ALFREDO JAAR LAMENTO DAS IMAGENS
ALFREDO JAAR LAMENTO DAS IMAGENS CURADORIA E TEXTOS MOACIR DOS ANJOS SESC POMPEIA 26/08–05/12/2021
THE GAZE AND ITS POWERS The ongoing experiences being exchanged in the territory of art alternate between decanting memories and pointing toward new arrangements. In the context of contemporary concerns, amid the polyphony of demands and the urgency of several claims, artistic expression may build bridges between past, present, and future, while posing new ways of extending reflections and embracing humanist resistance. In this respect, given the currently uncertain scenario, the Chilean artist, architect, and filmmaker Alfredo Jaar constructs his poetics by taking for raw materials the density of events anchored in reality and historical episodes. Social, political, and humanitarian themes predominate in his oeuvre, revealing the capitalist structure’s games of force, power relations, and colonizing processes, as well as the violence that emanates from these situations. His approach to society’s image-producing and circulating system lends visibility to diverse implications involved in the act of looking. At the same time, it indicates our joint responsibility as history’s subjects and spectators, thus considering a new discursive power.
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When entering a collaborative partnership with the Fundação Bienal de São Paulo to organize the exhibition Lamento das imagens [Lament of the Images], curated by Moacir dos Anjos, Sesc aimed to welcome different audiences into Jaar’s artistic realm. Their idea was to show a significant overview of his oeuvre and, in particular, the large-scale installations that reveal his way of drafting an image politics for the contemporary period. For Sesc, culture in its broad and plural sense, and the arts, in particular, are key means of conveying different points of view and fashioning spaces for critical reflection on our current standing. Thus, let us citizens bear witness to history’s writing of our period while expanding ways of seeing and, based on these added powers, actively help build a more empathetic and equitable society. Danilo Santos de Miranda Director, Sesc São Paulo
O OLHAR E SUAS POTÊNCIAS No território da arte, as sucessivas permutas de experiências transitam entre a decantação de memórias e o aceno para novos arranjos. Diante das inquietações contemporâneas, com a polifonia de reivindicações e a urgência de variadas demandas, a expressão artística oferece pontes entre passado, presente e futuro e propõe meios para expandir reflexões, abraçando uma resistência humanista. Nesse sentido, no atual cenário de incertezas, Alfredo Jaar – artista, arquiteto e cineasta chileno – constrói sua poética, tomando como matéria-prima a densidade dos acontecimentos ancorados na realidade e nos episódios históricos. Predominam em sua obra temas sociais, políticos e humanitários, desnudando jogos de força da estrutura capitalista, relações de poder, processos de colonização, bem como a violência decorrente de tais conjunturas. Sua abordagem referente ao sistema de produção e circulação de imagens visibiliza implicações múltiplas envolvidas no ato de olhar, e sinaliza nossa corresponsabilidade enquanto espectadores e sujeitos da história, considerando, assim, uma nova potência discursiva. Ao realizar a exposição Lamento das imagens, com curadoria de Moacir dos Anjos e que integra a rede de parcerias da 34ª Bienal de São Paulo, o Sesc convida os diversos públicos a adentrar no universo artístico de Jaar, por meio de um significativo panorama de sua obra, em especial, as instalações de grande escala física, que configuram sua forma de pensar uma política das imagens no momento contemporâneo. Para o Sesc, a cultura, em seu sentido amplo e plural, e as artes em particular, são compreendidas como dispositivos centrais para a incorporação de diferentes pontos de vista, além de espaço de reverberação crítica de nossa condição atual. Que possamos, como testemunhas e cidadãos da escrita histórica de nosso tempo, expandir as formas de olhar e, a partir de tais potências, contribuir ativamente para a construção de uma sociedade mais equânime e solidária. Danilo Santos de Miranda Diretor do Sesc São Paulo
6 Attack on Indifference 14 LAMENT OF THE IMAGES 28 GEOGRAPHY = WAR 40 OUT OF BALANCE 48 CHIAROSCURO 56 YOU DO NOT TAKE A PHOTOGRAPH. YOU MAKE IT. 62 WALKING ON WATER 74 ONE MILLION POINTS OF LIGHT 82 OTHER PEOPLE THINK 88 SHADOWS 100 THE SOUND OF SILENCE 112 CULTURE = CAPITAL 120 ITINERARIES, ITINERARIES 126 Checklist
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Ataque à indiferença
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LAMENTO DAS IMAGENS
29 GEOGRAFIA = GUERRA 41
FORA DE EQUILÍBRIO
49 CLARO-ESCURO 57
VOCÊ NÃO TIRA UMA FOTOGRAFIA. VOCÊ FAZ UMA FOTOGRAFIA.
63 CAMINHANDO SOBRE AS ÁGUAS 75
UM MILHÃO DE PONTOS DE LUZ
83 OUTRAS PESSOAS PENSAM 89 SOMBRAS 101 O SOM DO SILÊNCIO 113 CULTURA = CAPITAL 121 ROTEIROS, ROTEIROS 126 Lista de obras
ATTACK ON INDIFFERENCE Anyone believing in feelings of goodness and ingenuousness should be severely reprehended. ... Pier Paolo Pasolini1
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Alfredo Jaar shows unabashed admiration for the politician and thinker Antonio Gramsci [1891–1937], whose ideas have inspired a set of his works.2 In particular, Jaar is interested in the Italian author’s repeated emphasis on the transformative role of culture and art—fields of human activity capable of not only expressing ongoing disputes in a given social context but also being involved in this struggle with their own means, posing a “new intuition of life” in which needs are met on a broader and more egalitarian scale.3 Jaar has been part of this endless dispute for several decades now, rebutting any antagonism between art and politics or between the concrete meanings of this imagined new life and the sensitive forms he invents to communicate them. Rather than set examples for other artists to follow, he has been attempting to assert the unique nature of a creative gesture that is sure of its power to change something. In a 1917 article, Gramsci set for himself—and everyone else too—the task of taking an unambiguous stand against the conflicts that fashion unequal societies. He launched a full-frontal attack on those he called ‘indifferent’ for refusing to take sides regarding the need to collectively challenge and redress harm recurrently inflicted on people: “Indifference and apathy are parasitism, perversion, not life. That is why I hate the indifferent.”4 By neglecting their responsibilities to others more
afflicted than themselves, the indifferent help perpetuate injustice and exclusion and take for granted continuously repeated brutality that is never unequivocally challenged. Given their accommodation with the status quo, the indifferent are jointly to blame for the unquestioned continuity of that abusive circumstance, even if seeing the outcome of their societal apathy often prompted them to assuage their guilt. Gramsci calls them to account primarily for what they are not doing— because they prefer untroubled ease or are faint-hearted—and omission brings consequences. There is no one single course set for history to follow, nor is the future a matter of chance: each and every one of us may help fashion the future to our aspirations. In this sense, indifference is “the dead weight of history.” He calls on apathetic peers to get involved in shaping what he calls the “future city,” which will only be built by many people collectively bringing creative intelligence to bear. Decades later, the Brazilian writer Osman Lins [1924–1978] also attacks indifference in his book Avalovara.5 “Is there such a thing as the privilege of being indifferent? I need to know whether indifference really exists or is no more than a disguise for complicity. Looking for answers in the night, it feels as if I were stuck in the intestines of a dog, trapped in a dog’s stomach. However much I try to fend them off, suffocation and dirt are part of me and part of us. Can I stay clean and free of infection, inside a dog’s guts? I hear some saying: ‘Indifference reflects tacit or dubious agreement with the excrements.’ No, I shall not be indifferent.” Both Gramsci and Lins saw the imperative need to shun indifference to the world we live in. People must
ATAQUE À INDIFERENÇA É preciso condenar severamente quem crê nos bons sentimentos e na inocência. (…) Pier Paolo Pasolini1
Alfredo Jaar nutre assumida admiração pelo político e pensador Antonio Gramsci [1891– 1937], a cujas ideias já dedicou um conjunto de trabalhos.2 Em particular, interessa-lhe a ênfase que o italiano várias vezes colocou em seus textos sobre o papel transformador da cultura e da arte – campos de ação humana capazes não só de expressar o que está em permanente disputa em dado contexto social, mas também de participar de tal embate com meios próprios, apresentando uma “nova intuição da vida” em que seja mais ampla e igualitária a satisfação de necessidades.3 É dessa contenda que Alfredo Jaar toma parte já por várias décadas, recusando qualquer antagonismo entre arte e política ou entre os significados concretos dessa vida nova imaginada e as formas sensíveis que inventa para comunicá-los. Não propõe, contudo, estabelecer modelos para serem seguidos por mais artistas, tratando, ao contrário, de afirmar a singularidade do gesto criativo que esteja convicto de seu poder de mudar algo. Em artigo publicado em 1917, Antonio Gramsci coloca para si – e demanda de qualquer um – a tarefa de posicionar-se sem ambiguidades perante os conflitos constitutivos de sociedades desiguais. Ataca frontalmente aqueles a quem chama de indiferentes, os que não tomam partido diante das necessidades de superação coletiva de danos recorrentemente impostos a alguns: “Indife-
rença é abulia, é parasitismo, é covardia, não é vida. Por isso, odeio os indiferentes”.4 Por se ausentarem de suas responsabilidades com o outro que sofre mais que eles, os indiferentes contribuiriam para a manutenção de injustiças e exclusões; para a naturalização de violências repetidas continuamente sem inequívoca contestação. Por sua acomodação com a situação dominante, os indiferentes seriam corresponsáveis pela permanência inquestionada daquela circunstância abusiva, ainda que busquem, com frequência, se eximir da culpa do que resulta de sua apatia social. O pensador italiano cobra a estes, sobretudo, aquilo que não fazem – por comodidade ou tibieza – e que possui consequências. A história, afinal, não tem um rumo único nem é fruto de acaso, cabendo a cada um e a todos construí-la em função de seus desejos. A indiferença, nesse sentido, seria “o peso morto da história”. Cobra deles, portanto, participação ativa na construção do que chama de “cidade futura”, que somente será erguida por meio da inteligência coletiva e criadora de muitos. Ataque à indiferença que também informa, décadas depois, texto do escritor brasileiro Osman Lins [1924-1978], em seu livro Avalovara:5 “Tem-se o privilégio da indiferença? Preciso ainda saber se na verdade existe a indiferença: se não é – e só isto – um disfarce da cumplicidade. Busco as respostas dentro da noite e é como se estivesse nos intestinos de um cão. A sufocação e a sujeira, por mais que procure defender-me, fazem parte de mim – de nós. Posso manter-me limpo, não infeccionado, dentro das tripas do cão? Ouço: ‘A indiferença reflete um acordo, tácito e dúbio, com os excrementos’. Não, não serei indiferente.” Para Antonio Gramsci e para Osman Lins, é imperativo não ser indiferente ao mundo
be subjects involved in the world, including—or primarily—its most problematic aspects. They may let themselves sense the darkness of their period—and for that very reason, be contemporaneous with it.6 So, Jaar has been deploying various creative strategies, actively struggling against “the swamp surrounding the old city” and joining with many others to help invent a more generous and spacious way of living. This commitment requires cohesively bound aesthetics and ethics, rejecting any watertight separation between these two human instances that guide understanding and action. One that sees art as a place for combatting indifference to so many peoples’ suffering.
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Jaar’s oeuvre evades unequivocal classifications in terms of affiliations, formal presentation, or constructivist procedures while retaining unity and coherence. While his works frequently investigate how images structure the ways we understand the world, the artist argues that sensory experience related to these images may be precisely in their selective suppression– or anchored in the reading of a text transformed into luminous writing. While clearly following a conceptual art tradition rooted in political resistance to Latin America’s authoritarian governments, his interest in the formal contention typical of minimalism or modern architectural clarity is shown in the way he sets up works in space. Jaar’s practices may occasionally recall methods used by other disciplines–journalism, sociology—to generate novel knowledge without thereby failing to assert themselves as artistic. There are no predetermined limits setting conditions for the artist as to what he will make or do except, perhaps, for his will of accuracy in his intentions and his manner of showing them to the most diversified audience possible. He relies on art’s power to affect people
and understands the need to seduce a gaze frazzled from seeing so much elsewhere. Yet, he never ignores the complexity of inevitable questions. Jaar’s first articulated set of works was developed in Chile and the United States from the late 1970s through the early ’80s when a military dictatorship took over his country of origin.7 This initial production reveals his effort to unveil what is unintentionally left unspoken or deliberately concealed in the instatement of an authoritarian regime. Like X-rays, his installations show how an excluding political regime functions and its varying impacts on the shared everyday lives of Chilean men and women of the period.8 Since moving to the United States (Jaar has been living in New York since 1982), his work has gradually shifted to focus on unequal international power relations rather than just on those in which Chile is a protagonist or target. These works are meant to show the ongoing colonial violence in the contemporary world that renders peoples and populations invisible or strips them of the humanity attributed to other living beings who hold greater geopolitical power. By creating images (photographs, films, transformed texts) or intervening in many others that are shown (or hidden) on different platforms, he sets forth and articulates unique ethical-aesthetic formulations for situations as distinct and liminal as those of people devastated by civil war or undocumented migrants fleeing from hunger, in addition to other circumstances mentioned in the works shown in this exhibition. Lament of the Images is the first major presentation of Jaar’s oeuvre in Brazil, where he has shown at several iterations of the Bienal de São Paulo (1987, 1989, 2010, and 2021). Rather than a retrospective of a lengthy trajectory, the exhibition features twelve pieces that reiterate decisive issues
em que se vive. É preciso assumir-se como sujeito implicado nele, inclusive – ou sobretudo – naquilo que possua de mais incômodo. Deixar-se atravessar pelo escuro de seu tempo, sendo, justamente por isso, contemporâneo dele.6 Assim também é para Alfredo Jaar, que, valendo-se de estratégias criativas diversas, tem ativamente combatido “o pântano que circunda a velha cidade”, contribuindo para a invenção conjunta – da qual participam muitos – de um espaço de vida mais generoso e largo. Empenho que requer atar estética e ética coesamente, recusando qualquer separação estanque entre essas duas instâncias norteadoras de entendimento e de atuação humanas. Que percebe a arte como lugar de combate à indiferença diante do sofrimento de tanta gente. A obra de Alfredo Jaar escapa a classificações inequívocas em termos de filiações, apresentação formal ou procedimentos construtivos, ainda que sem perder unidade ou coerência. Se seus trabalhos com frequência indagam como imagens estruturam entendimentos do mundo, a experiência sensível a elas vinculada pode estar, para o artista, justamente na supressão seletiva delas. Ou ancorada na leitura de um texto transformado em escrita luminosa. E se é patente seu pertencimento a uma certa tradição de arte conceitual – originada na resistência política a governos autoritários da América Latina –, também é evidente, na maneira como instala os trabalhos no espaço, seu interesse pela contenção formal própria do minimalismo ou pela clareza arquitetônica moderna. Suas práticas, ademais, podem, em ocasiões, aproximar-se de métodos usados por outras disciplinas – jornalismo, sociologia – para gerar conhecimento que não existe ainda, sem com isso deixarem de se afirmar como artísticas. Para Alfredo Jaar, não há limites previamente
definidos que condicionem o que faz. Apenas, talvez, a vontade de ser preciso em suas intenções e na maneira como as apresenta ao público mais diversificado possível que consiga alcançar. É artista seguro do poder de afetação da arte e ciente de ser necessário seduzir um olhar cansado do tanto que já é dado a ver em outros lugares. Sem nunca desconsiderar, todavia, a complexidade das questões que lhe parecem ser incontornáveis. O primeiro conjunto articulado de trabalhos de Alfredo Jaar foi desenvolvido no Chile e nos Estados Unidos, entre finais da década de 1970 e início da seguinte, período durante o qual vigorava uma ditadura militar em seu país de origem.7 Nessa produção inicial, há um esforço de desvendar o que é involuntariamente não dito ou que é deliberadamente ocultado na construção de um Estado autoritário. São trabalhos que radiografam o funcionamento de um regime político excludente e seus diversos impactos na vida comum dos homens e mulheres chilenos da época.8 A partir de sua mudança para os Estados Unidos (vive, desde 1982, em Nova York), o trabalho do artista passa gradualmente a ter como foco as desiguais relações de poder internacionais, e não somente as que tinham o Chile como protagonista ou alvo. São trabalhos ocupados em demonstrar a continuidade de violências coloniais no mundo contemporâneo, as quais provocam a invisibilidade de povos e populações, ou os destituem da humanidade atribuída aos viventes que detêm poder geopolítico maior. Por meio da criação de imagens (fotografias, filmes, textos transformados) ou da intervenção em tantas outras que são veiculadas (ou ocultadas) em plataformas diversas, expõe e articula, em formulações ético-estéticas singulares, situações tão distintas e limítrofes quanto as daqueles que sofrem os efeitos devastadores de uma guerra civil ou dos que migram sem autorização ou
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from his oeuvre. The earliest work in this set—Fora de equilíbrio [Out of Balance] (1989)—was made from photographs taken when Brazil had recently emerged from the traumatic experience of a military regime. The most recent—Roteiros, Roteiros [Itineraries, Itineraries] (2021)—refers to Brazil’s currently challenging cultural and political context. A dozen other works created in this thirty-two-year interval reveal the artist’s continuity of purposes and wide range of forms and media. Gathering them together at Sesc Pompeia—a creative, socially interactive space designed by the architect Lina Bo Bardi [1914–1992]— only emphasizes their mission of questioning the Other and challenging conventions that make the world smaller than it could be. Among several intertwining aspects comprising Jaar’s oeuvre, two stand out for their key role in formulating an artistic program that is inseparably a political intervention. One relates to many of his works investigating forms of social dominance by using images rather than just applying brute force. These images are used to create a pacified consensus around unequal distribution of survival resources. Together with the state’s coercive power, they subject large portions of the world’s population to the interests of small groups. Even when removed from the public space of struggle, these images lend themselves to the creation of hegemony in the field of the symbolic order that naturalizes inequalities and causes suffering for many people. In several of his works, the artist highlights media (print or television) and the use of their power to produce and prolong exclusionary social arrangements;9 to create sensitive equivalents of reality that, in association with other forms of representation originating from other places, help delimit the boundary between the socially visible and intel-
ligible and the conceivably opaque to the eye or even deemed incomprehensible in a specific historical and political conjuncture.10 This partial character of hegemonic representations of a given situation is not due to any dysfunction in the images used; it is due to the fact—as obvious as it is important—that life in existing societies is based on inequalities and governed by conflict. These practices produce cutouts of reality that are not neutral or natural but rather situational expressions of the balance of power between forces operating inside a given community. A balance of power that often embraces while also moving away from the domain of the senses, subjects, social groups, and ways of understanding the world, taking some of them as representing reality and others as nonexistent. Taking up the historicity of hegemonic power arrangements, however, also implies admitting that none of this is given or finished. Precisely due to being always partial and limited, the dominant ways of representing a particular circumstance of life are subject to constant challenges and rearrangements and, therefore, incurably provisional. In this sense, practices of representation may be seen as spaces for disputes opened in the field of symbolic order and imagination. Such disputes would affirm that which—from the point of view of those who want to render a given situation—ought to translate it and afford it a sensitive meaning, anchoring the emergence of specific forms of subjectivity11 to create images that are still lacking in the world, despite the many that already exist. This is precisely the second aspect of Jaar’s oeuvre addressed here. Many of his works suggest that images and their usage modes also help create fairer and more inclusive modes of existence. He asserts their importance—for the media, the field
documentos em fuga da fome, além de outras circunstâncias referidas nos trabalhos presentes nesta exposição. Lamento das imagens é a primeira apresentação extensa da obra de Alfredo Jaar no Brasil, a despeito de sua participação em diversas edições da Bienal de São Paulo (em 1987, 1989, 2010 e 2021). Sem pretender ser retrospectiva de uma trajetória já longa, a exposição é formada por doze trabalhos que afirmam questões decisivas em sua obra. O trabalho mais antigo incluído nesse conjunto – Fora de equilíbrio (1989) – foi produzido a partir de fotografias feitas em um Brasil recém-saído da traumática experiência de uma ditadura militar. O mais recente – Roteiros, Roteiros (2021) – remete, por sua vez, ao desafiante contexto cultural e político corrente do país. Uma dezena de outros trabalhos criados entre essas duas datas exibe continuidade de propósitos e variedade de formas e meios usados. Reuni-los no Sesc Pompeia – espaço de convívio criativo projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi [1914–1992] – somente enfatiza sua vocação de interpelar o outro para confrontar as convenções que fazem o mundo ser menor do que poderia, de fato, ser. Entre as várias dimensões que se entrelaçam e compõem a obra de Alfredo Jaar, duas se destacam pela centralidade que possuem na formulação de um programa artístico que também é, de modo indissociável, intervenção política. A primeira delas remete ao fato de muitos de seus trabalhos investigarem formas de domínio social baseadas no uso de imagens, e não somente no emprego da força bruta. Imagens que servem à criação de um consenso apaziguado sobre a distribuição desigual dos recursos necessários à sobrevivência, subordinando, em aliança com o poder de coação detido pelo Estado, parcelas amplas da população do mundo aos
interesses de grupos reduzidos. São imagens que se prestam – inclusive quando subtraídas do espaço público de embates – à criação de uma hegemonia no campo da ordem simbólica que naturaliza desigualdades e causa sofrimento a muitos. Em diversos trabalhos, o artista destaca, em particular, o poder que a mídia (impressa ou televisiva) exerce na construção e na manutenção de arranjos sociais excludentes.9 Na criação de equivalentes sensíveis da realidade que contribuem – junto a outras formas de representação feitas a partir de mais lugares – para delimitar a fronteira entre aquilo que é socialmente visível e inteligível e o que seria opaco à vista ou incompreensível em uma certa conjuntura histórica e política.10 Esse caráter parcial das representações hegemônicas de uma dada situação não é devido a qualquer disfunção no uso de imagens, mas ao fato – tão óbvio quanto importante – de a vida nas sociedades existentes ser fundada em desigualdades e ser regida por conflitos. Os recortes de realidade que essas práticas produzem não são, portanto, neutros ou naturais, mas sim expressões conjunturais da relação de forças que existe e opera no interior de uma dada comunidade. Relação de forças que a todo momento acolhe, mas também afasta, do domínio do sensível, assuntos, grupos sociais e entendimentos sobre o mundo, tomando alguns deles como representantes da realidade e outros como, no limite, inexistentes. Assumir a historicidade dos arranjos de poder hegemônicos, porém, implica também reconhecer que nada disso é coisa dada ou acabada. Justamente por serem sempre parciais e limitados, os modos dominantes de representar uma certa circunstância de vida estão sujeitos a constantes contestações e rearranjos, sendo, portanto, irremediavelmente provisórios. Nesse sentido, as práticas de representação podem ser
of art, and everyday life—not only for the emergence and maintenance of regressive and damaging hegemonies but also as counter-hegemonic instruments that help subvert these restrictive arrangements, making them broader to accommodate previously ignored demands. These are works that originally and powerfully formulate a politics of images in the contemporary world. They prompt reflection on the power of visual codes to both blind and inform their recipients, to both control and emancipate bodies in different situations. Works that do not force anyone to cling to positions or attitudes but merely pose different understandings of reality from those that reflect and feed the consensus and conventions that make life what it is at any time. These works foster the emergence of uncertainties around hegemonic social agreements, thus allowing us to imagine other ways of organizing life. They interact with and affect the Other, although the effects of the affects they prompt cannot be foreseen. However, this argument can never be used as an excuse or as a consolation for the indifferent.
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NOTES 1 Pier Paolo Pasolini, “Versi sottili come righe di pioggia” [“Lines as thin as streaks of rain”], in Pasolini. Tutte le poesie, vol. II (Milan: Meridiani Mondadori, 2003), 512. Our translation. 2 Procurando Gramsci (2004), Cela infinita (2004), Deixem cem flores desabrocharem (2005), As cinzas de Gramsci (2005), A estética da resistência (2005). 3 Antonio Gramsci, Prison Notebooks, trans. Joseph A. Buttigieg and Antonio Callari (New York: Columbia University Press, 2011), 173. 4 Antonio Gramsci, “The Indifferent” (1917), trans. Matilda Colarossi, https:// paralleltexts.blog/2015/11/01/indifferentithe-indifferent-by-antonio-gramsci/. 5 Osman Lins, Avalovara (São Paulo: Melhoramentos, 1973). 6 Giorgio Agamben, “What Is the Contemporary?” in What Is an Apparatus? and Other Essays, trans. David Kishik and Stefan Pedatella (Stanford: Stanford University Press, 2009), 39. 7 Chile’s military dictatorship ensued from a coup d’état led by General Augusto Pinochet on September 11, 1973. His ‘state of exception’ formally came to an end on March 11, 1990, when civilian president-elect Patricio Aylwin took office. 8 Although not explicitly referring to the political situation in Chile, Estudos sobre felicidade [Studies on Happiness] (1979– 1981) used several investigative strategies (surveys, interviews, advertisements, public conversations) to ask about the extent Chilean men and women felt happy or otherwise at that time. 9 Untitled (Newsweek) (1994) briefly tracks the main events related to the civil war that broke out in Rwanda from April to August 1994 and associates them with the covers of seventeen weekly issues of Newsweek (then one of the most influential magazines in the United States) over the same period. In a nutshell, the work shows that the Rwandan conflict only made Newsweek’s cover after a million or more people had been murdered and another million had fled the country. 10 Jacques Rancière, “‘Partage du sensible’: The Distribution of the Sensible,” in Jacques Rancière: Key Concepts (Durham, UK: Acumen, 2010), 95–97. 11 Chantal Mouffe, Agonistics. Thinking the World Politically (London: Verso, 2013), 89–90.
entendidas como espaços de disputas abertas no campo da ordem simbólica e da imaginação. Disputas para afirmar aquilo que deveria, do ponto de vista de quem quer figurar uma dada conjuntura, traduzi-la e dar-lhe sentido sensível, ancorando o surgimento de formas específicas de subjetividade.11 Para criar as imagens que, apesar das tantas que já existem, ainda faltam no mundo. É esta, precisamente, a segunda dimensão da obra de Alfredo Jaar aqui destacada. Em muitos trabalhos, o artista sugere que as imagens e seus usos também contribuem para criar modos de existência mais justos e inclusivos. Afirma sua importância – na mídia, no campo da arte e no cotidiano ordinário – não somente para a emergência e manutenção de hegemonias regressivas e causadoras de danos, mas, igualmente, como instrumentos contra-hegemônicos que contribuem para a subversão desses arranjos restritivos, tornando-os mais amplos para acolher demandas antes ignoradas. São trabalhos que formulam, de modo original e potente, uma política das imagens no mundo contemporâneo. Trabalhos que promovem uma reflexão sobre o poder de os códigos visuais tanto cegarem quanto informarem seus destinatários; tanto controlarem quando emanciparem corpos em situações diversas. Que não obrigam ninguém, contudo, a fincar posições ou tomar atitudes, tão somente oferecendo entendimentos da realidade diferentes dos que refletem e alimentam os consensos e convenções que fazem a vida ser o que ela é a cada momento. Trabalhos que promovem a emergência de incertezas quanto aos acordos sociais hegemônicos, permitindo imaginar outras formas de organizar a vida. Que interpelam e afetam o outro, mesmo que não seja possível saber, de antemão, os efeitos dos afetos que produzem. O que jamais poderá servir, contudo, de desculpa ou de consolo para os indiferentes.
NOTAS 1 Pasolini, Pier Paolo. “Versos finos como traços de chuva”. Em Pasolini. Poemas, org. de Alfonso Berardinelli e Mauricio Santana Dias, trad. Mauricio Santana Dias. São Paulo: Cosac & Naify, 2015, p. 228. 2 Procurando Gramsci (2004), Cela infinita (2004), Deixem cem flores desabrocharem (2005), As cinzas de Gramsci (2005), A estética da resistência (2005). 3 Gramsci, Antonio. Cadernos do Cárcere, ed. de C. N. Coutinho, M. A. Nogueira e L. S. Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, vol. 6, p. 70. 4 Gramsci, Antonio. Escritos Políticos 1910–1926, ed. de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, vol. 1, pp. 84–87. 5 Lins, Osman. Avalovara. São Paulo: Melhoramentos, 1973. 6 Agamben, Giorgio. “O que é o contemporâneo?”. Em O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009, p. 62. 7 A ditadura militar no Chile teve início em 11 de setembro de 1973, através de golpe de Estado liderado pelo general Augusto Pinochet. O regime de exceção foi formalmente encerrado em 11 de março de 1990, quando tomou posse o presidente civil eleito Patricio Aylwin.
8 Sem fazer referências explícitas à situação política do Chile, o trabalho Estudos sobre felicidade (1979–1981) valeu-se de diversas estratégias investigativas (pesquisas, entrevistas, anúncios, conversas públicas) para averiguar quão felizes (ou não) estavam os homens e mulheres chilenos àquela época. 9 O trabalho Untitled (Newsweek) (1994) associa uma breve cronologia escrita dos principais eventos relacionados à guerra civil ocorrida em Ruanda, entre abril e agosto de 1994, às capas das dezessete edições da revista semanal Newsweek (então uma das mais influentes dos Estados Unidos) lançadas no mesmo período. De modo sintético, informa que o conflito em Ruanda somente foi assunto e imagem de capa da revista quando mais de um milhão de pessoas já haviam sido assassinadas e outro tanto já havia deixado o país. 10 Rancière, Jacques. A partilha do sensível. Estética e política. São Paulo: EXO/Editora 34, 2005, pp. 15–17. 11 Mouffe, Chantal. Agonistics. Thinking the World Politically. Londres: Verso, 2013, pp. 89–90.
LAMENT OF THE IMAGES 2002
LAMENTO DAS IMAGENS
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Lamento das imagens [Lament of the images] is an installation set up in two darkened environments. On entering the first of them, the viewer’s gaze is drawn to three blocks of white text aligned horizontally and spaced at equal intervals on one of the black walls. The viewer soon realizes that they are illuminated from within; internal lighting makes the writing readable but also dazzling to the eye. These texts narrate three different episodes that are articulated by a shared aspect. The first refers to images of Nelson Mandela being released in 1990 after twenty-eight years of imprisonment by South Africa’s apartheid regime. At the time, the media noticeably showed him repeatedly blinking as if dazzled by the daylight. The text explains: like other prisoners, his eyesight had been harmed during the long periods of forced labor in a limestone quarry on the island where he was held. Glaring sunlight reflected off an area covered by the white mineral had constantly dazzled prisoners because prison governors turned down their repeated demands for sunshades. In addition to continually harming their eyesight, extractive activities caused ore dust to stick to their black skin, so they had been whitened by the end of each day of forced labor. The severity of Mandela’s eye condition would have affected his ability to produce tears, so the narrative suggests that this explains why there are no images of him crying on the day he was freed. The second illuminated text also refers to a limestone quarry, although it has long been deactivated. This quarry was in a sparsely inhabited area of Pennsylvania, in the United States, that had been converted into a fallout shelter for businessmen in the 1950s. By the time the text was written (2001), it had been adapted for use as an underground depot. Corbis, a company run by
Microsoft’s founder Bill Gates bought the rights to images stored there, seventy meters underground. Many photographs of historical relevance included the Wright Brothers’ flight, John Fitzgerald Kennedy Jr. saluting his dead father’s coffin, the Vietnam War, and Nelson Mandela in prison. These photographs were supposedly materially preserved in controlled environmental conditions while remaining indefinitely inaccessible. In their place, images were gradually and slowly digitized and copied, their rights being traded at their owner’s discretion. According to the text, at that time Bill Gates already detained rights to show (or hide) sixty-five million images. Lastly, a third text refers to the strategy adopted by the United States Department of Defense in relation to what could be publicly seen of bombing raids on Kabul, Afghanistan in October 2001. These attacks were the response to 9/11. In the words of then-President George W. Bush, they were “carefully” directed at military targets while avoiding civilian casualties. To ensure control over the narrative, the US government purchased exclusive rights to all satellite images from Afghanistan and neighboring countries during that period, including those made by private companies. Strictly speaking, buying them was unnecessary, since the US spy satellites were more powerful than those controlled by local suppliers. Monopoly control over images casts doubts as to what happened in Kabul during the bombing since the aggressor country’s reports could not be fact-checked. All the world media could do was show archive images in commentaries to attacks against Afghan targets. On entering the installation’s second environment, a dazzling light causes viewers to squint before gradually getting used to the white glare from the screen at the back of
Lamento das imagens é um trabalho estruturado em dois ambientes, ambos escurecidos. Ao entrar-se no primeiro deles, o olhar é atraído por três blocos de textos brancos, alinhados horizontalmente em uma das paredes pretas e apartados por idênticos intervalos. Percebe-se logo que são textos iluminados desde dentro; iluminação interna que permite a leitura do que está ali escrito ao mesmo tempo em que ofusca quem se dedica a lê-los. São textos que narram três episódios distintos, embora articulados por uma questão comum. O primeiro refere-se às imagens da soltura de Nelson Mandela, em 1990, após 28 anos aprisionado pelo regime do apartheid na África do Sul. Confrontado com a claridade do dia, chamou atenção à época, em cenas divulgadas na imprensa televisiva, o fato de o líder sul-africano apertar seguidamente os olhos como se cegado pela luz da rua. O texto conta o motivo: sua visão teria sido lesada ao longo do tempo em que foi obrigado a trabalhar, com outros prisioneiros, na extração de calcário em uma pedreira na ilha onde esteve detido. O brilho intenso do sol, refletido no espaço coberto pelo minério branco, ofuscava o tempo inteiro os presos, que nunca obtiveram a proteção para os olhos que continuamente demandavam às autoridades do presídio. Além do dano continuado à visão, as atividades extrativas faziam o pó do minério grudar nos corpos pretos desses homens, embranquecendo-os ao final de cada dia de trabalho forçado. A gravidade da lesão nos olhos de Nelson Mandela teria afetado sua capacidade de produzir lágrimas, razão pela qual, sugere a narrativa, não existem imagens em que apareça chorando no dia em que foi libertado. O segundo texto iluminado também faz referência a uma mina de calcário, embora
há muito desativada. Mina que, situada em área pouco habitada da Pensilvânia, Estados Unidos, havia sido transformada em abrigo contra bombas para empresários na década de 1950 e, já no tempo a que o texto remonta (2001), adaptado para ser depósito subterrâneo. Ali, a setenta metros abaixo da superfície, estariam sendo armazenadas imagens cujos direitos foram comprados pela Corbis, empresa do criador da Microsoft, Bill Gates. Entre muitas fotografias de relevância histórica, o conjunto guardado incluiria imagens dos Irmãos Wright voando, de John Fitzgerald Kennedy Jr. saudando o caixão onde estava seu pai morto, da Guerra do Vietnã e, também, de Nelson Mandela na prisão. Fotografias que seriam materialmente preservadas em condições ambientais controladas, mas mantidas inacessíveis por tempo indeterminado. Em seu lugar, reproduções digitalizadas seriam gradual e lentamente feitas e comercializadas a critério de seu proprietário. Àquele momento, informa o texto, Bill Gates já possuía direitos de exibição (ou de ocultação) sobre 65 milhões de imagens. O terceiro texto, por fim, refere-se à estratégia adotada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos em relação ao que poderia ser publicamente visto dos ataques aéreos desferidos sobre Cabul, Afeganistão, em outubro de 2001. Ataques feitos em resposta ao ocorrido no 11 de setembro daquele ano e que seriam, no dizer do então presidente George W. Bush, “cuidadosamente” direcionados a alvos bélicos para evitar mortes de civis. Para garantir o controle sobre a narrativa dos fatos, o governo estadunidense comprou os direitos exclusivos sobre todas as imagens de satélite do Afeganistão e de países vizinhos naquele período, incluindo as geradas por empresas privadas. Aquisição que, a rigor, seria desnecessária, posto que os satélites espiões
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the dark room. Like with any process that affects bodies, the effect of this intense lighting is initially non-signifying. Light impacts the eyes without immediately generating new knowledge—no precise meanings are readily associated with the sensation of discomfort or defamiliarization that the display apparatus generates. Only after a few seconds, the viewer can relate this lived physical sensation to the reading of texts posted in the first environment and translate it into language. Only then any possible meanings of the installation emerge from the articulation between what the viewer has read about subtracted images and what they feel in front of a blinding light. This process of understanding also involves the spectator as an individual subjected to the powers that control image-making and circulation. Viewers’ eyes end up accustomed to the illuminated empty screen, which ordinarily would be destined for image projection. The bright light provides an unexpected metaphor for the concealment of images of people and facts or even the impossibility of their being created. The bright white light is a metaphor for violent visual politics. The title of Alfredo Jaar’s work is an explicit reference to a homonymous poem by the Nigerian writer Ben Okri [1959], whose 1992 “Lament of the Images” speaks of European colonizers looting and pillaging cultures of African peoples. In the poetic construction of the text, images are lamented for having been stolen; images here also designate several objects, including masks, sculptures, and even bones. “They took some images / And brought them across / The whitening seas / And stored them in / Basements / For the later study / Of the African’s / Dark and impenetrable / Mind.… And they [whites] burned what / They could not / Understand.” But the imagemakers, the poem says, dwell with us still creating more
images; continuing to resist their erasure by the power of the strongest. Jaar updates this lament for the past to include many more images recently removed from the sight of so many people, with immediate implications for critical knowledge of the world. Seeing is not just the act of taking in that which is being seen; it is also being open to doubt, to whatever is there that challenges the Other’s convictions in each image. Seeing means no longer accepting certainties; it means fracturing established consensuses about life around us. As the philosopher Georges Didi-Huberman [1953] suggests, seeing means admitting that things look back at us when we see them. In this sense, the disappearance of images causes the world to become smaller and less susceptible to transformations. Images stolen from sight are needed, for the political imagination will be diminished in their absence. And many of them are inaccessible, they tell the stories and direct the bright lights that burn one’s eyes. They must be seen; they must look back at us.
dos Estados Unidos eram mais potentes que os controlados por fornecedores locais. O resultado desse monopólio de imagens foi a emergência de dúvidas sobre o que se passou de fato em Cabul durante o bombardeio, sendo impossível verificar a veracidade dos fatos comunicados pelo país agressor. À imprensa, restou exibir imagens de arquivo para comentar os ataques ao Afeganistão. Ao entrar-se no segundo ambiente do trabalho, uma luminosidade ofuscante obriga os olhos a se retraírem, somente pouco a pouco se acostumando com a luz forte e branca que vem da tela na parede ao fundo da sala escura. Como todo processo de afetação de corpos, o efeito que essa iluminação intensa causa é, em um primeiro momento, assignificante. A luz impacta os olhos sem gerar conhecimento novo imediato — não há significados precisos prontamente associados à sensação de desconforto ou estranhamento causada pelo aparato expositivo criado. Somente após alguns instantes a experiência física ali passada é relacionada à leitura dos textos expostos no primeiro ambiente, podendo, então, ser traduzida em linguagem. Na articulação feita entre o que se leu sobre imagens subtraídas e o que se sente diante de uma claridade que cega, emergem os sentidos possíveis do trabalho. Processo de entendimento que também implica o espectador como sujeito submetido aos poderes que controlam a feitura e a circulação de imagens. Seus olhos, afinal, terminam por se acostumar à tela iluminada e vazia, onde convencionalmente deveriam estar projetadas cenas diversas. Luz clara que serve de inesperada metáfora da ocultação de imagens de gentes e fatos. Ou mesmo da impossibilidade de elas serem criadas. Luz branca e forte como metáfora de uma violenta política visual.
O título do trabalho de Alfredo Jaar é referência explícita a um poema homônimo do escritor nigeriano Ben Okri [1959]. Publicado em 1992, “Lamento das imagens” fala da pilhagem que os colonizadores europeus fizeram nas culturas de povos da África. Na construção poética do texto, as imagens são lamentadas por terem sido roubadas; imagens servindo aqui para designar também uma variedade de objetos, incluindo máscaras, esculturas e até ossos. Imagens que eram depositadas em porões “Para estudar mais tarde / Dos africanos a / Escura e impenetrável / Mente” [tradução de Pedro F. Heise]. E que, quando não entendidas pelos brancos, eram destruídas, queimadas. Mas o “fazedor de imagens”, diz o poema, continua vivo, criando outras delas; continua resistindo a seu apagamento pelo poder do mais forte. Alfredo Jaar atualiza esse lamento, voltado ao passado, para as muitas mais imagens recentemente retiradas do alcance da vista de tantos, com implicações imediatas para o conhecimento crítico do mundo. Ver, afinal, não é somente ato de captura daquilo que é visto; é também abertura para a dúvida, para o que existe de interpelação das convicções do outro em cada imagem. Ver é perder certezas, é fraturar consensos estabelecidos sobre a vida que existe à volta. É admitir, como sugere o filósofo Georges Didi-Huberman [1953], que as coisas nos olham de volta quando as vemos. Nesse sentido, o desaparecimento de imagens torna o mundo menor e menos passível de transformações. Imagens roubadas da vista fazem falta à imaginação política, tornando-a mais acanhada. E muitas delas são inacessíveis, contam os textos e ensinam a luz forte que queima os olhos. É preciso vê-las; é preciso que elas nos olhem.
GEOGRAPHY = WAR 1991
GEOGRAFIA = GUERRA
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The installation comprises over a hundred metal barrels painted black and organically spread on the floor. Seen from a distance, all together, it brings to mind a load about to be shipped or one that has just been unloaded. If they could be seen from above, the unevenly shaped whole might recall a territory drawn as a map. From up close, however, the viewer realizes the barrels are open and filled with a dark liquid almost to the brim. They also notice ten square light boxes hanging horizontally from the ceiling as if floating just above some of the barrels so that their liquid content is illuminated with photographic images. The installation is set up in such way as to beckon visitors in to follow pathways shaped by the scattered asymmetrical positioning of the numerous identical structures. Their formal layout weaves a narrative from suggestions and fragments to show how society’s skewed distribution of power worldwide produces conflict and violence as a rule, rather than an exception. Visitors approaching the installation will inevitably look inside the first few barrels they see. In the absence of light-box illumination, their internal liquid surfaces are opaque and dense. They are blind mirrors that do not reflect any image at all. But the interested viewer gradually approaches the barrels that, at different points in the installation, replicate the ten photographs lit from above. These images capture outdoor scenes in which black people, adults, and children are seen together or alone. In two of them, a group is staring straight into the camera; some boys in front of the group are pretending to throw punches at the photographer (and by extension, at those who see their images reflected there). In a third, a young man is hiding his gaze by opening his hands over his face; in another, a somber-looking man poses for his portrait. Finally,
there are photographs of men dressed in white overalls covering their entire bodies and wearing protective footwear and masks over eyes, noses, and mouths. From a hasty perusal, they seem to look at several heaps of barrels—like those found spread around the gallery floor—apparently in a precarious state of repair, as if they had been haphazardly dumped there. These men cautiously approach the barrels that evidently hold insalubrious content and, for this reason, ought not to be stored close to the homes of adults and children whose images are reflected on liquid filling the dark barrels. Alfredo Jaar shot these photographs in the late 1980s in Koko, a small riverside town in southern Nigeria, where he sought to confirm reports from environmental organizations and the news media: ten thousand barrels containing 3,500 metric tons of toxic industrial waste had been illegally shipped to Koko from Pisa, in Italy. Left outdoors, unguarded and protected only by a fragile wire fence, the barrels had been rusting and splitting for over a year next to an area where a poor community was unaware of the nature of their contents. Lacking conservation or care, these harmful liquids—some of them radioactive and carcinogenic—were leaking through holes in these rotting barrels and contaminating land on which those people grew edibles, animals grazed, and children played. Other highly toxic materials evaporated from deteriorated containers to foul the atmosphere breathed in the village. Unaware of all these hazards, locals had even emptied several barrels and used them for storage. As reported at the time, an Italian company forged export and import documents together with corrupt authorities in Nigeria and locally in order to get thousands of these barrels surreptitiously shipped from
O trabalho é composto por mais de uma cen- reproduzidas). Em uma terceira, um jovem tena de barris metálicos pintados de preto, esconde o olhar com as mãos abertas sobre agrupados organicamente sobre o piso. Viso rosto, enquanto, em outra, um homem tos de longe assim juntos, evocam a cena de de semblante sério posa para ser retrauma carga pronta a ser enviada ou, então, tado. Há também fotografias que exibem recém-recebida. Se fosse possível visualizáhomens vestidos com macacões brancos -los do alto, o formato irregular do conjunto que cobrem seus corpos inteiros, além de talvez lembrasse um território desenhado usarem proteção para os pés e máscaras como mapa. Avizinhando-se dos recipienque resguardam olhos, narizes e bocas. tes, contudo, vê-se que estão todos abertos Após um rápido exame, é possível entender e cheios, quase até a borda, de um líquido que eles averiguam várias pilhas de barris — escuro. Percebe-se também a presença de semelhantes aos encontrados espalhados dez caixas de luz quadradas que, pendurano piso da sala expositiva — em estado de das horizontalmente desde o teto, flutuam conservação aparentemente precário, como pouco acima de alguns dos barris, iluminando se houvessem sido abandonados naquele o líquido que os preenche com imagens de lugar sem qualquer prudência. Em razão das fotografias. O modo como a peça se organiza precauções desses homens ao se aproxiconvida à aproximação e a que se percorram marem dos recipientes, torna-se evidente os caminhos formados pela disposição difusa que eles contêm algo que faz mal à saúde, e assimétrica dessas muitas estruturas idên- não devendo estar guardados ali, a poucos ticas. Arranjo formal que tece uma narrativa metros de onde vivem os adultos e crianças feita de sugestões e fragmentos, segundo refletidos, como imagens, sobre o líquido a qual a desigual distribuição de poder no que ocupa mais tanques escuros. Essas fotografias foram feitas por Alfredo mundo produz — não como exceção, mas Jaar no final da década de 1980, em Koko, como regra — conflitos e violências. À medida que se chega mais perto do pequena cidade ribeirinha do sul da Nigéria. ambiente, é inevitável dirigir o olhar para o O artista foi para lá interessado em confirmar interior dos primeiros barris que se encona denúncia, feita à época por organizações tram. Sem estar iluminados pelas caixas de ambientalistas e pela imprensa, de que 10 mil luz, suas superfícies líquidas internas torbarris contendo 3.500 toneladas de lixo nam-se planos opacos e densos. Espelhos industrial tóxico haviam sido transportados cegos, que não replicam imagem alguma. ilegalmente para Koko a partir de Pisa, na Pouco a pouco, porém, o corpo interessado Itália. Deixados ao ar livre sem guarda alguma vai-se acercando dos vários recipientes que, e protegidos somente por uma frágil cerca de em pontos diversos da instalação, refletem arame, há mais de um ano os barris enferrujavam e rachavam ao lado do lugar onde vivia as dez fotografias acesas desde cima. São uma comunidade pobre que desconhecia a imagens que capturam cenas ao ar livre, natureza de seu conteúdo. Em função da ineonde se veem crianças e adultos negros, xistência de qualquer cuidado de conservareunidos ou sozinhos. Em duas delas, um grupo olha direto para a câmera que o regis- ção, substâncias líquidas danosas à saúde — algumas delas radioativas e cancerígenas tra; alguns meninos, à frente do conjunto, simulam dar murros na direção do fotógrafo — vazavam continuamente por buracos dos (bem como, por extensão, em quem as vê ali tanques apodrecidos, contaminando a terra
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Europe to Africa. To find a place to dump their toxic cargo and avoid suspicion, the same company found a poor farmer from Koko who owned a place and paid him a pittance, so he was unknowingly induced to poison himself and others living nearby. In the next few years, many of them did indeed become seriously ill and several died as a result of this contact, including Sunday Nana, the man who had let them use his land to store the contaminated barrels in return for next to nothing. The same man who had solemnly stared at the camera when photographed. This was not an unusual event. It was just one among many frequent episodes that reveal how power and authority are exercised internationally. One more event showing how the physical and human geography that defines countries or continents relates to the unequal distribution of pain and mortality worldwide. This geography is not a chance happening: it has been shaped over a long period through active confrontation between those who hold the most power and others designated as different or Other. A geography shaped more by history than spontaneous movements. A geography based on processes that involve actively subjugating women and men born in certain places, for the benefit of others living in other far-off regions. A geography that can extend or compress distance; that can connect Pisa and Koko, Italy and Nigeria, Europe and Africa, North and South; that can carve out each of these spaces in ethnic, racial, and gender terms; that can further split them in terms of greater or lesser access to housing, healthcare, safety, and other goods needed to secure one’s continued existence. A geography that is the child of violence and continually replicates it. The title Geografia = Guerra [Geography = War] of this work unambiguously summarizes all this.
Each barrel of poison smuggled from Italy into Nigeria reenacts Europe’s colonial brutality in Africa and the consequent conflicting territoriality on borders outlined in the past but still in force today. Each barrel is a weapon that the North fires at the world’s South. A silent weapon, just as much sickening and killing as others that make loud noises. Each voyage shipping toxic waste from Europe to Africa evokes thousands of other ocean voyages from the 16th through the 19th century, when white people from Europe transported black people from Africa to be enslaved in New World colonies they were settling. These trading routes, both older and more recent, shape and sustain a geography that sickens and kills many to ensure that others may be protected and stay healthy. So geography is not just an expression of different physical and human landscapes around the world: it also tells of the violence that invents and sustains them.
em que aquelas pessoas plantavam o que comiam, onde animais se alimentavam e onde crianças se divertiam. Outras matérias altamente nocivas evaporavam ao escapar dos recipientes deteriorados, corrompendo o ar respirado na vila. Desconhecendo todos esses malefícios, vários barris foram mesmo esvaziados pelos moradores e utilizados para guardar coisas suas. Conforme noticiado à época, o transporte clandestino da Europa à África desses milhares de barris foi realizado por uma empresa italiana que forjou documentos de exportação e importação junto a autoridades corruptas de seu país e também da Nigéria. E para encontrar um sítio que acomodasse a carga tóxica sem que levantasse suspeitas maiores, a mesma empresa pagou um valor irrisório a um agricultor pobre de Koko, que era proprietário do lugar, assim induzido, sem o saber, a envenenar a si e a outros que viviam à sua volta. Nos anos seguintes, muitos deles de fato adoeceram de forma grave e vários vieram a falecer em consequência desse contato, incluindo Sunday Nana, o homem que, por quase nada, havia cedido terras suas para estocar os tonéis contaminados. O homem que olhou de modo grave para a câmera quando foi fotografado. Este não foi um acontecimento extraordinário. Apenas mais um, entre tantos outros ocorridos com frequência, que demonstra os modos como o poder de mando é exercido internacionalmente; que confirma a relação que existe entre a geografia física e humana que define países e continentes e a repartição desigual de dor e de morte no mundo. Geografia que não é fruto do acaso, mas construída ao longo de muito tempo, por meio de movimentos ativos de confronto entre quem possui maior poder de força e aqueles por eles designados como diferentes. Geografia que é moldada mais pela his-
tória que por movimentos espontâneos; que é ancorada em processos que ativamente subjugam mulheres e homens nascidos em certos cantos, em benefício de outras e outros que vivem em lugares por vezes distantes. Geografia que afasta e aproxima Pisa e Koko, Itália e Nigéria, Europa e África, Norte e Sul; que recorta cada espaço desses em termos étnicos, raciais e de gênero; que os fragmenta, ainda, em termos de maior ou menor acesso a moradia, saúde, segurança e outros bens necessários para viver-se a vida. Geografia que é filha da violência e que a reproduz continuamente. Geografia = Guerra, resume, sem ambiguidades, o título do trabalho. Cada barril cheio de veneno contrabandeado da Itália para a Nigéria reencena a brutalidade colonial da Europa em relação à África e o consequente desenho de uma territorialidade conflitiva gestada no passado e que ainda vigora. Cada um deles é uma arma que o Norte dispara na direção do Sul do mundo. Arma silenciosa, mas que adoece e mata tanto quanto outras que fazem estrondo. Cada viagem de navio que leva lixo tóxico de países europeus para países africanos é também evocação de milhares de outras viagens oceânicas, feitas entre os séculos 16 e 19, em que embarcações comandadas por gente branca da Europa transportavam gente negra da África para ser escravizada nas colônias de um Novo Mundo que se construía. São rotas e comércios, tanto os antigos como os recentes, que conformam e sustentam uma geografia que adoece e mata muitos para que outros sejam protegidos e permaneçam sãos. Geografia que não é, portanto, expressão somente das diversas paisagens físicas e humanas que existem no mundo, mas também das violências que as inventam e sustentam.
OUT OF BALANCE 1989
FORA DE EQUILÍBRIO
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At first sight, this work may be seen as an array of light boxes scattered on walls. There are six same-sized rectangular light boxes—four of them hung horizontally and the others vertically— radiating bright light. They resemble placards advertising products for sale or yet marquee signs at store entrances, bearing the establishment’s name. But, unlike advertising, the white surfaces shown here are, for their better part, blank and, at one end of each box, there is a photograph illuminated from inside. The men in the images are unwashed and shabbily dressed. Nearly all of them are looking square in the photographer’s eye and, consequently, in the eye of viewers in the exhibition gallery. The photographs have been cropped to enhance the faces and bodies of people who seem to come from some faraway place and undetermined time. Perhaps these people are found on the margins of history and geography, just as their images are on the ends of light-box surfaces bathed in white light. The boxes have been arranged on walls to add a sense of uncertainty to the content of the pictures. The photographs placed at different angles with their surfaces unevenly featuring blanks and portraits of men are also far too high on the wall or too close to the floor, thus breaking the convention of showing images at the most comfortable height for the human eye. To apprehend them as a whole, one has to get the measure of the entire array and see them as clues to, or signs of, a subject. The formal reshuffling of the photographs has to be subjectified so that viewers remain out of balance, if only for an instant, and get used to the unstable environment posited. The men photographed are workers in Serra Pelada, once the world’s largest open-air gold mine in Brazil’s northern state of Pará. The region was sparsely populated until the early 1980s when the prospect of
finding gold lured around one hundred thousand diggers in just a few years. It was a get-rich-quick dream that came true for very few of them, but the area was soon crime-infested, its environment irreparably devastated. Driven by the scale of human and economic developments in a landscape that confounded building and demolishing, Jaar made these images in 1985. They showed men reduced to selling their physical strength to mineowners. Hundreds of metric tons of gold were dug out and converted into material wealth for a few, almost all of them residing far from the digs. Ultimately, mineworkers wore out their bodies while devastating that area of Brazil. These people’s toil reminds us that the chances of leading a safe and secure life are so unevenly distributed. Hence the men lending their bodies to extract gold from the earth are left holding so little of the wealth they have produced. Exhausted bodies have little or no other option if they are to stay alive. In their blind quest for fleeing extreme poverty, they ended up destroying even more vulnerable bodies. They cleared forests, eroded soil, contaminated rivers, and introduced deadly diseases into indigenous communities. Rather than a temporary glitch spoiling an otherwise equitable social consensus, being out of balance was the enduring state of a system founded on extracting and suppressing the life force of other people. Before moving on, one had first to be wholly involved in this condition, thus counterbalancing the image blanks in the light boxes by inventing different possible futures.
À uma primeira visada, percebe-se o trabalho como um conjunto de placas luminosas espalhadas sobre as paredes. São seis caixas de luz retangulares e de mesmo tamanho — quatro delas postas na horizontal e as outras posicionadas verticalmente —, de onde emana forte luz branca. Assemelham-se a letreiros que anunciam produtos para venda ou que encimam a entrada de lojas para acender seus nomes. Ao contrário desses instrumentos de propaganda, contudo, quase toda a extensão das superfícies brancas mostradas está vazia. Mas não inteiramente: em uma das extremidades de cada uma das caixas, há uma fotografia sendo iluminada desde dentro. São imagens de homens maltrapilhos e sujos, quase todos dirigindo o olhar para quem os retrata e, por consequência, para aqueles que se encontram na sala expositiva. As fotografias foram obviamente recortadas, realçando faces e corpos de pessoas que parecem pertencer a qualquer tempo e a um lugar distante. Pessoas talvez situadas nas margens da história e da geografia, assim como suas imagens ocupam os extremos dos planos inundados de luz branca. O modo como as caixas são instaladas nas paredes amplia ainda mais a sensação de incerteza sobre o que relatam as fotografias. Além de possuírem orientações divergentes e terem suas superfícies ocupadas desigualmente pelo vazio e pelos retratos dos homens, estão localizadas muito no alto ou então demasiadamente próximas do piso, fugindo da convenção de se expor imagens na altura mais confortável ao olhar humano. Para apreendê-las como grupo, é necessário medir-se com o arranjo todo, tomando-as como pistas ou indícios de um assunto. É preciso subjetivar o embaralhamento formal das fotografias, deixando-se ficar, por um momento que
seja, fora de equilíbrio, habituando-se ao ambiente instável oferecido. Os homens fotografados são garimpeiros de Serra Pelada, a mina de ouro a céu aberto que, a partir do início da década de 1980, atraiu, em poucos anos, cerca de 100 mil pessoas para uma área antes quase desabitada do Pará, no norte do Brasil. Pessoas que buscaram um enriquecimento rápido, somente logrado por alguns, tornando violento aquele lugar e causando a destruição irreparável do meio ambiente. São imagens feitas por Alfredo Jaar em 1985, impelido pela dimensão do fato humano e econômico que se desenrolava em uma paisagem que confundia construção e ruína. Imagens de homens que, reduzidos à força física vendida para os proprietários da mina, extraíram centenas de toneladas de ouro daquele sítio, convertidas em riqueza material para outros poucos, quase todos vivendo longe dali. Homens que desgastaram a si mesmos tanto quanto devastaram aquele pedaço do país. O trabalho evoca, assim, quão desigualmente distribuídas são as possiblidades de existência segura. Razão pela qual aqueles que empregam a energia de seus corpos para extrair ouro da terra ficam com tão pouco do muito que produzem. Corpos esgotados que têm quase nenhuma outra opção para manter-se vivos. E que, na fuga cega da miséria, destroem corpos ainda mais vulneráveis. Derrubam matas, erodem o solo e contaminam rios, levando doença e morte a populações indígenas. Estar fora de equilíbrio não é afastamento passageiro de um acordo social justo, mas estado permanente de um sistema fundado na extração e na supressão da potência de vida de outros. E, para superar tal condição, é preciso primeiro implicar-se nela por inteiro, contrabalançando o vazio de imagens das caixas de luz com a invenção de outros futuros possíveis.
CHIAROSCURO 2016
CLARO-ESCURO
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The phrase written in bright red neon lettering, like advertising signs visible from afar, calls for viewers’ interpretation: O velho mundo está morrendo. O novo demora a nascer. Nesse claro-escuro, surgem os monstros [The old world is dying. The new world struggles to be born. Now is the time of monsters.] This is one version of a well-known diagnosis that the Italian thinker and politician Antonio Gramsci [1891–1937] made in 1930 while serving a prison sentence ordered by the fascist government that had seized power eight years earlier. During the ten years of incarceration (1927–1937), he wrote some 2,500 pages on philosophical, political, and cultural issues in an attempt to better understand the world and how to act to make it a kinder and fairer place. Concepts from his “Prison Notebooks” were later incorporated into the contemporary lexicon that structures discussion in those fields of knowledge. On formulating the diagnosis summarized above, Gramsci was analyzing the political situation in Italy at the time, caught between a world crisis of capitalism that had undermined the authoritarian regime and part of the Communist movement’s belief in the coming revolutionary victory over fascism—a wager not based on the real situation, in his opinion. Fascism might be in crisis but the conditions for its overthrow were not yet unequivocally in place. Absent any widely recognized solution, he saw an indefinite political interregnum, or “chiaroscuro,” eventually resolved by Italian fascism’s radicalizing its use of extreme terror until it was ended by World War II. Alfredo Jaar’s luminous sculpture reinvents Gramsci’s sentence, and both are almost inevitably associated with The Sleep of Reason Produces Monsters, the 1799 aquatint by Francisco de Goya [1746–1828]. Amid the latter’s subtle light-shade contrast (chiaroscuro) is a writer falling asleep
over his desk while night birds (perhaps from nightmares) seize their chance to torment him. The etching may be seen as a metaphor for the limits of Enlightenment rationality battling the political obscurantism of its period; however, monstrosity is admittedly no stranger to its rational explanations of the world. On the contrary, it is inextricably part of them. Enlightenment rationality was ultimately incapable of curbing Europe’s colonial racism which in the same period was set on harming peoples in far-off places. But Gramsci’s sentence also refers to contemporary situations in which dated orders are weakened while new ones are as yet unable to be instated through collective agreement. Some confrontations are going nowhere in particular. They are caught vicelike between shattered consensuses and others in the process of being consolidated. On the one hand, decades have passed, and hegemonic neoliberalism is no longer sustainable since it is wrecking hardwon social assistance and wrangling ever-higher levels of material inequality. On the other hand, there is still no real consensus as to more inclusive and egalitarian forms of sociability that could replace it as the prevailing system. In this ambivalent political space, the constant threat of violent preventive measures as a reaction to any loss of power and privilege has now become an actual fact. Monsters are constantly on the prowl, often flaunting reason as their banner. So they must be fought off all the time.
Escrita em néon vermelho e visível desde Goya [1746–1828], intitulada O sono da razão longe como se fosse letreiro de propaganda, produz monstros. Por meio do confronto a frase demanda interpretações de quem sutil entre luz e sombra (claro-escuro), o a lê: O velho mundo está morrendo. O novo artista espanhol cria a imagem de um escridemora a nascer. Nesse claro-escuro, surtor adormecido sobre sua mesa de trabalho, gem os monstros. Trata-se de versão de enquanto pássaros noturnos (talvez fruto conhecido comentário feito em 1930 pelo de pesadelos) se aproveitam da situação pensador e político italiano Antonio Gramsci para atormentá-lo. Embora a gravura possa [1891–1937], quando cumpria pena de prisão ser entendida como metáfora dos limites da imposta pelo governo fascista instalado em razão iluminista no confronto com o obsseu país oito anos antes. Durante a década curantismo político de seu tempo, é necesem que esteve detido (1927–1937), escreveu sário reconhecer que a monstruosidade cerca de 2.500 páginas de reflexões sobre não é estranha àquilo que se entende como questões filosóficas, políticas e culturais explicações racionais do mundo. É, ao conreferentes ao mundo de seu tempo, sempre trário, parte inextricável delas. A racionalipara melhor entendê-lo e atuar nele, transdade iluminista foi incapaz, afinal, de conter formando-o em lugar mais generoso e justo. o racismo colonial europeu que, àquela Escritos que ficariam conhecidos como mesma época, violentava povos diversos em “Cadernos do cárcere”, onde se encontram outros cantos. conceitos depois incorporados ao léxico A frase também remete, porém, a que estrutura discussões contemporâneas situações contemporâneas em que velhas daquelas áreas do conhecimento. ordens se enfraquecem e outras novas não Quando formulou o diagnóstico resuconseguem ainda se impor como acordo mido na frase, Antonio Gramsci analisava a coletivo. Situações de embate sem destino situação política da Itália daquele momento, certo entre consensos rotos e outros em espremida entre uma crise mundial do capiprocesso de consolidação. Por um lado, o talismo que enfraquecia o regime autoritário neoliberalismo por décadas hegemônico e a crença de parte do movimento comunista demonstra ser insustentável manter-se por na proximidade de vitória revolucionária mais tempo, posto que esfacela proteções contra o fascismo — uma aposta, a seu juízo, sociais a muito custo conquistadas e produz sem âncora na realidade do país. Embora o níveis de desigualdades materiais crescenfascismo pudesse estar em crise, não havia tes. Por outro, contudo, não existe ainda condições ainda para impor sua derrota ineconsenso forte em torno da implantação de quívoca, criando um interregno sem solução formas de sociabilidades mais inclusivas estabelecida. Como se sabe, a indefinição e igualitárias que possam superá-lo como desse “claro-escuro” político terminou ordem dominante. O risco, sempre presente, sendo resolvida pelo aprofundamento radical é que nesse ambíguo espaço político emerja do terror fascista na Itália, somente inter— como tem, de fato, acontecido — a reação rompido ao final da Segunda Grande Guerra. violenta e preventiva à eventual perda de É quase inevitável associar a frase de poder e privilégios. Os monstros estão semAntonio Gramsci, bem como sua reinvenção pre à espreita. Muitas vezes ostentando a como escultura luminosa por Alfredo Jaar, razão como bandeira. E, por isso, é preciso à gravura feita em 1799 por Francisco de combatê-los todo o tempo.
YOU DO NOT TAKE A PHOTOGRAPH. YOU MAKE IT. 2013
VOCÊ NÃO TIRA UMA FOTOGRAFIA. VOCÊ FAZ UMA FOTOGRAFIA.
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Hundreds of square posters piled on the floor form a cubic volume. On each poster is the same sentence inked in black on a white background: VOCÊ NÃO TIRA UMA FOTOGRAFIA. VOCÊ FAZ UMA FOTOGRAFIA [You do not take a photograph. You make it]. Anyone stepping closer to read these words— supposedly written by U.S. photographer Ansel Adams [1902–1984]—is allowed to take a poster from the pile and bring it home with them. As the pile shrinks, more posters are added. This catchphrase highlights the active role and responsibility inherent in the act of photographing. After all, admitting that photographs are taken would be admitting that people and events presented the world through a photographic apparatus existed as such before being shot for images. This would mean seeing a photograph as a neutral imitation of reality. Contrariwise, to assert that photographs are made is to imply that they are productions from realities (rather than merely image records), thus inevitably including some subjects and situations while excluding others. “Made” presupposes that photographs are sensitive cross sections or abstractions from the real world made from their author’s singular standpoint in a given context. So photographs are visual equivalents of realities that can never be fully represented as images. The sentence syntax is key to the meaning of this work. It is assertively addressed to an indefinite and generic you. The addressed include professional photographers (artists, documentarians, photojournalists, and other arbitrary classifications) and anyone who more or less frequently uses photography to invent the environment they inhabit. Its imperative syntax alludes to each person’s power to create photographic images, thus confirming or challenging hegemonic ways of understanding and organizing
life. But this power depends on the extent to which each photograph taken is broadcast for others to consume, given that photography’s ability to affect people has been multiplied many times by emerging digital technology and so-called social media. In this respect, the known world is a construct from a set of photographs constantly struggling to grab attention and approval in other people’s eyes. So this you that Alfredo Jaar is addressing in his work includes people to whom these images are addressed all the time, rather than just those who are making them. By accepting or rejecting photographs as faithful representations of a given context, these consumers legitimize or reject the necessarily limited image cutouts from reality. They become jointly accountable for constructing ideas about the world from photographic images. Constructions omit so much information that they impact the distribution of social recognition of people and events. The sentence printed on the posters bolsters the theoretician Ariella Azoulay’s argument that photographs in themselves do not contain stable signifieds because they are subject to forever incomplete disputes between maker and consumer, portrayer and portrayed. She suggests the need for a “civil contract for photography” between producers and recipients. This contract should be based on an ethics that acknowledges the Other as an equal and calls for everyone to see themselves as actively involved in the making of the world through photographic images. By accepting the offer of a poster that states this responsibility, exhibition visitors are already putting this contract into effect.
Empilhados sobre o piso, centenas de cartazes quadrados formam um volume cúbico. Em cada um deles, a mesma frase escrita em tinta preta sobre fundo branco: VOCÊ NÃO TIRA UMA FOTOGRAFIA. VOCÊ FAZ UMA FOTOGRAFIA. A quem se aproxima para ler o texto — atribuído ao fotógrafo estadunidense Ansel Adams (1902–1984) — é concedido retirar um dos cartazes do monte e levá-lo consigo. Outros idênticos são acrescentados à pilha, à medida que ela diminui de altura. A frase chama atenção para o protagonismo e a responsabilidade implícitos no ato de fotografar. Afinal, conceder que fotografias são tiradas significaria assentir que as gentes e os fatos apresentados ao mundo através do dispositivo fotográfico já existiam, tal e qual, antes de serem fixados como imagem. Significaria entender a fotografia como decalque neutro da realidade. Afirmar, contrariamente, que fotografias são feitas, implica assumi-las como produções (e não meros registros) de realidades, em que inclusões e exclusões de sujeitos e situações são inevitáveis. Pressupõe tomá-las como recortes ou abstrações sensíveis do mundo a partir da posição singular que seu autor ocupa em um contexto dado. Fotografias, portanto, como equivalentes visuais de realidades que nunca podem ser inteiramente representadas como imagem. A sintaxe da frase é central ao sentido do trabalho. Ela é dirigida, de modo assertivo, a um indefinido e genérico você. Endereçamento que inclui os fotógrafos profissionais (artistas, documentaristas, fotojornalistas, entre outras classificações arbitrárias) e qualquer um que, com maior ou menor frequência, inventa o entorno que habita através da fotografia. Sintaxe imperativa que alerta para o poder que cada pessoa dispõe ao criar imagens fotográficas, posto que, com isso, confirma ou desafia formas
hegemônicas de compreender e organizar a vida. Um poder que depende, contudo, de quanto cada fotografia feita é veiculada para consumo de outros; capacidade de afetação fotográfica que foi muitas vezes ampliada pela emergência da tecnologia digital e das chamadas mídias sociais. O mundo conhecido é, nesse sentido, construído por um conjunto de fotografias em contínuo embate pela atenção e aprovação do olhar alheio. Por tal razão, esse você a quem Alfredo Jaar se dirige em seu trabalho também inclui as pessoas a quem essas imagens são o tempo inteiro endereçadas, e não somente quem as cria. Ao aceitar ou rejeitar fotografias como representações fiéis de um dado contexto, esses consumidores legitimam ou recusam os recortes necessariamente limitados que elas produzem da realidade. Tornam-se corresponsáveis por construções de ideias de mundo fundadas em imagens fotográficas. Construções que, por deixar tanta informação de fora, impactam a distribuição do reconhecimento social de gentes e fatos. A frase impressa nos cartazes soma-se à argumentação da teórica Ariella Azoulay a respeito de fotografias não conterem, nelas mesmas, significados estáveis, posto que estão submetidas a disputas sempre inacabadas não só entre quem as produz e quem as consome, mas também entre quem retrata e quem é retratado. Razão pela qual sugere ser necessário estabelecer um “contrato civil da fotografia” entre os envolvidos em sua produção e os que são objeto dela. Contrato ancorado em uma ética que reconhece o outro como igual e que demanda que cada um se assuma como implicado na feitura do mundo através dessas imagens. Aceitar o oferecimento de um cartaz que enuncia essa responsabilidade é já dar início a esse contrato.
WALKING ON WATER 1992
CAMINHANDO SOBRE AS ÁGUAS
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Caminhando sobre as águas [Walking on water] features six square light boxes of the same size, aligned on the floor away from the wall behind them. Even when viewed from several meters away, their illuminated images are clearly discernible: they are photographs of a man crossing a shallow pool of water, his trouser rolled up to his knees. One of the images reveals a cross tattooed on his leg. Along the sequence of photographs—visual records of a person nearing an indefinite place—more of this man gradually becomes visible, but never his whole body. Even the tightest close-up shot does not get to show the subject’s face. However, one could speculate that this individual has left a dry place and is now striving to reach another piece of dry ground. Given its horizontality and its size much greater than the space a body could possibly occupy, this sequence of illuminated images eventually forms—or at least evokes—a scape. A waterscape that seduces viewers from the distance, and urges them to draw nearer. Those who approach soon realize that there is something in the installation other than the illuminated photographs that they had seen from afar. Something that cannot be wholly accessible and indicates that a waterscape may obstruct passage. Initially experienced as a sensitive personal event, this constraint gradually evokes political and economic restrictions on the rights of many people to go wherever they please. This limitation is suggested in the inevitable confrontation of the viewer’s body, when approaching the installation, with a line of thirty identical square pieces affixed on the wall behind the light boxes. These squares were barely seen by the viewer at his standpoint, further away from the photographs of the man walking on water. However, now they seem to light up or be darken depending on the viewer’s bodily movements along their
horizontal alignment. This impression is caused by the quick realization that those surfaces are reflective and that there are more illuminated photographs on the backsides of the lightboxes, facing the wall. So at each slight movement of the viewer’s body, the images—that may or may not be seen in those smaller reflective squares—will alternate. Occasionally, partial views of photographs on the back of the light boxes may be discerned, although not in full because they are reflected on much smaller mirrors. These photo fragments that the moving eye picks up include parts of a man’s Latino facial features—presumably, the same man shown in the images on the front of the light boxes—as well as photo fragments showing his legs and feet in the water. Throughout this process of negotiating and measuring the viewer’s presence before the installation, portions of their body are also reflected on the square mirrors, at times sharing space or jostling for space with partial images of the man’s photograph. Depending on the visitor’s standpoint, however, no image is seen on some of the mirrors; a blank or a black hole are all there is, as if to indicate that the reflective surfaces refuse to depict anyone or anything. These absences invoke images—of certain people and situations—that are recurring and socially rebuffed. Like that of a man with Latino features photographed walking on water. Water of the Rio Grande, the river in southwestern United States; or the Rio Bravo, as it is known in northwestern Mexico. This river sets part of the long borderline between the two countries. For several decades, it has provided the preferred border crossings for migrants and refugees coming from Mexico (and Latin American and Caribbean countries) into the United States. Upon reaching this ambiguous body of water separating
Em Caminhando sobre as águas, seis caixas de luz quadradas e de tamanho idêntico são alinhadas frontalmente sobre o piso e afastadas da parede que as antepara. Mesmo distante vários metros delas, é possível distinguir o que iluminam: fotografias de um homem que, com a calça enrolada até a altura dos joelhos, atravessa uma superfície rasa de água. Em uma das imagens, percebe-se a forma de uma cruz tatuada sobre sua perna. Ao longo da sequência de fotografias — registros de uma cena de aproximação a um lugar indefinido —, vê-se gradualmente mais desse homem, mas nunca ele inteiro. Mesmo a fotografia feita mais de perto não chega a exibir o rosto do retratado. Intui-se, todavia, tratar-se de alguém que deixou algum território seco e se dirige, com esforço, a outro pedaço de chão firme. Por sua horizontalidade e dimensão bem maior que o espaço que um corpo é capaz de ocupar, essa sequência de imagens iluminadas termina por formar — ou ao menos evocar — uma paisagem. Paisagem que seduz quem a examina de longe e solicita, em consequência, um maior acercamento dela. Quem responde a esse chamado e faz tal movimento percebe haver, no trabalho, algo para além das fotografias acesas que, desde o longe, já eram notadas. Algo a que não se pode, contudo, ter acesso completo, e que sugere que uma paisagem pode ser, simultaneamente, barreira que impede passagem. Experimentada inicialmente como fato sensível e individual, é uma restrição que pouco a pouco evoca interdições políticas e econômicas do direito de muitos de deslocarem-se para onde desejem estar. Limitação que é sugerida no inevitável confronto do corpo que se aproxima do trabalho com trinta pequenas e idênticas superfícies quadradas, fixadas em linha sobre a parede situada por detrás das cai-
xas de luz. São superfícies que quase não podiam ser vistas quando se estava ainda distante das fotografias do homem caminhando sobre a água e que parecem se acender e se apagar, a depender de movimentos corporais feitos ao longo de sua extensão horizontal. Impressão de acendimento e apagamento causada pelo fato, rapidamente decifrável, de aquelas serem superfícies espelhadas e de haver, nas faces das caixas de luz voltadas para a parede, mais outras fotografias iluminadas. A cada pequeno deslocamento do corpo, portanto, alternam-se as imagens que podem ou não ser vistas naqueles reduzidos espaços refletivos. Distinguem-se, vez ou outra, pedaços das fotografias contidas nos versos das caixas de luz, impossíveis de serem acessadas em sua inteireza por serem refletidas sobre espelhos menores que elas. Entre esses fragmentos fotográficos que o olho em movimento captura, é possível identificar partes do rosto de um homem de feições latinas — entende-se ser o mesmo homem que aparece nas imagens exibidas na face frontal das caixas —, bem como fragmentos de fotografias que exibem seus pés e pernas enfiados na água. Ao longo desse processo de negociação e medição da presença do corpo perante o trabalho, também se enxergam porções dele próprio refletidas nos pequenos espelhos, eventualmente dividindo ou disputando espaço com pedaços de imagens do homem fotografado. A depender de como se está posicionado, contudo, é possível que não se veja coisa alguma em alguns dos espelhos alinhados; apenas um vazio ou um buraco de luz, como se as superfícies refletivas se recusassem a figurar alguém ou algo. Ausências que invocam imagens — de pessoas e situações determinadas — recorrente e socialmente negadas. Como a de um homem de feições
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and connecting different territories, these people threatened by extreme poverty or violence in their countries of origin trust that, if they can get across after surviving so many perils along the way, they will have reached a safe haven at last. Migrants choose this border crossing because the Rio Grande/Rio Bravo’s discharge rate has gradually diminished for over a century due to periodic drought and constantly diverted water resources. So the river is somewhat narrow and shallow to the point of hardly being navigable. In some parts, the shallow water barely covers riverbed rocks and sand. Precisely at one of these spots, this man was photographed walking on water, like so many other men, women, and children every day. More often than not, these are people who have had to leave behind the little they had to make this tentative crossing to a promised land. The cross tattooed on the man’s leg—a plausible indication of his Christian religious belief—inspired Alfredo Jaar’s symbolic association between the overcoming of numerous obstacles faced by people trying to escape a threatening situation and the well-known miracle attributed to Jesus, who reportedly walked on water some two millennia ago. For the Christian tradition, the cross stands for torture but also augurs the coming resurrection, or yet new life and renewed hope in a different context. However, this belief is insufficient or even detrimental to any attempt to confront globally hegemonic political arrangements that treat refugees as outcasts; in other words, people whose pain is irrelevant—so we are better off being unaware of its existence. Likewise, discursively enunciating this situation is not enough to fight it. First and foremost, the enunciation seems to introduce the work, one must necessarily be involved in it.
In this respect, Caminhando sobre as águas is shown as an apparatus that may be indistinctly aesthetic and ethical. The choreography that an interested viewer’s body rehearses in front of this installation involves parts of their image reflected on the mirrors. These images alternate or are even confounded with the fragmented reflections of the photographed man’s body. His body crafts a choreography of an entirely different nature, based on a desire to overcome the precarious life to which he will be fated, unless he moves on. Migrant bodies will often disappear despite the many challenges at attempted border crossings. By alternating or overlapping these quite different choreographies, this work shuffles hierarchical relations between images of societally separated bodies, thus allowing them to aspire to the same rights in the future. Although the mirror is a locus for narcissistic reflection, in this installation it also becomes an apparatus reflecting the Other’s social space.
latinas fotografado caminhando sobre as águas. Águas que formam o Rio Grande, como o chamam no sudoeste dos Estados Unidos; ou o Rio Bravo, como o chamam no noroeste do México. Rio que demarca parte da fronteira extensa entre os dois países e que tem sido, por décadas, um dos principais pontos de travessia de refugiados mexicanos (e de outros vindos de mais países da América Latina e do Caribe) rumo aos Estados Unidos. Pessoas ameaçadas pela pobreza ou pela violência extremas em seus lugares de origem e que possuem a expectativa e a crença de que, caso consigam cruzar essa superfície ambígua que separa e aproxima territórios distintos — superando os muitos perigos relacionados a esse deslocamento —, estarão a salvo do que lhes ameaça a vida. A escolha por esse lugar de passagem se deve ao fato de, ao longo de mais de um século, o fluxo de água do Rio Grande (ou Bravo) ter gradualmente diminuído, resultado conjunto de secas periódicas e de continuada e excessiva exploração hídrica. Trata-se de um rio, portanto, de pouca largura e profundidade reduzida, a ponto de ser de difícil navegabilidade. Em alguns trechos, existe apenas uma fina camada de água sobre as pedras e a areia que formam seu leito. É em um desses pontos rasos que esse homem é fotografado caminhando sobre suas águas, assim como diariamente o fazem tantos outros homens, mulheres e crianças que, no mais das vezes, abandonam o pouco que tinham para trás para fazer a incerta travessia. A cruz que o homem tem tatuada na perna — provável expressão de crença religiosa cristã — autoriza a associação simbólica que Alfredo Jaar faz entre a superação dos muitos obstáculos enfrentados por alguém que quer escapar de uma situação
de risco extremo e o conhecido milagre atribuído a Jesus, que teria caminhado sobre outras águas, dois milênios antes. Afinal, se a cruz representa suplício, também anuncia, naquela tradição, a ressurreição que estaria por vir. Ou o refazimento da vida em um contexto novo. Crença que é, todavia, insuficiente ou mesmo iníqua no enfrentamento de um arranjo político que, mundialmente hegemônico, trata o refugiado como alguém que não se deseja por perto; como alguém cuja dor não importa e que é preferível não saber que existe. Assim como a enunciação discursiva dessa situação não basta para combatê-la. Antes de tudo, parece anunciar o trabalho, é necessário estar implicado nela. E é nesse sentido que Caminhando sobre as águas se apresenta como dispositivo indistintamente estético e ético. A coreografia que um corpo interessado ensaia diante do trabalho faz com que pedaços de suas imagens refletidas nos espelhos se alternem, e até se confundam, com imagens partidas do corpo do homem fotografado. Corpo que elabora uma coreografia de natureza inteiramente diversa, fundada no desejo de superar a vida precária a que, caso não se mova, estará destinado. Corpo-migrante que, a despeito de tantos esforços feitos para atravessar fronteiras, muitas vezes desaparece. Ao promover a alternância ou sobreposição dessas coreografias tão diferentes, o trabalho embaralha a hierarquia entre imagens de corpos socialmente apartados, abrindo a possibilidade de imaginar que um dia possuam direitos equivalentes. O espelho, lugar de reflexo narcísico, torna-se também, neste trabalho, dispositivo que reflete o espaço social do outro.
ONE MILLION POINTS OF LIGHT 2005
UM MILHÃO DE PONTOS DE LUZ
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In One Million Points of Light, a same image shone on a wall and printed on postcard handouts at the exhibition venue. The enlarged photo projection and the postcard picture feature rippling water. Bright sunlight shines on the dense but fluid surface. It is not the light of the zenith sun, shining on water from overhead; nor can it smooth the undulating relief characteristic of its perpetual motion. On the contrary, light glides obliquely along a water surface, almost sideways. So, it meets with few obstacles on finding this uneven liquid surface and being shattered into countless points of silvery light, unevenly illuminating water. An intriguing scene that beckons viewers to come closer. Only by reading the text printed on the back of the postcard will they find the origin and context of the image shown. The photograph was taken by Alfredo Jaar himself on the seashore at Luanda, capital of Angola, in Africa. Pointing his camera at the aqueous surface in front of him, he looked out toward something the human eye could not reach: the opposite shore on the same ocean, a few thousand kilometers away. He aimed toward the coast of Brazil, in South America. However, all his camera captured was one million points of light. The image speaks to physical distances separating countries or continents—and to historical proximity joining them too. A remote-but-simultaneous connection, a situation pertaining to the construction of that which world society calls the ‘modern age.’ For almost three centuries, Angola was centrally situated when Africans were rounded up and trafficked as slave labor to Brazil, a Portuguese colony at that time. This photograph was taken on Angola’s Atlantic shore, whence vessels known as tumbeiros or coffin ships carried over 3.5 million black men and women subjugated by extreme violence, to create wealth for European colonizers
in Brazil. This number accounted for about three-quarters of all enslaved Africans brought into Brazil. Throughout this long period, over ten thousand oceanic voyages from Angola to Brazil transported individuals deprived of their humanity and dignity. Crammed and stifled below deck in slave ships, they were ravaged by disease or suffocated even before landing at the destination. These people who could not even see the ocean they were crossing, a moving territory where the contrast between their previously free lives and enslavement to come was brutally enforced. The ocean as locus where perverse connections were forged between different traditions and far-flung lands—Europe, Africa, the Americas—making it a key place for our understanding of both colonial racism and the emergence of ways to resist such violence. Historian Paul Gilroy wrote of the Black Atlantic as territory on which cultures were forced to make contact, and where the founding mechanisms of the African diaspora were established—a diaspora marked by extreme abuse and all manner of strategy devised just to stay alive. By showing us the image of this ocean lit by tiny ephemeral lights, Alfredo Jaar seems to evoke an ocean-going “flight of fireflies” combatting the dimming of autonomous existences in that space of crossings and hardships. Jaar appropriates a metaphor that poet and filmmaker Pier Paolo Pasolini created to refer to the antifascist resistance. From an image of water and light, he fashions a memorial to victims of racism. Not just in the past, but victims in the present too.
Um milhão de pontos de luz é composto por uma imagem projetada em larga escala sobre a parede e por um cartão-postal disponível ao público. Iluminada sobre a parede e impressa no cartão, uma única fotografia exibe uma paisagem onde há somente água em fluxo. Sobre a superfície densa e fluida retratada, incide a luz forte do sol. Não do sol a pino, pois a luz não se impõe sobre a água, não achata o relevo ondulado próprio de seu incessante movimento. Pelo contrário, cai sobre ela de forma oblíqua, quase lateralmente. Por tal razão, encontra pequenos obstáculos ao esbarrar nesse plano líquido acidentado e se estilhaça em inúmeros pontos de luz prateados, iluminando-o irregularmente. Uma cena que intriga e convida à aproximação. É apenas ao ler o texto impresso no verso do cartão-postal que se descobre a origem e o contexto da imagem exibida. Trata-se de uma fotografia feita pelo próprio artista quando estava à beira do oceano Atlântico, em Luanda, capital de Angola, país africano. Apontando sua câmera para a superfície de água que tinha à frente, mirou o que nenhum olho humano é capaz de enxergar: a outra margem desse mesmo oceano, situada a milhares de quilômetros dali. Mirou o litoral do Brasil, na América do Sul. Mas tudo o que capturou foi um milhão de pontos de luz. Trata-se de um trabalho que evoca a distância física e a proximidade histórica entre países e continentes distintos. Situação de afastamento e simultânea conexão, que é parte da construção daquilo que se entende como era moderna do mundo. Por quase três séculos, Angola desempenhou papel central no aprisionamento e tráfico de africanos que seriam forçados a trabalhar no Brasil, então colônia de Portugal. Foi da margem atlântica angolana, de onde essa fotografia foi feita, que saíram, em embarcações conhecidas
como tumbeiros, mais de 3,5 milhões de homens e mulheres negros, subjugados por violência extrema e destinados a gerar riqueza para o colonizador europeu no Brasil. Quantidade que representa cerca de três quartos de todos os africanos escravizados desembarcados no país. Ao longo desse período longo, foram mais de 10 mil viagens oceânicas feitas entre Angola e Brasil, transportando pessoas destituídas de sua humanidade. Pessoas amontoadas nos porões sem ventilação das embarcações e sujeitas a doenças ou mesmo à asfixia antes mesmo do desembarque. Pessoas que nem sequer conseguiam ver o oceano que atravessavam, território movente onde se estabelecia, em termos definitivos, o confronto brutal entre uma vida pregressa livre e uma vida de escravização por vir. Oceano como local onde se teceram vínculos perversos entre tradições distintas e regiões apartadas — Europa, África, Américas —, fazendo dele um lugar nuclear para entender-se tanto o racismo colonial quanto o surgimento de formas de resistir a tal violência. Um território — chamado de Atlântico Negro pelo historiador Paul Gilroy — onde foram promovidas aproximações culturais forçadas e estabelecidos os mecanismos fundantes da diáspora de populações africanas no mundo, marcada por abusos radicais e também por invenções de estratégias várias para a manutenção da vida. Ao apresentar a imagem desse oceano aceso por minúsculos e efêmeros pontos iluminados, Alfredo Jaar parece evocar uma “revoada de vagalumes” marinhos que combate o apagamento de existências autônomas naquele espaço de travessia. Apropria-se da metáfora que o poeta e cineasta Pier Paolo Pasolini criou para se referir à resistência ao fascismo e faz, de uma imagem de água e luz, um memorial para as vítimas do racismo. De antes e de agora.
OTHER PEOPLE THINK 2012
OUTRAS PESSOAS PENSAM
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OUTRAS PESSOAS PENSAM [Other people think] is the phrase written in three lines of white lettering on black background shown in a square light box attached to the wall. Together, these illuminated words form a simple sentence and, at the same time, an image. They are meant to communicate a sensitive experience of something that, in principle, ought not to pose any questioning or doubt. After all, thinking is obviously a shared capacity of the human species. Regardless of any characteristic that distinguishes one person from others—birthplace, skin color, gender, ethnicity, religious belief or lack thereof, or any of several possible markers indicating their belonging to one or more communities—every individual has thinking capacity. Or so humanity’s past empirical experience seems to indicate. Yet there are people who disavow the rational cognitive capability of others. Moreover, some individuals actively suppress the expression of Others’ thoughts to secure illegitimate gains through this violent gesture. Hence, perhaps simply acknowledging that other people do think is not enough: we should fight anyone who negates this universal human competence. This piece was made to honor the U.S. composer, musical theorist, and writer John Cage [1912–1992] on his centennial. Its title alludes to Cage’s first long-form text for a speech with which he won a high-school oratorical contest at the age of fifteen. Informed by Cage’s earnest desire to promote closer relations between his countrymen and the peoples of Latin America, his text conveys a condescending view of the Other’s right to think, surely expressing his low level of political maturity, given his young age. In the context of Alfredo Jaar’s work, however, this phrase takes on a different meaning on becoming an image linked to his many endeavors to create fissures in the visual arts
field, thus denying Others the ability to articulate their own thoughts. Others are foreigners, the poor, indigenous, blacks, Latinos, exiles, transvestites, the insane, and so many other subalterns or historically disenfranchised individuals. To maintain that other people do think is to echo the Brazilian educator Paulo Freire [1921–1997], for whom the formal process of literacy learning is intimately connected to the ability to read and write one’s own life. Here, literacy is viewed as a process that confers autonomy and protagonism on those who cannot tell their own stories or lay claim to their rights because they have not mastered reading and writing. People who are denied full citizenship rights. In this context, Freire describes education as the “practice of freedom” expressed as “pedagogy of the oppressed.” Ultimately, arguing that other people think means confronting the hegemonic notion that only those holding material power in society may exercise the faculty of reasoning. In contrast, others are limited to supposedly subordinated feelings such as emotion. This means battling an epistemological fraud that once enabled European philosophers to find the Enlightenment to be compatible with slavery.
OUTRAS PESSOAS PENSAM: escrita com letras brancas sobre fundo preto, é esta a frase que se lê em caixa de luz quadrada presa à parede. Distribuídas em três linhas, essas palavras juntas e iluminadas formam uma sentença simples e são, ao mesmo tempo, também imagem. Querem comunicar, como experiência sensível, algo sobre o que não deveria haver, em princípio, dúvida alguma. A faculdade do pensamento, afinal, é obviamente compartida por todos aqueles que são membros da espécie humana. A despeito de quaisquer elementos que diferenciam uma pessoa das outras — origem, cor da pele, gênero, etnia, crença religiosa ou ausência dela, entre vários outros marcadores possíveis de pertencimento a uma ou mais comunidades —, todas são capazes de pensar. Ou assim parece informar a experiência empírica acumulada do mundo. Há, contudo, quem negue a capacidade cognitiva racional de alguns. Mais ainda, há quem ativamente suprima a expressão do pensamento do outro para usufruir, por meio desse gesto violento, de ganhos ilegítimos. Daí, talvez, ser necessário não só lembrar que outras pessoas pensam, mas também combater quem queira negar essa competência que pertence a qualquer um. Este trabalho foi feito como homenagem ao compositor, teórico musical e escritor estadunidense John Cage [1912–1992), por ocasião do centenário de seu nascimento. É referência ao título do primeiro texto mais extenso escrito pelo artista, com o qual venceu, aos quinze anos de idade, uma competição de oratória entre alunos de escolas de ensino médio. Atravessado por uma vontade sincera de aproximação entre a população de seu país e os residentes dos países que formam a América Latina, o texto de John Cage é, contudo, marcado por uma visão ainda condescendente em
relação ao direito de o outro pensar, certamente expressão da pouca maturidade política que alguém tão jovem poderia possuir. Inserida no contexto da obra de Alfredo Jaar e transformada em imagem, porém, a frase ganha significado distinto, posto que se articula a muitos outros de seus esforços em construir, no campo das artes visuais, fissuras no poder de negação da capacidade de o diferente articular pensamento próprio. Diferente que é o estrangeiro, o pobre, o indígena, o negro, o latino, o exilado, a travesti, o louco e tantos outros sujeitos historicamente subalternizados. Afirmar que outras pessoas pensam é fazer coro com o educador brasileiro Paulo Freire [1921–1997], para quem o processo de alfabetização formal está intimamente ligado à possibilidade de se poder ler e escrever a própria vida. Alfabetização como processo que fortalece a autonomia e o protagonismo daqueles que, por não dominarem a leitura e a escrita, por vezes não podem narrar suas histórias nem pleitear direitos que lhes são devidos. Daqueles a quem é negada plena cidadania. É nesse contexto que a educação é por ele entendida como “prática de liberdade” e é expressa como “pedagogia do oprimido”. Afirmar que outras pessoas pensam é, por fim, confrontar a ideia hegemônica de que o exercício da faculdade da razão é possível somente aos que detêm o poder material do mundo, cabendo, aos demais, sentimentos supostamente subordinados como o da emoção. É combater uma fraude epistemológica que um dia permitiu, à filosofia europeia, tornar compatíveis o Iluminismo e a escravidão.
SHADOWS 2014
SOMBRAS
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Alfredo Jaar’s Sombras [Shadows] creates a two-room environment to examine a photograph Dutch photojournalist Koen Wessing [1942–2011] made near Estelí in Nicaragua, in 1978, just one year before the decades-long dictatorship finally collapsed. The apparatus he created to show and analyze this image—projected on a large screen in the second room— includes six other photographs shown in small light boxes in the first room. Produced in black and white, all seven photos bear witness to their author coming across a group of peasants assisting a peer who had been shot dead by the Nicaraguan government’s repressive forces. The option for not inserting any captions to tell about the highlighted image—using only other photographs—brings to mind the strategy adopted by Koen Wessing himself in his book on the brutal consequences of the military coup in Chile, in 1973. That book features images alone since any written explanation of the incident was unnecessary. The six photographs shown together provide clues about the incident. In one of them, armed soldiers order men out of a bus and body search them in the middle of the road. In another, central to the narrative, the body of a dead man lies on the edge of the road pavement, with a huge head wound—probably from shots fired at close range. Two men and a boy who surely knew the deceased are standing by and watching his body. The other photos were taken at the murdered peasant’s unassuming home, where they took his body. This man only appears in one more image, lying still on a bed, his wound covered by a cloth. Two women—one sitting beside him, the other standing—watch over him, obviously grieving over what has happened. In the other three photographs, additional scenes express the suffering caused by the unexpected violent death: people who may be
friends, neighbors, or relatives seem to be in distress over the murder. The same two women are in the photos—or at least one of them is. They are wailing inconsolably, holding their hands to their heads in despair. In their bodies, they discover a gestural repertoire that precedes mourning while seeking to deny death. They appear to be about the same age and much younger than the murdered man, which probably makes them his now-orphaned daughters. The photo projected in a separate room integrates the same set as the other six images. This was the first that Jaar discovered, which prompted him to search Koen Wessing’s archives for other photos taken on that same day, and then select a few to provide a visual context for his presentation. Enlarged to take up a large canvas in a darkened space, the photograph shows the murdered peasant’s two daughters in a moment of total distress. They are standing almost side by side, their bodies seemingly about to fall apart. The setting looks like the general area where the man’s lifeless body was found. This photo may have been shot exactly upon the women’s arrival on the scene after hearing the news and encountering their dead father. One of them has her body bent under an invisible weight that throws her off balance, while her arms look weakened and her gaze is lowered; the other holds up her limp arms and her closed eyes are facing upward, although her body seems about to collapse on the ground. Together, the two females render an image of unbearable suffering while holding against acceptance of a sudden and irrevocable loss. Their spontaneous postures and gestures—although inscribed on bodies accustomed to the everyday brutal violence of a convulsed country—deliver a choreography of anguish and despair. They unconsciously build in themselves a
Em Sombras, Alfredo Jaar cria um ambiente de duas salas dedicado ao exame de uma fotografia feita em 1978 pelo fotojornalista holandês Koen Wessing [1942–2011], nos arredores de Estelí, na Nicarágua, um ano antes de uma ditadura de décadas finalmente ruir naquele país. O aparato que cria para expor e analisar essa imagem — projetada na segunda das salas sobre uma tela de grandes dimensões — inclui a exibição de seis outras fotografias, mostradas em pequenas caixas de luz no primeiro recinto. Produzidas em branco e preto, todas as sete dão testemunho do que ocorreu após seu autor encontrar, às margens de uma rodovia, um grupo de camponeses acudindo outro deles, morto por tiros disparados pelas forças repressivas do governo nicaraguense. A opção por não inserir texto algum para dissertar sobre a imagem destacada — valendo-se apenas de outras fotografias — evoca a estratégia adotada pelo próprio Koen Wessing ao publicar um livro sobre os desdobramentos violentos do golpe militar no Chile, em 1973. Um livro feito apenas de imagens, por ser desnecessária qualquer explicação escrita sobre a natureza daquilo que se passava ali. As seis fotografias exibidas conjuntamente fornecem indícios de um fato. Em uma delas, homens são retirados de dentro de um ônibus e revistados, no meio da estrada, por militares armados. Em outra, central à narrativa, vê-se um homem morto à beira do asfalto com um enorme ferimento na cabeça — resultado provável de tiros disparados bem de perto — observado por dois outros homens e um menino que certamente o conheciam. As demais são já feitas na casa modesta do camponês assassinado, para onde seu corpo fora levado. Ele somente aparece em mais uma imagem, deitado inerte em sua cama e com
a ferida ocultada por um pano. Duas mulheres — uma sentada a seu lado, a outra de pé — velam-no com dor evidente pelo ocorrido. Nas outras três fotografias, mais cenas expressam o sofrimento causado pela morte inesperada e violenta: pessoas que podem ser amigos, vizinhos ou parentes parecem abaladas pelo acontecimento. Nas imagens, as mesmas duas mulheres — ou ao menos uma delas — estão presentes: sem consolo possível, choram e levam as mãos à cabeça em desespero; descobrem, embutido em seus corpos, um repertório gestual que quer negar a morte e antecede o luto. Por serem bem mais jovens que o homem assassinado e por parecerem ter idade próxima entre elas, intui-se que sejam suas filhas, agora órfãs. A fotografia projetada em sala separada integra a mesma série a que pertencem as outras seis. Foi a primeira que Alfredo Jaar conheceu do conjunto, levando-o a pesquisar o arquivo de imagens feitas por Koen Wessing naquele dia e construir, com a escolha de parte delas, um contexto visual para sua apresentação. Ocupando o espaço amplo de uma tela em espaço escurecido, a fotografia mostra as duas filhas do camponês assassinado em momento de desamparo completo. Estão de pé e quase lado a lado, mas seus corpos estão prestes a desmoronar. Pelo ambiente à sua volta, percebe-se que estão na cercania do lugar onde o homem foi encontrado sem vida. Fotografia talvez feita no instante exato em que as mulheres chegam ao local depois de avisadas do fato, deparando-se com a cena do pai morto. Uma delas arqueia o corpo sob um peso invisível que a deprime e desequilibra, enquanto os braços fraquejam, e o olhar se volta para baixo; a outra alça os braços frouxos e tem os olhos cerrados voltados para cima, embora seu corpo pareça prestes a desabar no chão. Juntas, compõem
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responsive equivalence to the murder of a close relation. The projection of this photo as if it were the single frame of a static film enables Jaar to alter its original configuration and expand its possible meanings. At a given moment in the presentation, the landscape around the two female figures begins to dim: road, vegetation, mountains, clouds. All these elements articulated to what was shown in the other six images helped to situate the scene as a personal disaster in a specific historical and political context. Elements that framed and even explained the pain expressed in those bodies, constituting what Roland Barthes [1915–1980] once called studium when analyzing the power of photographs to bear witness and apprehend dramas and conflicts. The gradual erasure of this visual environment ultimately results in only the figures of the two women remaining visible, as if their twisted bodies had been cut out from a territory now plunged in darkness. In this situation, the viewer’s gaze cannot avoid the women’s postures and gestures, which are involuntary reactions to hitherto unknown grief. In this moment of no distractions, the viewer realizes that there is something disconcerting in this photograph and in others, even if for reasons that often cannot be clearly stated. Something that mobilizes the viewer’s attention, even if against their will; something that hurts or belies settled interpretations, which Roland Barthes called punctum. Like the image of two bodies disentangling in a kind of entropic dance, opposing socially learned and agreed movements and poses. However, when the photograph of these two women is viewed separately from the context in which it was taken, it serves as a reminder of an environment of arbitrariness that once existed, and an alert that if it happened once, it may happen again. By emphasizing what is so specific
and disturbing about the image, Jaar paradoxically ends up making it more interesting and giving it an almost didactic ability to use a scene of deep intimate suffering to reveal the harmful effects of an authoritarian power. Even if the names of the portrayed women are not stated, or the exact context of their father’s passing is not known by those seeing the projected image, the agonizing positions of their bodies tell of the violence to which some people are always exposed. There are often no means of seeking justice or reparation against them. The changes in the presentation of the projected photograph do not end with a radical separation between figures and background. The women’s images gradually lighten and become undefined until turning completely white. They become inverted shadows demarcated by black surroundings that were once landscape. When these silhouettes are fully drawn on the screen—leaving only the outlines of the choreography of distress visible—then for a brief moment the white outline of the bodies becomes a powerfully dazzling glare. A flash that imprints, on the viewer’s retina and memory, the image of two women who saw something that nobody wants to see.
uma imagem de insuportável sofrimento e de resistência à aceitação de uma perda abrupta e irrevogável. Compõem, em suas posturas e gestos não programados — embora inscritos em corpos habituados à violência cotidiana e brutal de um país convulsionado —, uma coreografia de desespero e angústia. Inconscientemente constroem, nelas próprias, uma equivalência sensível para o assassinato de uma pessoa próxima. A projeção dessa fotografia como se fora a cena única de um filme estático permite, contudo, que Alfredo Jaar altere sua configuração original, ampliando seus significados possíveis. Em dado momento da apresentação, toda a paisagem que envolve as duas figuras femininas começa a ser escurecida: estrada, vegetação, montanhas, nuvens. Tudo o que, articulado ao mostrado nas outras seis imagens, ajudava a situar a cena como um desastre pessoal situado em contexto histórico e político específico. Elementos que enquadravam e até explicavam a dor expressa naqueles corpos, constituindo o que Roland Barthes [1915–1980] um dia chamou de studium, ao analisar o poder que fotografias detêm de testemunhar e apreender dramas e conflitos. O apagamento progressivo desse entorno visual faz com que logo restem visíveis apenas as figuras das duas mulheres, como se seus corpos retorcidos houvessem sido recortados de um território agora imerso em escuridão. Situação em que o olhar é incapaz de se desviar de suas posturas e gestos, reações involuntárias a uma dor até então desconhecida. Momento em que é possível reconhecer, sem distração alguma, que existe algo de desconcertante nessa e em outras fotografias, mesmo que muitas vezes não se consiga nomear os motivos. Algo que mobiliza a atenção, independentemente de vontade para tanto; que fere ou fura entendimentos
assentados, ao que Roland Barthes nomeou de punctum. Como a imagem de dois corpos se desmanchando em uma espécie de dança entrópica, contrariando movimentos e poses aprendidos e convencionados socialmente. É justamente quando vista apartada do contexto em que foi feita, contudo, que a fotografia dessas duas mulheres parece mais servir para lembrar um ambiente de arbítrio que existiu em outra época e para advertir que, por ter uma vez ocorrido, pode voltar a acontecer. Ao enfatizar o que há de tão específico e perturbador na imagem, Alfredo Jaar termina, paradoxalmente, por dotá-la de um interesse mais amplo e de uma capacidade quase didática de exibir, a partir de uma cena de dor íntima, os danos impostos por um poder autoritário. Ainda que não se saibam os nomes das retratadas, tampouco seja conhecido, para quem vê a imagem projetada, o contexto exato da morte de seu pai, as posições de agonia que seus corpos assumem contam da violência a que alguns estão sempre sujeitos. E contra a qual muitas vezes não existem sequer meios de buscar justiça e reparo. As mudanças na apresentação da fotografia projetada não se detêm, contudo, no estabelecimento de uma separação radical entre figuras e fundo. Gradualmente, as imagens das mulheres vão clareando e perdendo nitidez, até se tornarem completamente brancas. Tornam-se sombras invertidas, demarcadas pelo entorno preto que antes era paisagem. E é quando essas silhuetas estão completamente desenhadas na tela — deixando apenas os contornos da coreografia de aflição à mostra — que o branco que desenha os corpos se torna, por um breve momento, clarão intenso que ofusca a vista. Clarão que grava, na retina e na memória, a imagem de duas mulheres que viram algo que ninguém deseja ver.
THE SOUND OF SILENCE 2006
O SOM DO SILÊNCIO
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This work is a tribute to a single photograph taken by the South African photojournalist Kevin Carter [1960–1994]. Seen from the distance, it consists of a large box shape with an opaque metallic outer surface. Its more visible side covered in lamps emits bright white light that will dazzle anyone nearing it. An entrance opposite this lighted box wall periodically enables the viewers’ access to its darkened inner space, where an eight-minute film is being projected. Through cadenced screenshots of short sentences, their white letters on a black background, the silent film narrates the context in which Carter’s photograph was shot. From the captions, viewers will acquire information about the life of a photographer who almost accidentally found that his chosen profession could be used to confront the racist regime’s oppression in South Africa (and elsewhere) through images denouncing their criminal violence. This is a story of someone who wagered on photography to show “the pain of others,” as the essayist Susan Sontag [1933–2004] put it when conceptualizing empathy, as well as its ability to affect and transform viewers. Carter was a photographer set on shooting these “atrocious images” that would haunt readers of newspapers and magazines featuring his work. This belief inspired Carter’s journey to southern Sudan early in 1993 when the country was at war with its northern neighbor. Southern Sudan was crowded with refugees from a twenty-year conflict that had killed almost two million people, nearly all of them blighted by disease and acute hunger. Carter shot numerous photographs in Sudan, but one, in particular, became well known all over the world. In a small settlement called Ayod, he had noticed a naked and obviously undernourished toddler crawling along in the dirt, toward the
local feeding center. Carter got close enough to photograph the harrowing scene of a vulture that landed near the emaciated boy when it sensed he was going to die. For a few minutes, according to the text being projected in the film, the photojournalist waited for the bird to spread its wings so he could get a shot of the vulture and its probable prey, but this did not happen. However, he did take a series of shots before shooing the vulture off and helping the little boy over to the place where he could get food. The New York Times soon bought one of these photographs to illustrate an article on the dramatic situation of Sudanese refugees in late March 1993. A few days later, there were dozens of other media outlets from different parts of the world running the same story around Carter’s photo. Although he intended to have the image denounce violence against vulnerable bodies in the context of war, Carter was harshly criticized by thousands of newspaper and magazine readers who presumed he had been waiting a while to get the shot he wanted—a vulture spreading its wings—instead of immediately rescuing the child from that degrading and extremely precarious situation. One reader accused the photographer of being a predator, just like the vulture preying on a defenseless child. This image’s ambiguity—capable of mobilizing many against a war situation but also ethically reprehensible—may be broken down into two related aspects. In April 1994, Carter won a Pulitzer prize, one of the most prestigious awards in photography, precisely for this image made in Sudan. By July of the same year, he had committed suicide and left a note saying that he could no longer bear the memories of so much grief he had witnessed and translated into photographs. It is at this precise point in time, when viewers are told of these two
Este é um trabalho dedicado a uma fotografia apenas, feita pelo fotojornalista sul-africano Kevin Carter [1960–1994]. Visto à distância, trata-se de uma grande caixa de exterior metálico opaco, embora sua face mais visível seja inteiramente coberta por lâmpadas que emitem forte luz branca, ofuscando quem dela se aproxima. No lado oposto a essa parede iluminada, uma entrada permite o acesso, de tempos em tempos, ao seu interior escuro, onde um filme de oito minutos é projetado para quem nela adentra. Um filme silencioso que narra, através da exibição cadenciada de frases curtas escritas em branco sobre fundo preto, o contexto da feitura dessa imagem. Aprende-se, com o texto, um pouco da vida do autor da fotografia, que quase por acaso encontrou, no ofício adotado, um modo de confrontar as violências que testemunhava no regime racista vigente em seu país e outras encontradas em mais lugares, denunciando-as em forma de imagens. A história de alguém que, como a ensaísta Susan Sontag [1933–2004] iria conceituar, apostava no poder que fotografias que retratam a “dor dos outros” têm de afetar e transformar quem as vê. Um fotógrafo dedicado, portanto, a fazer com que “imagens atrozes” perseguissem os leitores dos jornais e revistas que as publicassem. Convicção que o levou, no início de 1993, à região sul do Sudão, então em guerra com a porção norte do país africano; lugar onde se concentravam muitos dos refugiados de um conflito que, ao longo de duas décadas, matou cerca de dois milhões de pessoas. Refugiados submetidos, quase todos, a doenças e à fome aguda. Entre as tantas fotografias que Kevin Carter fez no Sudão, uma delas tornou-se mundialmente conhecida. Em Ayod, pequeno povoado da região, notou um menino des-
pido e obviamente subnutrido arrastando-se com dificuldade pelo chão de terra, buscando chegar ao centro de distribuição de comida instalado ali. Acercou-se o bastante para registrar a cena aviltante, ao mesmo tempo em que um abutre pousou próximo da criança, antecipando uma morte provável. Por vários minutos, conta o texto projetado como filme, o fotojornalista aguardou que a ave abrisse suas asas para, assim, fotografá-la junto de sua eventual presa, o que não ocorreu. Fez, contudo, uma série de outras imagens antes de enxotar o abutre dali e ajudar o menino a chegar ao lugar onde seria alimentado. Uma dessas fotografias foi logo adquirida pelo New York Times e ilustrou matéria sobre a dramática situação dos refugiados da guerra no Sudão, publicada em finais de março daquele ano no jornal. Em poucos dias, seria reproduzida em dezenas de outros veículos de comunicação em partes diversas do mundo. Embora a imagem acusasse a violência contra corpos indefesos no contexto do conflito, seu autor foi duramente criticado por milhares de leitores de jornais e revistas, posto que teria aguardado um tempo para fazer a fotografia como queria — com o abutre de asas abertas — em vez de resgatar, de imediato, a criança daquela situação de degradação e extremo risco. O fotógrafo, afirmou um desses comentadores, teria agido como um predador do menino indefeso, assemelhando-se, assim, ao abutre. Essa ambiguidade da imagem — capaz de mobilizar muitos contra uma situação de guerra, mas também eticamente condenável — se desdobra em dois fatos a ela associados. Em abril de 1994, Kevin Carter recebeu um dos mais prestigiosos prêmios de fotografia — o Pulitzer — justamente por essa imagem feita no Sudão. E, em julho do mesmo ano, cometeu suicídio, deixando nota em que afirmava
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events, that Jaar’s discursive narrative makes way for Carter’s photograph. Almost immediately, however, bright bursts of light are fired from both sides of the screen where the image of the emaciated child with the vulture stalking it is being projected, thus momentarily blinding viewers who had finally gotten to see it. This scene is then taken away even before viewers’ sight can adjust to the room’s darkness again. All that remains is a visual memory imprinted on their retinas by dazzling flashes. Instead of the photo, the screening continues with the remainder of the textual presentation telling the story of the photograph, from which viewers learn that it now belongs to a private image bank. As for the little boy shown in the photo, subsequent reports revealed that he survived that situation only to die from disease and hunger a few years later. The instant when the camera flash is set off—which surely lasts less than a second—is the only moment when the silence surrounding the textual narration is broken. However, the brief noise that accompanies it echoes on much longer because of its association with the memory of the photograph seen there. In a literal sense, it is the sound of that image, i.e., the noise that goes with the experience of seeing it on screen. Its sudden burst of noise suggests, by contrast, a possible meaning for the piece’s title. The sound of silence is “heard” throughout almost the entire footage—except for that split second in which one hears the bursting flashes and sees the photographed scene—a physical experience for anyone reading the silent-footage subtitles and a metaphor for individuals being barred from speaking and having their voices heard. Subaltern speech is ultimately only effective as articulated discourse when heeded and socially accepted as a demand for a different way of distributing bodies
in living spaces. One that no longer allows a child to be so hungry and on the verge of dying from starvation. It is the muffled sound of protest against the attitude of indifference to bodies that are most vulnerable to the violence of war. This disjunction between sound and silence reverberates other contrasts that underpin this work, be it between the white lettering and the black background to be read in sentences, or between the box’s dark interior and one of its dazzlingly bright facades. Opposites that are not mutually exclusive, generating new knowledge by cumulatively contrasting opposites. Just as the silence in the footage evokes muted voices, the content of the written narrative is only read through markedly chromatic differences. Furthermore, that which might be seen as the photographer’s questionable attitude makes for a more informed struggle against things that many would rather be kept out of sight. The blinding light of flashguns, moreover, paradoxically affords a better view of an unwanted scene, thus prolonging its presence in memory. It does even more by bringing in spectators as part of the context: once being physically exposed to a fact, it can no longer hold the status of an impartial subject. Through these simultaneously formal and political dichotomies, Jaar’s work affects those who approach it and draws many of them into the story being narrated. There is no way of remaining apart from it, just as there is no separation between the outside and the inside of the apparatus that Jaar has created to tell us something about one single image.
não suportar mais as memórias de tanta dor que presenciara e traduzira em fotografias. E é no momento exato em que o espectador do filme é informado desses dois acontecimentos que a narrativa discursiva apresentada por Alfredo Jaar dá lugar à exibição da fotografia feita por Kevin Carter. Quase de imediato, porém, fortes flashes de luz são disparados de ambos os lados da tela de onde se projetava a imagem da criança faminta e do abutre que a espreitava, momentaneamente cegando a visão de quem finalmente a enxergava. Cena que é subtraída do espectador antes mesmo que seus olhos possam se acostumar novamente à escuridão da sala, ficando apenas como memória visual impressa na retina pelo clarão dos flashes. Em seu lugar, retorna o restante da apresentação textual sobre a história da fotografia, onde se aprende que ela agora pertence a um banco de imagens privado. Quanto ao menino retratado, soube-se depois que sobreviveu àquela situação, morrendo poucos anos mais tarde de doença e miséria. O instante do disparo mecânico dos flashes — mais breve que um segundo, por certo — é o único momento em que o silêncio que envolve a narração textual é quebrado. O breve ruído que provoca ecoa, contudo, por muito mais tempo, associado que está à lembrança da fotografia ali vista. Em um sentido literal, é o som daquela imagem — o barulho que acompanha a experiência de vê-la projetada. Sua irrupção repentina e ruidosa sugere, além disso, um significado possível para o título do trabalho. O som do silêncio que se “escuta” durante quase todo o filme — com exceção, justamente, daquele átimo de tempo em que se ouve o espocar dos flashes e se enxerga a cena fotografada — é experiência física para quem lê os textos de uma projeção muda e também metáfora
sobre os impedimentos que existem para o subalterno falar e se fazer escutar. Sua fala, afinal, só se efetiva como discurso articulado quando socialmente acatada — escutada, portanto — como reinvindicação por uma outra distribuição de corpos nos espaços em que a vida se desenrola. Distribuição que não mais permita que uma criança passe tanta fome e que se encontre, por isso, à beira da morte. É o som inaudível que protesta contra a indiferença aos corpos mais vulneráveis às violências da guerra. Essa disjunção entre som e silêncio reverbera outros contrastes que ancoram o trabalho: entre as letras brancas e o preto que lhes serve de fundo para que sejam lidas como frases ou entre o ambiente interno escuro da caixa e uma de suas fachadas feericamente iluminada. Termos opostos que, contudo, não se excluem mutuamente, gerando conhecimento novo através do confronto cumulativo de contrários. Assim como o silêncio do filme evoca vozes caladas, o teor da narrativa escrita somente é lido por marcadas diferenças cromáticas. E o que pode ser atitude contestável do fotógrafo contribui para o combate mais informado ao que não deveria, para muitos, sequer ter sido mostrado. A luz cegante dos flashes, ademais, faz paradoxalmente ver melhor uma cena indesejada, alongando sua presença na memória. Faz mais ainda: integra o espectador como parte do contexto descrito; fisicamente exposto a um fato, não é mais concedido a ele ser sujeito desinteressado. É por meio dessas oposições simultaneamente formais e políticas que o trabalho afeta quem dele se acerca, implicando muitos na história que o artista narra. Não há como se colocar à parte dela, assim como não existe separação entre o fora e o dentro do dispositivo que Alfredo Jaar cria para dizer algo sobre uma única imagem.
CULTURE = CAPITAL 2011
CULTURA = CAPITAL
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An equation-sentence hovers over the room, written in neon-tube lettering to establish an unsettling relationship or equation: CULTURA = CAPITAL [Culture = Capital]. It is unsettling because it poses, as equivalent, two terms that ordinarily convey quasi-opposite meanings. In the broader sense, culture expresses unique forms of life, whether material or otherwise, such as objects, gestures, rites, and discourses that denote different ways of belonging to the world. Whereas ‘capital,’ according to political economy, is a concept that takes value characteristics of each group or person to be rendered to their common denominator: abstract(ed) wealth. Capital produces value and expresses it stripped of any particularity. To say that culture = capital, therefore, implies considering ambiguities that permeate this equivalence. From the outset, this proposition may be viewed as challenging hierarchies that govern mercantile societies. After all, if culture is capital, it follows that particular life expressions as a whole are what matter for small or large communities to generate what they understand by ‘wealth.’ It is, therefore, a proposition that refuses to abase those manifestations of life to mere monetary amounts stripped of situations that lent them substance and form. Ensuring the validity of this relationship thus requires subverting hegemonic ways of attributing value to things and acts while positing culture as an organizing instance of life to be invented. The same equation-phrase could be interpreted as meaning the opposite. Inverting the terms, ‘culture = capital’ expresses the complete capture of symbolic and sensory productions by apparatuses that merely reproduce monetary wealth—thus indicating their subordination to a logic that ignores differences and
reduces everything to money. This situation is supported by a dominant notion that restricts the meaning of an “economy of culture” to one in which unique creations will only matter if and when they have yielded financial returns. In this sense, the relationship of equality in this artwork’s body and luminous title would reinforce a preexisting life dictated by capital. Expressing equivalence between these two terms does not posit a stable meaning. However, it does show a situation in which there is an undecided clash between transformative impulse and resistance to structural change. Capital’s power to eliminate different futures is inscribed in wellknown private and State apparatuses. In contrast, culture’s disobedient potential arises from the uneasy articulation with art that Jean-Luc Godard [1930] summed in Je vous salue, Sarajevo (1993). In this film, he argues that culture belongs to the realm of making or following rules, whereas art produces dissent and challenges. This schematic definition takes the hegemonic situation in which capital subordinates culture and uses it to perpetuate commonsense notions of how life is—or may be—organized. This distinction between culture and art might seem overstated; however, what is at stake here is not blindly opposing one to the other, but acknowledging a relationship through which constantly unsettling art puts to the test whatever capital seized by culture dictates. Not by chance, Jaar’s piece refers to one by German artist Joseph Beuys [1921–1986] in which he wrote art = capital on banknotes. The more porous culture is to art, the more its ongoing haphazard clash with capital is strengthened, thus broadening what actually matters in social terms.
Exposta no alto da sala, uma frase-equação nação a uma lógica que desconhece diferenescrita com tubos de néon estabelece uma ças e que resume tudo a dinheiro. Situação relação de igualdade incômoda: CULTURA = favorecida por um entendimento tão domiCAPITAL. Incômoda por fazer equivaler dois nante quanto estreito daquilo que seria uma termos que, na experiência cotidiana, sig“economia da cultura”, no qual criações nificam coisas quase antagônicas. Entensingulares somente importam se transfordida em seu sentido mais amplo, cultura madas em retorno financeiro. A relação de é expressão de formas singulares de vida, igualdade que é corpo e título luminoso do material ou não. Objetos, gestos, ritos e trabalho estaria reforçando, nesse sentido, falas que denotam maneiras distintas de uma vida que já existe, ditada pelo capital. A expressão de equivalência entre esses pertencer ao mundo. Capital, por sua vez, dois termos não possui, portanto, signifié conceito que, como ensina a economia cado estável. Indica uma situação de embate política, reduz o que seria característico inconcluso entre um impulso de transformade cada grupo ou pessoa ao denominador ção e uma resistência a mudanças estrutucomum da riqueza abstrata; é aquilo que rais. E se a força do capital de matar futuros produz e que expressa valor desgarrado de diferentes está inscrita em conhecidos qualquer particularidade. aparatos privados e de Estado, a potência Afirmar que cultura = capital implica desobediente da cultura decorre de sua considerar, portanto, as ambiguidades que tensa articulação com a arte, sintetizada por atravessam essa equivalência. Proposição passível de ser entendida, desde logo, como Jean-Luc Godard [1930] em seu filme Je vous salue, Sarajevo (1993). Ali, o cineasta afirma desafio às hierarquias que regem sociedaque a cultura pertence ao âmbito daquilo des mercantis. Afinal, se cultura é capital, que é regra, enquanto a arte produz dissenso pode-se deduzir que expressões especíque a desafia. Considera, nessa esquemática ficas de vida são, em seu conjunto, aquilo definição, a situação hegemônica em que que mais importa para que comunidades o capital subordina a cultura, servindo-se pequenas ou grandes gerem o que entendela para manter o senso comum sobre os dem como riqueza. Proposição que repele modos como se organiza a vida. Embora essa o rebaixamento daquelas manifestações a distinção entre cultura e arte possa parecer meras somas monetárias, descarnadas das extremada, o que está em jogo nela não é situações que lhes dão substância e forma. uma oposição cega entre uma e outra, mas Assegurar a validade dessa relação requer, o reconhecimento de uma dinâmica em que assim, subverter as maneiras hegemônicas a arte desassossega e põe à prova, o tempo de atribuir valor às coisas e aos atos, assuinteiro, aquilo que a cultura capturada pelo mindo a cultura como instância organizacapital estabelece. Não à toa, o trabalho dora de vida a ser inventada. de Alfredo Jaar faz referência a outro, do A mesma frase-equação pode, conalemão Joseph Beuys [1921–1986], em que a tudo, ser também entendida de maneira frase arte = capital é escrita em cédulas de oposta. Cultura = capital exprimiria, em dinheiro. Quanto mais porosa à arte, mais a interpretação invertida, a completa captura cultura se fortalece no confronto sem fim de produções simbólicas e sensíveis pelos dispositivos que apenas reproduzem riqueza certo com o capital, ampliando o que de fato conta nos acordos sociais. monetária. Seria indicação de sua subordi-
ITINERARIES, ITINERARIES 2021
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The “Manifesto Antropófago” [Manifesto of Anthropophagy] created by Oswald de Andrade [1890–1954] was first published in the inaugural number of the cultural journal Revista de Antropofagia in São Paulo on May 1, 1928. It was Andrade’s second attempt to delineate what he envisaged as foundational aspects of Brazilian modernism. Unlike the “Manifesto of Pau-Brasil Poetry” that he had issued two years previously, the 1928 manifesto did not focus on the movement’s literary aspects as such; nor did Andrade wish to repeat the critique of academicism and archaisms he had detected earlier in Brazilian literature. Oswald de Andrade’s aim with this new manifesto was more diffuse and ambitious; he meant to use anthropophagy as a metaphor for rethinking the very idea of Brazil. His method involved devouring the other: “I am only concerned in that [which] is not mine. Man’s laws. The law of the anthropophagous.”1 The Manifesto’s tight syntax argued for a Brazilianness coined by actively transforming the European colonizers’ culture. One of the most widely known aphorisms in the Manifesto summed up this intention in its content and form: “Tupi, or not tupi, that is the question.” Rather than just an artistic procedure, cannibalism was meant to be a technology of wide-ranging societal transformation capable of forging a unified aspiration: national emancipation. For Andrade, “Only anthropophagy unites us. Socially. Economically. Philosophically.” Unity was being woven together in a radical critique directed against the catechesis (be it Christian or any other religion) that clothed indigenous peoples and sought to kill their gods; against an Enlightenment rationality that justified slavery, which is why “we never admitted logic’s appearance among us”; against a patriarchal morality that continued to control and subjugate bodies for private pleasure and money. In a few dozen short paragraphs (sometimes in
one single line), the Manifesto revisited keynote aspects of Brazilian history and articulated them irrespective of chronology or order of priority. A tumultuous textual passage called for a “Caraiban revolution” that would entail the ingestion of enemy invaders and consequent assimilation of their attributes, thus inventing a free nation—the “matriarchy of Pindorama.” By repeating a word seven times, one of these brief texts condensed his willingness to collectively rewrite a pathfinding story that was being told by others: “Itineraries. Itineraries. Itineraries. Itineraries. Itineraries. Itineraries. Itineraries.” Jaar takes this seven-time-repeated word from the Manifesto of Anthropophagy to convert its printed text into an illuminated image created with neon tubes. Lighting-writing fashioned for the Brazilian context and placed high, visible to all from afar, suggesting the pertinence of taking another look at it. On the one hand, the piece celebrates Andrade’s original formulations and generous constructivist call to action of almost a century ago: “[Let us suppress ideas and their paralyses] But the itineraries. To trust the signs, to trust the instruments and the stars.” On the other hand, the constant repetition of the word itineraries in contemporary Brazil evokes an urgent need to re-imagine the country. To recreate it from within, ingesting not only the Other but one’s innards, if necessary. To rewrite it. “Joy is the decisive test,” Andrade wrote to sustain that ultimately happiness is what counts for most. However, good cheer not shared will always be little. We must invent a country that does not exist yet, one in which joy is a given. We need to dream of different itineraries. NOTE
1 Oswald de Andrade, “Manifesto antropófago” (1928). All quotes from the “Manifesto” in this text were translated by Hélio Oiticica in Carlos Basualdo, Tropicália: A Revolution in Brazilian Culture (São Paulo: Cosac & Naify, 2005).
Em 1º de maio de 1928 é publicado, no primeiro número da Revista de Antropofagia, em São Paulo, o Manifesto Antropófago. Assinado pelo escritor Oswald de Andrade [1890–1954], era a segunda tentativa de o autor delinear as características que enxergava como fundantes do modernismo brasileiro. Ao contrário do Manifesto da Poesia Pau-Brasil, publicado dois anos antes, seu novo texto não se centrava em aspectos propriamente literários do movimento; tampouco estava interessado em reprisar a crítica ao academismo e aos arcaísmos que já identificara no campo da literatura no país. O foco de Oswald de Andrade nesse novo manifesto era mais difuso e ambicioso; tratava-se de repensar a própria ideia de Brasil a partir da metáfora da antropofagia. E seu método era o da deglutição do outro: “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”. Valendo-se de uma sintaxe sintética, o texto defendia uma brasilidade cunhada pela transformação ativa da cultura do colonizador europeu. Um dos aforismos mais conhecidos do manifesto resumia, em conteúdo e forma, tal intenção: “Tupi or not tupi that is the question”. A antropofagia não seria, porém, procedimento somente artístico, mas tecnologia de transformação social ampla, capaz de unificar um desejo de emancipação nacional. Para o escritor, “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente”. União tecida na crítica radical a uma catequese cristã (ou de qualquer outra religião) que vestiu o indígena e quis matar seus deuses; a uma racionalidade iluminista que justificava a escravidão, motivo pelo qual “nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós”; e a uma moralidade patriarcal que continuava a controlar e a subalternizar corpos por prazer privado e dinheiro. Em poucas dezenas de parágrafos curtos (por
vezes, uma única linha), o Manifesto Antropófago revisitava aspectos centrais da história do Brasil e articulava-os sem cronologia certa ou ordem de importância. Reivindicava, em uma travessia textual tumultuada, a emergência de uma “revolução Caraíba” que comesse o inimigo invasor e incorporasse seus eventuais atributos, inventando, assim, uma nação livre — o “matriarcado de Pindorama”. Em um desses textos breves, condensava, repetindo sete vezes uma única palavra, a disposição de reescrever, coletivamente, uma história que era contada por outros: “Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros”. São essas sete palavras idênticas que Alfredo Jaar coleta do Manifesto Antropófago, transformando o que era texto impresso em imagem iluminada feita de tubos de néon. Escrito-luz que, criado para o contexto brasileiro, é posto no alto e à vista de todos desde longe, sugerindo ser pertinente considerá-lo uma vez mais. Por um lado, o trabalho celebra as formulações originais e o generoso chamado construtivo feitos há quase um século por Oswald de Andrade: “Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas”. Por outro, contudo, reafirmar a palavra roteiros várias vezes no Brasil contemporâneo evoca a necessidade urgente de imaginar o país de novo. De recriá-lo a partir de dentro, comendo não somente o outro, mas as próprias entranhas, se necessário for. De reescrevê-lo. “A alegria é a prova dos nove”, dizia o autor, asseverando que, ao final de tudo, é ela que mais conta. Mas toda alegria não compartilhada será sempre pouca. É preciso inventar um país que não existe ainda, no qual a alegria seja pública. É preciso sonhar outros roteiros.
© Oswald de Andrade
LISTA DE OBRAS
CHECKLIST PP 14–27 LAMENT OF THE IMAGES, 2002 Mixed-media installation, three illuminated texts, LED, screen, texts by David Levi Strauss Overall dimensions variable Collection Museum of Modern Art, New York Collection Louisiana Museum of Modern Art, Humlebæk PP 28–39 GEOGRAPHY = WAR, 1991 Ten light boxes with color transparencies, one hundred metal barrels, water Light boxes: 102 × 102 × 20 cm each Barrels: 91.4 × 61 × 61 cm Overall dimensions variable Collection Museum of Contemporary Art, Chicago PP 40–47 OUT OF BALANCE, 1989 Six light boxes with color transparencies Light boxes: 50.8 × 248.9 × 17.8 cm each Overall dimensions variable PP 48–55 CHIAROSCURO, 2016 Neon Overall dimensions variable PP 56–61 YOU DO NOT TAKE A PHOTOGRAPH. YOU MAKE IT., 2013 Printed matter Printed matter: 70 × 70 cm Overall dimensions: 70 × 70 × 70 cm PP 62–73 WALKING ON WATER,1992 Six double-sided light boxes with twelve color transparencies, thirty framed mirrors Light boxes: 104 × 104 × 20.3 cm each Mirrors: 30.5 × 30.5 × 5 cm each Overall dimensions: 116.8 × 1356.4 × 71.1 cm
PP 74–81 ONE MILLION POINTS OF LIGHT, 2005 Projection and postcards Postcard: 12.7 × 17.8 cm Overall dimensions variable PP 82–87 OTHER PEOPLE THINK, 2012 Light box with b/w transparency and printed matter Light box: 153.7 × 153.7 × 14.0 cm Printed matter: 70 × 70 cm Overall dimensions variable PP 88–99 SHADOWS, 2014 Mixed-media installation, LED, screen, six light boxes, projector Software + Hardware design: Tommy Voeten Overall dimensions variable Estelí, Nicaragua, September 1978. Original photographs by Koen Wessing (1942– 2011) © Koen Wessing / Nederlands Fotomuseum, Rotterdam, The Netherlands The collection and copyright of Koen Wessing is administered by the Nederlands Fotomuseum, Rotterdam, The Netherlands PP 100–111 THE SOUND OF SILENCE, 2006 Mixed-media installation, wood structure, aluminum, LED lights, flashlights, tripods, video projection (8:00 loop) Software design: Ravi Rajan Overall dimensions variable Collection Philadelphia Museum of Art Collection Museum of Contemporary Art, Chicago PP 112–0119 CULTURE = CAPITAL, 2011 Neon Overall dimensions variable PP 120–124 ITINERARIES, ITINERARIES, 2021 Neon Overall dimensions variable
PP 14–27 LAMENTO DAS IMAGENS, 2002 Instalação multimídia, 3 textos iluminados, lâmpada LED, tela, textos de David Levi Strauss Dimensões variáveis Acervo do Museum of Modern Art, Nova York Acervo do Louisiana Museum of Modern Art, Humlebæk, EUA PP 28–39 GEOGRAFIA = GUERRA, 1991 10 caixas de luz com diapositivos coloridos, 100 barris de metal, água Caixas de luz: 102 × 102 × 20 cm cada Barris: 91,4 × 61 × 61 cm Dimensões variáveis Acervo do Museum of Contemporary Art, Chicago PP 40–47 FORA DE EQUILÍBRIO, 1989 6 caixas de luz com diapositivos coloridos Caixas de luz: 50,8 × 248,9 × 17,8 cm cada Dimensões variáveis PP 48–55 CLARO-ESCURO, 2016 Néon Dimensões variáveis PP 56–61 VOCÊ NÃO TIRA UMA FOTOGRAFIA. VOCÊ FAZ UMA FOTOGRAFIA., 2013 Material impresso Folha de impressão: 70 × 70 cm Dimensões: 70 × 70 × 70 cm PP 62–73 CAMINHANDO SOBRE AS ÁGUAS, 1992 6 caixas de luz com dois lados, 12 diapositivos coloridos, 30 espelhos emoldurados Caixas de luz: 104 × 104 × 20,3 cm cada Espelhos: 30,5 × 30,5 × 5 cm cada Dimensões: 116,8 × 1356,4 × 71,1 cm
PP 74–81 UM MILHÃO DE PONTOS DE LUZ, 2005 Projeção e cartões-postais Cartão-postal: 12,7 × 17,8 cm Dimensões variáveis PP 82–87 OUTRAS PESSOAS PENSAM, 2012 Caixa de luz com diapositivo p/b e material impresso Caixa de luz: 153,7 × 153,7 × 14 cm Folha de impressão: 70 × 70 cm Dimensões variáveis PP 88–99 SOMBRAS, 2014 Instalação multimídia, lâmpada LED, tela, 6 caixas de luz, projetor Projeto de software + hardware: Tommy Voeten Dimensões variáveis Estelí, Nicarágua, setembro de 1978. Fotografias originais de Koen Wessing (1942–2011) © Koen Wessing / Nederlands Fotomuseum, Roterdã, Holanda O acervo e os direitos autorais de Koen Wessing são administrados pelo Nederlands Fotomuseum, Roterdã, Holanda PP 100–111 O SOM DO SILÊNCIO, 2006 Instalação multimídia, estrutura de madeira, alumínio, lâmpadas LED, lanternas, tripés, projeção de vídeo (loop de 8’) Projeto de software: Ravi Rajan Dimensões variáveis Acervo do Philadelphia Museum of Art Acervo do Museum of Contemporary Art, Chicago PP 112–119 CULTURA = CAPITAL, 2011 Néon Dimensões variáveis PP 120–124 ROTEIROS, ROTEIROS, 2021 Néon Dimensões variáveis
SESC — SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO ADMINISTRAÇÃO REGIONAL NO ESTADO DE SÃO PAULO [REGIONAL ADMINISTRATION — STATE OF SÃO PAULO] PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL [REGIONAL BOARD CHAIR] Abram Szajman DIRETOR DO DEPARTAMENTO REGIONAL [REGIONAL DEPARTMENT DIRECTOR] Danilo Santos de Miranda SUPERINTENDENTES [EXECUTIVE OFFICERS] TÉCNICO-SOCIAL [SOCIAL SPECIALIST] Joel Naimayer Padula COMUNICAÇÃO SOCIAL [MEDIA] Ivan Giannini ADMINISTRAÇÃO [ADMINISTRATION] Luiz Deoclécio M. Galina ASSESSORIA TÉCNICA E DE PLANEJAMENTO [TECHNICAL AND PLANNING] Sérgio José Battistelli GERENTES [MANAGERS] ARTES VISUAIS E TECNOLOGIA [VISUAL ARTS & TECHNOLOGY] Juliana Braga de Mattos ESTUDOS E DESENVOLVIMENTO [RESEARCH & DEVELOPMENT] Marta Raquel Colabone ARTES GRÁFICAS [GRAPHIC ARTS] Hélcio Magalhães ASSESSORIA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS [ASSISTANT INTERNATIONAL AFFAIRS] Aurea Leszcynski Vieira Gonçalves SESC DIGITAL Fernando Amodeo Tuacek SESC POMPEIA Monica Carnieto LAMENTO DAS IMAGENS [LAMENT OF THE IMAGES] — ALFREDO JAAR CURADORIA [CURATOR] Moacir dos Anjos EQUIPE SESC [SESC TEAM] Adriano Alves Pinto, Alcimar Frazão, André Aparecido da Conceição, André Leite Coelho, Bárbara Iara Hugo, Barbara Rodrigues, Carlos Alberto da Rocha, Dante Mikael, Dih Lemos, Dora Teixeira, Érica Dias, Gabriela Borsoi, Guilherme Barreto, João Paulo Leite Guadanucci, José Renato Alegreti Dias, Karina Musumeci, Marcel Verrumo, Nilva Luz, Pablo Perez, Paulo Delgado, Rafael Della Gatta Soares, Raquel Lopes Py, Sergio Pinto, Silvio Basilio, Suellen Barbosa, Thays Cabette, Yuri Cumer
ALFREDO JAAR STUDIO Laure Poupard, Kathy Cho, Esther Jang, Pablo Montealegre, Masahito Ono, Fang Xiuqi, Ravi Rajan, Mark Baumgartner, Tommy Voeten PRODUÇÃO EXECUTIVA [EXECUTIVE PRODUCER] Farinha Produções COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO [PRODUCTION COORDINATOR] Marcos Farinha PRODUÇÃO DE MONTAGEM [EXHIBITION SETUP PRODUCER] Valéria Prata PRODUÇÃO [PRODUCER] Anderson Araújo PROJETO EXPOGRÁFICO [EXHIBITION DESIGN] Marta Borgéa, Tiago Guimarães / colaborador [collaborator] Nathalia Duran IDENTIDADE VISUAL E PROJETO GRÁFICO [VISUAL IDENTITY AND GRAPHIC DESIGN] Elaine Ramos, Julia Paccola DESENHO DE LUZ [LIGHTING DESIGN] André Boll CONSULTORIA AUDIOVISUAL [AUDIOVISUAL CONSULTANT] Mit Art – Patrícia Mesquita LAUDOS DE CONSERVAÇÃO [CONSERVATION REPORTS] Angela Freitas MONTAGEM DE CENOGRAFIA [SET BUILDING] Maxxi Stands COMUNICAÇÃO VISUAL [VISUAL COMMUNICATION] Insign / Select Color MONTAGEM E EQUIPAMENTOS DE ILUMINAÇÃO [LIGHTING EQUIPMENT AND SETUP] Grupo Be Light MONTAGEM E EQUIPAMENTOS DE AUDIOVISUAIS [AUDIOVISUAL EQUIPMENT AND SETUP] Maxi Áudio Luz e Imagem TRANSPORTE INTERNACIONAL DE OBRAS [INTERNATIONAL SHIPPING OF WORKS] Millenium Transportes PRODUÇÃO LOCAL DE OBRAS [LOCAL PRODUCTION OF WORKS] impressão [printing] MR Estúdio / montagem [setup] Jacarandá Montagens MONTAGEM DE OBRAS [ARTWORK INSTALLATION] Manuseio PROJETO ELÉTRICA E ENGENHARIA [ELECTRICAL AND ENGINEERING DESIGN] Jarreta Projetos TRADUÇÃO DE TEXTOS [TRANSLATION] Izabel Murat Burbridge REVISÃO DE TEXTOS [PROOFREADING] Regina Stocklen AÇÃO EDUCATIVA [ART EDUCATION] Pinã Cultura COORDENAÇÃO DA AÇÃO EDUCATIVA [ART EDUCATION COORDINATOR] Daniela Avelar EDUCADORAS E EDUCADORES [ART EDUCATORS] Kelly dos Santos Souza, Mariana Valicente Moreira, May Agontinme, Selma Maria Barreto, Thales Marreti Rosa
Esta exposição integra a rede de parcerias da 34ª Bienal de São Paulo — Faz escuro mas eu canto
ALFREDO JAAR é um artista, arquiteto e cineasta chileno que vive e trabalha em Nova York. Suas obras largamente expostas em mostras internacionais podem ser encontradas em acervos de alguns dos mais importantes museus de arte moderna e contemporânea. Jaar realizou mais de setenta intervenções públicas em todo o mundo e já teve mais de sessenta monografias publicadas sobre seu trabalho. Foi agraciado com o Prêmio Nacional do Chile em 2013, o Prêmio de Arte de Hiroshima em 2018 e o Prêmio Hasselblad em 2020. ALFREDO JAAR is a Chilean artist, architect, and filmmaker who lives and works in New York. His work has been shown extensively around the world and can be found in the collections of some of the most important museums of modern and contemporary art. Jaar has realized more than seventy public interventions worldwide, and over sixty monographic publications have been published about his work. He received Chile’s National Prize in 2013, the Hiroshima Art Prize in 2018, and the Hasselblad Award in 2020.
MOACIR DOS ANJOS é pesquisador e curador da Fundação Joaquim Nabuco. MOACIR DOS ANJOS is senior researcher and curator at Fundação Joaquim Nabuco.
SESC POMPEIA Rua Clélia, 93 – São Paulo tel +55 11 3871 7700 /sescpompeia sescsp.org.br
CURADORIA E TEXTOS MOACIR DOS ANJOS