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SAO PAULO INDÍGENA


Antes de ter este nome, São Paulo nasceu indígena: Piratininga. Quando os primeiros colonizadores escolheram onde se instalar — servindo-se dos rios e do clima e usurpando a mão de obra dos povos nativos — foram traçando caminhos sem volta, que determinaram o futuro da cidade a partir do século 16. O planalto que abrigou casas, vilas, edifícios tinha ambientes e formações vegetais tão diversos quanto as almas que aqui estavam. Entrar em contato com estes lugares é respeitar os primeiros habitantes destas terras



Nde 'ara t'i porang! “Que seu dia seja bonito”, em tupi antigo, língua extinta falada por quase todo o litoral do Brasil (Pindorama, para as populações indígenas) no século 16.



Capela de São Miguel

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PRAÇA PADRE ALEIXO MONTEIRO MAFRA, SÃO MIGUEL

SÃO PAULO INDÍGENA

Uma colina próxima ao rio Tietê, na desembocadura do ribeirão Baquirivu, foi o local escolhido em 1580 pela Companhia de Jesus para a construção da Capela de São Miguel, arcanjo da devoção do Padre José de Anchieta, um dos jesuítas que participou da fundação do Real Colégio de São Paulo de Piratininga, embrião da vila e cidade de São Paulo, em 25 de janeiro de 1554. Essa capela coroou o processo de catequese dos nativos do grupo Guaianá no aldeamento de São Miguel de Ururay, que se considera hoje o início da Zona Leste. A escolha dessa colina foi estratégica para marcar a presença dos Jesuítas nesse novo aldeamento e constituir um ponto de defesa entre a Vila de São Paulo de Piratininga, a pouco mais de 20 quilômetros dali, e o sertão do Rio Paraíba, de onde vinham índios considerados hostis. Dali também se via vasta porção da várzea do Rio Tietê, posição privilegiada para proteger as terras de invasões de colonos, que criavam objeções à tarefa dos padres e ameaçavam as lavouras dos índios. No início da colonização, os Guaianá ocupavam os arredores do que hoje conhecemos como Pátio do Colégio, e foram trasladados após entrar em conflito com índios de outros grupos que chegavam à vila. Naquela época, havia em São Paulo cerca de 1.000 habitantes Guaianá, que se dividiram entre o aldeamento de Pinheiros e o de Ururay. Além de serem catequizados,

os nativos desse e outros grupos também eram escravizados e obrigados a buscar ouro e pedras preciosas. Entre o fim do século 16 e a metade do século 17, os aldeamentos foram desapropriados e transformados em sesmarias. Com o passar do tempo, todos esses territórios foram divididos e loteados. No século 20, a linha férrea e as indústrias acabam por mudar completamente as feições da região. Grandes glebas viraram bairros operários. Os elementos construtivos mais antigos da capela remetem ao ano de 1622, quando ela passou por uma reforma completa. São desse período as paredes em taipa de pilão e a forma alpendrada (um tipo de varanda), única que restou em São Paulo do período da colonização. Durante os sucessivos restauros, muitas seções foram removidas e renovadas. Em 2007, foram descobertas pinturas murais do período colonial: desenhos em preto e vermelho que exibiam detalhes de estrela, sol e lua, um registro único da arte dessa época, mesclando elementos indígenas e europeus. Na bancada de comunhão do altar ainda hoje é possível encontrar duas cariátides (figuras esculpidas que servem de sustentação) que simbolizam anjos com feições indígenas. A Capela de São Miguel foi um dos primeiros bens tombados no país, pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 1938. Atualmente abriga um museu aberto à visitação e cumpre as funções religiosas.


casas é feita de chapas de madeira e o chão, Guarani Mbyá do Jaraguá em barro batido. Embora as terras dos Guarani Mbyá do Pico Algumas iniciativas importantes para do Jaraguá não sejam reconhecidas oficialmente nem tenham sido transformadas ainda garantir os direitos básicos da Tekoa Itu estão presentes, como um posto de saúde, em reserva indígena, os 700 habitantes das o Centro de Educação e Cultura Indígena aldeias Tekoa Pyaú e Tekoa Itu lutam para — onde as crianças recebem alimentação manter seus costumes e o seu idioma. diária e têm aulas de guarani e língua A Tekoa Itu foi formada a partir da família portuguesa —, um galpão para eventos e de Joaquim Augusto Martins e sua esposa uma casa de reza, a Opy. Jandira Augusta Venício, nos anos 1960. Ela fica de um lado da Estrada Turística do Uma fonte de renda é o artesanato produziJaraguá; a Aldeia Pyaú, formada mais do por crianças, que vendem as peças em recentemente, de outro. festas ou pela região. Ambas enfrentam diversos desafios, RUA COMENDADOR JOSÉ DE MATOS, 368, dentre eles a falta de espaço para o plantio VILA CLARICE e a superpopulação de cães abandonados — o local chega a ter 400. A maioria das


Pankararu do Real Parque

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RUA PAULO BOURROUL, 120, REAL PARQUE

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A partir dos anos 1950, assim como ocorreu com milhares de nordestinos, os Pankararu foram atraídos para São Paulo buscando melhores condições de vida. Originários de Pernambuco, eles migraram também para o Tocantins e para o sul de Minas Gerais, vivendo sempre de forma comunitária. Em São Paulo, parte dos Pankararu trabalhou na construção do estádio do Morumbi e encontrou abrigo nas imediações, às margens do rio Pinheiros, atraindo a vinda de seus parentes e formando uma migração constante, normalmente intercalada entre períodos de trabalho em São Paulo e retornos à aldeia em Pernambuco. Quando alguns conjuntos habitacionais foram construídos na região, no ano 2000, duas unidades foram destinadas exclusivamente para 25 famílias dessa etnia. Em 2006 foi inaugurada uma unidade do Programa de Saúde da Família voltada à população indígena local. Hoje a comunidade reivindica um Centro Cultural e uma sede para a Associação Indígena SOS Comunidade Pankararu. O principal emblema da cultura Pankararu, cujo idioma nativo é o Iatê, consiste no Toré e nos Encantados. O Toré é um ritual com danças, cantos e vestimentas que representam os Encantados, figuras centrais da cosmogonia Pankararu. Eles seriam os índios vivos que se “encantaram”, simbolizados individualmente pela Praiá, um conjunto de saia e máscara de fibras vegetais.



Guarani de Parelheiros

[ALDEIA OU ALDEAMENTO?]

ESTRADA JOÃO LANG, 153, BARRAGEM

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Embora os termos sejam muitas vezes utilizados indiscriminadamente, eles não são sinônimos. Aldeia se diz para as habitações indígenas construídas com seus próprios recursos e técnicas e de acordo com sua cultura, sem a interferência de elementos da cultura do colonizador. Aldeamentos são construções resultantes da influência dos colonizadores sobre os nativos, que conservavam, em certas partes, elementos característicos das aglomerações indígenas.

A Terra Indígena Tenondé Porã abriga hoje seis aldeias Guarani Mbya. Quatro delas estão no extremo sul da capital paulista, nos distritos de Parelheiros e Marsilac. Outras duas, no município de São Bernardo, abrangendo também partes dos municípios Mongaguá e São Vicente. O território abrange também trechos de duas unidades de conservação; a Área de Proteção Ambiental Capivari-Monos e o Parque Estadual da Serra do Mar. Em 2016, os 15.969 hectares de terra foram reconhecidos como ocupação tradicional dos Guarani. As aldeias mais populosas são a Tenonde Porã — também conhecida por “aldeia da Barragem” — e a Krukutu. As demais são as Tekoa Guyrapaju, Kalipety, Yrexakã, Kuaray Rexakã e Tape Mirĩ. Tanto a Krukutu como a Tenonde Porã tiveram suas pequenas áreas regularizadas em 1987, após décadas de luta. Até 2013, essas foram as duas únicas opções para viver no Território Indígena, quando o território começou a ser reocupado. À frente da batalha para o reconhecimento político das terras do seu povo, está a xondaria (palavra guarani para guerreira/liderança) Jera Poty, que também atua na manutenção do Nhandereko, o modo de ser guarani. Não é comum a liderança feminina nos Guarani; tem ganhado destaque nos últimos anos. Na aldeia Tenondé Porã há equipamentos públicos cujas instalações podem ser consideradas conquistas dos povos indígenas, diversas estruturas que representam grandes conquistas, como um Posto de Saúde, o Centro de Educação e Cultura Indígena (Ceci) e uma Escola Estadual Indígena.


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