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PARÁBOLAS DO BRASIL

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Muros e pontes

Muros e pontes

Em cartaz no Sesc Pompeia, exposição propõe debate sobre a ideia de “país do futuro” e a exclusão de indígenas e afrobrasileiros da arte moderna

POR LUNA D’ALAMA

Parábola é uma palavra com múltiplos significados, que podem vir das ciências exatas ou das humanas. No primeiro caso, descreve uma trajetória geométrica de ascensão e queda. No segundo, consiste numa narrativa alegórica que transmite uma mensagem moral ou religiosa. Quando se revê a história do Brasil sob um viés crítico, essas duas interpretações do termo parábola podem ser consideradas. Ao se pensar em quais narrativas construíram as noções identitárias de “país do futuro”, vê-se desenhado o movimento descendente que representou, por exemplo, a exclusão, durante séculos, dos indígenas e afro-brasileiros da cultura hegemônica. Deste modo, a ausência dessas múltiplas vozes pode ser compreendida como o ponto baixo dessa parábola.

A celebração do bicentenário da Independência, em 2022, trouxe para o tempo presente a reflexão e a oportunidade de revisitar o passado, possibilitando o protagonismo de narrativas historicamente apagadas e, assim, redesenhando essa parábola numa curvatura ascendente. Esse debate que permeia a sociedade em diversas frentes do pensamento também inspira os artistas, que levam para a subjetividade os questionamentos sobre a construção da própria identidade e do projeto de nação. “No contexto dos 200 anos da Independência, buscamos olhar criticamente para a construção do Brasil a partir da lente do conflito e de narrativas contra-hegemônicas, das lutas de diversos grupos e das formas que eles encontraram para resistir e construir comunidades frente a um processo violento de modernização, cujos fantasmas ainda assombram o presente”, explica Yudi Rafael, mestre em culturas latino-americanas e ibéricas. Para ele, a pluralidade de agentes e linguagens reflete a própria pluralidade brasileira. “A diversidade de vozes desafia lugares-comuns das narrativas nacionais, a partir de perspectivas muitas vezes invisibilizadas ou apagadas do debate em torno da arte e de seu cânone.”

Em cartaz no Sesc Pompeia até início de abril, a exposição A Parábola do Progresso revisita e ressignifica dilemas do presente, memórias e processos de desenvolvimento, para que se possa construir um outro futuro, uma outra realidade e uma outra cidadania, com experiências mais enraizadas na terra e nos saberes ancestrais. “A exposição interroga a noção de progresso, termo que integra o lema positivista da bandeira nacional e se encontra também subjacente ao conceito de modernismo”, afirma Yudi Rafael, que assina a curadoria adjunta ao lado de André Pitol, sob coordenação curatorial da jornalista e crítica de arte Lisette Lagnado.

Com participação de quase cem artistas modernos e contemporâneos, a exposição é composta por mais de 600 obras organizadas num espaço que representa cinco territórios dialógicos: Acervo da Laje (Salvador - BA), Aldeia Kalipety (São Paulo - SP), Casa do Povo (São Paulo - SP), Quilombo Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim - MA) e SAVVY Contemporary – The Laboratory of Form-Ideias (Berlim - Alemanha).

A mostra propõe ao visitante estabelecer seu próprio percurso numa dinâmica de deslocamento circular que funciona em ambos os sentidos, e pode ser vista a partir de qualquer ponto. “A unidade do Sesc Pompeia é considerada o sexto território, aquele que convida os outros cinco a habitarem o mesmo espaço e a dividir o que os aproxima ou diferencia”, diz o curador adjunto André Pitol. São iniciativas sociais inspiradoras que têm em comum a articulação de práticas e produções culturais numa perspectiva de cuidado, sensibilização e convivência. “Procuramos iluminar contradições que ainda persistem por meio de narrativas hegemônicas, possibilitando vislumbrar a construção de outra história que deixe entrever apagamentos e elementos ignorados”, completa Monica Carnieto, gerente do Sesc Pompeia.

POMPEIA

A Parábola do Progresso

Curadoria: Lisette Lagnado (geral), André Pitol e Yudi Rafael (adjunta)

Até 2/4. Terça a sábado, das 10h às 21h. Domingos e feriados, das 10h às 18h. GRÁTIS. sescsp.org.br/parabola-do-progresso

Cabeça, corpus e membros (2022), de Rosangela Rennó: instalação com textos, duas pinturas e quatro objetos do acervo do Museu Penitenciário Paulista (MPP) e quatro impressões digitais da série Cicatriz (1996-1998), realizadas a partir de negativos fotográficos do MPP: todas as impressões são cópias de exibição.

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