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exposição A biblioteca à noite, criada por Robert Lepage e pelo grupo Ex Machina, foi inspirada no livro de mesmo nome do escritor, ensaísta e crítico literário Alberto Manguel, que nasceu em Buenos Aires em 1948 e atualmente mora na França. Nesse livro, Manguel discute o lugar histórico das bibliotecas na nossa cultura junto com narrativas de suas leituras preferidas. Ao nos contar sobre a construção de sua biblioteca particular, ele nos convida a passear por bibliotecas espalhadas pelo mundo, em diferentes épocas e lugares. Você já reparou como toda biblioteca carrega dentro si algo de misterioso e revelador, de abrangente e íntimo ao mesmo tempo? Já reparou que toda biblioteca nos faz um convite para entrar em realidades distintas? Tudo isso é fruto dessa instigante, incessante e inesgotável ação humana: o desejo de conhecer o mundo. Uma biblioteca ou estante particular também revela um modo de ser e de pensar de alguém, ou seja, é uma autobiografia. Podemos conhecer as suas preferências, o lugar de onde essa pessoa vem, os seus encontros, interesses e desencontros com o mundo apenas pelo jeito como os seus livros estão dispostos. A escolha de um conjunto de livros revela não apenas aquilo que já somos, mas o que desejamos ser; podemos nos deparar com livros que são remédios contra nós mesmos, que nos movem da nossa estagnação e nos deslocam para onde desejamos ir, ainda que seja no passado. E esse é um convite que nunca termina.
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Por uma realidade ampliada Com essa exposição, o canadense Robert Lepage (que atua como diretor de teatro, cenógrafo, ator, roteirista e cineasta) explora novas tecnologias como forma de imersão em ambientes imaginários e fantásticos, nos convidando a pensar a realidade virtual associada à biblioteca, ao livro e à leitura. Um livro contém a possibilidade de um novo mundo se abrir bem diante de nós, assim como entrar em uma biblioteca. Entre os olhos no livro e as levantadas de cabeça nos transportamos para outros cenários e narrativas e, em um instante, já estamos diferentes do que estávamos. Logo percebemos que aquilo que chamados de realidade se dá em camadas e se desdobra sempre.
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O espaço virtual materializa essas camadas de percepção da realidade, nos possibilita diminuir o tempo e a distância entre as coisas, amplia nossa capacidade de memória e de pesquisa, nos põe em rede, facilita a nossa comunicação. Associado à leitura, nos convida a experimentar outras possibilidades de ler diferentes da leitura linear, atrelada ao virar de páginas de papel. Ler também em camadas, ler sem reservas, ler conjugando diferentes informações e sensações. Ler com o corpo inteiro, ler pesquisando, ler abrindo janelas. Entrar em uma biblioteca de tempos remotos, encontrar um livro de uma biblioteca que não existe mais, ou que nunca existiu. Aos poucos, vamos nos familiarizando com a concomitância de realidades, e percebemos que uma amplia a outra.
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EXERCÍCIO 1
O Virtual e o Imaginário × Pesquise links de vídeos, imagens, músicas, comentários ou produza seus próprios conteúdos virtuais que se relacionem com os livros abaixo: > VINTE MIL LÉGUAS SUBMARINAS, Júlio Verne > DOM QUIXOTE, Miguel de Cervantes > ROBINSON CRUZOÉ, Daniel Defoe > ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS, Lewis Caroll > CEM ANOS DE SOLIDÃO, Gabriel García Márquez > WALDEN OU A VIDA NOS BOSQUES, Henry Thoreau > MOBY DICK, Herman Melville > O DESERTO DOS TÁRTAROS, Dino Buzzati > BARTLEBY, O ESCRIVÃO, Herman Melville > QUARTO DE DESPEJO, Carolina Maria de Jesus > INFÂNCIA, Graciliano Ramos > DEMIAN, Herman Hesse > A METAMORFOSE, Franz Kafka
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× Faça uma cartografia de relações entre o conteúdo virtual e o conteúdo impresso, procure inserir essas informações nos livros, para que outras pessoas possam acessá-lo também. Procure a biblioteca mais próxima de você, invente um projeto dessa natureza. × Escolha um livro, invente uma sequência de intervenções nas imagens ou no texto, fotografe essas alterações, crie um vídeo, uma animação, uma outra realidade virtual para esse livro, disponibilize para quem for lê-lo posteriormente.
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A Oficina: lugar para ampliar realidades Um lugar para pensar e estar com as coisas. Uma espécie de biblioteca de anotações, para guardar aquilo que inevitavelmente iremos escutar, ver e colher durante o dia. Um esconderijo, uma armadilha para capturarmos o que nos salta, no mais banal dos dias, os detalhes de uma rotina, que merecem ser guardados como relíquias.
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m seu livro A Biblioteca à Noite, Manguel nos diz que há uma diferença entre o lugar onde se guarda a maioria dos livros, a biblioteca com suas estantes, e a Oficina, um cômodo menor, mais reservado, com mesa e cadeira, em que nos sentamos, fazemos anotações, deixamos próximos os livros mais necessários. Além dos livros, deixamos também certos objetos, aqueles que gostamos de olhar, que nos trazem lembranças e até os manuseamos distraidamente enquanto pensamos em uma palavra ou outra.
É esse ambiente que mais se parece com uma toca, um ninho ou uma espécie de esconderijo, que os pensamentos podem nascer e a imaginação pode continuar a passear sem constrangimentos.
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Nesse lugar, nos aquietamos e passamos a exercer a liberdade de coletar, de selecionar aquilo que desejamos ler e, principalmente, como desejamos ler. E ĂŠ importante lembrar que a palavra ler se origina da palavra em latim legere, que significa colher, escolher, eleger.
legere colher escolher eleger
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Em intimidade, podemos fazer a nossa colheita. Ler sem ter que chegar ao final de todas as frases, podemos deixar alguns argumentos pela metade, podemos começar por qualquer página aberta ao acaso e até passar a noite lendo em voz alta só para ouvir o eco da nossa própria voz. Podemos emendar um livro no outro, aproximar livros que jamais estariam juntos em um sistema de catalogação oficial, escrever nas margens das páginas, pensamentos, derivas, lembretes, ou apenas marcas, traços, setas ou chaves, avisando que é importante voltar ali, naquele trecho, mais uma vez. Podemos devanear, fazer digressões olhando pela janela, lembrar de um fato de tempos atrás, desejar ter notícias de alguém distante, reunir vontade para escrever uma carta, uma memória dispersa, um poema.
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scribere
riscar
E vamos percebendo que ler e escrever são gestos mais familiares entre si do que comumente imaginamos, um sempre convida o outro. Se ler é colher, escrever origina-se do latim scribere, que significa riscar. Escrever é riscar uma superfície, fazer incisões, marcá-la. Que palavras merecem deixar rastros pelo mundo? Exatamente por entrarmos nesse recolhimento, nesse encontro com nossa vastidão íntima, a Oficina tem um caráter de santuário, dedicado não a uma divindade, mas a uma tarefa. Oferecem o que Seneca, filósofo grego, chamou de euthymia, termo que significa o bem-estar da alma. Entregar-se a outros mundos, povos, conhecimentos. Àquilo que nos interessa, que nos salta aos olhos, que faz o nosso rosto se iluminar e esquentar. Pois, não há nada mais natural que o desejo de conhecimento que cabe em cada humano.
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O mais importante é que os livros sejam “levados no coração”, ou seja, tocados, lidos, relidos, experimentados e não apenas guardados numa estante. A raiz da palavra coração vem do latim cor, a mesma da palavra coragem e da palavra decorar. Ou seja, para trazer algo no coração, decorar, é preciso muita coragem. Coragem para preservar memórias, não como algo distante ou que já passou, mas que nos constitui, no instante agora. A Oficina não necessariamente precisa ser um lugar privado, um quarto isolado, silencioso, resguardado de qualquer interferência externa. Esse lugar pode ser público, em trânsito, num banco de um parque, caminhando, em companhia de alguém, ouvindo música, olhando imagens no celular, ou mesmo em viagem. Basta que seja um lugar em que nos sentimos encorajados e à vontade para colher, ler, copiar, decorar, estudar, traçar, anotar, escrever, ou seja, entregar-se sem restrições ao que nos alimenta.
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coração cor coragem decorar
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Convite a ser um habitante da oficina A mãe de todas as bibliotecas, a Biblioteca de Alexandria, nasceu da necessidade de se constituir um centro de estudos em um lugar só, universal, em que fosse reunido todo o conhecimento do mundo, pois até então só existiam bibliotecas particulares. Foi fundada no fim do século III a.C., a partir do decreto do rei Ptolomeu, solicitando aos administradores de seu reino que enviassem todos os livros que pudessem encontrar, de qualquer assunto e qualquer idioma. Essa biblioteca tornou-se, então, uma multidão de bibliotecas e assuntos, com todos os livros de todos os povos do mundo. Era ali que o próprio universo encontrava seu reflexo em palavras. Mas essa biblioteca deveria ir além de imortalizar o conhecimento. Deveria gerar novos registros, novos conhecimentos, numa sequência infinita de leituras e comentários. Deveria ser uma oficina de leitores e não apenas um lugar onde os livros fossem preservados infinitamente.
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Então, para assegurar que fosse usada, os ptolemaicos convidavam os estudiosos a fixar residência na Alexandria, pagando-lhes bons salários sem exigir nada em troca, apenas para que utilizassem os livros que a Biblioteca de Alexandria lhes oferecia. Assim, cada um desses leitores poderia entrar em contato com um grande número de textos. Eles leriam, resumiriam o que lessem e produziriam compêndios críticos para as gerações futuras que, por sua vez, condensariam essas leituras em novos compêndios. E esse deveria ser o lugar de cura da alma. Frase essa colocada acima das prateleiras das estantes da biblioteca. Sabemos que cada coleção de livros releva um desejo, no caso da Biblioteca de Alexandria, revelava um desejo ousado, grandioso, de atingir o coração do conhecimento humano.
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Toda coleção desenha uma singularidade e, mesmo não estando impressa em livros de papel, cada coleção de histórias, de memórias, de narrativas ou de objetos se constitui como uma espécie de biblioteca.
Cada um de nós é a biblioteca de nossas próprias experiências. Como disse o poeta Edson Cruz no poema Bibliotecas:
A biblioteca do pai de Borges foi o fato capital de sua vida. Ele nunca saiu dela, disse. Em minha casa nunca tive livros. O fato capital de minha vida é não ter tido pai. Minha mãe foi minha biblioteca. Ensinou-me tudo. Nunca saí dela. Era analfabeta e deveria ter se chamado Alexandria.
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O convite de uma biblioteca é para enfrentarmos as nossas próprias narrativas, as nossas próprias memórias, experiências e afetos, que sempre estarão unidas, provocadas, partidas e disparadas pelos outros.
Em nossa biblioteca interior, não interessa a distinção entre ficção e não-ficção, entre verdade e mentira, não se disputa qual narrativa ou memória possui mais verossimilhança, pois começamos a lembrar e logo saltamos para um devaneio, imaginamos e logo nos prendemos a um fato da memória.
O que interessa é exercitarmos o nosso modo de ler e de escrever. Cada um tem o seu. Aquele jeito que nos traz mais alegria e vontade de criar. Gosta de ler com um lápis na mão? Ler na cama? Ler primeiro o final do livro? Ler e reler várias vezes e muito devagar? Prefere ler histórias de vidas? Gosta de escrever e reescrever infinitamente um mesmo parágrafo? Gosta de pesquisar quem é o autor antes de ler? Não gosta de voltar ao texto depois de escrevê-lo? Escreve só depois de ler muito? Gosta apenas de escrever diários mas não os escreve?
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O convite é para que cada um entre na sua própria Oficina. Ali, por onde nosso interesse se inclina. Sem uma lógica externa ou caminho prévio a ser seguido. Como disse Graciliano Ramos em Infância:
[...] Eu prezava ler, não os compêndios escolares, insossos, mas aventuras, justiça, amor, vinganças, coisas até então desconhecidas. Em falta disso agarrava-me a jornais e almanaques, decifrava as efemérides e anedotas das folhinhas. Esses retalhos me excitavam o desejo que ia se transformando em ideia fixa. [...] E onde conseguir livros?
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EXERCÍCIO 2
Que biblioteca sou? × DESCUBRA/PESQUISE QUAIS LIVROS E/OU POEMAS FORAM PUBLICADOS NO ANO DO SEU NASCIMENTO. × ENTRE NUMA BIBLIOTECA QUALQUER, SEM UM OBJETIVO PRÉVIO E DESCUBRA O QUE VOCÊ FOI FAZER LÁ. PROCURE UM LIVRO QUE VOCÊ CONSIDERA QUE FOI MENOS LIDO E ABRA-O PARA QUE AS PALAVRAS POSSAM RESPIRAR. PROCURE UM LIVRO MUITO GRANDE E UM LIVRO MUITO PEQUENO E FAÇA-OS CONVERSAR. × ELEJA TRÊS MEMÓRIAS DE SUA EXPERIÊNCIA DE VIDA QUE MERECEM SER PRESERVADAS EM UMA BIBLIOTECA. × ESCOLHA TRÊS OBJETOS FUNDAMENTAIS PARA CONTAR COMO VOCÊ É, O QUE PENSA E O SEU MODO DE VIVER PARA ALGUÉM DAQUI A DUZENTOS ANOS. × FAÇA UMA RECEITA COM TRÊS LIVROS DE EMERGÊNCIA, QUE VOCÊ INDICARIA COMO ANTÍDOTO PARA ALGUM MAL.
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× FAÇA LISTAS DOS TRÊS LIVROS MAIS “NOTURNOS” E DOS TRÊS MAIS “DIURNOS” PARA VOCÊ, E TENTE INVENTAR UM DIÁLOGO EM QUE O DIA SE ENCONTROU COM A NOITE. × FAÇA UMA LISTA DOS LIVROS QUE VOCÊ AINDA NÃO TERMINOU DE LER MAS JÁ CONSIDERA O SUFICIENTE. × ASSISTA AO FILME FAHRENHEIT 451, DE FRANÇOIS TRUFFAUT. SE VOCÊ TIVESSE QUE ESCOLHER UM LIVRO PARA DECORAR INTEGRALMENTE, QUAL SERIA? DECORE, AO MENOS, UM PARÁGRAFO E USE-O NUM MOMENTO OPORTUNO. × PENSE COMO SERIA UMA BIBLIOTECA COM LIVROS QUE NUNCA FORAM ESCRITOS. × FAÇA UMA LISTA DE DOIS LIVROS QUE PRECISAM SER ESCRITOS ANTES DO MUNDO ACABAR. × SE VOCÊ TIVESSE QUE ARRUMAR UMA ESTANTE DE LIVROS DE ACORDO COM OS TEMAS DE SEU MAIOR INTERESSE, COMO SERIA ELA? QUE TEMAS ESTARIAM MAIS À MÃO? QUE TEMAS ESTARIAM POR ÚLTIMO? × FAÇA UMA CARTA ESCRITA POR ALGUM PERSONAGEM DE UM LIVRO QUE VOCÊ GOSTA, MAS QUE SE SENTE INJUSTIÇADO POR ALGUM MOTIVO E PEDE A REVISÃO DE ALGUM DESTINO, ACONTECIMENTO OU FRASE QUE ELE MESMO DISSE.
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Biblioteca à noite? Durante à noite, a biblioteca parece obedecer a uma outra lógica, diz Manguel. A ordem dos livros, decretada pelos catálogos que usamos durante o dia, não mantém seu prestígio por entre as sombras. Livre das restrições cotidianas, das infindáveis numerações, sem ninguém – nem mesmo o nosso bibliotecário interior que nos vigia –, de madrugada, os nossos olhos e as nossas mãos correm à solta pelas fileiras ordeiras, restaurando o caos.
E um livro clama inesperadamente por outro, criando alianças entre épocas e povos diferentes. “Sinto um prazer aventuresco em me ‘perder’ entre as estantes carregadas”, disse Manguel.
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Perder-se é uma palavra fundamental para entrar em uma biblioteca, estar por entre uma estante de livros. Perder-se para ser encontrado por um livro, um jornal, um catálogo, uma revista, um dvd. Quem nunca foi achado por um? Numa biblioteca iluminada demais lidamos com o sono, a preguiça, o cansaço, o medo, o peso, a tristeza, a sensação de enclausuramento, dispersão. Em uma biblioteca noturna, inventamos nossas próprias histórias. Diz Manguel que é no escuro que a conversa pode se dar, pois a escuridão conduz à fala e a claridade conduz à leitura das invenções alheias. Toda a palavra traz algo à luz. E o convite na biblioteca à noite é baixar um pouco a intensidade dessa luz, dispor de poucas palavras, somente as essenciais e fazer uma conversa entre silêncios.
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EXERCÍCIO 3
Cada um de nós é um livro escrito × QUAL O LIVRO QUE NÃO SE PARECE NADA COM VOCÊ, MAS É EXATAMENTE PARA ONDE VOCÊ DESEJA IR? × SELECIONE DIFERENTES TIPOS DE TEXTOS (UM VERBETE DE DICIONÁRIO, UM POEMA, UM MANUAL, UM CONTO, UM TRECHO DE MATERIAL DIDÁTICO, UMA NOTÍCIA) E GRAVE SUA VOZ LENDO-OS. ESCUTE-OS DEMORADAMENTE. × DE AGORA EM DIANTE, CADA INDIVÍDUO POSSUI UM LIVRO COMO IDENTIFICAÇÃO E NÃO MAIS UM RG. QUAL É O SEU? × COPIE DIFERENTES TRECHOS DE LIVROS, DE JORNAIS, REVISTAS QUE TE SALTAM AOS OLHOS E JUNTE-OS, CRIANDO RELAÇÕES ENTRE ELES.
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× JUNTE VOCÊ E UM(A) AMIGO(A) PARA LER NO OUVIDO DE UMA OUTRA PESSOA. CADA UM(A) EM UMA ORELHA, COM TEXTOS DIFERENTES. QUAL TEXTO NASCE DESSA JUNÇÃO? × EM LATIM, A PALAVRA “LIVRO” SE ORIGINA DO TERMO “MADEIRA”, “CORTIÇA”. CONSIDERANDO QUE O LIVRO É UM TIPO DE FOLHAGEM, APROXIME-SE DE UMA ÁRVORE PARA LER OU ESCREVER. × ESCOLHA UM RÓTULO DE ALGUM PRODUTO QUE SEMPRE DESPERTOU TEU INTERESSE, OU UMA BULA DE REMÉDIO QUE VOCÊ MAIS TOMA ATUALMENTE. COLHA AS FRASES QUE MAIS TE CHAMAM A ATENÇÃO. × LEIA AS PLACAS DO CAMINHO QUE VOCÊ MAIS FREQUENTA TODOS OS DIAS. ANOTE-AS. POEMAS PODEM NASCER DESSE CAMINHO?
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O livro O livro, tal como o conhecemos, nasceu na Europa entre o século IV e V da era cristã. Até então, o que existia era o rolo e o volumen (rolo de papiro ou pergaminho), que se abria a partir do gesto das duas mãos: com a esquerda se segurava o umbilicus (cilindro de madeira) e com a direita se desenrolava a sua superfície. Com o codex, nome do nosso livro atual, algo extremamente revolucionário se originou: a página.
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Essa mudança facilitou muito o armazenamento, o manuseio, a possibilidade de achar mais facilmente um trecho de um texto, o transporte dos livros, e também mudou nossa relação com o texto. No volumen o texto era contínuo e feito em colunas justapostas e tinha-se a dimensão de seu todo. Já no codex, o texto é descontínuo e feito em unidades bem delimitadas, emoldurado por margens brancas por seus quatro lados. A experiência de ler unidades sequenciais e progressivas (as páginas) também nos remete a uma concepção linear de tempo, próprio da era cristã. Já a maneira de ler por meio do desenrolamento nos remete a uma visão cíclica do tempo, que é própria da Antiguidade.
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EXERCÍCIO 4
Faço-me livro × APRENDA A FAZER PEQUENOS CADERNOS DE NOTAS COM RETALHOS DE PAPÉIS E TECIDOS QUE NORMALMENTE VOCÊ JOGA NO LIXO. CARREGUE ESSES CADERNINHOS SEMPRE COM VOCÊ, NO BOLSO, EM TODOS OS CÔMODOS DA CASA, TOMANDO NOTAS DO QUE VOCÊ OUVE, VÊ, CHEIRA, PERCEBE E PENSA, MAS QUE NORMALMENTE SE PERDEM. ACOMPANHE-SE. TENHA AMIZADE COM OS RESTOS. × ESCOLHA UM TRECHO DE UM LIVRO PARA NARRAR EM PRIMEIRA PESSOA, COMO SE TIVESSE ACONTECIDO COM VOCÊ. × ESCREVA ALGO GRANDE EM UM TEXTO MUITO PEQUENO, NO MÁXIMO COM 140 CARACTERES. × PESQUISE UM ACONTECIMENTO NO DIA DO SEU NASCIMENTO, NO DIÁRIO OFICIAL OU EM OUTRO JORNAL, E MISTURE ESSE FATO COM DADOS BIOGRÁFICOS SEUS.
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× CONTE A HISTÓRIA DE UMA PESSOA PECULIAR DO SEU BAIRRO, DA SUA MEMÓRIA. × RECOLHA PEQUENOS OBJETOS AFETIVOS (FOTOGRAFIAS, CARTÕES, BRINQUEDOS, PEQUENOS UTENSÍLIOS, FERRAMENTAS E TEXTOS) EM UMA ÚNICA CAIXA. PENSE QUE ELA FOI DEIXADA POR UM VIAJANTE QUE JÁ PARTIU. QUE HISTÓRIAS ESSA CAIXA TERIA PARA CONTAR? × ESCREVA UMA CARTA QUE VOCÊ TEM CERTEZA QUE ESCREVERAM PARA VOCÊ MAS NUNCA TE ENVIARAM. × FAÇA UM LISTA DE COISAS QUE FICAM GUARDADAS EM UMA GAVETA DE BAGUNÇAS. FAÇA OUTRA LISTA DE ANIMAIS QUE SE PARECEM COM VOCÊ. CRUZE AS DUAS LISTAS E FAÇA UMA PEQUENA HISTÓRIA: “ERA UMA VEZ”… UMA RÉGUA QUE QUERIA SER UM RINOCERONTE… × ESCREVA TEXTOS EM TAMANHO GRANDE COM INSTRUMENTOS E SUPORTES PEQUENOS, ESCREVA TEXTOS EM MINIATURAS COM INSTRUMENTOS E SUPORTES GRANDES.
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Oficina: um lugar de exercitar o amor O amor às bibliotecas, diz Manguel, como a maioria dos amores, deve ser aprendido, pois, não é possível dedicar-se de qualquer jeito ao pensamento. Ele precisa ser atiçado, como o fogo. E, para exercitar esse amor pela leitura, é preciso ver e tocar as páginas do livro, ouvir o papel que se amassa, cheirar as páginas, observar as encadernações e suas lombadas, passar o dedo nas manchas amarelas do tempo, espirrar com a poeira acumulada, tentar desentortar uma orelha na capa. Para amar os livros é preciso estar com eles, em seus diferentes gêneros, superfícies e tipos. Quando se diz que há que se sentir prazer ao ler e ao escrever, não deve se retirar disso a dimensão do trabalho, do exercício de se por em exposição ao texto, de aventurar-se nas palavras. E o desejo não é algo que se identifica prontamente, às vezes ele escapa, se esconde, nos exige esforço.
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EXERCÍCIO 5
Escrevo porque leio: Leio porque escrevo × PEÇA PARA ALGUÉM LER PARA VOCÊ EM VOZ ALTA UM TRECHO DE UM LIVRO E ANOTE AQUILO QUE VOCÊ CONSEGUIR; × ARRANQUE UMA PÁGINA DE UM LIVRO QUE NÃO USA MAIS E RISQUE TRECHOS QUE ACHA DESNECESSÁRIO, DESCUBRA O TEXTO DENTRO DO TEXTO; × INVENTE UMA TRADUÇÃO (SEM DICIONÁRIO) PARA UM TRECHO DE UM LIVRO EM UMA LÍNGUA QUE VOCÊ DESCONHECE, APENAS PELA SONORIDADE DA LEITURA;
× CRIE UM ALFABETO DE PALAVRAS ESSENCIAIS, AQUELAS QUE VOCÊ MAIS GOSTA DE OUVIR, DE A A Z;
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× INVENTE DEFINIÇÕES DE PALAVRAS QUE VOCÊ NÃO SABE O SIGNIFICADO;
× CONSIDERANDO QUE A PALAVRA PÁGINA VEM DO LATIM PAGUS, QUE SIGNIFICA PAISAGEM, CONSTRUA UM LIVRO COM PÁGINAS TRANSPARENTES OU TRANSLÚCIDAS, DE MODO QUE SEJA POSSÍVEL LER EM CAMADAS;
× CRIE REGRAS PARA ESCREVER E REGRAS PARA LER COMO, POR EXEMPLO, ESCREVER ELIMINANDO TODAS AS PALAVRAS QUE CONTENHAM A VOGAL “I”, LER PULANDO SEMPRE UMA LINHA, E PERCEBA COMO ISSO TE SOA;
× CORRIJA TEXTOS E POEMAS DE ESCRITORES(AS) CÂNONES, RISCANDO SEUS EXCESSOS, PALAVRAS E FRASES QUE TE PARECEM RUIDOSAS.
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Conselhos a um leitor/escritor de uma Oficina (inspirado em Roland Barthes e Daniel Pennac)
1. Se quiser escrever sobre um certo assunto pela manhã, é preciso nutrir-se de leituras sobre o assunto na noite anterior, regando os seus sonhos; 2. Tomar notas em caderninhos de bolso de todas as ideias (mesmo as inacabadas, as envergonhadas) pode ser um bom início para um texto; 3. Se é preciso escrever algo que está muito difícil e desafiador, pode-se iniciar pelo final, ou pelo meio, ou pelo ponto que for mais interessante e depois costurá-lo, encadeá-lo com a ordem que se considera a mais correta; 4. Sair para caminhar antes de escrever, para soltar os pensamentos, é um bom começo;
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5. Escrever é uma aptidão das mãos e não somente da cabeça. Experimente novos instrumentos, um lápis macio, carvão, caneta hidrográfica de ponta grossa, papéis de tamanhos diferentes, cadernos sem pautas, um jornal, as paredes e veja o quanto o gesto de escrever provoca novos modos de dizer; 6. Rascunhos e rabiscos são os melhores amigos dos livros. De lá eles vieram. Todo livro possui um antes, não se esqueça disso; 7. Ao ler, podemos saltar as páginas, podemos não acabar um livro, podemos relê-lo, podemos saltar de livro em livro, e podemos, inclusive, não querer falar do que acabamos de ler, disse Daniel Pennac; 8. Ler livros é reconhecer a nossa própria linhagem. Se um livro não nos acolhe, é porque sua família não está aí; 9. Ler e escrever não eliminam a presença do outro. Quanto mais partilhadas em grupo, mais forte e vívida a experiência. Ler e escrever junto cria laços, bando, grupo, gangue;
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10. Prefira os livros que provoquem um certo calor na espinha, que te façam mudar de posição na cadeira, no sofá; 11. Prefira ouvir a voz dos autores. Leia diretamente os seus textos. Não tenha medo nem preconceito com os clássicos. Como disse Ítalo Calvino, um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. Leia trechos de Platão, Sêneca ou Montaigne e veja o quanto eles dialogam com a vida, essa mesma que você vive hoje; 12. A leitura em voz alta pode nos desatar dos aspectos apenas significativos do texto e confiá-lo ao corpo, aos lábios, à garganta e à língua. O ouvido se abre a uma ressonância para além do que quer dizer as palavras, e sim para como elas nos soam; 13. Escrever é também pular linhas, roubar por amor, deixar espaços em branco entre as frases e, inclusive, não entender a própria letra;
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14. Escreve-se também para sair transformado e não apenas para colocar no papel aquilo que já se sabe; 15. Mais do que se perguntar qual o sentido de um livro, mais vale nos perguntar por quais sentidos ele nos leva; 16. A cópia é uma atividade deliciosa, se feita despretensiosamente; 17. Comece teus cadernos sem saber se irá terminá-los ou não. Comece teus cadernos deixando a primeira página em branco sem saber por que o faz. Comece teus cadernos e esqueça de escrever teu nome na capa. Invada teus cadernos com desenhos, letras de música, poemas, contas, números de telefone, cópias, recortes. Invada teus pensamentos com teus cadernos; 18. Recortar, abrir, xerocar, montar, desmontar, costurar, guardar, esquecer, lembrar, riscar, esconder, perder, achar, pular, quebrar, descontinuar, acrescentar, são verbos que cabem entre você e os livros.
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Pequena coleção de perguntas para um caderno particular JÁ SE ESPANTOU COM ALGUMA FRASE QUE DISSE? JÁ SE ESPANTOU AO LER ALGUM TEXTO QUE ESCREVEU HÁ TEMPOS? JÁ SE SENTIU VISTO POR ALGO? POR ALGUMA PLANTA, ANIMAL, UMA PAISAGEM? COM QUEM VOCÊ CONVERSA QUANDO ESTÁ EM SILÊNCIO? JÁ PRESENCIOU UMA COISA EM ESTADO DE MILAGRE? ALGUMA VEZ JÁ TEVE A SENSAÇÃO DE REALMENTE ESTAR VIVO? JÁ SE SENTIU TOTALMENTE INADEQUADO? O QUE É IRREDUTÍVEL EM VOCÊ? QUAL O SEU LUGAR-ESCONDERIJO, COMO E QUANDO COSTUMA IR PARA LÁ? QUAL A SUA MAIOR DESOBEDIÊNCIA?
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Folhas em branco para notas Por que páginas em branco em um caderno desses? Para lembrar que não há página em branco. Sempre temos o quê e para quem dizer.
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Bibliografia AGAMBEN, Giorgio. O fogo e o relato. São Paulo: Boitempo, 2018. BARTHES, Roland. Inéditos, vol I. São Paulo: Martins Fontes, 2004. BORGES, Jorge Luis. O livro. São Paulo: Edusp, 2008. BORGES, Jorge Luis. La Biblioteca de Babel. Emecé editores, 2000. CALVINO, Ítalo. Assunto encerrado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos? São Paulo: Companhia das Letras, 1993. CANETTI, Elias. Auto de fé. São Paulo: Cosac Naify, 2004. CRUZ, Edson. Ilhéu. São Paulo: Patuá, 2013. ECO, Umberto. Biblioteca. Difel, 2002. MANGUEL, Alberto. Biblioteca à noite. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. MANGUEL, Alberto. A Cidade das palavras. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. MANGUEL, Alberto. Os livros e os dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. MONTAIGNE, Michel. Ensaios. São Paulo: Penguin Companhia, 2010. NANCY, Jean-Luc. Demanda. Florianópolis: Editora UFCS, 2016. PENNAC, Daniel. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ler e escrever. São Paulo: L&PM, 2005.
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TEXTO E CONCEPÇÃO DO MATERIAL EDUCATIVO ÂNGELA CASTELO BRANCO ILUSTRAÇÕES HELOISA ETELVINA PROJETO GRÁFICO ÉRICO PERETTA
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um livro não termina nunca. uma biblioteca, memória, mesmo incendiada, jamais se extinguirá.
3 DE OUTUBRO DE 2018 A 10 DE FEVEREIRO DE 2019 Terça a sábado, 10h30 às 21h Domingos e feriados, 10h30 às 18h30
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