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ILHA DIANA

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Resistências Confluentes É da natureza humana aventurar-se por desvelar o desconhecido. Ir ao encontro do outro para reafirmar quem somos pelas similaridades, diferenças, e alçar novos dilemas, são combustíveis aparentemente voláteis, que imprimem memórias e abastecem imaginários, nutrindo repertórios de vida. Distintas vozes ecoam e são acolhidas no programa de Turismo Social do Sesc São Paulo, propiciando vivências que abarcam as trocas simbólicas, a fruição cultural e das paisagens tanto geográficas quanto humanas. O exercício democrático do turismo envolve escolhas conscientes e um permanente compromisso com a formação do público para a corresponsabilidade da experiência. Nesse contexto, insere-se o projeto Itinerários de Resistência, que apresenta parte da rede de turismo


de base comunitária paulista realizada por grupos com identidades diversificadas como as aldeias indígenas, quilombos, assentamentos, associações e coletivos urbanos. Esses movimentos voltados para a coletividade convergem para o desenvolvimento local, bem como para o fortalecimento de lutas e objetivos comuns. Ao difundir saberes e aspectos socioculturais de tais territórios, apresentando uma das faces do turismo social em ambiente digital, o Sesc amplia os meios de acesso a essa pluralidade, acendendo um farol deflagrador de suas potencialidades. Que as narrativas e o conteúdo imagético de tais iniciativas sejam portadores de estímulos à reflexão e construção de uma sociedade mais justa e equânime, com encantamentos a serem desvelados, vividos e compartilhados. Sesc São Paulo


A poucos minutos de barco do centro de Santos, a visita a essa pequena comunidade localizada entre a Serra do Mar e o maior porto do país é uma imersão na tranquilidade e no modo de vida caiçara.


“Neto vai para o mangue comigo, pega caranguejo, pega ostra, vai se criando assim” Antônio Gomes, o “seu Avaria”, pescador e barqueiro nascido e criado na Ilha Diana, em reportagem do programa Rota do Sol, da TV Tribuna, em agosto de 2014


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Acervo Caiçara Expedições

Ilha Diana

Arquitetura típica local, de casinhas elevadas, e embarcação, meio de transporte da comunidade. Ilha Diana, SP

A criança quando nasce na Ilha Diana vai logo para a água. Ainda bem pequena. Do mesmo jeito que as famílias do asfalto ensinam seus filhos a andarem de bicicleta, as mães e os pais nesse vilarejo se preocupam em garantir que seus pequenos aprendam a nadar o mais cedo possível. É que a vida local é muito determinada pelos rios, pelo mangue, pelo mar. A Ilha Diana é um povoado de vida e cultura caiçara em meio à superurbana cidade de Santos. Fica junto da porção continental do município, no ponto onde um emaranhado de rios — Casqueiro,


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Perequê, Piaçaguera, Pedreira, Sandi e o próprio Rio Diana — se mistura, deságua e forma o Estuário de Santos. Para o lado da Serra do Mar, a paisagem é verde e líquida, compreendendo áreas de conservação. Fixando o olhar nessa direção, dá até para esquecer que o isolamento é mais ilusão de ótica do que fato. Isso porque o asfalto está logo ali, pertinho demais. Para o lado do mar, é possível enxergar guindastes do Porto de Santos, gigantes que erguem contêineres como se fossem pecinhas de Lego. A 20 minutos de barco está o centro da cidade, e a menos de 10, a Base Aérea no Guarujá.

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Pier, com vista para uma parte do Porto de Santos, ao fundo. Ilha Diana, SP

Acervo Caiçara Expedições


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Travessia para a tranquilidade

Comparadas aos gigantescos navios cargueiros que entram e saem todos os dias do maior porto brasileiro, as pequenas embarcações que deixam o atracadouro da Alfândega, no centro de Santos, parecem frágeis pontos coloridos que se deslocam rumo à Ilha Diana. Há barcos do transporte público e também os que são especialmente contratados para levar os grupos de turistas para essa imersão caiçara. A visitação turística à Ilha Diana fez seus primeiros ensaios por volta de 2002, por incentivo de uma professora que, em acordo com os moradores, começou a levar alunos para atividades de estudo do meio. A própria denominação de ilha não é exatamente precisa: na verdade, esta parte do território é um prolongamento do continente onde predominam os manguezais, e que fica isolado a depender da maré. Os passeios de barco pelo entorno da ilha permitem observar o guará-vermelho, a garça-real, a saracura, o colhereiro, o biguá ou pato d’água. O projeto Vida Caiçara foi lançado dez anos depois, com recurso da contrapartida de uma das


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empresas da área portuária para a obtenção de licença ambiental. Segundo os moradores, resolvida a questão da licença, a empresa se retirou. Desde então, o projeto continua por meio de gestão inteiramente comunitária. Com a paralisação imposta pela pandemia de Covid-19, o número de moradores envolvidos com o turismo comunitário caiu de 40 para algo em torno de 15. “As pessoas que estão hoje são as que estão segurando na raça o projeto”, diz Patrícia dos Santos, que se define como uma faz-tudo no projeto. “Estamos na luta para regularizar a Associação Vida Caiçara e continuar por nossa conta.” A expectativa é de poder retomar a recepção a turistas ainda no segundo semestre de 2021, com grupos reduzidos, de 10 a 15 pessoas. Antes, até 30 a 40 visitantes eram recebidos ao mesmo tempo. Acervo Projeto Vida Caiçara

Demonstração para turistas do lançamento de rede de pesca. Ilha Diana, SP

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Da metade para o fim da travessia, o barco passa debaixo de uma enorme ponte ferroviária que funciona quase como um portal para um cotidiano mais silencioso, menos acelerado. “Nossa ilha é um lugar muito acolhedor. O que encanta os turistas é o sossego que a gente tem, a liberdade, a possibilidade de as crianças brincarem à vontade, sem violência, sem carros”, conta Angela de Sousa, tesoureira da Associação e que também cozinha para receber os turistas. Visitantes reagem com encantamento e também com surpresa. “Teve quem achasse que éramos indígenas e morávamos em ocas”, lembra Patrícia,


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“Nossa ilha é um lugar muito acolhedor. O que encanta os turistas é o sossego que a gente tem, a liberdade, a possibilidade de as crianças brincarem à vontade, sem violência, sem carros” Angela de Sousa

rindo. “Ou em casas feitas de árvores.” Muitos, ela conta, comentam o fato de a comunidade precisar de barcos para todos os deslocamentos. É uma ilha, afinal: as pessoas não têm carros, mas sim barcos. Se alguém perde o último horário da barca pública que sai do centro de Santos, por volta das 23h, precisa ligar e pedir para um amigo ou familiar ir buscar. Acontece às vezes, principalmente com os jovens que estudam na cidade no período noturno. Ambas, Angela e Patrícia, atuam também como guias dos passeios pela ilha. Escolas da Baixada Santista e da Grande São Paulo e grupos do Sesc São Paulo são a maior parcela de visitantes que


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Vista do campo de futebol, da Ilha Diana. Local de lazer da comunidade.. Santos, SP

chegam ali. O pacote começa com um café da manhã de boas-vindas, “com bolo de mandioca caseiro, suco de limão e acerola colhidos aqui mesmo, essas coisas que são bem da nossa vida, bem caiçaras”, contam. Depois, é caminhar, mas caminhadas curtinhas, porque a Ilha Diana não é muito grande e o acordo com o poder público desde que finalmente saiu o documento de posse da terra em nome da comunidade, há dois anos, é que não serão feitos novos aterramentos do manguezal para aumentar a área. As casas mais antigas e típicas da vila são de madeira e coloridas. Hoje, há também construções de alvenaria, escola para os quatro primeiros anos do ensino fundamental e uma policlínica que recebe médico uma vez por semana. Internet chega via rádio. Em agosto deste ano de 2021 foi inaugurada uma praça com equipamentos de ginástica ao ar


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livre. Uma pessoa de fora não pode decidir por conta própria ir morar na Ilha Diana: o único jeito é casar com morador. Por outro lado, nativos não podem vender suas casas a forasteiros. E, assim, a comunidade se autorregula.

Casa elevada, construção típica do local, devido aos períodos de maré alta que inundam parte da região. Santos, SP


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Pesca como modo de vida Passado dos 70 anos, nascido e criado na Ilha Diana, o pescador e barqueiro Antônio Gomes é um morador popular. Durante os passeios de barco que fazem parte do programa turístico, ele desce ao manguezal para mostrar como se tira o marisco da lama. Convida os visitantes, e a maioria aceita. Abre uma concha e engole seu conteúdo, o bicho fresquinho, ali mesmo. É personagem frequente em reportagens sobre a ilha, que destacam o apelido do pescador: seu Avaria. Todo mundo ri das perguntas, mas ninguém revela o motivo do apelido. Acervo Caiçara Expedições

Exemplar de carangueijo, muito comum no local, devido ao manguezal. Ilha Diana, SP


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Na pandemia, a pesca reafirmou sua importância para a alimentação de famílias que ficaram desempregadas. Angela e Patrícia contam que as mulheres pescadoras se dedicam mais à extração de marisco; para tanto, saem de casa assim que aparecem as primeiras luzes do dia. Para pegar peixe e camarão, uma atividade principalmente dos homens, é preciso ir ainda mais cedo, por volta das 4 horas da manhã. Cada vez mais, contam, a pesca com rede é feita durante a madrugada, quando diminui o movimento de navios no porto de Santos — os grandalhões espantam os cardumes. O atual programa de expansão do porto é um desafio à vida caiçara da Ilha Diana. Atracadouros cada vez maiores e frequentes dragagens do estuário alteram o nível dos rios. As casas da ilha, que antes inundavam apenas na maré alta, hoje são invadidas pelas águas com mais frequência. Também afetam o equilíbrio ambiental e a vida subaquática. É preciso ir mais e mais longe pelo Rio Diana acima para encontrar as tainhas, paratis, carapebas, robalos,


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Igreja da comunidade, ao fundo. Santos, SP

“Hoje, a gente já não consegue mais viver só da pesca, como os nossos avós” Patrícia

ostras e caranguejos típicos das águas salobras da região. Antigos barcos de madeira foram substituídos por outros de alumínio com motor para poder vencer distâncias maiores; o problema é que consomem combustível e aumentam o custo da atividade pesqueira. “Hoje, a gente já não consegue mais viver só da pesca, como os nossos avós”, conta Patrícia. “As nossas crianças, nós não incentivamos mais a seguir exclusivamente essa profissão. Nós pescamos e ensinamos os nossos filhos em dia de folga, repassamos a eles os nossos saberes. Por exemplo, na lua cheia tem muito mosquito no rio.” Os primeiros habitantes da Ilha Diana passaram antes uma temporada no Guarujá, no terreno de onde foram desalojados para a construção da Base Aérea. Isso na década de 1940. Esses pioneiros vieram principalmente da cidade de Iguape, tanto que o padroeiro local foi, por muito tempo, chamado de Bom Jesus de Iguape, até ser rebatizado como Bom Jesus da Ilha Diana. É em homenagem ao padroeiro que ocorre a principal festa local, que chega a receber 5 mil visitantes para assistir à missa, participar


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do torneio de futebol e comer tainha na brasa e porções variadas de pescados. A festa ocorre em um fim de semana inteiro de agosto e, em 2021, não foi realizada pelo segundo ano consecutivo, por causa da pandemia. Além da tainha, são típicos da elogiada comida caiçara servida na Ilha Diana o filé de peixe com molho de camarão, o marisco lambe-lambe (cozido no arroz) ou à vinagrete. Depois do almoço, o grupo de visitantes é convidado para a roda de conversa: participam os moradores mais velhos e quem mais quiser se

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Detalhe de interior da Igreja da comunidade. Cubatão, SP

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aproximar e contar histórias. É a hora das perguntas, de ver as redes de pesca, as tarrafas e outros apetrechos, de saber sobre as técnicas da pesca artesanal. Difundir esses conhecimentos e essas histórias são uma forma de resistência. Proprietária da agência Caiçara Expedições, a bióloga e guia de turismo

“A Ilha Diana vive muito pressionada pelo porto, por isso, a comunidade é muito importante e ajuda de fato na conservação ambiental.” Renata Antunes da Cruz


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Renata Antunes da Cruz é parceira da comunidade da Ilha Diana. Em diálogo com os moradores, ela apoia a organização e comercialização do roteiro, que considera benéfico para todos os envolvidos. “A Ilha Diana vive muito pressionada pelo porto”, diz. “Por isso, a comunidade é muito importante e ajuda de fato na conservação ambiental.” Acervo Caiçara Expedições

Assita aqui ao documentário sobre a Ilha Diana, realizado em dezembro de 2020, já na pandemia, feito pelas oficinas Culturais do Estado de São Paulo.


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ILHA DIANA @projetovidacaicara Informações sobre agendamento de visitas e roteiros disponíveis em Tel: (13) 99741-8690, falar com Patrícia dos Santos


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