LIVRETO_lit_norte_vale_paraiba_baia_de_castelhanos_R2.pdf

Page 1

PRAIA DE CASTELHANOS

LITORAL NORTE PAULISTA

E VALE DO PARAÍBA


Resistências Confluentes É da natureza humana aventurar-se por desvelar o desconhecido. Ir ao encontro do outro para reafirmar quem somos pelas similaridades, diferenças, e alçar novos dilemas, são combustíveis aparentemente voláteis, que imprimem memórias e abastecem imaginários, nutrindo repertórios de vida. Distintas vozes ecoam e são acolhidas no programa de Turismo Social do Sesc São Paulo, propiciando vivências que abarcam as trocas simbólicas, a fruição cultural e das paisagens tanto geográficas quanto humanas. O exercício democrático do turismo envolve escolhas conscientes e um permanente compromisso com a formação do público para a corresponsabilidade da experiência. Nesse contexto, insere-se o projeto Itinerários de Resistência, que apresenta parte da rede de turismo


de base comunitária paulista realizada por grupos com identidades diversificadas como as aldeias indígenas, quilombos, assentamentos, associações e coletivos urbanos. Esses movimentos voltados para a coletividade convergem para o desenvolvimento local, bem como para o fortalecimento de lutas e objetivos comuns. Ao difundir saberes e aspectos socioculturais de tais territórios, apresentando uma das faces do turismo social em ambiente digital, o Sesc amplia os meios de acesso a essa pluralidade, acendendo um farol deflagrador de suas potencialidades. Que as narrativas e o conteúdo imagético de tais iniciativas sejam portadores de estímulos à reflexão e construção de uma sociedade mais justa e equânime, com encantamentos a serem desvelados, vividos e compartilhados. Sesc São Paulo


Neste território em disputa desde o século 19, o turismo de base comunitária vem se organizando recentemente como estratégia de subsistência e manutenção do modo de vida caiçara, e como enfrentamento à especulação



6 PRAIA DE CASTELHANOS

LITORAL NORTE PAULISTA E VALE DO PARAÍBA

Baía de Castelhanos

coração. Há fotos que se tornam símbolos de certos destinos turísticos, e este é o caso do Mirante do Coração, cartão-postal da Baía de Castelhanos, em Ilhabela.

Alex Damico/TBC de Castelhanos - Ilha Bela/SP

Apoiados no guarda-corpo do deque reformado recentemente, turistas fazem pose para a máquina fotográfica. Ao fundo, lá embaixo, estão a Ilha da Lagoa e a ponta de areia que dá à praia os contornos de um

Baía de Castelhanos. Ilhabela, SP


PRAIA DE CASTELHANOS

7

Alex Damico/TBC de Castelhanos - Ilha Bela/SP

Trilha da Figueira. Ilhabela, SP

Ao mirante se chega por uma trilhazinha muito íngreme, mas curtinha, menos de 10 minutos a partir do canto direito da praia. Esse cenário desconcertantemente lindo é vendido em folhetos promocionais, sites e publicações das empresas operadoras de passeios como um dos principais pontos turísticos da ilha. Como resultado, Castelhanos foi transformada, nos anos recentes, em destino de turismo de massa. Somando a capacidade diária de carga determinada pelo Parque Estadual da Ilhabela — 65 jipes, 42

carros particulares e 60 motos —, até 850 pessoas podem visitar a Baía em um único dia, chegando por terra. E esse número nem considera as dezenas de embarcações que levam visitantes pelo mar. Isso em uma comunidade onde vivem cerca de 80 famílias caiçaras. Um turismo descontrolado gera impactos profundos na vida das pessoas que moram no local. Angélica é uma das lideranças de uma iniciativa popular contra o uso predatório do território e as ameaças permanentes da especulação sobre


LITORAL NORTE PAULISTA E VALE DO PARAÍBA

Daniela Garbiatti/TBC de Castelhanos - Ilha Bela/SP

8 PRAIA DE CASTELHANOS

a terra: os caiçaras vêm se mobilizando a partir da Associação Castelhanos Vive. Em 2017, com apoio também de pesquisadores, começaram a formatar um programa de turismo

de base comunitária e criaram um núcleo específico para desenvolver essa atividade. Aqui, mudar as premissas da visitação para empoderar a comunidade e garantir que seja


PRAIA DE CASTELHANOS

Praia de Castelhanos, vista do mirante. Ilhabela, SP

beneficiada pela renda do turismo é uma das últimas ferramentas na luta pelo direito das pessoas de permanecerem no lugar onde vivem desde seus ancestrais no século 19.

9


10 PRAIA DE CASTELHANOS

LITORAL NORTE PAULISTA E VALE DO PARAÍBA

Rali litorâneo selvagem

Vista da orla do município vizinho de São Sebastião, a face da Ilhabela que é voltada para o continente parece cada vez mais uma grande cidade que avança morro acima, e menos uma ilha ambientalmente protegida. Essa área urbanizada fica na porção oeste, concentrada no entorno da balsa que faz a ligação regular com o continente. Na alta temporada, o horário das 10 da manhã é movimentado por aqui. É quando partem, das pousadas e agências de turismo, os passeios de um dia para a Baía de Castelhanos. Frederico Guidorizzi/TBC de Castelhanos – Ilha Bela/SP

Rede de pesca. Ilhabela, SP


PRAIA DE CASTELHANOS

11

Frederico Guidorizzi/TBC de Castelhanos – Ilha Bela/SP

A Estrada Parque de Castelhanos sobe e desce pelas colinas do centro da ilha ao longo de 17 quilômetros, fazendo os veículos 4X4 chacoalharem sobre o cascalho, com paradas para observar cachoeiras e o ponto mais alto do percurso, a 650 metros de altitude. É como um rali pela Mata Atlântica que dura pelo menos uma hora. E que transporta os visitantes para uma Ilhabela que ainda resiste, verde e com um estilo de vida baseado em pesca artesanal e uso comunitário da terra voltado à subsistência. A ocupação da Baía de Castelhanos começou no século 19 como um entreposto de desembarque de pessoas negras sequestradas no continente africano e traficadas para escravização no Brasil. Esse uso foi especialmente importante quando o tráfico marítimo foi proibido, em 1831, mas não interrompido — continuou a ser tolerado, infelizmente. Na década de 1920, imigrantes japoneses introduziram a técnica da pesca de cerco no litoral brasileiro, tendo Castelhanos como ponto inicial dessa prática.

Artesanatos produzidos localmente, expostos para venda. Ilhabela, SP


LITORAL NORTE PAULISTA E VALE DO PARAÍBA

Pedro Meloni Nassar/ TBC de Castelhanos - Ilha Bela/SP

12 PRAIA DE CASTELHANOS

Rede de pesca sendo recolhida pelo pescador Arlindo. Ilhabela, SP

“Antigamente a gente vivia da lavoura. Aí veio o parque, proibiu a roça, e nós fomos para a pesca. Então proibiram o arrasto também” Irineu de Sousa Lúcio

Irineu de Sousa Lúcio representa a quarta geração de sua família na Baía de Castelhanos. “Meu bisavô, meu avô, meu pai são daqui.” Como em muitas outras áreas ocupadas por populações tradicionais país afora, a criação do Parque Estadual da Ilhabela, na década de 1970, proibiu uma série de usos ancestrais da terra, como as roças de subsistência. “Antigamente a gente vivia da lavoura. Aí veio o parque, proibiu a roça, e nós fomos para a pesca. Então proibiram o arrasto também”, conta Irineu, que integra a Associação Castelhanos Vive. Ele prossegue: depois, foi liberada a “rede boiada”, uma técnica de pesca superficial com redes de malha 11 — quanto maior a numeração, maiores as aberturas da trama da rede e maiores, portanto, os peixes capturados. A malha 6 é a que pesca camarão, o que está proibido. O movimento instável das leis impõe uma permanente situação de insegurança aos caiçaras que, afinal, vivem em terras públicas, sem titulação.


PRAIA DE CASTELHANOS

“Castelhanos é a cereja do bolo em Ilhabela”, diz Angélica dos Santos. “E por isso a gente tem medo de vir gente grande para cá e acabar com o nosso sossego.” Não se trata de medo infundado. Nos anos recentes, a imprensa da região noticiou fartamente a pretensão de uma das famílias influentes da ilha em construir um resort em Castelhanos. Essa pressão intensificou ainda mais os conflitos — e, como estratégia para garantir a posse da população caiçara e a continuidade de seus modos de vida, no fim de 2020 foi assinado o decreto que criou a Reserva Extrativista da Baía de Castelhanos.

13

“Castelhanos é a cereja do bolo em Ilhabela [...] E por isso a gente tem medo de vir gente grande para cá e acabar com o nosso sossego.” Angélica dos Santos

Pesca de cerco. Ilhabela, SP

Thalita Tomazetti/TBC de Castelhanos – Ilha Bela/SP


14 PRAIA DE CASTELHANOS

LITORAL NORTE PAULISTA E VALE DO PARAÍBA

Fundo da praia

As paredes de pedra, cal e óleo de baleia também contam histórias do fim do século 19, quando em Castelhanos se produzia cachaça a partir de mão-de-obra escravizada. Este era o Engenho Velho, desativado no começo do século 20. O Engenho do Reale, construído de tijolos de barro, durou até meados do século 20. Arruinadas, as duas construções contam a história da primeira atividade efetivamente econômica na Baía. Junto com elas, o antigo cemitério compõe o Roteiro Histórico, um dos passeios operados no programa de turismo comunitário. Contar sua história, mostrar porque têm direito ao território e distribuir a renda de forma mais igualitária são objetivos do turismo impulsionado pela Associação Castelhanos Vive. São cerca de 25 pessoas envolvidas nas atividades, entre barqueiros, guias de trilha, oficineiros, cozinheiros, donos de quartos


PRAIA DE CASTELHANOS

15

Daniela Garbiatti/TBC de Castelhanos - Ilha Bela/SP

para hospedagem e campings. Diferentemente dos turistas de um dia, que ficam concentrados em um pequeno trecho do Canto da Lagoa, a estrutura e as visitações se espalham pelas vilazinhas das seis comunidades que vivem na Baía de Castelhanos. Do sul para o norte, são elas: Saco do Sombrio, Praia da Figueira, Praia Vermelha, Praia Mansa, Canto da Lagoa e Canto do Ribeirão. Estas duas últimas ficam na faixa mais extensa, a Praia de Castelhanos, sendo que o Canto do Ribeirão, de onde parte a trilha para a praia e a Cachoeira do Gato, é o trecho que os caiçaras chamam de “fundo da praia”. “No turismo de massa, os visitantes não vão até o fundo da praia, e a maioria dos jipeiros indica poucos estabelecimentos comerciais concentrados no Canto da Lagoa”, diz Irineu. A Associação já conseguiu avanços. A construção de um estacionamento no fim da Estrada Parque é

Praia de Castelhanos, Canto da Lagoa. Ilhabela, SP


16 PRAIA DE CASTELHANOS

LITORAL NORTE PAULISTA E VALE DO PARAÍBA

Frederico Guidorizzi/ TBC de Castelhanos – Ilha Bela/SP

um deles, bastante significativo. O espaço é operado pelos caiçaras. Tem vagas para cerca de 120 veículos, entre jipes e particulares, e fica antes do rio que abastece as comunidades de água potável e que, antes, estava sujeito à poluição pela passagem dos carros por dentro do leito. O estacionamento também serve de ponto de encontro de onde partem grupos guiados pelas trilhas na mata. Tem, ainda, loja de artesanato, onde os moradores de Castelhanos expõem peças de deco-

Loja de artesanato. Ilhabela, SP


PRAIA DE CASTELHANOS

“No turismo de massa, os visitantes não vão até o fundo da praia, e a maioria dos jipeiros indica poucos estabelecimentos comerciais concentrados no Canto da Lagoa” Irineu de Sousa Lúcio

Felipe Leal / ISA

ração e utilitárias feitas de madeira reaproveitada, como remos, chaveiros, colheres de pau, pássaros esculpidos, abajures de folhas de coqueiro e canoas em miniatura para decoração. As canoas feitas de tronco de árvores são importantes na história local. Pouco a pouco, foram deixando de ser usadas no cotidiano caiçara devido à proibição do corte de árvores. Foram substituídas por barcos com motor, mas ainda servem de transporte nos passeios do turismo comunitário.

17


18 PRAIA DE CASTELHANOS

LITORAL NORTE PAULISTA E VALE DO PARAÍBA

Do mar e da floresta

Paula Carolina Pereira/ TBC de Castelhanos - Ilha Bela/SP

Bolinhos fritos de fruta pão e caldinho de mandioca, servidos ao visitante. Ilhabela, SP

O cerco é uma técnica de pesca de nome autoexplicativo. Consiste nisso mesmo: capturar os peixes cercando-os com uma rede própria. Na Baía de Castelhanos, desde que foi introduzida por imigrantes japoneses, um século atrás, foi incorporada ao repertório caiçara. A visita ao cerco é uma das experiências oferecidas no turismo de base comunitária - também é possível participar de oficinas de confecção de redes. Dependendo da distância de onde os pescadores estão, o visitante pode até lá ir remando uma canoa de madeira.


PRAIA DE CASTELHANOS

19

Salga Filmes/ TBC de Castelhanos - Ilha Bela/SP

Lambe-lambe de marisco (arroz com mexilhão). Ilhabela, SP

Tão natural à identidade caiçara quanto a pesca é a agrofloresta. Esse tipo de cultivo é saber ancestral, importante para o equilíbrio ambiental e social. A banana cultivada em pequenos espaços no meio da mata tornou-se importante para a economia de Castelhanos a partir da década de 1950. Os dois universos, mar e floresta, se encontram no prato. A mais típica das receitas caiçaras, o azul marinho, é feito de pedaços de peixe e banana verde em um cozido caudaloso. Aqui, leva também coentro, conta Angélica dos Santos, que é uma das cozinheiras dos roteiros de base comunitária. A fartura gastronômica na Baía de Castelhanos foi reunida no livro Culinária Caiçara, reeditado em 2020 pelo Instituto Ilhabela Sustentável. Estão lá a lula recheada com taioba, o bolinho de fruta-pão com peixe seco, o refogado de mamão verde, o marisco lambe-lambe. E outras receitas. Dá para saborear esses pratos num bate-volta de um dia a partir do centro de Ilhabela, sim. Mas, ao pernoitar numa casa local, acordar antes do sol para curtir o mar, que é mais calmo pela manhã, tomar café com mandioca e batata doce cozidas, caminhar respirando o ar puro da mata, o visitante compartilha um pouco da vida caiçara. E ainda contribui para que essa vida continue existindo.

Acesse aqui uma dissertação de mestrado da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, de autoria de Daniella de Souza Marcondes, sobre os conflitos decorrentes do veraneio e do turismo no território tradicional caiçara na Praia de Castelhanos.

Acesse aqui a tese de Paulo Noffs, defendida no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.


MINAS GERAIS SP

33

0

CAMPINAS

SÃO JOS DOS CAMP

FRANCO DA ROCHA

SP 300

SP

28

Institutos H&H Fauser e Chão Caipira

0

SP 2 70

SÃO PAULO SANTOS CUBATÃO BERTIOGA

SP

05

5


TAUBATÉ

SÉ POS

BR

11

6

RIO DE JANEIRO PARAIBUNA

BR

09

UBATUBA

9

BR

10

1

Quilombo e Comunidade Caiçara da Fazenda Picinguaba

Baía de Castelhanos

Oceano Atlântico

Comunidades retratadas Águas Áreas de Proteção Ambiental Municípios em destaque Rodovias


PRAIA DE CASTELHANOS @turismocastelhanos @turismocastelhanos Informações sobre agendamento de visitas e roteiros disponíveis em — Tel: (12) 99756-0240, falar com Angélica dos Santos. Email: contato@castelhanos.org castelhanos.org


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.