Dias Ímpares
Ano I | Número I | Mar/Abr_2021
Suplemento literário do Centro Cultural Sesc Glória
Dias Ímpares, mar/abr, 2021
CABEÇALHO
Dias Ímpares foi seu livro de obras reunidas e o título da presente publi-
É bastante complexa a tarefa de des- cação. Longe de ser ao acaso a es-
EXPEDIENTE SESC | SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
crever o poeta. Para onde se pretenda colha, ou uma simples homenagem,
Presidente do Conselho Nacional
seguir, corre-se o risco de esbarrar em acreditamos que o valores vividos por
José Roberto Tadros
clichês que, por mais que sejam ho- Sérgio Blank em relação a literatura nestos e verdadeiros em intensão, per- são compartilhados por nossa equidem-se no desgaste das palavras mui- pe: uma literatura plural, democrátito usadas. Em todo caso, ficamos aqui ca, acessível, impactante e visceral. com o vazio da definição, mas com a
debates e a produção de literatura,
Sérgio é a pessoa que nunca esta- sejam feitos em diálogo com a meva ocupada demais. Sempre solícito e mória de Sérgio. Que as atitudes que pronto para oferecer a si mesmo, na comungam com sua postura, sejam, sua atenção e serenidade, para novos de alguma forma, um legado promoescritores ou interessados em literatu- vido pelos que foram formados por ra. A biblioteca pública do Espírito San- ele. Esse suplemento é uma forma to foi sua casa; a disposição de se dar de agradecimento e continuidade. pela literatura, sua perene companhei- Como dirá Francisco Grijó nas páginas adiante: Obrigado, Sérgio.
ra. Sérgio nos deixou no ano de 2020.
EDITORIAL
Diretor Geral Carlos Artexes Simões
É justo que o exercício de criar ca-
certeza de que, seja ela qual for, Sérgio nais de comunicação, de fomentar os Blank está nela.
DEPARTAMENTO NACIONAL
Gerência de cultura Marcos Henrique Rego
Equipe de Literatura Diogo Borges Henrique Rodrigues
DEPARTAMENTO REGIONAL – ES Presidente Fecomércio - ES José Lino Sepulcri
Diretor Regional Gutman Uchôa de Mendonça
Sérgio Blank. Para esse primeiro número, reuni-
Coordenadora de Cultura – Centro Cultural Sesc Glória Rita Sarmento Costa
É com muita alegria que concreti-
mos artigos de Francisco Grijó e Caê
zamos a realização de uma publica-
Guimarães sobre a obra e pessoa
ção bimestral da área de literatura do
de Blank, acompanhados da poesia,
Centro Cultural Sesc Glória. O Suple-
também em homenagem ao poeta,
mento Literário Dias Ímpares surge
de Francis Kurkievicz. Nos ensaios,
em um momento delicado para o ce-
a professora e pesquisadora da Uni-
nário cultural do nosso país e coloca-
versidade Federal do Espírito Santo,
-se ao lado dos artistas da palavra e
Meri Nádia Gerlin discorre sobre o
profissionais do livro como canal de
conteúdo das narrativas dedicadas a
Capa
diálogo sobre literatura e vazão da
crianças e a importância da literatu-
Thiago Arruda
produção literária contemporânea.
ra para os pequenos. A resenha fica
SUPLEMENTO LITERÁRIO DIAS ÍMPARES Editor Gabriel do Nascimento Barbosa
Editor Assistente Thiago Arruda
Ligado aos propósitos de fomento
por conta de Marcelo Peregrino, ana-
Colaboradores desta edição
cultural do Serviço Social do Comércio
lisando o livro ganhador do Prêmio
Caê Guimarães | Francis Kurkievicz
do Espírito Santo, visamos promover
Sesc de Literatura 2020 na categoria
trabalhos produzidos no Sesc Glória
romance e na ficção temos os escri-
e oferecer espaço para publicação de
tores Pedro Gazu e Janaína Carvalho,
novos e veteranos autores e estudio-
além da íntima poesia de Wladmir
sos das letras. Com esse propósito
Cazé.
é que escolhemos enaltecer a obra e
Convidamos os interessados a
vida de um poeta que comunga com
participarem nas próximas edições
nossas diretrizes e carinho pela lite-
e desejamos a todos uma excelente
ratura com o nome de Dias Ímpares,
leitura.
título homônimo da obra reunida de
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| Francisco Grijó | Janaína Carvalho | Marcelo Peregrino | Meri Nádia Marques Gerlin | Pedro Gazu | Wladimir Cazé Colaboram com as imagens Genildo – p. 7 | Secretaria de Cultura do Espírito Santo - p. 3| Prefeitura de Itapevi – p. 10 | Sesc São Paulo – p. 8 | Igor Schutz – p. 18 | Giusep Pesavo – p. 13 | CPFL Cultura – p. 6
Dias ímpares, mar/abr, 2021
ETHOS E PATHOS EM BLANK “Há alguns anos me referi à poesia contida e incontida nos cinco primeiros livros do Sérgio Blank como um labirinto com paredes de veludo” Raros artistas levam consigo, ao
sidade Federal do Espírito Santo. Minis-
morrer, toda a configuração de um
trou oficinas literárias em prefeituras,
tempo. Acontece apenas com aqueles
bibliotecas, escolas, academias de le-
que deixam cravadas as unhas e digi-
tras e outras instituições.
tais na carne da alma de um povo, de
O que pode um dia ser classificado
um grupo de admiradores, de todo um
como primeira parte de sua obra abar-
métier onde atuaram de forma singular, potente e transformadora. Não basta, para tanto, que tal artista milite no limite das suas forças para criar mercado, promover obras e autores, organizar eventos, feiras, saraus, festas, enfim, que seja um agitador, um aglutinador de cabeças, ideias e espaços. Mais que nada, é preciso que sua obra seja graní-
Sérgio Blank (19642020) era uma dessas aves raras de brilho incomum. Lançou seis livros de poesia e um de literatura infantil em 36 anos de atuação
tica, monumental. E meridional, ainda que transite por sombras. A partir da
ca um período curto, de 1984, quando
qualidade dessa obra, todas as outras
estreia com Estilo de ser assim, tampou-
características são aderidas e criam a
co, até Vírgula, de 1996. A partir daí,
aura irrepetível. Sérgio Blank (1964-
Blank inicia 23 anos de silêncio, quebra-
2020) era uma dessas aves raras de
do por seu último livro, a prosa poética
brilho incomum. Lançou seis livros de
de Blue Sutil (2019). Entre a estreia e
poesia e um de literatura infantil em 36
a pausa lançou Pus (1987), Um (1988)
anos de atuação. Trabalhou em livrarias
e A Tabela Periódica (1993). Em 1991
hoje extintas – dói saber que quase ne-
fez uma solitária e tocante incursão na
nhuma sobrou nessas terras de Maria
literatura infantil com Safira. Porém, no
Ortiz –, também com relações públicas
tempo em que não escreveu, fez muito
e promoção de eventos, e na Fundação
barulho. Participou do Projeto Proler –
Ceciliano Abel de Almeida, na Univer-
Programa Nacional de Incentivo à Lei-
Ethos e Pathos em Blank
Caê Guimarães Escritor autor de Por Baixo da Pele Fria, Vácuo e Encontro Você no Oitavo Round
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Ethos e Pathos em Blank
Dias Ímpares, mar/abr, 2021 tura da Fundação Biblioteca Nacional.
de chiaroscuro, revelação e ocultação, prosas poéticas lançado em 2019, re-
Na Secretaria Municipal de Saúde de
prazer e desafio a quem se aventura, velou o que talvez tenha sido a maior
Vitória, coordenou oficina de litera-
por exemplo, no estranho e fascinante transformação dentro de sua obra. A
tura para os pacientes do Centro de
mundo de Blank. Na contramão de uma obra de um poeta que definitivamente
Prevenção e Tratamento Toxicômano
certa tendência da produção dos anos grafou neste mundo uma assinatura
(CPTT) e para pacientes com trans-
70 e 80 de emular a poesia marginal e/ única e eterna. Na última vez em que
tornos mentais graves do Centro de
ou a de Leminski, com doses generosas conversamos, via whats app e na vés-
Atenção Psicossocial (CAPS). Assumiu
de instantaneidade, poemas fechadi- pera da sua morte ele escreveu: “Ape-
a divisão Cultural da Gráfica Espírito
nhos e trocadilhescos (n.a.: não vai cri- sar da presença da morte você me
Santo, onde coordenou a Coleção Grá-
tica alguma a isso aqui), Sérgio surgiu traz notícias boas. Acredito de 2021
fica Espírito Santo de Crônicas, em
na cena nacional com uma poesia sem será um ano de fênix. Seu livro che-
parceria com o Programa de Pós-Gra-
parâmetros na época: original, única, gará nessa nova forma de respirar.
duação em letras da UFES; assumiu a
com versos que sempre dão margens Tenho refletido bastante sobre a vai-
coordenação de Humanidades da Se-
a inúmeras possibilidades de leitura, dade humana. O culto ao umbigo. Meu
cretaria de Estado da Cultura do Espí-
pausas, respiros. Uma poesia que cres- ofício de ermitão está sobressaindo.
rito Santo (SECULT), onde também foi
ceu a cada livro, mantendo a pegada Talvez no futuro breve me isole numa
assessor especial da Biblioteca Pública
do seu autor, ainda que nessa estrada cidade pequena à beira mar. Basta de
do Espírito Santo, ligada à Secult. La-
ele sempre dinamitasse as pontes que metrópole. Beijos.”
mentavelmente, em seus últimos anos
atravessava, buscando constantemente
não teve desse órgão o respeito mais
a nova forma dentro da mesma obra.
do que merecido após anos de feroz
Gosto de pensar que ele finalmente encontrou esse lugar. Um espaço geo-
Seu assassinato não foi desvendado. gráfico e afetivo de onde, em silêncio
batalha contra uma cirrose hepática,
E seu trabalho cresce e crescerá com o ensurdecedor, ainda nos observa.
provocada por uma hepatite, e justa-
tempo. Blue Sutil, volume de tocantes
mente no momento em que retomava suas atividades. Esperou por um transplante de fígado que não ocorreu. Um ano antes de falecer, vítima de um crime ainda não desvendado, entrou para a Academia Espírito-Santense de Letras. Há alguns anos me referi à poesia contida e incontida nos cinco primeiros livros do Sérgio Blank como um labirinto com paredes de veludo. Entrar nessa casa requer atenção. Ao apoiar-se em uma das paredes, é preciso desconfiar de uma suposta rigidez de alvenaria. Ao contrário dessa solidez, o leitor é envolvido por um manto de mistério que pode envelopá-lo. Porque é assim a linguagem quando elevada à potência máxima: seara de mistério e deslumbramento, jogos
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“Apesar da presença da morte você me traz notícias boas. Acredito de 2021 será um ano de fênix. Seu livro chegará nessa nova forma de respirar. Tenho refletido bastante sobre a vaidade humana. O culto ao umbigo. Meu ofício de ermitão está sobressaindo. Talvez no futuro breve me isole numa cidade pequena à beira mar. Basta de metrópole. Beijos.”
Dias ímpares, mar/abr, 2021
A POESIA QUE FLUI ÚMIDA
DIAS ÍMPARES, de Sérgio Blank [Editora Cousa, Vitória - 2016]
e. e. cummings não te conheceu. [Azar o dele.] E você a cummings
Dois poemas de Francis Kurkievicz para Sérgio Blank
Tarde o soube. Tarde para a nossa sorte e fruição Pois se cedo cummings Tivesse em tuas mãos É certo que de teus dedos Lépidos e embriagados A poesia que flui úmida Das palavras únicas Perderiam o álcool
poeta, autor de B869.1k96 pela Editora Patuá em 2020, e pela Ayatori Editora o livro infantojuvenil Meninices, em 2018.
De tuas digitais.
SÉRGIO LUIZ BLANK – poeta [☼1964 -† 2020]
Mas se por uma anomalia temporal Cummings o soubesse
Lamentam a morte do poeta
Antes de nós – o que dele seria?
Somente aqueles que não leram seus livros,
E se Blank se soubesse cummings
Não gozaram de sua presença singular,
Tal transmigração anímica
Não ganharam dele um autógrafo,
E tornasse
Um sorriso, um abraço, um olho no olho;
[a carne e as letras] Apenas para completar a obra? O que seria, então, da própria poesia? Entre cummings e Blank Há apenas esta vírgula Ou seria um
Os que nada tiveram do poeta Muito têm a lamentar Quando a luz de sua existência Se apaga no mundo para acender [apenas na memória; Mas aos que foram, junto ao poeta, pre[sença,
Estilo de ser assim, tampouco?
Aos que testemunharam sua gargalhada, [libações e flertes, Que respeitaram seu silêncio, seu olhar
A poesia que flui úmida
Francis Kurkievicz
[ausente, suas queixas, Que ganharam o dia e anedotas para a
[vida inteira, E também aquele gosto pela celulose dos
[livros novos, Pelo mistério das palavras, pela poesia do [infinito, Estes não lamentam a morte do poeta, Mas celebram o aparecimento desta
[individualidade No ciclo de uma próspera existência.
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OBRIGADO, BLANK! B r e v í s s i m o agradecimento que deveria ter sido feito há tempos
Francisco Grijó
OBRIGADO, BLANK!
Professor e escritor
Há quem diga, com autoridade, que
e que desde o primeiro livro publicado
os primeiros anos da década de 1980
apre-sentam versos que assombraram
representaram o apogeu da literatura
os leitores mais atentos e provoca-
produzida no ES, mais particularmente
-ram zelotipias em seus pares. Dizem
aquela produzida na capital. Eu acredito
que isso aconteceu ao norte-americano
nessa ideia, e minha crença baseia-se,
William Carlos Williams, ao publicar seus
talvez e principalmente, porque faço
Poems, em 1909, e com o italiano Euge-
parte dessa geração. É cabotinismo dos
nio Montale, com seu Ossi di Seppia, de
bons, tenham certeza. Numa seara es-
1925. O mineiro Carlos Drummond, em
pecífica – a poesia –, nomes como Mi-
Alguma Poesia, de 1930, proporcionou-
guel Marvilla, Gilson Soares, Paulo Ro-
-nos o mesmo.
berto Sodré e Waldo Motta brilharam
Sem querer parecer indulgente ou
como estrelas reluzentes num céu um
ridículo – para alguns –, coloco Sérgio
tanto nublado e que, mais tarde, seria
Blank nesse grupo. Sérgio nasceu pron-
espaço para uma refulgência mais ama-
to, e sua poesia (que é, de fato, ele mes-
durecida. Todos esses citados artistas
mo) manteve sempre incandescente a
foram, aos poucos, adquirindo uma os-
doçura furiosa de versos que iam da na-
satura poética meritória, que os mante-
tureza insensata do homem à esperança
ve na ativa até hoje – mesmo para quem
de que esse mesmo homem se salvasse
não está mais entre nós: caso de Miguel
através da palavra e dos atos. Você duvi-
Marvilla. O que quero dizer é que acon-
da? Faça o seguinte, então: leia Os Dias
teceu a eles o que acontece com a maio-
Ímpares, coletânea de poemas publica-
ria dos poetas, em qualquer época: vão
da pela editora Cousa, em 2015. Ali está
se formando aos poucos, vagarosamen-
Sérgio, sem pôr nem colocar, escanca-
te, e a cada verso, a cada estrofe, a cada
rado como uma flor perfuma-da em seu
poema adquirem mais musculatura, os
desabrochar, despido até o ponto exato
sinais vitais de sua poética acentuam-
em que o poeta pode se despir, sem ex-
-se, o vigor literário passa de provisório
por aquilo que reservou enquanto cha-
a perpétuo. Há, claro, aquelas exceções,
rada impenetrável.
aqueles poetas que nasceram prontos,
Lembro-me de conversar com meu
Dias Ímpares, mar/abr, 2021
OBRIGADO, BLANK!
querido amigo, o escritor e psiquiatra Sebastião Lyrio, sobre o livro Estilo de ser assim, tampouco, primeiro livro de Sérgio a vir a lume. Era o início da tal década a que me referi no início do texto, creio que 1982, por aí. Havia poetas e escritores que ensaiavam uma rotina literária e sabiam que ler e escrever caminhavam de dedos entrelaçados: líamos para aprender a escrever. Eu ainda não havia compreendido que meu itinerário nas letras resumia-se a narrativas, a contos e romances. Ao contrário: imaginava que a poesia residia em mim como víscera, glândula, algo seminal em meu
“Sérgio nasceu pronto, e sua poesia (que é, de fato, ele mesmo) manteve sempre incandescente a doçura furiosa de versos que iam da natureza insensata do homem à esperança de que esse mesmo homem se salvasse através da palavra e dos atos”
guística ao lirismo mais ameno; foi
Mas retomo o que dizia: os estu-
adulto quando esperávamos que fos-
dantes tiveram a chance de conhecer
se infante, e nos contrariou, quando
a poesia de Sérgio Blank, e fiz ques-
esperávamos dele a pura ingenuidade.
tão de mostrar a eles o que afirmei
Tive o privilégio de apresentar a
neste texto. Sua poesia potente e por
meus alunos, ou a alguns de-les, o li-
vezes colérica mostrava-se em todos
funcionamento. Enganei-me e só tive
vro Os dias ímpares. A UFES, ainda re-
os livros reunidos, assim como o liris-
a real dimen-são desse lapso ao ler
sistindo aos sortilégios do ENEM, man-
mo, a ingenuidade, a firmeza, a ousa-
os primeiros poemas de Sérgio Blank.
tinha uma lista obrigatória de livros a
dia, os clichês, os gêneros fundidos, a
Como conseguir chegar àquele cume
ser consumida pelos estudantes de al-
metalinguagem, a visualidade, o tom
literário? Que caminho pedregoso de-
gumas áreas específicas. A antologia
confessional, e muito, muito mais.
veria ser percorrido para alcançar o pi-
Os dias ímpares fazia parte da lista,
Pude mostrar aos alunos o que era – e
náculo e, depois – o mais importante –,
e quem se dispusesse a lê-la mante-
ainda é – o grande poeta. Além disso,
como se manter nele?
ria contato com Estilo de ser assim,
tive a chance de dizer-lhes que Sérgio
Sérgio escrevia com o mesmo vigor
tampouco, Vírgula, Um, A Tabela Pe-
não somente me mostrou a enorme
vernacular que pode ser encontrado
riódica e Pus. Este último, lançado em
e definitiva poesia, mas também me
em seu último livro, Blue Sutil, publi-
1987, teve como companhia os livros
disse, a seu modo, que eu deveria se-
cado em 2019. Manteve-se fiel à temá-
No Escuro, Armados, de Marcos Tava-
guir o caminho da prosa. Quer ser um
tica, criou uma poesia de foro íntimo
res, e Diga Adeus a Lorna Love, deste
bom poeta? É preciso nascer pronto,
e, ao mesmo tempo, escreveu sobre o
que vos escreve. Três obras escolhi-
ele pareceu me dizer. Aliás, continua
universalismo que assola os homens
das por uma editora carioca – Anima,
dizendo – daí o agradecimento do tí-
e o ambiente que os sustenta. Foi do
hoje inexistente – para coedições com
tulo.
cinema à música; da criação meta-lin-
a editora da FCAA.
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Vento Sul
LEITURA LITERÁRIA E INFÂNCIA Da página do livro à tela do computador
Meri Nádia Marques Gerlin Professora Doutora do Departamento de Biblioteconomia da Universidade Federal do Espírito Santo, membro da Academia Capixaba de Letras e Artes dos Poetas Trovadores
Numa sociedade permeada pelas tec- vas populares que sofreram alterações nologias de escrita, informação e comu- na sua formação original e constituído nicação, a literatura infantil é publicada em grande parte pelo material coletado e recuperada com maior intensidade e em séculos passados por autores munfacilidade, alimentando uma varieda- dialmente conhecidos, como Charles de de suportes informativos e lúdicos Perrault, Hans Christian Andersen, Wicomo livros, revistas em quadrinhos e lhelm e Jacob Grimm (ARROYO, 2011), ambientes da web que se bem utiliza- os recontos que eternizam Sherazade dos podem conduzir a criança ao prazer como uma astuta contadora de históde ler e ao desenvolvimento sociocogni- rias que conseguiu fugir de um destino tivo.
cruel e fatal tecendo uma rede narrativa
Durante a infância a leitura literária com uma variedade de contos por mil e desenvolve a criatividade, a criticidade uma noites, permitem nos dias de hoje e a liberdade de expressão, motivo pelo comparar o ato de interligar uma nova qual essa modalidade é comumente tra- história a outra trama mais antiga como balhada em unidades de informação, uma estrutura universal de colaboração educação e cultura como bibliotecas, (BENJAMIN, 1994). As publicações braescolas, espaços comunitários, univer- sileiras originárias das histórias de fasidades e internet, conduzindo a “for- das, fábulas e outros contos populares mação do ser humano como cidadão como os conhecemos na atualidade, reflexivo” (CARVALHO, 2015, p. 12).
foram coletados desde a Grécia Antiga
Essa modalidade literária é constitu- obtendo significado próprio das regiões ída por histórias autorais e adaptações em que foram oralizadas passando por de mitos, lendas, contos de fadas, fá- alterações e acréscimos das diferentes bulas, dentre outros gêneros de rele- localidades em que foram recontadas e vância educativa, social e cultural, au- resgatadas. xiliando aqueles que trabalham com a
Os livros contendo contos de fadas
criação de práticas de leitura. Em vista que tanto me auxiliaram durante os de que o repertório da literatura infan- momentos de formação com leitores na til brasileira é influenciado por narrati- biblioteca escolar e em espaços comu-
nitários como bibliotecas públicas, pra- e a cegonha, não conseguiram tomar ríodo em que a criança se sente “meças e palestras, se configuram como sopa... Quem com ferro fere recebe o tade adolescente e metade criança” . versões constituídas por aventuras de ferro e a ferida... e não conseguem toprotagonistas com boas intenções ob- mar sopa, sopa, sopa [...]”. tendo um final feliz. Sendo essa a maior
Essa adaptação viabilizou a releitura
NO LABIRINTO DA MEMÓRIA Meri Nadia Marques Gerlin
característica desse tipo de história, dessa fábula de forma que as crianças “Não coincidentemente, isso resultou utilizassem as palavras da obra original
Da figura do Minotauro
em muitos contos animados por Walt junto com elementos contemporâneos
O menino se encontra
Disney, como Cinderela, A Bela Ador- ao romper com a estrutura inflexível e
Muito distante,
mecida” (HUECK, 2016, p. 16).
ao viabilizar a recriação de uma narrati-
Em pesquisas realizadas na segun- va em que a lição de moral (característi-
Perdido Entre
da década do século XX identifiquei ca desse gênero) fosse suprimida dando
Os muros do labirinto
que no início esse gênero era direcio- lugar ao prazer de ler a obra original e,
Com seus
nado ao público adulto (HUECK, 2016), muito antes das modificações que concederam o formato que as crianças conhecem em suas leituras. Com o passar do tempo as adaptações dos contos de fadas foram adquirindo traços maniqueístas devido apresentarem situações básicas, simples e definidas entre o bem e o mal. “Por outro lado, as fábulas conseguiram manter praticamente a mesma estrutura desde a sua criação”. Devido as fábulas registrarem uma
“os recontos que eternizam Sherazade como uma astuta contadora de histórias que conseguiu fugir de um destino cruel e fatal tecendo uma rede narrativa com uma variedade de contos por mil e uma noites, permitem nos dias de hoje comparar o ato de interligar uma nova história a outra trama mais antiga como uma estrutura universal de colaboração”
Livros em estantes
No lugar Da figura mitológica da Ariadne De repente Ouve a sua mãe narrar, E no herói Teseu O seu destemido pai Pouco a pouco Se transformar.
Os mitos apresentam uma “[...] identidade, uma natureza definida e
moral para cada história narrada, essa em seguida, fazer o reconto da história. ao mesmo tempo complexa, [já que] característica tornou-se a sua maior
Diferente da estrutura maniqueísta o personagem mortal desse tipo de
marca, retratando personagens como dos contos de fadas e da moral impos- trama é exposto a uma jornada que animais dotados de qualidades huma- ta pelas fábulas, os mitos apresentam contém muitos desafios”, contando nas e, de modo igual, proporcionando uma espécie de “herói” como persona- com a ajuda dos deuses, dependena visualização de posições demarcadas gem. Tendo origem nas narrativas dos do da origem mística e/ou folclórica socialmente. Para romper com essa es- povos gregos, acabam por explicar fa- baseada em crenças das culturas afritrutura, por diversas vezes trabalhei tos da realidade (origem do mundo, fe- canas, gregas, indígenas brasileiras, com adaptações dessa modalidade, nômenos da natureza, etc.) inalcançá- nórdicas, romanas, dentre outras. utilizando-as posteriormente durante o veis à compreensão humana da época. desenvolvimento das ações de incentivo à leitura literária.
Os mitos e as lendas convertem-se
Fatos contemporâneos, cotidianos e em gêneros literários que explicam o fases da vida humana podem ser retra- surgimento do mundo e daquilo que
A história “Raposa, cegonha e sopa” tados em contato com a literatura dos nele há, tornando difícil a diferenciaé um exemplo do exposto, constituin- mitos. Motivo pelo qual utilizei a histó- ção dessas estruturas narrativas. Endo-se como uma adaptação que fiz da ria do “Minotauro” (personagem perten- quanto os mitos se ocupam em explifábula “A raposa e a cegonha” de La cente à mitologia grega metade homem car a origem do universo e estabelecer Fontaine. Nela existem elementos da e metade touro preso no centro de um modelos de ações humanas (destaestrutura da narrativa original: “Em labirinto), para poeticamente explicar a cando relacionamentos entre homens prato raso ou jarro estreito, a raposa transformação na pré-adolescência: pe- e deuses por exemplo), as lendas
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Vento Sul
Dias Ímpares, mar/abr, 2021
Vento Sul
Dias Ímpares, mar/abr, 2021 costumam elencar elementos da na- que a trama é basicamente desenvolvi-
perde a perna. Do mesmo modo, a len-
tureza que giram em torno de seres da.
da do Curupira, contada principalmen-
Essa obra disponibilizada na plata-
te no Amazonas e Pará, apresenta um
tragicamente o rumo das trajetórias forma streaming da Netflix, apropria-se
ser mítico que protege a floresta assim
dos personagens da trama. Esse últi- de elementos míticos da narrativa oral
como os índios brasileiros o reconhe-
mo gênero oral, também adaptado na ressignificando a lenda amazônica do
ciam como uma criatura temida e peri-
sociedade contemporânea, possibilita Boto, um animal que se transforma num
gosa.
mágicos que, muitas vezes, mudam
a escrita de novas versões literárias homem vestido de branco com um cha-
Na série da Netflix a Cuca, uma len-
péu que esconde a sua real condição.
da folclórica da bruxa com aspecto de
Do mesmo modo que a série televi- Com essa narrativa o seriado justificou
jacaré que rapta crianças, retratada
siva Once Upon a Time (ONCE..., 2011) o fato dos personagens com filhos de
pela literatura de Monteiro Lobato, é
transportou contos de fadas como pais desconhecidos, denominando-os
identificada no momento em que can-
Branca de Neve e Chapeuzinho Verme- como filhos do Boto assim como os nar-
ta a conhecida canção de ninar: “Nana
lho para o mundo real, recentemente radores tradicionais em outras épocas o
neném que a Cuca vai pegar”. Do mes-
as lendas folclóricas do Boto Rosa, fizeram.
mo modo, a sereia Iara, figura folclórica
impressas, audiovisuais e digitais.
O Saci conhecido como um menino
parte mulher e parte peixe, é retratada
tencentes à literatura oral brasileira travesso que pula com uma perna ape-
como cantora da noite ao atrair com
(CASCUDO, 2015), saíram diretamen- nas é fruto de um personagem folcló-
sua voz os homens que levará ao mar
te dos livros para a Cidade Invisível da rico das regiões do norte e sudeste,
e ao destino fatal (CASCUDO, 2015;
Netiflix (CIDADE..., 2021). Nessa série responsável por explicar objetos desa-
CIDADE..., 2021). Monteiro Lobato no
a narrativa folclórica predominante do parecidos e acidentes domésticos, ga-
início do século XX se apropriou dessas
norte do país ganha vida na região nhando na trama um destaque especial
e de outras narrativas populares, pre-
sudeste do Brasil, especificamente no ao ter a sua origem explicada no perí-
servadas nas zonas rurais e nas cidades
Estado do Rio de Janeiro (RJ) local em odo da escravidão, momento em que
brasileiras, registrando a lendária histó-
Curupira, Saci Pererê, Cuca e Iara, per-
ria do Saci que fora resgatada em 1918,
10
com o auxílio de narradores tradicionais mados em pedras. Assim contei e recon- colocar que “Essa o povo quase não dos Estados da Região Sudeste de Minas tei, por diversas vezes, o desfecho que conta, mas eu resolvi contar, a história Gerais e São Paulo (ARROYO, 2011).
apontava para o cacique, pai da índia, de um fazendeiro do bairro de Inhan-
Em contato com o seriado da Netflix como responsável por conseguir inter- guetá”. Anterior a publicação dessa me deparei com os personagens do Sítio ferir no namoro com a intervenção de lenda, pouco narrada na ocasião em do Pica Pau Amarelo, adaptação para a um feiticeiro, e uma fada que eterniza o que me apropriei da narrativa, trabatelevisão das obras infantis de Monteiro amor dos enamorados. Lobato, que assisti quando criança, bem
lhei com ela no cotidiano da escola
Essa lenda por ser bastante recontada tendo que me deparar, muitas vezes,
como com os livros sobre o folclore brasi- foi selecionada pelo Canal Futura para com barreiras no processo da sua disleiro disponibilizados nas prateleiras das fazer parte da coleção Vou te contar. Na seminação devido reunir figuras profabibliotecas escolares em que frequentei ocasião auxiliei no processo de forma- nas e de cunho religioso. e, em seguida, atuei como mediadora da ção de um grupo contadores de histó-
Posteriormente
essa
lenda
fora
leitura infantil. Comprovação de que as rias, responsáveis pelo reconto coletivo trabalhada no contexto do projeto de lendas convertidas em publicações lite- na Pedra da Cebola, parque municipal extensão “Informa-Ação e Cultura” com rárias e audiovisuais permitem que nos localizado em Vitórias no ES. Ao final do discentes da disciplina “Ação Cultural” aproximemos ludicamente do nosso vídeo exponho que a lenda se constitui do Curso de Biblioteconomia da UFES. contexto social e cultural, como no caso como “uma história de amor mesmo com Na ocasião tornou-se possível dialogar da adaptação da obra “Cidade Invisível”.
a interferência do pai e da magia”, mis-
Por conta das características citadas, turando elementos fictícios e reais que esse gênero literário é facilmente adap- envolvem a natureza humana e a geotado em diversas regiões brasileiras ca- grafia da região em que é originalmente tivando o público infantil e auxiliando narrada. educadores no processo de formação da
O mesmo pode ser observado com as
competência leitora. Esse tipo de leitura crenças populares que envolvem explievoca explicações para a conformação cações para A Pedra do Diabo, situada de um determinado contexto geográfi- na região de Inhanguetá em Vitória, e O co, ao carregar consigo a constituição de Frade e a Freira, na divisa dos municípios aspectos relacionados com a religiosida- de Itapemirim e Cachoeiro de Itapemirim de, o misticismo e a dinâmica da socie- no distrito de Gruta e Vargem Alta, dedade contemporânea (CASCUDO, 2015).
vido constituírem-se como lendas que
No caso das lendas do Espírito San- recebem a mesma denominação desses to (ES) destaca-se a publicação de Maria monumentos (NOVAES, 1968). Stella de Novais (NOVAES, 1968) na dé-
O Frade e a Freira é o retrato do rela-
cada de 60 do século passado, posterior- cionamento amoroso proibido entre dois mente culminado em várias adaptações religiosos que, segundo a narrativa local, em obras literárias infantis no século culmina na constituição da importante XXI. A história “O pássaro de fogo” foi formação rochosa que carrega o mesmo publicada por diversos autores por con- nome, enquanto A Pedra do Diabo explita da forte identificação que essa len- ca que as marcas dos dois pés impressos da evoca, ao explicar a constituição de na referida pedra aconteceram devido a importantes formações rochosas desse uma luta entre o bem e o mal, ou seja, Estado: Mestre Álvaro, no município de entre o Diabo e Santo Antônio que teria Serra, e Mochuara, situada em Cariacica. salvado o filho de um fazendeiro de um Em decorrência do exposto, narro que sacrifício imposto pelo próprio pai. a lenda conta de um índio e uma índia
Com base na pesquisa da literatura
que, depois de se apaixonarem e encon- oral capixaba destaco a adaptação da trarem-se as escondidas, foram transfor- lenda A Pedra do Diabo, permitindo-me
‘'as lendas convertidas em publicações literárias e audiovisuais permitem que nos aproximemos ludicamente do nosso contexto social e cultural' sobre essa e outras lendas pesquisadas por Novaes (1968), culminando no desenvolvimento de estratégias para a disseminação das histórias resgatadas e, por conseguinte, na disponibilização do
trabalho realizado sobre a
narrativa Pedra do Diabo na internet . Em vista da diversidade de contos pertencentes à literatura universal, brasileira e capixaba recolhidos por tradições, torna-se difícil separar o que é ou não de procedência oral (CASCUDO, 2006). O exposto comprova que a reminiscência se fundamenta na tradição responsável por transmitir conhecimentos, conforme exposto por Benjamin (1994). Assim sendo, a literatura oral é responsável pela disseminação das fábulas, das histórias de fadas, dos mitos, das lendas, dos contos populares e de outros gêneros registrados em obras literárias, possibilitando que sejam acessadas e ressignificadas na so-
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Vento Sul
Dias Ímpares, mar/abr, 2021
Vento Sul
Dias Ímpares, mar/abr, 2021 ciedade contemporânea.
Cada vez que ouso escrever sobre a
ainda se encontra pouco capacitada para
De fato, a literatura infantil ao longo leitura literária acabo percebendo o po-
aprender buscar e recuperar autonoma-
dos séculos fora constituída por narra- tencial das lendas brasileiras e capixabas
mente a informação, requerendo o de-
tivas alimentada por fábulas nas quais
em contribuir com a formação do leitor
senvolvimento de um relacionamento
durante a infância não apenas no cená-
com textos e contextos lúdicos e ilustra-
rio espírito-santense. Nesse sentido, por
tivos de forma que possa ser incentiva-
meio da experiência e das pesquisas
da a ler por prazer e não por obrigação.
que tenho realizado acerca da formação
Como professora e pesquisadora com-
de leitores, destaco o potencial de a lite-
preendo que o desenvolvimento dessa
das quais, educadores, contadores de ratura oral ser disseminada em suportes
competência deva ter atenção desde a
histórias, autores de obras infantis e como os livros e produções audiovisu-
infância, envolvendo educadores que
roteiristas das versões virtuais tele- ais, proporcionando que um repertório
percebem a necessidade de trabalhar
visivas e cinematográficas produzem universal seja compartilhado mundo a
com ela ao longo de toda trajetória do
adaptações dessas histórias ressignifi- fora no espaço presencial e virtual.
educando, desde a infância até a me-
os animais magicamente retratam sentimentos humanos; contos de fadas em que bruxas, princesas e magos convivem em períodos de extrema dificuldade; lendas que explicam fatos relacionados com a natureza e, por meio
cando-as.
Diante das diferenças culturais regio-
lhor idade.
Compreendo que na atualidade as nais e das necessidades de formação histórias da literatura universal cati- do público infantil que se torna cada
REFERÊNCIAS
vam o público infantil nas páginas dos vez mais autônomo ao acessar obras lilivros e, igualmente, em obras digitais terárias utilizando, para isso, a tela do e eletrônicas alimentadas por lingua- computador, dos tablets e dos smar-
ARROYO, L. Literatura infantil brasileira. São Paulo: Editora Unesp, 2011. BENJAMIN, W. O narrador. In: BENJAMIN,
gens multimodais, unindo texto, som tphones, procurei colocar em análise a
W. Magia e técnica, arte e política: ensaios
e imagem, acessadas nas telas de equi- importância da produção das histórias
sobre literatura e história da cultura. São
pamentos eletrônicos onde crianças autorais inéditas e da adaptação das
Paulo: Brasiliense, 1994. BIANCARDI, A. M. R. et al. Biblioteca es-
do mundo inteiro estabelecem contato histórias universais de fadas, fábulas e
colar: ressignificando o espaço físico numa
com narrativas de diferentes realida- mitos, dentre elas as lendas indígenas
perspectiva técnico-pedagógica. In: CON-
des sociais.
GRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA
folclóricas e capixabas constantemente
Por meio de um repertório universal utilizadas por educadores, bibliotecários que reúne uma diversidade de gêneros e outros profissionais em processos de da literatura infantil, comumente utili- formação de leitores. zados em bibliotecas, escolas, centros comunitários, residências e no ciberespaço, destaco a potencialidade dessas histórias para o desenvolvimento da competência leitora desde a infância. Com isso, as adaptações literárias proporcionam o desenvolvimento dessa competência que compreende conhe-
Nesse momento, identifico a competência leitora como necessária no processo de criação de estratégias para a formação de leitores durante a infância,
gre. Anais... Porto Alegre: FEBAB, 2000. 1 CD-ROM. CARVALHO, D. M. A importância da leitura literária para o ensino. Entreletras, Araguaína, v. 6, n. 1, p. 6-21, jan./jun. 2015. CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura Oral no Brasil. São Paulo: Global, 2015. CIDADE Invisível. Direção: Carlos Saldanha. Elenco: Alessandra Negrini; Fábio
permitindo-me compreender a impor-
Lago; José Dmont; Jéssica Córes; Marco
tância da inclusão dessa temática que
Pigossi; Wesley Gimarães. Brasil: Netflix,
envolve a recuperação e o uso dos con-
cimentos (saber compreender), habili- tos populares e literários nas pesquisas dades (saber criticar) e atitudes (saber e ações realizadas no âmbito da Biblioaplicar), já que é destinada à promoção teconomia e da Ciência da Informação. de aprendizagens por meio da com-
E DOCUMENTAÇÃO. 19., 2020, Porto Ale-
Entretanto, o leitor, convidado a com-
preensão crítica de diferentes lingua- partilhar comigo dessa reflexão, pode
2021. CORADINE, M.; GERLIN, M. N. M. Pássaro de fogo: lendas, contos e cantos. Vitória, ES: GSA, 2007. HUECK, K. O lado sombrio dos contos de fadas. São Paulo: Abril, 2016. 292 p. NOVAES, M. S. de. Lendas capixabas. São Paulo: FTD, 1968. ONCE Upon a Time. Roteiro: Adam Ho-
gens e modalidades de leituras como questionar qual o sentido de citar na
rowitz; Edward Kitsis. Atores: Jamie Dor-
a literária.
nan; Ginniger Goodwin, Jennifer Morrison,
conclusão deste ensaio aspectos relacionados com a competência em leitura na infância já que, nessa fase, a criança
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Lana Pmilla, Jared Gilmore. EUA: ABC Estúdios, 2011.
Dias ímpares, mar/abr, 2021
CAÊ GUIMARÃES E A JORNADA PELA DIGNIDADE “A luta que Cristiano desenvolve é justamente sobre como lidar consigo mesmo”
Escritor e colunista da revista Carta Literária
Assumir-se como narrador é puxar
tensão que, para além do confronto no
para si toda a responsabilidade que per-
ringue, guia toda a narrativa e a justifica:
meia a ação de contar uma história. O
o paradoxo da situação de saber sobre
narrador é a parte singular da narrativa
si mesmo tudo a ponto de ser conscien-
e sua identidade. Em sua formação está
te da própria mediocridade, onde essa
toda a condução necessária a habilitar
própria consciência, quase destruidora
leituras de um fato que pode ser explo-
do ser, coloca esse mesmo ser em um
rado de infinitas maneiras e, também, a
patamar superior de leitura do mundo.
exclusão de outras tantas possibilidades interpretativas.
A luta que Cristiano desenvolve é justamente sobre como lidar consigo mes-
Caê Guimarães, ganhador do Prêmio
mo. Sua lucidez de saber o lugar onde
Sesc de Literatura 2020, assumiu-se nar-
está, das coisas que poderia ter feito e
rador em um romance. Encontro você no
não fez (do campeão que não se tornou
oitavo round é um romance curto, mas
e do escritor que não é), e mesmo as-
nem por isso menos potente. Com sua
sim buscar a redenção pela dignidade.
trama que se passa no mundo do boxe,
Caê é brilhante ao tornar os caminhos
Caê nos chama para dançar e mistura, de
do lutador um tipo de jornada do herói,
forma hábil, literatura, jabs, poesia e di-
onde a conquista do orgulho de Ma-
retos.
chado Amoroso não se dará apesar do
Máscaras e codinomes
Marcelo Peregrino
Conduzidos por Cristiano Machado
que ele é, mas justamente por ele ser
Amoroso, acompanhamos a sua jornada
quem é. O personagem, consciente de
de preparação para o que, até a conclu-
sua condição, apresenta uma vontade
são do romance, é sua última luta. Nós,
de transcender do seu estado presente,
como leitores que somos, somos passa-
mas sem abandoná-lo. Não é uma busca
geiros da mente de Amoroso. Estamos
pela superação das derrotas que sofreu,
com ele em suas angústias e sua terrí-
da pessoa que se tornou, mas a busca
vel lucidez sobre si mesmo e sobre a re-
da dignidade que há naquele espaço em
alidade que o cerca. Esse é o ponto de
que ocupa.
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Máscaras e codinomes
Dias Ímpares, mar/abr, 2021 O grande desenvolvimento que Caê
um livro que é deixado após seu desa-
dos por Homero, ao permitir ao Odisseu
dá ao romance, e isso só perceberemos
parecimento, inclusive enquanto voz nar-
o ato de contar ao leitor sua trajetória,
no último instante do livro, é o jogo,
rativa. Eis a jornada paralela e, talvez, a
ou Machado ao colocar Brás Cubas como
extremamente bem conduzido, do pro-
jornada onde o lutador se realiza dentro
autor de suas próprias memórias e Ben-
cesso de redenção do personagem. A
de si mesmo. Se por um lado nunca sa-
tinho como autor de Dom Casmurro e,
luta, o que acreditamos ser o eixo do
beremos o resultado da luta, por outro
todos esses personagens, como respon-
livro, é inconclusa. Não somos capazes
a trajetória de Cristiano com a escrita é
sáveis pela sua capacidade de narrar a si
de saber sobre a dignidade alcançada
o livro que se encontra em nossas mãos.
mesmos.
no ringue. O encontro marcado do lu-
O que estamos lendo é a conclusão do
Com o romance escrito, Machado Amo-
tador com sua própria história no 8º
desejo de transcender, sem negar tudo
roso estabelece a trégua e alcança o lugar
round não acontece, ou, não estamos
o que foi, que acompanha os dilemas do
que tanto almeja. Em cada traço e sua es-
mais convidados a estar na mente de
personagem durante todo o romance.
crita, que agora sabemos ser o livro que
Cristiano para saber. Esse enredo, o da
Ao optar por esse tipo de construção
está conosco, o lutador se reafirma e se
luta, acontece paralelo a outra narrativa
de enredo, um enredo que ao final torce
consolida. Não se trata de uma engenha-
que só nos é apresentada após o final
sobre si mesmo no momento em que o
ria narrativa simples. A entrada de Caê
do combate e por um outro narrador
personagem se assume como narrador e,
no mundo nas narrativas longas mere-
que é externo à história.
dessa forma, ganha a responsabilidade
ce todo o destaque que vem recebendo.
No último momento é que descobri-
sobre a narrativa e faz do seu relato cons-
Chegou até nós em um esquecível ano de
mos como ler, literalmente, Machado
cientemente uma construção literária e
2020, como um refresco desses tempos
Amoroso. O lutador se assume como
do leitor, um leitor por excelência, Caê
difíceis e já nos deixa aguardando pelo
narrador de sua própria história em
se utiliza dos engenhos narrativos utiliza-
próximo livro.
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Dias ímpares, mar/abr, 2021
QUANDO NÃO TE VEJO Uma história sobre onde você está quando não estou
Escritora e produtora cultural
Uma marca de batom na caneca. Foi
Entrei em casa sem expectativa, mas
o que encontrei, pela manhã, quando
com um ar incômodo de quem não tem
passei na frente da minha escrivaninha.
expectativa, não por não querer, mas
Recordava-me, vagamente, de que fica-
por não haver alguma que coubesse no
ra até tarde escrevendo um artigo para
momento. Andei até a escrivaninha. Es-
uma revista e, como todo esforço inte-
tava tudo em ordem e a caneca ainda
lectual que penetra as horas da noite
estava lá, como eu a deixei. Tomei cui-
pede, preparei um café. Depois de uns
dado quando, pela manhã, lavei-a para
30 minutos escrevendo, acabou que
tirar o que ainda restava de café sem
o sono se colocou como um obstácu-
apagar a marca de batom que, agora,
lo instransponível para minhas pálpe-
talvez pudesse me trazer uma explica-
bras. Fui para a cama com a ideia que
ção plausível.
permeia os momentos de exaustão de
Tentei terminar de escrever o artigo
que: seja lá o que for que deva ser fei-
enquanto anoitecia, mas nada me vinha
to, pode ser feito de uma forma melhor
à mente. Só a marca de batom da cane-
depois de um momento de descanso.
ca. Como em qualquer momento impro-
Meu apartamento estava todo fe-
dutivo, a coisa mais produtiva a se fazer
chado e não havia sinais da entrada de
é parar a produção. Resolvi andar um
qualquer pessoa. Eu não possuía famí-
pouco pelas ruas, que àquela hora, sob
lia que habitasse na mesma residência
um céu nublado, estavam iluminadas
que eu, nem mulher, amiga ou namora-
e habitadas por umas poucas pessoas
da. Tomei banho e fiz minha primeira
que se aventuravam, talvez pela neces-
refeição do dia com a caneca a minha
sidade de descanso, a ir a um boteco
frente, esperando que algum sinal da
qualquer em plena quarta-feira. A bebi-
boca que a tocou falasse para mim a
da e os bebuns conseguiram me relaxar
explicação de tal acontecimento.
e distrair um pouco.
Ulpiana
Janaína Carvalho
Ao voltar do trabalho, no final da tar-
Todo esse itinerário durou no má-
de, não sei ao certo o que poderia es-
ximo umas 2 horas. Ao voltar, como
perar ou se deveria esperar por algo.
quem só percebe a sutileza das coisas
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Ulpiana
Dias Ímpares, mar/abr, 2021 cotidianas de-
uma surpresa em um dia especial, le-
belos castanhos,
pois de um súbito esclarecimento so- vantei da cama com um salto e fui até
pele morena e usava um vestido azul
bre a verdade real das coisas, percebi a sala. Nada havia mudado. Ora, nada
que terminava acima da coxa. Quando
um quadro que eu já possuía há uns mais óbvio, aliás, mais sensato. Mas
a vi, permaneci meio atônito, e depois
10 meses. Tratava-se de uma obra de como poucas coisas agradam o ser hu-
que ela passou por mim, a primeira rea-
um artista local que eu encontrei à mano, e em particular, a sanidade total
ção que tive foi abrir a porta para ver a
venda em uma feira de arte. Não me me incomoda, pensei que talvez só uma
situação do quadro. Permanecia o mes-
custou muito, nem representava algo coisa estivesse errada: Eu não deixei
mo, com uma moça intacta andando
que fosse genial. Era a imagem de café. E talvez esse detalhe fosse tudo
com uma criança em uma rua pacata.
uma mulher, feita com pinceladas de- para convencer àquela formosa dama a
Voltando ao corredor para encontrar al-
licadas que contrastavam com o fundo sair do quadro.
gum vestígio da aparição e nada mais
feito de cores fortes e pinceladas mais
havia.
bruscas. Não me lembro o motivo de tê-lo comprado. A mulher estava ao centro, em uma rua pouco movimentada com casinhas simples. Estava com um vestido azul, pouco decotado e que acabava acima da coxa. Sua pele era morena e seus cabelos castanhos, levemente ondulados. Em sua mão direita, ela trazia consigo uma criança. Talvez a criança fosse filha dela. Depois de perder-me em devaneios
''A mulher estava ao centro, em uma rua pouco movimentada com casinhas simples. Estava com um vestido azul, pouco decotado e que acabava acima da coxa. Sua pele era morena e seus cabelos castanhos, levemente ondulados''
sobre a mulher do quadro, percebi algo que seria quase o essencial:
Não me saía do pensamento que àquela era a prova que eu precisava. Era ela quem, de alguma forma, queria aparecer para mim, mostrar algo, e, por isso, foi dando pistas para que eu ficasse atento e começasse a percebê-la. Apareceu primeiro em minha caneca, para que a visse no quadro e daí pudesse percebê-la na vida. Talvez só pudesse aparecer de uma forma, portanto, seria impossível que ela aparecesse em dois lugares ao mesmo tempo, ou seja, no
Pensei que essa falha poderia ser quadro e na minha frente, por exemplo.
seus lábios eram rosados, mas rosa- facilmente corrigida na noite que viria.
No dia seguinte, após tomar meu
dos como o batom que ficara na ca- Não foi preciso tanto. Ao voltar do tra- café, dei-me justificativas para passar neca. Não sei se deveria fazer sentido balho, eis que havia novamente uma diversas vezes no corredor na esperanou não, mas o fato é que a primeira marca de batom na caneca. O quadro ça de poder encontrá-la. Mas ao conexplicação que me veio à mente fora permanecia intacto. Não havia mudan- trário do que supus, não houve nem a de que seria dela aquela marca de ça alguma nas feições dela, nem nos sinal. Perguntei para o porteiro do prébatom. Como se já não fosse difícil lábios. Seu batom não havia saído e dio quem era aquela mulher. Ele resconseguir entender como havia sur- seu cabelo continuava a balançar com pondeu-me que seu nome era Marcela, gido uma marcada de batom em uma o vento. Eu lembrava-me de ter tranca- moradora do prédio e, veja só, vizinha caneca no meio da noite, tentar com- do todo o apartamento antes de sair e, minha já havia um mês. Não se trata de preender como uma mulher sai de portanto, só havia uma explicação plau- algo absolutamente incomum, nessa um quadro não era, também, tarefa sível para o que ocorrera. Nem ao me- vida contemporânea, que não se conhesimples. Pensei em limpar a caneca, nos cheguei a por o segundo pé dentro ça os vizinhos de corredor, mas, espee dessa vez, a deixaria na sala, bem do apartamento. Voltei e fechei a porta cificamente nesse caso, passei o dia no na mesinha de centro, logo antes de ir novamente, descrente da realidade que trabalho me perguntando como poderia dormir. Assim fiz.
se apresentava diante de mim. Enquan- nunca tê-la encontrado.
Ao acordar, lembrei-me da noite to estava no corredor, de frente para a
A ideia mais óbvia e coerente, de
anterior, e como criança que aguarda porta, percebi, vindo em minha direção, acordo com os parâmetros nem um uma mulher, mas uma que possuía ca- pouco óbvios ou coerentes dessa histó-
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ria, é que parada no quadro de minha mais que eu fosse covarde, a moça não
linguagem corporal e o português ad-
sala, não teve outra alternativa que não era. Minha angústia sobre as possibili-
mitem. A convidei para entrar na sala
se concretizar no apartamento próximo, dades e impossibilidades da realização
enquanto me encarregava do pedido
tendo em vista que minha relação com do que, no momento, era nada além do
na cozinha. Pensei, covardia minha,
o quadro já demonstrava características que um fascínio sobre um evento parade união estável e duradoura.
normal, foi quebrada pela coragem de
Foi no momento de puro esclareci- Marcela. Eu jamais arriscaria perder o mento de minha condição fantástica efeito de fantasia que havia tomado conque me percebi em perfeito paradoxo. ta de minha imaginação razoavelmente Estava eu fadado a ser um platônico fértil. Como poderia ela, objeto de ma-
que fosse o que fosse, melhor seria prevenir do efeito de tentar olhar para Marcela e para o quadro ao mesmo tempo. Desviei o olhar do quadro. O evitei. Passei em passos rápidos para a cozinha. - Gosto de quadros assim como
autêntico. O quadro a trouxe até mi- gia, dispor-se a cruzar o as realidades
esse que você tem na sala. Bom gos-
nha companhia e, ao mesmo tempo, o tocando minha campainha? Parecia-me
to!
quadro me impedia de poder convidá-la inacreditável que estivesse disposta a
Ela disse para quebrar o gelo da
para uma visita futuramente. Ao mesmo tencionar a nossa condição existencial
impressão incômoda, mas não verda-
tempo, se me desfizesse do quadro por feita na distância.
deira de minha parte, de estar inco-
ela, colocaria em risco todas as possi-
Marcela tocou a campainha e apare-
modando alguém.
bilidades infinitas de viver uma adoles- ceu tímida em minha porta. Apresen-
- Comprei em uma feira na Prainha.
tou-se com um sorriso. Pediu descul-
Gostei das cores da paisagem e do
pas pelo incômodo e, com um jeito leve
contraste com a moça pintada.
cência tardia, posto que era justamente a pintura que nos mantinha ligados. A surpresa, como sempre há de existir para podermos concluir uma história, aparece no momento em que, por
que me pareceu tão natural e autênti-
- Que moça?
co, pediu uma xícara de açúcar para o preparo de um bolo. Como negar? Fui solícito das mais variadas formas que a
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Ulpiana
Dias Ímpares, mar/abr, 2021
Ulpiana
DEIXE DE ESTÓRIA “Mas pare de se lamentar, bixão, que a coisa há de piorar. Só a sorte não tem jeito.”
Pedro Gazu Escritor e Doutor em Estudos Literários
Como? Você? Técnico de quê? Não saliva investida. E ainda assim, despeme diga! E tudo começou com o tal dido? Curuzes... acordo coletivo? Todo ano sempre a
Mas pare de se lamentar, bixão, que
mesma coisa: a firma no vermelho? A a coisa há de piorar. Só a sorte não tem mesma cor, por sinal, de um dos car- jeito. Ela é o j... O quê? Também levou ros favoritos do patrão? O daquele mo- chifre da amante porque não teve nem mento, já que troca deles todo ano? como lhe dar os brincos que ela tanQuando também reforma a cobertura e to queria de aniversário? Mas você não o sítio e manda os filhos pra Disneylân- bateu nela não, né, bateu? Não, mas dia e a patroa pra Nova Iorque fazer bateu na esposa porque o pastor manumas comprinhas? É, a vida exige sa- dou cobrar de você o dízimo e ela aincrifícios...
da vive te culpando da filha de vocês
Passou na televisão, o quê?! A gre- ter virado sapatão porque você nunca ve?! Apanharam de uma polícia tam- mais foi para igreja?! Canário, se a debém tão mau-remunerada como vocês? legada sabe disso, hein, sua vida por Falou isto pra eles, foi? Ainda tentou aqui fica osso, fácil, fácil... convencer a plenos pulmões que tinha
COMO? Eu? Por que tô preso? Não
um amigo vereador advogado conheci- lembra mesmo?... Eu tava meio que do e que isso não iria ficar assim e tal... apreciando um importado fúcsio estaAh, era mentira? Se trata do genro do cionado na frente do escritório daquela patrão, que tomava pinga com vocês e construtora, se ligô? Quando você saiu parecia gente boa, aí a “piãozada” fez de lá, possesso, xingando tudo e foi campanha pra ele se eleger? Boa essa, grampeado depois de tentar apedrejar hein... e o patrão ainda tem um tio se- o tal carro comigo já dentro... Ora, ernador e um irmão deputado e o pai rado, lugar ferrado! Sobrou pra mim, juiz? Daí, a greve ainda ter sido con- mas não sou bandido não, viu. Tamsiderada ilegal pelo judiciário? Quanto bém tenho profissão, sabe, sou mesde reajuste proposto? 3%? Não paga a mo é escritor. Não acredita?!
Dias ímpares, mar/abr, 2021
ÉCFRASE ‘'pessoa que virava animal que revirava pessoa revirava animal'’
elisa pegoretti ao desenhar animais ouvia antes com atenção o que cada interlocutor lhe dizia para conhecer pela descrição como o desenho deveria ser
era uma ética da escuta conversa entre afetos, cores, carapaças linhas, listras, esperanças bicos, sonhos, proporções pêlos ou penas, formas, desejos caudas, fascínio, movimento sombras, medos e garras
feita a primeira versão, a artista a apresentava ao respectivo propositor e este podia sugerir ajustes indicar alter ações para guiar o trabalho dela fazer mais próxima a visão da artista da imagem que ele tinha em mente
em seguida ela produzia um novo desenho o definitivo então devolvido à origem
pessoa que virava animal que revirava pessoa revirava animal
Dédalo
Wladmir Cazé livros de poemas Microafetos(2005), Macromundo (2010) e Minividas (2018), além dos folhetos de literatura de cordel A filha do Imperador que foi morta em Petrolina”(2004) e ABC do Carnaval (2009). Traduziu Sacrificiais, do poeta colombiano Rómulo Bustos Aguirre. Com Rafael dos Prazeres, traduziu O assassino de porcos, do narrador argentino Luciano Lamberti.
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