Tríptico A Morte da Estrela

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desenhos . carla caffé

Papéis femininos em expansão

Ainda que o teatro grego da antiguidade tenha produzido personagens femininas monumentais, capazes de incitar profundas reflexões, ontem e hoje, estruturalmente, em consonância com outras esferas sociais daquele período, as práticas envolvidas nas artes cênicas eram restritas aos homens.

No ocidente, foi somente entre os séculos XVI e XVII, com a commedia dell’arte, que as mulheres passam a ocupar os palcos. Naquele contexto surge a figura da atriz-estrela, baseada no sistema de protagonismo da diva o qual, ainda que permitisse visibilidade às atrizes, oferecia um campo de atuação limitado ao elegê-las como o objeto de desejo em torno do qual a narrativa se desdobra. Tal figura constituiu um paradigma ao longo dos séculos seguintes, permanecendo como referência para a profissionalização das mulheres nas artes cênicas no último século.

Em Capô e no Tríptico A Morte da Estrela, tais padrões são contestados a partir de uma série de pesquisas. Na primeira peça, escrita pela diretora Georgette Fadel em colaboração com o elenco, três mulheres sobreviventes buscam o sentido da vida após uma guerra que destruiu o planeta em uma jornada que visa reconstruções. Na segunda produção, da Barca de Dionísos, as criadoras exploram, cenicamente, mudanças na forma de interpretação das atrizes no século XXI, problematizando modelos hegemônicos no que diz respeito ao gênero na contemporaneidade — sobretudo num sentido metalinguístico.

Ao propor questionamentos e reflexões sobre as linguagens artísticas e sua relação com as experiências coletivas que vivemos, o Sesc reitera seu compromisso enquanto instituição engajada com a educação e, consequentemente, com a melhoria da qualidade de vida de seus públicos e da sociedade como um todo. Tal compromisso tem como uma de suas bases o fomento e a divulgação das artes, campo essencial para a criação de novos e mais amplos imaginários, capazes de incluir a pluralidade que caracteriza tanto o real quanto o sonhado.

Diretor

Temporada de estreia no Sesc Ipiranga, de 7 de outubro a 6 de novembro de 2022, de sexta a domingo; sextas das 20h às 22h, sábados das 20h às 23h e domingos das 18h às 20h.

As três estações têm em média 50 min de duração, e podem ser assistidas em separado ou em sequência. Prevê-se o sorteio da ordem de apresentação e o deslocamento do público ao longo do tríptico.

Apresentações especiais da Estação EMBORAR aos domingos, nos dias 9/10, 23/10 e 06/11, voltadas para a formação de público, com 50 min de duração.

Debates online, com transmissão pela Plataforma da Corpo Rastreado (www.corporastreado.com) ao longo da temporada.

tríptico a morte da estrela

O TRÍPTICO A MORTE DA ESTRELA é uma experiência cênica num formato de tríptico, que convida a uma imersão em aspectos múltiplos do tema central: a falência dos grandes sistemas e dos modos de convivência dominantes, traduzidos no questionamento da persona social da “estrela”. As três estações formam um quadro multifacetado sobre a morte da estrela, indo desde o desmonte do star system, até a explosão dos corpos celestes e a rebelião das mulheres.

Cada uma das estações parte da proposição de uma artista da cena diferente, que conduz a equipe criativa e o elenco, compostos apenas por mulheres. Natalia Malo, Lu Favoreto e Cibele Forjaz assinam a encenação. Fernanda Haucke, Lúcia Romano e Thais Dias atuam, além de colaborarem na concepção da cena e na dramaturgia. A escrita dos textos tem a participação de Vana Medeiros e Cláudia Schapira. Carla Caffé assina a direção de arte, cenografia e figurinos, ao passo que Cibele Forjaz faz o desenho da luz. A composição sonora é de Natalia Malo, e a direção de produção, de Gabi Gonçalves, coordenando a equipe da Corpo Rastreado. Ao lado delas, outras muitas mulheres estão presentes.

foto : ligia jardim

O TRÍPTICO A MORTE DA ESTRELA ensaia o afastamento de um tipo de estrutura narrativa mais usual nas artes cênicas, que dá suporte a uma voz dominante, a encenação unificadora de sentidos. Aqui, a abertura a diversas interpretações é reforçada pela estratégia do jogo: a cada apresentação, é sorteada a sequência das estações, mudando a maneira do público apreender o todo.

Também a dramaturgia não pretende estabelecer uma linha contínua de eventos, mas constituir, de maneira cumulativa, ao longo das três estações, um tecido de palavras, silêncios, movimentos, pausas, imagens (reais e virtuais), em que momentos de improvisação e simultaneidades desfazem a impressão de coesão.

No lugar desses pilares do sistema de representação (o protagonismo estelar, a encenação unificadora e a dramaturgia linear), a abertura ao acaso e o encontro ganham corpo. Também em relação ao público, é valorizada a convivência, numa relação mais participativa e sensível ao inesperado.

foto : manoela rabinovitch

FICHA TÉCNICA

atrizes criadoras Lúcia Romano, Fernanda Haucke e Thais Dias composições de trilha original, direção musical e arranjos Natalia Malo direção de arte, cenografia e figurinos Carla Caffé fundamentação corporal Lu Favoreto desenho de luz Cibele Forjaz assistência de direção [natalia malo e lu favoreto] Luciana Azevedo assistência de direção [cibele forjaz] Zia Basbaum assistência de iluminação e operação de luz Carolina Gracindo assistência de figurinos Thais Dias assistência de cenografia Lívia Loureiro estagiárias de arte Carol Godefroid e Gabriela Sanovicz estagiárias e apoio técnico de iluminação Larissa Siqueira e Letícia Nanni Froes costureiras Paula Mares e Thais Dias dramaturgia

Estação LEMBRE-SE DE MIM Vana Medeiros

Estação DEVIR O QUE? Lúcia Romano, Fernanda Haucke e Lu Favoreto Estação EMBORAR Cláudia Schapira narrativa das yamaricumã Mapulú Kamayurá realização de imagens projetadas Manoela Rabinovitch (Manu) videografia (edição ao vivo e operação de imagens) Julia Ro música ao vivo e operação de áudio Bel Borges música emborar pandeirão Natalia Mallo charango Ramiro Murillo mixagem Ivan Garro programação gráfica Clara Morgenroth design da plataforma digital Clara Morgenroth divulgação Adriana Monteiro fotos de divulgação Ligia Jardim direção de produção Gabi Gonçalves produção executiva Corpo Rastreado - Jack dos Santos e Thaís Venitt parceiragem Madeirite Rosa e Zona Agbara encenação

Estação LEMBRE-SE DE MIM Natalia Mallo

Estação DEVIR O QUE? Lu Favoreto Estação EMBORAR Cibele Forjaz concepção Lúcia Romano - BARCA DE DIONISOS produção

CENTRO DE EMPREENDIMENTOS ARTÍSTICOS BARCA LTDA

parceria criativa Cia Livre realização

Sesc SP

a morte da estrela

por [LUCIA ROMANO]

Este é um tipo de trabalho que não se realiza isoladamente. Desde os primeiros momentos em que me pus a imaginá-lo, via na tela da minha imaginação uma sala de ensaios com muitas mulheres, agitada por encontros variados e povoada de múltiplas maneiras de pensar e traduzir materialmente as perguntas desta criação: quais as possibilidades de abandonarmos os modos usuais como atuamos e concebemos a cena? Como artistas mulheres podem, em coletivo, mudar os processos de ensaio, as relações de trabalho no teatro e a convocação feita ao público? Não foi à toa que, de um solo, foi ganhando forma no meu coração e na escrita deste projeto um terceto; de uma “peça”, passei a acalentar um tríptico... Tudo foi se multiplicando em bipartição; corpas brotando de corpas, num fluxo incessante.

foto : cibele forjaz

foto : ligia jardim

Até que o aceite de todas que estão aqui reunidas, amigas queridas e artistas admiráveis, foi constituindo este contorno, de algo que sabemos ser ainda uma totalidade aberta, ainda uma criatura mutante. E olha que enfrentar hoje qualquer tentativa de compor coletivamente, de uma perspectiva radical, não é coisa simples. Em tempos onde a lógica do indivíduo impera, numa cultura onde o cotidiano é medido milimetricamente, para que apenas o diálogo mínimo seja viável, deixar operar a rede, o rizoma, tornouse uma espécie de desvario, de heterotopia. Confinados ao

convívio exíguo e ao roteiro dos links da internet, até poucos meses atrás, parecia que não saberíamos mais sequer o que é estar próximas, quanto mais, seguirmos juntas, ombro a ombro.

Talvez, soe pouco original agradecer a esta altura pelo sonho compartilhado. Mas, não teria nenhum outro motivo para escrever neste programa, se não fosse para declarar, em alto e bom som, que me sinto infinitamente agraciada pela confiança dessas artistas naquela ideia ainda incipiente, germinada num momento qualquer de 2020, e a quem mais acolheu essa semente desde então. A fecundidade surgida do afeto entre nós, nutrida a cada dia de convivência, é muito mais do que as conquistas artísticas que eu poderia prever.

Tomara que essa fertilidade, infiltrando-se em seus sentidos (como fez conosco), faça também frutificar afetos em você. E que alucinando o vazio existencial, evidencie a percepção que este tríptico me traz agora, contundente e inevitável: contra as mazelas do sexismo, do racismo, do capitalismo, do fascismo e de todas as fobias diante do diverso, precisamos juntar e entrelaçar. Democratizar, socializar, feministar... Re-existir em comunidade é determinante.

foto : cibele forjaz

a morte da estrela

por

HAUCKE]

Esta criação múltipla, do Tríptico A Morte da Estrela, tem sido uma experiência artística profunda e desafiadora. Um trabalho de escavação e tomada de consciência de tudo aquilo que me formatou. Muitas camadas - da pele às vísceras - de quem sou e como atuo como mulher, filha, companheira, mãe, educadora, artista de teatro de grupo, ser vivente nestes tempos complexos. Aonde vai me levar? Não sei... Mas desejo aprender e, quem sabe, transbordar diferentes ações, para que eu mesma - ou melhor, todas nós - possamos nos perceber e agir mais como micélios (talvez, constelações!), verdadeiramente interligadas com todas as infinitas formas de vida que nos rodeiam.

[FERNANDA
foto : ligia jardim

a morte da estrela

por [THAÍS DIAS]

E por falar em Travessia.

Se pudesse ecoar na história sem medos, dúvidas, proibições ou até mesmo sem ter a minha trajetória interrompida ... Ecoaria fluída feito o jorro suavemente intenso das minhas antigas.

A chegança até aqui se fez de muitos passos. Multidão das “Minhas Estrelas” constelando meu ventre.

Cabeça-Corpo-Coração aterreirando os palcos por onde passei.

“A morte da Estrela”. Um convite pra revisitar meu feminino ancestral; minha pele fala-discusa-poesia.

Um corpo-passagem em pleno vôo fortalecido na cotidiana exaustão.

Um grito-manifesto que marcha pulsante.

Reverencio no agora, pronta pra recriar o que há de vir. Sou continuidade dos que vieram antes, sou ancestralidade do que pari. (Eu mesma e ele - meu menino - também)

foto : cibele forjaz

lembre-se de lembremim -se de mim estação

LEMBRE-SE DE MIM, dirigida por Natália Mallo, discute a sobrevivência da figura estelar como símbolo, modelo e aspiração do sistema criativo vigente no espetáculo teatral. A reflexão sobre a estrela observa as estruturas de poder e forças econômicas que alicerçam essa “sentença inalcançável” que rege os modos de fazer teatrais ainda praticados no chamado teatro euro-ocidental contemporâneo, e que insistem na hierarquização entre sujeitos e entre corporeidades. A persistente objetificação do corpo da artista mulher testemunha a sobrevida do star system (o sistema estelar) no imaginário coletivo contemporâneo, reavivado nas personas sociais da diva, da primeira atriz, da musa e da digital influencer.

foto : ligia jardim

No texto inédito, escrito por Vana Medeiros, sideradas por uma aparição fantasmagórica, três atrizes brasileiras do teatro independente, “de pesquisa”, são lançadas à missão de salvar uma estrela do passado de sua morte por esquecimento. Ao decidir explorar diferentes formas de encarnar e desentranhar a figura-espectro da Estrela e seu mandato, ainda que sem convicção plena da propriedade do pedido, as três atrizes debatem sobre as mudanças na cena e na sociedade, em diálogos afiados e canções icônicas, sempre marcados pela ironia.

O material criativo desta estação joga com os elementos da cena representada, para questionar sua eficiência e propriedade, diante dos tempos e dilemas atuais. Usando elementos do teatro musical, do pop, da cultura drag e do cinema mainstream, as cenas alternam-se entre o comportamento cotidiano e a montação, enquanto as atrizes buscam solucionar a missão que, ainda que relutem, parece dizer respeito a elas.

foto : ligia jardim

foto : cibele forjaz

“Lembre-se de mim” não me sai da cabeça. Como seguir sendo artista no Brasil? Talvez lembrando e sendo lembradas, no caminho oposto dos esquecimentos, apagamentos e narrativas tornadas invisíveis. A estrelafantasma vem lembrar também o que é preciso esquecer, ou melhor, desaprender. Para não repetir a história em moto perpétuo. Para questionar modos de criar, de ser e de trocar. Para puxar nosso próprio tapete e sair do estado paralisado e de zonas mortas de conforto. Para produzir prazer e reflexão. Para continuar pensando o ser mulher. Para seguir sendo artista no Brasil.

por
lembre-se de mim

Cada vez mais, a arte parece um espaço marcado pela infinita costura de referencialidades, pelo diálogo constante, rico, pulsante, quase infinito com aqueles que vieram antes. Habitar um mundo em que todo e qualquer rastro cultural e histórico nos dá a falsa e firme sensação de estar a um clique de distância tem deixado sua marca estética sobre nós, afinal. As três atrizes da estação LEMBRE-SE DE MIM recebem um pedido, o mesmo do título, de uma estrela de outros tempos, lançando-nos ao diálogo com a hereditariedade, com uma ancestralidade que pede para ser honrada. Toda batalha narrativa que costura a História - a da Arte, inclusive - começa lançando mão do mesmo pedido, uma súplica pela manutenção da memória. Mas todas as heranças nos acompanharão, porque é importante ao presente que elas sejam honradas?, ou Todas as heranças nos acompanharão, de maneira fatalista e irrevogável, determinando um inescapável futuro? Atender ou não a este pedido é imperativo para as três, e um convite para quem acompanha este trabalho. A vida é palco, e a peça é a máquina de duvidar.

por VANA MEDEIROS lembre-se de mim
foto : cibele forjaz

estação devir o devirque? o que?

Em DEVIR O QUE?, concebida e dirigida por Lu Favoreto, as atrizes aproximam-se de uma linguagem hibridizada, fruto da contaminação entre dança, teatro e arte da performance, para experimentar a desconstrução das estrelas que nos habitam, com as imposições sociais relacionadas ao modo como as mulheres são vistas na sociedade, em nosso tempo histórico.

Através do corpo em movimento, são acionados novos devires, em tentativas individuais e coletivas de mutação de estado, refletidas na cena. O apoio na estrutura sensório-motora emerge em novas frequências corporais, numa abertura para outros vocabulários de movimento e intensidades na experiência, que operam como pistas para esta construção temporária de um devir-outro, constituído de múltiplas desconstruções.

foto : manoela rabinovitch

Na imaginação e no corpo de cada performer, com suas potências, cicatrizes e desejos, é elaborada uma matéria criativa constituída de disparadores de incessantes devires. Quais os impulsos de transformação e de fluidez que eclodem de cada uma, para além do hábito, atrelado a uma sociedade dominada pelo consumo e mercantilização e que nos constrange em projetos de individuação homogeneizantes? Quais interações podem derivar daí, entre seres humanos, inumanos e encantados? Como se ampliam os imaginários, quando se dá lugar a outras presenças? São questões como estas que motivam a criação, em torno da pergunta: devir o que?

foto : manoela rabinovitch foto : manoela rabinovitch

A narrativa se constitui por imagens, movimentos, sonoridades e ações. A sobreposição de projeções (que, dentre outras coisas, evocam a memória do próprio processo criativo) à vivência do corpo, no instante da cena, desloca as perspectivas das performers e do público, abrindo fendas no espaço-tempo. A experiência do porvir, então, estende-se dos corpos para a espacialidade e para a temporalidade, conduzindo os e as espectadores a uma fruição de caráter singular, em território a desvendar.

foto : manoela rabinovitch

devir o que?

por LU FAVORETO

Realizamos DEVIR O QUE? focadas numa linguagem que prioriza o corpo em movimento e, a partir dele, se hibridiza. Seu processo criativo colaborativo germinou num terreno reflexivo sobre as possíveis MORTES de distintas ESTRELAS que povoam nossas vidas terrenas, CORPORAIS, CULTURAIS e COSMOLÓGICAS. Vivenciando tentativas de aproximação do corpo-próprio aos novos devires, tivemos a face e seu desfazer como origem motriz. A referência identitária, estabelecida no corpo, é desafiada pelo procedimento de desfiguração da figura. O desfazer provocando linhas de escape da forma estabelecida; deformação que potencializa sua reconfiguração instante após instante, num contínuo.

foto : manoela rabinovitch

A matéria criativa busca pistas nas poéticas pessoais de cada performer-criadora e se apóia em novas frequências motoras, abrindo-se para outros vocabulários de movimento e intensidades na experiência corporal, diante das possibilidades de transformação de cada uma. Devir o que? Escutamos chamados animais, vegetais, ancestrais, elementais…e seguimos alguns deles, por meio da experimentação corporal, fundamentada na improvisação.

Ao invés da costura certa, aqui a trama dramatúrgica prioriza o alinhavo, para que a escrita corporal possa liderar. Atravessados pelas linguagens compositivas da cenamúsica, projeção de imagens, cenografia, figurino - os textos dos corpos em movimento tecem uma dramaturgia expandida. Imagens do processo criativo, projetadas sobre o presente da cena, expandem também o instante de encontro entre performers e público: o que era processo de construção ressurge, com a missão de revelar as camadas que foram se desdobrando, mas que nunca desapareceram por completo.

Quando morre a ESTRELA ÚNICA, solitária, brilha a perspectiva de uma CONSTELAÇÃO DE ESTRELAS, distintas e vivazes, num verdadeiro céu luminoso. Impulso transformador acessível a TODAS NÓS e TODOS NÓS, essa miração é geradora de novas experiências na cena e na vida. Desejo profundamente que nossa arte potencialize novos devires!

estação emborar

Em EMBORAR, com direção de Cibele Forjaz, nos encontramos com a leitura de Claudia Schapira para o mito narrado pela pajé indígena Mapulu Kamayurá, que conta a narrativa tradicional das Yamuricumã. Aproximadas às Amazônidas, ou Amazonas, as Yamuricumã são mulheres que partem em marcha, abandonando suas famílias e terras, para construir um outro mundo, em outro lugar. As artistas do coletivo elaboram de forma cênica a experiência suscitada pelas palavras de Mapulu, um chamado que resulta no desejo de partir ou de mudar, espelhado numa jornada através dos espaços do edifício em que se dá a apresentação. O “emborar”, ou partir em caminhada, buscando um outro território em que possam vivenciar outras formas de convivência, é o mote que conduz o público e as atrizes.

O caráter performativo, constituído nessa trajetória imersiva pelas entranhas de um “teatro”, respalda-se nos recursos da narrativa épica, mas sem assentar-se apenas numa solução enunciativa. A mulherada segue procurando, estabelecendo na relação com os espaços reais da trajetória (o palco, os corredores, a cozinha, o camarim, o jardim e o almoxarifado) os sentidos poéticos e políticos de sua marcha infinda; sentidos que evocam também as lutas das mulheres no passado histórico e no momento atual.

foto : ligia jardim

emborar?

Num intervalo no meio da maratona da vida contemporânea, (uma fresta de tempo prefiro dizer, inspirada já por uma outra visão de mundos) 3 atrizes escutam, junto com a plateia, um trecho da narrativa de origem das Yamuricumã, em Kamayurá, pela “boca-pajé” de Mapulú.

Esse chamado misterioso é o ponto de partida para que as três atrizes elaborem, cada uma a seu modo e em conversa direta com as espectadoras, a ideia e ação de EMBORAR.

EMBORAR é um chamado, ou um Xamado, para romper com o traçado linear da história que durante séculos colocou a mulher à margem da centralidade da vida.

Um poema de ações que propõe uma travessia e que elabora neste primeiro contato com a narrativa Kamayurá a ideia de partir, de deixar-se ir, de abandonar, de sair do consenso e do lugar comum em busca de outras possibilidades de existência.

por CIBELE FORJAZ E CLAÚDIA SCHAPIRA

emborar?

Depois de Deixar-se morrer De entregar carcaças Couraças Cascos Gastas vestes exaustas

Depois de abandonar Peles do pensar Do sentir Peles do olhar De deixar-se escorrer Chegamos até aqui.

Depois de ter percorrido seculares noites em vigília desbravando fatídicas passagens, sofrido pela falta, pelo escanteio, por estar sempre à margem, à beira, sem legítimo posto, relegadas a circunscritas instâncias e papéis impostos, depois de ter lutado por um lugar e posto, chegamos até aqui ! mas precisamos de mais, muito mais... precisamos de outras realidades... possibilidades renovadas de ocupar a história, de criar memória...

por CLAÚDIA SCHAPIRA

Adriano Salhab, Anderson Puttini, Bento Zuri, Beto Alencar, Canísio Mayer, Carlota Joaquina, Cristiane Paoli Quito, Elétrica, Erica Leggli, Fredy Allan, Gabriel Máximo, Grace Passô, Henny Lorenz, Instituto Socioambiental, Jorge Forjaz, Kamihukalu Kamayurá, Katia Yukari Ono, Kay Sara, Lana Sultani, Leila Eme, Leila Monségur, Letícia Carneiro, Lucas Verzola, Luíza Jorge, Nina, Manu Romano Bittencourt, Marcelo Drummond, Marcelo X, Márcia Xavier, Marcos Damigo, Marcos Sassá, Maria Aparecida Vieira Silva, Maria Fernanda, Marilyn Clara Nunes, Mapulu Kamayurá, Nuno Pessoa, Paulo Reis, Pedro Farkas, Pedro Felizes, Renata Melo, Roberto Alencar, Silvana Paina, Simone Mina, Teatro Oficina Uzyna Uzona, Vera Hamburger, Vi Mu, Yara de Novaes, Zeca Bittencourt, Zé Celso e Zernesto Pessoa

Sesc Ipiranga

amortedaestrela WWW.amortedaestrela.com
Rua Bom Pastor, 822 CEP 04203-000 São Paulo - SP t.: +55 11 3340.2000 @sescipiranga /sescipirangasp sescsp.org.br/ipiranga

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