Humor Cênico - Julho 2014

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Humor CĂŞnico

Julho/2014



Foto: Luiz Doroneto


A Arte da Comédia Transgressiva

Da sacrossanta e clássica tríade de gêneros – a tragédia, o drama e a comédia -, esta prevalece na subversão sobre os demais, não vai aqui nenhum segredo de polichinelo. Os procedimentos do cômico, da ironia e do humor são estratégicos para a dramaturgia de hoje. Formas capciosas permitem ao espectador entrever os mecanismos do riso, suas dimensões psicológica, histórica, social e política, a ação falha, a liberação e o alívio, para citar algumas gradações. Rir dá trabalho, no bom sentido: para quem cria e para quem recria, o público. O Sesc Piracicaba programa para este julho três espetáculos lapidares em termos de escrita, atuação e encenação quando o assunto é comédia contemporânea. São duas produções paulistas, Ridículos Ainda e Sempre (2011), com o grupo Parlapatões, e Os Adultos Estão Na Sala (2013), com a Má Companhia Provoca, além do solo carioca A Descoberta das Américas (2005), com o ator Júlio Adrião. Aos 23 anos de trabalho continuado com um pé na rua, outro no circo e um terceiro no palco, que seja, os Parlapatões encontram no texto de um autor russo a chance para retomar recursos estéticos característicos da fase inicial do grupo, sobretudo o espírito de cabaré de Karl Valentin, comediante que influenciou Bertolt Brecht, ambos nomes influentes da cultura alemã no século XX. A obra do autor e poeta Daniil Ivanovich Yuvachev (19051942) reúne cinco figuras ridículas, donas de histórias singulares e desconexas, todas elas marcadas pela ideia de descoberta. Sobrevêm encontros amorosos, pelejas políticas, embates esportivos, entre outras situações desprendidas da realidade. Como aquela em que duas pessoas tomam banho de sol e se dão conta de que o calor vem do corpo de um mendigo em chamas ali ao lado. São metáforas fortes, hipérboles no limite do riso e do desespero. Está em jogo a moralidade – ou a falta dela. A peça Ridículos Ainda e Sempre foi traduzida por Tatiana Belinky e adaptada por Antonio Abujamra e Hugo Possolo, sob direção deste, também ator em cena com o colega e cofundador do grupo, Raul Barretto, entre outros. Em Os Adultos Estão na Sala, a autora e diretora Michelle Ferreira dispõe três mulheres no cômodo teoricamente mais sociável do apartamento. No quarto ao lado, há um menino sobre o qual o espectador é informado, mas nunca aparece. Ele, assim como a plateia, escuta aquela conversa desconexa, confusa, como a espelhar o caos da cidade lá fora. Há uma manifestação nas ruas por causa da construção de uma ponte que vai do nada para lugar nenhum.


Os diálogos e momentos absurdos compartilhados por Clara Day (interpretada por Michelle Boesche), Ivone Dim (Flávia Strogolli) e Dulce Vicente (Maura Hayas) remetem ao realismo fantástico que aflorou na literatura latino-americana a partir da década de 1960. A trilha com a música indie evidencia o flerte com a cultura pop, que passa também pela gestualidade dos quadrinhos. A montagem é um flagrante do retrato do abandono na metrópole. Abandono com gotas de niilismo, para espanto das crianças que miram os exemplos adultos. Apesar da tônica sociológica, por assim dizer, a Má Companhia não abdica das texturas de linguagem em todos os elementos constitutivos do espetáculo. Não é à toa que assume o verbo “provocar” em sua certidão. Contemplado com o Nobel de Literatura em 1997, o comediante, escritor e dramaturgo italiano Dario Fo escreveu A Descoberta das Américas. A atuação de Julio Adrião e a direção de Alessandra Vannucci, corresponsáveis ainda pela tradução do original Johan Padan, a la Descoverta de le Americhe, dão conta de uma narrativa épica de fôlego em que a expressão corporal também é convertida em texto pelo conjunto de partituras físicas e vocais. Adrião é a versão do zé-ninguém do título italiano. O sujeito escapa da fogueira da Inquisição, embarca nas caravelas de Cristovão Colombo em águas espanholas, sobrevive a um naufrágio, testemunha massacres, termina preso, escravizado e quase devorado por canibais. Como não bastasse, Fo põe de ponta-cabeça as desgraças desse antiherói com um quê de Macunaíma: com o tempo, ele aprende a língua dos nativos, cativa-os e safa-se fazendo “milagres” com alguma técnica e uma boa dose de sorte. Alçado a filho do sol e da lua, catequiza e guia os que o venera numa batalha de libertação contra os espanhóis invasores. Eterno retorno? A cumplicidade dessa travessia dramatúrgica pelo cômico pode ampliar o repertório do público quanto à arte da comédia, suas sofisticações formais e temáticas na contramão da banalização do riso. Valmir Santos Crítico de Teatro Legenda: Livre para todos os públicos Não recomendado para menores de 10 anos. Não recomendado para menores de 12 anos.

Trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes Aposentado, pessoa com mais de 60 anos, pessoa com deficiência, estudante e professor da rede pública com comprovante e usuário matriculado no Sesc e dependentes

Não recomendado para menores de 14 anos Não recomendado para menores de 16 anos Não recomendado para menores de 18 anos.

Programação sujeita a alterações.


Ridículos, Ainda e Sempre Com o grupo Parlapatões

Cinco pessoas totalmente ridículas, como qualquer ser humano, vivem situações aparentemente desconexas entre si. O que dará sentido a todas é a ideia de descoberta. De encontros amorosos, a discussões sobre política, de disputas esportivas ao momento de uma refeição, tudo tem uma ligação. Porém, cada uma das situações contém algo inusitado que os desprende da realidade.

Dia 17, quinta, 20h. Teatro. Duração: 90’

Ingressos: R$ 10,00

R$ 5,00

R$ 2,00

Histórico Ridículos, Ainda e Sempre, montado em 2011 em comemoração aos vinte anos do grupo, permite aos Parlapatões retomarem elementos do início da trajetória, como o espírito de cabaré de Karl Valentin, o cômico que influenciou Brecht. Assim, buscam o sentido lírico naquilo que o palhaço tem de mais importante, que é fazer o público rir.


Palhaço: Sabe, Eva, eu te amo. Eva: E eu sei lá o que é isto? Palhaço: Será que você não sabe o que é isso? Eva: Como é que posso saber? Palhaço: Você me espanta. Eva: Oi, olhe só que engraçado, o faisão montou sobre a “faisoa”! Palhaço: É isto mesmo, do que se trata. Eva: Isto mesmo, o quê? Palhaço: O amor. Eva: Então isto é muito engraçado. E você, como é, também quer montar em cima de mim? Palhaço: Quero sim. Só você não conte nada ao Adão.

Foto: Luiz Doroneto

Ficha Técnica Texto: Daniil Kharms Tradução: Tatiana Belinky Adaptação: Antonio Abujamra e Hugo Possolo Direção: Hugo Possolo Elenco: Hugo Possolo, Raul Barretto, Jaqueline Obrigon, Abhiyana e Hélio Pottes Trilha Sonora: André Abujamra Cenário e Figurino: Hugo Possolo Assistência de Figurino: Silvana Ivaldi Pintura Cênica: Werner Schulz Iluminação: Reynaldo Thomaz e Hugo Possolo Objetos de Cena: Inês Sakay, Armando Júnior e Juciê Batista Pesquisa de Imagens e Pintura de Cenário: Werner Schulz Operação de Som: Arthur Karbstein Operação de Luz: Reynaldo Thomaz Costureira (figurino): Alice Correa e Cleide Niwa Costureira (cenário): Leci de Andrade Fotos: Luiz Doroneto Programação Visual: Werner Schulz Produção Executiva: Erika Horn


Os Adultos Estão na Sala Com A Má Cia Provoca

Numa metrópole de terceiro mundo uma ponte que leva nada a lugar nenhum está sendo construída. Manifestações surgem na cidade enquanto três mulheres adultas se encontram dentro da sala de um apartamento. Um menino está no quarto e ouve a conversa. O mundo adulto parece confuso. Vez ou outra um gato mia. Algo acontece enquanto os adultos estão na sala.

Dia 23, quarta, 20h. Teatro. Duração: 70’

Ingressos: R$ 10,00

R$ 5,00

R$ 2,00

Histórico A peça, que foi montada pela primeira vez no Sesc Pinheiros em março de 2013, marca a estreia da companhia. Teve excelente aceitação de público e crítica, tendo cumprido quatro temporadas em São Paulo, além de circular por outras capitais e cidades do interior paulista. Foi indicada ao Prêmio Shell nas categorias Melhor Texto e Melhor Atriz (Michelle Boesche) e ao Prêmio CPT 2013 na categoria Melhor Elenco.


Ivone Dim: E se ele abrir um dos seus livros com todas aquelas frases sombrias sobre a vida, ver que as orelhas dele são realmente um problema e resolver cortar com os dentes a rede e pular, o que você vai falar pra mãe dele? Clara Day: Você é doente. Ivone Dim: Normalmente você espera até a terceira dose para começar a me ofender.

Foto: Marcelo Villas Boas

Ficha Técnica Texto e Direção: Michelle Ferreira Elenco: Flávia Strongolli, Maura Hayas e Michelle Boesche Diretora Assistente: Solange Akierman Direção de Arte: Anne Cerutti Iluminação: Ariene Godoy Sonoplastia: Michelle Ferreira Trilha Sonora Original: André Namur Desenho Sonoro: Ricardo Bertran e Fernando Martinez Provocador: Ramiro Silveira Maquiagem: Juliana Fraga Cenotécnico: Mateus Fiorentino Costureira: Dovenir da Silva Operador de Som e Luz: João Delle Piagge Fotos: Ligiane Braga Vídeo: Paulo Nucci e NO CUBO Filmes Programação Visual: Maura Hayas Produção: Michelle Boesche e Flávia Strongolli Idealização e Produção Geral: A Má Companhia Provoca


Foto: Marcelo Villas Boas



Foto: Maria Elisa Franco

A Descoberta das Américas Com Júlio Adrião

Johan Padan escapa da fogueira da inquisição embarcando numa das caravelas de Colombo. Rústico, esperto e carismático, nosso herói sobrevive a naufrágios, testemunha massacres, é preso, escravizado e quase devorado pelos canibais. Com o tempo, aprende a língua dos nativos, cativa-os e safa-se fazendo “milagres” com alguma técnica e uma boa dose de sorte. Venerado como filho do sol e da lua, catequiza e guia os nativos numa batalha de libertação contra os espanhóis invasores.

Dia 31, quinta, 19h30. Teatro. Duração: 90’

Ingressos: R$ 10,00

R$ 5,00

R$ 2,00


Histórico A Descoberta das Américas, desde sua estreia em 2005 no Rio de Janeiro, já percorreu 100 cidades no Brasil, 15 no exterior, fez 500 apresentações e teve cerca de 150 mil espectadores. Em 2012, representou o Brasil em Londres, no CASA Latin American Theatre Festival, se apresentou no FITO – Festival Internacional de Teatro da cidade de Ourense, na Espanha. Em Portugal esteve na Mostra Luso Brasileira em Coimbra, no Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI) e antes disso, brilhou no festival MITO, realizado na cidade de Oeiras.

...depois da artilharia pesada, desembarcou a cavalaria montada. Detalhe: os nativos jamais haviam visto um cavalo, então, pra eles era uma coisa só: o cavalo e o cavaleiro. Aqueles monstros com quatro patas, duas cabeças, dois braços, ferros pontiagudos por toda parte que desciam dos navios e iam em sua direção ... O capelão ainda veio em meu consolo: tonterias Johan, non vês que son solamente uns animales, verdaderos animales e tinem que morrir, assi se salavaran! Mas, olhando toda aquela cena, eu só conseguia pensar em voltar pra minha terra, pra minha casa. Mas casa, terra, parecia tudo cada vez mais distante. Acabei ficando por ali, com aqueles pobres infelizes.

Ficha Técnica Texto: Dario Fo Tradução e Adaptação: Alessandra Vannucci e Julio Adrião Direção: Alessandra Vannucci Performance: Julio Adrião Iluminação: Luiz André Alvim Operação de Luz: Guiga Ensá Figurino: Priscilla Duarte Programação Visual: Ruth Lima Produção: Thais Teixeira Realização: Júlio Adrião Produções Artísticas e EmCartaz Empreendimentos Culturais


Bate-papo com Hugo Possolo, Júlio Adrião e Michelle Ferreira O lirismo e a potência crítica do riso na cena teatral contemporânea visto da perspectiva de uma dramaturga (Michelle Ferreira – A Má Cia Provoca), um diretor (Hugo Possolo – Parlapatões) e um ator (Júlio Adrião – A Descoberta das Américas). Na conversa, abordam a presença do humor em seus trabalhos e as diversas nuances da arte de fazer rir.

Ilustração: Edu Grosso

Dia 31, quinta, 21h. Teatro. Grátis.


Foto: Divulgação

Hugo Possolo Diretor, autor, ator e palhaço, cursou Comunicação Social na Cásper Líbero e História na Universidade de São Paulo (USP). Junto à graduação, teve fôlego para aprender técnicas circenses no Circo-Escola Picadeiro. Foi um dos fundadores do grupo Parlapatões. No ano de 2006, fundou o Circo Roda e inaugurou o Espaço Parlapatões. Recentemente, criou também o centro de treinamento e ensaios Galpão Parlapatões. Já recebeu diversos prêmios, em destaque, a peça Não Escrevi Isto, vencedora do Prêmio Shell de melhor cenografia e, com o grupo Pia Fraus, na peça Farsa Quixotesca, Prêmio Panamco e pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) nas categorias de melhor autor e espetáculo, ambas no final dos anos 90.


Foto: Divulgação

Júlio Adrião Ator, produtor e diretor teatral. Trabalhou seis anos na Itália com o Teatro Potlach de Fara Sabina e outras companhias. Retornou ao Brasil em 1994 e dirigiu o espetáculo de circo-teatro Roda saia, gira vida, do Teatro de Anônimo Prêmio Mambembe de melhor espetáculo 1995 - e a Ópera cômica O elixir de amor, de Donizetti, na escola de música da UFRJ. Em 2005, com o solo narrativo A descoberta das Américas ganhou o Prêmio Shell/RJ de melhor ator. Em 2007 participou da minissérie Amazônia, da Rede Globo, no papel de Távora. Em 2009 filmou Sudoeste, com direção de Eduardo Nunes, no papel de Sebastião. Em 2010, foi o Governador Gelino, em Tropa de Elite 2 e o Dr. Guido. Em 2013, dirigiu e foi co-roteirista do espetáculo Blefes Excêntricos, do Circo Dux (RJ) paralelamente a continuidade de circulação do espetáculo A descoberta das Américas no seu oitavo ano ininterrupto.


Michelle Ferreira

Foto: Divulgação

Atriz, diretora, roteirista e dramaturga. Formada em Ciências Sociais e na Escola de Arte Dramática, ambas na Universidade de São Paulo, integra desde 2003 o Núcleo de Dramaturgia do CPT. Foi duas vezes finalista do Concurso Luso-Brasileiro de Dramaturgia e ganhou segundo lugar no Concurso de Dramaturgia Feminina de São Paulo. Escreveu Como ser uma pessoa pior, dirigido por Mário Bortolotto, EnsaioHamlet.com, direção de Cacá Carvalho, O Apartamento, direção de Mauro Baptista Vedia, Tem alguém que nos Odeia, dirigido por José Roberto Jardim e Riso Nervoso, para As Olívias. Colaborou na dramaturgia do projeto Ficção, da Cia. Hiato. No cinema, é roteirista de Tardes Livres, com direção de Renato Chiappetta. Foi indicada ao Prêmio Shell 2013 na categoria Melhor Texto por Os adultos estão na sala.



Foto: Maria Elisa Franco


Sesc R. Ipiranga, 155 Piracicaba Tel.: 19 3437-9292

email@piracicaba.sescsp.org.br sescsp.org.br


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