Dança | Singularidades - Edição 1

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Micaela Wernicke

Mayra Azzi

Ilana Lichtenstein

Mayra Azzi

S1ngularidades



Histórias individuais adquirem dimensão social quando se percebem, nas trajetórias distintas das pessoas, inquietações comuns, fruto de cruzamentos com injunções cotidianas. Nos tempos que correm, uma inquietação compartilhada por muitos tem a ver com os processos de singularização, aqueles por meio dos quais os indivíduos, ao constituírem a própria identidade, desafiam padronizações. Sensíveis a essas dinâmicas, diversos criadores têm se debruçado sobre materiais autobiográficos, sublinhando possibilidades de se autoproduzir a despeito de mecanismos de reprodução e interiorização das normatividades que capturam as formas de sentir, de perceber e de ser. Cenas-depoimento, corposmanifesto, autoficções são algumas das formas de expressão encontradas. Na interface entre dança e performance, e abrindo espaço para experimentos autopoiéticos, o projeto Singularidades apresenta criações no campo da autobiografia. Por meio dele, o Sesc reafirma o seu compromisso com a pluralidade de experiências de mundo, na intenção de reconhecer e valorizar o outro naquilo que ele tem de único. Sesc São Paulo

S1ngularidades | Sesc Ipiranga | abril 2019

Existências plurais


Autobiografia, autopoiese e performatividade em dança

Um dos grandes desafios das artes do corpo, e também da pesquisa artística na universidade, é a experimentação de narratividades e composições cênicas que partam do próprio self dos artistas. A chamada cena autoral, ou teoria de artista. Esse processo obviamente não é novo, data dos primórdios das vanguardas no início do século XX e da consolidação da performance como linguagem na passagem dos anos 70. Porém, vemos uma cena crescente em potência e com força de pesquisa nesses últimos dez anos, especialmente no Brasil. Esses hibridismos de linguagens que herdamos da antropofagia dão riqueza a esse cenário. Espantam os que navegam em mares mais calmos. Os lugares de fala são manifestos de um eu-lírico antes relegado. Agora, definitivamente alçados a arautos de nossa geração. Samira Brandão É artista e trabalha com performance, teatro, xamanismo, treinamentos e multimídia. Professora de performance na Comunicação das Artes do Corpo da PUCSP.

Se não eu, quem? Dentro dos desafios que nós, pessoas negras em diásporas vivemos no campo das artes, a relação com a própria imagem, além de ser o cerne da questão, é consequentemente um dos aspectos mais perversos, dolorosos e difíceis de lidar. Partindo do princípio de que, se eu não me vejo, eu não existo, se eu me vejo majoritariamente


Débora Marçal É bailarina, atriz, co-fundadora e intérprete pesquisadora da Capulanas Cia de Arte Negra e do Movimento Mercedes Baptista. Coreógrafa do Instituto Umoja e do Bloco Afro Ilú Inã.

A pesquisa desenvolvida pela Cia Fragmento de Dança investiga o autodepoimento como linguagem cênica. Interessada pela fricção arte-vida, nos últimos anos, tem se dedicado a estudar dispositivos que abordem memórias e arquivos pessoais como material criativo, a fim de desenvolvê-los numa dramaturgia em dança. A pesquisa discute os sentidos desse “pacto de verdade” com o espectador, gerado pelo ambiente de empatia que resulta da partilha de experiências íntimas. Também investiga o processo de alteridade em discursos autorreferentes, pensando o lugar político de propostas cênicas dessa natureza. Vanessa Macedo É coreógrafa, bailarina e diretora da Cia Fragmento de Dança. Atualmente, junto à Cia, coordena uma série de residências sobre “dança depoimento”.

S1ngularidades | Sesc Ipiranga | abril 2019

de forma negativa, pejorativa e depreciativa na fala e representação que o outro faz de mim, é assim que vou construir minha subjetividade, a minha noção de EU. Portanto e por isso, só cabe a nós portadores deste corpo, neste tempo espaço, falar sobre o que nos adoece e ceifa, o que nos impede a completude de Ser. É urgente o reforjar da identidade a partir da construção de um novo imaginário para corpos negros em cena.


Micaela Wernicke

Mayra Azzi


Residência Artística A atividade é um espaço na qual as artistas Natália Mendonça, Joana Ferraz, Flora Kountouriotis e Larissa Ballarotti se revezam na condução de um processo de investigação dos materiais de suas criações por meio de um disparador: uma entrevista de Lucrecia Martel na qual ela diz que “o monstro é um mecanismo que deseja sem nenhuma lei. Não deseja os homens, não deseja as mulheres. O monstro deseja.”

S1ngularidades | Sesc Ipiranga | abril 2019

Estudos para criar outro de si no mundo e outro mundo para si


Mayra Azzi

Ilana Lichtenstein


Tensionando os limites destes mecanismos, virando-os do avesso, subvertendo-os, os quatro solos trabalham, de maneira sutil e não literal, figuras desviantes ou sobrenaturais. O indeterminado. O que não se conforma. O monstro. A bruxa. Aquele que deseja um outro de si no mundo e um outro mundo para si. Ao apresentar dois trabalhos por noite, esperamos que a percepção sobre cada um deles afete a experiência do espectador em relação aos outros, e que as questões levantadas por um sejam friccionadas no encontro com o outro, desvendando camadas inesperadas do universo levantado por cada artista. Natália Mendonça, Joana Ferraz, Flora Kountouriotis e Larissa Ballarotti

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Gênera, Besta, Abominável e Marcela Banguela são, cada um a sua maneira, o desejo, a urgência e a proposta de um outro modo de existir. Os universos convocados em cada trabalho expõem – ora silenciosa, ora estrondosamente – o fracasso dos mecanismos de comunicação vigentes.


Mayra Azzi

solo:

abominรกvel


Larissa Ballarotti Atua entre as áreas da dança, performance, cinema e escrita. Faz parte do coletivo elástica. Pesquisa a relação entre voz e corpo desde a criação do solo “divertissement” (2014).

Ficha Técnica Criação Direção Dança Larissa Ballarotti Assistência De Direção Carolina Minozzi Estudo De Voz Inés Terra Som Larissa Ballarotti, Inés Terra Luz Laura Salerno Produção Carolina Goulart Fotografia Mayra Azzi Registro em Vídeo Bruta Flor Filmes, Paula Ramos Colaboração Carolina Bianchi, Korina Kordova, Cris Lyra, Alessia Krisanowski, Patrícia Bergantin, Artistas Residentes Contágio 8x1, Bruna Lessa Apoio/ Espaços de Ensaio e Residência Artística: Residência Contágio 8x1 (Patrícia Bergantin/ Centro Da Terra), Crdsp, Beatriz Mentone, Espaço Haiom, Raquel Lima, Capital 35, Galeria Olido.

S1ngularidades | Sesc Ipiranga | abril 2019

Uma evocação à obra e à vida daquelas que vieram, escreveram e se foram antes de nós. Reúne textos de Wisława Szymborska, Katherine Mansfield, Sylvia Plath, Natalia Ginzburg, Ana Cristina Cesar e Audre Lorde. As palavras destas autoras reverberam no espaço: causam redemoinhos e nos põem a vibrar, a viver a guerra, a chamar alguém que amamos pelo seu primeiro nome, a encontrar uma terrível criatura. “Abominável” acontece no encontro ficcional destas diferentes narrativas com o corpo da performer, que media a relação entre esses textos e propõe a sua narrativa, conectando memória de passado, presença do agora e ficção de futuro.


solo:

besta

Ilana Lichtenstein


Joana Ferraz Trabalha com Carolina Bianchi, Júlia Rocha e Cerco Coreográfico. Flerta com o contexto das festas underground, no qual realizou mostra do processo de seu trabalho mais recente, Dilúvio.

Ficha Técnica Dança Joana Ferraz Som Joana Ferraz e Ricardo Vincenzo Luz Laura Salerno Produção Carolina Goulart Criado com apoio das residências artísticas Lugarização, Exercícios Compartilhados e espaço Project 189 - Banguecoque/Tailândia

S1ngularidades | Sesc Ipiranga | abril 2019

Distrair-se é denso, é um imenso animal molhado sentado dentro do peito. Você olha a paisagem e a paisagem te olha. A lona, o galho, as pessoas, a parede, o pelo, o chão. As coisas. O peso das coisas no chão. Existência contra existência. Estar com as coisas como se fosse a primeira vez, por que não haveria de ser? Perceber-se galho, perceber-se o outro, perceber-se espaço; nos indeterminamos uns nos outros. Existimos. Não mais em função de algo, mas juntos. Pode ser que neste momento sejamos uma revolução, a possibilidade de um outro mundo. Besta é o que existe antes de ser e depois de ser e para além: bicho, gente, pedra, deus, árvore, o chão, o touro no labirinto, o labirinto, o outro, o sim que responde ao sim, a existência. Besta é o desejo por uma revolução do tempo que afirme a existência como potência, o estar como acontecimento que se basta em si. A distração como um tipo de atenção e, portanto, um estado estético, um modo de existir. Um elogio ao estado contemplativo, ao bestar, ao “fazer nada”, ao corpo em suas indeterminações. “Estarei aqui, pesarei sobre o assoalho. Eu sou.” Náusea, J.P. Sartre.


Mayra Azzi

solo:

gĂŞnera


Uma breve aula sobre os gêneros gramaticais na língua portuguesa. Os gêneros sexuais da língua portuguesa. Gênera é um pequeno estudo de Carolina Bianchi e Flora Kontouriotis sobre texto de Keli Freitas. Um convite para pensar e olhar junto para o que está e sempre esteve fincado na carne da língua portuguesa, no osso das relações, o binarismo do mundo. O que veio primeiro? A língua ou a lacração hermética das identidades sexuais? Flora Kountouriotis É artista, flutua entre a dança, o teatro, a performance e outras linguagens. Trabalhou com Carolina Mendonça (BR/DE), Clarissa Sacchelli, Carolina Bianchi, Mundana Companhia, Lynda Rahal e Celia Gondol (FR) e Isabel Lewis (USA/DE).

Ficha Técnica Direção Carolina Bianchi Performance Flora Kountouriotis Texto Keli Freitas Produção Carolina Goulart

S1ngularidades | Sesc Ipiranga | abril 2019

“gênero é algo que fazemos, não algo que somos - algo que fazemos juntos. uma relação entre nós, não uma essência.” Paul Preciado


Micaela Wernicke

solo:

marcela banguela


Natália Mendonça Preparadora corporal da ColetivA Ocupação, intérprete-criadora e performer, tendo trabalhado com Elizabete Finger, Marta Soares, Cristian Duarte, Jorge Garcia, Cia Perversos Polimorfos, Cerco Coreográfico e atualmente com Clarice Lima.

Ficha Técnica Criação e Interpretação Natália Mendonça Assistente de Direção Natalia Fernandes Criação de Luz Clara Rubim Criação de Som Montorfano Produção Carolina Goulart

S1ngularidades | Sesc Ipiranga | abril 2019

Um trabalho sobre a relação entre criador e criatura - uma criatura que veste fogo e bicho. um projeto de velha. descabelada. assimétrica. perigosa. na rua ela não anda, se monta pra guerra. toda dada a excessos. num segundo gargalha, no outro se debulha em lágrimas. vive um mundo que se cria e se decompõe a cada instante. ama e pragueja o invisível – como criação, revela, pelo avesso de si mesma, estratégias de sobrevivência. escancara um desespero pela comunicação, ao mesmo tempo em que cai aos pedaços. despede-se. E ainda permanece no criador.


De 11 a 14/4 | Residência Artística: Estudos para criar outrx de si no mundo e outrx mundo para si As artistas Natália Mendonça, Joana Ferraz, Flora Kountouriotis e Larissa Ballarotti se revezam na condução de um processo de investigação dos materiais de suas criações por meio de um disparador: uma entrevista de Lucrecia Martel na qual ela diz que “o monstro é um mecanismo que deseja sem nenhuma lei. Não deseja os homens, não deseja as mulheres. O monstro deseja.” Inscrição pelo e-mail oficinas@ipiranga.sescsp.org.br. Interessadas/os devem enviar algum material que as/os tenha atravessada/o recentemente (textos, filmes, obras, etc), e que julguem poder somar ao trabalho proposto.

Quinta e sexta, 17h. Sábado, 15h. Domingo, 14h. Sala 2. Grátis.

solos

Dia 11/4 | Besta e Gênera Dia 12/4 | Marcela Banguela e Abominável Dia 13/4 | Abominável e Besta Dia 14/4 | Gênera e Marcela Banguela Quinta e sexta, 21h30. Sábado, 19h30. Domingo, 18h30. Auditório. Ingressos: R$20. R$10 (meia entrada). R$6 (credencial plena).

S1ngularidades | Sesc Ipiranga | abril 2019

Dia 10/4 | Autobiografia, autopoiese e performatividade em dança Roda de conversa com Debora Marçal e Vanessa Macedo. Mediação de Samira Brandão. Quarta, 20h. Convivência. Grátis.



Sesc Ipiranga  Rua Bom Pastor, 822  Tel.: +55 11 3340.2000 /sescipiranga sescsp.org.br/ipiranga


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