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SAO PAULO E SEUS MIGRANTES E IMIGRANTES


Somos muitos e chegamos de muitas partes. Japoneses, italianos, alemães, bolivianos, senegaleses, coreanos… Somos de outros estados, somos daqui. São Paulo são todos os que aqui vivemos, os que viemos trabalhar, renovar as esperanças — e aprender a viver juntos. SÃO PAULO E SEUS MIGRANTES E IMIGRANTES 52 | 53


Migna terra tê parmeras, Che ganta inzima o sabiá. As aves che stó aqui, Tambê tuttos sabi gorgeá Trecho de La Divina Increnca, obra de Juó Bananére, pseudônimo do escritor paulistano Alexandre Marcondes Machado (1892-1933). Juó parodiava grandes obras da literatura, como a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, e imitava o sotaque da grande colônia italiana de São Paulo.


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Bixiga A região é dividida em parte baixa e parte alta, unidas pela Escadaria do Bixiga. Na parte baixa estão as famosas cantinas e a Praça Dom Orione, local em que, desde 1982, aos domingos, ocorre a Feira de Antiguidades. Na parte alta, na Rua dos Ingleses, está o Museu dos Óculos — instalado em um casarão construído em 1918— e o Museu Memória do Bixiga, que desde 1981 apresenta objetos e fotografias de imigrantes italianos. Na Rua Treze de Maio, a Paróquia Nossa Senhora da Achiropita é responsável pela tradicional Festa de Nossa Senhora da Achiropita, em agosto. Na Rua Major Diogo, fica a Casa de Dona Yayá, uma das primeiras chácaras do Bixiga, construída no final do século 19. Em frente à Praça Artesãos Calabreses, sobre a Avenida 23 de Maio, está a estrutura conhecida como Arcos do Bixiga. Construída no início do século 20 como muro de arrimo para a Rua Jandaia, a obra foi “redescoberta” em 1987, quando a prefeitura demoliu as edificações que ali existiam para a execução de obras viárias. A escola de samba Vai-Vai, uma das mais tradicionais da cidade, nasceu no Bixiga em 1930.

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O fim do século 19 e início do século 20 marcaram o auge da imigração italiana para o país. Os migrantes italianos tinham como principal objetivo trabalhar nas lavouras de café do interior paulista. Na cidade de São Paulo, muitos encontraram empregos em indústrias, passando a morar em vilas operárias e em bairros populares como a Bela Vista, especificamente na região do Bixiga. Em 1878, a região conhecida como Chácara do Bexiga — em referência a seu antigo proprietário, que havia sofrido de varíola — foi loteada, recebendo imigrantes calabreses, que deixaram suas heranças no local. O bairro que ainda hoje tem forte sotaque italiano também é marcado pela cultura negra. Ele abrigou um dos primeiros e maiores cortiços da cidade, chamado Navio Negrereiro, e o quilombo urbano de Saracura. O nome de algumas ruas ainda lembram marcos da história da população negra no Brasil, tais como a Rua Treze de Maio (data do aniversário da Lei Áurea, que aboliu a escravatura, em 1888) e a Rua Abolição. De 1890 até 1950 efervesciam na região jornais e associações de imprensa negra, como o Clarim D’Alvorada, que atuava em defesa da cidadania e da identidade negra.

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Casa da Ba-tian (Colônia Japonesa)

Quando as primeiras 165 famílias de japoneses desembarcaram em 1908 do navio Kasato Maru, no Porto de Santos, já tinham destino certo: as fazendas de café no norte do estado. Ao longo das décadas seguintes, o movimento dos imigrantes do País do Sol Nascente aumentou e aumentou, dando origem à maior população de origem japonesa fora do Japão. Até 1940, eram mais de 160 mil isseis, os japoneses da primeira geração (nascidos aqui, virariam nisseis, logo sanseis e yonseis — filhos, netos e bisnetos). A capital e algumas das cidades vizinhas cresceriam pelas mãos desses trabalhadores, habilidosos no cultivo, formando aquilo que ficou conhecido como cinturão verde paulista. Testemunho dessa época, a Casa da Ba-tian era sede de uma das chácaras de japoneses que se estabeleceram em Itaquera a partir de 1925. Embora o bairro tivesse uma forte tradição industrial, grande

parte do sustento de seus habitantes vinha da produção agrícola. Cerca de 130 famílias chegaram a viver nessas chácaras, numa região conhecida até hoje como a Colônia Japonesa, onde o pêssego era um dos principais produtos cultivados. Daí veio o nome da Estrada do Pêssego, que mais recentemente virou o principal corredor viário de Itaquera, a Jacu-Pêssego (Jacu é o nome do rio que passa por lá). A comunidade nipônica em Itaquera ainda se mantém unida, em atividades de bairro e eventos voltados para outros descendentes de japoneses e curiosos em geral. A Festa das Cerejeiras em Flor é o maior deles: geralmente em agosto, dura três dias, celebrando a florada dos mais de 4 mil pés de cerejeira plantados no Parque do Carmo, cuja história se entrelaça à saga dos japoneses em São Paulo. RUA ISOSUKE OKAUE, 383, ITAQUERA


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Casa do Povo (Instituto Cultural Israelita Brasileiro)

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RUA TRÊS RIOS, 252, BOM RETIRO

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O número 252 da Rua Três Rios conserva memórias que se confundem com as do próprio bairro do Bom Retiro, principal reduto de comerciantes judeus e sírio-libaneses na segunda metade do século passado. Foi lá que, em 1946, iniciou-se o sonho de construir um lugar que preservasse a cultura judaica laica. A iniciativa não esteve isolada de outras comunidades judaicas no mundo. Em 1937, um congresso realizado em Paris pela entidade norte-americana Yidisher Kultur Farband recomendava a construção de formas de resistência ao fascismo e a preservação da cultura ídiche. Dentro de tal perspectiva, em 1946 foi colocada a pedra fundamental da hoje chamada Casa do Povo — na ocasião, cada apoiador doou um tijolo simbólico para a criação do prédio, oferecendo uma forma de sepultura aos seis milhões de judeus mortos no Holocausto. A inauguração ocorreu sete anos depois, e desde então o prédio sediou a Escola Israelita Brasileira Scholem Aleichem, a Associação Feminina Israelita Brasileira, o Clubinho I L Peretz, a Colônia de Férias Kinderland e o Teatro de Arte Israelita Brasileiro. Coral, jornal e teatro sempre foram abrigados pelo instituto, cuja gestão hoje é feita por pessoas que se formaram, em parte ou integralmente, nesse espaço. Sem passar imune aos efeitos do tempo, a Casa do Povo se vê como um lugar ainda de resistência, e trabalha em três eixos: a memória, a associação (acolhendo residências criativas, projetos artísticos e coletivos) e o futuro. Em paralelo, mantém um arquivo de mais de 4 mil livros e documentos que mapeiam a história de São Paulo, do bairro, da imigração judaica e da cultura ídiche. Como exemplo das transformações urbanas e culturais tão mencionadas, observa-se que hoje o bairro do Bom Retiro é o principal reduto de sul-coreanos na cidade de São Paulo.


Centro de Tradições Nordestinas

O período entre as décadas de 1950 e 1970 foi marcado pelo auge das migrações nordestinas para o Sudeste, em virtude das dificuldades causadas pela seca e pela crescente oferta de emprego nas indústrias e na construção civil, bem como pelas promessas de melhores condições de vida em cidades como São Paulo. Pela oferta de terrenos e habitações mais baratas, foi nas periferias da cidade que os nordestinos dos mais diversos estados encontraram e encontram abrigo até hoje. Com o declínio da oferta de empregos a partir do final dos anos 1980, a migração nordestina para São Paulo diminuiu consideravelmente. Esse fator não interferiu nas feições nordestinas de São Paulo, que tem

uma de suas expressões mais evidentes no comércio popular das famosas “Casas do Norte” com toda a sorte de artigos e alimentos típicos. Com essa inspiração, em 1991 foi fundado o Centro de Tradições Nordestinas, um dos pólos de divulgação e preservação da cultura nordestina, com diversos restaurantes e quiosques que servem comida típica, parque de diversões e o comércio de artesanato. Uma homenagem especial ao Frei Damião foi realizada em 1998, com a construção da Capela da Imaculada Conceição. A igreja conta também com um memorial ao frei e ao Padre Cícero. O Centro também se dedica a eventos e ao trabalho social. RUA JACOFER, 615, LIMÃO


[ABRIGO]

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Esperando encontrar melhores condições de vida na cidade de São Paulo, migrantes nordestinos unem-se aos imigrantes estrangeiros nas filas da Hospedaria do Imigrante, que passou também a recebê-los a partir dos anos 1930.

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Hospedaria dos Imigrantes

[FESTA DO IMIGRANTE]

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RUA VISCONDE DE PARNAÍBA, 1316, BRÁS

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A Festa do Imigrante é realizada desde 1996 com o objetivo de resgatar a história e preservar a cultura dos imigrantes que passaram pela Hospedaria do Brás. São três dias de festa, realizada anualmente no mês de junho no Museu da Imigração, onde pessoas de diversas nacionalidades demonstram sua cultura através da gastronomia, artesanato, música e dança.

A fim de controlar a distribuição dos imigrantes pela então Província de São Paulo e de dar continuidade à política de incentivo à imigração e à mão de obra assalariada, o governo do Império autorizou a Sociedade Promotora da Imigração a construir um edifício, próximo às estações das estradas de ferro no bairro do Brás. Inaugurada em 1887, a Hospedaria de Imigrantes foi, desde o final do século 19, o principal abrigo para estrangeiros recém-chegados à cidade de São Paulo. A partir da década de 1930 acolheu também um número crescente de migrantes internos, vindos de outros estados brasileiros. Chegados de seus países em navios que aportavam no Porto de Santos, os imigrantes tomavam o trem da São Paulo Railway até a Estação Brás rumo à Hospedaria, onde eram acolhidos e encaminhados às lavouras de café e à indústria paulista. O edifício foi projetado pelo arquiteto Matheus Haüssler. Construído em tijolos, possuía capacidade para 1200 pessoas, e contava com lavanderia, cozinha, pavilhão de desinfecção de roupas, ambulatórios médico e dentário. Em diversos momentos, a Hospedaria serviu para manter presos políticos sob custódia: na Revolução de 1924, recolhendo revoltosos contra o governo de Arthur Bernardes; durante a Revolução de 1932, quando manteve reclusos combatentes getulistas capturados pelos paulistas; e a partir de 1942, após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, manteve sob custódia imigrantes japoneses e alemães. A Hospedaria encerrou suas atividades em 1978, quando suas funções foram transferidas para a Secretaria do Trabalho. Atualmente funciona no local o Museu da Imigração do Estado de São Paulo, instituição voltada à compreensão e à reflexão do processo migratório paulista. Desde 1996 funciona também no espaço o Arsenal da Esperança, uma casa de acolhida à pessoas em situação de rua. O museu disponibiliza consulta a documentos de registros de entrada dos imigrantes que por ali passaram. O prédio foi tombado em 1982 pelo Condephaat e em 1991 pelo Conpresp.


Liberdade

O bairro da Liberdade é conhecido por abrigar imigrantes orientais e pelas referências expressas no comércio, nas ruas, nas festas, nos templos e na tradicional feira que ocorre aos finais de semana. O que muitos desconhecem é que a Praça da Liberdade é o nome atual do antigo Campo da Forca, onde ficava o pelourinho da cidade, local de castigos, aflição e execuções usado até 1889, quando a pena de morte foi extinta. Episódio importante ocorreu em 1821, quando o soldado Francisco José de Chagas, o Chaguinhas, foi condenado a morte por enforcamento em praça pública por incitar e liderar uma rebelião por atrasos nos salários. Em sua execução, no Campo da Forca, a corda se rompeu por três vezes. Os presentes aplaudiram, acreditando tratar-se de um milagre. Chaguinhas foi morto a pauladas e enterrado no Cemitério dos Escravos, localizado entre a Rua dos Estudantes e a

Almeida Júnior. A Igreja da Santa Cruz, conhecida como Igreja das Almas ou dos Enforcados, e a capela colonial do Cemitério dos Escravos, atual Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, continuam lembrando essas histórias de injustiça e sofrimento. Após a chegada dos imigrantes, o bairro foi caracterizado de acordo com a cultura de seus novos habitantes. A influência cultural pode ser sentida nas ruas, com as luminárias com motivos orientais, e nas feiras temáticas. A Feira de Artesanato da Liberdade existe desde 1975 e possui forte influência da cultura oriental. Destacam-se também os jardins orientais, um na Rua Galvão Bueno e outro no Largo da Pólvora, que conta com três lagos ornamentais. Na Rua São Joaquim, está localizado o Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, que conta com objetos, documentos e fotos da trajetória dos imigrantes japoneses que vieram para cá. PRAÇA DA LIBERDADE


anticucho acompanhado de batata e molho de amendoim, as empanadas, as salteñas, o buñuelo, as sopas, o api, o mocochinchi, ou o típico suco peruano de milho roxo, a chicha morada. A expressão Kantuta denominava informalmente a praça até 2004, quando houve a oficialização do nome. A Kantuta é uma flor típica do altiplano andino, nas cores verde, amarelo e vermelho, as mesmas da bandeira boliviana. Destacam-se outros locais na cidade que tem se tornado um ponto de encontro da comunidade andina, como o Largo do Rosário na Penha aos domingos e a Rua Coimbra, no Brás, que nos finais de semana também abriga uma movimentada feira típica. RUA PEDRO VICENTE, PARI

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O auge da imigração boliviana no país se deu em 1990, quando houve uma grande oferta de trabalho em oficinas de costura voltadas a homens e mulheres que lidavam com o desemprego em suas cidades de origem. Iludidos pela promessa de iniciar uma nova vida, com melhores condições, muitos enfrentam péssimas condições de trabalho. Os bolivianos trouxeram diversos elementos de sua cultura e fizeram de alguns lugares verdadeiros pontos de encontro em São Paulo. Um desses locais é a Praça da Kantuta, que congrega grande parte da comunidade andina. Aos domingos, desde 2002, ocorre uma feira onde é possível comprar artesanato e alimentos típicos, como o plato paceño, o

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Praça da Kantuta


Praça da República

Há um processo imigratório recente na cidade São Paulo, que tem recebido diversos imigrantes do continente africano — principalmente Senegal, Moçambique, Nigéria, Angola, Camarões e Congo — abrigando-os tanto em suas regiões periféricas, quanto centrais, como a Praça da Répública e arredores. Há quem se surpreenda ao caminhar pela Rua Barão de Itapetininga ou pela Avenida Ipiranga e encontrar uma série de comerciantes ambulantes vendendo artigos do continente africano. Alguns estão estabelecendo comércio fixo na região. Mas não somente o comércio: toda segunda-feira, um grupo de senegaleses mourides promove encontros com batuques e cantorias na Praça da República para difundir sua fé e cultura. O mouridismo é um ramo do Islã de caráter anticolonial que se desenvolveu a partir dos ensinamentos do profeta Maomé em contato com valores da cultura Wolof (do oeste africano). A seita foi fundada no fim do século 19 por Cheikh Amadou Bamba. Outro ponto de encontro dos africanos na capital paulista é a Mesquita Associação Al Bait El Nabawi do Brasil, que fica na Rua Guaianases.


PRAÇA REPÚBLICA DA LITUÂNIA

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A Vila Zelina começou a ser loteada em 1927 e possui heranças de sua alta concentração de imigrantes do leste europeu até hoje. São treze comunidades de imigrantes e descendentes dos países do centro e do leste europeu, além de euro-asiáticos. Entre os moradores estão bielorrussos, búlgaros, croatas, eslovenos, estonianos, húngaros, letos, lituanos, poloneses, romenos, russos, tchecos e ucranianos. Um dos pontos centrais da Vila é a Praça República da Lituânia, onde se situa a Igreja São José de Vila Zelina, fundada por lituanos. Ao caminhar pela Avenida Zelina e pelas ruas Inácio e Monsenhor Pio Ragazinskas,

pode-se presenciar tradições típicas desses países, nos pontos comerciais, na culinária e no cotidiano das pessoas. Em 27 de outubro, dia da fundação do bairro, comemora-se o Dia do Imigrante do Leste Europeu. Ocorre mensalmente aos domingos na Rua Aracati Mirim, ao lado do Parque Ecológico Professora Lydia Natalízio Diogo, a Feira do Leste Europeu de Vila Prudente, organizada pela Associação dos Moradores e Comerciantes do Bairro da Vila Zelina, reunindo a gastronomia e o artesanato de diversos países do Leste Europeu, apresentadas pelos imigrantes e descendentes moradores do bairro e arredores.

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Vila Zelina


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