saída. O processo de treinamento envolve recalcular os pesos das conexões, as sinapses, para que os neurônios de entrada resultem no valor de saída. Repete-se o treinamento para diversas versões da letra “f” e de todas as outras letras. Após treinada, mesmo que se apresente à entrada da rede uma imagem de letra diferente das que fizeram parte do treinamento, a rede responde de forma coerente. Redes neurais aprendem a reconhecer padrões que seriam muito difíceis, senão impossíveis, de codificar diretamente. Sempre que utilizamos programas de reconhecimento de voz ou de escrita ou mesmo um corretor ortográfico de última geração, estamos usando um programa como o que foi descrito. Mas um descendente de Deep Blue, o computador Watson, é um exemplo mais impressionante. Capaz de responder a questões em linguagem natural, Watson foi criado especificamente para competir com seres humanos no programa Jeopardy!, quiz show da TV americana. Com acesso a mais de 200 milhões de páginas da web, incluindo todo o conteúdo da Wikipédia, o software criava a própria base de conhecimento, era capaz de encontrar padrões nas perguntas, pesquisar a base de
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conhecimento em busca de padrões similares, acionar o botão quando confiante na resposta e responder, também em linguagem natural. Em 2011, Watson competiu com dois dos mais bem-sucedidos ganhadores do Jeopardy!, Brad Rutter e Ken Jennings. O computador, executando instruções como as descritas anteriormente, venceu. Consciência artificial? A performance de um computador pode ser medida pela velocidade com que ele executa um programa, mais especificamente pelo número de instruções executadas por segundo. Como exemplo, Deep Blue executava 11 bilhões de instruções por segundo, enquanto Watson era capaz de seguir 80 trilhões de instruções na mesma unidade de tempo – ou seja, Watson tinha uma performance mais de 7 mil vezes superior. Essa diferença brutal pode ser esperada de dois supercomputadores desenvolvidos com mais de dez anos de intervalo. Na verdade, diferenças brutais também devem ser esperadas dos computadores de nosso dia a dia. Um smartphone comum de 2015 apresenta uma performance entre dez e 15 vezes superior à de Deep Blue. Isso significa que, com o software correto, seu celular poderia vencer qualquer ser humano em uma partida de xadrez. Se é possível já há algum tempo simular o funcionamento de neurônios, será possível simular integralmente o funcionamento de um cérebro humano? Um programa de computador pode atingir um estágio de consciência? Ainda é difícil responder à segunda pergunta, mas não à primeira. No livro The Singularity Is Near (2006), Ray Kurzweil publica um gráfico de Hans
Moravec que compara o poder de processamento de computadores, por mil dólares de custo, com o de seres biológicos. A curva de crescimento ilustrada é uma exponencial curiosamente contínua – e vertiginosa. Os computadores mecânicos de 1900 mal se equiparavam à velocidade de processamento do cálculo manual. Em 1950 atingia-se a unidade: uma instrução por segundo, por milhar de dólares, nas primeiras gerações de computadores eletrônicos. Em 1990, computadores pessoais alcançaram a marca de 1 milhão de instruções por segundo – foram necessários 90 anos para que essa marca fosse atingida. Apenas dez anos depois, em 2000, computadores processavam 1 bilhão de instruções por segundo pelo mesmo valor. Na virada do milênio, 1 milhão de instruções por segundo – marca que levou 90 anos para ser atingida – eram acrescentadas aos processadores a cada 5 horas. Se no início dos anos 1990 um computador pessoal tinha a performance comparável à do cérebro de uma aranha, a projeção do gráfico indica que, por volta de 2020, um computador similar deve ultrapassar a performance de um cérebro humano, estimada em 1016 instruções por segundo. Se projetarmos o gráfico mais adiante, um computador pessoal teria, entre 2050 e 2060, mais performance que os cérebros de todos os seres humanos reunidos. Podemos discordar da estimativa de performance do cérebro humano apresentada no gráfico de Moravec, mas o crescimento da velocidade dos computadores é inquestionável. Se o cérebro humano tiver, digamos, cem ou mesmo mil vezes mais poder de processamento que o estimado, computadores pessoais levariam somente
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mais alguns anos para alcançá-lo – e o gráfico considera o poder de processamento por mil dólares. Supercomputadores atuais já beiram a marca de 1016 instruções por segundo. Simular integralmente um cérebro humano, pelo menos em termos de poder de processamento, talvez já seja possível. Mesmo no caso de programas que se utilizem unicamente de “força bruta”, com as velocidades de execução projetadas, podemos esperar feitos notáveis já nos próximos anos. O que dizer então de programas que evoluam e aprendam? Ainda que tais programas jamais atinjam uma verdadeira inteligência ou consciência, algo que pode ser questionado, não deve existir dúvida de que eles venham a ter impacto significativo sobre nossa sociedade e nossa cultura, muito mais do que o demonstrado até aqui por seus antecessores. É importante notar que as possibilidades aqui descritas se desenvolvem sob a ótica “bem-comportada” da chamada computação clássica, de programas que são executados linearmente, com uma instrução após a outra. Mas há algo surpreendentemente mais poderoso em plena gestação: a computação quântica. Um computador quântico trabalha com qubits, que podem assumir diversas superposições dos valores zero e 1 (em oposição ao zero ou 1 dos bits clássicos). Devido à característica do paralelismo quântico, um programa escrito para esse novo tipo de computador pode avaliar um número inimaginável de possibilidades diferentes numa única instrução. O adjetivo “inimaginável” não é um exagero: o algoritmo quântico proposto por Peter Shor, em 1994, para a fatoração de números inteiros, por exemplo,
tem potencial matemático para avaliar 10500 possibilidades diferentes simultaneamente. Falamos do número 1 seguido de 500 zeros numa única instrução. É virtualmente impossível imaginar um número tão grande. Ele não é sequer comparável ao número estimado de átomos em todo o universo conhecido, que é de “apenas” 1 seguido de 80 zeros. Para executar tarefa semelhante à de uma instrução do algoritmo de Shor, o supercomputador mais rápido de 2015 levaria muito mais tempo que os 13,7 bilhões de anos da idade estimada do universo. Protótipos de computadores quânticos já existem. Mesmo que ainda com um número de qubits reduzido (entre 4 e 7, portanto muito longe do potencial previsto matematicamente), esses protótipos demonstraram que o algoritmo de Shor funciona e que a avaliação simultânea de possibilidades é real. O que será então de programas que hoje precisam avaliar diversas soluções diferentes de forma sequencial? Como um programa quântico avaliará diferentes posições de peças num tabuleiro de xadrez? Ou soluções de uma população num algoritmo genético? Ou, ainda, estados diferentes de neurônios numa rede neural artificial? Independentemente das eventuais respostas a essas perguntas, é sensato ter em mente uma possibilidade intrigante: a de termos de nos relacionar – de competir até – com entidades artificiais muito diferentes de nós mesmos. Com programas de computador. Entidades que, pelo menos em alguns campos, já são mais competentes que nós. E que evoluem em velocidade incomparável. Um cenário como esse já pode estar acontecendo.
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Marcos Cuzziol É engenheiro mecânico pelo Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP), com mestrado e doutorado em artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). É desenvolvedor de games e sócio-fundador da Perceptum Software Ltda., além de gerente do Núcleo de Inovação/Observatório Itaú Cultural. Atua principalmente nos seguintes temas: games, realidade virtual, comportamento artificial e arte e tecnologia.
Referências bibliográficas BROWN, Julian. The quest for the quantum computer. New York: Touchstone, 2001. 400 p. CAMPBELL, Murray. Autonomia e sistemas de jogos. In: ITAULAB (Org.). Emoção Art.ficial 5.0: autonomia cibernética. São Paulo: Itaú Cultural, 2010. p. 61-68. HOLLAND, J. H. Adaptation in natural and artificial system. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1975. 228 p. JOHNSON, Steven. Emergence: the connected lives of ants, brains, cities, and software. New York: Scribner, 2001. 288 p. KURZWEIL, Ray. The singularity is near. New York: Penguin Books, 2006. 672 p. MCCORMACK, Jon. Arte evolucionista: pirâmides cósmicas de baixo para cima. In: ITAULAB (Org.). Emoção Art.ficial 5.0: autonomia cibernética. São Paulo: Itaú Cultural, 2010. p. 47-59. SIMS, Karl. Evolved virtual creatures. In: ITAULAB (Org.). Emoção Art.ficial 5.0: autonomia cibernética. São Paulo: Itaú Cultural, 2010. p. 71-97.
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2.
SISTEMAS DE PRODUÇÃO EM REDE
34. USO CRIATIVO E CRÍTICO DE REDES COMPLEXAS Burak Arikan
44. GAMES: UMA LINGUAGEM EM DESCOBERTA Arthur Protasio
52.
CROWDFUNDING BASEADO EM BLOCKCHAIN: QUAL SEU IMPACTO SOBRE A PRODUÇÃO ARTÍSTICA E O CONSUMO DE ARTE? Primavera De Filippi
64.
UM SER DE SENSAÇÃO Edilamar Galvão
77. ARQUIVOS DE ARTE
DIGITAL – ESTRATÉGIAS, METODOLOGIAS E PARADIGMAS Jorge La Ferla
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USO CRIATIVO E CRÍTICO DE REDES COMPLEXAS Burak Arikan
Uso as redes complexas como meio criativo e crítico no meu trabalho há muitos anos. Começo este artigo explicando por que a rede lógica hoje é significativa em relação ao que é chamado de big data; em seguida, examino estratégias criativas por meio de meus trabalhos recentes MyPocket (2007), Artist Collector Network (2011-) e Monovacation (2013); por fim, percorro a Graph Commons, plataforma colaborativa de mapeamento em rede.
Para entender as redes complexas
A
s redes complexas são uma área de estudo dos sistemas complexos, geralmente descritas como composições de muitas partes autônomas interagindo umas com as outras. Sinalização no nosso sistema neural, transmissão de dados entre os dispositivos de sistemas de telecomunicação, atividades comerciais em mercados, formações sociais em comunidades são alguns exemplos genéricos dessas interações de massa. Para entender um sistema complexo, primeiro precisamos de um mapa de seu diagrama de relações, que é composto de nós e conexões, ou pontos e linhas. O diagrama de rede oferece uma linguagem comum que é tanto visual como matemática. A partir de um mapa de rede, podemos inferir informações qualitativas lendo seus atores e suas relações, bem como fazer análises quantitativas calculando sua estrutura de conexão. Na verdade, podemos usar essa linguagem comum para estudar
sistemas que podem diferir em sua natureza, em sua aparência ou em seu escopo. Por exemplo: três sistemas bem diferentes – alguns atores que atuaram nos mesmos filmes, organizações conectadas por meio de parceria e dispositivos que enviam mensagens uns aos outros – poderiam, em tese, ter estruturas de rede similares. A natureza dos nós e das conexões difere muitíssimo, ao passo que cada rede pode ter a mesma representação de rede. Podemos usar esse método simples de mapeamento de rede para começar a estudar toda uma série de sistemas complexos. Por que a lógica de rede hoje é significativa? Vamos ver por que as redes hoje têm importância, embora tenham existido em todas as sociedades da história. Sabe-se que, 3 mil anos atrás, as colônias de fenícios e gregos criaram suas rotas comerciais e construíram redes de portos no Mediterrâneo1. Hoje, contudo, na mesma geografia, cabos submarinos conduzem mensagens e
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possibilitam um sistema global de comunicação2. O que temos atualmente não são apenas redes analógicas ou eventos cotidianos, mas redes digitalizadas, assim como muitos aspectos da vida são digitalizados. Hoje as redes são importantes porque os sistemas de comunicação eletrônicos baseados em software tornaram as redes mensuráveis. Só em nosso tempo as redes são capazes de atingir uma escala global e infiltrar-se em todos os aspectos de nossa vida. Com as atuais tecnologias avançadas de informação, as métricas do efeito de rede tornaram-se rastreáveis e mensuráveis inclusive em nossa vida diária, estruturando, ao mesmo tempo, o mundo social como tal. Na verdade, todos nós experimentamos o efeito de rede – do e-mail ao e-commerce, das redes sociais ao banco pela internet, das telecomunicações ao transporte. Todos nós reconhecemos o fato de que o mundo está mais complexo do que nunca. Parece-nos tanto plano – podemos alcançar qualquer pessoa em qualquer momento – quanto caótico – nossa caixa de entrada de e-mails é inundada por informações vindas de todas as direções. Desde sua infância, a internet mostrou sua natureza contraditória ao evoluir de redes para redes. Dependendo de como a usa, você pode ser extremamente livre e anônimo ou controlar e vigiar as populações. Às vezes somos oportunistas em relação à internet, apregoando que ela
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é um bem global; outras vezes somos pessimistas, sabendo que estamos sob vigilância contínua. Neste mundo contraditório, que ao mesmo tempo é plano, caótico, livre e confinado, mais uma vez se coloca a pergunta: onde está e por onde circula o poder?. Uma das respostas à questão do poder nas redes reside na prática da mensuração. Mais particularmente, na “concordância voluntária” em ser o sujeito da mensuração em vez de o observador que mede. Se você fizer uma pesquisa em um campus universitário pedindo aos estudantes que listem seus melhores amigos e depois r eunir essas listas e cruzar os nomes, poderá simplesmente construir um mapa de uma rede social no campus. Isso não é novidade depois do Facebook e tudo mais. Contudo, menos conhecido é o fato de que, uma vez tendo o mapa de uma rede social, você pode começar a explorar atores centrais, atores periféricos, conexões indiretas e grupos orgânicos – um tecido social que de outra maneira lhe seria invisível. Além disso, podem-se fazer cálculos baseados no diagrama da rede e predizer futuras conexões possíveis entre os incluídos no mapa. Mas veja: o mapa da rede social do campus só poderia ser criado se os estudantes concordassem em declarar suas relações, e de forma exata. Se algum estudante se recusasse a listar seus amigos ou se levasse a pesquisa na brincadeira e declarasse sem
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exatidão, ele bloquearia o que o mapa pode capturar e afetaria sua estrutura. É claro que, no mundo real, o controle “protocológico”, como diz Alexander Galloway (2004), gera consentimento para seguir certas regras convencionadas, ou protocolos, que regem o conjunto de padrões possíveis de comportamento em um sistema heterogêneo. Assim, por exemplo, todos desejamos clicar o botão “Adicionar aos amigos”, o que resulta na geração de um mapa de rede social. Você pode fazer download de toda a sua lista de contatos, mas não das informações sobre as relações entre eles, que são de propriedade do Facebook Inc. e seus parceiros. Hoje sabemos que os dados de forma conectada, como em gráficos, são informações valiosíssimas. É por isso que toda atividade humana está sendo continuamente capturada como dado e mapeada sob a forma de gráficos proprietários, também chamados de gráficos sociais, gráficos de conhecimento ou gráficos de interesse, que contêm relações capturadas em escala e visíveis apenas para quem as captura. As técnicas usadas para capturar e medir as relações como dados já foram bem explicadas no livro publicado em 1934 por Jacob Levy Moreno, fundador da sociometria, da psicoterapia de grupo e do sociodrama3. O livro explica o uso de um gráfico X-Y para capturar uma atividade social, colocando as pessoas como fileiras e o tempo como colunas, fazendo uma marca cada vez que uma pessoa fala com outra. Se duas ou mais pessoas falarem em determinada coluna de tempo, emerge um padrão vertical. Ao cruzar fileiras e colunas, gera-se um mapa relacional. Por exemplo:
Moreno usa esse método para observar e medir a atividade em escolas; demonstra que as crianças do jardim de infância formam grupos aleatórios, ao passo que as da 3a série se reúnem entre meninos e meninas. Bem, as próprias crianças, seus professores e seus pais podem estar conscientes dessa estrutura social; depois de mapeada, contudo, a informação passa a estar disponível e a ser útil para qualquer terceiro. Moreno inventou na década de 1930 essas técnicas de mapeamento de relações, cujas versões digitalizadas e mais avançadas hoje estão nas mãos de corporações e agências governamentais. Assim, quando um setor de nossa vida é sensoriado e capturado como dado, ele é ligado a outras pessoas, acontecimentos e coisas e passa a fazer parte de um grande gráfico proprietário, “comoditizado” como todo o resto, aberto a intermináveis inferências dos poderosos. A questão do direito à privacidade dos dados pessoais é amplamente discutida, mas são igualmente importantes tópicos como a geração de dados sob o ponto de vista do trabalho, a economia política da coleta massiva de dados e o uso dessas técnicas de forma crítica e criativa não só pelos que estão no poder, mas também pelas pessoas comuns. Uma força motora clara para os negócios movidos a dados é o fato de que, se você capturar uma atividade, medi-la e mapeá-la, poderá formulá-la matematicamente e a modelar; se puder modelá-la, poderá predizer seu futuro; se puder predizer seu futuro, poderá controlá-lo. Quando a captura e o mapeamento de dados são aplicados apenas por um pequeno número de instituições às demais pessoas, começa a aumentar a desigualdade de poder.
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As redes complexas como meio criativo e crítico Agora, vamos examinar exemplos do meu trabalho sobre o uso criativo e crítico das redes complexas. A discussão será feita de acordo com três estratégias: 1. predição – gerada pela análise de dados conectados, como nos trabalhos MyPocket e Artist Collector Network; 2. transversal – agregação de experiências a partir da navegação na rede, como em Monovacation; 3. mapeamento coletivo – conexão entre dados parciais para compor uma imagem mais totalizante, como no projeto Graph Commons. Antes de passar a essas estratégias, eu gostaria de mencionar três artistas que trabalharam com pesquisa e diagramas no passado e influenciaram o meu trabalho. Em meados da década de 1950, Guy Debord criou o termo “psicogeografia” como estudo de ambientes geográficos em relação às emoções e aos comportamentos de indivíduos. Na década de 1970, George Maciunas, lançador do movimento “fluxus”, desenhou gráficos de história da arte, uma crônica exaustiva desse movimento que também narraria suas origens desde o início da arte performática. Hans Haacke, que começou a pensar e a fazer arte como sistema na década de 1960, criou em 1971 uma instalação documental – Shapolsky et al., Manhattan Real Estate Holdings, um Sistema Social em Tempo Real –, que seria exibida no Museu Guggenheim, em Nova
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York, mas a obra foi considerada “inadequada” pelos gestores do museu e a exposição foi cancelada porque os gráficos continham o nome de um truste do Guggenheim4. Esses artistas usaram diagramas e dados de maneira crítica e criativa em seu tempo. Minha obra é impelida por sua influência, mas utiliza técnicas contemporâneas de trabalho com software e dados e é focada nas condições sociais e políticas do nosso tempo. MyPocket (2007) Em 2005, quando estudava no Laboratório de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), tive uma reunião com a MasterCard, um dos patrocinadores do laboratório. Eles perguntaram se poderíamos visualizar as milhares de transações da empresa no mundo todo. Saí da reunião com uma sensação incômoda. Pensei: se eles podem ver meus padrões de gastos, eu também deveria vê-los. Então fiz o download das transações de minha conta bancária e comecei a inserir os dados em gráficos básicos, observando com que frequência compro coisas. A lista contém xícaras de café de várias cafeterias, passes mensais de metrô, compras de supermercado de vez em quando, saques em caixas automáticos etc. O crucial aqui é que os bancos compartilham essas informações com terceiros, inclusive com serviços financeiros, lojas e empresas de marketing. Até dizem em seu acordo com o consumidor: “Se você solicitar que não compartilhemos informações com terceiros, mesmo assim podemos fazê-lo”5. MyPocket é um sistema de software que pega dados das minhas transações bancárias para predizer o que vou comprar dia sim, dia
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não. Cada vez que eu usava meu cartão, os dados da transação iam para a minha conta bancária e eram automaticamente incluídos na base de dados do MyPocket, então analisada e transformada em predições. Essa pode ser considerada uma primeira crítica ao fenômeno do eu quantificado. Vejamos seu material. O trabalho é um sistema e tem três instâncias que manifestam as ideias: o gráfico de transações, o feed de transações e os objetos preditos, que são exibidos juntos. O gráfico de transações é o mecanismo central de predição do modelo em rede, no qual os nós são os eventos de transações individuais e as conexões são similaridades, criadas se dois gastos pertencerem à mesma categoria ou acontecerem no mesmo dia da semana. As cores das bordas mudam com base na intensidade da força: são mais claras quando maiores, mais escuras quando mais fracas. Com o uso desse modelo de rede e com a ajuda das regras personalizadas, o programa foi capaz de fazer predições corretas a respeito de meus gastos diários. O feed de transações informa se minhas compras haviam sido postadas publicamente na internet. Qualquer um podia ver o que eu tinha comprado no passado e o que compraria no futuro. Aqui, os vermelhos i ndicam predições atuais, os verdes compras corretamente preditas e os brancos compras não preditas. Como resultado, os dados relativos aos meus gastos deixaram de ser exclusividade de bancos e empresas de marketing. Por fim, os recibos coletados eram ordenados em uma caixa; cada vez que eram corretamente preditos, eu marcava sua probabilidade com um carimbo verde. Junto com
as informações únicas sobre eles, data com detalhes de segundos e identidade única, os recibos se tornaram o que chamo de objetos preditos. A existência dessas evidências físicas de um evento único era predita por meio de análise e vivência deliberadas. Eles são readymades, como os objetos ordinários apropriados por artistas contemporâneos. No entanto, esses readymades são encontrados no futuro, e não no passado, diferentemente dos readymades que Duchamp inventou no início do século XX. Artist Collector Network (2011) Outro exemplo de estratégia de predição no uso de redes complexas é o projeto Artist Collector Network [Rede Colecionador- Artista], que iniciei em 20116. Em 2010, morando em Istambul, na Turquia, me envolvi com mais intensidade no ecossistema artístico, percebendo que o mercado de arte em expansão em Istambul tem bastante influência sobre a produção artística. Senti a necessidade de examinar a forma desse mercado, mais particularmente a influência dos colecionadores no sistema. Assim, comecei a pesquisa que chamo de Artist Collector Network, um mapa exploratório de colecionadores e artistas baseado na relação que implica estar em uma coleção de arte. É claro que o artista pode estar em várias coleções e que o colecionador pode ter muitos artistas em sua coleção. Alguns colecionadores reúnem, em profundidade, muitas peças de poucos artistas, ao passo que outros fazem coleções laterais, com poucas peças de cada artista. Essa intensidade é representada como o peso das bordas, que guia a organização do layout desse gráfico.
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Quando o modelo de rede é preenchido com dados da pesquisa, obtemos as relações artista-colecionador em escala. Os nomes dos artistas estão em vermelho; os dos colecionadores, em preto. O mapa contém 46 colecionadores, 738 artistas e 3.256 conexões. Os dados para o mapa foram gerados fazendo-se perguntas diretas a colecionadores e artistas, de forma que as informações foram fornecidas por ambas as partes de uma aquisição. No entanto, os dados só foram verificados uma vez pela pessoa que forneceu as informações. Esse é o “protocolo de pesquisa” que decidi acrescentar deliberadamente ao trabalho, o que cria uma tensão entre os dois lados, os donos dos dados relativos a uma aquisição de arte. Se examinarmos um detalhe do mapa, a proximidade dos nomes significa que são similares em termos do mercado de arte. A centralidade de um nome representa sua influência no mercado de arte da Turquia. É possível explorar o diagrama de rede interativo ressaltando certas partes e filtrando outras, analisar e entender a estrutura da rede e ver quem são os atores centrais, quais deles estão na periferia, que atores têm relações indiretas, onde são formados os grupos orgânicos e onde há lacunas entre certos grupos – assim, são exploradas relações invisíveis de poder. Mesmo em casos em que a grande quantidade de dados obriga a fazer um mapa maior do que um plano visível, a interface do algoritmo dá acesso a seu uso. Trata-se de um projeto em andamento. Enquanto o trabalho está em exibição, solicito às instituições que o expõem que me conectem com a rede de arte ao seu redor para que eu possa pedir às pessoas que participem
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do mapa. Há um chamado aberto no seu site; não é necessário dizer que o mapa de rede interativo está disponível on-line para que todos o vejam. Com a última fase desse trabalho é introduzido um sistema de predição algorítmica para apresentar futuras conexões entre artistas e colecionadores, ou seja, a probabilidade de um colecionador adquirir uma obra de um novo artista e vice-versa. Isso foi calculado com base nas conexões compartilhadas pelos atores. Ao digitar um nome no mapa, ressaltam-se suas conexões diretas e também as predições em verde. A predição de conexão é outro uso algorítmico de um diagrama de rede, no qual a estrutura de dados e seu uso revelam novas informações sobre poder. Monovacation (2013) Agora vamos para a estratégia do “transversal” no uso de redes complexas. Monovacation refere-se “às férias” das férias… Comerciais turísticos oficiais de países que concorrem uns com os outros foram selecionados e cada filme foi dividido em clipes o menor possível. Os clipes, com duração de três a quatro segundos por natureza, foram codificados com tags. Por meio de um diagrama de rede que roda como simulação por software, essas tags são conectadas umas com as outras via clipes compartilhados que encontraram suas posições no mapa. Em seguida, foi gerada uma nova sequência por meio de uma transversal no mapa de rede, pulando de um nó para o nó mais próximo, seguindo o caminho dos nós mais centrais. Do litoral do Egito a Portugal, da mulher de Israel à da Índia, de figuras mitológicas da
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Tailândia às da Turquia, aqui vem uma fantasia extraída de “férias”…7 Esses comerciais oficiais compartilham temas mais ou menos comuns. Por exemplo, nos Emirados Árabes Unidos e no Egito as pessoas cavalgam como esporte; na Turquia, o cavalo é um objeto mitológico; em Portugal e na Espanha, pode-se treinar cavalos... Os países do Sudeste Asiático se anunciam como lugares místicos; a região do Mediterrâneo se concentra em gastronomia, vinho e vida noturna; a Europa Meridional quer ser a vizinha onde você descansa, e assim por diante. Cada sequência recortada é codificada com tags descritivas, reflexivas e conceituais. Quando se unem as tags, as tags compartilhadas nos clipes fazem um mapa de similaridade. Ao rodar o diagrama de rede como simulação por software, foram encontradas suas posições no layout da rede. Depois, começando de uma periferia, o nó “barco a remo” na parte inferior, roda-se um algoritmo transversal, pulando de um nó para o mais próximo, seguindo o caminho dos nós mais centrais. O que vemos como resultado desse gráfico transversal é um novo tipo de montagem cinematográfica, que se move por meio de morfos de conceitos, e não de morfos de imagens. Graph Commons e uso coletivo de redes complexas Agora, como estratégia final, vamos examinar o mapeamento coletivo. A tática do Estado, em parceria com certas corporações, para monitorar os próprios cidadãos por meio do que foi chamado de big data e os vazamentos da National Security Agency (NSA) [Agência de Segurança Nacional, nos
Estados Unidos], entre outras situações, também atraíram nossa atenção para uma ferramenta inacessível, porém bastante mágica, usada para saber e predizer o que as pessoas querem. Isso foi possível ao entender a estrutura inter-relacionada ou conectável da informação gerada por muitos, mas, como foi dito, aberta só a poucas instituições. Em outras palavras, a lógica de rede foi mistificada aos olhos do público. Apenas os especialistas em determinados campos têm agregado grandes quantidades de dados e usado ferramentas científicas para visualizá-los e analisá-los em base relacional. Nem os dados relacionais nem as ferramentas de visualização e análise são acessíveis às pessoas comuns. Contudo, é um mito dizer que as pessoas comuns não têm acesso a dados. Nós somos, no entanto, os dados para governos e corporações, que fazem “sensoriamento” contínuo de nossas atividades. Na verdade, a interconexão de pontos de dados ao nosso redor e o mapeamento coletivo de relações que podemos observar de fato tornariam estruturas complexas visíveis e, assim sendo, discutíveis. Juntos podemos mapear relações e desdobrar as questões que têm impacto sobre nós e sobre nossas comunidades. Todos nós deveríamos ser capazes de mapear conscientemente as redes que nos interessam e nossas relações, entender sua complexidade, apropriar-nos de nossos big data pessoais ou coletivos, controlar seu uso e agir sobre eles para compreender e administrar futuros possíveis (CASTELLS, 2004). Para usar a inteligência de rede e ir além das metas que ela pretende alcançar, precisamos de ferramentas acessíveis e fáceis de utilizar, com muitos exemplos, e de meios
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para colaborar em mapas. Por meio de uma espécie de alfabetização em redes, os não especialistas poderiam penetrar na mais fina complexidade e desfrutar de seus méritos. A ideia da plataforma Graph Commons nasceu dessas intenções em 2011. Graph Commons é uma plataforma colaborativa de mapeamento de rede baseada na web e que também atua como base de conhecimento diagramático de relações8. Na Graph Commons, você entende redes complexas ao transformar os seus dados em mapas de redes interativas, descobrir novas relações e compreender questões complexas a partir de uma interface simples. Pode-se compilar coletivamente dados sobre os tópicos que o interessam, definir e categorizar relações e mapear as questões que têm impacto sobre você e sua comunidade e, assim, experimentar coletivamente o ato de mapear como prática em andamento. Faça um power search em diversos gráficos, convide pessoas para colaborar no seu trabalho e peça para contribuir no delas, envolva-se em profunda colaboração. Ao usar a interface baseada na web, qualquer indivíduo pode começar a mapear redes, a aprender o vocabulário de análise de rede e a utilizar a inteligência de rede. Os membros da Graph Commons têm usado a plataforma para investigar questões de áreas como jornalismo, pesquisa de dados, ativismo cívico, estratégias, análise organizacional, design de sistemas, exploração de arquivos e curadoria de arte. Todos os pontos de dados – nós e bordas – da Graph Commons são de propriedade dos membros que os criaram e licenciados para seus autores com a licença Creative
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Commons International 4.0. Se nossas relações e nossa conectividade criarem uma espécie de bem imaterial, um gráfico formado por essas conexões constituirá uma propriedade imaterial, que pode ser criada por meio do fazer coletivo, da propriedade coletiva e do controle coletivo. Assim sendo, os gráficos tornam-se bens comuns como parte do conhecimento em comum da era da rede. Ao se envolver no processo de mapeamento de rede e visualizar muitos exemplos de gráficos, você começa a se conectar com um pensamento racional contra o que era mítico, pode entender quanto valor gera quando o seu gráfico é capturado e ver o quanto é visto sobre você. Não se assume mais uma posição submissa – você não é mais o objeto: agora é o próprio sujeito da ação.
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Burak Arikan É um artista que divide seu tempo entre Nova York (Estados Unidos) e Istambul (Turquia) e trabalha com redes complexas. Usa as questões sociais, econômicas e políticas óbvias, como o input, e passa por um maquinário abstrato que gera mapas de rede e interfaces algorítmicas, resultando em performances e procriando predições para tornar visíveis – e, assim, discutíveis – relações inerentes de poder. Seus softwares, suas gravuras, instalações e performances já foram apresentados em várias exposições internacionais. É fundador da Graph Commons, plataforma colaborativa de mapeamento de rede. Já expôs em instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e as bienais de arquitetura de Veneza (Itália), São Paulo, Istambul, Berlim (Alemanha), Sharjah (Emirados Árabes Unidos) e Marrakesh (Marrocos), além de Ashkal Alwan (Líbano), Ars Electronica (Áustria), Sonar (Espanha), Demf, Museu de Arte de Neuberger (EUA), Instituto KW de Arte Contemporânea (Alemanha), Borusan Contemporary, Depo, Arter e Salt (Turquia). Também expôs em locais independentes, como Art Interactive (EUA), Künstlerhaus Bethanien (Alemanha), Hafriyat (Turquia) e Turbulence (on-line). Ministrou e realizou workshops em instituições como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), a Escola de Design de Rhode Island, o Programa de Telecomunicações Interativas da Universidade de Nova York, The New School (todos nos EUA), a Universidade Técnica de Istambul, a Universidade Bogazici, a Universidade Sabanci e a Universidade Istambul Bilgi (as quatro na Turquia). Concluiu mestrado no Laboratório de Mídia do MIT, no Workshop de Linguagem Física (PLW, na sigla em inglês), sob a direção de John Maeda. No MIT, também realizou pesquisas explorando sistemas em rede que tratam da transição da conectividade para a coletividade no contexto da expressão criativa. É mestre em comunicação visual pela Universidade Istambul Bilgi (2004) e bacharel em engenharia civil na Universidade Técnica Yildiz (2001), também na Turquia.
Referências bibliográficas CASTELLS, Manuel. Posfácio: why networks matter. In: MCCARTHY, H.; MILLER, P.; SKIDMORE, P. (Ed.). Network logic. London: Demos, 2004. p. 221-225. GALLOWAY, Alexander R. Protocol: how control exists after decentralization. Cambridge: MIT Press, 2004.
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Burak Arikan
Notas 1
Veja mais em: <https://ridgeaphistory.wikispaces.com/ Mediterranean+Trade+Routes>. Acesso em: 31 ago. 2015.
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Veja mais em: <http://www.submarinecablemap.com/>. Acesso em: 31 ago. 2015.
3
MORENO, Jacob Levy. Who shall survive? 2nd ed. 1953. Disponível em: <http://www.asgpp.org/docs/wss/wss.html>. Acesso em: 31 ago. 2015.
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Descrição do trabalho de Hans Haacke na exposição Open Systems, na Tate Modern (Inglaterra), em 2005. Saiba mais em: <http://www.tate.org.uk/whatson/tate-modern/exhibition/open-systems/open-systems-room-7>. Acesso em: 31 ago. 2015.
5
MyPocket, de Burak Arikan, 2007. Saiba mais em: <http://burak-arikan.com/mypocket>. Acesso em: 31 ago. 2015.
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Artist Collector Network, de Burak Arikan, 2011. Saiba mais em: <http://burak-arikan.com/acn>. Acesso em: 31 ago. 2015.
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Monovacation, de Burak Arikan, 2013. Saiba mais em: <http://burak-arikan.com/monovacation>. Acesso em: 31 ago. 2015.
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Sobre a plataforma Graph Commons, acesse: <https://graphcommons.com/about>. Acesso em: 31 ago. 2015.
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GAMES:
uma linguagem em descoberta Arthur Protasio
Os jogos eletrônicos enfrentam um constante processo de transformação. Este artigo busca gerar uma provocação no sentido de compreender e conhecer melhor a linguagem dos jogos a partir de seus obstáculos sociais e de suas definições estruturais. Perguntas como “Quais são as mídias e as motivações que inspiraram a criação dos games?” e “Para onde essa inspiração nos levou?” são cruciais nessa reflexão.
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ogo eletrônico. Experiência interativa digital. Ou simplesmente game. Não importa a denominação usada; falar sobre videogames é sempre um desafio. Felizmente, significa que a pauta deverá abordar pelo menos um destes três itens: tecnologia, cultura, engajamento. A questão, no entanto, é que, apesar da presença desses três elementos, a mídia do jogo ainda enfrenta obstáculos para conseguir ser aceita como uma das uniões dessa trindade. A começar pelo fato de que, se repararmos na repercussão dos jogos eletrônicos na atualidade, aparentemente nenhuma outra mídia é tão comentada quando se fala em sucesso comercial e deturpação de valores. Um dos jogos que melhor exemplificam essa polêmica é a série Grand Theft Auto (GTA), criada em 1997 e com o lançamento mais recente em 2013. Embora seja conhecida por ter quebrado diversos recordes da indústria do entretenimento, conforme os registros mundiais do Guinness World Records – afinal, arrecadou 1 bilhão de dólares em apenas
três dias após seu lançamento –, também foi intensamente acusada de estimular os jogadores a cometer crimes na vida real. Contudo, pouco se conhece ou se discute a respeito dos desdobramentos culturais e narrativos dos games e, consequentemente, dessa série que tem como base a sátira da história cultural da América do Norte. Isso nos leva à curiosa constatação de que o contexto global em que os jogos eletrônicos se encontram é peculiar. Embora sua origem remeta ao fim da década de 1950, e desde a década de 1970 eles existam como produtos comercializados, esses jogos ainda representam uma mídia relativamente jovem. Afinal, jogos digitais são produtos tecnológicos que se valem de uma plataforma para transformar comandos de programação em uma experiência interativa. No entanto, qualquer que seja a atividade criada em um game, ela será um reflexo do intelecto de seu criador e deverá prender a atenção do público se quiser ser bem-sucedida.
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Foi assim que os jogos eletrônicos nasceram como experimento em um ambiente universitário. Em 1958, William Higinbotham criou, com o intuito de entreter os visitantes do Laboratório Nacional Brookhaven (Nova York, Estados Unidos), o jogo Tennis for Two, utilizando um osciloscópio e um computador analógico. Embora não seja um ponto pacífico de discussão, Kent (2001) afirma que diversos historiadores identificam esse momento como a criação do primeiro jogo eletrônico. Na sequência, o primeiro game a ser considerado comercialmente viável foi Computer Space, uma adaptação do jogo Spacewar! lançada em 1971, fixando os alicerces para o aparecimento de uma nova indústria no setor do entretenimento. Pac-Man, Pong e Asteroids são outros nomes que se tornaram populares nessa fase. Desde então, o sucesso comercial dos jogos eletrônicos permitiu uma gradual aceitação tanto no âmbito de políticas públicas quanto na forma como são percebidos pelos meios acadêmicos e de comunicação. Mais de 40 anos depois, em 2015, esse mercado continuamente fatura bilhões de dólares, superando, inclusive, os números da indústria cinematográfica e conferindo destaque econômico ao segmento. Não coincidentemente, desde 2008 o recorde anual de maior lançamento da indústria do entretenimento tem sido conquistado por jogos eletrônicos.
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Provando que os games são uma mídia em ascensão, o Guinness registra os seguintes recordes mundiais: Grand Theft Auto IV (Rockstar Games), em 2008; Call of Duty Modern Warfare 2 (Activision), em 2009; Call of Duty: Black Ops (Activision), em 2010 (CTS GAME STUDIES, s.d.); Call of Duty Modern Warfare 3 (Activision), em 2011 (FIGUEIREDO, 2011); Call of Duty: Black Ops 2 (Activision), em 2012 (MONTEIRO, 2013); e Grand Theft Auto V (Rockstar Games), em 2013 (PITCHER, 2013). Ainda assim, se o jogo é visto apenas no âmbito comercial, seu potencial como obra cultural é desperdiçado, o que nos leva ao questionamento sobre o que define um game. Com base nos estudos de Huizinga (2008), Parlett (1999), Caillois (1962 apud SALEN; ZIMMERMAN, 2003) e Juul e C rawford (2002 apud SALEN; ZIMMERMAN, 2003), Salen e Z immerman (2003) acreditam que um jogo pode ser mais bem definido considerando-se alguns elementos norteadores. Ambos promoveram uma definição a partir da síntese das características mais comuns identificadas em diversas definições de jogos (eletrônicos ou não). Para eles, jogos são (1) uma atividade, um processo ou um evento que (2) possuem regras que limitam os jogadores; (3) possuem objetivos; (4) estabelecem conflitos ou competições; (5) envolvem tomada de decisões; (6) são artificiais e (7) e voluntários.
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Em essência, embora a definição oferecida por Salen e Zimmerman intencionalmente inclua os jogos eletrônicos, ela não é muito diferente da elaborada por Huizinga. Significa dizer que, ao passo que a explicação desse último se apresenta mais como um conceito abstrato (que inclusive pode ser aplicado à experiência de entretenimento de uma maneira geral), a definição de Salen e Zimmerman é útil para elencar itens específicos e particulares à mídia dos jogos, como as regras. Koster (2005) dá prosseguimento a essa discussão da definição de jogo por outro viés. Ele comenta que os autores supracitados e outros designers, como Ernest Adams e Sid Meier, concordam em diversos pontos. Todos entendem que os jogos são uma realidade própria, uma simulação, um sistema formal, e necessitam de regras, além de permitir escolhas e apresentar conflitos. Contudo, para Koster, nenhuma definição menciona a presença da “diversão” como um elemento crucial. O autor
prossegue dizendo que a diversão é o prazer ou a fonte de satisfação que se consolidam quando um jogador passa a compreender e a dominar o jogo – assim como quando um quebra-cabeça é solucionado. Curiosamente, embora Salen e Zimmerman não usem o termo “diversão”, eles apresentam uma definição similar sob a alcunha de “participação significativa” (2003, p. 1.018-1.023). Para eles, todo jogo deve almejar essa participação, pois ela é a meta de qualquer design de jogo bem-sucedido. Dessa forma, é possível concluir que a participação significativa é fruto de um jogo bem projetado. Isso pode se dar pela relação entre a ação do jogador e o resultado do sistema, constituindo, então, o processo pelo qual o jogador realiza ações no sistema projetado e a forma como o sistema do jogo responde a essas ações. Assim, essa participação é valorizada, pois as ações do jogador e os resultados do jogo se tornam discerníveis e integrados ao contexto deste.
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Fica evidente, portanto, que no cerne do jogo está o diferencial da interação. Sem ela, a criação dessa estrutura não cumpre sua função de promover esse vínculo de participação com o jogador. Sem essa estrutura não há engajamento. Contudo, para que a interação tenha impacto ou significado, ela precisa ser uma obra comunicativa, e é a partir desse viés que o game reforça sua relevância como linguagem. Para compreender o jogo como obra transmissora de ideias, é importante também atentar para a compreensão do gênero como discurso. Segundo Bakhtin (2003), a comunicação é indispensável aos seres humanos, podendo se dar por meio de variadas manifestações linguísticas, como a escrita, a oralidade, o som, os gestos e as expressões fisionômicas. Essas manifestações atingem uma grande diversidade, pois se relacionam diretamente com as esferas da atividade humana. Assim, o gênero é uma instância comunicativa, que pode ser cotidiana e
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realizada de maneira espontânea, imediata e informal ou ter mais complexidade e ser mediada pela escrita, como no caso de romances, teses, peças e palestras. O jogo, no entanto, não é necessariamente escrito, por se tratar, em termos estruturais, de uma obra audiovisual interativa, já que sua postura comunicativa é relacional e de constante significação (e ressignificação) do indivíduo. É essa característica dinâmica que garante ao gênero uma constante transformação a partir da interação. Um exemplo desse caso é a apresentação do jogo LA Noire no Festival de Cinema Tribeca, em Nova York. Um dos motivos para a exposição de um jogo eletrônico em um festival de cinema foi a extensão e a complexidade do roteiro da obra – que, com 2.200 páginas, equivale a duas temporadas de uma série de TV. Esse dado nos leva a perceber que a linguagem do jogo eletrônico, em realidade, é um amálgama de diversas outras linguagens.
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Portanto, é impossível falar sobre jogos digitais sem perceber que sua formação se inspirou em tantas outras formas de arte e comunicação para se consolidar, bem como é indiscutível reconhecer que em todas as experiências criadas pelos jogos há discursos sendo proferidos e histórias sendo contadas. Dessa maneira, cria-se uma conexão direta com os jogos e a narrativa. Enquanto uma história é compreendida como uma sequência específica de eventos com personagens, a narrativa, por sua vez, se revela como o gênero, ou seja, a forma pela qual essa sequência de eventos é narrada de acordo com a perspectiva subjetiva do narrador. Essa distinção nos permite perceber que cada linguagem, e especificamente cada jogo, adota uma forma particular de contar sua história. A seleção dos elementos (que sempre ocorre no momento da estruturação das regras) determina a quantidade e a qualidade de eventos a ser narrados e, portanto, afeta o todo. Sob essa ótica, Frasca (1999) enxerga os jogos como detentores de elementos narrativos e encoraja a experimentação. O pesquisador afirma que as regras do jogo devem ser abertas o suficiente para que diferentes abordagens sejam permitidas ao jogador, diferentemente de uma narrativa tradicional, em que a intriga é fechada e imutável. Assim, os jogos têm potencial para deixar que o jogador determine a forma como quer participar da experiência – e, apesar de ele não se tornar autor da estrutura, a liberdade oferecida lhe confere a autoria das ações realizadas. Para Frasca, a narrativa complementa o jogo na medida em que, ao apresentar elementos críveis e identificáveis em suas histórias, permite estimular
o pensamento crítico por parte do jogador e caracterizar o jogo como uma mídia ideal para discutir e explorar questões pessoais e sociais. Reiterando esse entendimento, é possível observar uma relação entre os jogos e o ato de contar histórias que acompanha essa mídia desde sua origem. Como todo processo criativo que se fundamenta em alguma inspiração, é natural que os jogos eletrônicos sempre tenham sido influenciados por outras linguagens, como a literatura, o cinema e os role-playing games (RPGs). Exemplos desse cenário e sua evolução são percebidos desde o surgimento dos jogos Colossal Cave Adventure, lançado em 1976, e The Bard’s Tale, de 1985. Embora haja um espaço de nove anos entre a data de lançamento de um e a de outro, ambos os jogos fazem parte de um mesmo paradigma tecnológico, promovendo uma relação textual com seu usuário de forma que toda a atuação do jogador seja dependente de frequentes – e muitas vezes extensas – leituras. Ainda que os jogos sejam distintos, pois o primeiro se assemelha a um livro-jogo, enquanto The Bard’s Tale é parte integrante do gênero RPG e contém ilustrações, o funcionamento e a representação do conteúdo são muito parecidos: longas leituras descritivas sobre ambientes ficcionais e ênfase na interação com um espaço imaginário criado por meio de textos, e não de imagens. A influência do texto e da literatura na produção dessas obras digitais é evidente. Nas décadas seguintes, em razão da evolução técnica, os recursos gráficos passaram a ser mais abundantes. Muitos jogos exploraram diferentes possibilidades visuais, tornando-se visível uma transição da
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influência literária para a cinematográfica. Diversos games incorporaram elementos típicos do cinema, como movimentos de câmera e quadros. Os jogos mais preocupados com uma experiência narrativa, ou seja, voltados para a narração de uma história, iniciaram a fusão de suas bases literárias com seu visual cinematográfico. Dessa categoria, jogos como Sam & Max: Hit the Road, lançado em 1993, e Baldur’s Gate, lançado em 1998, exemplificaram as possibilidades de trabalhar com histórias em jogos, unindo o texto ao audiovisual. O primeiro contava com uma apresentação visual similar à de um desenho animado, na qual o jogador precisaria explorar o ambiente para coletar e combinar itens a fim de satisfazer os desejos de outros personagens e progredir no enredo. Embora o já citado Colossal Cave Adventure pudesse ser chamado de uma versão textual de Sam & Max: Hit the Road, esse último era mais próximo de um roteiro cinematográfico interativo. Essa inspiração em outras linguagens se torna ainda mais diversificada e misturada se levarmos em conta produções mais recentes. Jogos como Heavy Rain e Beyond: Two Souls são frequentemente chamados de “filmes interativos” – inclusive tendo sido apresentados em festivais de cinema –, enquanto Device 6 é identificado como um “livro interativo de investigação”. Adaptações de outras obras, como The Walking Dead, Game of Thrones e A Volta ao Mundo em 80 Dias, podem não ser consideradas jogos por muitos, mas têm feito grande sucesso ao contar suas histórias por meio de uma narrativa interativa. Por outro lado, a evolução da realidade virtual tem permitido que diversos ambientes digitais, ainda
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que de interação simplificada, já sejam considerados jogos imersivos por causa de seus recursos audiovisuais. Na prática, a linguagem dos jogos está em constante descoberta. Não há uma resposta definitiva e provavelmente nunca haverá. O que os games usaram da literatura e da cinematografia para se consolidar foi unido ao diferencial da interação para criar uma linguagem e uma mídia novas. No entanto, também não se pode afirmar que a interação é a rigor uma criação dos jogos digitais, pois essa característica já está presente, desde os primórdios da humanidade, em diversas atividades culturais. Ainda assim, é possível constatar que toda criação surge de uma transformação. Talvez o termo “jogo” atualmente não seja o mais apropriado para identificar a pluralidade de experiências presentes no mercado e na arte. No entanto, é notório que todas essas experiências interativas se valem de uma plataforma tecnológica para promover engajamento pela interação e sentido por meio de um discurso cultural. Sem esses elementos, essa linguagem não seria capaz de existir. Além disso, a forma exata como essa expressão se dá varia não só conforme o seu criador, mas também de acordo com o jogador – que se torna uma espécie de segundo autor. Portanto, o game é um amálgama de tecnologia, cultura e interação. Possivelmente mais valioso do que descobrir se existe uma forma de expressão particular dos jogos é aceitar que o grande trunfo dessa inovadora e peculiar linguagem é ser a mistura de tantas outras e, assim, conseguir promover vínculos emocionais e comunicativos com um vasto e expansivo público.
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Arthur Protasio É sócio-fundador e diretor criativo da Fableware, produtora especialista em criar histórias para diferentes plataformas e projetos transmídia. É mestre em design, autor dos livros Negra Cicatriz e Jogador de Mil Fases e roteirista da atração Xpirado, no Hot Park (Rio Quente/GO), e dos jogos Sword Legacy: Omen, Cavaleiros do Zodíaco: Cards, Ballistic e Spy of Us. É conhecido por ter criado o canal on-line de crítica de jogos LudoBardo e foi consultor da TV Globo na novela Geração Brasil, indicada ao Emmy Digital.
Referências bibliográficas BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. CTS GAME STUDIES. Relatório de investigação preliminar: o mercado brasileiro de jogos eletrônicos. Disponível em: <http://ctsgamestudies.files.wordpress. com/2011/09/relatorio-preliminar-sobre-o-mercado-brasileiro-de-jogos1.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2015. FIGUEIREDO, Arthur. Call of Duty: Modern Warfare 3 gerou US$ 1 bilhão mais rápido que filme Avatar. TechTudo, 13 dez. 2011. Disponível em: <http://www.techtudo. com.br/jogos/noticia/2011/12/call-of-duty-modern-warfare-3-gerou-us1-bilhaomais-rapido-que-filme-avatar.html>. Acesso em: 6 ago. 2015. FRASCA, Gonzalo. Ludology meets narratology: similitude and differences between (video)games and narrative. Ludology.org, 1999. Disponível em: <http://www. ludology.org/articles/ludology.htm>. Acesso em: 6 ago. 2015. HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução João Paulo Monteiro. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008. KENT, Steven L. The ultimate history of video games: from Pong to Pokémon and beyond – the story behind the craze that touched our lives and changed the world. New York: Three Rivers Press, 2001. KOSTER, Raph. A theory of fun for game design. Scottsdale: Paraglyph Press, 2005. MONTEIRO, Rafael. GTA 5 entra para o Guinness após quebrar sete recordes mundiais. Techtudo, 10 out. 2013. Disponível em: <http://www.techtudo.com.br/noticias/ noticia/2013/10/gta-5-entra-para-o-guinness-apos-quebrar-sete-recordesmundiais.html>. Acesso em: 6 ago. 2015.
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PARLETT, David. The Oxford history of board games. Oxford: Oxford University Press, 1999. PITCHER, Jenna. Grand Theft Auto 5 smashes 7 Guinness World Records. Polygon, 9 out. 2013. Disponível em: <http://www.polygon.com/2013/10/9/4819272/grandtheft-auto-5-smashes-7-guinness-world-records>. Acesso em: 6 ago. 2015. SALEN, Katie; ZIMMERMAN, Eric. Rules of play: game design fundamentals. Cambridge: The MIT Press, 2003. Livro eletrônico.
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CROWDFUNDING BASEADO EM BLOCKCHAIN:
qual seu impacto sobre a produção artística e o consumo de arte? Primavera De Filippi
O crowdfunding se baseia na contribuição de um grande número de indivíduos para financiar a produção de determinado trabalho. Algumas plataformas de crowdfunding já foram desenvolvidas na tecnologia do blockchain, recompensando a contribuição monetária das pessoas com real participação financeira no projeto. Assim, seus interesses se alinham mais com os do autor, pois qualquer pessoa que investe no projeto se torna acionista ativo, cujo retorno sobre o investimento depende, em última instância, do sucesso ou do fracasso daquele projeto.
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esde o início da civilização, a produção artística foi financiada e, portanto, também gerida por alguns intermediários: de universidades públicas e instituições religiosas na Idade Média aos patronos públicos e corporativos dos primeiros anos do Renascimento (KEMPERS, 1994); das primeiras guildas de editores no Reino Unido a seus modernos representantes, como grandes editoras, gravadoras e produtoras cinematográficas, que se tornaram poderosos guardiões das indústrias criativas (LESSIG, 2004a). É claro que as mudanças na produção e no financiamento das obras criativas estão intrinsecamente ligadas ao desenvolvimento tecnológico (ROSE, 1995). Antes do advento da imprensa, a produção (e a reprodução) de obras literárias era um esforço árduo que exigia muitas horas de preparação
do manuscrito pelos escribas – que, à época, eram quase sempre contratados pela Igreja ou por órgãos do governo. Da mesma forma, no âmbito das belas-artes, a produção artística era majoritariamente constituída de peças únicas, tais como obras de escultura e pintura, destinadas, sobretudo, a decorar edifícios públicos, igrejas e residências particulares, sem nenhuma expectativa de retorno financeiro. Foi só com o advento da imprensa – e de outros dispositivos mecânicos para a produção em massa de informação – que a produção artística adquiriu valor mais comercial e o resultado dessas práticas criativas acabou sendo considerado verdadeiro objeto de comércio (BENJAMIN, 2008). Essa mudança na percepção se refletiu imediatamente em modificações na lei (GRACZ; DE FILIPPI, 2014). Embora
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justificado, em primeiro lugar, pela necessidade de recompensar os artistas por seu trabalho criativo, o marco regulatório das leis de direitos autorais também – se não principalmente – foi introduzido como meio de proteger o investimento de editores ou de outros intermediários da informação, que cada vez mais ansiavam por apoiar a produção de obras criativas como forma de investimento comercial para promover seus interesses econômicos. Com o advento do regime de direitos autorais, a informação passou a ser tratada como “propriedade intelectual”, ou seja, como ativo que pode ser possuído (mesmo se apenas por um período de tempo limitado) por uma ou mais entidades ou detentores de direitos. Por lei, o proprietário dos direitos autorais de uma obra tem uma série de direitos exclusivos sobre sua exploração, podendo vendê-la (ou licenciá-la) a terceiros em troca de remuneração econômica. Graças a esse novo marco regulatório, a produção artística tornou-se um negócio lucrativo e o mercado gradualmente superou o financiamento público e de patronos como principal sustento da produção artística (SHAPIRO; VARIAN, 2013). No entanto, dados os elevados custos fixos envolvidos na produção e na distribuição
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de obras criativas, as indústrias culturais foram rapidamente dominadas por um pequeno número de operadores encarregados de financiar grande parte da produção artística principal no mundo todo. Em sua maioria, esses operadores – por exemplo, grandes gravadoras, como Universal Music Group e Sony BMG, gigantes da produção cinematográfica, como Disney, Time Warner e Universal, e grandes editoras, como HarperCollins, Hachette e Elsevier – hoje são considerados elementos essenciais das indústrias criativas, atuando como intermediários entre produtores e consumidores desse tipo de obra (CAVES, 2000). Por muito tempo, para que seu trabalho conseguisse cobertura da grande mídia e ampla distribuição em rede global, escritores e artistas quase inevitavelmente tinham de fazer acordos com esses intermediários, que assumiam todos os custos relacionados à produção e à distribuição dessas obras criativas em troca de uma margem de lucro (geralmente altíssima). Os avanços no campo das tecnologias da informação e comunicação tiveram efeito de ruptura nos negócios dos intermediários tradicionais (MANOVICH, 2009). As tecnologias digitais não só reduziram os custos da produção (e da reprodução) de conteúdo em formato
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digitalizado, como também permitiram que qualquer pessoa divulgue esse conteúdo em escala global – em tempo praticamente zero e a custos muito baixos –, por meio da internet. Portanto, com o advento das modernas tecnologias de telecomunicação, o processo de desintermediação começou tanto na produção quanto na distribuição de conteúdo (GELLMAN, 1996). No entanto, mesmo que hoje seja muito mais fácil (e barato) para os indivíduos produzirem o próprio conteúdo e torná-lo disponível para o público pelos próprios meios, as pessoas ainda recorrem a um pequeno número de intermediários (ou “infomediários”) para acessar a maior parte do conteúdo on-line: de redes sociais, como Google+, Facebook e Twitter, a lojas de música on-line do estilo do iTunes, plataformas de streaming, como Spotify, SoundCloud e Pandora, no caso da música, e YouTube, Netflix e Hulu, para vídeos. Apesar das novas oportunidades de desintermediação e emancipação individual que a internet e as tecnologias digitais oferecem, a maior parte do conteúdo hoje produzido – tanto por artistas amadores quanto por profissionais – é armazenada, gerenciada e comunicada ao público por alguns poucos operadores centralizados, que se apresentam como os novos intermediários da sociedade da informação (SCOTT, 2000). Foi só em 2009, com o advento do B itcoin e a subsequente emergência de novas aplicações descentralizadas baseadas na mesma tecnologia subjacente – o blockchain –, que começou uma nova onda de descentralização, revitalizando promessas de liberdade individual e emancipação
que recordam os primeiros tempos da internet (DE FILIPPI; MAURO, 2014). Como livro-razão público descentralizado colocado sobre uma rede de pares, o blockchain pode ser usado para armazenar informações sem recorrer a nenhum servidor ou intermediário centralizado, baseando-se apenas na contribuição de cada participante da rede para desenvolver um banco de dados totalmente descentralizado cuja segurança e integridade são garantidas por algoritmos criptográficos. Paradoxalmente, a confiança e a transparência aumentam ao eliminar-se a necessidade de terceiros e de intermediários confiáveis. Modernos desenvolvimentos nas tecnologias blockchain também implementam características adicionais que possibilitam a execução de código computadorizado sobre esse repositório de dados distribuído, assim permitindo o desenvolvimento das chamadas aplicações descentralizadas, que não estão em determinado servidor, mas são rodadas, de maneira descentralizada, por cada participante da rede. Portanto, assim como a internet incentiva o desenvolvimento de comunicações entre pares – marcando uma virada que os afastava do modelo tradicional de radiodifusão da mídia de massas (de um para muitos) e os levava a canais de comunicação mais interativos e distribuídos (de muitos para muitos) –, o blockchain permite o desenvolvimento de uma série de transações (financeiras e de outros tipos) entre pares que não são reguladas nem regidas por nenhuma autoridade centralizada e confiável, como um banco central ou qualquer outro operador centralizado (DE FILIPPI, 2014).
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De fato, uma das características mais nem cobre os custos da produção artística importantes do blockchain é oferecer às (o Spotify, por exemplo, paga aos artistas pessoas a possibilidade de fazer transa- uma média de 0,0007 dólares; e o YouTube, ções diretas umas com as outras sem pas- 0,0018 dólares)1. sar por intermediário algum. Isso significa Como reação ao sentimento generalique escritores e artistas podem não só se zado de exploração por grandes gravadoras comunicar com as pessoas de maneira di- e operadores on-line, um número crescente reta para criar uma relação de artistas tem experimentamais forte com seu público, Uma das características do meios alternativos de dismas também fazer transa- mais importantes do tribuir seu trabalho e financiar blockchain é permitir ções diretamente com elas, sua criação de forma mais inque as pessoas façam sendo recompensados por dependente (LESSIG, 2004b; transações diretas umas seu trabalho com base em com as outras sem passar GEITH, 2008; ZIMMERMAN, uma relação entre pares – e por intermediário algum. 2009). Em vez de se basearem não por meio de um operana exclusividade que a lei de dor intermediário encarregado de receber direitos autorais proporciona no intuito de obo dinheiro e redistribuí-lo aos artistas per- ter remuneração com o mero consumo de seu tinentes. Esses novos avanços tecnológi- trabalho, alguns artistas (inclusive bandas e cos podem ter impacto considerável tanto músicos famosos, como Radiohead, Nine Inch sobre a produção artística quanto sobre o Nails e David Bowie) experimentaram usar consumo de arte. esquemas alternativos de licenciamento – tais Hoje há dois modelos predominan- como o proposto pela Creative Commons2 – tes para a distribuição de conteúdo digital destinados a promover e a facilitar a livre on-line. Um é o de assinatura (como Spotify reprodução e difusão de trabalhos criativos e Netflix), no qual o usuário paga ao ope- (FITZGERALD, 2004; ELKIN-KOREN, rador da plataforma uma taxa fixa ou um 2006). Ao eliminar o intermediário, esses armontante do tipo pay-per-view para poder tistas conseguiram criar uma relação muito acessar obras criativas. O outro é o modelo mais direta e pessoal com seu público, que os baseado em publicidade, no qual o conteúdo recompensa – por livre e espontânea vontaé grátis para o usuário, mas os anunciantes de – com doações. pagam uma taxa ao operador da plataforma Hoje, contudo, a maior parte dessas doacada vez que seu anúncio é divulgado nela. ções passa pela mediação de uma autoridade Assim, os operadores da plataforma rece- central (por exemplo, o PayPal), que recebe bem todo o dinheiro e depois o redistribuem uma comissão por cada transação (CAR(normalmente uma parte muito pequena) ROLL, 2006). Incentivados pelas baixas taxas aos artistas pertinentes. Ambos os modelos cobradas por transação pelos sistemas desde negócios são altamente lucrativos para centralizados de pagamento, como Bitcoin e os operadores das plataformas on-line, mas outras aplicações baseadas em blockchain, os a remuneração dos artistas muitas vezes artistas agora podem ser pagos diretamente
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por seu público, sem ter de recorrer aos ser- financiamento corporativo, proveniente de viços de nenhuma instituição intermediária. grandes editoras, gravadoras e produtoras de Novos modelos de negócios podem acabar cinema (COBB, 1996; WU, 2003; KLAMER; surgindo com base na execução de um gran- MIGNOSA; PETROVA, 2010). de número de micropagamentos efetuados Recentemente surgiu um novo mecapor uma elevadíssima quantidade de pessoas nismo para a produção artística, denomi(SWAN, 2015)3. De fato, dado o baixo custo da nado crowdfunding (como as plataformas transação nesses sistemas descentralizados, Kickstarter e Indiegogo) e que consiste em as pessoas podem ter contato mais direto com reunir um grande número de contribuições seus artistas favoritos enviando-lhes micro- financeiras de uma quantidade significativa gorjetas ou microdoações. O que talvez seja de pessoas que muitas vezes não se conhecem mais importante – já que as (BRABHAM, 2008). Os que modernas tecnologias block- Crowdfunding consiste contribuem financeiramente chain permitem a incorpora- em reunir um grande para um projeto – os apoiadonúmero de contribuições ção de fragmento de código res – costumam ser recomfinanceiras de uma em qualquer transação (os pensados com um benefício quantidade significativa “contratos inteligentes”) – é de pessoas que muitas (perk), cujo valor depende do a possibilidade de incorporar vezes não se conhecem. valor global de sua contribuitermos e condições específicas ção (por exemplo, podem obter diretamente na “instanciação” blockchain de acesso ao pré-lançamento da obra em condium ativo digital (FAIRFIELD, 2015). Assim, ções preferenciais ou receber uma camiseta os artistas podem disponibilizar seu trabalho ou outro tipo de merchandising). publicamente com certas restrições, que só Apesar de darem a impressão de ser serão removidas após o pagamento de uma mais descentralizadas (em comparação com taxa – num esquema semelhante ao de sis- modelos de financiamento tradicionais), temas de gerenciamento de direitos digitais, essas iniciativas, em sua maioria, são coorembora desenvolvido de forma totalmen- denadas e, portanto, reguladas por grandes te descentralizada. intermediários, que atuam como terceiros No entanto, todos esses mecanismos só confiáveis responsáveis por cobrar e redissão úteis para recuperar os custos de produ- tribuir o dinheiro. As tecnologias blockchain ção depois de feito o trabalho. Alguns artis- eliminam a necessidade desses intermediátas – especialmente os que se encontram rios, pois permitem a criação de plataformas em situação econômica precária –, contudo, descentralizadas de crowdfunding que opetalvez só tenham condições de produzir um ram de maneira autônoma sobre uma rede de trabalho se conseguirem uma fonte exter- pares. Embora a tecnologia ainda seja muina de financiamento. Exceto por subsídios to experimental e não totalmente madura, públicos e de patronos privados com base várias dessas plataformas já estão funcioem compromissos filantrópicos, a produção nando, como é o caso de Swarm, Koinify e artística hoje depende essencialmente de Lighthouse, para citar apenas algumas.
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Mas o caráter descentralizador da plataforma de crowdfunding é apenas um lado da moeda. Podemos perceber melhor a verdadeira inovação que o blockchain introduziu ao examinar a maneira como o projeto está sendo financiado. A tecnologia do blockchain pode ser usada por qualquer pessoa para criar novos tipos de título – geralmente chamados de “criptocapital” (cryptoequity) –, por meio de tokens criptográficos (semelhantes ao Bitcoin, mas sem conotação financeira alguma) que representam ações do projeto para o qual se busca financiamento (DIETZ et al, 2014). Em vez de serem recompensados com um benefício predefinido (cujo valor não evolui com o tempo), os apoiadores podem ser contemplados com uma parte do projeto que estão apoiando e interesses nele – e, portanto, beneficiar-se de receitas adicionais que possam provir da apreciação subsequente do valor dessas ações. Isso cria uma relação mais simétrica entre quem está promovendo o projeto e quem está contribuindo com recursos financeiros para sua realização. Em uma campanha tradicional de crowdfunding, como a Oculus Rift, os projetos não precisam dar nada em troca a seus apoiadores, exceto os benefícios que prometeram – e isso independentemente do sucesso que possam vir a ter (a Oculus Rift conseguiu 2,4 milhões de dólares no K ickstarter e depois foi comprada pelo Facebook por 2 bilhões de dólares). Por outro lado, em uma campanha de crowdfunding baseada em criptocapital, os apoiadores estão, na verdade, investindo no projeto que financiam. Eles se tornam reais acionistas do projeto e, assim, o sucesso de seu investimento
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passa a depender inerentemente do sucesso ou do fracasso da proposta financiada. É claro que esse avanço tecnológico também precisa respeitar o marco regulatório no qual opera. A venda de participação financeira é regulada em muitas jurisdições, especialmente nos Estados Unidos, onde a Comissão de Valores Mobiliários [Security and Exchange Commission (SEC)] exige que quem oferece e vende capital para investimento cumpra formalidades realmente duras (e geralmente muito caras). Historicamente, essas regulações surgiram para proteger investidores pouco sofisticados que talvez não entendessem os riscos substanciais e pouquíssimo visíveis associados a esse tipo de investimento. Portanto, as plataformas de crowdfunding precisam ser cuidadosamente desenhadas para evitar vender algo que se pareça com um título. De fato, muitos operadores do espaço blockchain argumentaram que os tokens criptográficos não deveriam ser encarados como títulos, e sim como tokens de acesso que podem ser comprados com antecedência, muitas vezes por preço mais baixo, no intuito de o usuário depois desfrutar dos serviços prestados pela aplicação baseada em blockchain que está sendo apoiada4. No entanto, essa linha de argumentação ainda precisa ser testada em um tribunal. No momento, o ponto de vista da SEC é que, “se caminha como pato e grasna como pato, é pato”. Não obstante, reformas jurídicas recentes relativas ao crowdfunding de capital5 estão criando um marco regulatório mais indulgente, abrindo gradualmente caminho para o crowdfunding de criptocapital. Apesar desses desafios jurídicos, as plataformas descentralizadas de crowdfunding
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desenvolvidas sobre o blockchain apresen- no contexto da produção artística (SWAN, tam duas vantagens importantes em relação 2015), na medida em que possibilitam a ara suas contrapartes centralizadas. Por um tistas emergentes (com orçamento reduzido, lado, na medida em que o blockchain eli- mas potencial forte e visível) conseguir uma mina a necessidade de autoridade central fonte externa de financiamento necessária ou de intermediários, os custos da reali- para a produção de trabalhos que, do contrázação de uma campanha de crowdfunding rio, não poderiam realizar. Independentebem-sucedida são significamente das razões subjacentes tivamente reduzidos, já que O criptocapital poderia pelas quais as pessoas possam não há comissão a ser paga a democratizar os aportar recursos financeiros investimentos no setor 6 um intermediário . Por outro à produção desses trabalhos lado, uma vez que não existe cultural, especialmente (porque querem apoiar o arno âmbito das belasuma entidade legal operando tista, porque querem que o artes, caracterizado a plataforma, os desafios juríartista produza mais obras ou por obras com valor de dicos supracitados podem ser mercado realmente alto. simplesmente porque querem menos problemáticos, já que especular sobre o valor futuro não há quem responsabilizar pela falta de dessas obras), determinado número de ações cumprimento das formalidades exigidas. será distribuído a cada apoiador, que, por Nesse sentido, é particularmente interes- conseguinte, receberá uma parte dos lucros sante o caso do Popcorn Time7, no qual em- auferidos com a venda ou a exploração copresas que forneciam e/ou faziam funcionar mercial dessas obras. a aplicação foram consideradas indiretaO conceito de criptocapital também mente responsáveis por violação de direitos pode ser desenvolvido no mercado de arte autorais, embora nenhuma acusação tenha tradicional por meio da venda ou da entresido feita contra os desenvolvedores ou os ga de ações de uma obra de arte a patrociusuários dessa aplicação. nadores ou colecionadores individuais com Além disso, e especificamente em re- vistas a remunerar artistas, a posteriori, por lação ao âmbito artístico, essa forma des- seu trabalho criativo. Nesse sentido, as teccentralizada de financiamento está mais nologias blockchain poderiam, em grande em sintonia com os ideais descentralizados medida, democratizar os investimentos no de muitos artistas e criadores, que prefe- setor cultural – especialmente no âmbito das rem ser remunerados diretamente por seu belas-artes, caracterizado por obras cujo vapúblico a recorrer aos serviços de inter- lor de mercado costuma ser elevado demais mediários centralizados, cujos interesses para que muitas pessoas contemplem essa comerciais muitas vezes estão em contra- possibilidade. Com o criptocapital, muitos dição com os deles. indivíduos podem tornar-se proprietários Em particular, as campanhas de parciais de determinada peça e beneficiar-se crowdfunding baseadas em criptocapital com seu sucesso da mesma maneira que uma poderiam ter implicações significativas galeria ou um colecionador.
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Essa é a proposta de valor do Artlery, aplicativo baseado em blockchain que recompensa os apreciadores de uma obra de arte com um presente que representa uma porcentagem do futuro fluxo de receita relacionado a essa obra, não apenas pela venda inicial, mas também por vendas “secundárias” subsequentes. Dessa maneira, as tecnologias blockchain também poderiam facilitar aos próprios artistas o respeito a seus direitos de revenda – que são impostos por lei em muitas jurisdições, mas com frequência não são aplicados ou o são de forma precária, sobretudo devido à dificuldade de implementar essas normas –, alinhando os incentivos tanto de artistas como de seus patrocinadores. As implicações para o consumo artístico também são dignas de nota. Tanto no crowdfunding baseado em criptocapital quanto na venda de ações de criptocapital, o público não é mais consumidor passivo – ele se torna parte interessada ativa de uma obra cultural. Como resultado, os interesses do público alinham-se cada vez mais com os dos artistas, já que todos têm um incentivo para promover as obras no intuito de colher os frutos de seu sucesso. Futuramente, isso poderia afastar o mercado de arte de seu atual estado de escassez artificial e exclusividade, aproximando-o de um estado de coisas mais colaborativo, enraizado na disseminação e no compartilhamento.
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Primavera De Filippi É pesquisadora permanente do Centre d’Études et de Recherches de Science Administrative/Centre National de la Recherche Scientifique (Cersa/CNRS), da Universidade Paris II (França). É docente associada ao Berkman Center for Internet & Society, na Harvard Law School (Estados Unidos), onde está pesquisando o conceito de governança por projeto em suas relações com arquiteturas on-line distribuídas, tais como Bitcoin e Ethereum. Obteve Ph.D. pelo European University Institute, de Florença (Itália). É membro do Conselho da Agenda Global sobre o Futuro dos Serviços de Software & TI do Fórum Econômico Mundial, além de fundadora da coalizão dinâmica do Fórum de Governança da Internet sobre Neutralidade da Rede e Responsabilidade pela Plataforma. Além de sua pesquisa acadêmica, atua como perita jurídica para o Creative Commons na França e na Fundação P2P.
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Notas 1
Disponível em: <http://www.theguardian.com/technology/2015/apr/03/howmuch-musicians-make-spotify-itunes-youtube>. Acesso em: 31 ago. 2015.
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Creative Commons é uma organização sem fins lucrativos que produz licenças destinadas a reduzir as restrições-padrão previstas pela lei de direitos autorais. Essas licenças visam abandonar o conceito de “todos os direitos reservados” do regime de direitos autorais para adotar um regime mais permissivo, em que só “alguns direitos são reservados”. Ver mais detalhes em: <http://creativecommons.org>. Acesso em: 31 ago. 2015.
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É claro que já era possível efetuar microtransações antes do advento das tecnologias blockchain, mas isso não era tão fácil de implementar por causa dos custos fixos por transação. A Apple, por exemplo, relutou em lidar com os 30 centavos de dólares americanos somados a 3% para cada transação com cartão de crédito na loja iTunes. A solução foi reunir várias compras de forma a distribuir os custos de transação a um lote maior. Ver em: SCHLENDER, B.; TETZELI, R. Becoming Steve Jobs. Crown Business, 2015.
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Por exemplo, nem a Swarm nem a Koinify vendiam capital diretamente. Vendiam, antes, tokens para uso de sua plataforma enquanto ela ainda estava sendo construída. De certa forma, esse modelo pode simplesmente ser encarado como uma forma particular de pré-venda, na qual as pessoas investem em determinada quantidade de tokens que mais tarde lhes permitirão usar a plataforma. Para mais detalhes sobre as várias maneiras de lidar com tokens criptográficos no regime regulatório dos Estados Unidos, ver: DIETZ et al, 2014.
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Ver, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a nova isenção determinada no Título IV da Lei Jumpstart Our Business Startups (Jobs) permite que pequenas empresas ofereçam e vendam até 50 milhões de dólares em títulos em um período de 12 meses sem ser submetidas a registro e qualificação decorrentes da Lei de Títulos.
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Veja, contudo, que – ao contrário da Lighthouse, que opera como aplicação descentralizada no blockchain, sem nenhuma organização por trás – tanto a Swarm quanto a Koinify são dirigidas por duas empresas com fins lucrativos que cobram dos usuários uma comissão para operar seus negócios.
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Após mandado de injunção impetrado por cinco membros da Motion Picture Association of America, um tribunal britânico determinou que diversos websites que forneciam a aplicação Popcorn Time fossem bloqueados, embora eles mesmos não estivessem comunicando ao público trabalhos submetidos a direitos autorais. No entanto, os desenvolvedores do Popcorn Time não foram responsabilizados pelos usos da aplicação.
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UM SER DE SENSAÇÃO Edilamar Galvão
Este artigo é uma versão reduzida, com as adaptações necessárias, do segundo capítulo da tese de doutorado A Insuficiência da Linguagem – Fundamentos para uma Estética da Arte Tecnológico-Digital (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006), ainda inédita. O artigo centra-se na reflexão do “ser” da obra de arte tecnológico-digital inserida no desenvolvimento da categoria que funda e define a arte: a experiência. A aisthesis, o ser de sensação que se origina na experiência ritualística e mítica antes de ser “arte”, como imitação de uma experiência.
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aradoxalmente, a arte é, ao mesmo tempo, filiação e rompimento da experiência forte e original do rito. Experiência que dessacraliza o mito fundador, talvez para investigar a experiência mesma em todas as suas faces. Por isso, a pergunta mais adequada para a obra de arte em geral talvez seja: “Que tipo de experiência você instaura?”. Inserir-se na experiência proposta também parece ser a forma correta de compreender a arte para, na verdade, sentir a experiência que ela instaura. Como nos pede Lygia Clark em seu famoso Livro-Obra, de 1968:
Nós somos os propositores: nós somos o molde, cabe a vocês soprar dentro dele o sentido de nossa existência. Nós somos os propositores: nossa proposição é o diálogo. Sós, não existimos. Estamos à sua mercê. Nós somos os propositores: enterramos a obra de arte como tal e chamamos você para que o pensamento viva dentro de sua ação. Nós somos os propositores: não lhe propomos nem o passado nem o futuro, mas o agora.
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Artista como propositor. Arte como fazendo-o conceber entradas, senhas, palamolde. A relação entre artista-obra e seu vras, escolhas que serão a própria condição leitor-receptor como diálogo. Como diálogo, de existência da obra. a forma primeira da filosofia. O diáloTal condição pode nos fazer pensar que go como forma de ação e de existência do um livro fechado também é um dispositivo leitor-receptor na obra. desligado. A ampliação da exigência de auA palavra “recepção” sofreu uma es- tonomia e ação por grande parte das obras pécie de preconceito semântico diante das de arte tecnológico-digitais nos leva a pensar novas experiências estéticas. Com o com- não somente na condição de recepção a elas, preensível desejo de reforçar mas também que a recepção a necessidade de ação do re- Artista como propositor. ideal de toda obra de arte é ceptor, à palavra foi atribuída Arte como molde. a completa entrega ao uniuma passividade. Devemos, A relação entre artista-obra verso proposto por ela. Ree seu leitor-receptor como porém, nos lembrar de Jorge visitemos Dom Quixote hoje diálogo. Como diálogo, a Luis Borges no conto “Pierre forma primeira da filosofia. e verifiquemos se não é isso Menard: Autor de Dom Qui- O diálogo como forma de que o livro pede de nós. Pois, xote”: “O autor é autor da sua ação e de existência do quando há o apagamento ou obra, o leitor é autor da sua leitor-receptor na obra. a transformação das condileitura”. É bastante comções materiais de produção preensível que o tipo de recepção instaurado e existência das obras, elas entram em uma desde a arte moderna tenha feito crescer o nova opacidade e é preciso reconstituí-las estranhamento e que, justamente aí, exista a de alguma forma para redescobrir sua necessidade de um deslocamento e de uma linguagem, seu frescor, sua atualidade. A autonomia cada vez maiores por parte dos recepção é sempre também uma ação, e rereceptores. Sem isso, a obra fica cada vez ceber aqui é aceitar a proposição de soprar mais opaca. Eis o motivo de a palavra “inte- a existência na obra. rator” ganhar a preferência de pesquisadores Será possível existir a obra, como arte, e críticos das novas formas de manifestação fora da experiência? Não se define a aisthesis artística: ela torna mais precisa e enfática a como a experiência por meio dos sentidos? ampliação da exigência aos receptores con- Fernando Pessoa já não nos ensinou que, no temporâneos, além de a recepção das obras poeta, o que pensa está sentindo? Qual é o de arte tecnológico-digitais muitas vezes lugar da experiência senão o agora? O penmover o processo de leitura para todo o cor- samento e as obras podem ser eternos, mas po, fazendo-o agir na experiência corpórea só acordam da sua eternidade pela expemesma pela interação com as obras ou, então, riência, quando vêm à existência num agora.
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Artistas são… gente que cria algo completamente original e novo, algo além da fronteira conhecida da base de informação. Ao usar ou inventar novas ferramentas, mostram novos usos e aplicações que sinergizam e sintetizam campos. Os artistas expandem os limites de tecnologias, levando-as para metas não obtidas anteriormente. Artistas, assim como cientistas, trabalham com símbolos abstratos, representações de várias realidades de ferramentas de trabalho. Até a linguagem usada pelos dois grupos é semelhante. Cientistas que trabalham com matemática frequentemente descrevem uma explicação ou solução particularmente boa como ‘elegante’ [...] A ponte intelectual da abstração e da consideração estética é fundamental para ambos os grupos.” Vibeke Sorensen, The Contribution of the Artist to Scientific Visualization
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Se assumirmos essa exploração das formas da experiência como aspecto ontológico da arte, não veremos ruptura em seu desenvolvimento, tampouco avanços. Será a arte o que deve ser como experiência em cada agora, que responde a uma necessidade interior do artista, de sua época e da própria arte – como já definiu Wassily Kandinsky –, que busca, por meio de todos os meios de manipulação por ela inventados ou à sua disposição, mostrar uma realidade fora de qualquer manipulação, como nos disse Walter Benjamin? Assim também Gilles Deleuze poderia responder à pergunta proposta por ele mesmo sobre o que seja uma obra de arte com o conceito de arte “como um ser de sensação e nada mais, ela existe em si” (DELEUZE, 1992, p. 213). Toda a teoria que está aí envolvida será importante para tentar estabelecer um diálogo com os objetos produzidos a partir da tecnologia atual com a arte digital, uma vez que as diversas manifestações artísticas digitais tendem a pressupor o sensório no seu aspecto interativo. A sensorialidade envolvida nos processos de interação digital foi brilhantemente trabalhada por Lucia Santaella em seu Navegar no Ciberespaço. Nesse livro, ao apresentar três tipos de leitor – o contemplativo (característico da cultura impressa), o movente (característico da era industrial na cultura de massas e das mídias) e o imersivo (característico da cultura digital) –, a autora expõe de modo esclarecedor os aspectos sensoriais envolvidos nesse último perfil cognitivo, que terá seu grau máximo de realização na realidade virtual. Ou seja, a imersão implica o sensório e, mais que isso, uma transformação na própria sensibilidade corporal, física e mental, segundo Santaella:
A navegação interativa entre nós e nexos pelos roteiros alineares do ciberespaço envolve transformações sensórias, perceptivas e cognitivas que trazem consequências também para a formação de um novo tipo de sensibilidade corporal, física e mental. Essas transformações devem muito provavelmente estar baseadas em: a – tipos especiais de ações e controles perceptivos que resultam da decodificação ágil de sinais e rotas semióticas, b – de comportamentos e decisões cognitivas alicerçados em operações indiferenciais, métodos de busca e de solução de problemas. Embora essas funções perceptivo-cognitivas só sejam visíveis no toque do mouse, elas devem estar ligadas à polissensorialidade e à s enso-motricidade, no envolvimento extensivo do corpo na sua globalidade psicossensorial, isto é, na sua capacidade sensorial sinestésica e sensório-motora. (SANTAELLA, 2004, p. 34-35)
Santaella coloca a modificação da sensorialidade na raiz da comunicação digital; assim, quando ampliamos o uso dos recursos da tecnologia digital, o que se amplia é essa característica constituinte. Uma vez que a realidade virtual propicia a experiência sensória por meio da utilização de interfaces múltiplas, ela pode realizar em grau máximo a extensão dessa polissensorialidade por meio da tecnologia digital. A discussão apresentada por Deleuze torna-se também operativa quando pensamos nas condições de produção e recepção da arte tecnológico-digital, pois aqui a tecnologia digital – o material que constitui a obra de arte – é tratada como fator diferencial na produção de uma nova forma
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artística que altera o próprio modo como a arte é pensada, assim como os materiais e os procedimentos artísticos modificaram, cada um a seu tempo, o próprio conceito de arte. Walter Benjamin deixou isso claro ao refletir sobre a mudança provocada pelo advento da reprodutibilidade técnica: Já se haviam gasto vãs sutilezas em decidir se a fotografia era ou não arte, mas, preliminarmente, ainda não se perguntara se essa descoberta não transformava a natureza geral da arte; os teóricos do cinema sucumbiriam ao mesmo erro. (BENJAMIN, 1989, p. 233)
Aliás, não seria interessante perguntar se o erro não vem sendo cometido suces sivamente? Uma reflexão que parta do objeto artístico foi também a preocupação apresentada por Herbert Read no clássico A Arte de Agora Agora. No primeiro capítulo, o autor critica toda a tradição estético-filosófica pelo seu idealismo, pelo seu descolamento da arte, a fim de, por outro lado, defender uma metodologia empírica para construir o discurso estético. Poderíamos dizer que Read defende que a estética parta da materialidade da obra de arte, dos seus aspectos constitutivos, da escuta do próprio discurso no momento de sua mudança, e que não parta das regras de uma arte anterior para construir uma verdadeira ciência da arte: “O artista fala em pedra, em madeira, em bronze, em cor, exatamente como o poeta fala em palavras: o artista torna o pensamento visível, sem o intermediário dos conceitos verbais”, diz Read (1981, p. 25, grifo nosso).
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O meio aqui é uma necessidade. De maneira análoga, em carta a Oliver Grau, Charlotte Davies reflete sobre a acessibilidade e a necessidade do uso da tecnologia: Uma das coisas que estamos fazendo com Osmose é apontá-la para novas tecnologias à medida que a tecnologia aparece, talvez no final das contas cheguemos com ela a algo relativamente pequeno. E esperamos fazer isso também com o novo trabalho, Ephemere. É a minha insistência em transparência (em tempo real) que nos faz necessitar desse equipamento tão de ponta. Se pudesse fazê-lo apenas com um pincel de madeira e pigmento eu o faria – mas então você não poderia ser envolvido no espaço criado, que foi o que me levou a esse meio em primeiro lugar e pode me manter aqui, apesar de todas as complexidades técnicas. (DAVIES apud GRAU, 2003, p. 210)
Podemos usar algumas obras de arte tecnológico-digital como exemplo, dando ênfase à sua materialidade e às sensações delas resultantes. As aqui citadas são todas anteriores a 2004, mas mantêm sua atualidade e sua força em relação aos princípios teóricos propostos em minha tese de doutorado, estes ainda adequados a obras mais recentes, tais como as apresentadas nas cinco edições do Emoção Art.ficial, do Itaú Cultural, e no Festival Internacional de Artes Eletrônicas (File), ambos realizados em São Paulo (SP). Em The Legible City (1988-1991), do artista e teórico Jeffrey Shaw1, o interator precisa pedalar numa bicicleta ergométrica conectada a um computador que simula o espaço físico de uma cidade baseada nos seus
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próprios mapas. No lugar de prédios, textos edificados nas mesmas proporções dos edifícios da cidade. O “ciclista” imerge na cidade por meio de um avatar e “lê” esses textos conforme passeia pelas ruas dessa cidade legível. Nas versões Amsterdam (1990) e Karlsruhe (1991), os textos são reunidos com base em arquivos de documentos que descrevem a realidade histórica de cada lugar. Na versão Manhattan (1989), computadores ligados em diferentes lugares permitem, ainda, que os interatores se encontrem em tempo real no espaço simulado. Aqui os textos produzidos partem de monólogos ficcionais de oito moradores de Manhattan, entre eles um motorista de táxi e o magnata Donald Trump, que se distinguem em palavras construídas em oito diferentes cores. Ou seja, cada interator-ciclista define sua rota e sua velocidade pela cidade virtual, construída a partir de seu espaço, de sua história e de personagens reais. Essa experiência estética pode proporcionar uma redescoberta do espaço citadino, mas ela é construída de um modo extremamente individual. O interator pode se sentir no espaço observado, transformado em espaço verbal tridimensional. O discurso mistura-se com estar no espaço físico, o espaço físico transforma-se em espaço verbal. A leitura, por sua vez, transforma-se num caminhar à deriva, num construir rotas possíveis, alternativas, num ir ou voltar, atualizando mesmo a concepção “peripatética” de construção discursiva de Aristóteles. Andar de bicicleta nesta cidade de palavras é, consequentemente, uma viagem de leitura. A escolha da direção, a escolha de onde fazer uma curva, é uma escolha de textos e sua sobreposição, e a identidade dessa
cidade surge na conjunção de sentidos que essas palavras geram enquanto surgem ao longo do trajeto da bicicleta. (SHAW e STILES in SELZ, 1996, p. 487)
No trabalho de Sommerer e Mignonneau, a mesma tensão é percebida. Em sua primeira instalação interativa por computador, Interactive Plant Growing (1993), os autores integram a bioarte à plataforma computacional interativa. Ao tocarem plantas reais, os usuários podem controlar o crescimento de plantas virtuais geradas por computador. As tensões do corpo dos usuários são captadas pelas plantas vivas e usadas para controlar o crescimento de vários algoritmos de plantas artificiais. Ao tocarem ou simplesmente se aproximarem das plantas vivas, os usuários podem cultivar e criar coletivamente plantas artificiais sempre diferentes que são expressões diretas e interpretações de suas interações com as plantas reais. (SOMMERER e MIGNONNEAU in DOMINGUES, 1997, p. 200, grifos nossos)
Os artistas declaram seu interesse numa arte orientada para o processo ante uma arte orientada para o objeto. A reflexão sobre o darwinismo e a vida artificial marcam o trabalho da dupla, bem como as mais variadas intersecções com a tecnologia digital e o conhecimento científico sobre a evolução das espécies. No trabalho A-Volve (1994), os artistas permitem ao público criar de fato vidas artificiais. Numa tela de toque 2D, os usuários desenham uma figura qualquer que será traduzida como um código genético. Desse código nasce uma vida artificial que viverá
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numa piscina com água. Esses seres virtuais adquirem uma visualidade e uma plasticidade parecidas com as de águas-vivas. Eles interagem entre si na água segundo uma lei darwinista. Caçam, se acasalam, se reproduzem ou podem até mesmo evoluir de acordo com as mutações provocadas pelo ambiente no seu algoritmo genético. Os usuários podem criar mais vidas e tocar nesses seres virtuais, produzindo, assim, alteração no ambiente ou criando energia vital para sua subsistência. Segundo Grau, o usuário brinca de Deus (GRAU in DOMINGUES, 2003, p. 291). Osmose é uma simulação tecnicamente avançada e visualmente impressionante de uma série de espaços textuais e visuais que se dividem de muitas formas: uma esfera mineral/vegetal intangível. Nada faz lembrar as imagens granuladas, sobressaltadas e poligonais dos primeiros anos da arte virtual; no espaço de dados da canadense Charlotte Davies, pontos de luz fosforescentes brilham na escuridão com foco suave. Osmose é um ambiente interativo imersivo, que envolve um equipamento que é colocado na cabeça [head mounted display, ou HMD], grafismos em computadores 3D e som interativo, que pode ser explorado sinesteticamente. No segundo nível, a instalação oferece aos visitantes a oportunidade de seguir a viagem de imagens do interator individual através desse simulacro de natureza. Com ajuda de lentes polarizadoras, eles assistem à sua perspectiva de mundos tridimensionais em constante mudança numa grande tela de projeção. As imagens são geradas exclusivamente pelo interator, cuja silhueta em movimento pode ser vagamente distinguida
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numa vidraça de vidro opaco. A solidão do interator é intencional, pois ela intensifica a experiência individual do lugar virtual. A estrutura da instalação, uma combinação de sistema independente e de um auditório às escuras com uma tela, faz lembrar um estúdio de teatro ou de cinema. Como um mergulhador solitário e sem peso, o interator primeiro desliza para fora de uma grade de coordenadas cartesianas para os cenários virtuais: um abismo oceânico sem limites com nuvens tremeluzentes de insetos gerados por computador até a densa vegetação rasteira de uma floresta escura. A passagem de um cenário para o seguinte é suave e fluida. Enquanto os primeiros meios virtuais utilizavam portais que tornavam as transições abruptas, no mundo de imagens de Osmose o observador vivencia transições osmóticas de uma esfera para outra, vendo-a desaparecer gradualmente antes de se amalgamar à seguinte. Naturalmente, isso significa que dois espaços de imagens têm de ser gerados simultaneamente. O monitor estéreo HMD em frente aos olhos permite ao interator passar imediatamente ao interior do solo, onde ele encontra rochas e raízes vívidas, e, finalmente, entrar no microcosmo cintilante e opalescente de uma folha de árvore. No centro desse espaço de dados encontra-se uma árvore sem folhas numa clareira, representativa e isolada. Seu tronco e seus galhos brilham como cristal, inteiramente transparentes e permeáveis até o seu centro. Osmose é uma esfera ao mesmo tempo feita de mineral sólido e fluida e intangível, um espaço não cartesiano. […] Olhado de cima para baixo do alto da árvore digital, na qual o processo biológico da osmose é mistificado,
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aureolado e mesclado às imagens técnicas, O fato é que as obras de arte voltam a particuo emaranhado de raízes lembra uma galáxia larizar a experiência em si. Na diversidade de distante; no entanto, à medida que o observa- sua experiência, os caminhos são inúmeros e dor se aproxima, evoca um microcosmo. Dois a cada artista deverá ser dedicada a reflexão mundos textuais servem como parênteses que lhe seja própria e particular. Isso ainda não desse simulacro de natureza. As 20 mil linhas deixará de ser uma construção que se distinde códigos de programa da obra são visíveis gue da obra de arte como experiência, mas, ao no ambiente virtual, organizadas em colunas mesmo tempo, constitui-se na experiência de colossais; e um espaço cheio de fragmentos de viver e pensá-la sem distinção. textos – conceitos de natureza, tecnologia e Não se pode, assim, determinar um cacorpos, todos escritos por pensadores, como minho ou uma direção comum para a diversiBachelard, Heidegger e Rilke, cujas ideias dade das práticas artísticas. Possivelmente, o não foram tocadas pelos pano de fundo “comum” em desenvolvimentos revo- A experiência proporcionada que elas se projetam é a prolucionários recentes em por Osmose parece colocar posição do debate contemrelação à imagem. Que o o indivíduo em completa porâneo sobre o indivíduo, programa de computador imersão no ambiente o corpo, o conhecimento, a esteja visível não diminui simulado. Tal simulação tecnologia, a ética na forma também parece conferir substancialmente a expede uma experiência. A expeao participante a sensação riência imersiva; ele reveriência por meio da interatide corporeidade no e do la em parte as fundações vidade que exige do outro a ambiente, além da própria binárias dos espaços de experiência ultraindividual. ação na obra e uma conseimagem e, dessa maneira, quente alteração da obra e torna o observador consciente das origens da do discurso nessa ação. Se pela obra como ilusão. (GRAU, 2003, p. 195-196, grifo nosso) processo se constrói o compartilhamento
A experiência proporcionada por Osmose parece colocar o indivíduo em completa imersão no ambiente simulado. Tal simulação também parece conferir ao participante a sensação de corporeidade no e do ambiente, além da própria experiência ultraindividual. Esteticamente, como quer Ortega y Gasset em A Desumanização da Arte, procuramos um pano de fundo comum no qual a diversidade das manifestações artísticas se encontra ou, como quer Deleuze, tentamos construir uma “gigantesca alusão” que evapora e se distingue da realidade do acontecimento.
da autoria, os resultados temporários desse processo e o próprio processo em andamento são sempre alterados e alteráveis pela ação individual e coletiva. “Eu entendo interatividade, nesse contexto, como o potencial para poder influenciar intencionalmente o desempenho de um artefato tecnológico”, diz Felix Stalder (STALDER apud CZEGLEDY in DOMINGUES, 2003, p. 143). Na reflexão sobre seu trabalho como artista e curadora, Nina Czegledy afirma que seus projetos têm a intenção de suscitar, de modo estético, questões relativas à cultura contemporânea: o corpo, a ciência, as
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telecomunicações, a interatividade. C hoice foi o nome dado a um de seus projetos de curadoria, com o trabalho de três artistas canadenses que, segundo Czegledy, “abordavam as contradições científicas e as possibilidades pragmáticas da interatividade” (ibid., p. 141). A palavra choice (escolha) implica opções, alternativas, uma motivação para tomar decisões. Escolha, um termo sedutor, sugeria liberdade, até mesmo democracia. Poderia ser interessante considerar quanta liberdade verdadeira, quanto controle sobre nossa escolha ainda resta dentro do domínio digital – abastecido com jogos de computador preconcebidos, arte virtual programada e esculturas interativas incorporadas. (Ibid., p. 143)
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Assim, interatividade aqui não é uma simples característica do meio digital – talvez seja o modus operandi no qual se projeta o verdadeiro pano de fundo da obra de arte contemporânea. Constituir a obra de arte como uma experiência única, individual, intransferível, mas fazendo, ao mesmo tempo, essa experiência ser completamente dependente da ação e das escolhas do sujeito. É como se a obra de arte recuasse um passo antes da linguagem para constituir-se como experiência e sensação em si antes da experiência da linguagem. Uma segunda natureza tecnológico-digital. E, em muitos casos, uma experiência que deseja ou tende a assemelhar-se – a ser – à experiência fundante/fundamental do rito. Que é a experiência mesma.
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Edilamar Galvão É poeta, jornalista e professora. Graduada em comunicação social com habilitação em jornalismo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) em 1993, defendeu o mestrado Poesia (em) Tradução (1999) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), sob a orientação de Arthur Nestrovski, e o doutorado pela mesma instituição com a tese A Insuficiência da Linguagem – Fundamentos para uma Estética da Arte Tecnológico-Digital (2006), sob a orientação de Sérgio Bairon. Na área da educação, concluiu o máster em tecnologia educacional pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) em 2004. É coordenadora do curso de pós-graduação em jornalismo cultural na Faap, onde também é professora de estética nos cursos de graduação e pós-graduação das faculdades de comunicação e artes plásticas. Como jornalista, foi repórter, apresentadora e diretora, em 1994 e 1995, na TV Cultura do Amazonas e colaboradora do jornal Folha de S.Paulo entre 1997 e 1999. É autora do livro de poemas DUVIDA DIVIDA DADIVA (2009). Entre 2009 e 2010, assinou uma coluna sobre cinema e filosofia na revista Beta. Atuou também como crítica de artes visuais na revista Bravo!.
Referências bibliográficas ADORNO, Theodor. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 2000. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I, II e III: Charles Baudelaire. São Paulo: Brasiliense, 1989. BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. CHIPP, H. B. Teorias da arte moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1999. COSTA, Mário. O sublime tecnológico. São Paulo: Experimento, 1995. COSTA, Rogério da. A cultura digital. São Paulo: Publifolha, 2002. DANTO, Arthur C. After the end of art: contemporary art and the pale of history. Princeton: Princeton University Press, 1997. ______. The abuse of beauty: aesthetics and the concept of art. Illinois: Open Court, 2003. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
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Edilamar Galvão
DOMINGUES, Diana (Org.). A arte no século XXI: a humanização das tecnologias. São Paulo: Editora da Unesp, 1997. ______. A arte no século XXI: tecnologia, ciência e criatividade. São Paulo: Editora da Unesp, 2003. FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Alpiarça: Vega, 2002. GOMBRICH, E. H. A história da arte. São Paulo: LTC Editora, 1999. GRAU, Oliver. Virtual art: from illusion to immersion. Cambridge: The MIT Press, 2003. GREENE, Rachel. Internet art. New York: Thames & Hudson, 2004. ORTEGA Y GASSET, José. A desumanização da arte. São Paulo: Cortez, 2001. ______. Adão no paraíso e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2002. PAUL, Christiane. Digital art. New York: Thames & Hudson, 2004. READ, Herbert. A arte de agora agora. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981. SANTAELLA, Lucia (1980). Produção de linguagem e ideologia. São Paulo: Cortez, 1996. ______. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003. ______. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo dos leitores imersivos. São Paulo: Paulus, 2004. ______. Por que as comunicações e as artes estão convergindo? São Paulo: Paulus, 2005. SELZ, Peter; STILES, Kristine (Ed.). Theories and documents of contemporary art: a sourcebook of artists’ writings. California: University of California Press, 1996. SHAW, Jeffrey; WEIBEL, Peter. Future cinema: the cinematic imaginary after film. Cambridge: The MIT Press, 2002.
Nota 1
Descrição feita com base em Christiane Paul e Jeffrey Shaw (The Legible City) em SELZ; STILES, 1996, p. 487.
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ARQUIVOS DE ARTE DIGITAL – estratégias, metodologias e paradigmas Jorge La Ferla
Um percurso sobre a situação da obra de arte digital e sua conservação a partir de sua especificidade, considerando a concepção de arquivos programados. Uma problemática que abarca a ampla gama das artes tecnológicas, incluindo a simulação numérica dos suportes analógicos. Desenvolve-se o conceito de arquivo como produto cultural e sua concepção a partir da criação de algoritmos de compilador. As primeiras obras interativas na América Latina são comparadas com produções recentes, considerando sua preservação e a constituição de acervos inteligentes da história da arte digital no continente.
O
desafio da conservação da arte digital faz parte de um tema transcendente: a preservação de todas as artes audiovisuais convertidas em processo de digitalização, em que a constituição de arquivos ocupa lugar central. A digitalização de mídias e de comunicações modificou a concepção clássica de arquivo de obras em sua variada materialidade e dispositivos. A aparente homogeneidade da conversão numérica é relativa para uma problemática que se verifica em todo o campo da cultura e, particularmente, no campo das artes, sendo um disparate restringir o problema unicamente ao campo das artes tecnológicas programadas. O simulacro numérico do audiovisual analógico a partir da mídia digital é parte de um debate que ainda não alcançou toda a sua amplitude no que diz respeito à preservação. Por isso, revisar algumas variáveis sobre o conceito de arquivo como produto cultural – em suas particularidades, sua ideologia e
suas implicações – pode ser útil para fazer um balanço mais amplo. A reflexão sobre a arte tecnológica expande a problemática do acervo para sua materialidade original e, portanto, para sua conservação, para os usos criativos e para uma interpretação crítica da constituição de arquivos de artes digitais no âmbito da cultura. É importante remeter-se à origem e à história do arquivo ao longo do tempo e a seu valor de memória cultural, cujo sentido tem variado de acordo com a história dos meios de comunicação, seu uso em massa e as práticas artísticas. É a documentação que outorga o sentido de pertencimento, pois vincula os indivíduos a uma cultura regida pela economia de dados. A questão do arquivo de artes digitais está relacionada ao colecionismo, ou seja, à aquisição, ao armazenamento, à conservação e à restauração de obras com base em critérios curatoriais que determinam
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sua circulação e sua exibição – processos operacionais e conceituais que remetem a uma série de saberes que vão do tecnológico ao ideológico. A história da arte digital é constituída de uma questão essencial, e específica, que implica considerar o próprio estatuto do processamento matemático de dados e seus dispositivos, desde a máquina de calcular até o computador, no âmbito de sua ontologia, sua história, sua materialidade e seus usos1. Tal problemática envolve os variados campos da produção artística, a academia e o museu contemporâneo. Estabelecer um panorama comparado e abrangente da conservação da arte digital é uma tarefa ainda por realizar, devido à falta de critérios para a criação de coleções completas, nacionais e regionais. Essa dificuldade é um desafio que se coloca diante da quantidade de centros, fundações, festivais, museus, escolas e universidades dedicados à arte tecnológica, os quais, invariavelmente, evitam o assunto, considerando apenas a diversidade de máquinas e programas cujas principais características são sua difícil compatibilidade e sua rápida obsolescência. A uniformidade computacional é aparente devido à impossível padronização de formatos de hardware e de sistemas operacionais, evitada pelas empresas que dominam o mercado. As alternativas disponíveis, desde o software livre até os programas de autor, oferecem as mesmas características, ou seja, são incompatíveis exceto por sua rápida obsolescência. A produção, a exibição e a preservação de obras digitais encontram-se em uma conjuntura paradoxal, considerando que um fotógrafo, um videoartista, um cineasta, um diretor de TV ou um artista de “novas tecnologias”
usam as mesmas máquinas baseadas no processamento de informação de dados numéricos e na mídia digital. Podemos considerar alguns casos emblemáticos de obras históricas da arte digital na América Latina que servem de exemplo particular e de dificuldades no tocante à sua preservação. Uma dessas obras é o antológico J. S. Bach2 (1988) – do artista chileno Juan Downey – laser disc tido como referência por se tratar de um dos primeiros desse tipo, na história do audiovisual no continente, a ser interativo. Devido à nobreza do suporte, a obra pode ainda ser vista por aqueles que possuem o hardware necessário. O Electronic Arts Intermix3, por sua vez, não tem tal obra em seu catálogo, embora ofereça a versão digital do vídeo linear de mesmo nome4, também de Downey. Outras instituições fazem-na figurar em seus arquivos, mas apenas possibilitando sua visualização no local, sem a opção de empréstimo5. Na maioria desses acervos, aparece o vídeo homônimo, mas são poucos os que registram e catalogam essa obra interativa de referência. O vídeo, por sua vez, propõe um relato sobre a obra de Bach por meio de uma narrativa baseada em uma estética imposta pela videoarte com a superposição de imagens em quadro, configurando várias interpretações, nas quais se destacam a voz e o pensamento de Downey. Já o laser disc se articula por meio do projeto de uma interface que propõe intervenções sobre a estrutura composicional de “Fuga 24 em Si Menor”, de Bach, na opção de diversas variáveis para sua execução. Lembremos que Downey, juntamente com Woody Vasulka e Nam June Paik, fez parte da saga de autores de vídeo que muito
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cedo realizaram experimentos com a imagem digital, continuando as experiências já feitas no cinema por Larry Cuba e os irmãos Whitney, quando ainda não havia no mercado computadores que processassem informação audiovisual. No entanto, diferentemente de todos esses autores, o chileno transcende a intervenção numérica sobre a imagem eletrônica analógica, concebendo uma forma de programação operacional para o leitor do laser disc, cujo dispositivo já oferecia variáveis de interação. Para aqueles que ainda têm o aparelho original, já fora do mercado, essa obra de Downey funciona perfeitamente (várias instituições e alguns colecionadores individuais conservam uma cópia desse trabalho). A circunstância de um hardware já inacessível, no caso do referido trabalho de Downey, tornou invisíveis obras recentes, cuja recuperação é ainda incerta devido à sua complexidade técnica. Outro caso notável é a obra multimídia do mexicano Pedro Meyer Fotografo para Recordar 6, que, com Mentiras y Verdades7, foi editada pela conhecida produtora Voyager no começo dos anos 1990. Esses softwares interativos, concebidos para computadores Mac, em pouco tempo ficaram obsoletos pelas mudanças ocorridas nos sistemas operacionais dessa marca de computadores. Foi o próprio Meyer quem, após um longo e custoso processo, converteu aquele primeiro CD-ROM em uma obra o n-line, agora disponível em sua página Zona Cero8. A situação dessas primeiras obras interativas de Downey e Meyer constitui um eloquente testemunho da dificuldade em conceber ações institucionais, critérios de
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conservação e circulação de obras interativas que marcam a história da arte digital na América Latina. Diversos centros e instituições possuem acervos próprios de arte tecnológica, constituídos de acordo com várias estratégias de armazenamento e manutenção, sendo que uma fração mínima é colocada em exposição e são poucas as entidades que têm enfrentado as dificuldades advindas com sua coleção de arte digital. Além de seus habituais auditórios e salas de exposições, algumas instituições estabeleceram áreas de documentação e pesquisa como parte de um projeto para aquisição, conservação e restauro de obras tecnológicas. No Brasil, Videobrasil e Itaú Cultural vêm desenvolvendo um trabalho de longa data para a manutenção de suas coleções, tarefa notável perante a ausência de órgãos públicos que cuidem desse patrimônio. O Videobrasil vem refletindo especificamente sobre a conservação de um acervo formado ao longo de mais de três décadas de existência, gerando vários processos que fazem de seu arquivo de arte eletrônica o mais completo e mais bem cuidado de todo o continente (FARKAS; MARTINHO, 2015). O Itaú Cultural tem, ao longo dos últimos anos, promovido eventos e exposições9 que, apesar de sua proximidade temporal, já representam sérios desafios em matéria de conservação, documentação e circulação, os quais envolveram a aquisição, a exposição ou a produção das mesmas obras tecnológicas. Todo o universo dos meios tecnológicos foi exposto e colocado em circulação, e várias obras foram adquiridas ou produzidas pela instituição.
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Da mesma forma como fazemos alusão às obras de Downey e Meyer, que nos remetem aos primórdios da arte digital no continente, há exemplos recentes que servem de referência devido a seu processo de preservação. Foi em 201410 que se voltou a expor Desertesejo (2000), de um artista-chave como é Gilbertto Prado, pioneiro no campo das artes tecnológicas. Desertesejo, desenvolvido na época como integrante do programa Rumos Itaú Cultural Novas Mídias, já não estava em operação. Essa instalação interativa imersiva, multiusuária na época e construída na linguagem VRML, propõe uma ação de navegação lúdica e inteligente
que, de modo pioneiro, vincula trajetos a partir de um mapa imaginário cuja leitura da paisagem envolve a descoberta de lugares e suas mitologias. Para recuperar a obra, cuja versão original de programação não funcionava mais, foi necessário reformular seu programa, o display e a interface operacional para uma nova versão, que incluiu novos trajetos em seu hipertexto cartográfico e conceitual – isso colocou novamente em funcionamento uma obra cuja proposta continua atual, mas que, sem o respectivo restauro11, teria desaparecido. Outro caso emblemático, sempre na complexa prática das instalações intera-
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tivas imersivas associadas a ações performativas, é OP_ERA, de Rejane Cantoni e Daniela Kutschat (2001-2010). Essa versão da extensa série foi realizada na caverna digital12 da Universidade de São Paulo (USP). Hoje sua recuperação é bastante complexa, devido à dificuldade em dispor de uma caverna virtual e dos programas e das interfaces que foram projetados especialmente para esse projeto. Trata-se de uma das obras que marcam a história da arte digital na América Latina, e dela restam vestígios baseados em uma incisiva documentação13 produzida por ambas as artistas como parte do processo.
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Sem dúvida, essa problemática excede qualquer contexto nacional, sendo relevante em um âmbito mais amplo. Deparamo-nos com a questão central de como constituir arquivos de obras de arte digital (HOFMAN; ROZO, 2009), considerando a situação de seu estado computacional nas suas possibilidades específicas de conservação, circulação e/ ou exposição, mas que deveriam responder a uma tarefa prévia da constituição da documentação compilatória. Enquanto há vários órgãos e organizações dedicados à catalogação de obras de arte digital – tendo em vista sua conservação –, a imensa quantidade, a variedade e a hibridação de gêneros tornam
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difícil estabelecer um sistema único de classificação. Diante da impossibilidade de conservação e restauro de toda a produção, torna-se necessário conceber como parte da tarefa de preservação uma introdução sobre a conservação, começando por estabelecer conjuntos de obras. Exceto as que permanecem vigentes, on-line e foram pensadas para esse meio ou estão em e xposição, o resto fez parte de mostras ou exposições temporárias, das quais, na melhor das hipóteses, permanecem vestígios e, algumas vezes, documentação relevante. Na América Latina, vêm sendo realizadas várias experiências sobre essa temática, considerando uma possível tipologia de obras a partir da especificidade de suporte, programa e pertencimento a possíveis gêneros, a classificação com base em possíveis categorias de linguagem de acordo com as opções de exibição, consumo e navegação, em um panorama no qual a grande maioria dessas obras é perdida devido à expiração dos sistemas operacionais, dos dispositivos, das interfaces. As obras de arte digital na América Latina seguem o mesmo caminho dos filmes mudos do continente de um século atrás, que, à exceção de uma ínfima quantidade, estão definitivamente perdidos. É por isso que várias instituições, entidades culturais e centros de distribuição optaram por organizar seus acervos de mídia audiovisual e arte tecnológica, embora seguindo uma ordem discutível, como o formato do catálogo biblioteconômico, oriundo da arte ou da enciclopédia e baseado em obras – adquiridas, expostas, produzidas – agrupadas segundo critérios cronológicos, genéricos, temáticos e outros previsíveis de outras práticas culturais e artísticas.
A realidade é que se está lidando com suportes efêmeros, cuja materialidade é determinada pelos processos de informação numérica gerados em máquinas provenientes de textos científicos; máquinas essas que possuem espectro tecnológico e de programação variável e imprevisível. O uso em massa dessas tecnologias implica uma perdurabilidade e uma circulação que dependem de um mercado cujo princípio é a mudança permanente que assegure o benefício econômico. É assim que o efeito de aparente homogeneidade e permanência do digital é funcional e requer suportes, hardware e software que não sejam uniformes nem duradouros. A questão primordial seria expor grupos conceituais que estabeleçam conjuntos de documentação de obras para possíveis preservações, que sempre serão efêmeras, pelo caráter e pela imaterialidade daquilo que sustenta a existência do meio. Os processos de restauração material e operacional de obras de arte digital requerem uma variedade de conhecimentos específicos, técnicos e conceituais que recuperem em versões novas as peças originais, as quais, uma vez desmontadas e sem espectadores, se revestem de um caráter de obra latente, pois é o usuário que lhes dá existência ao operá-las. Por esse motivo, a informação sobre as obras requer uma economia precisa para avaliar a quantidade de peças armazenadas que exigem interpretação e avaliação como parte de um conjunto. Ou seja, é preciso conceber metadados que proponham uma leitura crítica e comparativa de dados, isto é, uma pesquisa interpretativa de leitura do arquivo de obras com base em seu caráter computacional específico.
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Esse processo talvez seja o aspecto mais importante a levar em consideração antes de qualquer restauração, ou seja, estabelecer um conjunto comparativo de obras fundamentado em diversos critérios de classificação dados pela mesma condição digital do arquivo e pela elaboração de um código de programação pertinente. Ante a impossibilidade de restaurar toda a história da arte digital e a irreversível obsolescência de sua própria conservação, torna-se imprescindível catalogar, classificar e pesquisar os conjuntos de obras, sua tipologia genérica e sua possível simulação para, por fim, avaliar uma decisão de preservação sob critérios possíveis de restauração para uma exposição operacional que sempre será efêmera. A maioria das instituições dedicadas às tarefas de conservação e promoção vem favorecendo os processos de arquivamento de suas obras de arte digital com variados critérios, que sempre partem de cada exposição, peça ou autor. A mesma categoria de arte digital é ainda uma enteléquia, mas, de qualquer forma, falamos de obras de cinema, vídeo, instalações, multimídia digital (net.art, interativos fechados, instalações imersivas, videogames de autor, entre muitos outros exemplos) que respondem a determinado hardware que está longe de ter sido padronizado e de cuja atualização se produzirá uma versão simulada. É uma escolha generalizada que os conjuntos desses acervos sejam apresentados como informação sob a forma do conhecido site corporativo. Esses catálogos geralmente não aproveitam sua materialidade digital nem seu caráter programático hipertextual. A ordem clássica estabelecida quanto
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a obras e autores costuma ser desprovida de uma leitura interpretativa do conjunto. Uma programação algorítmica inteligente implicaria recriar a base de dados, mas traduzida de diferentes lugares de análise comparativa. É a partir da linguagem de compilação, de acordo com o significado do termo computacional, que se poderiam gerar diferentes cotejos e assimilações dos dados armazenados. Os próprios sites desses centros dedicados às artes e ao meio digital se limitam a fornecer informações lineares sobre esses arquivos, suportados por uma resolução gráfica que geralmente tem a forma de banners 2D – um modelo de implementação de página controverso, pois não realiza nenhuma comparação sob nenhum aspecto da coleta de patrimônio. Informações que, interpretadas a partir de sua base de dados numérica, possam ser analisadas e explicadas, sofrer intervenção e ser percorridas de maneiras diferentes. Refletir sobre a formação de acervos de obras digitais nos leva a recuperar conceitos transcendentes enunciados no último século, como o Atlas Mnemosyne (WARBURG, 2010), o museu imaginário (MALRAUX, 1947), o “anarquivo”14 e o arquivo vivo15. São propostas de interpretação sobre as artes visuais baseadas em mapeamentos e sistemas de classificação comparados como um passo essencial para a preservação de todo acervo de arte digital. A posse de obras e acervos representa o desafio da conservação, começando por sua catalogação como arquivo digital interativo comparado, o primeiro passo para uma possível preservação como forma de pensamento baseada em sua compilação programada.
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Jorge La Ferla É pesquisador, curador e programador em artes audiovisuais. Professor da Fundação Universidade do Cinema (FUC) e da Universidade de Buenos Aires (UBA), onde é chefe de cátedra. Foi curador de mostras de cinema, vídeo, multimídia e instalações nos Estados Unidos, na América Latina, na Europa e no Oriente Médio. Organizou mais de 40 publicações de arte e mídia na Argentina, no Brasil e na Colômbia. Seu último livro é Cine (y) Digital.
Referências bibliográficas FARKAS, Solange; MARTINHO, Teté (Org.). Videobrasil: três décadas de vídeo, arte, encontros e transformações. São Paulo: Edições Sesc: Associação Cultural Videobrasil, 2015. Disponível em: <http://site.videobrasil.org.br/acervo>. Acesso em: 22 ago. 2015. FERLA, Jorge La. El medio es el diseño audiovisual. Manizales: Universidad de Caldas, 2007. Disponível em: <www.academia.edu>. Acesso em: 22 ago. 2015. HOFMAN, Vanina; ROZO, Consuelo (Org.). Conservación de arte electrónico: ¿qué preservar y cómo preservarlo? Buenos Aires: Centro Cultural de España en Buenos Aires, 2009. Disponível em: <http://taxonomedia.net/wp-content/ uploads/2013/07/Hofman-Rozo_Apuntes.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2015. MALRAUX, André. Le musée imaginaire. Paris: Skira, 1947. WARBURG, Aby. Atlas Mnemosyne. Madrid: Ediciones Cedeac, 2010.
Notas 1
CANTONI, Rejane. Máquinas de pensamiento. In: FERLA, Jorge La. El medio es el diseño audiovisual. Manizales: Universidad de Caldas, 2007. Disponível em: <www.academia.edu>. Acesso em: 22 ago. 2015.
2
DOWNEY, Juan. J. S. Bach: Fugue #24 in B Minor, laser disc, Estados Unidos, 1988.
3
Disponível em: <http://www.eai.org/title.htm?id=1501>. Acesso em: 22 ago. 2015.
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4
DOWNEY, Juan. J. S. Bach, 25’, 1986.
5
Disponível em: <http://www.sfsu.edu/~avitv/avcatalog>. Acesso em: 8 set. 2015.
6
MEYER, Pedro. I photograph to remember. Mac System 6.0.7, Nova York, Voyager, 1991.
7
MEYER, Pedro. Truths & fictions. CD-ROM, Mac System 7, Nova York, Voyager, 1995.
8
MEYER, Pedro. I photograph to remember. Disponível em: <http://www.pedromeyer.com/galleries/i-photograph/>. Acesso em: 22 ago. 2015.
9
Mediações (1997); Máquinas de Arte (1999); Imateriais (1999); Emoção Art.ficial (2002, 2004, 2006, 2008, 2010); Pioneiro Palatnik: Máquinas de Pintar e Máquinas de Desacelerar (2002); Rumos Itaú Cultural Transmídia (2003); Game o quê? (2003); Made in Brasil – Três Décadas do Vídeo Brasileiro (2003); Cinético_Digital (2005); Memória do Futuro – Dez Anos de Arte e Tecnologia no Itaú Cultural (2007); Cinema Sim (2008); Visionários – Audiovisual na América Latina (2008); Gameplay (2009); Arte Cibernética – Acervo Itaú Cultural (2009); Ocupação Regina Silveira (2010); Rumos Arte Cibernética (2011).
10
Singularidades/Anotações, Rumos Artes Visuais (2014). Curadoria de Regina Silveira, Aracy Amaral e Paulo Miyada.
11
Caso exposto por Marcos Cuzziol em: Arte, preservação e banco de dados. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES: ARTE E PESQUISA. São Paulo: Paço das Artes, 2015.
12
Caverna digital é um complexo para realidade virtual de alta resolução, utilizando-se de um sistema de múltiplas projeções em 3D estéreo que propicia um ambiente virtual totalmente imersivo e interativo.
13
Também foi produzido um DVD documentando todo o processo dessa versão da obra em particular. Disponível em: <www.op-era.com>. Acesso em: 8 set. 2015.
14
Para saber mais, acesse: <www.anarchives.net>.
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ARANTES, Priscila. Arquivo Vivo, exposição realizada no Paço das Artes, São Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.pacodasartes.org.br/exposicao/ arquivo_vivo.aspx>. Acesso em: 8 ago. 2015.
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3.
CRISE, RESISTÊNCIA E REINVENÇÃO
88. CULTURA DE REDES E POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL Ivana Bentes
96. A ESTÉTICA DO NOVO ATIVISMO
Ronaldo Lemos entrevista Gabriella Coleman
111. POLÍTICA DE EXPERIMENTAÇÃO: NAS REDES E NAS RUAS Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira
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CULTURA DE REDES E POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL Ivana Bentes
A cultura não pode mais ser pensada como um “setor”, e sim como um processo transversal e decisivo em um capitalismo que é cultural e cognitivo. Partindo da cultura também se criam formas de resistência e invenção, processos e linguagens, cosmovisões que apontam para outro modelo de desenvolvimento, baseado não na escassez, mas na abundância. No capitalismo cognitivo – que tem como valor a informação, a comunicação, os afetos –, o modo da produção cultural (que engloba a precariedade, a informalidade, a autonomia) é a própria forma do trabalho contemporâneo, a forma geral de trabalho, e não mais uma “exceção”. Essas novas dinâmicas são um desafio e uma oportunidade para as políticas culturais.
A
cultura está no centro de um embate em torno de outro modelo de desenvolvimento e radicalização da democracia, como um campo expandido, que é a porta de entrada para os direitos sociais. Hoje, trata-se de entender a cultura como estruturante de mudanças decisivas já em curso. É que a cultura não é mais um setor – ela é um processo transversal e decisivo. O capitalismo é cultural e as formas de resistência e invenção são processos e linguagens, cosmovisões que apontam para, inclusive, outra cultura política. A cultura é decisiva porque no “semiocapitalismo”, o capitalismo cognitivo – que tem como valor a informação, a comunicação, os afetos –, o modo da produção cultural (que engloba a precariedade, a informalidade, a autonomia) é a própria forma do trabalho contemporâneo, a forma geral do trabalho, e não mais uma exceção.
Em um mundo em crise de postos e empregos, em crise narrativa, a cultura inventa novas formas de atuação, fabulação e sustentabilidade. A cultura emerge não como luxo nem como exceção, mas como modelo de mutação do trabalho precário em potência e vida, o que impacta as formas de produção de valor em todos os campos. Colocar a cultura no centro de um novo modelo econômico significa que podemos, partindo da cultura, repensar questões decisivas no campo social, articulando o campo das artes e das linguagens ao campo sociocultural. Estamos falando de políticas de valorização, apoio, sustentabilidade e ampliação dos Pontos de Cultura, como o reconhecimento da cosmovisão indígena, as ações voltadas para os movimentos urbanos, as novas redes de produção cultural, audiovisual e de mídia dos p ovos tradicionais, remixando a cultura digital com a tradição oral, as linguagens urbanas e as artes.
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Nem folclore engessado (o típico, o turístico e o exótico) nem indústria cultural, simplesmente. O entendimento ampliado da cultura traz a possibilidade de reconectar o Ministério da Cultura (MinC) à educação, à comunicação, aos direitos humanos, aos movimentos urbanos, aos novos processos das redes e das ruas, em que as cidades são os novos laboratórios de políticas públicas. São movimentos que surgem com a pós-redistribuição de renda, que não demandam simplesmente recursos, mas políticas de sustentação e ativação de narrativas, commons e bens simbólicos, entendendo que a transferência de renda, apenas, não acaba com as desigualdades. O desafio é dar suporte e criar políticas para essas redes socioculturais que se reinventaram após uma conquista mínima de direitos. Vivemos em uma reestruturação produtiva, e isso se torna claro na cultura, já que ela é hoje o lugar do trabalho informal (não assalariado), com o primado do trabalho imaterial. São grupos, redes e movimentos que trabalham com informação, comunicação, arte e conhecimento e que não estão nas grandes corporações. Esse contexto exige novas agendas estratégicas, sem as forças imediatistas do mercado nem as decisões centralizadas demais do Estado – uma radicalização da democracia estimulando a produtividade social. Essa experiência da cultura por meio dos movimentos socioculturais surge como
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possibilidade de uma renovação radical das políticas públicas. Não é só uma mudança da política para a cultura, mas uma mudança da própria cultura política. São muitas as iniciativas com potencial para ser instituídas, e o Brasil surge como laboratório desses projetos culturais. Dessa forma, podemos destacar a economia e a cultura do funk e do hip-hop, movimentos que produzem novas identidades e sentimento de pertencimento, de comunidade (“rolezinho”, “bonezaço”, “midialivristas”, ambientalistas etc.), grupos e redes que criam mundos e atividades produtivas: DJs, donos de equipamentos de som, donos de vans, organizadores de bailes, seguranças, rappers, funkeiros, produtores de conteúdos e mídias, pontos de cultura rurais (violeiros, jongueiros, artesãos), produtores e agentes culturais das mais diferentes linguagens, urbanas e comunitaristas, vindas das artes, mas também dos povos de terreiro, grupos indígenas, de matriz africana, da tradição oral etc. Da cultura aos commons É cada vez mais central o primado da cultura na constituição da economia cognitiva e da economia narrativa no capitalismo contemporâneo. Para além do simbólico, vemos emergir outra economia, capilarizada e de cauda longa. Uma economia da cultura emergente que tem de ser pensada
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de forma bem mais ampla, reconhecendo-se os arranjos produtivos culturais em todos os níveis – ou seja, de um terreiro de candomblé a um desenvolvedor de games, colocando esses agentes para cogestar essas políticas e demandas. Economia da cultura que não é um nicho (a economia criativa) no MinC, mas um campo que dialoga com o restante de todas as políticas. É um setor estruturante e transversal. Essas redes culturais locais contrastam com as políticas públicas organizadas no centro, super-hierarquizadas, centralizadas e que não resolveram ou reduziram a um nível desejável as desigualdades sociais. Hoje nós temos uma oportunidade histórica de experimentar outros modelos de políticas públicas, ainda embrionários, redes socioculturais que funcionam justamente de forma horizontal, acentrada, rizomática, organizando a própria produção. Os movimentos socioculturais trabalham com uma ideia de educação não formal como porta de entrada para a educação formal e para o trabalho vivo. A explosão de escolas livres e as metodologias de formação no Brasil são sintomáticas desses processos autonomistas, mas precisam da produção de commons feita pelo Estado, bens comuns e direitos para sustentar essa produção. Precisam de políticas que sejam interfaces entre a cultura e a educação, apontando para um reconhecimento, por parte do Estado e do Ministério da Educação (MEC), dessa cultura formadora e educadora. Estamos falando de ações e processos que extrapolam a ideia fordista de educação ou de indústria cultural, processo que não é formal, mas sim precário, informal, veloz, e
que se dá em redes colaborativas, as quais operam produzindo transferência de capital simbólico e real, fortalecendo os movimentos socioculturais sem os tradicionais mediadores culturais, mas que dependem de políticas públicas novas e ampliadas. Esses movimentos sociais se tornam habilitados a administrar a própria cultura que produzem e, ao mesmo tempo, podem ser parceiros significativos do Estado ou de quem detém os meios de produção e de difusão, por exemplo. Os movimentos socioculturais podem atuar em todas as pontas: como produtores de cultura, administradores e beneficiários do resultado de sua produção, formadores e cogestores do Estado. Se os atores culturais e sociais dispõem de recursos intelectuais e materiais para assumir esse protagonismo, qual é o papel das políticas públicas? Apoiar, estimular e promover, formar lideranças, agentes de cultura, gestores, administradores de cultura e de eventos culturais, oferecendo condições mínimas para esse desenvolvimento. Essa foi a grande virada do MinC antropológico que emergiu na gestão de Gilberto Gil e de Juca Ferreira e que hoje retorna com uma segunda capa de desafios: constituir uma cultura de redes para além da hiperfragmentação identitária. Sabemos que, hoje, financiar cultura é financiar processos e vidas e disputar visões de mundo, cosmopolíticas. É em torno da cultura que se pode formar uma rede crítica que coloque os governantes em urgente diálogo com a pauta trazida por jovens das periferias, do hip-hop, do funk, com projetos sociais e culturais vindos das favelas e do campo das artes. Essa mesma rede recolocou em cena o debate em torno
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dos Pontos de Cultura, da banda larga, da cultura digital, da criminalização da cultura das periferias e dos jovens negros e mesmo a demanda de mudança da cultura política, engessada e pouco participativa. Nesse sentido, não podemos esperar a configuração conservadora crescer; existe um sentimento de urgência em todos os movimentos de juventude e urbanos, nas periferias, no campo. A juventude está inquieta e disposta, demanda participação, cogestão e incidência nas políticas públicas. Trata-se de uma mudança de cultura política, em que temos de nos perguntar quem são esses novos trabalhadores urbanos que não estão nas instituições ou nos partidos. Em parte é o “precariado” e “cognitariado” urbano que congrega jovens das periferias em trabalhos informais de todo tipo, mas também, e muito fortemente, os produtores de cultura das bordas, do interior, os jovens estudantes saídos das universidades, os ativistas, os midialivristas etc. Esses jovens não demandam postos de trabalho ou uma relação patrão-empregado, como na fábrica fordista e na reivindicação de uma juventude mais conservadora. Precisam, para se constituir como movimento e campo, de acesso a direitos e a benefícios sociais. Precisam acessar os commons, bens comuns: internet, repertórios, moradia, sede, sistema de saúde e seguridade. Cultura de redes Aqui destacamos a Política Nacional de Cultura Viva, do MinC, como um laboratório desse novo ciclo das políticas culturais. Trata-se do programa que gere os Pontos de Cultura, um arranjo que se
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expressa em ações culturais capilarizadas com as mais diferentes linguagens e atores e com potencial de escala. São cerca de 4 mil Pontos de Cultura presentes em todos os estados brasileiros e em mil municípios – a meta é atingir 15 mil pontos em 2020, conforme o proposto no Plano Nacional de Cultura (PNC). Os Pontos de Cultura, um reconhecimento do Estado brasileiro diante da potência da cultura de muitos, trazem, por fora e por dentro do Estado, novos e tradicionais sujeitos do discurso, como os povos de terreiro, os movimentos sem-terra e sem-teto (com ações culturais nos assentamentos rurais e nas ocupações urbanas), a cosmovisão e as estéticas dos povos indígenas e quilombolas, o movimento estudantil e a percepção das vidas-linguagens que nascem dos territórios (funk, hip-hop, jongo e “tecnobrega”, por exemplo). Trata-se de uma política pública rizomática que cria programas específicos para cada um desses movimentos a partir de suas particularidades, mas que pode, na sua nova etapa, induzir, apoiar e fomentar a constituição de uma cultura de redes, um passo inovador e ousado para a articulação e a mobilização de um novo tipo de movimento cultural. Entendemos a cultura de rede como um processo de construção conjunta de redes de cultura (redes de povos de terreiro, redes de mídia livre, redes do funk, redes de produtores e agentes culturais etc.) – arranjos e articulação em redes que são uma nova capa de construção do campo expandido da cultura, capaz de rivalizar com a indústria cultural e fazer disputas narrativas.
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Economia cognitiva e narrativa Entendemos que o campo da cultura hoje elabora uma disputa social e de narrativas. Daí a necessidade de uma política de comunicação e mídia para o campo cultural que articule produtores de cultura a uma rede de comunicação inovadora e fluida, independente e regionalizada em todo o país: circuitos, sites, blogs, web TVs, w eb-rádios, rádios, TVs comunitárias, TVs públicas, pequenos jornais, revistas, perfis em redes sociais etc. Temos a oportunidade de fazer uma ação transversal do MinC com o Ministério das Comunicações que responda de forma pontual a uma demanda histórica de democratização do campo da comunicação e das
mídias, pensada em um contexto pós-mídias de massa. É a lógica das redes e das novas mídias, a lógica das plataformas de produção colaborativas, como a Mídia Ninja e tantos outros coletivos que fazem disputas narrativas. Trata-se de uma política de ponta para os que não vão esperar a regulamentação dos meios de comunicação e que aglutina e mobiliza um campo enorme e decisivo de aliança entre cultura e mídia, mídias e diversidade e inclusão subjetiva. Outro desafio nas políticas culturais é aproximar as artes do campo de disputa política e do campo sociocultural, momento em que as linguagens artísticas passam a transitar para além de centros culturais, museus e instituições. Cinema, música, teatro,
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literatura, artes visuais e performáticas – todas essas áreas sinergizadas com o campo comunitarista e sociocultural, com os Pontos de Cultura, com as linguagens indígenas, de matriz africana, de tradição oral. Emergência das vidas-linguagens em que a estética nasce dos territórios e das lutas. Aqui temos uma oportunidade histórica de juntar os artistas do circuito tradicional das artes – das galerias e dos museus – com a experiência, a estética e as linguagens vindas das bordas, das periferias, das tribos. Essa é inclusive uma tendência internacional, a de uma conexão territorial-global, de um encontro de gerações de grandes artistas de todas as linguagens com esse campo alargado da cultura no sentido antropológico. Participação e governança A democracia brasileira vive, entre tantas crises, uma crise de representação, com experiências cotidianas de participação e expressão de milhares de cidadãos nas redes sociais, o que faz emergir uma cultura plebiscitária de sociabilidade em tempo real. Essa erótica da comunicação recém-experimentada produz, por parte do Estado e de parlamentares tradicionais, um “pânico da participação”, sintoma da crise dos intermediários, quando milhares de pessoas passam a exercitar a governança e a “ruidocracia” nas redes sociais e nas ruas, da mesma forma como buscam processos sem intermediação na produção cultural (provocando a crise de gravadoras e editoras, por exemplo) com a ascensão da cultura do faça você mesmo. Trata-se também de uma crise de velocidade: governos, Congresso, parlamentares são lentos demais para responder aos
desejos de uma democracia em tempo real e on-line, conectada, em que as posições e as decisões políticas são monitoradas, comentadas e criticadas ao vivo. Vemos ainda o descrédito e o não funcionamento de sistemas tradicionais de governança: conferências, conselhos de cultura estaduais e municipais, conselhos que não funcionam ou que não têm incidência real; planos nacionais, estaduais e municipais de cultura que não saíram do papel. O pânico da participação social vocalizado em muitos setores (mídia, corporações, Estado) nos seus diferentes níveis impede a construção de um Estado-rede, poroso e aberto à cogestão com a sociedade civil e com os agentes culturais. Trata-se de superar o fosso entre o Estado e a sociedade civil, em um novo arranjo de governança. Mais uma vez o desafio é fazer emergir uma cultura de redes que apoie e reforce a criação de novas institucionalidades – e induza a isso – com redes específicas de cogestão com o sistema MinC em todos os níveis. O sistema de participação vai desde a ativação de Pontos de Cultura, agentes territoriais locais, redes e arranjos nacionais, conferências, teias, fóruns e encontros até plataformas, gabinetes digitais, consultas públicas e ferramentas de participação virtuais, em escala e modulação distintas mas complementares. Nessa arquitetura, a política de participação social – polifônica, digital, nas redes e nas ruas – torna-se a base do que estamos chamando de movimento social das culturas, que se constituiu nas conferências, nos fóruns e nos debates a partir da era Lula, mas cujo sistema de participação se tornou insuficiente e está em disputa.
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Ivana Bentes
Ivana Bentes É pesquisadora de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC). Doutora em comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ e ensaísta do campo da comunicação, da cultura e de novas mídias. Desenvolve a pesquisa Estéticas da Comunicação: Novos Modelos Teóricos no Capitalismo Cognitivo e Periferia Global, sobre o imaginário e as ações vindas das favelas e das periferias na cultura brasileira e no cenário global, bem como suas redes de articulação.
Referências bibliográficas BAUWENS, Michel. A economia política da produção entre pares. Disponível em: <http://www.p2pfoundation.net/>. BENTES, Ivana. Redes colaborativas e precariado produtivo. In: Caminhos para uma comunicação democrática. São Paulo: Le Monde Diplomatique: Instituto Paulo Freire, 2007. ______. Deslocamentos subjetivos e reservas de mundo. In: MIGLIORIN, Cezar (Org.). Ensaios no real: o documentário brasileiro hoje. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2010. HARDT, M.; NEGRI, A. Multidão: guerra e democracia na era do império. Rio de Janeiro: Record, 2005. LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Edufba, 2012. LAZZARATO, Maurizio. As revoluções do capitalismo. Record, 2008. LAZZARATO, M.; NEGRI, A. Trabalho imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. RANCIÈRE, Jacques. Política da arte. In: SEMINÁRIO SÃO PAULO S.A., PRÁTICAS ESTÉTICAS, SOCIAIS E POLÍTICAS EM DEBATE. São Paulo: Sesc Belenzinho, 2005.
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A estética do novo ativismo Ronaldo Lemos entrevista Gabriella Coleman
G
abriella Coleman é antropóloga e uma das maiores especialistas do planeta nas novas formas de ativismo, em cultura hacker e grupos de ativistas digitais, como o Anonymous1. Mas como alguém se torna especialista em temas tão fugidios e de acesso tão restrito? Gabriella mergulhou por anos nesse universo, ganhando a confiança de muitos de seus integrantes, participando de seus canais de discussão (todos criptografados, aliás) e fazendo um mapeamento amplo das formas como esses grupos se organizam e atuam. Seu trabalho é uma aula de etnografia no mundo digital, que revela o ethos de um dos protagonistas mais importantes dos nossos tempos: o hacker-ativista. Biella (como é chamada pelos amigos) nasceu em Porto Rico, g raduou-se na Universidade Columbia e obteve mestrado em antropologia sociocultural na Universidade de Chicago, ambas as instituições nos Estados Unidos. É hoje professora da Universidade McGill, com sede em Montreal (Canadá), cidade onde vive desde 2011. Em seu trabalho, Gabriella já explorou temas como a estética da programação e dos códigos de computador, as dinâmicas do movimento do software livre e das licenças Creative Commons e a questão da ética entre os hackers. Nos últimos anos, vem se dedicando à compreensão das novas formas de ativismo digital, o que a levou a conviver de perto com grupos como o Anonymous.
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COMO VOCÊ ACHA QUE OS AVANÇOS DAS ÚLTIMAS DUAS DÉCADAS DA TECNOLOGIA NA MÍDIA MUDARAM O PAPEL DO ATIVISTA E O PAPEL DO ARTISTA?
Acho que grandes movimentos sociais e políticos não precisam da internet para se espalhar rapidamente e mundo afora. Sabemos disso [pela experiência] da década de 1960, quando houve movimentos de protesto que eram realmente robustos. A internet, porém, certamente reduz o tempo que os movimentos sociais podem levar para se espalhar. Outro elemento está muito relacionado às novas formas de ação direta que são possíveis com o hacking. Por um lado, há melhores condições para nos vigiar com as novas tecnologias, mas, por outro, também há melhores condições para invadir as empresas e roubar dados. Creio que estamos apenas no início disso. Acho que os ativistas estão somente aprendendo agora o que significa participar de ações digitais diretas, quebrando a segurança de governos e empresas para pegar dados em situações nas quais não é preciso ser alguém
Lemos entrevista Coleman
de dentro, não é preciso trabalhar na empresa, não é preciso ser um informante interno. Isso significa realmente uma mudança profunda e importante e só está começando agora. Por último, os movimentos de protesto sempre contaram, em grande medida, com a arte e o imaginário, com cartazes, zines e coisas dessa natureza. Contudo, o tipo de rico vocabulário visual que é possível por causa de mídias on-line, como vídeos, imagens e “memes”, não traz necessariamente uma mudança que seja radicalmente nova. É mais como um aprofundamento das formas de participação artística que podem acontecer devido à existência de muitos outros canais para a expressão artística.
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VOCÊ ACHA QUE, DE CERTA FORMA, HÁ UMA
VOCÊ ESTUDOU O TRABALHO DO ANONYMOUS
FUSÃO DE ATIVISMO E PERFORMANCE-ARTE?
POR BASTANTE TEMPO. COMO ACHA QUE
Bem, repetindo, acho que a performance sempre teve um papel no ativismo. Há vários exemplos da década de 1960 até o presente, como os hippies, que eram bastante performativos. Creio, porém, que a diferença – e isto é o que importa – é que esses esforços tendiam a ser de pequenos grupos de pessoas muito fechados que realmente tinham os recursos, os quais verdadeiramente [os] identificavam como artistas e ativistas. O Anonymous é o exemplo perfeito dessa diferença. Trata-se apenas de indivíduos que não necessariamente se identificam como artistas, no entanto usam os meios artísticos para o seu ativismo. Admitindo isso, algumas das pessoas que são os melhores media makers do Anonymous, em algum momento, terão de se considerar artistas. Eles são um tanto geeks. Esse é o suporte deles, isso é o que eles fazem. Esse tipo de acesso está realmente disponível a uma parcela muito maior da população.
ELES FIZERAM OS DEBATES POLÍTICOS AVANÇAR? E TAMBÉM NOÇÕES COMO AUTORIA?
Essa é uma ótima pergunta. Acho que uma das mais fascinantes e importantes intervenções relacionadas ao Anonymous diz respeito à autoria coletiva. A ideia não é ganhar prestígio nem fama pelo que se faz. É verdadeiramente por uma causa coletiva. Isso é tão importante, porque há uma maneira pela qual as intervenções ativistas formam uma corrente por meio da mídia dominante, e é apenas um punhado de pessoas. Os líderes que se transformaram em ícones para o movimento. Isso é um verdadeiro problema para um movimento envolvendo muitas pessoas. O Anonymous é um entre alguns grupos que realmente afirmaram com êxito: “Olha, o nosso negócio é o coletivo, não o individual”, e eles conseguiram efetivamente fazer isso. É uma ética viva. Pede-se que uma pessoa leve a vida de acordo com essa ética e, se
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ela a violar, será punida dentro do coletivo. É importante ter espaços onde se faz algo para o bem do coletivo, não para reconhecimento individual, e é muito difícil criar tal espaço onde essa coletividade aconteça. O Anonymous conseguiu fazer isso. Agora, uma das razões pelas quais eles ainda atuam na esfera pública é o fato de serem realmente bons em gestão de marca e em criar uma história rica, que não é meramente o ato de fazer ataques de denial of service2 ou hacking. Eles têm os seus vídeos, os seus suportes. Eles são muito performativos. Isso só vem mostrar a importância de ter certo elemento que seja forte, performativo, narrativo, artístico para qualquer mensagem que se queira transmitir lá fora, porque se atrai mais atenção assim. Eles são simplesmente fantásticos em gerar o tipo de espetáculo que chama atenção.
Lemos entrevista Coleman
VOCÊ ACHA QUE, APESAR DE TUDO ISSO, EXISTE UM SISTEMA DE REPUTAÇÃO ENTRE OS MEMBROS DO ANONYMOUS NESSE SENTIDO? VOCÊ ACHA QUE ELES AINDA BUSCAM, DE CERTA FORMA, O RECONHECIMENTO DOS SEUS PARES OU DE ESTRANHOS PARA O TRABALHO DELES?
Definitivamente, dentro do coletivo há uma reputação que é acumulada, e alguns membros têm mais autoridade porque as pessoas confiam mais neles do que em outros. Dito isso, se alguém conta vantagem e fica se mostrando, a reação será apenas: “Nós vamos eliminá-lo”. Isso não se faz – existe, mas também é ajustado. Essa é uma das grandes tensões na história do Anonymous. Existem certas contas de Twitter com pseudonomes, como Topiary ou Sadu, que se tornaram famosas. Por um lado, ter essas personalidades foi útil, porque as pessoas podem se relacionar com elas, querem segui-las; por outro, isso se tornou um ponto fraco do movimento, na medida em que, uma vez que se é persistente, é possível ser apanhado.
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Uma das coisas interessantes, acho eu, que têm acontecido no último ano não é algo [feito] por um Anonymous com “A” maiúsculo, mas sim por um anonymous com “a” minúsculo – Phineas Fisher3, que invadiu o sistema de duas empresas, Gamma e H acking Team4. Quando invadiu a Gamma, ele divulgou o acontecimento no Twitter, ficou rondando e depois desapareceu. Agora, ele está mais uma vez de volta para atacar a Hacking Team e desapareceu novamente. Para mim, isso não é sob o nome do Anonymous, mas este foi um dos primeiros grupos a invadir as empresas de segurança e, assim, eles definitivamente deram vida a essa forma de ação. Então essa pessoa está adotando os princípios do Anonymous e executando-os de uma forma mais cirúrgica e limpa, o que, a meu ver, é realmente interessante.
UMA PERGUNTA SOBRE O MOVIMENTO OCUPAR WALL STREET. É INTERESSANTE OBSERVAR QUE ELE FOI INICIADO PELA REVISTA CANADENSE ADBUSTERS, QUE FAZ PARTE DO MUNDO DA PUBLICIDADE, FAZ PARTE DO SISTEMA. COMO VOCÊ VÊ ESSA CONFUSÃO DE PAPÉIS?
Sim, são muito confusos esses papéis, porque não há um que seja puramente ativista. É muito difícil ver alguns formatos puros de ativismo em atividade. Está tudo ligado. Acho que foi apenas um erro imaginar que alguma vez poderia haver uma política pura. É fato que alguns dos ativistas tecnológicos mais radicais que conheço são de esquerda, vistos como anticapitalistas, mas, mesmo assim, trabalham no Google. Eles não necessariamente gostam do Google, mas é lá que ganham o dinheiro de que precisam para conseguir praticar o seu ativismo. Acho que parte do problema é uma expectativa de pureza, que, para começar, é falsa. Nunca deveríamos buscar essa pureza. Dito isso, penso realmente que existem
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formas mais ou menos radicais de ativismo. No fim da década de 1990, o Indymedia era o lugar onde todos esses ativistas desenvolviam o que se transformou nas tecnologias da web 2.0. Muitos dos que faziam parte do Indymedia foram contratados no Vale do Silício, em 2000, 2001, por empresas como Flickr e Yahoo!. A tecnologia ativista foi a base para o surgimento da web 2.0. Isso é surpreendente. Pense a respeito – é exatamente o que você está falando. Acho que [o software] Tor5 é um ótimo exemplo disso. O Tor ganha bastante dinheiro do governo norte-americano e isso incomoda muita gente. Não tenho tanta certeza se o fato de aceitar esse dinheiro está diluindo o projeto ou tornando-o algo politicamente suspeito. O que ele permite, na verdade, é ter pessoas radicais que se comprometeram com a privacidade para trabalhar em tempo integral porque têm bons salários. Se elas estivessem conseguindo sobreviver sem dinheiro, então o projeto estaria avançando com dificuldade. Isso é um caso perfeito. Se a tentativa fosse de
Lemos entrevista Coleman
encontrar pureza, na verdade o que se estaria fazendo seria prejudicar o impacto do projeto. Por outro lado, movimentos políticos podem ser identificados por alguns atores – atores empresariais – como sendo “legais” e podendo ser cooptados. O melhor aspecto do Anonymous é que isso não acontece, por dois motivos. O primeiro é que eles são anônimos e o segundo é que são impiedosos ao atacar as empresas diretamente. Eles só fazem assim: “Ah, nós os odiamos. Não queremos ter nenhuma espécie de ligação com eles”. Eles estão relativamente protegidos. Acho que ativistas têm de ser inteligentes e saber que não deveriam estar necessariamente buscando a pureza o tempo todo, mas também têm de ser realmente táticos para saber de quem vão pegar dinheiro e com quem se relacionam. Acho que o Tor tem feito, na verdade, um grande trabalho em não ter a abordagem na linha de “Nós não vamos pegar nenhum dinheiro público”. Eles levam toneladas de dinheiro do governo e, consequentemente, constituem um projeto muito forte.
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COLETIVOS COMO O ANONYMOUS USAM MUITO HUMOR, COMO MEMES E PIADAS. OS POLÍTICOS ESTÃO, CURIOSAMENTE, APROPRIANDO-SE DESSA LINGUAGEM – BARACK OBAMA, POR EXEMPLO. CONVERSEI RECENTEMENTE COM IVAN KRASTEV, UM ESPECIALISTA EM DEMOCRACIA BEM CONHECIDO. ELE ME DISSE: “ISSO É MUITO PERIGOSO”. NA OPINIÃO DELE, SEMPRE QUE O PODER USA O HUMOR DESSE JEITO, TORNA-SE PERIGOSO. O QUE ACHA DE HUMOR E POLÍTICA?
Acho que isso mostra como se pode facilmente cooptar algo que, em um momento, era muito contracultural ou independente das formas dominantes de poder. Só acho que isso não vai sumir. Trata-se de um processo que vai acontecer invariavelmente, e os ativistas precisam assegurar-se de estar constantemente diferenciando a sua posição, se fizer sentido, daquela do poder dominante. É nesse ponto que acho que a ação direta faz com que certos tipos de política sejam incooptáveis. Se é somente uma questão de expressar
o ativismo por meio da arte, no mesmo nível de importância, sempre poderá ser cooptável. Se é arte e ao mesmo tempo também se atua no vazamento, na delação e no hacking, o governo não pode se apropriar disso. Na verdade, e isto é uma coisa completamente diferente, o que é preciso é tomar cuidado para o governo não marcar a pessoa como terrorista. Recentemente, o Anonymous escapou do rótulo de terrorismo, mas por muito, muito pouco. Isso ocorreu, em parte, por causa da arte e do humor. Isso é realmente importante para garantir que eles não sejam vistos como loucos extremistas ou algo assim, o que é um perigo enorme para qualquer movimento radical. Penso justamente que, uma vez que aqueles no poder passam a apropriar-se do imaginário e do humor, de material visual, é preciso continuar a garantir que se está agindo, e não simplesmente divulgando uma causa, porque depois será muito mais difícil diluí-la ou cooptá-la.
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A MAIORIA DOS COLETIVOS DO ANONYMOUS
QUAIS SÃO OS LIMITES DA “TROLLAGEM”,
NO BRASIL É MUITO CONSERVADORA E DE DI-
QUE É A ESSÊNCIA DE GRUPOS COMO O
REITA. VOCÊ VÊ ESSE PADRÃO POLÍTICO EM
ANONYMOUS? QUANDO VOCÊ ACHA QUE
OUTRO LUGAR?
ELA COMEÇA A ATRAPALHAR A LIBERDADE
Sim. Há um pouco disso na Alemanha também. Uma das maiores páginas do Anonymous no Facebook é uma espécie de grupo conservador direitista do coletivo. No entanto, a maior parte dos seus grupos é liberal e de esquerda. Em alguns aspectos, o software livre teve a mesma história também, quando passou a ter código aberto e poderia ser adotado pelas empresas para uma mensagem neoliberal. Acho que o Anonymous é parecido, embora eu ainda diga que a maioria dos grupos tende para o liberal e para a ala da esquerda.
DE EXPRESSÃO NA ESFERA PÚBLICA?
Bem, acho que a trollagem, muitas vezes, perturba bastante. Eu contestaria que o Anonymous seja fundamentalmente trollagem, porque de forma nenhuma enquadro os ataques e as invasões de denial of service nessa definição. De vez em quando eles realmente levantam a espada da trollagem, e isso é tanto uma arma tática como um lembrete de que não são um grupo político que pode ser facilmente domado. A maneira como é usada no Anonymous pode ser bastante sincera, a meu ver, porque é contida, está controlada. No contexto em que está superfora de controle – como quando os trolls só estão atacando feministas por todos os lados e em todos os lugares –, é definitivamente, nesses casos em particular, apenas puro assédio.
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Sim, acho que a trollagem pode realmente atrapalhar a liberdade de expressão. Contudo, também acho que seja um grande teste. Por exemplo, a Nova Zelândia acaba de bani-la. É melhor procurar pessoas específicas que estejam assediando, digamos, um indivíduo com muita persistência. Não se pode simplesmente dizer “Ah, nada é possível”, mas proibir toda a vontade de fazer t rollagens repentinamente... O que o A nonymous faz – e que talvez não seja trollagem – poderia ser categorizado como trollagem e, depois, subitamente, considerado ilegal. Acho que isso é um precedente muito assustador em alguns aspectos. Grandes ataques de trollagem podem ser muito, muito difíceis de controlar na internet.
QUAL É O FUTURO DO ANONYMOUS E DA SUA TÁTICA? VÃO SOBREVIVER À FREQUENTE REAÇÃO VIOLENTA CONTRA ELES?
A reação é muito grande. Há repressão de governos na Europa e nos Estados Unidos, e em menor grau na América Latina, mesmo que algumas pessoas tenham sido certamente pegas. Acho que há alguns aspectos a considerar. Na verdade, acho que havia um inacreditável volume de atividade em 2011 e 2012, e nós nunca vamos voltar a ver esse nível de atuação. A atividade que estamos vendo hoje é executada de uma forma mais precisa, menos desleixada e com maior segurança. Para dar um bom exemplo, houve na verdade um grande ataque de denial of service no Canadá contra um projeto de lei sobre vigilância ou antiterrorismo. Atingiram os sites do governo e derrubaram a maioria deles, também deixando inacessível o e-mail do governo. Eles na verdade arquitetaram durante meses essa operação, que foi realmente bem executada. A regra número 1 deles: sem danos colaterais. Ninguém será preso por isso. Isso foi muito diferente de seus ataques distribuídos de negação de serviços
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anteriores, quando diziam: “Vamos fazer um ataque de DDoS [sigla em inglês para esse tipo de ataque]. Venha a bordo”. É apenas caótico e confuso. Trata-se de uma mudança completa por causa das prisões. De fato, ninguém foi preso. Na Itália, eles foram detidos. Contudo, nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo, ninguém foi preso e, em parte, acho que também porque a questão ilegal irá acontecer em lugares como a América Latina e o Oriente Médio, onde é mais difícil pegar as pessoas. De fato, acho realmente que continuaremos a ver ação. Talvez não tanto quanto antes, mas isso também será devido a um planejamento mais cuidadoso. O segundo ponto é que – já vimos isso antes – os hackers estão indo direto para as empresas em busca de informações, o que não é o mesmo que fez Bradley/Chelsea Manning6. Ela trabalhava para o Exército, era uma pessoa de dentro. Edward Snowden era um funcionário da empresa. Jeremy Hammond7 não era uma pessoa da casa. A ntiSec8 não era alguém da casa. Phineas Fisher, que organizou as ações contra a Gamma e a Hacking Team, provavelmente não era de dentro e, se for, o que ele fez foi muito inteligente.
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Vamos ver mais disso. Se as pessoas se autodenominam Anonymous ou não, o Anonymous as ajudou a ter uma existência, aquele tipo de desejo de usar o hacking para vazar informações, principalmente contra empresas de segurança e coisas assim. A invasão da Hacking Team é enorme. Provavelmente foi uma operação política muito bem articulada. Pelo que entendo, Phineas Fisher vai explicar como fez isso, mas os dados, creio eu, foram retirados muito lentamente durante um longo período de tempo, para que não se percebesse que estava tudo indo embora. Outras pessoas vão imitar essa invasão, e ela deve a sua concretização ao que o Anonymous fez antes. É um novo ambiente que foi criado. Também acho que, se virmos o suficiente disso, as empresas finalmente levarão sua segurança muito mais a sério. Haverá, porém, uma janela de tempo durante a qual elas não poderão melhorar a sua segurança a fim de atingir os padrões necessários para evitar acontecimentos dessa natureza. Acredito, portanto, que veremos várias situações assim nos próximos dois a quatro anos.
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VOCÊ ACHA QUE A ESTÉTICA DO ANONYMOUS VAI DESAPARECER? MINHA OPINIÃO É QUE JÁ ESTÁ DESAPARECENDO. HÁ ALGUMA OUTRA ESTÉTICA PARA OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO HORIZONTE?
É interessante, porque Guy Fawkes9 está aí há bastante tempo, desde o século XVII. Isso vai e vem. É interessante também porque antigamente a associação que se fazia era somente negativa. Foi no início do século XX que começou a haver uma associação positiva. Ele começou a ser retratado como um herói em livros infantis e isso não acontecia antes, até [aparecer] nosso romance mais litográfico, o que realmente o tornou um verdadeiro tipo de herói. Mais tarde, com o filme de Hollywood [V de Vingança], as massas falavam “Ah, Guy Fawkes é um cara legal”, em vez de “Nossa, ele é um terrorista horrível” ou qualquer outra coisa. Eu o considero um personagem muito interessante porque, diferentemente do símbolo de paz, qual é a causa de Guy Fawkes? Se ele pode passar de terrorista
a revolucionário, acho que é possível esse movimento de vai e vem. Quero dizer, acredito que existe a fadiga da marca e há uma maneira pela qual o poder tanto do DDoS quanto do ícone deveria recuar e depois aparecer inesperadamente. Uma presença demasiadamente persistente vem acompanhada de uma espécie de fadiga da marca. Agora, o que fica claro em relação à invasão do Phineas Fisher é que não existe gestão de marca nem um movimento. É a ação de um indivíduo. Repetindo, isso vai inspirar outros, mas também é possível ver os seus limites. Quando se tem todo um universo simbólico, pode-se realmente abri-lo a uma participação ampla, e isso não vai necessariamente acontecer com as pequenas invasões isoladas. A arte é um meio pelo qual se pode realmente inscrever porções maiores da população. Mas não estou certa de qual será o tipo de imaginário ou iconografia do futuro em alguns aspectos. Eu diria, contudo, que o anonimato ideal não desaparecerá, e isso também é um aspecto poderoso.
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VOCÊ ACHA QUE AS PESSOAS FICAM MENOS CRIATIVAS SOB VIGILÂNCIA?
Sim, elas estão menos dispostas a correr riscos. Quando não se está sendo vigiado, existe a liberdade para experimentar. Se a pessoa está sendo vigiada, ela tende a se conformar. Sabemos disso por meio de experimentos psicológicos. Dito isso, há sempre, sob as formas mais extremas de vigilância, pessoas que conseguem criar focos de resistência e assim por diante. No entanto, o que é um tanto assustador é que existem vários vetores de vigilância sob os quais as pessoas podem estar vivendo, desde o nível empresarial até o governamental, da microvigilância para a macrovigilância, e esse acontecimento é inédito. Como isso vai mudar o comportamento? Creio que temos uma ideia de que, precisamente, haverá uma espécie de roubo de inovação, uma intenção de levar as pessoas ao conformismo. Isso provavelmente acontecerá, mas sob regime extremo. Acho que pode haver alguns elementos inesperados.
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Ronaldo Lemos É professor e pesquisador brasileiro respeitado internacionalmente. É diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org) e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). É pesquisador e representante para o Brasil do MIT Media Lab. Fez mestrado na Universidade Harvard (Estados Unidos) e doutorado na Universidade de São Paulo (USP). É especialista em temas como mídia, inovação e tecnologia. Foi professor visitante nas universidades de Princeton (EUA) e Oxford (Reino Unido). É membro do conselho de administração de várias empresas de tecnologia, incluindo a Mozilla, que faz o browser Firefox. Foi curador de vários festivais de música, arte e tecnologia, entre eles o Tim Festival e o Festival Hipersônica. Foi responsável pela concepção e pela curadoria do Laboratório de Atividades do Amanhã, do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. Foi eleito pelo Fórum Econômico Mundial, em 2015, um dos jovens líderes globais.
Gabriella Coleman Ocupa a cátedra Wolfe em Alfabetização Científica e Tecnológica na Universidade McGill (Canadá). É formada em antropologia cultural e seu trabalho de pesquisa, redação de artigos e ensino versa sobre os hackers de computador e o ativismo digital. Seu primeiro livro sobre software livre, Coding Freedom: the Ethics and Aesthetics of Hacking, foi publicado pela Princeton University Press. Seu novo livro, Hacker, Hoaxer, Whistleblower, Spy: the Many Faces of Anonymous, publicado pela Verso, foi indicado na categoria de Melhor Livro de 2014 do Kirkus Reviews.
Notas 1
Grupo de ativistas-hackers que surgiu na internet e em fóruns anônimos da rede. O grupo caracteriza-se por sua ausência de liderança formal e pelo anonimato dos integrantes, até mesmo uns com os outros. Organiza-se em diversos países e de forma independente. Nesse sentido, vários grupos já se denominam Anonymous sem que haja necessariamente uma unidade entre eles. Seu símbolo é a máscara com o rosto estilizado de Guy Fawkes, popularizada pelos quadrinhos V de Vingança, de Alan Moore, também transformados em filme.
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2
Distributed denial-of-service (DDoS) attack, ou ataque distribuído de negação de serviços, é uma tática utilizada por hackers que faz com que um site seja bombardeado com inúmeros pedidos de acesso simultâneo, sobrecarregando o servidor no qual ele está hospedado e, assim, fazendo com que o site se torne indisponível. É uma ação usada para “derrubar” um site da internet.
3
Identidade de uma conta no Twitter e nome de um usuário do site de discussões Reddit que assumiu a autoria do hackeamento das empresas Gamma Group e Hacking Team. Não se sabe se a identidade se refere a um único indivíduo ou a um grupo de pessoas.
4
Empresas que fornecem tecnologia de vigilância e hackeamento (se autodenominando “empresas de segurança”) a governos e clientes em vários lugares do mundo, em especial países autoritários. Foram incluídas pela organização Repórteres sem Fronteiras na lista de “inimigos da internet”.
5
Software que permite o anonimato das comunicações na internet e pode ser instalado em qualquer computador. É hoje mantido pela Electronic Frontier Foundation, respeitada entidade criada nos anos 1990 para proteger direitos na internet. O uso do Tor torna muito mais difícil o rastreamento das comunicações na internet, razão pela qual ele é utilizado em muitos países autoritários em que há censura da rede.
6
Soldado norte-americano que vazou milhões de documentos para o site Wikileaks e foi condenado por suas ações nos Estados Unidos. Como uma mulher transexual, assumiu a identidade de Chelsea, abandonando o nome anterior, Bradley.
7
Ativista e hacker de Chicago, condenado a dez anos de prisão por hackear a empresa de segurança Stratfor, vazando documentos para o Wikileaks.
8
Movimento de hackers que se formou contra a indústria de empresas de segurança. Ganhou visibilidade mundial por algumas de suas ações, nas quais expõe falhas, vulnerabilidades e questões éticas com relação à atuação dessas empresas.
9
Membro de um grupo de católicos ingleses que planejou um atentado na Inglaterra em 1605 para explodir o Parlamento inglês usando pólvora. A tentativa foi malsucedida, tendo sido denunciada por uma carta anônima, o que levou as autoridades a descobrir o plano e prender Guy Fawkes. A data do atentado, 5 de novembro de 1605, é usualmente comemorada na Inglaterra, onde sua efígie é queimada em uma fogueira junto com espetáculos de fogos de artifício.
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Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira
POLÍTICA DE EXPERIMENTAÇÃO: nas redes e nas ruas
Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira
A disjunção entre a sociedade civil e o Estado tem evidenciado o esgotamento de instituições tradicionais das democracias representativas, que não conseguem dar respostas satisfatórias à sociedade nem dar vazão à multiplicidade de desejos e de voz pública, não mais passíveis de contenção nos espaços delimitados pelas instituições tradicionais. As novas dinâmicas nas práticas culturais e artísticas não podem ser apartadas do processo político-social de forma mais ampla. Tal processo gera desafios para a política e a gestão cultural.
T
homas Mann, escritor alemão, empreende uma viagem de navio, em 1934, da Holanda aos Estados Unidos. Na travessia vai acompanhado de Dom Quixote – escrito por Miguel de Cervantes –, que, segundo o alemão, é o livro justo para uma viagem pelo mundo: “[...] escrevê-lo foi uma aventura ousada, e a aventura receptiva que se cumpre ao lê-lo está à altura das circunstâncias”, anota Mann. A experiência da viagem, tramada com a leitura, é registrada em diário. Em um dos seus apontamentos lê-se que é preciso acolher o presente em toda a sua complexidade, em todas as suas contradições, pois o futuro nasce do que é múltiplo, não do que é único. (MANN, 2014, p. 117)
O preceito de Mann parece encontrar resistência ainda hoje, quando o acolhimento ao múltiplo, ao desconhecido e ao incerto desconcerta e muitos ainda anseiam por um amplo relato que organize a diversidade do
mundo como uma espécie de tábua de salvação. Na perspectiva do uno, o futuro só pode ser concebido como uma cruel repetição do presente. Avançamos num mar de surpresas e incertezas, lembra Favaretto (2012), o que nos coloca diante da indeterminação, de uma paisagem desconhecida que é preciso configurar e decifrar. Ante tal desafio, e na impossibilidade de dar respostas seguras, cabe-nos a tarefa de problematizar a respeito do novo contexto em que estamos inseridos. Um eixo fundamental dessa problematização diz respeito ao fato de que, nas sociedades em que a democracia está instalada, há uma disjunção crescente entre o Estado e a sociedade civil que tem se tornado visível em várias esferas, sobretudo nas políticas públicas, que parecem andar a reboque da dinâmica social, dia a dia mais complexa em decorrência do próprio processo democrático. A sociedade civil é ator-chave da dinâmica atual. O filósofo Jacques Rancière, em seu livro Ódio à Democracia, busca compreender
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de que forma, no interior das supostas sociedades democráticas, uma intelligentsia dominante, que não deseja viver sob outro regime, acusa diariamente os males causados pela democracia, “a catástrofe da civilização democrática”. Em outras palavras, a expansão da democracia incomoda, sobretudo pelo princípio segundo o qual seu cerne é o poder de qualquer um para governar, para adentrar em esferas antes reservadas a poucos. A intensidade da vida democrática, sua ingovernabilidade advinda da constante e conflituosa expansão que opera em seu interior, fundamenta seu governo. Nas palavras do autor, o processo democrático é o processo desse perpétuo pôr em jogo, dessa invenção de formas de subjetivação e de casos de verificação que contrariam a perpétua privatização da vida pública. (RANCIÈRE, 2014, p. 81)
A razão de ser da democracia é o reconhecimento do outro, o permanente exercício de reconhecimento, e tem como princípio fundamental a ampliação dos direitos, cuja matéria-prima é o desejo, na bela formulação de Renato Janine. É o desejo dos sujeitos, com novas lógicas e novas sensibilidades na arena pública, que lutam por reconhecimento. Vivemos, portanto, um fenômeno próprio do desenvolvimento democrático, que é a constante busca pela ampliação do espaço na arena pública, a qual advém da multiplicidade de desejos. A administração dessa diversidade é algo próprio da dinâmica da democracia e um dos grandes desafios da gestão democrática. Trata-se da compreensão de que a democracia não chegará a um momento em que estará consolidada, na medida em que ela tem, por princípio,
esse processo de ampliação pelos desejos, essa permanente condição de desejo. A multiplicidade de vozes que buscam espaço na arena pública é inerente ao exercício democrático. A continuidade e o alargamento do processo de democratização levam a sociedade a exigir uma participação cada vez maior e mais ativa na esfera pública e na tomada de decisões. A disjunção entre a sociedade civil e o Estado tem evidenciado o esgotamento de instituições tradicionais das democracias representativas, que não conseguem dar respostas satisfatórias à sociedade nem dar vazão à multiplicidade de desejos e de voz pública, não mais passíveis de contenção nos espaços delimitados pelas instituições tradicionais. A legitimidade do Estado tem sido abalada pela dificuldade em acompanhar as transformações da sociedade, o que se traduz na tensão constante entre as suas instituições e as novas dinâmicas sociais, trazendo reflexos diretos nas políticas públicas. Estas parecem se guiar por modelos e sistemas antes legitimados, mas que não fazem face à indeterminação contemporânea, às múltiplas dinâmicas que constituem sua paisagem. As lentes parecem apontar para a criação de relatos parciais de sujeitos e grupos que buscam construir espaços no mundo, abrir fendas, mesmo que temporárias. A política toma a forma de uma batalha entre diferentes âmbitos de visibilidade. Os corpos estão saindo às ruas. A perspectiva empreendida por Paul B. Preciado para a compreensão de movimentos como os Indignados na Espanha e a vitória de Ada Colau em Barcelona foca a passagem de uma política de representação para uma política de experimentação, em que a ação e a narração remetem à construção de múltiplos significados por corpos indisciplinados.
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O modo de vida atual é crescentemente participativo; a sociedade sente-se excluída da arena pública e quer nela ser reconhecida e dela participar. Há um sentimento de desconforto e descontentamento que gera tensão de forças múltiplas e heterogêneas em ação. Enquanto a política permanece como que acorrentada a um tempo pretérito, a sociedade avança pelas ondas líquidas e digitais da vida hipermoderna, defende o cientista político Marco Aurélio Nogueira (2013). A compreensão da dinâmica política atual, que tem ganhado novos contornos com o desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação, é elemento fundamental para o entendimento das práticas culturais e artísticas na atualidade. Em outras palavras, as novas dinâmicas nas práticas culturais e artísticas não podem ser apartadas do processo político-social de forma mais ampla. As práticas culturais e artísticas, em sua relação com as novas tecnologias de informação e comunicação, evidenciam a proatividade dos novos atores e a localização incerta de muitos processos culturais na produção, na circulação – o que reduziu a sacralização de lugares de exibição – e na criação de novos espaços de experiências culturais e artísticas. Nas redes circulam produções e se desenvolvem discussões que reforçam tal ideia. O modelo de comunicabilidade em rede – interativo e conectivo (MARTÍN-BARBERO, 2014) – abre potencialidades e novas problemáticas para as trocas, os intercâmbios, a afirmação de identidades e de coletividades, as novas elaborações simbólicas e os enfrentamentos conflituosos. Portanto, se a dinâmica democrática gera tensões permanentes, no universo
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da cultura essas tensões parecem ganhar contornos fortes em decorrência dos novos desejos e das novas necessidades da multiplicidade de sujeitos e grupos que compõem a sociedade. A cultura é entendida como processo de elaboração contínua em um mundo em que as interdependências e os confrontos se intensificam a cada dia. Ela deve ser diálogo, o que significa troca permanente, performativa e interativa e, como consequência, imprevisibilidade, abertura para o devir, e isso exige a gestão de contextos de interculturalidade. É em torno da participação que flutuam as maiores esperanças de recomposição social e recuperação da política, lembra Marco Aurélio Nogueira (2013). A política é antes de tudo a capacidade de quaisquer corpos se apoderarem de seus destinos. Trata-se de emancipação e, segundo Jacques Rancière (2010), emancipação significa borrar a fronteira entre os que atuam e os que olham, entre indivíduos e membros de um corpo coletivo. Uma comunidade emancipada é uma comunidade de narradores e de tradutores: fronteiras cruzadas, papéis borrados, situar-se nas interações e nos desacordos. As novas tecnologias de informação e comunicação têm modificado as práticas culturais e artísticas, suas estratégias, a forma como os sujeitos se relacionam com o mundo, a maneira como aprendem, criam, compartilham, se agrupam, colaboram, fazem circular sua criação, se apropriam. Vivemos hoje a emergência de processos criativos em espaços distribuídos na cidade, muitos deles improváveis, fortalecendo as microlocalidades e a multiplicidade de vozes, imbricações e interações, estabelecendo redes de tensão e
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potencializando o desejo de criação de outros tempos e espaços, a geração de experiências, os novos afetos e sinergias. Muitos sujeitos têm repensado sua forma de estar no mundo, abrindo fendas para viver uma descontinuidade particular, subjetiva, mas que reverbera no coletivo – retomando a experiência como parte fundamental da existência, interpelando seu tempo para estar à altura de transformá-lo. Eis um grande desafio para pensar práticas culturais e artísticas na atualidade. Talvez estejamos nos aproximando daquilo que o historiador Michel de Certeau (1997) defendeu como tônica da ação humana: a invenção da própria liberdade, da criação de brechas e espaços de movimentação. Em sua concepção, a cultura “é uma proliferação de invenções em espaços circunscritos” (p. 19); ou, ainda, “a cultura é o flexível” (p. 233), oscilando entre a permanência e a invenção, sendo necessário que as práticas sociais tenham significado para quem as realiza. De Certeau questiona: “[...] que grupo tem o direito de definir, em lugar dos outros, aquilo que deve ser significativo para eles?” (p. 142). Como se produz e se constrói o espaço público? Como se toma a palavra nele? Os corpos saíram às ruas e anseiam pela vida sem mediações. A disseminação e o barateamento das novas tecnologias de informação e comunicação têm possibilitado que sua apropriação aconteça de maneira cada vez mais ampla, permitindo que sujeitos e grupos produzam obras e as façam circular, o que potencializa sua apropriação e amplia os circuitos e a produção de uma multiplicidade de relatos. Segundo Canclini (2010), movimentos artísticos, políticos e culturais
trabalham tomando fragmentos do mundo, dando certa visibilidade ao que é iminente e mostrando como se pode atuar mesmo a partir de visões incompletas em zonas de interseção que sugerem e insinuam mais do que representam literalmente. Ao narrar, contar suas experiências aos outros, os indivíduos e os grupos constituem-se como sujeitos da linguagem, sujeitos da vida pública, e instaura-se a relação entre o reconhecimento e a participação cidadã, a capacidade de participação e intervenção dos indivíduos e as coletividades em tudo aquilo que os concerne. (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 22)
No que se refere especificamente às políticas públicas de cultura, o descompasso entre suas proposições e suas ações e a multiplicidade social ganha contornos mais nítidos, sobretudo porque sua organização formal, a questão do patrimônio (nem sempre coletivamente compartilhado) e no que este está instituído são eixos de tensão permanente com a dinâmica cultural, a cada dia mais complexa. Para adensar ainda mais a trama, o desenvolvimento e a disseminação das novas tecnologias de informação e comunicação têm permitido que o sistema de produção cultural ganhe novos contornos, habilitando canais para que a arte e a cultura floresçam em dinâmicas fora dos espaços consagrados e dos circuitos tradicionais, que não têm mais o privilégio de estabelecer balizas e critérios para inclusão ou exclusão no sistema artístico-cultural nem o de definir os valores culturais. Como estar à altura do presente no que se refere às políticas públicas de cultura? No século XXI, de que forma as políticas
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culturais respondem às inquietações, aos desejos e às necessidades do emergente que, segundo Raymond Williams, se transmutarão em dominantes no futuro? Citando Martín-Barbero (ibid., grifos nossos): A convergência digital introduz nas políticas culturais uma profunda renovação do modelo de comunicabilidade, pois do unidirecional, linear e autoritário paradigma da transmissão de informações, passamos ao modelo da rede, isto é, ao da conectividade e da interação que transforma o modo mecânico da comunicação a distância pelo modo eletrônico da interface de proximidade. Novo paradigma traduzido em uma política que privilegia a sinergia entre muitos projetos pequenos acima da complicada estrutura dos grandes e pesados aparatos tanto na tecnologia como na gestão.
Portanto, se a dinâmica democrática gera tensões permanentes, no universo da cultura essas tensões parecem ganhar contornos fortes, o que se reflete no permanente conflito, próprio da política cultural, entre a manutenção das tradições, da memória, do patrimônio, dos cânones, das instituições, do consagrado – mesmo das culturas popular e periférica vistas sob uma ótica cristalizada – e os novos desejos e necessidades da multiplicidade de sujeitos e grupos que compõem a sociedade, das suas experimentações, dos seus espaços de visibilidade. Como a cultura é inerente ao ser humano, desenvolve-se a despeito das políticas culturais. A política e a gestão cultural estão desafiadas a estar à altura da dinâmica atual. Diante da multiplicidade de desejos que busca espaço na arena pública,
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elas devem criar condições e facilidades, habilitar canais, negociar de maneira pactuada para adquirir legitimidade. A cultura é o flexível, falando novamente com De Certeau, e a política e a gestão cultural devem assumir tal perspectiva, criando fendas para que seja possível respirar, abrindo possibilidades para interações e intercâmbios. A cultura sempre será um campo de incertezas.
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Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira É docente e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) e no Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Tem doutorado em ciência da informação (PPGCI), mestrado em ciências da comunicação [Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM)], bacharelado em história [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)] e licenciatura em história [Faculdade de Educação (FE)], todos pela USP. É autora, entre outras publicações, de Corpos Indisciplinados: Ação Cultural em Tempos de Biolítica; Nossos Comerciais, por Favor!; e Biblioteca Escolar e Circuitos Culturais.
Referências bibliográficas CANCLINI, Néstor García. La sociedad sin relato: antropología y estética de la inminencia. Buenos Aires: Katz, 2010. DE CERTEAU, Michel. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1997. FAVARETTO, Celso. Transformação em processo. In: Educação integral: experiências que transformam. São Paulo: Fundação Itaú Social: Unicef: Cenpec, 2012. MANN, Thomas. Travessia marítima com Dom Quixote. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. MARTÍN-BARBERO, Jesus. Diversidade em convergência. In: Matrizes, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 15-33, 2014. NOGUEIRA, Marco Aurélio. As ruas e a democracia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. RANCIÈRE, Jacques. El espectador emancipado. Buenos Aires: Manantial, 2010. ______. Ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014. RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. São Paulo: Publifolha, 2002. WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
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COLEÇÃO OS LIVROS DO OBSERVATÓRIO Identidade e Violência: a Ilusão do Destino Amartya Sen Nesta obra, Amartya Sen trata da violência relacionada à ilusão identitária e às confusões conceituais. Ele problematiza a identidade apontando que, ao mesmo tempo que ela pode trazer conforto ao indivíduo que se sente representado em uma cultura, pode impedir a identificação das pessoas com a humanidade, abordando para isso as questões relacionadas à divisão dos indivíduos por raça, classe, religião ou partido a que pertencem.
As Metrópoles Regionais e a Cultura: o Caso Francês, 1945-2000 Françoise Taliano-des Garets Esta obra traça pela primeira vez a história das políticas culturais de grandes cidades francesas na segunda metade do século XX. Seis delas, Bordeaux, Lille, Lyon, Marselha, Estrasburgo e Toulouse, são objeto de uma história comparada que examina a articulação entre políticas culturais nacionais e locais na França desde o fim da Segunda Guerra Mundial. É um estudo que contribui para a revisão de certas ideias comuns sobre política cultural para as cidades e sobre as articulações entre as diretivas e os discursos do poder central nacional e a realidade local. Além disso, mostra como a cultura se impôs em lugares distintos, em ritmos diferentes, como um campo legítimo da ação pública e fator de fortalecimento da imagem e de desenvolvimento de cidades que buscam um lugar de destaque nacional e internacionalmente. Abordando uma realidade francesa, este livro serve de poderoso instrumento de reflexão sobre a política cultural para as cidades, onde quer que se situem.
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Afirmar os Direitos Culturais – Comentário à Declaração de Friburgo Patrice Meyer-Bisch e Mylène Bidault A publicação organizada por Patrice Meyer-Bisch e Mylène Bidault aborda a Declaração de Friburgo, que reúne e explicita os direitos culturais reconhecidos de maneira dispersa em muitos instrumentos. Levando o subtítulo Comentário à Declaração de Friburgo, o livro analisa detalhadamente e comenta os considerandos e os artigos da declaração, tendo como objetivo contribuir para a discussão e o desenvolvimento do tema. Percebendo que a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos padecem sempre com a marginalização dos direitos culturais, o Grupo de Friburgo – um grupo de trabalho internacional organizado a partir do Instituto Interdisciplinar de Ética e Direitos Humanos da Universidade de Friburgo, na Suíça – preparou um guia para a reflexão e a implementação dos direitos relacionados à cultura previstos no Acordo Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Arte e Mercado Xavier Greffe Este título discute as relações da arte com a economia de mercado e a atual tendência de levar a arte a ocupar-se mais de efeitos sociais e econômicos – inclusão social, o atendimento das exigências do turismo e as necessidades do desenvolvimento econômico em geral – do que de suas questões intrínsecas. Conhecer o sistema econômico é o primeiro passo para colocar a arte em condições de atender realmente aos direitos culturais, que hoje se reconhecem, como seus.
Cultura e Estado. A Política Cultural na França, 1955-2005 Teixeira Coelho Neste livro, Teixeira Coelho faz uma seleção dos textos presentes na coletânea La Politique Culturelle en Débat: Anthologie, 1955-2005, da Documentation Française, que reflete sobre a relação entre Estado e cultura na França. A cultura francesa se associa intimamente à identidade da nação e do Estado, e os autores desta obra, de diversas áreas, analisam os aspectos dessa proximidade.
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Cultura e Educação Teixeira Coelho (Org.) Esta publicação remete ao Seminário Internacional da Educação e Cultura realizado no Itaú Cultural em setembro de 2009. Os participantes latino-americanos (inclusive brasileiros) e espanhóis comparam e refletem práticas capazes de culturalizar o ensino, por meio de iniciativas administrativas e curriculares e de ações cotidianas em sala de aula.
Saturação Michel Maffesoli O título reúne os textos “Matrimonium” e “Apocalipse”, de Michel Maffesoli. Neles o autor estende a discussão sobre a pós-modernidade para além do domínio das artes e analisa os fatos e os efeitos pós-modernos na vida social. A partir desse debate, Maffesoli questiona valores como indivíduo, razão, economia e progresso – pedras fundamentais da sociedade ocidental moderna, que está em crise, saturada.
O Medo ao Pequeno Número Arjun Appadurai “Arjun Appadurai é conhecido como autor de novas formulações notáveis que esclareceram os desenvolvimentos globais contemporâneos, especialmente em Modernity at Large. Neste novo livro, ele aborda os problemas mais cruciais e intrigantes da violência coletiva que hoje nos cerca. Um livro repleto de ideias novas e originais, alimento essencial para o espírito dos especialistas e de todos os que se preocupam com essas questões”, diz Charles Taylor, autor de Modern Social Imaginaries. As transformações na economia mundial desde a década de 1970 produziram efeitos consideráveis nas relações entre as nações e as pessoas. Multiplicaram-se as disputas e as preocupações sobre soberania nacional, indigenismo, imigração, liberdade, mercado, democracia e direitos humanos. Algumas ditaduras sumiram, outras permaneceram ativas e uma ou outra mais insiste em afirmar-se no palco mundial, como se as mudanças no mundo ao longo do último meio século não tivessem existido.
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A Cultura e Seu Contrário Teixeira Coelho As duas últimas décadas do século XX viram a ascensão da ideia de cultura a um duplo primeiro plano: o das políticas públicas e o do mercado, neste caso de um modo ainda mais intenso que antes. O papel de cimento social antes exercido pela ideologia e pela religião, corroídas em particular na chamada civilização ocidental, embora não neutralizadas, foi sendo gradualmente assumido pela cultura, tanto nos Estados pós-coloniais como, em seguida, nas nações subdesenvolvidas às voltas com os desafios da globalização e decididas ou resignadas a encontrar, na identidade cultural, uma válvula de escape. Do lado do mercado, o vertiginoso crescimento do audiovisual (cinema, vídeo, música) colocou a cultura numa situação sem precedentes no elenco das fontes de riqueza nacional.
A Cultura pela Cidade Teixeira Coelho (Org.) Qual a relação entre a cultura e a cidade? Nesta publicação, 12 autores, nacionais e estrangeiros, são convidados a refletir sobre o tema. Os artigos abordam questões como: Agenda 21 da Cultura, espaço público e cultura, política cultural urbana e imaginários culturais.
Leitores, Espectadores e Internautas Néstor García Canclini A publicação contém artigos dispostos em ordem alfabética, podendo o leitor transitar livremente por eles sem interferir na compreensão do texto. Seu tema são os novos hábitos culturais surgidos com o avanço das tecnologias de comunicação e entretenimento, e nossas respostas a eles como leitores, espectadores e internautas. Por meio de provocações, o autor nos incentiva a pensar sobre nossos “novos hábitos culturais”, colocando mais questões a ser respondidas do que conceitos estabelecidos, como num fragmento de “Leitores” em que questiona as campanhas de incentivo à leitura: “Por que as campanhas de incentivo à leitura são feitas só com livros e tantas bibliotecas incluem somente impressos em papel?” (p. 56), abrindo assim a discussão da necessidade de reformulação das políticas culturais públicas, uma vez que, atualmente, somos leitores de revistas, quadrinhos, jornais, legendas, cartazes, blogs.
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A República dos Bons Sentimentos Michel Maffesoli Como observou Chateaubriand, é comum chamar de conspiração política aquilo que na verdade é “o mal-estar de todos ou a luta da antiga sociedade contra a nova, o combate das velhas instituições decrépitas contra a energia das jovens gerações”. O momento atual é um desses em que jornalistas, universitários e políticos, em suma, a intelligentsia, se mostram em total falta de sintonia com a vitalidade popular. Para entender melhor em que isso consiste, é preciso pôr em evidência a lógica do conformismo intelectual reinante. Só quando não mais imperar o ronronar do “moralmente correto” é que será possível prestar atenção à verdadeira “voz do mundo”. Este é um Maffesoli diferente, polêmico e que não receia ser até mesmo panfletário. Seu alvo é o pensamento conformado com as conquistas teóricas dos séculos passados que não mais servem para entender a época contemporânea. Discutindo com o pensamento oficial, Michel Maffesoli investe contra o politicamente correto, o moralmente correto e todas as formas do bem pensar, isto é, contra as ideias feitas que se transmitem e se repetem acriticamente.
Cultura e Economia Paul Tolila Durante muito tempo os economistas negligenciaram a cultura e por muito tempo o setor cultural também se desinteressou da reflexão econômica. Vivemos o fim dessa época. Para os atores do setor cultural, as ferramentas econômicas podem se tornar uma base sólida de desenvolvimento; para os tomadores de decisões, a contribuição da cultura para a economia do conhecimento abre oportunidades originais de ação; para os cidadãos, trata-se de ter os meios para compreender e defender um setor cujo valor simbólico e potencial de riqueza humana e econômica não podem mais ser ignorados.
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SÉRIE RUMOS PESQUISA Os Cardeais da Cultura Nacional: o Conselho Federal de Cultura na Ditadura Civil-Militar − 1967-1975 Tatyana de Amaral Maia Neste livro, Tatyana de Amaral Maia discorre sobre a criação e a atuação do Conselho Federal de Cultura, órgão vinculado ao antigo Ministério da Educação e Cultura, no campo das políticas culturais. A autora analisa a relação entre seus principais atores, relevantes intelectuais brasileiros, e as questões políticas e sociais do período da ditadura, bem como os conceitos relativos à cultura brasileira, tais como patrimônio e identidade nacional.
Discursos, Políticas e Ações: Processos de Industrialização do Campo Cinematográfico Brasileiro Lia Bahia O tema deste livro é a inter-relação entre a cultura e a indústria no Brasil, por meio da análise das dinâmicas do campo cinematográfico brasileiro. A obra enfoca a ligação do Estado com a industrialização do cinema brasileiro nos anos 2000, discutindo as conexões e as desconexões entre os discursos, as práticas e as políticas regulatórias para o audiovisual nacional.
Por uma Cultura Pública: Organizações Sociais, Oscips e a Gestão Pública Não Estatal na Área da Cultura Elizabeth Ponte A autora traz um panorama do modelo de gestão pública compartilhada com o terceiro setor, por meio de organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips), procurando analisar seu impacto em programas, corpos estáveis e equipamentos públicos na área cultural. O estudo é baseado nas experiências de São Paulo, que emprega a gestão por meio de OS, e de Minas Gerais, que possui parcerias com Oscips.
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A Proteção Jurídica de Expressões Culturais de Povos Indígenas na Indústria Cultural Victor Lúcio Pimenta de Faria A proteção jurídica das expressões culturais indígenas, de suas formas de expressão e de seus modos de criar, fazer e viver é analisada sob as perspectivas do direito autoral e da diversidade das expressões culturais, a partir do conceito adotado pela Unesco.
AS REVISTAS DO OBSERVATÓRIO Revista Observatório Itaú Cultural No 18 – Perspectivas sobre política e gestão cultural na América Latina Esta edição traz análises comparativas da política e da gestão cultural da América Latina e aborda o seminário internacional sobre o tema realizado em março de 2015. Autores do Brasil, da Argentina, do Chile, do Paraguai, do Uruguai, da Colômbia e do México nos convidam a pensar sobre nossos modelos políticos e a importância do papel da cultura na integração dos povos latino-americanos.
Revista Observatório Itaú Cultural No 17 – Livro e Leitura: das Políticas Públicas ao Mercado Editorial Esta edição reflete sobre livro e leitura no século XXI, levando em conta novos aspectos e dimensões que vão além das publicações em papel, das bibliotecas e das livrarias físicas. A revista contempla abordagens históricas, discussões contemporâneas, contribuições de pesquisadores acadêmicos e de profissionais do mercado.
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Revista Observatório Itaú Cultural No 16 – Direito, Tecnologia e Sociedade: uma Conversa Indisciplinar Esta edição mistura autores provenientes de campos diversos do conhecimento para tratar de temas que se tornam cada vez mais centrais nos nossos agitados tempos, em que as ruas e as redes se misturam, em que o real e o virtual se fundem. Privacidade, direitos autorais, liberdade de expressão, limites e possibilidades do “faça você mesmo”, conflitos envolvendo mídias sociais e tradicionais, os sucessos e as falhas da promessa da aldeia global. São temas que estão hoje no centro do palco e despertam ao mesmo tempo esperança e preocupação.
Revista Observatório Itaú Cultural No 15 – Cultura e Formação Esta edição destaca o Seminário Internacional de Cultura e Formação, realizado no Itaú Cultural em novembro de 2012. O seminário é fruto de dois processos relacionados: primeiro, uma grande reflexão sobre os destinos da instituição, que completara, nesse mesmo ano, 25 anos de fundação; consecutivamente, o desejo de dialogar sobre como o terceiro setor pode contribuir para o desenvolvimento dos processos de formação cultural, bem como qual lugar lhe cabe nesse cenário. Para a revista, selecionamos contribuições de natureza diversificada derivadas desse encontro: discussão de conceitos, debates de políticas, análise de situações ou simplesmente narrativas de experiências, compondo, assim, um pequeno retrato do seminário, bem como das relações entre cultura e formação na contemporaneidade.
Revista Observatório Itaú Cultural No 14 – A Festa em Múltiplas Dimensões Os muitos carnavais, aspectos socioeconômicos das festas, políticas públicas e patrimônio cultural. Essas e outras questões acerca das festividades brasileiras são discutidas tendo as políticas culturais como ponto de partida.
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Revista Observatório Itaú Cultural No 13 – A Arte como Objeto de Políticas Públicas Nesta edição, a Revista Observatório apresenta reflexões sobre alguns setores artísticos no Brasil a partir de pesquisas, informações e percepções de pesquisadores e instituições, vislumbrando contribuir para que a arte seja pensada como objeto de políticas públicas.
Revista Observatório Itaú Cultural No 12 – Os Públicos da Cultura: Desafios Contemporâneos Esta edição se debruça sobre as discussões da relação entre as práticas, a produção e as políticas culturais. Refletindo sobre o consumo cultural e o público da cultura com base na experiência francesa, a revista põe o leitor em contato com a produção atual de pesquisadores que têm como preocupação central as escolhas, os motivos, os gostos e as recusas dos “públicos da cultura”.
Revista Observatório Itaú Cultural No 11 – Direitos Culturais: um Novo Papel Este número é dedicado aos direitos culturais em diversos âmbitos: relata o desenvolvimento do campo, sua relação com os direitos humanos, a questão dos indicadores sociais e culturais e o tratamento jurídico dado ao assunto.
Revista Observatório Itaú Cultural No 10 – Cinema e Audiovisual em Perspectiva: Pensando Políticas Públicas e Mercado Esta edição trata das políticas para o audiovisual no Brasil e passa por temas como distribuição, mercado, políticas públicas, direitos autorais, gestão cultural e novas tecnologias, além de trazer texto de Silvio Da-Rin, ex-secretário do Audiovisual. Parte dos artigos é de ganhadores do Prêmio SAV e do programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cultural 2007-2008.
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Revista Observatório Itaú Cultural No 9 – Novos Desafios da Cultura Digital As novas tecnologias transformaram a indústria cultural em todas as suas fases, da produção à distribuição, assim como o acesso aos produtos culturais. Em 12 artigos, esta edição discute as questões que a era digital impõe à indústria cultural, os desafios que permeiam políticas públicas de inclusão digital, a necessidade de pensar os direitos autorais e como trabalhar a cultura na era digital. Traz também uma entrevista com Rosalía Lloret, da Rádio e TV Espanhola, e Valério Cruz Brittos, professor e pesquisador da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), sobre convergência das mídias e televisão digital, respectivamente.
Revista Observatório Itaú Cultural No 8 – Diversidade Cultural: Contextos e Sentidos Esta edição é dedicada à diversidade. Na primeira parte, são explorados vários aspectos culturais do país – aspectos que estão à margem da vivência e do consumo usual do brasileiro – e como as políticas de gestão cultural trabalham para a assimilação e a preservação deles, de modo que não causem fortes impactos na dinâmica social. A segunda parte da revista é composta de artigos escritos por especialistas em cultura e tem como fio condutor a discussão sobre a sobrevivência da diversidade cultural em um mundo globalizado.
Revista Observatório Itaú Cultural No 7 – Lei Rouanet. Contribuições para um Debate sobre o Incentivo Fiscal para a Cultura A Lei Rouanet é o tema do sétimo número da Revista Observatório. Aqui os autores discutem diversos aspectos e consequências dessa lei: a concentração de recursos no eixo Rio-São Paulo, o papel das empresas estatais e privadas e o incentivo fiscal. O ministro da Cultura, Juca Ferreira, comenta em entrevista a lei e as falhas do atual modelo. O propósito desta edição é apresentar ao leitor as diversas opiniões sobre o assunto para que, ao final, a conclusão não seja categórica. O setor cultural é tecido por nuances; há, portanto, que pensá-lo como tal.
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Revista Observatório Itaú Cultural No 6 – Os Profissionais da Cultura: Formação para o Setor Cultural O gestor cultural é um profissional que, no Brasil, ainda não atingiu seu pleno reconhecimento. A sexta Revista Observatório é dedicada a expor e a debater esse tema. Neste número, há uma extensa indicação bibliográfica em português, além de artigos e entrevistas com professores especializados no assunto. A carência profissional nesse meio é fruto da deficiência das políticas culturais brasileiras, quadro que começa a se transformar com a maior incidência de pesquisas e cursos voltados para a formação do gestor.
Revista Observatório Itaú Cultural No 5 – Como a Cultura Pode Mudar a Cidade A quinta Revista Observatório é resultado do seminário internacional A Cultura pela Cidade – uma Nova Gestão Cultural da Cidade, organizado pelo Observatório Itaú Cultural. Sua proposta foi promover a troca de experiências entre pesquisadores e gestores do Brasil, da Espanha, do México, do Canadá, da Alemanha e da Escócia que utilizaram a cultura como principal elemento revitalizador de suas cidades. Nesta edição, além dos textos especialmente escritos para o seminário, estão duas entrevistas para a reflexão sobre o uso da cultura no desenvolvimento social: uma com Alfons Martinell Sempere, professor da Universidade de Girona (Espanha), e outra com a professora Maria Christina Barbosa de Almeida, então diretora da biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e atual diretora da Biblioteca Mário de Andrade. A revista número 5 inaugura a seção de crítica literária, com um artigo sobre Henri L efebvre e algumas indicações bibliográficas. Encerrando a edição, um texto sobre a implantação da Agenda 21 da Cultura.
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Revista Observatório Itaú Cultural No 4 – Reflexões sobre Indicadores Culturais O que é um indicador, como definir os parâmetros de uma pesquisa, como usar o indicador em pesquisas sobre cultura? A quarta Revista Observatório trata desses assuntos por meio da exposição de vários pesquisadores e do resumo dos seminários internacionais realizados pelo Observatório no fim de 2007. No final da edição, um texto da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre patrimônio cultural imaterial.
Revista Observatório Itaú Cultural No 3 – Valores para uma Política Cultural A terceira edição da revista discute políticas para a cultura e relata a experiência do programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cultural e dos seminários realizados nas regiões Norte e Nordeste do país para a divulgação do edital do programa. A segunda parte desta edição traz artigos que comentam casos específicos de cidades onde a política cultural transformou a realidade da população, fala sobre o Observatório de Indústrias Culturais de Buenos Aires e apresenta uma breve discussão sobre economia da cultura.
Revista Observatório Itaú Cultural No 2 – Mapeamento de Pesquisas sobre o Setor Cultural O segundo número da revista é dividido em duas partes: a primeira trata das atividades desenvolvidas pelo Observatório, como as pesquisas no campo cultural e o programa Rumos, e traz uma resenha do livro Cultura e Economia – Problemas, Hipóteses, Pistas, de Paul Tolila. A segunda é composta de diversos artigos sobre a área da cultura escritos por especialistas brasileiros e estrangeiros.
Revista Observatório Itaú Cultural No 1 – Indicadores e Políticas Públicas para a Cultura Esta revista inaugura as publicações do Observatório Itaú Cultural. Criado em 2006 para pensar e promover a cultura no Brasil, o Observatório realizou diversos seminários com esse intuito. O primeiro número é resultado desses encontros. Os artigos discutem o que é um observatório cultural, qual sua função, como formular e usar dados para a cultura e as indústrias culturais. A edição também comenta experiências de outros observatórios.
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Esta revista utiliza as fontes Sentinel e Gotham sobre o papel Pólen Bold 90g/m2. Os pantones 2347 e Black foram os escolhidos para esta edição. Duas mil unidades foram impressas pela gráfica Aquarela em São Paulo, no mês de novembro do ano 2015.
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