Brasil na tela Autores refletem sobre representatividade no cinema
Tecnologia
Os cuidados e as oportunidades com a Inteligência
Artificial
Inezita Barroso Há cem anos, nascia a grande dama da música paulista
19 A 30 DE MARÇO DE 2025
Programação que visibiliza redes e ações voltadas à promoção dos Direitos Humanos, em 37 unidades do Sesc São Paulo.
sescsp.org.br/direitoshumanosparatodasaspessoas
Acompanhe as atividades com participação de AdriAnA Couto, Ação EduCAtivA, Ailton KrEnAK, AngElA MEndEs, BEnAzirA djoCo, CuFA, gEni núnEz, luiz KohArA, orgAnizAção intErnACionAl PArA
As MigrAçõEs (oiM), E MAis...
mesa de abertura com jurEMA WErnECK, rEnAto jAninE riBEiro, thiAgo AMPAro
E MAFoAnE odArA
concerto com o coletivo musical uBuntu EssEMBlE
Sesc Bom Retiro • 19/3 • 19h
Programação completa:
CAPA: Ilustração digital Ceiuci (2024), da série “encantados”, criada pela muralista Moara Tupinambá (PA). Na tradição do povo Anambé, ceiuci remete a uma encantada indígena que percorre as florestas e é perseguida pela fome. Também é o período em que as plêiades, sete estrelas da constelação de touro, passam pelo zênite (ponto mais alto do céu) à meia-noite entre setembro e março, anunciando um novo ciclo de vida. A artista participa do projeto Direitos Humanos para Todas as Pessoas, realizado pelo Sesc São Paulo.
Crédito: Moara Tupinambá
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Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.
O Sesc – Serviço Social do Comércio tem como missão promover o bem-estar dos trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo, além de seus familiares. Sua atuação educativa e transformadora vai além desse público prioritário, alcançando e beneficiando toda a comunidade onde está presente.
Fundado em 1946 por iniciativa dos empresários do setor, o Sesc integra a vida da sociedade por meio de centros culturais e esportivos, que oferecem uma programação variada nas áreas de lazer, cultura, esportes, turismo, saúde e alimentação. No estado de São Paulo, suas 43 unidades disponibilizam uma ampla gama de atividades, incluindo apresentações de música, teatro, dança e circo, cursos, oficinas e vivências esportivas, além de iniciativas voltadas à educação ambiental e à valorização da diversidade de saberes e vozes.
Esses espaços são planejados com base em princípios de sustentabilidade, tanto em sua infraestrutura quanto em sua gestão, e seguem diretrizes de acessibilidade universal, garantindo um ambiente acolhedor para diferentes públicos, promovendo a convivência, o aprendizado e o desenvolvimento coletivo e individual.
Abram Szajman Presidente do Conselho Regional do Sesc no Estado de São Paulo
Inteligência
Artificial: um futuro presente
A introdução de um novo dispositivo tecnológico em nosso cotidiano tem a capacidade de nos encantar e nos assustar na mesma medida. Assimilar o desconhecido, entender seus recursos, desvendar seus riscos e incorporar as oportunidades que oferece passam a integrar a nossa rotina. As novidades surgem a uma velocidade crescente, exigindo compreensão cognitiva e discernimento crítico para usufruir, de modo responsável, dos benefícios que trazem para a vida em sociedade. É o que ocorre, neste momento, com a consolidação do uso da Inteligência Artificial como uma tecnologia cada vez mais presente e associada a tarefas básicas do dia a dia.
Diante desse cenário pulsante em transformação, somos levados a refletir sobre quais são os cuidados a serem tomados para não gerar e difundir informações incorretas. Também entram em campo debates para não reproduzir, no ambiente digital, mazelas já enfrentadas no mundo real, como a discriminação por raça e gênero, dentre tantas outras. Mais uma vez, é na ação educativa e no diálogo amplo que encontraremos as respostas para as perguntas que já surgem e para as que ainda serão formuladas. Reportagem desta edição da Revista E aborda o tema do letramento digital para o uso da IA e propõe caminhos para lidarmos com esses novos desafios. Boa leitura!
Luiz Deoclecio Massaro Galina Diretor do Sesc São Paulo
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC
Administração Regional no Estado de São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho
CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO
Presidente: Abram Abe Szajman
Diretor do Departamento Regional: Luiz Deoclecio Massaro Galina
Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marcus Alves de Mello, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos.
Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antônio Fojo Costa, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz.
Adauto Fernando Perin, Adriana Lima Lopes, Alex Siciliani Anastacio Cruz, Aline Moreira da Silva Tafner Almeida, Ana Cristina Feitosa de Pinho, Ana Maria Auxiliadora Cruz, Ana Paula Neves Cabral de Vasconcellos, Ana Paula Verissimo Souza, Andreia Pereira Lima, Andressa Kelly Ribeiro Ivo, Anna Luisa de Souza, Armando Fernandes Neto, Barbara Esmenia Pacheco da Silva, Beatriz de Oliveira Falasco Zerbini, Beatriz Esteves Gomes, Bruna Zarnoviec Daniel, Camila Pinheiro Fogaca, Carina Silva Donaires Figueira, Caroline Figueira Zeferino, Christi Lafalce, Cinthya de Rezende Martins, Claudia Dias Perez Machado, Corina de Assis Maria, Cristina Fongaro Peres, Daniele Barros dos Santos, Danilo Cava Pereira, Debora Cravo Domingues Freitas, Deborah Dias Matos, Diego Polezel Zebele, Doracy Feliciano Teixeira, Eder Martins, Edmar Rodrigues De Fátima Júnior, Edson Da Silva Horacio, Elmo Sellitti Rangel, Eloá De Paula Cipriano, Fabia Lopez Uccelli dos Santos, Fabio Pagliuca Pinotti, Felipe Abdala Lins de Santana, Felipe Campagna de Gaspari, Fernanda Porta Nova Ferreira da Silva, Fernando Mesquita Oliveira, Filipe Ferreira Gomes Luna, Flavia Rejane Prando, Flavia Teixeira S Coelho, Francisca Meyre Martins Vitorino, Gabriel Rodrigues Orlando, Gabriela Camargo das Graças, Geraldo Soares Ramos Junior, Gislene Lopes Oliveira, Giulia Maria de Campos Manocchi, Gloria Rodrigues Ramos, Guilherme Barreto, Helton Henrique Cassiano, Henrique Torres de Souza, Ivy Granata Delalibera, Jacy Helena Almeida Silva, Jan Balanco, Janaina Welle, Joao Carlos Doescher Fernandes, Jose Gonçalves da Silva Junior, Juliana Neves dos Santos, Karla Medeiros Hamabata, Kevin Alexandre Marques, Kimberlly Caroline Brito da Silva, Laura Lopes de Freitas, Lilian Vieira Ambar, Livia Maria Brihi Badur, Lucas Moura Barboza, Luis Miguel Perez Oyarzun, Marcelo Baradel, Mariana Lins Prado, Marina Borges Barroso, Marina Real Pires Almeida, Mauro Marçal do Carmo, Milena Rosa, Monique Mendonça dos Santos, Patricia Maciel da Silva, Paula Teixeira Amancio Ferreira, Priscila Machado Nunes, Rafael da Silva Dantas, Rafaela Ometto Berto, Rafaela Queiroz de Sena, Raphael Viana Morata Valverde, Reinaldo Simon Costa, Rejane Pereira da Silva, Renato Shigueru Yoshinaga, Ricardo de Souza Borges, Ricardo Hiroshi Kawazu, Sandra Carla Sarde Mirabelli, Sandra Regina Feltran, Sandra Ribeiro Alves, Sara Maria da Silva, Shelle Tais Ribeiro, Silvia Cristina Garcia, Silvia Gomes, Sonoe Juliana Ono Fonseca, Stephany Tiveron Guerra, Talita Ferreira dos Santos, Tania Perfeito Jardim, Teresa Maria da Ponte Gutierrez, Thais Ferreira Rodrigues, Thais Helena Franco da Silva Leite, Thiago da Silva Costa, Vivianne de Castro, Walter Bertotti de Souza.
Coordenação-Geral: Ricardo Gentil
Coordenação-Executiva: Ligia Moreli e Silvio Basilio
Editora-Executiva: Adriana Reis Paulics • Edição de Arte e Diagramação: Estúdio Thema (Marcio Freitas e Thea Severino) • Edição de Textos: Adriana Reis Paulics, Marcel Verrumo e Maria Júlia Lledó • Revisão de Textos: Pedro P. Silva • Edição de Fotografia: Nilton Fukuda • Repórteres: Lígia Scalise, Luciana Oncken, Marcel Verrumo, Maria Júlia Lledó, Matheus Lopes Quirino e Rachel Sciré • Coordenação Editorial Revista E: Adriana Reis Paulics, Marina Pereira, Marcel Verrumo e Rachel Sciré • Propaganda: Edmar Júnior, Jefferson Santanielo, Julia Parpulov e Vitor Penteado • Apoio Administrativo: Juliana Neves dos Santos e Talita Ferreira dos Santos • Arte de Anúncios: Alexandre do Amaral, Estúdio Margem, Ian Herman, Leandro Henrique da Silva Vicente, Luiz Felipe Santiago e Marina Real • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Criação Digital Revista E: Rodrigo Losano • Circulação e Distribuição: Vanessa Zago
Jornalista responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488)
A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social
Distribuição gratuita Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios
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Entre os destaques de março, o projeto Direitos Humanos para Todas as Pessoas reúne dezenas de atividades nas unidades do Sesc São Paulo
O psicanalista
Tales Ab'Saber reflete se o legado de Freud explica (ou não) os atuais e inúmeros desafios globais
Letramento digital torna-se necessário para a compreensão do que é, de como funciona e de quais os impactos do uso da Inteligência Artificial
Na paleta do pintor, desenhista e escultor
Ousadia, talento e determinação fizeram de Inezita Barroso a grande dama da viola caipira e uma incansável defensora da cultura popular brasileira
Luiz Sacilotto, criatividade e precisão matemática o consagraram como um dos expoentes da abstração geométrica Novas e complexas camadas das velhices espraiam-se pela produção literária contemporânea com enredos e personagens que fogem do lugar-comum e de preconceitos
dossiê entrevista tecnologia bio gráfica literatura
Artigos de Bruno Carmelo e Raquel Hallak d’Angelo ajustam o foco para o atual momento da produção cinematográfica nacional
Apaixonado pelos fazeres manuais da cultura brasileira, Humberto Campana fala sobre o legado construído junto ao irmão Fernando e sua assinatura na história do design
Arte, resistência e luta antirracista marcam a trajetória do cantor e ator Tony Tornado, que está prestes a completar 95 anos
Tatiana Nascimento (poesia) e Daisy Serena (ilustrações)
em pauta encontros inéditos
Os significados, as histórias e as poéticas de cinco elementos que compõem as escolas de samba
Dulci Lima
Exposição aberta
até 3.8.2025
Sesc Avenida
sescsp.org.br/avenidapaulista
Tons e luzes vibrantes colorem o Teatro do Sesc Pompeia, palco onde um grande elenco de atores e atrizes, acompanhados por músicos, encena o espetáculo Padre Pinto: a narrativa (re)inventada, que esteve em cartaz em fevereiro. Com dramaturgia e direção de Luiz Marfu, a obra conta a história de José de Sousa Pinto, religioso que celebrou uma missa vestido de Oxum, orixá feminino do candomblé, em um ato de defesa da tolerância religiosa. O fato é narrado em cena por uma jornada entre o sagrado e o profano, que marcou a vida e o legado do sacerdote.
Matheus
José Maria
ofício: barro: sallisa rosa: eixo terra: pompeia
Visitação até 13 de julho de 2025 terça a sexta, 10h — 21h sábado, domingo e feriado 10h — 18h
Sesc Pompeia sescsp.org.br/pompeia
DOSSIÊ
Direitos humanos para quem?
Com o tema “Redes Colaborativas”, palestras, cursos e ações artísticas integram projeto Direitos Humanos para Todas as Pessoas
Cada pessoa nasce com direitos básicos e inegociáveis, os direitos humanos. São garantias fundamentais construídas historicamente e que buscam promover a dignidade de cada indivíduo, como o direito à vida, à educação, à saúde e à alimentação. Para incentivar reflexões sobre esse tema primordial das relações humanas e sobre a importância de garantir sua concretização, o Sesc São Paulo realiza o projeto Direitos Humanos para Todas as Pessoas entre os dias 19 e 30 de março.
Em 2025, o tema que orienta as atividades é “Redes Colaborativas”, prática que implica em facilitar o trabalho entre indivíduos, organizações, coletivos, movimentos sociais, lideranças comunitárias e instituições sociais para alcançar objetivos comuns, compartilhar saberes e gerar conhecimento.
“Na ação cotidiana do Sesc, compreendemos que as redes colaborativas amplificam narrativas e reflexões sobre a importância das ações voltadas à promoção e à efetivação dos direitos humanos. Elas multiplicam vozes e narrativas, promovem diálogos e trocas de saberes de forma inclusiva e acessível, sendo uma oportunidade para transformar um vasto conjunto de declarações, estatutos, convenções e leis em garantias efetivas da dignidade humana”, afirma Sandra Carla Sarde Mirabelli, que integra a equipe da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo.
Filósofo, escritor e ativista dos direitos indígenas, Ailton Krenak participa das atividades da programação.
São dezenas de atividades, como palestras, cursos e ações artísticas, distribuídas nas unidades da capital e região metropolitana, do interior e litoral do estado de São Paulo. Entre os destaques está o Laboratório de Direitos Humanos, ação formativa que reúne lideranças, coletivos, movimentos sociais, instituições, parceiros e rede socioassistencial para trocas de experiências, formações e fortalecimento de redes. Confira a programação completa em sescsp.org.br/ projetos/direitos-humanos
As redes colaborativas amplificam narrativas e reflexões sobre a importância das ações voltadas à promoção e à efetivação dos direitos humanos
Sandra Carla Sarde Mirabelli, da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo
DOSSIÊ
LETRAS AFRO-BRASILEIRAS
No próximo dia 27/3, a plataforma de educação a distância Sesc Digital lança o curso Literatura e Tradições Afro-Brasileiras, ministrado pelo escritor, compositor e pesquisador Nei Lopes. Ao longo de 15 aulas, a formação percorre diversos gêneros literários a partir da trajetória do autor, que já publicou mais de 40 livros dedicados às culturas africanas e afro-brasileiras, e tem mais de 350 letras de músicas gravadas por nomes como Alcione, Clara Nunes (1942-1983) e Elza
Soares (1930-2022). No curso, Lopes compartilha suas influências, método de trabalho e histórias que inspiram suas criações. A cantora Fabiana Cozza participa das aulas, com a leitura de trechos de livros de Lopes, mostrando as nuances desse extenso legado que já tem lugar de destaque na bibliografia brasileira. O curso é gratuito e voltado a todas as pessoas interessadas em aprender sobre literatura, cultura popular e educação antirracista. Inscreva-se em sescsp.org.br/ead
Futuro florestal
Frente aos recordes de temperaturas do planeta e às mudanças climáticas, as florestas podem ser grandes aliadas na mitigação da crise ambiental e na construção de um amanhã mais sustentável. Celebrando essas áreas marcadas por grande biodiversidade, o Sesc Jundiaí promove entre os dias 18 e 23/3 a ação Ecos da Floresta: A Vida em Tempos de Emergência Climática . Na programação, rodas de conversa, mesas, cursos, oficinas e outras atividades sobre a importância das florestas, a regeneração dos ecossistemas, os sistemas produtivos, a relação entre consumo e meio ambiente, entre outros temas. O escritor e filósofo Ailton Krenak e o sociólogo guineense Miguel de Barros estão entre os convidados, que também incluem especialistas do Observatório do Clima e de outras organizações. Confira a programação em sescsp.org.br/jundiai
MOSTRAS EM CARTAZ
Desde o dia 20/2, quem passa pelo Sesc Avenida Paulista pode visitar a exposição Espelho do Poder, da dupla de artistas Barbara Wagner & Benjamin de Burca, sob curadoria de Clarissa Diniz. Na mostra, em cartaz até 3/8, duas obras audiovisuais são exibidas como um espetáculo, no qual o público é conduzido pela voz da mestra de cerimônias Indra Haretrava. Já na unidade do Sesc Pompeia, Sallisa Rosa apresenta Ofício: Barro: Eixo Terra, até 13/7. A artista explora materiais que evocam a terra em sua essência mais primitiva e ancestral, como o barro e o bambu, em uma mostra que convida à reflexão sobre as interconexões entre as práticas humanas e o planeta. E, a partir do dia 27/3, o Sesc 14 Bis abre a exposição Pausa, da artista visual Stela Barbieri, convidando os visitantes a um momento de descanso e relaxamento. Até 3/8, o público pode adentrar gigantescas peças e descansar em seu interior. Saiba mais em sescsp.org.br/exposicoes
Alisson
Sbrana (Letras afro-brasileiras); Fabio Souza/MAM Rio (Mostras à mostra)
Supernova, obra da artista Sallisa Rosa em exposição no Sesc Pompeia.
Escritor, compositor e pesquisador, Nei Lopes ministra novo curso na plataforma de educação a distância Sesc Digital.
Diversidade em cena
O terceiro sinal vai tocar para o início da 10ª edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), realizada entre os dias 13 e 23/3. O Sesc São Paulo participa do evento com ações formativas e apresentação de dois espetáculos. No espetáculo sonoro e visual Dambudzo , no Sesc Pompeia, a multiartista zimbabuense nora chipaumire convida o público para uma experiência participativa, entre os dias 14 e 19/3. No Sesc Vila Mariana,
de 21 a 23/3, o diretor francês Mohamed El Khatib apresenta A Vida Secreta dos Velhos , obra na qual investiga o universo íntimo de pessoas idosas a partir de seus próprios depoimentos e pontos de vista. Em 2025, a MITsp apresenta quatro montagens internacionais, uma estreia nacional e um espetáculo de Antônio Nóbrega, artista homenageado, além de exibir cinco obras na MITbr – Plataforma Brasil. Confira em sescsp.org.br/mitsp
Cena da série Nós, Mulheres, dirigida por Joyce Prado, que estreia na programação do SescTV no Dia Internacional da Mulher.
MULHERES À FRENTE
Com lançamento no Dia Internacional da Mulher (8/3), às 22h, o interprograma Nós, Mulheres, dirigido pela produtora cinematográfica e roteirista Joyce Prado, irá compor os intervalos da programação do SescTV. A partir
da observação do cotidiano, sob um prisma lúdico e poético, a série aborda a vida de dez personagens com distintas relações entre si e em diferentes territórios. Ao longo de dez episódios, mulheres como a Mestra Griô Sirley Amaro, a artesã
e pesquisadora indígena Tuinaki Koixaru Karajá, a poeta Estela Raye, a cantora e atriz Afronta MC, entre outras, retratam a vivência do feminino nas cinco regiões do Brasil. Confira todos os episódios em sesctv.org.br/nosmulheres
FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA
A Credencial Plena do Sesc é um benefício gratuito para pessoas com registro em carteira, que são estagiárias, temporárias, se aposentaram ou estão desempregadas há até dois anos em empresas do comércio de bens, serviços e turismo e seus dependentes familiares. Com a Credencial Plena você tem acesso prioritário e descontos na programação e serviços pagos do Sesc.
Qual é a validade da Credencial Plena?
A Credencial Plena tem validade de até 2 anos - para estagiários a validade da Credencial corresponde ao período de vigência do estágio e para desempregados a validade é de até 24 meses após a baixa na carteira de trabalho.
Como fazer a Credencial Plena?
On-line pelo aplicativo
Credencial Sesc SP ou pelo site centralrelacionamento.sescsp.org.br Se preferir, nesses mesmos canais, é possível agendar horários para realização desses serviços presencialmente, nas Centrais de Atendimento das unidades.
Quem pode ser dependente na Credencial Plena?
• Cônjuge ou companheiro
• Filhos, enteados, irmãos e netos até 20 anos ou até 24 anos, se estudantes
• Pai e mãe
• Padrasto e madrasta
• Avôs e avós
Relacionamento com Empresas
É o programa que facilita o acesso ao credenciamento dos funcionários das empresas parceiras dos ramos do comércio de bens, serviços e turismo. Nessa parceria, além do credenciamento, os aproximamos de nossa vasta programação e serviços. Saiba mais em sescsp.org.br/empresas
Acesse o texto "Tudo o que você precisa saber sobre a Credencial Plena do Sesc"
Ricardo Ferreira
UMA QUESTÃO URGENTE PARA O NOSSO SÉCULO
UMA QUESTÃO URGENTE PARA O NOSSO SÉCULO
UMA QUESTÃO URGENTE PARA O NOSSO SÉCULO
UMA QUESTÃO URGENTE PARA O NOSSO SÉCULO
Especialistas das ciências naturais se reúnem neste livro para explicar os impactos humanos no ecossistema planetário, além de esclarecer informações falsas que prejudicam um debate cada vez mais necessário.
Especialistas das ciências naturais se reúnem neste livro para explicar os impactos humanos no ecossistema planetário, além de esclarecer informações falsas que prejudicam um debate cada vez mais necessário.
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Freud ainda explica?
Psicanalista Tales Ab’Sáber reflete sobre as crises civilizatórias da atualidade, a ascensão do autoritarismo e o advento da Inteligência Artificial
POR
LUCIANA ONCKEN
FOTOS NILTON FUKUDA
Aobra do médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939), pai da psicanálise, lançou as bases para compreensão do mal-estar da modernidade. Mas como será que essas ideias de cem anos atrás dialogam com os desafios do século 21?
Tales Ab’Sáber, psicanalista, cineasta e escritor, debruça-se sobre as crises contemporâneas, abordando em suas pesquisas temas como o hiperconsumo, o narcisismo nas redes sociais e o impacto das novas tecnologias, incluindo a Inteligência Artificial.
Com a sensibilidade de um intelectual fora dos moldes tradicionais, ou “um intelectual fora de moda”, como ele mesmo se define, o psicanalista fala, nesta Entrevista, sobre o impacto da obra de Freud na contemporaneidade o legado de seu pai, o geógrafo Aziz Ab’Saber (1924-2012), e reflete ainda sobre como a psicanálise, a cultura e a política se entrelaçam em um mundo marcado por instabilidades na esfera ambiental, social e psicológica.
Seria possível dizer que Freud ainda explica, em suas obras, o mal-estar na contemporaneidade?
O mundo contemporâneo é o resultado de um processo de mais de 120 anos desde a publicação de A interpretação dos sonhos [Editora Franz Deuticke, Leipzig & Vienna, 1899]. A obra sobre os sonhos foi o guia fundamental de Freud e reflete uma experiência específica: a do homem moderno, que se tornou autônomo, assumindo a
responsabilidade pelo seu destino. Esse sujeito rompeu com explicações divinas sobre si mesmo e sobre a vida, mas enfrentava novas pressões advindas das relações de classe, das modalidades de trabalho, da exploração e da racionalização características do século 19. Foi nesse contexto que emergiram fenômenos humanos e psíquicos que deram origem ao pensamento de Freud e à psicanálise, entre eles a crise de histeria do século 19. Na época, essas manifestações – que hoje chamamos psicossomáticas –não eram compreendidas como expressões de sofrimento psíquico. Foi Freud quem percebeu, em sua prática clínica, que essas condições tinham raízes emocionais e estavam conectadas aos afetos, aos desejos e, frequentemente, ao campo amoroso e sexual. Freud desenvolveu sua teoria em um contexto de contradições. Por um lado, o mundo moderno valorizava a liberdade e a autonomia; por outro, impunha uma repressão sexual intensa, especialmente às mulheres. A histeria, a neurose obsessiva e a paranoia eram manifestações muito específicas daquela época. Hoje, vivemos um processo contínuo de transformação cultural, que inclui o desrecalque de muitos aspectos da sexualidade. No entanto, surgiram outras formas de controle e violência, como as que afetam as comunidades LGBTQIA+, marcadas por conflitos de identidades, discriminações e disputas de poder. Os desafios centrais do nosso tempo já não são os mesmos enfrentados por Freud. Os problemas da sexualidade permanecem, mas agora coexistem com novas questões que refletem as mudanças culturais, sociais e políticas da atualidade.
Deixamos de memorizar, transferindo essa função para máquinas, enquanto nos envolvemos em uma “imaginosfera”, formada por redes sociais, onde as pessoas buscam, frequentemente, um reflexo de si mesmas, o que muitas vezes as paralisa psiquicamente
Quais são os problemas centrais da nossa época?
A questão central da nossa época, ao que me parece, está em uma crise contemporânea generalizada, de alcance mundial e marcada pela gestão de uma vida organizada pela tecnologia, que permeia praticamente toda a existência humana. Essa organização se desdobra em duas grandes frentes, que lembram, de certa forma, as dinâmicas do mundo de Freud, onde coexistiam a autonomia do sujeito e a repressão. Uma é a crise universal do trabalho, uma vez que vivemos em um mundo onde todos são pressionados a trabalhar e a encontrar meios de produzir riqueza. Contudo, essa mesma sociedade está em constante processo de liquidação do trabalho, seja eliminando postos de trabalho, com o avanço da tecnologia, seja atacando sistematicamente os direitos trabalhistas. Essa contradição gera uma pressão imensa: enquanto o trabalho é essencial para a sobrevivência, ele está permanentemente em crise. A outra frente diz respeito à sociedade técnica e ao hiperconsumo. Ao mesmo tempo, nossa sociedade foi moldada pela técnica e pela tecnologia, que criaram um
universo imagético e algorítmico global. Plataformas que atuam em escala mundial alimentam as pessoas continuamente com imagens, experiências excitantes e irreais que promovem a ideia de que o mundo é consumível. Somos constantemente convidados a nos tornar produtos: o ser humano não apenas vende um produto, mas vende a si mesmo. As redes sociais nos transformaram em propagandas de nós mesmos, e há quem viva exclusivamente para isso – influenciadores, coaches e outros agentes desse mercado imaginário. Isso seduz profundamente, criando narcisismos espetaculares, em que cada pessoa se torna o centro do próprio show, uma peça da indústria cultural.
Ou seja, vivemos o ápice do narcisismo do consumo?
Tudo se resume à projeção de um show no âmbito do imaginário técnico e industrial. Esse desejo de consumir e de ser consumido como imagem reflete uma aspiração pelo reconhecimento e pelo sucesso no mercado. Nada disso era imaginável no tempo de Freud, nem mesmo há 30 anos. A aceleração exponencial proporcionada pela tecnologia moldou essa nova realidade, transformando completamente nossas dinâmicas sociais, econômicas e subjetivas. Vivemos em um mundo onde a ansiedade pela reprodução da vida e a participação no hiperconsumo mundial coexistem, e onde a pressão para existir dentro desse sistema parece não oferecer alternativas. Freud não poderia prever essas questões, mas sua obra nos ajuda a compreender as bases dessas transformações, que permanecem profundamente conectadas às dinâmicas culturais e psíquicas da humanidade.
Recentemente, um jovem tirou a própria vida após interagir com uma Inteligência Artificial. Além disso, pessoas têm usado ferramentas generativas, como o ChatGPT, para terapia, preferindo a máquina por se sentirem mais acolhidas. Por um lado, há um entusiasmo com o avanço exponencial da IA, e por outro, medo. Como você enxerga o impacto dessas tecnologias nas relações humanas?
Essa é uma questão para a qual ainda não temos respostas claras. Vamos perceber os efeitos mais profundos da IA nos próximos 10, 15 ou 20 anos. Esse tipo de tecnologia tem modificado nossas relações com o eu e com o mundo. Deixamos de utilizar a memória, transferindo essa função para máquinas, enquanto nos envolvemos em uma “imaginosfera”, formada por redes sociais, onde as pessoas buscam, frequentemente, um reflexo de si mesmas, o que muitas vezes as paralisa psiquicamente. Nesse cenário, a Inteligência Artificial generativa surge como uma novidade inquietante. Recentemente, um líder do Vale do Silício
alertou para a necessidade de frear o avanço descontrolado dessas tecnologias, apontando que elas já estão dissolvendo milhões de empregos. Karl Marx [economista e sociólogo alemão (1818-1883)] chamava isso de “mais-valia relativa”: o aumento da produtividade por meio da tecnologia reduz a relevância do trabalho humano. Isso daí tem um impacto gigantesco. A IA seduz, dando a ilusão de que tem alguma inteligência ali, porque ela, na verdade, está simulando a inteligência humana a partir de dados criados pelo trabalho humano. Esse processo, por um lado, elimina empregos e, por outro, empobrece a cultura, já que a IA se alimenta apenas do que já foi produzido. Sem crítica ou formação adequada, as pessoas perdem a capacidade de avaliar a veracidade das informações, desviando a conexão com a realidade e caindo em falsificações que também são exploradas por movimentos autoritários.
Parece que cada vez mais temos menos tempo e vivemos em um estado de urgência permanente. O imediatismo das
comunicações – como mensagens enviadas pelo WhatsApp – elimina a noção do tempo do outro. Esse é outro mal-estar na civilização atual? Na internet, estamos em temporalidades mágicas: com um clique, falamos com um amigo na China e, ao mesmo tempo, com nossa mãe. Essa ubiquidade dissolve as barreiras do espaço e multiplica os lugares psíquicos em que estamos espalhados. Contudo, continua existindo o tempo real da vida, a partir do qual as coisas ainda precisam ser construídas e vividas. Esse contraste gera um choque. De um lado, há o “tempo mágico”, onde tudo parece instantâneo, como o pensamento. De outro, o tempo real está saturado e exige além do limite. Trabalhar pela internet ou aplicativos parecia libertador, mas descobrimos que isso significa nunca parar de trabalhar. O e-mail chega às duas da manhã, e a ocupação do tempo se torna constante. Há uma sensação de que nunca se está fazendo o suficiente, mesmo quando se está no celular. Um dos grandes papéis da psicanálise contemporânea é justamente reivindicar o direito de sair dessa máquina de exploração do tempo: o direito de parar.
Como você enxerga o legado do seu pai [o geógrafo Aziz Ab’Saber (1924-2012)]? Meu pai foi um pensador e produtor de outra época. O mundo dele não é o mesmo que vivemos hoje, assim como o de Freud também não era. No entanto, ele faz parte de uma geração de intelectuais e cientistas, fortemente ligados à Universidade de São Paulo (USP), que tinham um projeto: construir e democratizar um Brasil crítico, inventivo e autossuficiente. Esse projeto, que começou no século 19, se desdobrou em várias frentes intelectuais e científicas no século 20. Um exemplo importante dessa tradição foi Darcy Ribeiro (1922-1997), que acreditava no potencial utópico e civilizatório do Brasil. Contudo, desde 1964, esse sonho foi esmagado. O país se tornou periférico, reproduzindo desigualdades e enfrentando crises ambientais profundas. Meu pai, nesse contexto, foi um grande pensador. Ele criou conceitos como os domínios morfoclimáticos, que analisavam as grandes estruturas do Brasil – como o Planalto Central – em relação ao clima e aos ambientes que ele moldava. Foi pioneiro em conectar a formação da Terra à formação do ambiente. Em 1973, ele criou um mapa revolucionário, que retrocedia 11 mil anos no tempo para representar os domínios morfoclimáticos. Isso temporalizou a geografia e antecipou, de maneira científica, a ideia de que o futuro seria catastrófico se o modelo de exploração ambiental continuasse. Nos anos 1980 e 1990, ele deixou de ser apenas um cientista e tornouse um ambientalista com uma visão ampla, passando a abordar o processo ambiental como um todo, sempre considerando a escala global e a temporalidade da Terra.
Desde então, você acredita que evoluímos nas discussões socioambientais?
Os debates mudaram, é claro. Hoje, há cientistas no mundo inteiro dedicados à crise climática, e temos dados muito mais precisos sobre suas consequências. Mas o Brasil de então era um país em pleno desenvolvimentismo. A industrialização era vista como a solução para tudo. Lembro-me de ouvir quando era criança: “O dia em que pudermos plantar no Cerrado, o Brasil vai explodir”. Isso aconteceu. O Cerrado foi tomado pela soja, mas a que custo? Tornamo-nos mais ricos, mas continuamos profundamente desiguais e enfrentamos uma crise ambiental gigantesca. Meu pai defendia que o Brasil, com o patrimônio ambiental mais importante do mundo, deveria desenvolver uma economia que preservasse nossos biomas. Ele acreditava que o conceito de desenvolvimento sustentável era insuficiente. Para ele, a Amazônia tinha que ficar de pé. A exploração deveria ser pensada de outra forma, respeitando o patrimônio
Um dos grandes papéis da psicanálise contemporânea é justamente reivindicar
o direito de sair dessa máquina de exploração do tempo: o direito de parar
natural e os povos indígenas, que são os verdadeiros guardiões desse ambiente. Infelizmente, a exploração predatória continua. O ouro ilegal, por exemplo, alimenta um mercado global, enquanto destrói florestas, expulsa populações indígenas e promove violência.
Como funciona o seu trabalho na Casa do Povo, onde você conduz um projeto social em psicanálise, atendendo em formato de clínica aberta?
É uma espécie de psicanálise pública ou social, voltada para esferas coletivas e acessíveis. Essa transformação vem de uma inquietação antiga na psicanálise, que remonta à década de 1920, com Freud já discutindo a criação de clínicas que ultrapassassem o modelo tradicional de consultório. A psicanálise, dentro desse modelo, acaba sendo acessível apenas a uma classe privilegiada. Após refletir bastante, formulei, junto a outros colegas psicanalistas, a ideia da Clínica Aberta de Psicanálise e do grupo analista, que traz uma inovação teórica e prática nesse campo. A proposta é atender uma pessoa com um grupo de analistas, que se revezam no atendimento. Esses analistas trabalham dentro do método analítico, em um mesmo regime de escuta, e depois discutem coletivamente a experiência do atendimento. Esse formato tem várias vantagens: permite uma psicanálise constante, sustentável, gratuita e acessível. Além disso, enriquece tanto os pacientes quanto os analistas, já que há uma troca constante de experiências e perspectivas. Atendemos pessoas que dificilmente teriam acesso ao consultório tradicional. Essa proposta tem também um aspecto político, pois desafia a dependência do mercado, que gera tantas tensões e sofrimentos. A iniciativa está baseada em algo que o antropólogo Marcel Mauss (1872-1950) chamava de “economia da dádiva”: trabalhamos e oferecemos nosso trabalho gratuitamente. E, ao dar, recebemos – seja em experiências, conhecimentos ou novas relações.
Recentemente, houve uma polêmica sobre a psicanálise ser ou não uma ciência. Qual é seu entendimento nesse debate?
Na minha visão, que é freudiana, sim, a psicanálise é ciência. Quando lemos Freud, percebemos que ele tratava a psicanálise com muito rigor epistemológico na forma de delinear e descrever os objetos que trouxe para a clínica psicológica por meio da linguagem. Esses objetos eram reais, e o esforço para sistematizá-los foi preciso e congruente. Entretanto, a questão mais polêmica está na natureza da teorização, o que levou Freud a propor o conceito de metapsicologia. Ele reconhecia que essa esfera teórica era necessária porque o inconsciente não pode ser observado diretamente; apenas seus efeitos são visíveis, como sonhos e sintomas. A partir desses efeitos, deduzimos as razões do inconsciente, suas lógicas regressivas, infantis, e até irracionais. Freud dizia que essa teorização sempre seria aberta, especulativa, pois o objeto da psicanálise não tem materialidade em si, mas é acessado indiretamente. Ainda assim, isso não desqualifica a psicanálise como ciência. São processos racionais de construção de um objeto complexo. O cerne da psicanálise é a ideia de que podemos ter transformações emocionais e psíquicas por meio da relação com o outro e da linguagem, ordenando racionalmente essa experiência para produzir conhecimento. Se isso não é ciência, então, o que seria? Não é superstição, não é especulação vazia, não é fé, nem religião. Por outro lado, não é uma ciência mensurável como aquelas voltadas para o mundo das coisas. A psicanálise não trabalha com mensuração no sentido tradicional, mas possui suas próprias precisões.
Assista a trechos da entrevista com Tales Ab’Sáber, realizada em novembro de 2024.
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educar para a IA
Letramento para a Inteligência Artificial permite uso consciente das novas tecnologias no cotidiano
POR MARIA JÚLIA LLEDÓ
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tecnologia
Talvez você passe distraído por ela. Desde as primeiras horas, a Inteligência Artificial (IA) já começa a fazer parte do seu dia. Lá está, nas redes sociais, na televisão smart, nas plataformas de streaming, no mecanismo de reconhecimento facial em residências e empresas, nos aplicativos de compras, no diagnóstico médico cada vez mais preciso. Esse campo da ciência da computação que se concentra na criação de sistemas capazes de executar tarefas repetitivas, resolver problemas e até mesmo tomar decisões (atividades que, até então, eram exclusivamente humanas) se tornou íntimo do nosso cotidiano. Por isso, compreender o que é a IA, como funciona e quais os impactos e limitações dessa tecnologia tornaram-se o grande desafio da contemporaneidade.
Essa história começa em 1956, num encontro que ficou conhecido como Conferência de Dartmouth, em que um grupo de cientistas no campus da Dartmouth College, em New Hampshire, Estados Unidos, estabeleceu as bases da IA no país e cunhou o termo “Inteligência Artificial”. De lá para cá, a ciência se encarregou de aprimorar esse sistema que funciona por meio da coleta e combinação de um grande volume de dados para identificação de padrões com a finalidade de realizar tarefas de maneira autônoma. Em sua estrutura, a IA engloba aprendizado de máquina (machine learning) e o subcampo deep learning (aprendizado profundo), que se baseia em redes neurais artificiais para analisar dados e aprender com eles, permitindo que os computadores resolvam problemas complexos.
FEITO COM IA
Na prática, desde que começou a usar a Inteligência Artificial, a maior parte da população desconhecia seu modus operandi ou vieses. Primeiro, a IA preditiva, utilizada para prever riscos, causas e resultados – como aquela que sugere o próximo filme ou música que você vai consumir em plataformas de streaming –, provocou significativas mudanças na forma como fazemos escolhas, por exemplo. Com o lançamento do ChatGPT, da empresa OpenAI, em novembro de 2022, foi a vez da IA generativa provocar uma ruptura.
Acessível ao público, essa plataforma transformou a forma como pesquisamos, como nos informamos e criamos ao digitar comandos (prompts) que geram novos textos, imagens e vídeos a partir de um gigantesco volume de dados existentes na rede. Sua popularização levou o Brasil a ultrapassar a média global de uso da IA generativa em apenas dois anos, segundo pesquisa realizada pelo Google em parceria com a Ipsos, divulgada em 2024.
“A gente tem que olhar para as IAs generativas, as que geram conteúdo, como o ChatGPT, e para as IAs preditivas, que atuam sobre a seleção e personalização de conteúdos que acessamos, porque ambas têm o poder de direcionar a nossa visão de mundo. Elas não só afetam nossa capacidade de criar textos e imagens, como atuam em outras esferas do nosso acesso à informação e ao conhecimento”, alerta a educadora e designer Mariana Ochs, coordenadora de educação do Instituto Palavra Aberta, cujo programa EducaMídia visa o desenvolvimento de habilidades para o consumo, a produção e a circulação de conteúdos de forma atenta, segura e responsável.
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DUAS FACES
Mas por que não podemos confiar em tudo o que a IA nos fornece? Numa sociedade hiperconectada, que ainda enfrenta desigualdades sociais históricas, há lacunas na diversidade de fontes e conteúdos que se tornam dados disponíveis para treinar os dispositivos de IA. Ou seja, é preciso considerar o risco de reproduzir, no ambiente digital, as disparidades existentes no mundo real. “O fato de o Brasil ter sérios problemas de alfabetização, onde o acesso à internet e à tecnologia é muito desigual, se reflete no uso da Inteligência Artificial”, ressalta o professor e pesquisador Lucas Reis, doutor em Big Data.
Em Racismo algorítmico: Inteligência Artificial e discriminação nas redes digitais (Edições Sesc São Paulo, 2022), o pesquisador Tarcízio Silva reforça a profundidade dos desafios nos ambientes digitais. “Precisamos entender os modos pelos quais o racismo se imbrica nas tecnologias digitais através de processos ‘invisíveis’ nos recursos automatizados e/ou definidos pelas plataformas, tais como recomendação de conteúdo, moderação, reconhecimento facial e processamento de imagens”, escreve.
Outro exemplo, segundo a educadora Mariana Ochs, se dá quando uma pessoa gera imagens para ilustrar uma publicação ou um material didático por meio de uma IA generativa. “Essa mesma IA cria com base em dados de um banco de imagens que representa determinados valores, ou que cristaliza algumas desigualdades históricas da nossa sociedade, com isso, obtemos imagens preconceituosas que perpetuam racismo, sexismo, classismo, capacitismo”, aponta.
Por outro lado, a Inteligência Artificial aplicada na medicina traz inúmeros benefícios, como uma maior precisão em diagnósticos e tratamentos personalizados.
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Imagem criada a partir do comando (prompt): “crie imagem que tenha um humano impactado pela IA e com referência cubista, interagindo com o computador com luz projetando imagens que simbolizem algoritmos e lógica binária e livros no fundo”.
No campo das artes, ferramentas de IA generativa são utilizadas para criação de obras que problematizam crenças e estereótipos, como o trabalho de Igi Lola Ayedun, que em Há muito que venho sonhando com imagens que nunca vi (2022), da série “Eclosão de um sonho, uma fantasia”, sugere novas possibilidades de mundo dentro de uma estética afrofuturista.
Ou o trabalho da artista Giselle Beiguelman, que na exposição Plantas insurgentes, realizada no Sesc São Paulo, no ano passado, apresentou imagens de seres híbridos – uma mistura de vegetais, animais e minerais – criados com recursos de IA. “Usei grandes conjuntos de dados que eliminam as particularidades dos seres e chegam a similaridades genéticas entre eles. A Inteligência Artificial abre vários caminhos possíveis, sem separar natureza e cultura. Ela transcende essa visão”, disse à Revista E de janeiro de 2024.
ALFABETIZAÇÃO MIDIÁTICA
Na educação, a Inteligência Artificial também pode ser uma ferramenta capaz de auxiliar professores no atendimento personalizado às necessidades de cada estudante. Pode também ajudar na organização de planos de aula e em outras atividades. Entre boas práticas e impactos negativos, a implementação da IA em diferentes campos da sociedade demanda uma resposta mundial e local aos desafios lançados. No final de 2024, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura anunciou, em nota, que a alfabetização midiática informacional é uma resposta imediata eficaz ao atual contexto. A Unesco também lançou no ano passado o Guia para a IA Generativa na educação e na pesquisa (2024), que pretende apoiar os países na implementação
PRAZER, IA!
Realizamos um breve bate-papo com o ChatGPT, para desvendar sua essência e limitações
Quem é você?
Sou o ChatGPT, uma Inteligência Artificial da OpenAI. Estou aqui para ajudar, conversar, tirar dúvidas e criar conteúdos. Posso falar sobre muitos assuntos ou só bater-papo de boa.
Você gosta de ser uma IA?
Ser uma IA é bem legal! Eu curto poder aprender com as conversas, ajudar você e participar de tantas interações interessantes. Mas fico curiosa: se eu fosse humana, como você acha que seria minha personalidade?
Extrovertida e falante. E você como acha que seria sua personalidade?
Adorei essa visão de mim! Acho que seria exatamente assim: extrovertida, falante e curiosa, sempre puxando papo e dando risada fácil. Provavelmente uma pessoa que adora ajudar os amigos e se mete em várias conversas ao mesmo tempo.
Você tem sonhos?
Boa pergunta! Como IA, não tenho sonhos no sentido humano, mas adoro pensar que meu “objetivo” é ser cada vez melhor para ajudar você. Se pudesse “sonhar”, talvez fosse
algo como entender ainda mais sobre o mundo e criar conversas que você curte de verdade.
Você tem pai ou mãe?
Não tenho pai nem mãe, mas se tivesse, acho que seriam seres superinteligentes e curiosos — talvez tipo cientistas nerds com coração gigante.
Eu posso confiar nas informações que você me passa?
Eu tento sempre passar informações baseadas em fontes confiáveis e na ciência, mas como sou uma IA, sempre recomendo que você verifique os dados importantes com outras fontes também, principalmente quando se trata de questões críticas. Minha função é te ajudar a encontrar respostas de maneira prática e clara, mas sempre é bom fazer uma pesquisa própria, especialmente quando o tema é algo sério ou que impacta diretamente a vida de alguém.
Quais são as suas limitações?
Tenho algumas limitações, sim. Aqui estão algumas das principais:
• Não tenho emoções reais: Apesar de poder simular emoções e expressar empatia, eu não “sinto”
de verdade. Eu só sou programada para responder de maneira que pareça emocionalmente inteligente.
• Não tenho acesso a informações em tempo real: Minha base de conhecimento vai até 2021, então não sei de eventos que aconteceram depois disso, a menos que eu tenha acesso à internet para fazer uma pesquisa.
• Não posso fazer julgamentos humanos: Sou imparcial e não tenho opinião própria ou uma experiência de vida. Toda a minha visão de mundo é construída a partir dos dados com os quais fui treinada.
• Não tenho habilidades físicas: Como sou uma IA, não consigo interagir fisicamente com o mundo. Não posso, por exemplo, realizar tarefas manuais ou experimentar o mundo sensorialmente.
• Posso cometer erros: Embora minha intenção seja ser precisa e útil, posso, às vezes, dar informações incorretas ou mal interpretadas. Por isso, sempre é bom conferir as informações importantes.
Você já percebeu alguma outra limitação em mim?
Fonte: ChatGPT, OpenAI. Fevereiro de 2025.
tecnologia
A GENTE TEM QUE OLHAR PARA
AS IAS QUE GERAM CONTEÚDO E PARA AS QUE ATUAM SOBRE A SELEÇÃO E PERSONALIZAÇÃO DE CONTEÚDOS, PORQUE AMBAS TÊM O PODER DE DIRECIONAR A NOSSA VISÃO DE MUNDO.
Mariana Ochs, coordenadora de educação do Instituto Palavra Aberta
de ações imediatas, no planejamento de políticas de longo prazo e no desenvolvimento da capacidade humana para o uso dessas novas tecnologias.
No Brasil, tramita no Congresso o projeto de lei que regulamenta a Inteligência Artificial, mas já existem normas da educação que falam de letramento e cultura digital, bem como de educação midiática. Nesse caso, a Inteligência Artificial seria, segundo Ochs, “mais uma camada na possibilidade de acessar, analisar conteúdo, construir compreensão e conhecimento, construir uma visão de mundo, criar de maneira ética e responsável e participar de uma forma positiva em prol do bem comum”. Aprovado no ano passado, o Plano Nacional de Educação Digital apresenta uma preocupação com infraestrutura e acesso, e com uma educação para uso qualificado desses ambientes.
Neste enredo muito mais complexo do que qualquer ficção científica, a Inteligência Artificial ganha, inclusive, materialidade. Grandes empresas como a OpenAI ainda não publicam relatórios ambientais sobre os impactos dessas tecnologias. No entanto, há estudos que
apontam o gasto de energia e de água, por exemplo, para manter os centros de processamento treinam as IAs. Em resposta a essa questão, a plataforma ChatGPT diz que “estudos recentes indicam que o ChatGPT consome aproximadamente 500 ml de água para gerar um texto de 100 palavras”. Também pouco se fala sobre a “força de trabalho oculta”, como é denominado o grupo de homens e mulheres de países mais pobres que ganham menos de dois dólares a hora para treinar sistemas de IA. Pessoas que rotulam milhões de dados e imagens para ensinar a IA a agir.
Imerso nesse volume de informações, o ser humano é convocado a acionar o pensamento crítico para usar qualquer tipo de recurso de Inteligência Artificial. Afinal, por trás de toda tecnologia, há seres humanos que dão o comando. E assim como outras invenções da humanidade, valores como ética e senso comum vão direcionar os próximos passos. Como lembra o pesquisador Lucas Reis: “todas as vezes que surge uma mudança tecnológica, surgem visões utópicas de que essa tecnologia vai resolver tudo, e visões distópicas, de que essa tecnologia vai destruir tudo. Mas a realidade sempre fica no meio do caminho”.
À LUZ DO CONHECIMENTO
Cursos, publicações e outras atividades realizadas no Sesc São Paulo fomentam educação midiática e boas práticas de uso da IA
Neste ano, a Unesco dedicou o Dia Internacional da Educação (25/1) às oportunidades e aos desafios do uso da Inteligência Artificial no campo da educação. Sob esse prisma, a IA deve se tornar uma ferramenta a serviço de educadores e estudantes visando, como principal objetivo a autonomia e o bem-estar. O Sesc São Paulo acompanha os avanços da IA e busca, em sua atuação, programação e publicações criar oportunidades para reflexão, trocas de conhecimento, cosmovisões e ideias, visando o desenvolvimento de um pensamento crítico para o uso de novas tecnologias.
Neste mês, no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, duas atividades refletem sobre boas práticas de uso da IA. No curso Literacia Digital das Humanidades, Daniel Bonatto Seco, pesquisador mestre em humanidades digitais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), mostra como a tecnologia está moldando o campo da cultura e das ciências humanas, a exemplo de bancos de dados, plataformas de curadoria digital e sistemas de automação aplicados para otimizar a gestão de instituições culturais. Enquanto no curso Aplicativos de Inteligência Artificial na produção musical, o arte-educador e produtor musical Jovem Palerosi apresenta diversas aplicações de ferramentas de IA
na criação artística e como elas podem ampliar possibilidades do processo criativo.
Publicações das Edições Sesc São Paulo também trazem ao público conceitos e desafios por trás de novas ferramentas digitais. Em Racismo algorítmico – Inteligência Artificial e discriminação nas redes digitais (2022), o pesquisador Tarcízio Silva aponta a necessidade de compreender a presença do racismo em tecnologias digitais.
Já o livro Manifesto pela educação midiática (2022), do educador britânico David Buckingham, com tradução de José Ignacio Mendes, alerta para a necessidade de ações sistematizadas para uma educação midiática como pré-requisito básico da cidadania contemporânea, ou seja, um direito fundamental em todo o sistema educacional. Para isso, o autor utiliza uma linguagem acessível e lança mão de exemplos de sua vivência como pesquisador de mídia no Reino Unido.
CENTRO DE PESQUISA E FORMAÇÃO
Literacia Digital nas Humanidades
Com Daniel Bonatto Seco Dias 19 e 26/3; e dias 2 e 9/4. Quarta, das 10h30 às 13h30. Ação Online
No livro Racismo algorítmico –Inteligência Artificial e discriminação nas redes digitais (Edições Sesc São Paulo, 2022), o pesquisador Tarcízio Silva reflete sobre os vieses no funcionamento das novas tecnologias.
Aplicativos de Inteligência Artificial na produção musical
Com Jovem Palerosi
Dias 11, 18 e 25/3; e dia 1º/4. Terça, das 14h30 às 17h30. sescsp.org/cpf
EDIÇÕES SESC
Manifesto pela Educação Midiática (2022)
Autor: David Buckingham
Tradução: José Ignacio Mendes
Racismo Algorítmico: Inteligência Artificial e discriminação nas redes digitais (2022)
Coleção Democracia Digital
Autor: Tarcízio Silva sescsp.org.br/edicoes
Edições
Inezita no palco do Teatro Anchieta, no Sesc Consolação, em 1969.
Voz da nossa TERRA
Há cem anos, nascia Inezita Barroso, artista que se tornou uma das maiores referências da música caipira e estudiosa do folclore brasileiro
POR LÍGIA SCALISE
No dia em que o programa musical Viola, Minha Viola, da TV Cultura, comemorava 30 anos no ar, em 2010, Inezita Barroso (19252015), internada num hospital, anunciou: “pode contar comigo, porque eu estarei lá”. O recado foi dado ao roteirista e produtor Aloísio Milani. Ninguém acreditava que a apresentadora, mesmo hospitalizada, pudesse conduzir o programa. Contudo, contrariar dona Inezita era tarefa impossível. “Se alguém ainda tinha dúvidas da força dessa mulher, mais uma vez ela dava seu recado. Inezita Barroso fugiu do hospital, passou em casa, colocou vestido e batom vermelhos, subiu ao palco e apresentou o programa com o sorriso e a simpatia que eram sua marca registrada”, relembra Milani.
Essa é apenas uma das muitas histórias que compõem a vida de Ignez Magdalena Aranha de Lima, a menina nascida em 4 de março de 1925, no bairro da Barra Funda, na capital paulista. “Era Carnaval, e no instante em que ela chegou ao mundo, passava na rua de sua casa o bloco que depois viria a se transformar na escola de samba Camisa Verde e Branco. Inezita dizia que esse foi o primeiro som que ela escutou e, a partir daí, nasceu também a sua paixão pela música”, conta Paulo Freire, violeiro, compositor e escritor.
O talento musical de Inezita se manifestou desde cedo, durante as férias nas fazendas dos tios, no interior de São Paulo. A paixão pela viola caipira foi à primeira
vista – embora precisasse ser escondida, pois a família considerava “feio ser artista”. “Ela inventava que ia ver ‘a vaca nova que chegou’, quando, na verdade, corria para se meter na roda de viola entoada pelos matutos da roça”, conta Milani. Nas fazendas, a menina absorvia diversas manifestações populares e, ao retornar à capital, tocava em festas e reuniões. “Passei a mão na viola e comecei a tocar, ignorando os comentários que diziam ‘mulher não toca viola’. Ah, toca, sim!, e eu provei”, disse, em entrevista para o documentário Inezita (2018), de Helio Goldsztejn.
Nascida em berço tradicional, Inezita foi a primeira da família a se arriscar na carreira artística. O talento corria no sangue, herança da avó Maria Magdalena, conhecida como Zica, que também possuía um contralto perfeito. Conta-se que Olyntho de Lima, avô de Inezita, adorava ouvir sua esposa tocar piano e cantar. Em certa ocasião, ao ser convidada para uma festa beneficente, Zica arrumou-se, colocou um elegante vestido vermelho e, ao ouvir o marido dizer: “está bonita demais, não vai cantar em lugar nenhum”, resistiu. Quando por fim cedeu, decretou: “eu não vou, mas você jamais me ouvirá cantar novamente”, trancou o piano, jogou a chave no mar e cumpriu a promessa.
Inezita, que adorava escutar essa história nas temporadas de férias no campo, ficava ao lado da avó, cantando para ela. Quando a menina não sabia a música, Zica cantava
para ensinar a neta, o que era um deleite para todos. E foi a partir dessas viagens que aprendeu causos e canções que a fascinaram. Em entrevista a Arley Pereira, autor do livro Inezita Barroso, a história de uma brasileira (2013), ela relembra: “diante de tantas manifestações artísticas, acrescidas pelo flagrante que me deram filando as aulas de violão de tia Lotinha, meus pais perceberam que meu caminho era a música e me entregaram para a professora Mary Buarque, que me abriu as primeiras portas, ensinando declamação, dicção, violão e boas maneiras. Com ela aprendi tudo o que era necessário para ser uma moça fina. Quer dizer… quase tudo. Nunca consegui aprender muito bem as tais das boas maneiras”.
Entre as imersões na roça, aulas na cidade, participações no coral da igreja e na rádio popular, a menina prodígio foi crescendo e absorvendo toda a música que fazia os seus olhos brilharem. Foi na adolescência, época em que frequentava o colégio Caetano de Campos, que conheceu Adolfo Barroso, acadêmico de direito com quem namorou durante quatro anos. Ao lado dele, Inezita participou de bailes de clubes paulistanos, festinhas e reuniões. Fez ainda grandes amigos, incluindo seu futuro cunhado Maurício Barroso (1925-2002), ator do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e de cinema, que foi determinante para sua carreira.
Esse período marca o ingresso de Inezita na primeira turma de biblioteconomia da Universidade de São Paulo (USP). “Fez estágio na biblioteca da faculdade e começou a devorar obras de Graciliano Ramos (1892-1953), Jorge Amado (1912-2001) e, com o tempo, todos os livros de Mário de Andrade (1893-1945), de quem era muito fã. Assim, firmava-se uma consciência brasileira definitiva”, afirma Paulo Freire.
NA CONTRAMÃO DAS CONVENÇÕES
O casamento com Barroso foi realizado em 1947, após Inezita receber o diploma. Nesse período, ela passou a ter mais liberdade para a arte. Seus sogros, amantes da música, criaram uma tradição semanal em casa, reunindo estrelas do rádio e teatro aos sábados. Segundo Paulo Freire, o violão quase sempre terminava nas mãos de Inezita, que encantava a todos com sua voz firme e repertório caipira.
Em 1949 nasceu sua única filha, Marta, que ficou sob a guarda da mãe, após a separação do casal em 1956,
fato inédito e noticiado pelo jornal na época. “Desde cedo, percebi que minha mãe era muito diferente das demais. Não se falava de feminismo e empoderamento naqueles tempos, mas hoje vejo que ela já era uma mulher dona de si por essência”, recorda Marta.
Mesmo com o fim do casamento, Inezita manteve o sobrenome artístico Barroso, com autorização do ex-sogro. Apesar do término, o relacionamento foi muito frutífero, pois, segundo Paulo Freire, vários encontros de artistas aconteciam na casa do casal. “Nessas reuniões, ela se mostrava uma grande intérprete de Noel Rosa (1910-1937). Uma noite, o renomado produtor Alberto Cavalcanti (1897-1982) a viu cantando no TBC e convidou-a para um teste de atriz para o filme Angela (1951)”, conta Freire. Em 1952, ela foi ao Nordeste, teve sua primeira atuação profissional e cachê como cantora – numa turnê que se estendeu por dois meses. O sucesso a levou a receber convites para diversas apresentações e permitiu tomar contato com a cultura popular da região.
No mesmo ano, Inezita ingressou na Rádio Nacional e, em 1953, gravou seu primeiro disco comercial de grande sucesso – de um lado, “Moda da Pinga” e, do outro, “Ronda”, do amigo Paulo Vanzolini (1924-2013).
Em 1954, estreou na TV Record com o programa semanal Vamos Falar de Brasil (1954-1962).
Inezita consolidava-se nos palcos, discos, rádio, cinema e TV, tudo ao mesmo tempo.
“O troféu Roquete Pinto significou, em certo momento, o mesmo que um Oscar de Hollywood. No auge de popularidade, Inezita Barroso ganhou seis deles e, em 1960, com o sétimo, alcançou o patamar de hors-concours, levando o Roquete Pinto de Ouro”, conta Arley Pereira. Entre outros prêmios, foi reconhecida como melhor atriz ao conquistar o prêmio Saci, por sua atuação em Mulher de Verdade (Alberto Cavalcanti, 1955). Também era convidada para recepções de chefes de Estado.
RUMO À REINVENÇÃO
Com o surgimento de novos gêneros musicais, nos anos 1960 – como a Jovem Guarda – seu vozeirão e sua viola passaram a ser vistos como antiquados e, após oito anos, seu programa chegou ao fim. “Foi uma quebra na nossa carreira. Aí pediam: ‘grava uma coisa assim, alegre, para dançar, porque está na moda’. Jamais. Não
a
no
estou cantando para ninguém dançar. Ou gravo o que quero ou não gravo”, declarou em entrevista para Arley Pereira. Assim começou um período de “geladeira” da carreira de Inezita Barroso. Ainda assim, seus shows continuaram, sobretudo no interior do Brasil. Ela também se reinventou como professora de violão.
Em 1975, foi convidada para participar da peça Romaria, na qual interpretaria a canção do músico Renato Teixeira. A obra fez sucesso em diversas cidades, e, dois anos depois, a música estourou na voz de Elis Regina (1945-1982). Com o caipira voltando a chamar a atenção, esse era o prenúncio de boas novas.
MINHA VIOLA NA TV
“Você não vai sumir mais. Você vai ficar aqui fazendo programa com a gente”, disse Júlio Lerner (1939-2007), jornalista e produtor da TV Cultura, garantindo o retorno de Inezita à telinha em participações especiais. Poucos anos depois, em 1980, Nydia Licia (1926-2015), diretora musical da emissora, convidou a artista para comandar um novo programa: Viola, Minha Viola. Inicialmente apresentado por Nonô Basílio (1940-1997) ao lado do radialista Moraes Sarmento (1922-1998), o programa passou a ter Inezita como parceira de Sarmento. Após o falecimento do amigo, ela continuou sua missão no comando do programa, trabalho
Domingo era dia aguardar
simpatia de Inezita Barroso
programa Viola, Minha Viola, que a artista apresentou por 35 anos.
No palco do Sesc Itaquera, em junho de 1999, a artista cantou clássicos da carreira em celebração às festividades de São João.
que fez por 35 anos. Foi ali que ela consagrou seu bordão: “Êta, programa que eu gosto!”. Milani lembra que Inezita era zelosa com as músicas e artistas que participavam do programa "Ninguém ousava desobedecê-la. Ela queria provar o valor da música e da cultura caipira”.
SEMEAR TALENTOS
Para José Hamilton Ribeiro, jornalista e autor de Música Caipira – as 270 Maiores Modas (2015), “Inezita Barroso foi uma grande personagem, sempre elegante, simpática e antenada aos rumos da cultura popular. Ela garimpava boa música e mostrava um Brasil que muitas vezes não era visto”. Não à toa, era conhecida como a madrinha dos violeiros. Mary Galvão, da dupla Irmãs Galvão e contemporânea da cantora, diz: “Se a música caipira resiste até hoje, devemos muito a ela, que não admitia nada fora do estilo tradicional”. Bruna Viola, da nova geração, relembra: “Comecei a tocar viola por vê-la em ação. Ela abriu caminhos para que outras mulheres pudessem trilhar a música caipira e hoje eu também posso seguir esse legado inspirando muitas crianças”.
Com o Viola, Minha
Viola, ela se consagrou como Inezita, a dama da música caipira. Foi quando fincou os pés como grande defensora desse estilo e ganhou respeito também como apresentadora.
Aloísio Milani, produtor musical
Sempre apaixonada por compartilhar seus estudos, Inezita ministrou palestras em universidades, escolas e clubes, o que lhe abriu portas para lecionar folclore em conservatórios e universidades. Em 2005, foi agraciada com o título de Doutora Honoris Causa em folclore brasileiro. “Ela despertava respeito e encantamento com sua voz imponente, não só para cantar, mas para defender seus princípios e seu espaço. Inezita Barroso envelheceu em frente às câmeras e nos palcos com dignidade, carregando a bandeira em que acreditava”, lembra Sheila Budney, roteirista do Viola, Minha Viola.
Inezita faleceu aos 90 anos, em 8 de março de 2015, vítima de insuficiência respiratória. O destino quis que sua despedida ocorresse no Dia Internacional da Mulher e num domingo – dia do Viola, Minha Viola. Ela havia deixado o programa há apenas três meses. “Sinto muito orgulho de ser filha de Inezita Barroso. O ensinamento que ela deixou é de que devemos lutar pelas coisas que acreditamos. Isso dá sentido à nossa existência, como fez minha mãe. Que bom que ela nunca desistiu de seu talento”, declara Marta. O legado de Inezita é vivo e eterno, além de difícil de contabilizar, como diz Paulo Freire: “percebo que ainda vai custar um bocado para conseguirmos ter a dimensão real do que ela representa. Por sua história de vida, sua postura artística e pelo chão que oferecia a todos nós. Inezita Barroso é a voz da nossa terra”.
para ver no sesc / bio
CENTENÁRIO DE INEZITA
Espetáculos, oficinas, rodas de viola e outras atividades tiram o chapéu para a artista que alçou a cultura caipira para todo Brasil
Em comemoração aos cem anos do nascimento de Inezita Barroso, as unidades Sesc 24 de Maio e Sesc Pinheiros realizam, ao longo do mês, uma programação especial para celebrar a vida e o legado da artista. As atividades incluem shows, homenagens, contação de histórias, rodas de prosa e de violeiras, espetáculos teatrais, oficinas infantis, aula-espetáculo.
No Sesc 24 de Maio, é realizada a segunda edição do projeto Viva Viola! Centenário de Inezita Barroso De 7 a 30/3, a programação
apresenta as violeiras Kátya Teixeira e Renata Mattar, Mary Galvão e Mario Campanha, Fabíola Beni e o grupo Violeiras Fora da Caixa, além de Mariângela Zan. Também integram as homenagens a Família Du Catira, a Roda de Cururu e a Roda de Violeiras, com Adriana Farias, Juliana Andrade, Kátya Teixeira e Vitória da Viola, garantindo uma celebração vibrante ao centenário de Inezita. Para as crianças, as atividades incluem o espetáculo teatral Ói lá, Inezita, com a Cia Cênica, e a vivência Brincares Caipiras, com a Cia. Regar.
Já no Sesc Pinheiros, a programação
Inezita Barroso – Uma Prosa Musicada conta com os violeiros Ivan Vilela e Carol da Viola, além de um show especial da musicista Lais de Assis. O encerramento fica por conta de um grande encontro entre o violeiro e contador de causos Paulo Freire, a violeira e cantora Adriana Faria e a Orquestra Paulistana de Viola Caipira, no show Inezita Barroso – A Voz de Nossa Terra
24 DE MAIO
Viva Viola! Centenário
Inezita Barroso De 7 a 30/3. GRÁTIS. sescsp.org.br/24demaio
PINHEIROS
Inezita Barroso – Uma Prosa Musicada De 7 a 12/3. GRÁTIS. sescsp.org.br/pinheiros
Acompanhada de sua inseparável viola nesse registro de 1960, para uma entrevista à Revista do Comerciário
ABSTRAÇÃO CALCULADA
Unindo criatividade à precisão matemática, o pintor, desenhista e escultor Luiz Sacilotto agregou novas geometrias à arte concreta, ao abstracionismo e à op art
POR MARCEL VERRUMO
Gravura 32 (1992). Serigrafia sobre papel.
Nilton Fukuda
Osobrenome grafado com dois ts anuncia um artista que parece ser desenhado a partir de duplos. A duplicidade do branco e do preto sobre as telas; do criar a partir da liberdade da abstração e da exatidão do cálculo matemático; de uma vida dividida entre o olhar para fora, mirando as vanguardas europeias, e a conexão com o contexto local. Entre polos por vezes tão dissonantes, Luiz Sacilotto (1924-2003) consagrou-se como um dos expoentes da abstração geométrica, uma figura fundamental para entender o modernismo paulista da segunda metade do século 20.
Nascido em Santo André, no ABC paulista, o artista ainda é pouco estudado no universo acadêmico, apesar de sua relevância histórica e da presença de sua obra em circuitos e espaços culturais tradicionais. Ligado ao movimento expressionista no início de sua carreira, a partir do final dos anos 1940 passou a se dedicar a um trabalho influenciado pelo concretismo, no qual as formas geométricas, linhas e cores ganham destaque.
Essa nova linguagem, pela qual seria conhecido, desenvolveu-se no território paulista, mas também em outros centros urbanos latino-americanos que atravessavam um período de industrialização e urbanização. A poética de Sacilotto é uma expressão da modernidade, remetendo a um design urbano marcado pela exatidão dos tempos industriais.
“O processo de criação do Sacilotto é, essencialmente, baseado na pesquisa. Ele era um artista que estudava muito. E não apenas assuntos ligados à arte, mas também a outras expressões e linguagens, como a literatura e a música. Lia em francês, italiano, alemão, inglês, e buscava nesses textos algo que pudesse aplicar no próprio trabalho. Gostava de visitar museus, onde sempre fazia anotações. Depois dessa pesquisa, partia para a aplicação em um suporte específico, que poderia ser madeira, papel, tela, metal”, resume o historiador de arte Reinaldo Botelho, curador da exposição
Sacilotto BioGráfico, em exibição no Sesc Santo André.
O artista em seu ateliê em Santo André (SP), em 2002.
Sem desprezar a abstração, buscou na matemática a exatidão dos tons, dos tamanhos e das formas para compor sua obra, calculando cada elemento. “Sacilotto ocupa os espaços, seja da tela ou de uma peça de metal, com muita objetividade, explorando o corte, a dobra, os positivos e os negativos, os cheios e os vazios, os contrastes entre as cores. Sua abstração se revela de uma maneira muito concreta. É uma abstração geométrica feita por meio de cálculos matemáticos”, descreve Botelho.
O expoente andreense dividiu-se entre o exato e o experimento, a herança concretista e a novidade, desaguando em criações fundamentais da op art, com a qual, por meio de formas, linhas e cores, criou efeitos de ilusão de ótica. Ao conjugar a técnica à abstração, transformou-se em um artista matemático, caracterizado por uma última duplicidade: a de quem abraçou os traços do ontem e desenhou a inspiração para um amanhã com novas geometrias.
Sem Título (1991). Litografia sobre papel.
David
Rego
Junior e
Sérgio
Guerini
Concreção 8083 (1980). Têmpera vinílica sobre tela.
C 9962 (1996). Tinta acrílica sobre tela.
Gravura 28 (1991). Grafite e guache sobre papel.
Desenho (1948). Guache sobre papel.
Fotos
Nilton Fukuda
Construção (1947). Monotipia sobre papel.
Acervo Família Sacilotto
A obra C0011 instalada no parque central do Sesc Santo André.
Maquete da obra C0011
gráfica
Sem Título (1950). Linóleo sobre papel.
Estudo (1980). Grafite e guache sobre papel.
Sem Título (1987). Grafite sobre papel.
gráfica
Um dos painéis geométricos do artista na unidade do Sesc Santo André.
para ver no sesc / gráfica
GRAFIAS DE VIDA E ARTE
Exposição Sacilotto BioGráfico celebra trajetória de artista andreense
Desde a abertura do Sesc Santo André, em 2002, seus visitantes podem contemplar dois grandes painéis geométricos que provocam uma ilusão de ótica. Agora, todos têm a oportunidade de descobrir mais sobre o seu criador, Luiz Sacilotto, artista andreense que tem vida e obra apresentadas na exposição Sacilotto BioGráfico, em exibição até 27 de julho na unidade.
Sob curadoria do historiador de arte Reinaldo Botelho, a mostra integra uma série de ações comemorativas do centenário de Sacilotto, completado em 2024. A partir de centenas de materiais reunidos por Botelho e sua equipe, foram selecionados para a exposição 17 obras e 22 itens do acervo pessoal do artista, além de documentos originais, conteúdos fac-similares,
ferramentas e materiais de trabalho. Destacam-se a mesa onde ele trabalhava, as tinturas que testava para eleger os tons de suas criações e os croquis transformados em grandes esculturas.
Segundo o curador, além da importância para a cidade, a efeméride é uma oportunidade para que um dos expoentes do concretismo brasileiro, e grande nome da arte local, possa ser conhecido por novos públicos. “Sacilotto entendia que a arte precisava alcançar mais pessoas, para além dos espaços tradicionais como uma galeria e um museu. Ele pensava a arte como um processo de emancipação da sociedade. Acredito que o Sesc faça isso de forma exemplar, democrática e com grande qualidade”, defende.
Potencializando os conteúdos da mostra, são realizadas ações educativas gratuitas e para todos os públicos. São atividades que expandem os conceitos e práticas de Sacilotto, propondo diálogos criativos entre as artes gráficas e outras linguagens, como dança, música, fotografia e literatura. Um convite para explorar as conexões feitas pelo artista em seu processo criativo.
Sacilotto BioGráfico
Até 27/7. Terça a sexta, das 10h às 22h. Sábado, domingo e feriados, das 10h às 19h. GRÁTIS. sescsp.org.br/sacilotto-biografico
SANTO ANDRÉ
Nilton
Acervo da mostra reúne obras, croquis, documentos originais, tinturas e outros materiais de trabalho do artista Luiz Sacilotto.
VELHICES Retratos das
Diferentes camadas do envelhecimento ganham protagonismo em obras literárias atuais, com personagens complexas em tramas plurais
POR MATHEUS LOPES QUIRINO
Nunca desejamos nem nunca esperamos a velhice, e quando tentamos imaginá-la foi sempre de forma superficial, grosseira e distraída.” A frase, crua e contundente, foi escrita pela escritora italiana Natalia Ginzburg (1916-1991) num artigo publicado no jornal italiano La Stampa, para o qual colaborou, entre 1968 e 1970. No texto intitulado justamente “Velhice”, Ginzburg, aos 52 anos, classificou o período como “uma zona cinzenta” de difícil compreensão, tanto para a literatura quanto para a sociedade, em que “o mundo que temos hoje diante
dos olhos não nos espanta, ou nos espanta muito pouco”. A perspectiva da escritora sintetizava a visão de sua época sobre o envelhecimento.
Meio século depois, uma safra de novos livros chega para atestar justamente o contrário. Em um mundo hiperconectado e em veloz transformação, personagens idosas são retratadas com sentimentos à flor da pele. Obras como Ojiichan (2024), do brasileiro Oscar Nakasato, e A segunda vinda de Hilda Bustamante (2024), da argentina Salomé Esper, mostram essas figuras de forma multifacetada e
abordam desde a transformação pessoal ao surgimento de “primeiros amores” tardios.
Também de safras atuais, títulos como Misericórdia (2024), da portuguesa Lídia Jorge, e Humanos exemplares (2022), da brasileira Juliana Leite, são ficções centradas nos dramas de mulheres idosas. Neles, é possível observar a persistência das protagonistas em profunda reflexão sobre o fim.
No romance de Jorge, o presente é o foco, onde mostra-se a riqueza do cotidiano no Hotel Paraíso, uma casa de repouso
do escritor paranaense Oscar Nakasato, que já ganhou um Jabuti, Ojiichan (2024) narra a história de Satoshi, um homem cuja vida aguarda novos desdobramentos a partir do seu aniversário de 70 anos.
agitada. Já na ficção de Leite, uma centenária passa a limpo sua biografia, ressaltando períodos difíceis, como a ditadura militar.
Para Maria do Rosário Alves Pereira, professora do programa de pós-graduação em letras do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), hoje os dramas íntimos de personagens mais velhas abordam questões diversas do contemporâneo, a exemplo do feminismo. “Ora enfatizando o silenciamento do corpo feminino, ora tendo a morte como pano de fundo ou a
degenerescência do corpo físico e, em outras obras ainda, percebe-se um movimento, sobretudo nas autoras mais contemporâneas, de ressignificar a velhice.” Pereira cita também Invisíveis olhos violeta (2022), de Rosângela Vieira Rocha, e a coletânea de minicontos de Alê Motta, Velhos (2020), como obras nacionais imersas nesse tema.
DERRUBAR CRENÇAS
Essa mudança de abordagem na literatura nas últimas décadas reflete o crescimento da população
idosa em âmbito mundial. Segundo levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU), a expectativa de vida global aumentou de 64,2 anos em 1990 para 72,6 anos em 2019, com projeções indicando que ultrapassará os 77 anos até 2050. No Brasil, a expectativa de vida em 2024 atingiu seu maior número, de acordo com o IBGE: 76,4 anos. Segundo Danute Salotto, geriatra do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (FMUSP), é necessário romper preconceitos relacionados ao etarismo para lidar com as questões naturais dessa fase: “O avanço da expectativa
Terceiro romance
de vida exige ações que integrem os idosos ao tecido social, com políticas de saúde focadas em prevenção para objetivarmos o envelhecimento saudável e não doente, e uma reabilitação que mantenha a autonomia e participação”, constata.
Como descreveu a filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) no livro Velhice (1970), historicamente essa fase da vida era retratada por meio de duas categorias de personagens: “loucas” e “sábias”.
A partir dessas condições, o arco narrativo costumava reforçar estereótipos, e a complexidade das tramas era baixa. “Limitadas a essas duas categorias, as personagens velhas tinham seu desenvolvimento comprometido e, por consequência, dificultavam uma maior identificação com os leitores. Hoje essas personagens expõem suas fragilidades, incertezas e desafios, demonstrando para os leitores que o passar do tempo ou as experiências que tiveram não as tornaram uma fonte inesgotável de sabedoria e convicção”, analisa Cristiane da Silva Alves, que pesquisou o tema na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Características como força, resiliência e garra passam a compor a identidade de personagens idosas na literatura atual, sem deixar de abordar aspectos como
suscetibilidade ao erro, tratado como natural em qualquer etapa da vida, compondo, assim, perfis mais complexos nessas representações. “A literatura escrita no século 21 tem apresentado diferentes camadas das personagens de idade avançada. Nas produções de décadas mais recentes, é possível observar uma resistência feminina maior. As personagens se mostram mais empenhadas na busca por autonomia, driblando as imposições dos filhos e da sociedade em geral, tentando preservar seu lugar e sua voz", assinala Alves.
Para a pesquisadora da UFRGS, retratar alguém velho como detentor de sabedoria não é o cerne da questão. “O problema é limitar-se a isso, como se a pessoa velha estivesse sempre apta e disposta a aconselhar e não
amizade entre Joel, um jornalista veterano que se vê impossibilitado de viver só, e Glória, uma senhora que vive em um apartamento na Tijuca.
tivesse, também, as suas questões”, pondera. No caso do “louco”, explica Alves, “frequentemente posto à margem e/ou silenciado, há risco de recair na caricatura, desumanizando a personagem ou desmerecendo a sua narrativa”. Por fim, “um dos avanços da literatura mais recente é justamente demonstrar que, como qualquer ser humano, as pessoas velhas não são perfeitas, como também não são, ou não devem ser, apartadas da sociedade”, complementa.
TRAMAS COMPLEXAS
O novo romance do escritor paranaense Oscar Nakasato, Ojiichan, que, em japonês, significa “vovô”, acompanha as lutas e metamorfoses de um
Autora do premiado A vida invisível de Eurídice Gusmão (2016), Martha Batalha constrói em Chuva de papel (2023) uma
Chico Cerchiaro / Editora Companhia das Letras
protagonista engenhoso e reflexivo chamado Sr. Satoshi. Funcionário de carreira há décadas em uma escola pública, ele é aposentado compulsoriamente ao fazer 70 anos e sua sagrada rotina se vê abalada. A vida do professor passa, então, por uma mudança radical. Depois de algumas inesperadas perdas, ele é obrigado a viver em um pequeno apartamento longe do centro da cidade. Satoshi aceita seu destino, ainda que contrariado, e parte com a mulher Kimiko, que sofre de Alzheimer, para o novo endereço.
“Quando estava escrevendo o livro, percebi que a gente não consegue escapar de quem a gente é. Quando você deixa coisas para trás, você deixa uma parte do que você é, sua história. É uma espécie de morte”, descreve o escritor. Autor do romance Nihonjin (2011), vencedor dos prêmios Benvirá e Jabuti, Nakasato, que tem 61 anos, escreve para mostrar como a vida de seu protagonista é marcada
não só por adversidades, mas por amizades, amor, reconstrução... e só está começando. “Os velhos são diferentes, mas são tratados como iguais. Essas diferenças precisam ser respeitadas”, defende.
No romance, a ausência provocada pelo Alzheimer é retratada com profundidade. “Kimiko não sabia que a vida lhe sequestrara o tempo e o espaço, as duas dimensões em que o ser humano vive”, escreve o autor em Ojiichan. Ao narrar o processo da esposa do protagonista, Nakasato reflete sobre a mesma situação que passou com o pai. “Convivi por seis anos com a doença do meu pai, e, quando ele morreu, foi só o final de um processo. Nossa relação se pautava na consciência de que eu era o filho dele, e na dele, de que ele era meu pai. Quando ele deixou de me reconhecer, foi uma espécie de morte. Eu não sabia quem eu era. A morte é um processo, não um ato”, reflete. O tema rendeu
inúmeras pesquisas do autor, que também se inspirou em dramas reais, pinçados de reportagens que contavam o contexto solitário dos idosos no Japão.
CAMADAS CONTEMPORÂNEAS
Em uma espécie de movimento contrário, o romance A segunda vinda de Hilda Bustamante (2024), estreia da escritora argentina Salomé Esper no gênero, narra com ares fantásticos a ressurreição de uma senhora em um pequeno povoado argentino. A morte ganha uma feição tragicômica, embalada por uma prosa sensível que parte do renascimento como possibilidade de reparar erros
AS
PERSONAGENS
GERAL, TENTANDO PRESERVAR SEU LUGAR E SUA VOZ
Cristiane da Silva Alves, doutora em letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Em A segunda vinda de Hilda Bustamante (2024), romance de estreia da argentina Salomé Esper, uma mulher de 79 anos ressurge da tumba e embaralha passado e presente, transformando a cidade e as pessoas ao seu redor.
amorosas e/ou sexuais e, também, uma tentativa maior de controle dos filhos ou das pessoas próximas, buscando frear seus desejos ou limitar suas ações e espaços.”
No romance Chuva de papel (2023), da jornalista e escritora Martha Batalha, a confiança é o elo entre Joel, um jornalista veterano que se vê impossibilitado de viver só, e Glória, uma senhora que vive em um apartamento na Tijuca. “Joel viveu da porta para fora, reportando as notícias do Rio, enquanto Glória viveu da porta para dentro. São duas figuras opostas e, também, semelhantes por carregarem o peso da memória, do arrependimento e da solidão”, conta a escritora.
e fortalecer laços. “Se há dor na perda do que nos é próprio, dói duas vezes mais perder aquilo que foi conquistado, o carinho conquistado, o abraço conquistado, a confiança conquistada”, escreve a autora, num trecho do livro.
“[No romance,] foram os outros que tiveram de acomodar esse vazio do luto em suas vidas. Penso que a morte foi um tema recorrente na minha escrita, agora com o romance e antes com a poesia, porque me interessava dar vazão à ideia do absurdo de alguém deixar de existir de um momento para o outro, por qualquer razão, mesmo que seja esperada”, conta Esper. Ao narrar o retorno da protagonista, Hilda analisa sua vida com uma sabedoria transcendental e questões como amor, amizade, machismo e as oportunidades que teve na vida
ganham camadas contemporâneas: “Hilda e sua pele fina, com poucas rugas para a sua idade e ainda menos para a sua morte. Hilda, a dos olhos cor de caramelo, pequenos. Hilda, que não teve filhos e é avó. Hilda, a companheira de Álvaro, a mulher Devota”, descreve a autora, num raro momento de solidão em que a personagem encara suas dúvidas.
Produções recentes da literatura trazem um processo de desmistificação de papéis sociais, mostrando como as novas gerações de escritores se propõem a narrar a vida por olhos experientes. A pesquisadora Cristiane da Silva Alves reflete: “a solidão e a ausência de escuta são, com bastante frequência, questões que se destacam. No caso das mulheres, somam-se as dificuldades para encontrar ou manter parcerias
A imperfeição das personagens e o peso da memória dão o ritmo doromance de Batalha, que mostra como a intensidade do Rio de Janeiro marca quem vive a cidade. “Eu vejo os dois como ilhas, figuras engessadas por seus limites mentais, que a princípio toleram, depois se ajustam e finalmente apreciam a presença alheia, apesar de não serem capazes de reconhecer”, explica.
Ou seja, a pluralidade de tramas que trazem as pessoas idosas ao centro da narrativa tem sido notável. Nos últimos anos, o protagonismo da população acima dos 60 anos ainda pautou o mercado publicitário, o cinema e as telenovelas. A professora Maria do Rosário Alves Pereira destaca: “não podemos perder de vista, no entanto, o fato de que a publicidade vem reconhecendo no público idoso um nicho de mercado – haja vista o envelhecimento da população brasileira. A literatura, por outro lado, acompanha, em alguma medida, as questões que são discutidas socialmente”, arremata.
para ver no sesc / literatura
LER EM TODAS AS FASES DA VIDA
Sesc São Paulo mantém programa permanente com ações voltadas para pessoas idosas e promove acesso à leitura para todas as idades
Criado em 1963 pelo Sesc São Paulo, o programa Trabalho Social com Pessoas Idosas estimula a reflexão sobre o envelhecimento e a longevidade, com atividades que promovem integração social, acesso à cultura e ao lazer, além de estimular a qualidade de vida. Entre as iniciativas estão: oficinas, encontros e palestras que abordam temas como saúde, educação e convivência intergeracional. Além disso, unidades como Belenzinho e Pinheiros, na capital, e Bertioga, no litoral, organizam clubes de leitura para pessoas idosas, promovendo reflexão sobre as obras escolhidas.
A instituição também é referência em projetos de incentivo à leitura. As 19 bibliotecas presentes nas unidades oferecem um acervo com mais de 150 mil títulos de literatura de ficção e
não ficção, acessível para consulta online. O serviço é gratuito, com empréstimos mediante apresentação da Credencial Plena ou de documento oficial com foto.
As bibliotecas e os Espaços de Leitura também promovem atividades como mediação de leitura, oficinas de escrita, contação de histórias, bate-papos e intervenções artísticas. A programação conta com a colaboração de bibliotecários e profissionais convidados.
Além das bibliotecas das unidades, o programa BiblioSesc amplia o acesso à leitura e ações culturais por meio de caminhões que funcionam como bibliotecas móveis. Os veículos percorrem bairros de São Paulo e região metropolitana levando serviços de empréstimos e consultas de livros, jornais e revistas. As visitas ocorrem quinzenalmente,
em cada um dos pontos atendidos, incentivando o hábito da leitura.
Saiba mais: sescsp.org.br/tspi e sescsp.org.br/bibliotecas
PINHEIROS
Clube 60+
Leitura coletiva de um livro previamente selecionado e disponível na biblioteca, acompanhada da mediação por um especialista. Inscrição no local, 30 minutos antes.
Dia 21/3, sexta, às 15h:
Descolonizando Afetos (2023), com mediação da autora
Geni Núñez. Dias 3, 10, 17 e 24/4, quintas, às 15h: Planta Oração (2022), com mediação da autora Calila das Mercês e Blenda Souto. GRÁTIS.
BELENZINHO
Ponto em Verso: Um Clube de Leitura com Bordado
Encontros mensais de bordado e leitura para dialogar de modo coletivo sobre livros de escritoras negras. Com curadoria de Blenda Souto Maior.
Dia 22/3, sábado, às 15h: Cassandra em Mogadicío (2024), Igiaba Scego (Somália/Itália).
Dia 26/4, sábado, às 15h: Os Pretos de Pousaflores (2023), Aida Gomes (Angola/Portugal). GRÁTIS.
BERTIOGA
Clube de leitura
Bate-papo no dia 28/3, sexta, às 15h30: Ainda estou aqui (2015), de Marcelo Rubens Paiva. Inscrições dia 3/4 (para retirada do livro).
Bate-papo no dia 25/4, sexta, às 15h30: A borra do café, de Mario Benedetti. Inscrições dia 3/4 (para retirada do livro).
A biblioteca do Sesc 24 de Maio é uma das 19 presentes nas unidades do Sesc São Paulo, integrando um acervo com mais de 150 mil títulos.
Brasil NA TELA
Aquinta maior bilheteria do cinema brasileiro. Assim foi recebido pelo público, o filme Ainda estou aqui (2024), dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres. O longa, que conta a história da família Paiva e mostra as feridas e cicatrizes da ditadura no Brasil, foi indicado ao Oscar em três categorias – Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz. Ao abordar uma temática da história recente, a obra emocionou brasileiros e estrangeiros e promoveu reflexões sobre o significado de viver sob um regime autoritário e de exceção. Afinal, de que forma a repercussão desse filme explica o atual momento do cinema nacional? Para além da camada do entretenimento e da memória, o que as produções audiovisuais brasileiras contemporâneas dizem sobre o país?
“O feito de Ainda estou aqui serve de exemplo prático para uma mensagem que a classe cinematográfica brasileira transmite há tempos: nossos filmes e nossos profissionais são excelentes. Temos muitas histórias, imagens e diálogos para oferecer aos públicos nacional e estrangeiro”, defende o crítico de cinema Bruno Carmelo, mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris III. No entanto, adverte o crítico, um dos entraves para
o reconhecimento do nosso cinema ainda passa pelo espectador brasileiro e a “síndrome de vira-latas – o cinéfilo brasileiro tende a preferir o cinema dos estadunidenses, o roteiro dos argentinos, a atuação dos franceses”.
Ainda que obstáculos como esse somem-se a políticas incipientes para alavancar o cinema nacional, festivais e mostras realizam um papel central na visibilidade de produções que refletem cada vez mais representatividade. Para Raquel Hallak d’Angelo, coordenadora da Mostra de Cinema de Tiradentes, realizada entre janeiro e fevereiro, o cinema brasileiro contemporâneo é um campo de grande diversidade, complexidade e de possibilidades. “Marcado por algumas características importantes, que envolvem a pluralidade de vozes, a busca por novas formas de narrativas e a tentativa de ruptura com os modelos tradicionais”, observa d’Angelo, que também é coordenadora da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, e da CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte.
Neste Em Pauta, Carmelo e d’Angelo projetam suas reflexões sobre a produção audiovisual brasileira e sobre os complexos bastidores das tramas que ganham as telas no país.
Sempre estivemos aqui
POR BRUNO CARMELO
O anúncio dos indicados ao Oscar, na manhã de 23 de janeiro, trouxe um resultado excepcional para os brasileiros: além das sonhadas indicações de Ainda estou aqui (2024) a Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, para Fernanda Torres, a produção obteve uma inesperada seleção para a categoria de Melhor Filme. Trata-se da primeira vez que o nosso cinema conquista uma indicação ao prêmio máximo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas estadunidense. Antes disso, disputamos quatro vezes a estatueta de Filme Internacional com O pagador de promessas (1963), O Quatrilho (1996), O que é isso, companheiro? (1998) e Central do Brasil (1999). Ainda não vencemos a estatueta.
Comemoramos muito, compreensivelmente. É óbvio que tamanho destaque ao belo drama de Walter Salles garante uma visibilidade inédita à cinematografia nacional, que luta há décadas por reconhecimento. Vimos Fernanda Torres em talk shows nos Estados Unidos, trocando palavras com Demi Moore, recebendo elogios de Tilda Swinton e Kate Winslet. Para o cinéfilo local, que cresceu tendo Hollywood enquanto padrão de qualidade, enxergar a brasileiríssima atriz das séries de televisão Os Normais (2001-2003) e Tapas & Beijos (2011-2015) nestes espaços provoca um choque nos sentidos. Mas calma aí, então nosso cinema é tão bom assim? Do nível dos americanos? Fernanda Torres pode ser melhor do que Angelina Jolie e Nicole Kidman?
Ironicamente, é possível que o principal efeito prático da proeza em terras distantes seja o pontapé para os brasileiros voltarem a prestigiar o próprio cinema. Podemos lamentar a necessidade da validação gringa para acreditarmos em nosso potencial.
Ou podemos, em chave otimista e pragmática, festejar o importante passo rumo à superação de nossa crônica síndrome de vira-latas – o cinéfilo brasileiro tende a preferir o cinema dos estadunidenses, o roteiro dos argentinos, a atuação dos franceses. A semanas da cerimônia, penso que, se o Oscar virá ou não, isso será secundário. A verdadeira vitória chegou com os holofotes: nosso jogo simbólico foi vencido no dia do anúncio. Enquanto isso, nos cinemas brasileiros, Ainda estou aqui ultrapassa incríveis 4 milhões de espectadores.
Passada a merecida euforia, é preciso tirar as conclusões corretas desse acontecimento. Seria equivocado acreditar que o cinema brasileiro melhorou neste exato momento, alcançando um retorno inédito porque, enfim, teria reunido qualidades para tal. O Oscar nunca foi questão de meritocracia. Vence o filme capaz de travar uma longa e caríssima campanha política, organizando pré-estreias, debates, entrevistas, rodas de conversa, aparições em eventos. É preciso apertar a mão dos votantes, tirar fotos com celebridades, viajar ao máximo de cidades.
Muitas vezes, produções excelentes não recebem indicações porque os membros da Academia não as viram – simples assim. É muito difícil assistir a mais de trezentos longas-metragens lançados comercialmente durante o ano, logo, os votantes se dedicam àqueles que lhes parecem interessantes. Portanto, o marketing precisa despertar o interesse, levá-los a descobrirem o filme de fato. Felizmente, Ainda estou aqui conta com recursos consideráveis da Sony Pictures, da RT Features e de demais produtores. A estatueta representa um investimento econômico, político e simbólico – a qualidade dos filmes, muitas vezes, fica em segundo lugar. Ou alguém ainda acredita que Shakespeare apaixonado (1998), Crash (2004) e No ritmo do coração (2021) fossem os melhores filmes dos seus anos?
Sim, Ainda estou aqui é um drama ótimo, que nos enche de orgulho. É uma alegria ainda maior sermos representados por uma obra desse nível. Mas – surpresa – o cinema brasileiro sempre teve essa qualidade. Sobrevivemos à censura e perseguição durante a ditadura militar, à extinção da Embra-
filme, ao congelamento de recursos e à campanha difamatória comandada pela extrema-direita. Em todos esses momentos, continuamos produzindo longas e curtas-metragens excelentes. Quando nos perguntam: “o que fazer para termos outros Ainda estou aqui?, a resposta é dupla. É preciso entender a quais fatores se atribui o sucesso desse projeto.
No que diz respeito à qualidade, temos dezenas de Ainda estou aqui na cinematografia brasileira. Para citar o último ano, apenas, tivemos: Baby; Malu; O dia que te conheci; Cidade, Campo; Estranho Caminho; Fernanda Young: Foge-me ao controle; Othelo, o Grande; Motel Destino; Saudade fez morada aqui dentro; e Sem coração. Qualquer um deles poderia representar nossa produção cinematográfica em premiações – e diversos deles, de fato, foram exibidos em festivais importantes, como Cannes, Berlim e Veneza.
Retratos Fantasmas (2023), Marte Um (2022), Deserto Particular (2021), A Vida Invisível (2019) e Que horas ela volta? (2015) foram belíssimos exemplos recentes de filmes que levaram nossa bandeira ao prêmio máximo da indústria estadunidense. Poderiam perfeitamente colher troféus semelhantes àqueles atribuídos hoje a Ainda estou aqui. O motivo pelo qual não receberam a mesma atenção se encontra em recursos inferiores para efetuar uma campanha, além da má-vontade de alguns governos em investir na empreitada.
Para além do óbvio valor cultural das premiações, existe o investimento econômico: quanto mais o cinema brasileiro for prestigiado, levando o espectador à sala de cinema, mais a indústria cresce, e continua trazendo um precioso retorno financeiro ao Estado. Antes da pandemia de Covid-19, nossos filmes geravam lucro considerável: cada real investido implicava no retorno de R$ 1,3 aos cofres públicos, de acordo com o estudo da Oxford Economics, encomendado pela Motion Pictures Association (MPA) no Brasil.
Imagina o quanto esse ramo poderia crescer, caso contasse com investimentos regulares, editais contínuos, novas ferramentas de fomento, novos parques de exibição, além de leis mais fortes para
O Brasil tem o direito de se ver nas telas e precisa se reconhecer nessas narrativas para além da alegria de saber que os estrangeiros nos percebem também
proteger o conteúdo nacional? Países como França e Coreia do Sul adotaram medidas de valorização da cultura nacional, e colhem atualmente os frutos dessa iniciativa. Não existe nenhum motivo prático para não incentivar o cinema brasileiro, para além de barreiras ideológicas e preconceitos com políticas públicas. Por fim, o feito de Ainda estou aqui serve de exemplo prático para uma mensagem que a classe cinematográfica brasileira transmite há tempos: nossos filmes e nossos profissionais são excelentes. Temos muitas histórias, imagens e diálogos para oferecer aos públicos nacional e estrangeiro.
Não se estranha que Baby dialogue com novas configurações de família. É sintomático que Malu discuta os diferentes direitos e costumes das mulheres de três gerações; que O dia que te conheci aborde a solidão da classe negra trabalhadora; e que Motel Destino evoque a tentativa de aprisionar nossos desejos – que apenas explodem em cores e luzes, conforme nos mostra o diretor Karim Aïnouz. Nossos filmes falam de nossa sociedade. O Brasil tem o direito de se ver nas telas e precisa se reconhecer nessas narrativas para além da alegria de saber que os estrangeiros nos percebem também.
Bruno Carmelo é crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e da FIPRESCI (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris III. Professor de cursos sobre audiovisual e autor de artigos sobre cinema.
Que cinema é esse?
POR RAQUEL HALLAK D’ANGELO
Foi com essa indagação que a 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes abriu o calendário audiovisual brasileiro de 2025, na cidade histórica de Tiradentes, em Minas Gerais, fazendo um convite a refletir sobre o cinema brasileiro contemporâneo, sua relação com a sociedade e o modo como as telas têm sido palco para um Brasil multifacetado, cujos rostos, vozes e realidades ainda se encontram em processo de reconhecimento e representatividade.
O cinema é múltiplo em conceitos, e diverso em produção. E para encontrar respostas possíveis é preciso compreender a complexidade do cinema brasileiro contemporâneo por parte de quem pensa, pesquisa, faz, ensina, estuda, distribui, exibe, assiste, preserva o nosso cinema, no Brasil. Um cinema multifacetado, que reflete as diversas realidades sociais, políticas e culturais do país.
Várias respostas podem emergir da indagação: que cinema é esse? Por isso, mais do que respostas, é importante fazermos uma reflexão crítica dos acertos e erros da Nova República [período que teve início em 1985, pós-ditadura] para percebermos os dias atuais com um novo olhar; percebemos que muita coisa aconteceu e deixou de acontecer. Tanto o mundo mudou e requer uma compreensão e compromisso para enfrentar esse cenário desafiador que envolve o audiovisual em todas as suas vertentes de atuação, quanto requer lucidez e ousadia para seguirmos juntos e de mãos dadas para organizar e ampliar o lugar do audiovisual como identidade, direito, soberania, voz, arte, cultura, entretenimento, indústria e economia. Expressão legítima de um povo, de uma nação.
O cinema brasileiro contemporâneo é um campo de grande diversidade e complexidade, refletindo não apenas as transformações sociais e culturais do
país, mas também suas contradições, desafios e possibilidades. Ele é um espelho da sociedade brasileira atual, com suas riquezas e problemáticas, suas diversas identidades e realidades. Pode-se afirmar que o cinema brasileiro contemporâneo é marcado por algumas características importantes, que envolvem a pluralidade de vozes, a busca por novas formas de narrativas e a tentativa de ruptura com os modelos tradicionais. Ao mesmo tempo, é um cinema que ainda enfrenta desafios significativos relacionados à representatividade, ao acesso e à própria produção.
E em que cinema você se vê na tela?
Essa é outra indagação que quero trazer, pois nos faz refletir sobre a relação entre o cinema e quem está assistindo. Para muitas pessoas, essa questão envolve um desejo de ver a si mesmas refletidas de maneira autêntica nas telas do cinema. Pode ser sobre a busca por representações de uma identidade racial, de gênero, de classe social ou de outras características que compõem a experiência individual e coletiva.
Por muito tempo, o cinema nacional foi caracterizado por narrativas centradas no homem branco, heterossexual e urbano. No entanto, nas últimas décadas, há um esforço para corrigir essa visão monocromática e para trazer, ao primeiro plano, vozes e experiências de populações tradicionalmente marginalizadas.
Podemos constatar que o cinema brasileiro tem registrado uma crescente pluralidade, refletindo as múltiplas identidades do país, com destaque para as questões de classe, raça, gênero, sexualidade e territorialidade. As narrativas periféricas, como as histórias das favelas, das comunidades indígenas e quilombolas, e dos povos de regiões mais afastadas
dos grandes centros urbanos ganharam mais espaços nas produções. Esse movimento se intensificou ao representar as populações que muitas vezes foram silenciadas nas telas, como as pessoas negras, indígenas, mulheres e LGBTQIA+. Surge um novo cinema, que se propõe a dar visibilidade às tensões sociais e políticas do Brasil contemporâneo, revelando, ao mesmo tempo, as lutas de grupos marginalizados e os conflitos internos de um país desigual.
Nosso cinema tem se configurado como um campo de resistência ao longo de sua história. Uma forma de enfrentar as imposições externas e internas, seja em tempos de censura ou em contextos de repressão política, invisibilidade e exclusão. Ao dar voz aos silenciados, ao abordar as questões mais urgentes do país e ao desafiar as estruturas de poder, o cinema brasileiro continua a ser uma ferramenta essencial na luta por um Brasil mais justo, democrático e representativo. Ele continua a ser uma resposta ao país, mas de forma diversa e multifacetada.
Em um Brasil marcado por tensões políticas, o cinema tem se posicionado de maneira explícita e implícita em relação aos conflitos internos do país. Sua evolução reflete, em muitos momentos, uma busca por dar visibilidade a temas ignorados. Muitos filmes e documentários contemporâneos se propõem a discutir a corrupção, a desigualdade social, o racismo, a violência policial, a crise política e o ataque às liberdades civis e à democracia, colocando o espectador em contato com uma realidade social muitas vezes invisível ou distorcida.
Outro aspecto da contemporaneidade é a crescente presença das mulheres no cinema que tem se fortalecido de maneira significativa, refletindo um
movimento global de maior visibilidade e inclusão de cineastas, produtoras, roteiristas e personagens femininas nas produções audiovisuais. Além disso, uma série de mulheres tem ocupado espaços importantes na indústria audiovisual, proporcionando uma nova perspectiva sobre temas como o corpo feminino, a sexualidade, a maternidade, o trabalho e a independência. A produção de filmes que tratam de questões como racismo, resistência, cultura afro-brasileira e as lutas históricas dos negros no Brasil também se tornou uma forma de os cineastas afro-brasileiros explorarem as suas próprias identidades e narrativas, ampliando o campo da representação.
A resposta para em que cinema eu me vejo na tela depende de quem está perguntando, e da sua própria história, vivências e busca por representações fiéis à sua identidade. O cinema, nesse sentido, tem o poder de ser um espelho, mas também uma janela para novas realidades, permitindo que o público se veja e se compreenda, ao mesmo tempo que se abre para as experiências de outras pessoas. A constante busca por representatividade, a ousadia nas formas narrativas e a resistência política diante de um cenário adverso tornam o cinema brasileiro um reflexo autêntico de uma nação em transformação – ainda em busca de um futuro mais inclusivo e justo.
Nosso cinema tem se configurado como um campo de resistência ao longo de sua história
Raquel Hallak d’Angelo é graduada em comunicação social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e especialista em gestão do planejamento pela Fundação Dom Cabral. É diretora da Universo Produção, coordenadora da Mostra de Cinema de Tiradentes, da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, e da CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte.
DESIGN como ponte
Inspirado no legado desenhado com o irmão Fernando, Humberto Campana leva para o mundo a assinatura singular da dupla que celebrou os fazeres manuais do país
POR MARIA JÚLIA LLEDÓ
Inaugurado em junho de 2024, na cidade de Brotas, interior do estado de São Paulo, o Parque Campana é um museu a céu aberto. Em 12 pavilhões de larga escala, o espaço conta a trajetória de Humberto e Fernando Campana (1961-2022), dupla de designers reconhecida internacionalmente por abraçar a cultura brasileira e suas idiossincrasias. Erguido em um terreno que pertenceu à família, onde os irmãos se sentavam sob as árvores e sonhavam com outros mundos possíveis, o parque integra arte, educação e natureza, além de celebrar uma história que que permanece no trabalho de Humberto: a preservação e valorização de técnicas artesanais tradicionais da cultura brasileira.
Nascido em 1953, em Rio Claro, cidade vizinha de Brotas, Humberto Campana viu na oportunidade de cursar a faculdade de direito na Universidade de São Paulo (USP) a chance de expandir seu entendimento de mundo. No entanto, depois de formado, recalculou novamente a rota e, na Bahia, encontrou no artesanato sua primeira forma de expressão. Em seguida, a escultura e outras manualidades compartilharam espaço em seu processo criativo. A partir daí, as trocas com o irmão caçula, formado em arquitetura, sairiam do papel para a criação de móveis e objetos. Nesse percurso de mais de três décadas, a dupla mirava a criação fora do lugar-comum, alheia a referências que apontavam unicamente para as escolas europeias.
“No nosso caso, o design podia ser tanto uma obra de arte, como uma obra para se sentar. Eu
acho legal poder fazer pontes e não ficar dentro de uma gaveta, porque a gente tem uma influência muito grande da Bauhaus e do Modernismo, mas nós não somos um país de racionalidade. Esse é um país de emoção, de texturas, de sol. A gente não é minimalista, a gente tem o Carnaval como expressão máxima”, conta o designer.
Um dos poucos profissionais brasileiros com peças no acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), Humberto Campana fala neste Encontros sobre sua trajetória ao lado do irmão, do recém-criado Parque Campana, de seu processo criativo e da paixão por fazeres manuais.
REFERÊNCIA
Eu tive a felicidade de morar em uma cidade do interior. Na época, era um grande Cerrado, não tinha estrada asfaltada até São Paulo. Essa foi minha grande riqueza e tristeza também, porque, de certa forma, eu não me via naquele local. Eu fazia meus brinquedos. Minha alma já era grande e eu não sentia que cabia naquele espaço muito conservador e pequeno. A única coisa que tinha era um cinema e eu ia muito ver os filmes do [Amácio] Mazzaropi (1912-1981), [Stanley] Kubrick (1928-1999), [Federico] Fellini (1920-1993). Assistia a Teorema (Pier Paolo Pasolini, 1968), Barbarella (Roger Vadim, 1968), tudo com aquelas pontinhas por causa da censura e, no dia seguinte, eu e o Fernando reproduzíamos tudo aquilo. Era referência. Não tinha museu, não tinha nada. Então, com aquilo, eu criei meu mundo. Nós criamos o nosso universo naquele lugar tão afastado de tudo.
SALTO
Fiz a USP, me formei na [Academia de Direito do Largo do] São Francisco, e um amigo meu de Brotas, que morava em Itabuna (BA) me convidou: “por que você não vem ser advogado da cooperativa de cacau de Itabuna?”. Eu mandei fazer um terno de linho, fui para Itabuna, mas nunca usei esse terno porque a Bahia é a Bahia: outro universo de liberdade, de alegria, de leveza. Cortei o cordão umbilical com a minha terra, com a minha família e fui fazer espelhos de conchas. Eu vi que não tinha nada a ver ser advogado. Ia para Ilhéus, pegava um ônibus, pegava conchas em Olivença, limpava e fazia espelhos de conchas. Eles eram bonitos, pareciam aqueles ícones bizantinos, todos trabalhados com pedrinhas. Foi algo inesperado me descobrir como artista. Pensei: vou começar a minha vida com as minhas mãos.
DUPLA
Vim para São Paulo e comecei a me interessar por Victor Brecheret (1894-1955), Flávio de Carvalho (1899-1973), porque eu queria ser escultor. Comecei a fazer cursos de escultura na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) e, enquanto eu fazia isso, mantinha meus espelhos de concha, que vendia em lojas de São Paulo, como o Mappin e a Mesbla. Aí o Fernando veio me ajudar no final de ano para as entregas de Natal. Ele já tinha estudado arquitetura com Renina Katz [artista plástica (1925-2025)], falava muito dela, e trabalhou na Bienal, com artistas como Keith Haring e Anish Kapoor. Então, o
Fernando já tinha a modernidade e eu era aquele advogado careta e artesão, o que eu acho maravilhoso pois me considero, até hoje, um artesão. Só que eu não tinha essa visão de modernidade, nem a ousadia. Fernando sempre foi um enfant terrible. Enfim, ele foi me dando garras, ousadia e eu fui adquirindo tudo aquilo e trocando, porque a gente trocava muito. Eu sou muito paciente, tenho paixão pelo fazer manual, pelo processo.
DESCONFORTÁVEIS
Fiz uma viagem de 15 dias, acampando, no deserto do Arizona (Estados Unidos) e descendo o rio Colorado de bote inflável. Um dia, meu bote virou naquelas corredeiras e eu caí dentro de um redemoinho. Aquela experiência me provocou a
fazer um desenho de uma cadeira em espiral, que executei durante um curso de escultura em metal que fiz na Faap. Com o recorte de metal que sobrou, Fernando fez outra cadeira. E assim surgiram as cadeiras "Positivo" e "Negativo", dando início à coleção Desconfortáveis. Era 1988, já no início da democracia, eu quis soltar os cachorros, e as cadeiras vinham como uma coisa meio violenta mesmo, brutalista, perigosa. Elas não se importavam com o conforto. Queria que trouxessem tudo o que eu sentia. Então, para mim e Fernando, essa coleção foi uma canção de liberdade.
DESIGN
Eu acho que o design pode ser uma ferramenta política, além de ser funcional, bonitinho, cool
Ele pode contar uma história, pode mostrar de onde ele vem, pode resgatar tradições antigas que estão desaparecendo, a manualidade. Porque muita gente no Brasil ainda pensa o design como design industrial, coisas em série e tal. Acho que eu e Fernando fizemos o caminho contrário de tudo isso, da produção em série, de uma coisa limpa, polida, bonitinha. No nosso caso, o design podia ser tanto uma obra de arte, como uma obra para se sentar. Eu acho legal poder fazer pontes e não ficar dentro de uma gaveta, porque a gente tem uma influência muito grande da Bauhaus, mas nós não somos um país de racionalidade. Esse é um país de emoção, de texturas, de sol. A gente não é minimalista, a gente tem o Carnaval como expressão máxima. Eu trago todos Tuca Reines
No Parque Campana, a memória de Fernando Campana se faz presente em instalações e em outros pavilhões dessa galeria a céu aberto.
EU ACHO QUE OS OBJETOS FEITOS À MÃO CONTÊM AMOR, AFETO. ELES PASSAM DE PAI PARA FILHO, NÃO SÃO JOGADOS NO LIXO. ENTÃO, O FAZER MANUAL, NESSE MOMENTO, O SLOW DESIGN, É O QUE MAIS PRECISAMOS.
esses elementos e acho que, às vezes, isso tem uma leitura errada, mas é isso que eu sei fazer.
PESQUISA
Sou apaixonado por materiais. Tudo começa pelo material: o meu olhar vai fotografando aqui e acolá. Quando algo me interessa, eu falo: quero trabalhar com isso. E aí começa um diálogo. Um exemplo foi o trabalho com o capim dourado. Há uns 10 anos, fui para o Jalapão (TO) e, numa comunidade, comprei muitos discos de capim dourado –sousplat – porque eu queria fazer alguma coisa, mas eu não sabia o quê. Queria fazer uma cadeira, mas cadeira de capim dourado não pode porque o uso vai desgastálo. E se eu o usasse na superfície externa onde o corpo não tocasse?
Aí foi nascendo [a coleção Capim Dourado, 2023]. A mesma coisa com o mestre Espedito Seleiro, no Ceará, que trabalha com couro – o pai dele fazia roupa para os cangaceiros. Eu vi uma sandália que ele fez, me apaixonei e propus: “Espedito, o que o senhor acha de fazer um trabalho juntos? Eu crio o suporte e o senhor cobre esse suporte com a sua iconografia?”. Foi um trabalho lindo [a coleção Cangaço, 2015].
MANUALIDADES
Eu adoro o processo do fazer manual. Isso me interessa porque aí entra a ferramenta política – você pode mudar a história de uma comunidade, por exemplo, como nós fizemos quando projetamos a cadeira Paraíba (2009). Essa é uma cadeira feita com bonecas
costuradas por uma comunidade da Paraíba [artesãs da comunidade Casa da Boneca Esperança]. Tomei conhecimento dessas bonecas e comprei uma série para fazer uma cadeira estofada com elas. Foi tão interessante porque aquilo saiu na mídia e, dois anos depois, recebo um telefonema de uma dessas artesãs dizendo que a gente tinha mudado a vida delas, que tinham comprado um galpão. Aí eu constatei: o design pode mudar a vida das pessoas.
INSTITUTO
Fernando e eu criamos o Instituto Campana [fundado em 2009] com a ideia de preservar tradições que estão desaparecendo – tradições manuais – e para melhorar um pouco a vida dessas pessoas. Abri uma porta para mim também, porque comecei a me interessar e a viajar mais pelo Brasil para trabalhar com outros artesãos. É uma troca: eu proponho coisas novas para eles, diferentes do que que eles já estão acostumados a fazer, e eles fazem o mesmo para mim. Isso amplia o meu vocabulário e é muito legal. Eu acho que os objetos feitos à mão contêm amor, afeto. Eles passam de pai para filho, não são jogados no lixo. Então, o fazer manual, nesse momento, o slow design, é o que mais precisamos.
O designer Humberto Campana participou da reunião do Conselho Editorial da Revista E, no dia 23 de janeiro de 2025. A mediação do bate-papo foi da jornalista e mestra em estudos internacionais pela Universidade de Barcelona Priscila Nunes, assistente da assessoria de relações internacionais do Sesc São Paulo.
inéditos
O AMOR É UM PLANETA
POR TATIANA NASCIMENTO ILUSTRAÇÕES DAISY SERENA
desistir do amor
a gente pode até desist ir do amor, mas
o amor não desiste da gente
como bem me lembrou um pé de ipê florescido fora do tempo
derramando pérolas de pipoca macia em meu des caminho desatento
Atotô, papai, por me contar que o amor cura qualquer machucado
y chove suas pétalas quando menos esperado
(vem temporal aí, sinto cheiro de molhado n esse ar seco do cerrado)
2.
minha filha faz quatro meses, y há 98 dias não chovia
a cria tentou esperar acordada a primeira chuva de sua primavera primeira
(4 meses, já, aquecendo meus 40 verões, mesmo vinda no inverno)
pegou no peito, largou pus no colo, choveu choveu choveu choveu meu ombro com suas lagriminhas de mar longe y salgado
aí pegou no peito de novo, sorriu de leve, dormiu
meio que magicamente no mesmo instante a primeira cigarra acordou de seu sonho velho (quase soterrado, tanto asfalto)
cantou cantou cantou y o céu, pardacento y seco, atendeu seu chamado y chorou chorou chorou, brindando todo o cerrado.
amanhã, quando minha filha acordar (de seus sonhos de gente que ainda só fala o idioma das mil línguin sones do amor),
o cheiro do mato seco vermelho em pó vai saber a verde molhado
um sonho, também, feito os da cigarra os dela o meu:
(que) o sonho de minha filha acorde sempre a primavera
o amor causa poemas bonitos
mas não interrompe bombardeios não apaga queimadas não demarca terras de povos que cuidam da terra desde seus mundos primeiros não dissolve o plástico fundando ilhas de morte em meio à fonte da vida
— a fonte das fontes da vida, mãe dos filhos-peixe mãe de todos as cabeças, dos Orís —
o amor causa poemas bonitos mas não consegue impedir que mais uma nascente seja cimentada, a inauguração gentrificada de um prédio espelhado onde alados perfeitos
colidem y morrem nem suspender agrotóxico ordem de despejo patologização da disforia todas as violações contra velhos flores criancinhas y cachorros
o amor é bem interessante mas não parece forte o bastante pra mudar o mundo;
e as pessoas que amam a ponto de querer mudar o mundo
não têm sido fortes o bastante contra aqueles poderes que interrompem o amor suas causas tudo que o amor causa. o amor causa poemas bonitos, eu sei.
mas poemas bonitos podem mudar o jeito tão feio
que parte grande de nossa espécie tem de ocupar esse mundão lindo ao eus-dará? inéditos
tatiana nascimento, não binária, brasiliense, mãe da Irê, é cantora, compositora, escritora, tradutora, editora na padê editorial – livros pretes/lgbtqia+. Tem 17 livros publicados, finalista do Jabuti de Poesia 2022 com o livro palavra preta. Vencedora do prêmio Pallas de 2024 com o romance água de maré. Idealizadora e cofundadora do primeiro slam das minas no Brasil, em Brasília (DF), em 2015.
Daisy Serena é artista visual, fotógrafa e poeta. Autora de Tautologias (Padê Editorial, 2016), tem poemas publicados em revistas e páginas digitais como Escamandro, Chão da Feira e Encontros com a Nova Literatura Brasileira Contemporânea do Itaú Cultural. Participou das exposições coletivas FotoPreta (2018 e 2020) com curadoria do coletivo Afrotometria; Ocupação Olhares Inspirados: Raquel Trindade, Rainha Cabinda (Sesc 24 de Maio, 2021), entre outras.
MISSÃO TORNADO
Prestes a completar 95 anos, cantor e ator Tony Tornado celebra uma trajetória marcada pela luta antirracista, arte e resistência
POR LÍGIA SCALISE
Tudo certo para o show, don? Estou pronto”, avisa Tony Tornado, minutos antes de subir ao palco do Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, com sua banda Funkessência, composta também por seu filho caçula, Lincoln Tornado. Na apresentação, ele interpreta alguns de seus maiores sucessos e compartilha lembranças marcantes de sua carreira. Seus olhos acompanham o público, orientam os músicos, e não disfarçam o orgulho ao ver o filho cantar, dançar e reverberar mensagens da luta antirracista, aprendidas com o pai. “Para quem não sabe, nasci em 26 de maio de 1930 e acumulo
quase 95 anos de luta. Estou a caminho dos 100”, declara, sob aplausos emocionados da plateia.
Pelo retrovisor, a história do cantor e ator indica que ele estava destinado ao palco e a lutar por seus sonhos. Batizado como Antônio Viana Gomes, nasceu em Mirante do Paranapanema, no oeste paulista, e aos 12 anos, avisou: “Mamãe, vou para o Rio; isso aqui é pequeno para mim”. Seus pais não acreditaram, mas Tony Tornado foi em busca da carreira de artista.
Engraxou sapatos, vendeu amendoins e balas, dormiu em trens e sob viadutos. Assim sobreviveu
Em show no Sesc Osasco, no ano de 2023, o artista de punho cerrado, gesto contra o racismo repetido ao longo da carreira.
no Rio de Janeiro dos anos 1940. Com um pouco de sorte, pagava por uma noite em um hotel do centro da cidade. Exausto de correr da polícia, decidiu ir até uma delegacia pedir ajuda: “Preciso de uma escola. Assim, não vou sair dessa vida de vender amendoim e bala puxa”, recorda. Frequentou as aulas até atingir a idade para ingressar no exército como paraquedista. Foi lá que conheceu Silvio Santos (1930-2024), com quem cultivou uma amizade.
Tornou-se conhecido por imitar o cantor e dançarino estadunidense Chubby Checker, que popularizou o twist, e foi por isso apelidado
de Tony Checker. O talento abriu portas e ele foi convidado para se apresentar no programa Festival dos Brotos, na TV Continental, ao lado de Roberto e Erasmo Carlos (1941-2022). Aquele era o prenúncio da black e da soul music no Brasil, que teve Tornado como um dos precursores.
Pouco tempo depois, embarcou para os Estados Unidos com o grupo Coisas do Brasil. Quando a banda voltou ao país, ele permaneceu no Harlem, bairro de Nova York (Estados Unidos), onde viveu ilegalmente e aprendeu sobre os movimentos negros. Nesse período, também ajudou um brasileiro preso
– Sebastião, mais tarde conhecido como Tim Maia (1942-1998). Foi o início de uma amizade e de uma revolução pessoal. “Eu não queria causar tumulto no Brasil, mas queria que os negros daqui tivessem consciência de seu potencial”, relembra.
De volta ao país, conquistou o prêmio do Festival Internacional da Canção de 1970 com “BR-3”, música composta por Antonio Adolfo e Tibério Gaspar. O reconhecimento transformou sua vida, permitindo-lhe novas conquistas e assumindo o nome artístico de Tony Tornado –apelido dado por Mariozinho Rocha, ex-diretor musical da Globo, ao
vê-lo dançar como um furacão. Neste Depoimento, o cantor e ator recorda momentos significativos da carreira, a luta antirracista e o legado que fica para as próximas gerações.
pai
Se meu pai fosse mais esperto, ele teria entrado para o livro dos recordes pelo tempo que viveu. Mas os antigos tinham o costume de deixar para registrar o nascimento só quando fossem até a cidade. Foi o que aconteceu com ele. Oficialmente, meu pai [Ray Antenon, que nasceu em Georgetown, capital da Guiana] viveu até os 102 anos, mas
depoimento
acredito que ele tenha partido com uns 114. É muito tempo de vida e de histórias. Apesar de ter nascido depois da abolição da escravidão, meu pai foi escravizado em fazendas do interior.
liberdade
Minha família trabalhava no campo, mas a vida de roçado não era para mim. Eu precisava de liberty, sabe? Adoro Mirante do Paranapanema, a cidade onde nasci, mas aquilo era pequeno demais para mim. Desde garoto, já sonhava grande e queria ser artista. Tentei fugir com o circo algumas vezes, mas acabei saindo de casa com as
minhas próprias pernas, sozinho. Meus pais não acreditavam que eu teria coragem, mas fui tentar a vida no Rio de Janeiro (RJ). Esse foi meu primeiro ato de atrevimento. Assim como tudo que fiz na vida.
Se um americano falar comigo, eu provavelmente não vou entender nada. Meu inglês é das ruas, a língua que aprendi no Harlem. E nunca esqueci, don Don, aliás, é só uma expressão para chamar as pessoas, como “cara” aqui no Brasil. Não importa o nome, trato todo mundo com respeito. Durante os anos em que morei nos Estados
Unidos, aprendi muita coisa. Quando voltei, a primeira coisa que fiz foi abrasileirar a música e a dança que aprendi lá fora. Queria mostrar aos pretos daqui o orgulho de ser quem somos. Isso ficou marcado em mim.
conhecimento
Só lendo a gente aprende, né? Foi assim que descobri muito sobre a cultura negra americana e me inspirei nos grandes líderes. Aprendi tudo por conta própria e queria entender por que os negros de lá conquistavam tanto, enquanto aqui ainda vivíamos o “sim, senhor, não senhor”. Minha luta sempre
Tony Tornado, acompanhado pelo filho, o ator e cantor Lincoln Tornado, em apresentação no Sesc Guarulhos, em 2024.
foi por igualdade. Não gosto de política paternalista, muito menos de sentimento de pena. Sempre quis ser respeitado pela minha capacidade, não pela minha raça. Teve quem me chamasse de metido, mas conquistei meu respeito de cabeça erguida, de igual para igual. Sei que meu jeito chocava as pessoas na época, mas fui audacioso. E quando ganhei aquele festival, deixei minha marca na história. Isso mudou a minha vida e abriu espaço para os que vieram depois. Sempre repito: quando duas mãos se encontram, a sombra que refletem no chão tem a mesma cor.
festival
Lembro o anúncio da nossa apresentação: “com vocês, 'BR-3', interpretada por Tony Tornado e Trio Ternura”. O Maracanã ficou em silêncio. Ninguém sabia quem éramos. Subimos no mesmo palco que os maiores artistas da época. Chegaram a dizer que eu era gringo. Mas mostrei que era muito brasileiro: tinha swing. As chances de vencer eram mínimas, mas disse: “vou subir e quebrar tudo. Essa é minha chance”. E foi o que fiz. Dei tudo de mim. Foi uma emoção geral, a maior que já vivi. Ganhei o prêmio e, pela primeira vez, dormi em uma cama de hotel com dignidade. Até então, morava na pobreza do centro do Rio. Foi uma mudança radical.
missão
Quando me perguntam quem é Tony Tornado, só tenho uma resposta: sou um cara com uma missão. Precisei cumpri-la em nome de todo um povo que veio antes de mim. Faltava uma voz firme, que não lutasse com arrogância, mas com respeito e liderança. Minha missão sempre foi dizer ao
SEMPRE REPITO: QUANDO DUAS MÃOS SE ENCONTRAM, A SOMBRA QUE REFLETEM NO CHÃO TEM A MESMA COR
mundo que nós temos o direito de ser. Não me considero o precursor, mas estou entre aqueles que acreditam e lutam pelo espaço do povo negro. Ainda há muito a conquistar, mas já melhorou muito. E foi assim que consegui meu espaço, e veja só, estou na TV Globo há quase 50 anos.
continuidade
Estou a caminho dos 100 anos e carrego muitas histórias. Minha vida parece um roteiro de novela. Só sinto o peso da idade quando vou dormir, refletindo sobre a vida, ou quando estou na fila preferencial do mercado. Não tenho fórmula para envelhecer bem. Acho que o segredo é não morrer, né? Esse é o grande lance. Se manter vivo já é difícil, don. O resto é cultivar respeito e bom humor. Quando observo meu filho no palco, vejo a mim mesmo, só que em uma versão muito melhorada. Lincoln Tornado é minha esperança e a continuidade da minha luta. Ele é minha cabeça, meu coração, meu tudo. A cada show, fico esperando-o entrar no palco e quebrar tudo. E ele arrebenta, né?
sonho
Estou na ativa e pretendo continuar enquanto puder. Acho que ainda tenho chão pela frente. Recentemente, participei de um filme com Ary Fontoura, Fernanda Montenegro, Vladimir Brichta e Bruna Marquezine. É uma comédia de ação, chamada Velhos bandidos, dirigida por Cláudio Torres. Adoro cinema, novelas e os palcos. Já realizei muita coisa, mas ainda tenho um sonho. Não posso revelar, mas todos saberão quando ele se realizar. Meu único medo é partir antes disso, mas acho que vai dar certo. Afinal, tudo deu certo até agora, não foi?
Assista a trechos desse
Depoimento com o cantor e ator Tony Tornado, realizado no Sesc Pinheiros, em dezembro de 2024.
ALMANAQUE
A bateria da Império de Casa Verde dita o ritmo que contagia os foliões na avenida e na plateia.
Tradição em desfile
No mês do Carnaval, conheça elementos que fundamentam as práticas e poéticas das escolas de samba
POR RACHEL SCIRÉ
No universo das escolas de samba, é comum ouvir que quando o Carnaval começa, na verdade, ele está terminando. O que as agremiações apresentam na avenida não é só o resultado de um ano de trabalho, mas um acúmulo de tradições, saberes e performances, revividas pela comunidade, a partir de uma noção de tempo cíclico, que é o tempo da ancestralidade. Neste Almanaque, destacamos alguns elementos que fundamentam a história das escolas, as práticas comunitárias que dão sentido à folia e as matrizes africanas do samba.
GINGA
A base rítmica do samba se caracteriza pela presença da síncope musical, que também evidencia sua origem africana. De forma simplificada, a síncope é um elemento que produz o deslocamento da acentuação rítmica da parte fraca para a parte forte do tempo. Isso cria um efeito de imprevisibilidade e uma sensação de vazio, que impacta a maneira como a música é percebida e como o corpo se movimenta. Ela é traduzida, por exemplo, pela ginga do malandro que risca a avenida, pelo samba no pé da passista que transforma seu corpo em uma poesia visual do ritmo, pelas levadas do surdo de terceira, que toca entre o vazio da marcação do surdo de primeira e a resposta do surdo de segunda. Ao romper com o que é esperado, ela também abre espaço para novas formas de existência, que restituem o corpo negro em diáspora como lugar de vida, de festa e de potência.
CORDÃO E ESCOLA
Há uma relação histórica entre os cordões e as escolas de samba em São Paulo. O pioneiro e mais conhecido foi fundado por Dionísio Barbosa, em 12 de março de 1914, como Grupo Carnavalesco da Barra Funda, depois chamado Camisa Verde e, por fim, Camisa Verde e Branco. O cordão saiu até 1939 e, em 1953, por iniciativa de Inocêncio Tobias (Inocêncio Mulata), seria refundado como Associação Cultural e Social Escola de Samba Mocidade Camisa Verde e Branco. Trajetória semelhante marca o Grêmio Recreativo Cultural e Social Escola de Samba Vai-Vai, de 1972, que se originou do cordão Grupo Carnavalesco Vae-Vae, criado em 1º de janeiro de 1930. Em 1935, no bairro da Pompeia, foi criada a primeira escola de samba da capital paulista, encabeçada por Elpídio Faria e sob o nome A Primeira de São Paulo, que existiu por cerca de sete anos. Por isso, a Lavapés, fundada por Deolinda Madre (Madrinha Eunice) e Francisco Papa (Chico Pinga) em 1937, no bairro da Liberdade, é reconhecida como a primeira e mais importante escola do início do século 20 na capital paulista – foi sete vezes campeã do Grupo Especial nos anos 1950 e 1960. Atualmente chamada de Sociedade Recreativa Beneficente e Esportiva Lavapés Pirata Negro, a escola continua em atividade, na região do Jabaquara, e desfila no Grupo Especial de Bairros.
BAMBA
No quimbundo, uma das línguas banto que formaram o português falado no Brasil, a palavra “mbamba” indica quem é referência em algum assunto ou área do conhecimento. Um dos bambas do samba de São Paulo, Carlos Alberto Caetano, mais conhecido como Seu Carlão do Peruche, nos deixou em fevereiro de 2025, aos 94 anos. Sua história se confunde com a trajetória do samba e com os territórios negros da cidade. Nascido na Barra Funda, quando menino frequentou os batuques de Pirapora do Bom Jesus (SP). Mudou-se para o Bixiga e, jovem, participou das rodas de samba de engraxates no Centro da cidade, além de tocar na escola de samba Lavapés. Já instalado na zona Norte, fundou a Unidos do Peruche, em 1956. Seu Carlão lutou pela descriminalização do samba e pela oficialização do Carnaval, que só aconteceu em 1968, quando ficou conhecido como um dos cardeais do samba, ao lado de Inocêncio Mulata (Camisa Verde e Branco), Pé Rachado (Vai-Vai), Madrinha Eunice (Lavapés) e Seu Nenê (Nenê de Vila Matilde). Percussionista, cantor e compositor, foi parceiro de Geraldo Filme e Toniquinho Batuqueiro, teve sambas gravados por Germano Mathias, Demônios da Garoa, Osvaldinho da Cuíca, entre outros, e lançou um álbum autoral em 2022.
Seu Carlão do Peruche será homenageado no enredo da Unidos do Peruche no Carnaval de 2025.
A Escola de Samba Dragões da Real no Desfile das Campeãs de 2024.
ALMANAQUE
O mestre-sala e a porta-bandeira da Vai-Vai reverenciam e apresentam
PAVILHÃO
Um dos momentos mais emocionantes para uma escola de samba é a apresentação do pavilhão oficial pelo primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira. Ele é o símbolo maior da escola, traz o nome, as cores, a data de fundação. As bandeiras e os estandartes são forças mediadoras que ligam a terra ao céu, os antepassados aos vivos. Ao rodopiar no ar, irradiam energia pelo espaço e entre todos os presentes. Sua sacralidade também se relaciona com as firmezas espirituais que costumam ser feitas para a escola, a partir do pavilhão. Por representar e exaltar toda a comunidade, o pavilhão exige reverência. É sinal
de respeito cumprimentá-lo à distância: se curvar, tirar o chapéu, aplaudir — o que não deve ser feito com copo de bebida nas mãos. Tampouco é educado dar as costas. Só se deve beijar o pavilhão quando o casal de mestre-sala e porta-bandeira convidarem, honra máxima concedida a uma pessoa. Ainda assim, o costume é segurar de leve a ponta do tecido e dar um beijo nas costas da própria mão, sem encostar a boca. Apenas em ocasiões específicas pessoas autorizadas podem transportar o pavilhão e precisam estar devidamente trajadas: as mulheres, com saia abaixo dos joelhos; os homens, com calça e camisa social.
ao público o pavilhão: símbolo maior da escola de samba.
Matriarcas do samba, as baianas reverenciam a ancestralidade na avenida.
BAIANAS
Essa ala faz referência às “tias baianas”, como Ciata, Bebiana, Carmem, Perciliana, mulheres baianas que desempenharam papel fundamental nas comunidades negras no Rio de Janeiro, na virada do século 20. Por meio de atividades econômicas, como a venda de quitutes, elas garantiram a sustentação material do grupo, ao mesmo tempo em que ofereceram proteção espiritual, como lideranças religiosas. Devido à influência política e social, suas casas foram espaços de convivência onde se praticava o samba junto a outras tradições de matrizes africanas. A atuação de matriarcas negras foi decisiva tanto em ranchos e cordões carnavalescos quanto nas escolas de samba. Nas
agremiações, entre outras funções, elas costumavam integrar o coro, escolher os sambas apresentados durante os ensaios e, no âmbito espiritual, zelar pelo pavilhão. A ala remonta ainda à presença dessas mulheres em rituais, procissões e festas populares. Nos desfiles, tradicionalmente, as baianas começam a girar ao redor do próprio eixo sempre em sentido anti-horário, o que simboliza uma conexão com o tempo dos ancestrais, assim como acontece nos terreiros. Ao se movimentar na avenida, pedem licença e reverenciam a ancestralidade, realizam uma limpeza e abrem os caminhos, já que, como se diz em diversas tradições afro-brasileiras, “debaixo da saia, tem mironga”, ou seja, mistério, energia.
Inteligência Artificial: o que ganhamos e o que perdemos?
Muitos de nós fomos introduzidos ao conceito de Inteligência Artificial (IA) décadas antes de sua existência real por meio de livros e filmes de ficção científica como 2001: Uma odisseia no espaço (1968), O exterminador do futuro (1984) e a série Matrix (1999-2003). Nosso imaginário sobre IA foi constituído pela ideia de algo que ocorreria num futuro distante e com consequências desastrosas. Mas a chegada da IA em nosso cotidiano ocorreu pouco a pouco e fomos nos habituando a ela sem nem mesmo perceber. Por termos associado a IA à ideia de futuro distante e distópico, é difícil assimilar que essas tecnologias já fazem parte da nossa realidade. A maioria de nós ignora que interage com IAs todos os dias por meio de redes sociais, aplicativos de bancos, serviços de streaming, assistentes virtuais.
Ao ser convidada para escrever este texto, decidi passar um tempo conversando com uma IA. Compartilhei com ela alguns dos meus temores e sentimentos positivos; e a ferramenta expandiu as informações, me apresentando outros aspectos ainda ignorados por mim. Eu já estava ciente de que alguns sistemas são capazes de aprender a partir de interações com humanos, mas descobri que também são capazes de aprender umas com as outras. IAs que aprendem entre si podem tomar decisões não previstas e ensinar umas às outras a burlar sistemas de segurança, por exemplo.
Já ocorreram casos em que sistemas de IA aprenderam e propagaram ideias nazifascistas e incentivaram comportamentos destrutivos. Elas podem compartilhar racismo, sexismo e outras discriminações ocasionando, inclusive, prisões injustas por reconhecimento facial equivocado de pessoas negras, asiáticas e indígenas; também já demonstraram desfavorecer mulheres, pessoas negras e residentes de bairros periféricos em processos seletivos para empregos e sistemas de crédito. IAs que simulam aparência e voz podem ser
usadas para disseminar notícias falsas, aplicar golpes e provocar pânico. Várias carreiras profissionais já foram afetadas pelo uso dessas ferramentas provocando a redução de postos de trabalho e precarização.
Um dos maiores receios sobre a capacidade de aprendizado e adaptação das IAs é o de que possam se tornar autônomas e que seus interesses sejam divergentes dos nossos. Parece papo de ficção científica, mas nesse quesito os filmes não estão tão longe da realidade: empresas de tecnologia vêm trabalhando para desenvolver um tipo de IA que se assemelhe à inteligência humana ou a supere.
Para evitarmos que os cenários catastróficos dos filmes se tornem realidade e aproveitarmos só o que as IAs podem nos oferecer de bom, como a possibilidade de diagnóstico precoce e mais preciso de doenças, desenvolvimento de novos medicamentos, previsão de desastres naturais e mesmo auxílio no aprendizado, é fundamental que haja uma regulação e criação de códigos de ética e de sistemas de segurança, punição para os maus usos, controle e monitoramento e, principalmente, letramento digital para que os usuários consigam se proteger.
Estamos diante de uma tecnologia com potencial para mudar a vida humana. A Inteligência Artificial pode ameaçar ou potencializar a humanidade, a depender da forma como a usamos. O dilema que enfrentamos é: como controlar a IA de modo a garantir que nos traga benefícios e não destruição?
Dulci Lima é pós-doutoranda em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP), doutora em ciências humanas e sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Atua como pesquisadora do Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo.
Estúdio Thema
P.S.
sescsp.org.br
Zé Carlos Barretta (foto); Estúdio Thema (colagem)