SAO PAULO DA DIVERSIDADE RELIGIOSA
A cidade que carrega santo no nome abriga, desde a sua origem, diferentes formas de fé. Fé nos outros, no invisível, em si, em uma ou muitas entidades superiores… Os diferentes templos e crenças tecem suas tramas no mesmo chão, sob o mesmo céu.
SÃO PAULO DA DIVERSIDADE RELIGIOSA 80 | 81
“(...) Muito axé pra todo mundo, muito axé Energia, Saravá, Aleluia, Shalom, Amandla, caninambo! — Banzai! Na fé de zumbi — na paz do senhor, Amém!” O trecho final da música “Sincretismo Religioso”, de Martinho da Vila, traz a ideia da convivência dos credos. Lançada em 2012, revela, de algum modo, que ainda é preciso lembrar que a fé é a de cada um!
SÃO PAULO DA DIVERSIDADE RELIGIOSA
82 | 83
Capela do Cristo Operário
84 | 85
RUA VERGUEIRO, 7290, VILA BRASÍLIO MACHADO
SÃO PAULO DA DIVERSIDADE RELIGIOSA
Um recanto sossegado no Alto do Ipiranga conserva uma relíquia para a história dos templos católicos da cidade. Trata-se de uma capela, de aparência despojada, que foi projetada nos anos 1950 pelo frei dominicano João Batista Pereira dos Santos. A Capela do Cristo Operário era ligada ao movimento Economia e Humanismo, que consistia em disseminar as ideias do padre Louis-Joseph Lebret (1897-1966), um pensador francês que associava doutrina moral a prática profissional e formação cultural. Na época, enquanto a região começava a se industrializar, Frei João desenvolvia um trabalho social junto à comunidade operária de Vila Brasílio Machado. Reunindo os esforços do Círculo Operário do Ipiranga e da Ordem dos Dominicanos, o frade inaugurou a capela em maio de 1950. Alguns anos depois, na mesma região, Frei João criaria a Unilabor, fábrica de móveis desenhados pelo artista plástico Geraldo de Barros (1923-1998). O projeto da fábrica e da capela era o de combater a alienação dos operários por meio de trabalho, arte e religião. Hoje em dia, a Cristo Operário só abre as portas para missas, que ocorrem aos sábados (18h) e aos domingos (8h30). Vale a pena entrar para apreciar os painéis e vitrais de Alfredo Volpi, um entre a dezena de artistas que criaram obras especialmente para a capela. Os jardins foram projetados por Burle Marx.
Catedral Evangélica (Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo)
No século 19, a Igreja Presbiteriana norte-americana fazia grandes esforços em expandir o evangelho e o presbiterianismo pelo mundo, incluindo o Brasil. Em 1861, chega ao Rio de Janeiro o primeiro missionário incumbido de estabelecer o presbiterianismo no país, com sucesso. Em São Paulo acontece o mesmo, dois anos depois, graças ao trabalho do teólogo Alexander Latimer Blackford, que também viajou pelo interior e por Minas Gerais espalhando sua igreja. Por quase quatro décadas a Igreja Presbiteriana de São Paulo existiu sem um templo em particular. O próprio Blackford organizava os cultos, tendo sido o seu primeiro pastor. Nesse período, a expansão do presbiterianismo influenciou na criação
da Universidade Mackenzie, da Associação Cristã de Moços, do Hospital Samaritano, da Associação Evangélica Beneficente e do Seminário Teológico de São Paulo. No começo do século 20, no entanto, mais de duas dezenas de pastores e presbíteros brasileiros lideraram o processo que culminou na separação entre a igreja do Brasil e os missionários norte-americanos. O templo da Rua Nestor Pestana, popularmente conhecido como Catedral Evangélica, já nasceu nos anos 1940 como Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo. Com projeto do engenheiro e arquiteto paulistano Bruno Simões Magro, discípulo de Ramos de Azevedo, seguiu o estilo gótico europeu, ganhando maior leveza graças ao tom branco das paredes e da fachada, e à simplicidade dos ornamentos. RUA NESTOR PESTANA, 152, CONSOLAÇÃO
Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento
RUA DR. RODRIGO SILVA, 85, LIBERDADE
SÃO PAULO DA DIVERSIDADE RELIGIOSA
Não dá para passar incólume pela fachada do número 85 da rua Dr. Rodrigo Silva, na Liberdade. Esculpidos em mármore, torsos de homens parecem estar carregando o terraço do predinho nas costas — e essa é apenas uma das admirações que os alto-relevos desse prédio, construído em 1925, provocam naqueles que caminham atentamente entre a Praça Carlos Gomes e o Viaduto Maria Paulina. O endereço é sede do primeiro templo ocultista da América do Sul e do primeiro edifício não-maçônico do Brasil a conter uma simbologia oculta representada na fachada, peripécia do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, uma instituição filosófica com mais de 100 anos que tenta promover o encontro entre todas as crenças. O projeto arquitetônico é de Gilberto Gullo; a decoração interna, de Leôncio Neri; as talhas, de Arthur Grande; e as esculturas, de Ruffo Fanucchi. Fundada pelo espiritualista e escritor português Antônio Olivio Rodrigues (1879-1943), a ordem possui três patronos: Eliphas Levy, representando a magia do Ocidente; Swami Vivekananda, a filosofia oriental; e Prentice Mulford, o mentalismo no Novo Mundo.
86 | 87
Mesquita Brasil
A Mesquita Brasil é um templo islâmico localizado no bairro do Cambuci. Tanto o prédio quanto a abóbada e os dois minaretes (as torres da mesquita) são marcantes na paisagem dessa área da cidade. Sua história remonta à chegada dos primeiros imigrantes palestinos muçulmanos, que vieram da Turquia durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e que fundaram, em 1927, a Sociedade Beneficente Muçulmana Palestina — a associação abre mão da última parte do nome quando começa a receber integrantes vindos de outros países. Constitui-se na primeira e mais antiga mesquita do Brasil, como local organizado para o culto muçulmano. No início, reuniam-se em outro edifício, muito menor, mas em 1956 inauguram
este local. O projeto é do engenheiro Paulo Taufik Camasmie, também responsável pelo projeto da Catedral Ortodoxa de São Paulo. Com o correr dos anos outras mesquitas foram erguidas em diversos pontos da cidade, como na região do Brás, de São Miguel e de Santo Amaro, cada uma com suas peculiaridades, distinções e características. É importante destacar que a mesquita vai além de um lugar estritamente dedicado aos rituais sagrados. Seu espaço também cumpre uma função social. Sua visita exige que sejam respeitadas certas regras de conduta do espaço: as mulheres devem fazer uso do rijab, uma espécie de véu fornecido no próprio templo, e as roupas não devem ser justas ou transparentes, tanto para homens quanto para mulheres. RUA BARÃO DE JAGUARA, 632, CAMBUCI
Museu de Arte Sacra
AVENIDA TIRADENTES, 676, LUZ
88 | 89
Conceição da Luz, um importante exemplo da arquitetura colonial brasileira do século 18, erguido sob a orientação do Frei Galvão, em 1774. Construído inicialmente em taipa, foi modificado em 1822 pelo frei Lucas José da Purificação, ganhando as feições atuais. A coleção ocupa tanto a ala esquerda térrea do mosteiro quanto a antiga Casa do Capelão, onde estão expostos presépios. O acervo cresceu significativamente ao longo dos anos, dados os esforços da instituição em recolher, classificar, catalogar e expor objetos religiosos de valor estético ou histórico. O mosteiro é tombado pelo Iphan, pelo Condephaat e pelo Conpresp, e possui em seu interior sepultamentos de grande importância histórica e arqueológica.
SÃO PAULO DA DIVERSIDADE RELIGIOSA
Uma moeda de prata grega do século 4 a.C. é um dos objetos mais antigos do acervo de Dom Duarte Leopoldo e Silva (1867-1938), primeiro arcebispo de São Paulo, que tinha por hábito colecionar objetos de igrejas e pequenas capelas que seriam demolidas. Missais, relicários, dezenas de imagens de Nossa Senhora, crucifixos, arcas, altares, entre tantos outros móveis e artefatos ligados ao catolicismo fazem parte dessa vasta coleção, exposta no Museu de Arte Sacra de São Paulo desde 1970, ano de sua fundação. A criação do museu foi iniciativa do Governo do Estado e da Mitra Arquidiocesana. O local escolhido para a sede do museu possui bastante relevância. Trata-se do Mosteiro de Nossa Senhora da Imaculada
Sinagoga Beth El
Em 1920, o empresário Salomão Klabin angariou fundos entre um grupo de pessoas influentes da comunidade judaica em São Paulo para construir uma sinagoga em um terreno da Companhia City, na rua Martinho Prado, em uma região que começava a concentrar famílias judaicas que vinham do Bom Retiro. A indicação desse local e o projeto são do arquiteto de origem russa Samuel Roder, que trabalhou na Companhia City. Devido à sua complexidade e às peculiaridades do terreno, as obras foram entregues provisoriamente em 1930 para a celebração do ano novo judaico e iniciando suas atividades oficialmente em 1932. De rito asquenazita (costumes de judeus da Europa Central e Ocidental), o templo é uma construção heptagonal, em estilo bizantino, possui uma base de sete lados
que se repetem em suas quatro torres, remetendo à numerologia judaica, pois para a Cabala, ciência oculta ligada ao Judaísmo, o número sete representa um ciclo completo. Em sua fachada está escrito, em hebraico: “Que esta seja uma casa de orações para todos os povos”. O templo viveu seu apogeu entre 1940 e 1960, com a celebração de diversas cerimônias de brith milá, barmitzvá, casamentos e yskor. No início dos anos de 1990, com uma nova migração das famílias que frequentavam a sinagoga para bairros como os Jardins, a sinagoga foi perdendo sua importância. Em 2013, ela foi tombada pelo município. Está em construção um prédio anexo de quatro andares, projetado pelo escritório Botti Rubin Arquitetos, para abrigar o Museu Judaico de São Paulo. RUA MARTINHO PRADO, 128, SÉ
Templo Budista Quan-Inn
Para o budismo, o ato da queima do incenso é um ritual importante. Ele simboliza a purificação da mente e do corpo e deve ser feito antes de iniciar as reverências. A fumaça se interpreta como um meio de conexão entre a terra e o céu. Nesse momento, deve-se agradecer antes de se fazer algum pedido. No caso do templo Quan-inn, as reverências são feitas para a deusa Quan-Inn, conhecida no budismo chinês como a Deusa da Compaixão e da Misericórdia, e ao próprio Buda. Essa tradição do budismo mantém um templo imponente no bairro do Grajaú. Com traços marcantes da cultura e da arquitetura chinesas, o conjunto é formado por três templos, dois maiores — um para os deuses espirituais e outro para os deuses materiais — e um menor, destinado ao culto aos antepassados. O templo foi erguido no topo do terreno de acordo com a tradição, com acesso por um caminho adornado por estátuas e uma escadaria. Existem diversas estátuas espalhadas pelo jardim. A visitação é permitida ao público aos domingos. RUA RIO SÃO NICOLAU, 328/672, GRAJAÚ
SÃO PAULO DA DIVERSIDADE RELIGIOSA 90 | 91
Templo de Salomão
Apesar de recente, a construção é um marco na paisagem da cidade, tem atraído inúmeros fiéis e levantado polêmicas. O Templo de Salomão é a sede da Igreja Universal do Reino de Deus, inaugurado no Brás em 2014 após quatro anos de obras. O templo em São Paulo é inspirado no templo feito pelo rei Salomão, filho do rei Davi em Israel no monte Moriah no século 11 a.C. e destruído pelos babilônios liderados pelo rei Nabucodonosor II em 586 a.C. Com uma riqueza de simbologias e reproduções, o templo é adornado por quatro tamareiras e construído com pedras retiradas do Hebron, em Israel. Além do espaço para os cultos, possui uma réplica do Tabernáculo, um Cenáculo — que funciona como um memorial, abrigando diversas peças — uma esplanada com bandeiras e um jardim de oliveiras. A imponência do templo demonstra o crescimento do neopentecostalismo na cidade e no país. Seu fundador, o Bispo Edir Macedo, iniciou suas pregações no coreto da Praça Jardim do Méier na Zona Norte do Rio de Janeiro em meados da década de 1970. Com o aumento de seguidores, suas pregações passaram para o prédio de uma antiga funerária no bairro da Abolição. Logo foram inaugurados novos templos no Rio e em outros estados. Em 1980, foi inaugurado o primeiro templo de São Paulo na avenida Doutor Gentil de Moura. AVENIDA CELSO GARCIA, 605
Terreiro Aché Ilé Obá
O Centro de Congregação Espírita Pai Jerônimo foi fundado em 1950 no Brás por Caio Egydio de Souza Aranha, que por questões de saúde interrompeu suas atividades, retomadas na década seguinte, no Jabaquara. Neste novo terreiro, dedicou-se ao ritual caboclo, característico da Umbanda, e ao Candomblé, cuja iniciação aconteceu no terreiro Engenho Velho, Aché de Tia Aninha, renomada Ialorixá da Bahia. Na década de 1970, com um número muito grande de adeptos, pai Caio resolveu ampliar suas instalações, construindo, com fundos arrecadados pela comunidade, uma ampla sede para a sua congregação, inaugurada em 1977. Com sua morte, em 1984, substituiu-o sua filha de santo e sobrinha Sylvia de Oxalá, falecida em 2014. O Terreiro de Aché Ilé Obá encontra-se instalado em uma grande área da região do Jabaquara, com espaços individuais reservados a cada Orixá, ou famílias de Orixás, um barracão comum para cerimônias privadas e festas públicas, além de salas de serviços ligadas ao culto. Foi o primeiro terreiro de candomblé tombado no Estado de São Paulo, pelo Condephaat, em 1990, e pelo Conpresp em 1991. RUA AZOR SILVA, 77, VILA FACHINI
SÃO PAULO DA DIVERSIDADE RELIGIOSA 92 | 93