Material educativo jul–nov 2019
Material educativo da exposição GOLD – Mina de Ouro Serra Pelada Fotografias Sebastião Salgado Curadoria e design Lélia Wanick Salgado
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A descoberta Dez passos para uma câmara escura caseira – com foco! Refletir sobre o instante Escavando imagem O valor do ouro O Eldorado A conquista do desconhecido O preço da conquista Conflitos da terra
A descoberta
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O que você procura? Permita-se adentrar em um quarto totalmente escuro, que possui uma única entrada de luz: um pequeno orifício em uma de suas paredes. Logo notará que a luz incidente projeta, na parede oposta, a mesma paisagem que está à frente do orifício, do lado de fora do quarto. A projeção é uma imagem invertida, de cabeça para baixo, mas espantosamente “fiel” ao cenário externo, com seus personagens e acontecimentos. Para alguns, apenas física, para outros, um “mágico” fenômeno que deu origem ao que conhecemos como fotografia. No século XVI, Leonardo da Vinci já descrevia esse dispositivo, que levou o nome de câmara escura. Por muitas décadas, diversos estudiosos buscaram capturar a imagem desenhada pela luz dentro da câmara escura, de maneira que a projeção dos lugares, dos objetos e das pessoas pudesse ser “eternizada”. Essa busca obteve sucesso e acabou transformando, década após década, nossa relação com a imagem, a história, a memória e a verdade. O que seu olhar descobriu hoje? Foi possível registrar?
Dez passos para uma câmara escura caseira – com foco!
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Materiais caixa de papelĂŁo cartolina preta fita isolante preta papel vegetal
lupa pequena tesoura estilete cola quente
Como fazer Na face oposta ao papel vegetal faça um recorte em círculo com o mesmo diâmetro do tubo de cartolina preta
Desmonte a lupa tirando a lente da estrutura plástica Faça um tubo em volta da lente com a cartolina preta e prenda com a fita isolante
Feche a caixa e vede todos os cantos com fita isolante
Cole os cantos da lente ao tubo de cartolina preta com a cola quente
Encaixe o tubo de cartolina preta com a lente no buraco da caixa
Recorte um retângulo em uma das faces da caixa de papelão, deixando mais ou menos 3cm de margem
Aponte para um objeto ou local bem iluminado Mova o tubo com a lupa fazendo o foco e divirta-se!
Corte o papel vegetal, em tamanho um pouco maior que o retângulo da caixa, e prenda com a fita isolante revestindo o recorte
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Refletir sobre o instante
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“É preciso romper os limites da câmera” Sebastião Salgado Entrevista ao veículo El País – Brasil 24 de junho de 2019
A fotografia não é apenas sobre a captura e o registro daquilo que presenciamos e entendemos por realidade, mas é também sobre o que nossos olhos não alcançam. As fotografias podem carregar discursos, denúncias, sentimentos, pensamentos e ideias. Momentos breves e decisivos, rotineiros e prazerosos, profundos e emotivos, críticos e trágicos, políticos e estéticos. Quem produz a imagem constrói uma narrativa, e quem observa a qualifica, problematiza, gerando interpretações e reflexões para si. Sebastião Salgado nasceu em Minas Gerais, em 1944, e viajou por mais de 100 países para desenvolver projetos fotográficos, movido pela curiosidade em conhecer o mundo e transmitir suas vivências. Escolheu manter suas imagens em preto e branco para que nenhum de seus retratados se perdesse em meio às cores. Em quatro décadas de trabalho, retratou conteúdos ambientais e sociais, com seu singular olhar artístico para cenas e situações controversas e únicas.
Escavando imagem
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À primeira vista, a imagem pode ser confusa por embaralhar nosso olhar diante da quantidade de detalhes que contém. Devagar, a situação se revela e percebemos se tratar de uma profunda cratera em que milhares de pessoas se movimentam por escadas íngremes e barrancos. O impacto, causado pela gigantesca quantidade de pessoas e o pouco espaço entre cada uma delas, atormenta e inquieta. Estamos diante de uma fotografia que integra a exposição Gold – Mina de Ouro Serra Pelada de Sebastião Salgado, que é composta por 56 imagens, todas feitas em Serra Pelada, região sudeste do Pará, onde ocorreu o maior garimpo a céu aberto do país e do mundo. A fotografia nos transporta para um local cheio de trabalhadores, agitado, barulhento e perigoso, por suas estruturas físicas e geográficas. Entre os tons de cinza da imagem, podemos também ver os garimpeiros andando em fila, alguns em descanso, outros atentos aos passos alheios, uns com ferramentas de escavação, outros com sacos nas costas, porém, todos cumprindo suas funções como operários de um grande “formigueiro”. Em 1979, a notícia da descoberta de uma pepita de ouro na região de Serra Pelada se alastrou rapidamente, atraindo garimpeiros de todas as partes do país. Logo, uma ordenada estrutura de trabalho se estabeleceu e milhares de homens se organizavam entre os que escavavam a montanha, os que levavam quilos de cascalho nas costas para cima do morro pelas escadas e os que separavam os
elementos da terra em busca do minério tão valioso. Nas imagens, é possível ver também as divisões da região em lotes. Cada lote tinha 6m², um proprietário e seus respectivos empregados. A fotografia retrata Serra Pelada e também suscita perguntas, inquieta pensamentos e associa outros contextos históricos. Quem são esses homens que deixaram para trás suas famílias para viver essa corrida pelo ouro? Quais eram suas condições de trabalho? Quem sustentava essa estrutura de exploração? Os garimpeiros alcançaram seus objetivos? Qual o valor do ouro em nosso imaginário?
O valor do ouro
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O que o ouro representa para você? O mais nobre dos metais, além de estar ligado a relações de poder e riqueza, também carrega consigo aspectos místicos e religiosos. Historicamente, o homem europeu herdou um vasto repertório sobre esse metal, gerando encantamento e obsessão por sua posse. O ouro, para ele, era símbolo de perfeição e imortalidade, uma espécie de redenção espiritual, pois seria digno o homem que o encontrasse. Segundo um mito herdado ainda da Idade Média, quem se aventurasse a procurá-lo deveria saber que apenas obteria sucesso por meio de muito sacrifício e sofrimentos incontornáveis. Quando esse homem europeu, desbravador e ganancioso, se joga ao mar em busca de riquezas, poder e redenção, encontra nas Américas um solo fértil para a exploração do ouro. O Novo Mundo, então descrito como um “paraíso”, era ao mesmo tempo “desprovido de civilidade e história” – discurso construído de forma a justificar o processo intenso de extração de riquezas naturais e colonização que estava por vir.
O Eldorado
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Não eram apenas os europeus que possuíam um fascínio pelo ouro. Os povos indígenas das Américas tinham seus próprios mitos e lendas, que impulsionaram ainda mais a busca pelo metal, à medida em que os colonizadores se apropriavam das histórias. O mito do Eldorado, narrativa oriunda da Colômbia, dos povos Muiscas ou Chibchas do século XVI, foi absorvido e modificado. Originalmente, a lenda conta sobre um homem indígena, provavelmente um cacique ou sacerdote, que se cobria de ouro, tamanha a riqueza de seu povo. Quando os colonizadores incorporaram a história, o cacique tornou-se uma cidade e a lenda se expandiu por toda a América Latina. Movidos pela cobiça de encontrar o Eldorado, seguindo o fluxo dos rios, exploraram os segredos da floresta Amazônica, passando pela Venezuela, Equador, Guiana, até chegar ao Brasil. Certo é que, hoje, na era moderna, toda a região amazonense e a própria América do Sul continuam a carregar em seu imaginário o sonho e os mistérios que envolvem o ouro. Ainda é motivo de busca árdua, com toda a sua simbologia de realeza, poder, transformação, riqueza e espiritualidade.
A conquista do desconhecido
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O que te faz buscar novos caminhos? A figura nos encara. Não se intimida com a câmera e posa para o fotógrafo. As luzes e as sombras dão volume à imagem, permitindo-nos observar claramente as texturas e os detalhes da pele e da roupa do homem. O corpo coberto de lama tem reflexos luminosos, como em uma escultura de metal. O tecido sobre a cabeça deixa a lama escorrer pelo rosto, fundindo-o ainda mais com o cenário ao fundo. Quem é esse homem? Ele é um dos 50 mil garimpeiros que estiveram em Serra Pelada, migrados de diversas partes do país, movidos pela esperança de conquistar uma nova realidade. Além de uma mudança material de vida, o deslocamento era impulsionado pelo desejo de fazer parte de um grande acontecimento. Para se chegar a Serra Pelada, os migrantes atravessavam a mata a pé, de barco ou de caminhonete pelas vias da Transamazônica. O garimpo oferecia quase nenhuma infraestrutura e, talvez da necessidade, surgiu um pensamento colaborativo entre os trabalhadores. As dores, os amores, as saudades, as tensões, os afetos e desafetos ali mesmo se faziam e por ali mesmo escoavam. As mulheres eram impedidas de entrar em Serra Pelada. Longe de suas famílias, o cotidiano dos homens era árduo. O trabalho de muitas horas e
de grande desgaste físico deixava os corpos doloridos e a alimentação nem sempre era suficiente para repor as energias. Costumavam comer arroz com ovos ou charque (carne salgada e seca ao sol) com chibé (papa de farinha de mandioca e água). Dormiam em barracos com coberturas de palha de coco e poucas estruturas: uma rede, bancos de madeira e um fogão à lenha improvisado com pedras. Os objetos limitavam-se ao pote para água (que não era potável), canecos pendurados na parede e uma lamparina. O único lazer oferecido aos garimpeiros era o cinema ao ar livre, que acontecia todas as noites. As bebidas alcoólicas eram proibidas, mas, ao final de cada mês, os trabalhadores se deslocavam para as cidades próximas em busca de bares e novas companhias. Porém, no período das chuvas, dificilmente saíam da Serra, e tudo que conseguiam produzir era destinado à alimentação. Com o passar do tempo, essa rotina se viu atingida pela violência e pelas doenças, e o percurso de Serra Pelada foi constantemente modificado por questões ambientais e interesses políticos. O olhar e a expressão enigmática do garimpeiro retratado por Sebastião Salgado nos enchem de perguntas a respeito de sua identidade e suas motivações. Talvez porque sejamos todos movidos por histórias e também fruto delas.
Quais caminhos sua histรณria percorre? O que sua histรณria conta sobre seus desejos?
Ligue as palavras aos seus significados! * respostas no fim do caderno
cascalho queima despescar cremoso trieiros pendenga boia mancha bamburra
carumbés traias girau lavadores suruca adeus mamãe carriola
nome dado às escadas improvisadas usadas pelos garimpeiros
carrinho de mão utilizado para carregar cascalho
roupas e objetos de garimpeiros
cascalho bonito, composto de variedades de formas.
manchão formiga
elementos rochosos
estrada estreita, frequente em fazendas e garimpos
ato de retirar o cascalho da bica
muito tempo sem achar o ouro
lugares preparados pelos garimpeiros dentro d’água para acomodar as peneiras na lavagem do cascalho
lugar rico em metal precioso
peneira grossa utilizada para selecionar as pedras maiores na lavagem do cascalho
necessidade das coisas, falta de dinheiro
comida, refeição
minério em grande proporção
estrutura de madeira armada utilizada para lavar roupas e vasilhas
ato de achar metal precioso de/ou em grande proporção; enriquecer
homem responsável por carregar os sacos de cascalho até o alto da montanha
tacho pequeno utilizado pelo garimpeiro para carregar cascalho
© Sebastião Salgado
O preรงo da conquista
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“A fé move montanhas” Um homem carrega nos ombros um saco de cascalho amarrado à cabeça por uma corda. Com as mãos livres, consegue concluir a subida da montanha por uma longa e íngreme escada. Seu corpo coberto de lama se curva devido ao peso sustentado e à força empregada para seu deslocamento. Uma mão um pouco à frente e um aparente braço abaixo de seus pés mostra que o homem segue uma fila de trabalhadores. Ao fundo, vemos a imensidão da serra explorada, que revela a fragilidade e a vulnerabilidade às quais o garimpeiro está exposto. Sebastião Salgado nos coloca frente ao trabalho árduo do “formiga”, nome dado aos homens que carregavam sacos de cascalho nos ombros para o alto da montanha. Um formiga chegava a carregar 30 quilos por subida realizada – sacrifício sustentado pela esperança do ouro como recompensa. Existem relatos de que 90 mil toneladas do metal foram retiradas de Serra Pelada até 1990, sendo que alguns garimpeiros chegaram a encontrar até dois mil quilos durante sua estada. E há outros relatos dos trabalhadores, e esses em maior escala, de que nenhum ouro encontraram e pouco ou nada se beneficiaram de todo esforço envolvido. O sentimento por não terem alcançado seus objetivos era tão devastador, que muitos não retornaram às suas casas e cidades de origem, por vergonha, frustação, culpa e medo dos possíveis julgamentos que enfrentariam.
Qual o valor do seu trabalho? O que se perde quando estamos Ă procura de algo?
Conflitos da terra
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A quem pertence a terra? Ao longo da história da humanidade, o uso de recursos minerais proporcionou um desenvolvimento técnico, científico e informacional. O ouro, além de seu valor monetário, é utilizado na indústria eletrônica em virtude de sua capacidade de condução de calor, eletricidade e alta maleabilidade. Recentemente, tem sido utilizado em tratamentos médicos. Muitos estudiosos destacam a responsabilidade que o Brasil possui na preservação de sua biodiversidade e que a prática de extração de recursos minerais pode provocar impactos ambientais irreversíveis. Em um garimpo, aproveita-se o fluxo das águas dos rios e córregos para uma lavagem que separa minério de cascalho. É utilizado nesse processo o componente químico mercúrio, altamente tóxico, e que possui a propriedade de se aglutinar às partículas de ouro, formando uma espécie de liga metálica. A liga ajuda a separar o metal dos sedimentos de cascalho. Em seguida, o material é aquecido, o mercúrio evapora, restando apenas o ouro puro. O uso contínuo de mercúrio causa contaminação direta dos rios, assim como o adoecimento de garimpeiros e da população que faz uso da água das imediações do garimpo. Em Serra Pelada, a “lama luminosa” nos corpos dos trabalhadores era resultado da utilização do mercúrio em grande quantidade. Depois de anos de escavação, os trabalhadores atingiram o lençol freático, tornando a região um grande lago contaminado. O local está
fechado há 30 anos, mas ainda é motivo de preocupação, pois a estrutura que o mantém é considerada de alto risco para todo seu entorno. Serra Pelada está historicamente entre os seis maiores garimpos brasileiros e, dentre esses, outros três estão localizados no estado do Pará: Garimpo de Jamanxim (2015), Garimpo de Munduruku (2017) e Garimpo de Kayapó (2017). O que confirma a tradição extrativista do Estado. Atualmente, no território do Rio Tapajós, região amazônica com grande exploração de ouro, a prática da garimpagem ilegal vem causando diversos conflitos ambientais e sociais, fazendo com que seus habitantes, muitos deles pertencentes a comunidades indígenas, sofram com os impactos da falta de regulamentação para a extração mineral. A industrialização do garimpo traz benefícios ao meio ambiente e à população local, se cumprida as leis ambientais, porém ela substitui a mão de obra dos garimpeiros e concentra as riquezas em grandes mineradoras, extinguindo a prática da garimpagem artesanal e enfraquecendo a economia da região. A discussão sobre o assunto é extensa e complexa e traz à tona um debate contemporâneo à sociedade: qual o preço do progresso e quem sofre com ele?
Respostas
cascalho
elementos rochosos
bamburra
ato de achar metal precioso de/ou em grande proporção; enriquecer
queima
muito tempo sem achar o ouro
cremoso
cascalho bonito, composto de variedades de formas
trieiros
estrada estreita, frequente em fazendas e garimpos
pendenga
necessidade das coisas, falta de dinheiro
boia
comida, refeição
mancha
minério em grande proporção
despescar
ato de retirar o cascalho da bica
carumbés
tacho pequeno utilizado pelo garimpeiro para carregar cascalho
traias
roupas e objetos de garimpeiros
girau
estrutura de madeira armada utilizada para lavar roupas e vasilhas
manchão
lugar rico em metal precioso
suruca
peneira grossa utilizada para selecionar as pedras maiores na lavagem do cascalho
carriola
carrinho de mão utilizado para carregar cascalho
lavadores
lugares preparados pelos garimpeiros dentro d’água para acomodar as peneiras na lavagem do cascalho
formiga
homem responsável por carregar os sacos de cascalho até o alto da montanha
adeus mamãe
nome dado às escadas improvisadas usadas pelos garimpeiros
Texto: Juliane Duarte e Karen Montija Colaboração: Gabriel Victal e Taís Alves Ilustrações: Julia Pinto (p. 4–5) e Alexandre Benoit (p. 11, 12–13)
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