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BAIRRO COTA

200 DE CUBATÃO

BAIXADA SANTISTA


Resistências Confluentes É da natureza humana aventurar-se por desvelar o desconhecido. Ir ao encontro do outro para reafirmar quem somos pelas similaridades, diferenças, e alçar novos dilemas, são combustíveis aparentemente voláteis, que imprimem memórias e abastecem imaginários, nutrindo repertórios de vida. Distintas vozes ecoam e são acolhidas no programa de Turismo Social do Sesc São Paulo, propiciando vivências que abarcam as trocas simbólicas, a fruição cultural e das paisagens tanto geográficas quanto humanas. O exercício democrático do turismo envolve escolhas conscientes e um permanente compromisso com a formação do público para a corresponsabilidade da experiência. Nesse contexto, insere-se o projeto Itinerários de Resistência, que apresenta parte da rede de turismo


de base comunitária paulista realizada por grupos com identidades diversificadas como as aldeias indígenas, quilombos, assentamentos, associações e coletivos urbanos. Esses movimentos voltados para a coletividade convergem para o desenvolvimento local, bem como para o fortalecimento de lutas e objetivos comuns. Ao difundir saberes e aspectos socioculturais de tais territórios, apresentando uma das faces do turismo social em ambiente digital, o Sesc amplia os meios de acesso a essa pluralidade, acendendo um farol deflagrador de suas potencialidades. Que as narrativas e o conteúdo imagético de tais iniciativas sejam portadores de estímulos à reflexão e construção de uma sociedade mais justa e equânime, com encantamentos a serem desvelados, vividos e compartilhados. Sesc São Paulo


Com intervenções artísticas no espaço público, culinária, educação ambiental, comunicação e turismo comunitário, grupo de projetos sociais busca cidadania e qualidade de vida na Serra do Mar



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Bairros Cota de Cubatão

Comer, criar, cuidar. O que será contado aqui é uma história de redescobertas. De várias pessoas: de si mesmas, com suas habilidades e seu potencial de mudar vidas para melhor; e de um território marcado por risco social, que foi transformado em potência e atrativo turístico. Esta história sobre bairros encravados no paredão da Serra do Mar, no município de Cubatão, tem projetos sociais como protagonistas. Mais especificamente, cinco projetos-irmãos: Sabores da Serra (comer), Ateliê Arte nas Cotas (criar), Cota Viva (cuidar), e também Tur na Serra, a iniciativa responsável pelo turismo de base comunitária local, e Com Com, voltado à comunicação comunitária. Genericamente conhecido como Bairros Cota, porque os enclaves habitacionais receberam como


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nomes a medida de sua altitude em relação ao nível do mar - a Cota 95/100 está de 95 a 100 metros de altitude, e assim por diante -, esse conjunto urbano à beira da rodovia Anchieta tem sua história ligada à da própria rodovia. Os primeiros moradores chegaram ali, naqueles terrenos muito íngremes, como trabalhadores na construção da estrada entre a capital paulista e o litoral, na década de 1940. Formaram-se assim núcleos como Cota 200, Pinhal do Miranda, Fabril e, no pé da serra, junto do Rio Cubatão, Água Fria. Corta a cena para o comecinho da década de 1980. Vale da Morte era um apelido nada bonito, mas apropriado, para um município que se encheu de indústrias em poucos anos sem nenhuma preocupação com a preservação ambiental. Enquanto o ar, as águas e solos sucumbiam aos poluentes, eram cada vez mais frequentes os casos de bebês que nas-

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Arte em parede externa de casa, feita pelo Projeto Arte nas Cotas, no bairro Cota 200. Cubatão, SP

Acervo Associação Projeto Com Com


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Acervo Associação Projeto Com Com

Arte em parede externa de casa, feita pelo Projeto Arte nas Cotas, no bairro Cota 200. Cubatão, SP

ciam com malformações e pessoas que adoeciam de males respiratórios. No paredão da serra, em vários trechos desapareceu o verde da Mata Atlântica, dando lugar a clareiras desmatadas. Um cenário de destruição que levou a Organização das Nações Unidas, a ONU, a classificar Cubatão como o município mais poluído do mundo naquele momento. Na década de 1990 começaram os projetos de despoluição e reflorestamento, que rapidamente deram os primeiros resultados - na conferência Eco 92, Cubatão foi apontada pela ONU como símbolo de recuperação ambiental. E então, só então, a vida das pessoas nas vertentes da Serra do Mar começou a entrar no radar dos poderes públicos. A essa altura, a Serra do Mar começava a reviver, mas as pessoas moravam em favelas com risco constante de deslizamentos, habitações precárias, sem acesso a serviços públicos essenciais. Em 2009, uma decisão judicial obrigou o governo paulista a retirar todas as moradias irregulares das


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áreas de risco dentro do Parque Estadual da Serra do Mar. Começou, então, um enorme programa de recuperação socioambiental, com financiamento internacional e operado pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, a CDHU. De singular, esse programa teve a premissa de prever participação comunitária. E a comunidade se engajou: aproveitou a consultoria dos técnicos da CDHU para colocar de pé os projetos sociais que ajudaram a transformar para melhor a qualidade de vida local. “O projeto social entra na nossa comunidade e nos dá outras possibilidades. É muito marcante a gente ter aqui cinco projetos sociais que deram certo”, considera Fátima Salema, do Arte nas Cotas.

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Sede do Projeto Cota Viva. Cubatão, SP

Raimunda de Resende Rodrigues


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Edja de Souza Gomes

Comer: Sabores da Serra

Geleias e conservas produzidas pelo Sabores da Serra. Cubatão, SP

Da jaca, tudo se aproveita. Da polpa madura, que nem é todo mundo que gosta, mas que a maioria não resiste quando transformada em sorvete, aos caroços que, cozidos em panela de pressão, ficam como se fossem castanhas e vão no preparo do vinagrete. Agora que as receitas estão criadas, aperfeiçoadas e mais do que aprovadas por centenas de turistas que visitavam o projeto a cada mês antes da pandemia, a cozinheira Edja de Souza Gomes se sente segura: sabe que a comida da Sabores da Serra sempre agrada.


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No começo ela não tinha essa certeza toda. “Na primeira vez eu estava muito insegura de servir comida do mato”, diz Edja. Comida do mato é o nome de verdade, popular, daquilo que a gastronomia chama de PANC, plantas alimentícias não convencionais. Pois na Serra do Mar, além da jaca, taioba, lírio-do-brejo, malvavisco, maria-sem-vergonha e begônia são para lá de convencionais. Na Sabores da Serra, essas plantas são a base da culinária que é consumida nas casas e compõe os roteiros turísticos na localidade.

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Salada com ingredientes nativos, do Sabores da Terra. Cubatão, SP

Acervo Associcação Projeto Com Com


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“Na primeira vez eu estava muito insegura de servir comida do mato” Edja de Souza Gomes

Caponata produzida e comercializada pelo Sabores da Serra. Cubatão, SP

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Fatiadinho e refogado no azeite de oliva e temperos, o coração da bananeira — mangará é o nome dele — vira uma caponata que é um dos pratos de maior sucesso da Sabores da Serra. Dá para servir quente, com torta e farofa de taioba e de ora-pro-nóbis, ou fria, acompanhando uma salada colorida pelo


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vermelho do malvavisco, o branco do lírio-do-brejo e as multicoloridas marias-sem-vergonha. São todas flores comestíveis que, aliás, viram sobremesas também: calda de malvavisco para o sorvete, geleia de lírio-do-brejo vendida também para quem quiser levar para casa. Acervo Associação Projeto Com Com


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Acervo da Associação Projeto Com Com

Criar: Arte nas Cotas

Uma salada de flores coloridas no prato tem tudo a ver com aquilo que levou os Bairros Cota a serem identificados como uma localidade artística, por assim dizer. Depois que as obras de urbanização passavam com o concreto, remoção de casas das encostas, asfaltamento de ruas, criação de espaços públicos, do mirante na Cota 200, o Ateliê Arte nas Cotas vinha atrás com as intervenções artísticas. Primeiro, decorando paredes, muros e degraus de escadas com mosaicos. Hoje, priorizando a técnica do estêncil, que é feito com tinta e moldes recortados com estilete e não demanda, portanto, o trabalho de pedreiro.


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“O Arte nas Cotas chegou e ensinou a comunidade a zelar pelo que é nosso. É feito por nós, não é uma proposta de artistas de fora que vêm, fazem e vão embora. A gente aprendeu e pode refazer quando e como quiser”, diz Fátima, multiplicadora no ateliê. Cores vivas e grafismos marcam o trabalho das artistas do Ateliê Arte nas Cotas. As criações são coletivas, baseadas em observações da natureza, dos animais, das formas da vegetação, das folhas. As mandalas fazem parte da identidade do Ateliê, e o Ateliê, hoje, faz parte da identidade de suas integrantes. “Aprender a arte não tem palavras, é o nosso coração. O ateliê é o nosso coração”, diz Maria José Araújo SIlva, também multiplicadora. Foi o Arte nas Cotas que de início chamou a atenção dos proprietários da agência de turismo Caiçara Expedições, da cidade vizinha de São Vicente, a primeira a operar passeios para os bairros serranos de Cubatão. Renata Antunes da Cruz, proprietária da Caiçara, conta que ficou interessada em conhecer o

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“O Arte nas Cotas chegou e ensinou a comunidade a zelar pelo que é nosso. É feito por nós, não é uma proposta de artistas de fora que vêm, fazem e vão embora.” Fátima Salema

Maria José e Fátima, no trabalho de pintura das casas do bairro. Cubatão, SP

Acervo da Associação Projeto Com Com


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Acervo da Associação Projeto Com Com

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Pintura de Mural no bairro. Cubatão, SP

Acervo da Associação Projeto Com Com

ateliê ao ver uma reportagem e, chegando lá, descobriu a totalidade dos projetos. Ela e o marido, Renato Marchesini, estrearam o roteiro levando um grupo organizado pela unidade Santos do Sesc São Paulo. São considerados pela comunidade como padrinhos turísticos dos Bairros Cota.

Detalhe de arte, feita pelo Atelier Arte nas Cotas, para fachada de casa, no bairro. Cubatão, SP


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Nos programas de visitação, além de caminhar pelos bairros para ver as paredes artisticamente decoradas, os turistas participam de oficinas de estêncil na camiseta e na bandeja. Na loja do ateliê, podem comprar moldes para estêncil, camisetas, decoração, itens de cozinha e de papelaria com os mesmo motivos gráficos encontrados nas paredes, casas e muros do bairro.

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“Aprender a arte não tem palavras, é o nosso coração. O ateliê é o nosso coração.” Maria José Araújo SIlva

Acervo Associação Projeto Com Com

Finalização da pintura em mural, por mulheres do projeto Arte nas Cotas. Cubatão, SP


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Cuidar: Cota Viva

O manacá-da-serra é uma árvore da Mata Atlântica. No reflorestamento da Serra do Mar, a técnica que garantiu o retorno das espécies nativas foi a dispersão aérea: as sementes foram lançadas ao solo por um avião e um helicóptero. Cerca de 45% das 750 milhões de sementes assim plantadas eram de manacá-da-serra. Três décadas depois, as flores em tonalidades de branco, cor-de-rosa e roxo dessa árvore formam bonitos e volumosos buquês que enfeitam as copas e o caminho de quem viaja pelo Sistema Anchieta-Imigrantes durante o verão. Quando o príncipe Harry, do Reino Unido, conseguiu pronunciar a palavra “manacá”, logo depois de plantar uma muda da espécie em visita ao projeto Cota Viva, causou uma comoção em torno de si, mesmo sem conseguir completar o nome: “da serra” não saiu de jeito nenhum. O filho da princesa Diana este-


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ve em Cubatão em 2014, durante passagem pelo Brasil para ver jogos da Copa do Mundo de futebol masculino. Provou a comida do Sabores da Serra e pintou parede com estêncil do Ateliê Arte nas Cotas. Ao ir embora, deixou uma comunidade orgulhosa de suas capacidades, de seus feitos, de sua mobilização. O Cota Viva é o coletivo voltado à educação ambiental nos Bairros Cota, e o plantio de mudas está entre suas atividades. Seu principal espaço, que é visitado no roteiro turístico, é o Viveiro Escola onde, atualmente, Raimunda de Resende Rodrigues e outras multiplicadoras trabalham para recuperar os canteiros, que ficaram seriamente prejudicados pelas dificuldades de cuidado durante a pandemia. Fornecer taioba, ora-pro-nóbis e peixinho para a Sabores da Serra e apoiar a criação de canteiros para cultivo destes vegetais nas escolas da comunidade são as ambições deste momento em que se tenta superar a pandemia. “O projeto nas escolas é porque a gente quer ensinar às crianças que nem tudo que a gente come precisa ir ao mercado comprar”, diz Raimunda.

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“O projeto nas escolas é porque a gente quer ensinar às crianças que nem tudo que a gente come precisa ir ao mercado comprar.” Raimunda de Resende Rodrigues

Equipe do projeto Cota Viva. Cubatão, SP

Raimunda de Resende Rodrigues


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Raimunda de Resende Rodrigues

Terrários produzidos e comercializados pelo projeto Cota Viva. Oficinas também são oferecidas, sob agendamento. Cubatão, SP

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Para os visitantes, o Cota Viva propõe oficina de plantio na rolha, que rende um souvenir bonitinho com um ímã de geladeira e uma mudinha de dinheiro-em-penca. Depois, ela pode ser transplantada para um vaso. Também há a oficina de terrário, com cactos e suculentas. Com o apoio da monitoria do Tur na Serra, é possível também fazer trilhas pela Mata Atlântica. Enquanto as atividades retornam pouco a pouco depois da longa pausa da pandemia, os projetos dos Bairros Cota acabam de dar um passo importante na direção da autogestão comunitária: uniram-se numa organização não governamental única. Chamada de Imaginacom, tem como objetivos aprofundar a troca de conhecimentos, fortalecer ainda mais cada uma das iniciativas e impulsionar a economia solidária e consciente nos bairros serranos de Cubatão. Esta história termina, assim, da melhor forma: no início de um novo processo no qual a luta continua. E a comunidade segue sendo protagonista de sua própria transformação.


Para saber mais

Renato Marchesini e Renata Alves da Cruz, proprietários da Caiçara Expedições, escreveram um artigo acadêmico, com Aristides dos Santos, sobre a experiência do turismo comunitário e o projeto Arte nas Cotas como indutores do desenvolvimento social. Acesse aqui. Acesse aqui a Dissertação de de mestrado, de Adilana Ovando, defendida na EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), da Universidade de São Paulo, que aborda em profundidade as mudanças sociais e a participação comunitária nas ações governamentais nos Bairros Cota. Leia aqui um pequeno artigo do Memorial do Trabalho e do Trabalhador sobre sobre a construção a Rodovia Anchieta.


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Áreas de Proteção Ambiental Municípios em destaque Rodovias


BAIRROS COTA DE CUBATÃO @turnaserra.cubatao @atelieartenascotas Informações sobre agendamento de visitas e roteiros disponíveis em Whatsapp: (13) 99756 6270, TBC Tur na Serra; ou tel: (13) 3377 1371, Atelier Arte nas Cotas www.atelieartenascotas.com projetocomcom.wordpress.com cdhu.sp.gov.br/-/cota-viva


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