Teatro | Balé Ralé

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Fotos: Caique Cunha


Balé Ralé é um encontro de personagens marginais no momento mais extremo da existência. Balé Ralé é uma peça sobre vozes e sobre corpos. Desviantes. Sobre estar fora da norma. Balé Ralé é um foco bem na hora do grito de quem chegou no seu momento-limite. Um grito pendente no mundo, um grito na fila para ser gritado há gerações. Personagens que são a metonímia de todos os gritos num único grito. Um vozerio de gritos. Um cabaré. Aparelhagem. Guitarrada. Pedaços vivos de cotidiano. Matéria. Coisa. Balé Ralé é no presente. Balé Ralé é um lugar de escuta. Personagens que são monstros, que despertam como vulcões em erupção, seres atolados que decidem dizer o que escutam nos seus próprios corações. Personagens que são da rua e são, cada um deles, um mundo. Personagens prontos pra matar e morrer.


Um levante... … de vozes, urros, sussurros, gritos. De frases roubadas da rua. Pedaços vivos de matéria humana, social e política. Balé Ralé é um levante de corpos. É sobre a margem. Balé Ralé poderia ser um verbo pronunciado no tempo presente. Eu balerraleio, tu balerraleias. Inventar verbos, conjugar novos tempos. Porque o que Balé Ralé inaugura é um lugar de escuta. Deste verbo-levante surgem vulcões. Um depoimento. Em que língua? Em que língua se comunicam aqueles a quem o mundo, as sociedades, decidiram não mais ouvir? Que língua dará conta do interdito, do nãodito, do que se nega a escuta? Qual língua se levanta num levante? Balé Ralé é o levante da palavra. Mas é também sua execração. O tempo do hoje é político, como sempre, como tudo, mas mais agora, uma política à flor da pele, da qual não podemos nos safar, obliterar, ocultar mais. Não queremos.


O ato radical de acessar a palavra, de provocar o ato da escuta, é o mais revolucionário da nossa potência enquanto artistas nesse momento. Em Balé Ralé somos atravessados por uma palavra suja, desconfortável aos olhos, aos ouvidos e aos espíritos, mas absolutamente necessária. Balé Ralé chega a São Paulo em processo criativo contínuo. Chegamos na grande metrópole do Brasil num momento tenso e intenso. E que se torna ainda mais importante pro Teatro de Extremos porque amplifica nosso lugar de escuta e amplia nosso teatro. Balé Ralé é uma peça que se renova a cada dia, mesmo que nada mude na cena. Um levante que se repete e é sempre novo. Porque é sobre o incêndio da ocupação do prédio no centro de São Paulo em abril de 2018; sobre Marielle, a ativista, parlamentar, preta, lésbica e mãe, que no dia da estreia dessa temporada faz exatamente 100 dias que foi assassinada e até agora não há culpados apontados por seu desaparecimento; sobre Matheusa, artista periférica, pessoa trans não-binária, esquisita, estranhona, que simplesmente

nunca mais foi vista e se perdeu como fumaça no subúrbio do Rio. Todos esses fins se deram depois do início de Balé Ralé. Mas é por podermos nos juntar a esses fins extremos, por sermos, como artistas, parte comprometida com esses mundos que se findaram, que permanecemos fazendo. Nossos personagens estão a um passo do precipício. Nosso comprometimento é político porque nossos corpos o são. Porque há um levante evidente e sempre silenciado e nós tentamos ser uma parte dele. Um levante sempre fracassa. Quando ele tem sucesso ele é uma revolução. Toda revolução se faz por levantes – um levante é o fracasso sem o qual a revolução não acontece. Marcelino Freire tem a generosidade de nos emprestar suas palavras tão viscerais, e seguimos vingando o seu ator recolhido, mas nunca silenciado. O levante é urgente! É tudo urgente! Sigamos nos atos extremos! Fabiano de Freitas


PÁ, PÁ, PÁ, PÁ, PÁ, PÁ Toda vez que eu leio um livro, eu me lanço. É. Eu caio. Pois é. Eu salto alto. Não quero nem saber. Escangalho o pé. Confortável tem de ser a cama, não a leitura. Eu sempre penso isso da literatura. Eu aprendi isso na marra. Gosto de livro que me dá tapa na cara. Cada página, um tapa. Pá, pá, pá, pá, pá palavra. É essa a minha guerra. Uma pauleira os parágrafos. E é assim que eu escrevo também, que eu tento escrever. Descrever o mundo. E não venham me dizer que eu escrevo sobre violência. Escrevo “sob” violência. Essa é a minha dança. E contradança também. Meu livro de contos BaléRalé foi meio isso. Esta vingança que eu bolei. O livro foi publicado pela Ateliê Editorial em 2003. E agora chega esta peça de mesmo nome. Desde do ano passado que entrou em temporada essa encenação do premiado grupo carioca Teatro de Extremos. É de tremer. Eu próprio,

sabendo o que escrevi, tremi. Porque cada ator ali sente o que está dizendo. A gente não escreve só com as mãos. É com o corpo inteiro. E a encenação é esse espelho de mim. Um espetáculo de corpo inteiro, bem brasileiro. A gente, todo mundo enforcado na cordabamba. No limite entre a vida e morte. A gente é forte. Depois de um livro, a gente se sacode. Depois de uma peça assim, a gente sobrevive. A arte faz isso. Não é acordar do sono, a saída é despertar. O que eu procuro, quando vou aos livros, é este movimento. No teatro também, cada um com seu formigamento. Meu muito obrigado, queridos Parceiros-Extremos. Marcelino Freire

51 anos, é pernambucano de Sertânia. Vive em São Paulo desde 1991. É autor, entre outros, de “Angu de Sangue” (Ateliê Editorial, 2000) e de “Contos Negreiros” (Record, 2005, vencedor do Prêmio Jabuti). Muitos de seus contos foram adaptados para o teatro. Ele sempre diz que escreve pensando em teatro, “esta arte da palavra”. Também diz que “escreve para se vingar”. Para saber mais sobre seus escritos vingativos, acesse: www.marcelinofreire.wordpress.com


Ficha Técnica Texto: Marcelino Freire Concepção e Direção: Fabiano de Freitas Elenco: Blackyva, Leonardo Corajo, Maurício Lima, Samuel Paes de Luna, Vilma Mello* e Tatiana Henrique* Direção de movimento: Marcia Rubim Desenho de luz: Renato Machado Direção musical: Gustavo Benjão Cenário: Pedro Paulo de Souza e Evee Avila Figurinos: Luiza Fardin Pesquisa visual: Evee Ávila Visagismo: Josef Chasilew Assistência de direção: Juracy de Oliveira *Atrizes dividindo a temporada.

Equipe Quintal Produções Direção Geral: Verônica Prates Coordenação Artística: Valencia Losada Produtor Executivo: Thiago Miyamoto Diretor de palco: Iuri Wander Operador de luz: Ricardo Vivian Idealização: Fabiano de Freitas Realização: Teatro de Extremos & Quintal Produções Duração: 70 min


De 22.06 a 15.07.18 Sex e sáb, 21h | Dom, 18h 16 anos

Sesc Ipiranga  Rua Bom Pastor, 822  CEP: 04203-000 | São Paulo/SP Tel.: +55 11 3340.2000 /sescipiranga sescsp.org.br/ipiranga


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