Outros Navios - Fotografias de Eustáquio Neves

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FOTOGRAFIAS DE EUSTÁQUIO NEVES

FOTOGRAFIAS DE EUSTÁQUIO NEVES 7 de setembro de 2022 a 26 de fevereiro de 2023

As estruturas políticas e econômicas, os costumes e crenças, as rela ções entre as pessoas e com o meio ambiente dão feição ao modo como vivemos, narramos e lembramos de nossas trajetórias. Ao inter ferir em tais aspectos ao longo de períodos e geografias distintas, o colonialismo produziu lógicas hegemônicas que continuam revelando seus efeitos nos corpos do tempo presente.

Em um ano emblemático para o Brasil – quando se completa o bi centenário de sua independência –, o olhar de Eustáquio Neves joga ainda mais luz sobre injustiças e conquistas, silenciamento e plura lidade de expressões. O Sesc compreende que a ação cultural, ao tocar em aspectos cruciais de nossa formação, incluindo cicatrizes e potencialidades, é capaz de estimular o exercício de cidadania, reiterando seu caráter socioeducativo. Assim, ao difundir memórias comprometidas com uma visão mais equânime de sociedade, a insti tuição visa proporcionar a tomada de consciência de nossos papéis e responsabilidades diante de reparações históricas.

DANILO SANTOS DE MIRANDA Diretor do Sesc São Paulo

Ao impor suas referências nas formas de expressão, o empre endimento colonial elaborou construções fictícias – como “sujeitos universais” e “narrativas oficiais” –, projetando sombra sobre uma diversidade de existências e manifestações. Ainda assim, as populações atingidas por tais violências travam constantes lutas pelo reconhecimento de seus direitos e suas culturas, assim como de suas subjetividades, abrindo campo para outras vozes serem ouvidas e outros olhares serem contemplados.

NAVEGAR POR OUTRAS ROTAS

Retrospectiva individual do fotógrafo mineiro, descendente de negros escravizados, a exposição Outros Navios: Fotografias de Eus táquio Neves traz ao público uma produção que perpassa quase quarenta anos de produção e carrega em si uma história extensa de diásporas e resistências. É um trabalho que capta e manipula ima gens ligadas às relações étnico-raciais promovidas no passado e no presente, como a violência contra os corpos, a intolerância contra os ritos e a privação de direitos da população negra.

O Grito do Ipiranga, que marcou a independência do Brasil, aconte ceu a poucos metros daqui, há 200 anos, em 7 de setembro de 1822. Porém, demorou-se mais 66 anos, para que em 1888, começassem a ser ouvidos os gritos de liberdade dos mais de 4,86 milhões de africa nos que foram forçados a atravessar o Atlântico para serem escravizados no Brasil.

EDER CHIODETTO Curador

NAVIOSOUTROS

Tais questões fazem com que as tramas da história, aliadas a uma visão crítica do presente, surjam imbricadas na obra de Eustáquio em camadas que ele constrói em seu laboratório, justapondo trechos de negativos fotográficos com abrasões, químicas, tintas, documen tos antigos e outros tipos de interferências. Assim, uma imagem finda por ser a soma de múltiplas fontes de informações que ora se apazi guam, ora se atritam gerando campos pictóricos complexos como a natureza dos seus temas. Essas estratégias formais, que convertem imagens de superfície em espessuras, podem ser metáforas sobre como certas verdades históricas vão sendo eclipsadas pelos discursos oficiais de quem detêm o poder.

Essa forma de construir imagens, a partir de uma miríade de fon tes, está presente também nas séries Arturos e Encomendador de Almas, nas quais Eustáquio cria narrativas visuais de grande beleza para enfocar a força da cultura e dos rituais afrodescendentes, nos mostrando a solidez e o poder daquilo que, a despeito de tudo, não foi apagado e por onde a resistência e a potência da cultura negra há de fazer, cada vez mais, desse país um bom lugar.

Fomos o último país ocidental a abolir a escravidão, a nação que recebeu quase a metade do total absoluto de pessoas negras escra vizadas no mundo entre os séculos XV e XIX. Nas últimas décadas, após reiterados esforços de historiadores e de diversos segmentos dos movimentos negros, entre outros, engendrou-se mais fortemente um debate urgente e necessário pela reparação histórica e pelo fim do racismo estrutural que até hoje, 134 anos após a abolição, segue enraizado, limitando acessos, voz, participação e equidade social à população negra brasileira, que representa 56% dessa nação. Outros Navios, série em andamento de Eustáquio Neves, que dá nome a essa exposição, faz alusão justamente a esse racismo estrutural que impede de forma ardilosa a ascensão da população negra. É como se navios negreiros continuassem chegando. O artista criou esse título ao ver cotidianamente ônibus e trens que ligam os centros das cidades brasileiras às periferias, apinhados de pessoas negras sendo transportadas de forma pouco digna. Não seriam outros navios também os camburões da polícia e as celas dos presídios?

ENTRADA R. BOM PASTOR ENTRADAR.XAVIERCURADO 6 4 3 1 2 5

OBRAS NA EXPOSIÇÃO Parede em Arco Aberto pela Aduana #01, 2020 Outros Navios #03, 2022 Deck Futebol, 1995/2004 Sala 1 Outros Navios #02, 1995 Boa aparência, 2000 Cartas ao Mar, 2015 Objetificação do Corpo, 1994/1995 Máscara de Punição, 2004 Fotopinturas, 2020 Retrato Falado, 2020/2021 Sala 2 Arturos, Máscara1993/1995dePunição, 2004 O Encomendador de Almas, 2007 Processos de Trabalho Mãe, 2019 Empena da praça Outros Navios #01, 2020 Sala 3 Post No Bill, 2009/2022 Bariga, Crispim:2009/2022Encomendador de Almas, 2006/2022

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ABERTO PELA ADUANA #01, 2020

FUTEBOL, 1995/2004 Nesta série, Eustáquio recria em camadas os campos de “peladas”, locais transitórios do tecido urbano, que se transformam em espaços de sociabilidade, mas que logo desaparecem na lógica de mercado da construção civil.

OBJETIFICAÇÃODOCORPO,1994/1995 Nesta série, as imagens surgem entre papéis que emulam cicatrizes, grafias desconexas, trechos de cartas de venda e de alforria de pessoas escravizadas. Um manifesto contra a indústria do consumo que insere corpos femininos na lógica da mercadoria.

de cópias de filmes fotográficos, acetatos, matrizes, esboços, estudos de paleta de cor e texturas utilizados no processo criativo experimental de Eustáquio Neves no ambiente do laboratório analógico de seu ateliê.

Seleção

PUNIÇÃODEMÁSCARA,2004epositivoemjustapostasfotografiasdemeioPorutilizaEustáquiointervenções,desérieumaenegativoformasassobrerefletirparamãesuaderetratoumpopulaçãodasilenciamentodecontemporâneasmetal,demáscaradaimagemdapartiranegra,escravista.torturaerepressãodeinstrumento

2020,FOTOPINTURASnegraspopulaçõesascomoformaareferênciacomoTendofotografia,dahistórianarepresentadasmalmuitoforampessoasderetratospinturacomreconstituirbuscaEustáquiovidrodenegativosdecoleçãoumadepartiranegras,Gerais.MinasDiamantina,emruínasemencontrada seguintes)(páginas2019/2020,FALADORETRATOdefotografiasdeescassezaabordaEustáquiosérie,Nestadameioporrecuperar,Buscabrasileiras.negrasfamíliasJoãoavô,seudoimagemafamiliares,seusdeoralmemóriaqualdoeconhecerachegounãoqualoRibeiro,Catarinoparentes.seusporguardadafotografianenhumarestounão

Eustáquio parte de um único autorretrato, submetido a várias intervenções, com intuito de rememorar as dificuldades encontradas na busca pelo primeiro emprego e problematizar anúncios de vagas, cujo pré-requisito solicitava “boa aparência”.

BOA APARÊNCIA, 2000

2015,MARAOCARTASresgataNevesEustáquiocercadosmemóriaaafricanosmil30denãoqueescravizadostratosmausaosresistiramAtlânticodotravessianacomoenterradosforamedoCaisnoindigentesJaneiro.deRioValongo,

Eustáquio Neves entrecruza discursos e símbolos para exaltar as tradições ancestrais mantidas pelos moradores de quilombos, como Arturos. Coincidentemente, uma das primeiras séries de Eustáquio, criada após conhecer a obra de Arthur Bispo do Rosário.

ARTUROS, 1993/1995

O ENCOMENDADOR DE ALMAS, 2007 Série realizada no quilombo Ausente, onde Eustáquio conheceu Crispim Veríssimo, homem cuja função é libertar a alma dos mortos para que alcancem dimensões celestiais. Os dípticos reforçam a integração entre moradores, território e crenças.

Estas três obras são apresentadas em três telas simultâneas no espaço dedicado à pequena, porém, profícua produção de videoarte de Eustáquio Neves. Post no Bill e Bariga foram realizados na Nigéria. O primeiro é dedicado à percepção das camadas de som e imagens na capital Lagos. O segundo flagra, com textura e enquadramentos não convencionais, um grupo de dança contemporânea. Crispim: Encomendados de Almas é uma entrevista-performance realizada pelo artista com o personagem principal dessa sua série.

POST NO BILL, 2009/2022 BARIGA, CRISPIM:2009/2022ENCOMENDADOR DE ALMAS, 2006/2022

EQUIPE SESC

Sesc - Serviço Social do Comércio Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor do Departamento Regional Danilo Santos de Miranda

OUTROS NAVIOS - FOTOGRAFIAS DE EUSTÁQUIO NEVES Curadoria Eder Chiodetto Pesquisa Lilian Oliveira Projeto Expográfico Marcus Vinícius Santos Colaboração Aline Arroyo, Maira Takiy, Mariana Valicente, Priscila Marques Produção Executiva e Coordenação de Montagem Cassia Rossini Produção de Montagem Fabiana Farias Assistente de Produção Bruna Lessa das Virgens Projeto de Iluminação Charly Ho Projeto de Acessibilidade Silvia Arruda Identidade visual Giulia Fagundes e Estúdio Daó (Giovani Castelucci e Guilherme Vieira) Consultoria de Audiovisual Marcos Santos Projetos Complementares (Estrutura Iluminação, Elétrica, Segurança e Climatização) Jarreta Projetos Consultoria e Instalação de Painel Cenográfico Bruno Fonseca Criação Têxtil Ateliê Lambari Edição de Vídeos Coletivo Bodoque e Mari Crestani Conservação Marília Fernandes Museologia Alice Gontijo Montagem de Obras Install Produtora Ação Educativa Karen Montija

Agradecimento Carol Laguna Imagens da capa e contra-capa Outros Navios #01, 2020 Estudo para série Retrato Falado, 2019

Adriana Marques, Amanda Cristina de Souza, Ana Luisa Moreno, Carlos Godinho, Cássia Vacilloto, Cesar Albornoz, Cristiane Ferrari, Daniel Botelho, Daniela Momozaki, Danny Abensur, Diego Zebele, Douglas Borges, Fabio Vasconcelos, Fernando Fialho, Getulio Pizani, Giuliano Ziviani, Isabella Bellinger, João Marcos de Matos, João Paulo L. Guadanucci, Juliana Okuda, Juliana Caetano, Juranir Oliveira, Karina Musumeci, Kelly Adriano de Oliveira, Lígia Zamaro, Luciana Itapema, Márcia Adelaide Almeida, Maria Cristina Villas Boas, Nilva Luz, Nathalia Magalhães, Octavio Weber, Rafaela Queiroz, Raimunda Souza, Salete dos Anjos, Simone Duarte, Suellen Barbosa, Tarcísio Clementino, Tatiane Almeida, Tiago Marchesano, Tina Cassie, Vanessa Zaidan, Vânia Vassalo, William de Moraes

Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli ArtesGERENTESVisuais e Tecnologia Juliana Braga de Mattos Estudos e Desenvolvimento Marta Raquel Colabone Estudos e Programas Sociais Cristina Riscala Madi Ação Cultural Rosana Paulo da Cunha Educação para Sustentabilidade e Cidadania Denise Baena Artes Gráficas Rogério Ianelli Difusão e Promoção Marcos Ribeiro de Carvalho Ipiranga Antonio Martinelli

Técnico-SocialSUPERINTENDENTES

Visitação Terças a sextas, das 9h às 21h30. Sábados, das 10h às 21h30. Domingos e feriados, das 10h às 18h. Sesc Ipiranga Rua Bom Pastor, 822 — 04203-000 Tel. +55 11 3340 sescsp.org.br/sescipirangasp/sescipiranga2000

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