INÉDITOS
IEDA MAGRI
Vida e amores da senhorita X
Ilustrações: Luyse Costa
Era uma mocinha ainda — demos-lhe 17 aninhos — e recém-saída do colégio interno. Tinha aprendido que todo mundo é bom até que prove o contrário. E era um final de tarde ensolarado, numa cidade do interior. A mocinha, a senhorita X, abre a porta da frente da casa onde vivia como uma espécie de preceptora dos anos 2000, ou seja, uma simples professora de um garoto de 10 anos, de nome Matheus. Abre a porta da casa a um rapaz jovem, mas careca, ele é meio esquisito. Digamos que a impressão que a senhorita X experimentou foi como se um sol estivesse na porta, um sol irresistível, de praia; mas um sol de praia misterioso porque não deixava perceber onde estava a beleza meio esfuziante. Não dava pra saber se era muito jovem ou um pouco velho nem se era uma pessoa bonita que já tinha sido muito bonita. O engraçado é que ele era meio encantador e a senhorita X estava pensando nisso, parada na porta enquanto ele falava qualquer coisa e entregava um papel. Ao mesmo tempo, ele parecia dizer: Olha, não posso ficar longe de você nem um instante mais. No dia seguinte o rapaz meio careca, meio jovem e muito bonito pôde entrar na casa e, ato contínuo, os dois estavam sobre a mesa do escritório. As canetas e os papéis todos no chão, a senhorita X com a saia levantada e o rosto ligeiramente virado para a janela da direita, por onde entravam as últimas réstias de sol. Matheus tinha aula de português e de matemática. Uma criança meio infeliz com a escola. A senhorita X tinha sido monitora da sua turma quando terminava o curso de Magistério. A senhorita X queria ser uma professora séria, de saias abaixo do joelho, paletó, de preferência tudo na cor azul, a cor da seriedade, e se via andando pelos corredores do colégio enorme com uma pasta executiva e saltos altos. Mas na casa do pai do Matheus, onde ela tinha um quartinho só para si, ela andava de sandálias e de saias curtas, como a menina que ainda era. A senhorita X adorava ler as histórias infantis do Matheus, estudar com o Matheus, comer o cereal do Matheus e tomar banho de horas quando não estava lendo, estudando ou comendo com o Matheus. Numa noite acordou com o pai do Matheus em cima dela. Foi um choro alto e um não, não, não. Por sorte o pai do Matheus saiu de cima dela e pediu desculpas enquanto ela cuspia o beijo. Ela só pensava na mesa e no rapaz meio velho e muito bonito mesmo que careca. E nos estudos do Matheus. Depois a senhorita X começou a trabalhar no restaurante do pai do Matheus que funcionava no andar de cima. A casa tinha vários andares. Um deles, inclusive, era uma boate. E com o tempo, a senhorita X passou a se dividir em muitas tarefas: os estudos do Matheus, os beijos e tudo mais sobre a mesa do escritório com o rapaz meio jovem e muito bonito, o trabalho de servir as mesas do restaurante e, depois que o restaurante fechava, o trabalho de lavar copos na choperia, e depois o trabalho no bar da boate.
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