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Bartolomeu Campos de Queirós

Indez NOVELA

[ilustrações fragmentos de óleo de Márcio Sampaio, trabalhados por Paulo B. Vaz / Marco Severo]

Coleção literatura em minha casa

Volume 3

Biblioteca da Escola FNDE Ministério da Educação

1 a edição - Belo Horizonte - 2002


Literatura em minha casa • Novela brasileira - Vol. 3 Indez Copyright © 2002 do Autor Editor: Bartolomeu Campos de Queirós Coordenação editorial: Terezinha Alvarenga Rafael Borges Andrade Produção Editorial: José Luiz Domingos Projeto gráfico e editoração: Paulo Bernardo Vaz / Marco Severo Ilustrações: Paulo B. Vaz / Marco Severo, sobre óleo de Márcio Sampaio Revisão: Reler - Serviços Editoriais Ltda Fotolito: Multicromo Impressão e acabamento: Gráfica Editora Posigraf S.A. Conselho editorial: Terezinha Alvarenga Bartolomeu Campos de Queirós

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Queirós, Bartolomeu Campos de Indez / Bartolomeu Campos de Queirós; ilustrações de Márcio Sampaio, Paulo B. Vaz, Marco Severo. - Belo Horizonte: Miguilim, 2002. 80p.: il.; 21cm - (Literatura em minha casa - Novela; v.3) ISBN: 85-7442-081-6 1. Literatura infanto-juvenil. I. Sampaio, Márcio. II. Vaz, Paulo B. III. Severo, Marco. IV. Título. V. Série. CDD: 808.899282 CATALOGAÇÃO NA FONTE DO DEPARTAMENTO NACIONAL DO LIVRO

Proibida a reprodução total ou parcial. Todos os direitos reservados à EDITORA MIGUILIM LTDA Av. Bernardo Monteiro, 52 - Floresta BH - MG - Cep: 30150-280 Telefax: (31)3222-3397 e-mail: miguilim@brhs.com.br www.editoramiguilim.com.br

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Sumรกrio

Prefรกcio Sobre o autor Louvor da manhรฃ A forรงa da hora nona Plenitude do meio-dia As horas completas Glossรกrio

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Prefácio

Escrevi o livro Indez pensando em vocês, jovens leitores. Nasci no interior de Minas Gerais, numa cidade pequena e tranqüila. Eram três ruas— a de cima, a do meio, a de baixo— com uma igreja, uma escola e o cemitério. As ruas eram também o nosso quintal. Cresci com os cuidados da família, ajudada pelas rezas, benzedeiras, simpatias e chás. Para todo problema havia uma solução encontrada na natureza, na cultura, na religião. Indez tem a proposta de não deixar esquecido um tempo em que todos viviam sem medos, com as portas abertas, dia e noite, abertas para o lá fora. O mundo era feito de festas de aniversários, casamentos, batizados, bodas. E a escola aumentava o tamanho do mundo

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e criava em nós o desejo de viagens, descobertas e de conhecer o sonhado. Pensando nessa maneira simples, em que todos os meninos do meu tempo eram criados, busquei construir esta novela. Menor que o romance e maior que o conto, mas do tamanho exato para conter minhas lembranças. Indez tem como personagem central o Antônio, cercado pelos pais, irmãos, padrinhos, avós e mais os hábitos e costumes vividos pelos moradores da cidade. Todos repartiam tudo com a comunidade: as histórias, as aflições, as alegrias. Procurei construir uma obra sem idade. Tanto pode ser lida pelos mais jovens como pelos pais, avós e todas as pessoas que gostam de ler. Os adultos saberão, por certo, outros “remédios” para fazer menino


crescer, falar, andar; “remédios” para vencer doenças de infância: catapora, sarampo, varicela, coqueluche. Por ser assim, penso ser bom ler este livro ao lado de outras pessoas, aproximando a curisodade dos jovens com o já vivido pelos adultos. É como somar passado e futuro. Um livro pode ser lido de diferentes maneiras: a sós com o silêncio, junto com os amigos, nas salas de aula ou nas bibliotecas que estão sendo organizadas em suas casas. Experimente pedir a um adulto para ler para você ouvir. É surpreendente. O livro aproxima as pessoas e nos faz acreditar que a Paz é possível. Bartolomeu Queirós.

SOBRE O AUTOR Bartolomeu Campos de Queirós nasceu no interior de Minas e vive em Belo Horizonte. Seu primeiro livro, O Peixe e Pássaro, foi publicado em 1971. Depois vieram Pedro, Onde tem Bruxa Tem Fada, Faca Afiada, Ciganos, Flora, Indez, Correspondência, Cavaleiros das Sete Luas, Por Parte de Pai, entre outros. Por seu trabalho literário, obras traduzidas e peças teatrais, recebeu muitos prêmios: Selo de Ouro da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), Bienal Internacional de São Paulo, o Melhor Para Jovem, Prêmio Jabuti, Grande Prêmio da APCA, Prêmio Orígenes Lessa – FNLIJ, Diploma de Honra do IBBY, Quatrième Octogonal-França, Rosa Blanca de Cuba. A crítica tem apontado a obra de Bartolomeu Campos de Queirós como uma das mais importantes na atual produção literária para crianças e jovens. Seu trabalho tem sido objeto de teses em diversas universidades do País. Prefácio

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Louvor da manhã A primavera, o verão, o outono e o inverno eram nomes que se misturavam com outros reinos. A gente só conhecia a estação das águas e a estação da seca. Era lugar onde o ano estava dividido em sol e chuva, entremeado com o casamento da viúva – sol e chuva ao mesmo tempo – enfeitado de arco-íris. No tempo das águas, eram as enchentes com o gado subindo para o cume da serra, correndo da morte. Eram os raios, chicote de São Pedro, que riscavam os céus – escuras nuvens – acompanhados de trovões que amedrontavam até os animais de terreiro. Eram os pedacinhos de sabão, do perfumado, colocados na beira do telhado com um pedido: “Santa Clara, mande o sol para enxugar nosso lençol”. E as chuvas prometiam farturas. Com a estação da seca vinham os banhos nos rios depois de engolir piabas vivas, para aprender a nadar, pescadas em peneiras. Tempo de fogueiras para os santos de junho – Santo Antônio, São João, São Pedro. Depois os ventos de agosto, despaginando as nuvens, contavam longas histórias de monstros vestidos de algodão, entre pipas. Tempo ainda de passeios mato adentro com o coração rezando: “São Bento, água Louvor da manhã

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benta, Jesus Cristo do altar. Arreda cobra, arreda bicho, deixa o filho de Deus passar”. E na boca da noite a roda rodava no quintal, cheia de cantiga: “Se esta rua fosse minha, roda pião, capelinha de melão, eu mandava ladrilhar, bambeia pião, que o pai Francisco entrou na roda, roda pião, e eu sou pobre, pobre, pobre, na palma da minha mão, roda pião”. A infância brincava de boca de forno, chicotinhoqueimado, passar anel, ou corria da cabra-cega. Nossos pais, nessa hora preguiçosa, liam o destino do tempo escrito no movimento das estrelas, na cor das nuvens, no tamanho da Lua, na direção dos ventos. O mundo não estava dividido em dois, um para as pessoas grandes, outro para os miúdos. As emoções eram de todos. Todos ficavam felizes na festa de casamento, nos bailes juninos, nos almoços de batizados. Todos viviam da mesma tristeza, nas quaresmas, e da mesma angústia pelas estiagens que matavam as plantações. E, quando se começava a engordar galinhas, era um aviso de que um novo irmão estava para chegar. E nascia recebido pela mesma alegria com que se comiam as asas, as costelas, os pés, os pescoços, sobra de canja coberta de salsa e cheiro que fortificava a mãe de resguardo sobre a cama branca. No dia em que o umbigo da criança caía, a parteira, madrinha de todos os nascimentos, o enterrava

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em lugar escolhido. Se no jardim com flores, a menina seria bela e boa jardineira; se na horta, o menino seria lavrador e, se no curral, boiadeiro. O destino era assim escolhido sem outros inúteis anseios. Assim sendo, nascer era tão bonito que acreditar em outra vida era coisa muito simples.

Foi na estação das águas que Antônio chegou. Dizem que nasceu antes do tempo. Pediram galinhas gordas emprestadas aos vizinhos. Secaram suas roupas no canto do fogão. Jogaram seu umbigo na correnteza. Nasceu tão fraco que recebeu o batismo em casa, na correria, sem festas. Para padrinhos, escolheram casal de amigos bem próximos, com muitas desculpas. A morte sem batismo condenaria o menino, mesmo inocente, a viver eternamente no limbo, lugar sem luz. Enrolado em mantas de franjas bordadas com muitos pontos e cores, todos desejavam ver aquele menino – fruto temporão – dormindo no canto do catre da mãe. Mas Antônio, como se ainda submerso num mundo anterior ao nosso, desconhecia as visitas. Dava poucos sinais de interesse pela vida em que já estávamos. Era um resmungo, um franzir de testa, uma espreguiçada lenta, olhos apertados com medo da dor causada pelo claro cá de fora. Louvor da manhã

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Entre febres e defluxos, ungüentos e cataplasmas, Antônio assim começava a estar no mundo, amado pelos irmãos, pelos amigos da família e pelos parentes mais distantes. Também pudera, quem não ia gostar de um menino nascido de improviso, sem respeitar o calendário? Trabalho – desde sempre – o Antônio dava. Era preciso atravessar longas distâncias para buscar o leite forte das cabras em retiros; protegê-lo contra as correntes de ar e sereno; banhá-lo em água morna de malva sem esquecer os chás de funcho, poejo, erva-doce, macela. E, se resmungava com mais freqüência, vinha Dona Luzia com um raminho de arruda benzê-lo, ora de vento-virado, ora quebranto ou mau-olhado. E todos os santos protetores das crianças eram chamados em seu auxílio: Santa Terezinha do Menino Jesus, São Tarcísio, São Domingos Sávio. E as rezas se prolongavam em tríduos, novenas, trezenas, em companhia dos vizinhos. Antônio não era feio nem bonito. Falavam que era a cara do pai quando mais jovem. Outros viam o nariz da mãe, mais o queixo do avô. Outros diziam que parecia um anjo – benza Deus! – só faltando as asas. Mas de diferente ele tinha era um redemoinho bem no alto da testa, perto da moleira, e que fazia ficar em pé seus poucos cabelos finos. E, com os cabelos assim espetados, os olhos pareciam maiores,

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transformando seu semblante em sol assustado, agora acostumado com a luz. Como todas as crianças, ele teve como passatempo provar o gosto dos pés na boca, olhar as mãos no ar e, por longo tempo, morder as grades do berço. Para que não chorasse, a mãe enrolava lasquinhas de rapadura em retalho de pano alvejado. Ele chupava aquela trouxinha com cara de quem estava adoçando a vida. E, como não há nada melhor do que um dia depois do outro, Antônio ia ficando cada dia mais aprumado.

Era uma casa feita em adobe, cheia de portas e janelas que se abriam para um grande curral, com sombra e os verdes de vários tons. Caiada em branco, ela acolhia o vento, o sol, a lua, a família. Na sala de visita, sob a proteção do Coração de Jesus e de Maria, balançavam outros redondos retratos de antepassados: o avô de óculos e bengala, a bisavó entre flores, o pai ainda moço com bigode e gravata-borboleta, que os meninos aprenderam a chamar de “gravoleta borbotinha”. De tábuas corridas, o chão tinha a idade da casa, com remendos feitos em madeira de outras cores ou de pedaços de latas de marmelada Colombo. Vários quartos, com camas cobertas por colchas de tear, Louvor da manhã

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abriam suas portas para o corredor, onde voavam andorinhas de louça pela parede. Na sala de dentro, mesa grande com cadeiras de palhinha. Num canto, a cristaleira com brilhos de copos, cálices, licoreiras de vidro. Do outro lado ficava o filtro de barro suando água fresca buscada na mina. Água misteriosa brotando entre pedras e raízes… Desta sala avistava-se a cozinha com o fogão de lenha e mais prateleiras, enfeitadas com jornal repicado, onde potes e latas areadas guardavam doces e suspiros. A casa pertencia à paisagem. Parecia nascida ali entre mangueiras e o córrego cantando no quintal, molhando pés de jabuticabas. A horta e o jardim eram juntos. Muitas vezes, pétalas de rosa dormiam sobre folhas de alface. Outras vezes, morangos se entrelaçavam às pencas de tomates, vermelhos e azedos. Os mamões eram divididos com os pássaros, que não pediam licença. Justo trato com aqueles que avisavam a passagem do tempo com cantos e trinados. E nada crescia fora do lugar. Mesmo as tiriricas brotavam entremeando de vida as pedras do alicerce da casa. Pedras antigas, vestidas de musgos – veludo útil para os carneirinhos no presépio de Natal. As roupas estendidas no varal indicavam a direção dos ventos e escreviam cores no campo verde que se espichava até tocar o céu.

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Assim vivia a família de Antônio. Escolheram estar ali, nesse pedaço de mundo aberto, recebendo recados da vida pela natureza. Aprendendo com as estações, as mudanças, as perdas, os enxertos. Assistiam às florações, podavam as árvores em luas certas e falavam pouco de outras felicidades.

Em março a estação das águas se despedia com as enchentes de São José, invadindo plantações e matando reses. Abril chegava, tingindo o céu de azul, de ponta a ponta. As madrugadas aconteciam mais transparentes. O sol, seguindo o desenho das telhas, bordava sinhaninhas no interior da casa. Em meados de abril, Antônio pegou coqueluche. A tosse veio, foi aumentando. O menino perdia o fôlego, engasgava, chegava a ficar roxo. Logo agora – lamentava a mãe – que ele ganhou um pouco mais de peso, vem mais este sofrimento. Se a doença preocupava os pais, não menos os irmãos, que já imaginavam Antônio nas brincadeiras. Como dever, a mãe se levantava bem cedo, quando o sol já ameaçava sair. Com Antônio nos braços, ela passeava entre o cheiro que exalava do curral – remédio recomendado para curar a tosse comprida. Os irmãos acompanhavam aquele passeio. Tentavam ensinar o irmão a respirar, com bastante força, aquele aroma Louvor da manhã

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da roça acordando. As galinhas, rodeadas de pintos, tomavam parte nessa paisagem, cacarejando e ciscando em volta de pequenos insetos. Antes, porém, de o sol esquentar o mundo por demais, a mãe voltava para casa. Deixava Antônio sobre as tábuas do assoalho, lavado com folha de pita. Era hora de afogar o arroz, não sem antes catar os marinheiros e atiçar o fogo para o cozimento do feijão. E o menino, preso no quadrado que o sol traçava no assoalho, passando pela janela, ficava horas a fio acompanhando o caminho das formigas ou o vôo dos pássaros no azul lá de fora. Quando a noite chegava, o pai mergulhava uma ferradura de cavalo nas brasas do fogão. Vermelha, em fogo, ela era jogada rápido numa vasilha de leite. A mãe, paciente, dava a Antônio para beber pequenos goles daquele leite ferroso, com a esperança de abrandar a tosse. Depois as lamparinas eram apagadas com sopros e dedos úmidos de cuspe. O cheiro do querosene penetrava por entre as telhas até as estrelas. O único barulho passava a ser o das palhas dos colchões. Cada um, por si, procurava melhor se acomodar para acolher os sonhos. E o silêncio, vestido de escuro, tomava conta do mundo. Somente algum pio de pássaro conseguia cortá-lo, mas raramente. A madrugada, ao anunciar o outro dia, chegava

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entre canto de galo e mugido de gado. A mãe, já na cozinha, preparava o bolo de fubá, assado em panela com tampa em brasas. O cheiro permeava toda a casa e apressava os meninos, que imaginavam pedaços de queijo derretido entre as fatias. O pai, nessa hora, já havia partido pelos campos e estradas, carregando leite, carvão, ou transportando a lenha. Dessa maneira, a vida ia ficando antiga sem ninguém se dar conta.

A coqueluche passou. Antônio já não tossia nem passeava pelas manhãs, no curral. Continuava, sim, protegido por camisas de flanelas estampadas de azul, com ingênuos raminhos de flores e caras de palhaços. Mas, de repente, ele apareceu com febre muito alta, sempre medida pelas costas das mãos colocadas sobre sua testa. Ajudada pelas vizinhas, a mãe mergulhava o menino, seguidamente, em bacia com água bem esperta, embrulhando-o em grossos cobertores, para abaixar a febre. Ninguém sabia a causa, então suspeitavam tudo. A tristeza passou a rondar a casa e se mostrava até no olhar dos irmãos. O pai ficava por ali, no quintal, para alguma emergência, sem trabalhar no campo. Louvor da manhã

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Depois de uns três dias, o menino já muito prostrado, tudo clareou. Antônio magro, pernas e braços finos, como por encanto virou um galho de jabuticabeira, só que coberto de catapora das pequenas, por todo o corpo. Os outros, sem poder chegar perto, espiavam de longe o irmão impaciente com tanta coceira. Foi nessa ocasião que a madrinha falou pela primeira vez: “Se tivessem dado um chá de sabugueiro, essa doença teria rompido mais depressa”. Mas Antônio venceu. Dias depois, já estava outra vez manso como árvore depois dos frutos: clara e pronta para nova floração. Com jeito de herói, o pai chegou uma tarde, trazendo vivo, dentro de um saco, um tatu. A mãe areou a bacia de alumínio até ficar de prata. O marido com a faca afiada sangrou o animal. O sangue caía grosso dentro da bacia. Enquanto ainda quente o sangue, Antônio foi colocado pelado lá dentro. E as mãos da mãe espalhavam o sangue por todo o seu corpo. Agindo assim, ela dizia: – Você nunca mais terá doença de pele. Crescerá sempre limpo, sem furúnculos, varicela, sarampo, rubéola. Os irmãos, atentos a tudo, aprendiam a lei das coisas. O pai e a mãe eram a primeira escola. Eles sabiam lições que foram lidas ou escutadas de pessoas muito sábias, que viviam em reinos de primavera.

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Mas as doenças são mesmo coisas de menino procurando jeito para ficar no mundo. Quando não são as dores de barriga, são as de ouvido, os resfriados ameaçando pneumonia. Se Antônio merecia atenção maior, era por causa do tempo. Enquanto todos pensavam que ele ficaria mais dois meses no escuro da noite da mãe, sem mais nem menos pulou para a vida. E, se assustou a todos, seu susto deve ter sido maior ao encontrar todos assustados. Sua timidez deve ter nascido aí. Afinal de contas, ele não pediu licença e entrou desarrumando tudo. A primeira frase que ouviu deve ter sido: “Achei que ele não ia escapar, mas acabou escapando. Esse menino vive é de teimoso”.

O tempo trouxe o dia do primeiro aniversário do Antônio. A chuva fina eram grãos que o céu semeava, com barulho, sobre o telhado. Entre canteiros, com sombrinha estampada, a mãe recolhia flores para as jarras da casa: copos-de-leite, crisandálias, beijos, rosas-de-cacho. Nas mesas as toalhas, engomadas com polvilho e bordadas em ponto de cruz, ponto cheio ou bicos de crochê, avisavam que teriam convidados. Os avós chegaram de véspera e ajudavam na arrumação da casa. A avó, esticando os lençóis, fazia borboletas com os cobertores nos pés de cada cama. Louvor da manhã

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Borboletas tecidas com algodão colhido e cardado em casa, vermelho de urucum. O avô, com Antônio sobre seus joelhos, contava pequenas histórias: – “Cadê o toucinho que estava aqui? O gato comeu. Cadê o gato…”, que, se não entendidas pelo neto, eram lidas pelos abraços e risos trocados entre o menino e o avô. Na despensa, tantas bandejas cobertas de cajuzinhos, amores-em-pedaço, casadinhos, canudinhos e doces-de-leite. Estes eram coloridos com vários tons de anilina e cortados em quadrados, retângulos, losangos. Doces com raiz de mamoeiro lembravam cocadas. As fruteiras estavam cheias de balas enroladas em papel de seda, repicado e anelado nas pontas pelo corte da tesoura, sobre a perna. À tarde, a família, de banho tomado e com roupas de festa, sorria para os vizinhos e parentes que chegavam. E com eles vinham os presentes para Antônio: corte de cambraia, meias de seda, caixinhas de sabonete, latas de talco, medalhinhas. Os pratos de doce rodavam na sala pelas mãos da mãe, que servia também cálices de licor de figo, de pequi, de pitanga, de jabuticaba. Entre um e outro elogio que recebia pelo capricho da festa, a mãe se desculpava, mas dizia que Antônio bem merecia. E os meninos – irmãos, primos e amigos – saboreando copos de groselha, com bocas tingidas já de vermelho, rabiscavam os olhos nos pais, buscando

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autorização para comer mais um doce, tirar mais uma bala da fruteira exposta na mesa bem no centro da sala. O pai orgulhoso, com Antônio nos braços, procurava dar um dedo de prosa para cada convidado. Falava do tempo, das futuras colheitas, do perigo das enchentes e das novas crias, sem esconder sua felicidade, que Antônio também já sentia. Os padrinhos foram os derradeiros a deixar a casa. Debaixo da chuva ainda fina, partiram abençoando o afilhado. Despediram-se dos compadres levando um pratinho, coberto com toalha de renda, cheio de doces sortidos, para continuarem o aniversário no dia seguinte.

A visita dos avós esticava, sempre, os aniversários por outros dias. Eles nunca ficavam pouco tempo. A viagem era longa. Um pedaço do caminho fazia-se por trem de ferro, entre apitos, fumaça e erva-cidreira cheirando à beira dos trilhos. O outro pedaço era de jardineira, com as malas sobre o teto, amarradas com cordas de bacalhau e cobertas por lona. Cada passageiro mastigava seus palitos de fósforo para não enjoar. O avô chegava de guarda-pó sobre o terno preto. A avó, com lenço na cabeça, queixava-se da poeira e da distância. Dizia sempre ser a última viagem. Não tinha mais saúde. Depois de criar 11 filhos, já era tempo de descansar. Louvor da manhã

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Chegavam cheios de notícias de tios, tias, primos, primas, netos e bisnetos. Afinal, a casa do avô, na cidade, passou a ser o lugar de pousada de toda a família. Casa ampla comprada pelo avô com o dinheiro da sorte grande, tirada na loteria. Ele deixou o campo, o cafezal e se instalou na cidade. De terno preto e gravata escura, debruçava na janela, vigiando os passantes daquela Rua da Paciência, desejando a todos um bom dia, uma boa tarde, boa noite. Nunca mais trabalho. Nessa visita prolongada, a avó, assentada no penico sobre a cama, coberto com a saia rodada, contava histórias de mulas-sem-cabeça, almas de outro mundo e lobisomem. Os netos escutavam cheios de medo e mais o desejo de conhecer uma alma penada. As noites ficavam mais curtas com a visita dos avós. Os meninos dormiam mais tarde, depois das histórias, das notícias e do leite com farinha de milho tomado na tigela. Sempre algum menino perguntava se amanhã ia ter mais aniversário ou quantos dias eles ainda iam ficar. O pai entrava na conversa e mandava os meninos deixar os avós sossegados. Então era uma fila de voz dizendo bênção mãe, bênção pai, bênção vó, bênção vô. –“Não se esqueçam do Anjo da Guarda” – dizia a mãe.

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Era silencioso o amor. Podia-se adivinhá-lo no cuidado da mãe enxaguando as roupas nas águas de anil. Era silencioso, mas via-se o amor entre seus dedos cortando a couve, desfolhando repolhos, cristalizando figos, bordando flores de canela sobre o arrozdoce nas tigelas. Lia-se o amor no corpo forte do pai, em seu prazer pelo trabalho, em sua mansidão para com os longos domingos. Era silencioso, mas escutava-se o amor murmurando – noite adentro – no quarto do casal. A casa, sem forro, deixava vazar esse murmúrio com o aroma de fumo e canela, que invadia lençóis e dúvidas, para depois filtrar-se por entre telhas. Experimentava-se o amor quando, assentados ao calor da cozinha, pai e mãe falavam de distâncias, dos avós, das origens, dos namoros, dos casamentos. E, quando o sono chegava, para cada menino em cada tempo, era o amor que carregava cada filho nos braços para a cama, ajeitando o cobertor sob o queixo.

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A força da hora nona Não foi preciso banhar Antônio em água de macaco escaldado para ficar esperto. Dias depois do primeiro aniversário, começou a andar. Engatinhou antes, segurando-se em pernas de mesa e beiradas de cama. Já não ficava preso no quadrado de sol passando pela janela. Corria pela casa, para o pai, quando este chegava do trabalho. Corria para o colo da mãe, quando ela se assentava nos degraus da escada que levava ao quintal. Mas agora o trabalho é dobrado, falava a mãe. Qualquer descuido, estava o menino na chuva, brincando com folhas e gravetos que a enxurrada carregava. Dependurado pelos braços, a mãe trazia Antônio e assentava o menino miúdo na mesa da sala de dentro. Esfregava álcool em seu peito, vestia-lhe roupa seca e lamentava o erro de ter deixado seu umbigo ser lançado em correnteza. A madrinha, mulher atenta, mãe também de muitos filhos, disse um dia que Antônio estava com a fala atrasada. Afinal de contas ele já andava, comia a mesma comida da família, dormia sem precisar de ninguém para chamar seu sono, e não sabia dizer uma só palavra. Era preciso, segundo a madrinha, colher A força da hora nona

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água do sino da igreja, em dia de chuva, e dar ao menino para beber. Era um santo remédio. Acreditava-se que água de sino tinha o poder de ajudar na fala, e com a vantagem de o menino aprender a falar somente em hora certa. E assim fizeram. Antônio não recusou. Bebeu a água do céu, sonora, com o mesmo jeito de quem come pedaços de rapadura. Não se soube se foi a água do sino, a fé por parte da madrinha ou se foi o tempo, mas o certo é que Antônio desandou a falar. E para surpresa de todos, falava sem parar. Não havia hora certa nem nada. Falava de tudo. Falava como as maritacas. Respondia perguntas das mangas transformadas por ele em bichos, conversava com as plantas, falava língua de grilo e das águas. Até em sonho sonhava alto. Novamente veio a madrinha dizer que o afilhado não tinha ouvido treinado. Não escutava nada. Bastava observar. Podiam dizer o que quisessem, que ele só escutava o que queria. O pai já o chamava de tiú, bicho que não escuta. Mas ele falava isso de maneira tão doce que Antônio escutava com carinho, mas continuava indiferente como vaca amuada. E da madrinha, dona de tantas receitas, saiu a recomendação de enfiar dente de alho com azeite quente de mamona dentro dos ouvidos do menino. Mas Antônio, agora com cheiro de arroz afogado, continuava falando e ouvindo apenas barulhos de

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que ele gostava: água, vento, folha, passarinho, silêncio e tempestade.

Se ganhava em idade, Antônio também crescia em amor. Agora com mais de um ano e corpo firme, ele estendia os braços se oferecendo para todos. Não estranhava ninguém. Gostava de cerimônias. Dava a pensar que ele vivia sempre com muita saudade, mesmo dos desconhecidos. Sem quase chorar, acariciando com a pontinha do dedo os olhos, os ouvidos, a boca, o nariz das pessoas que o carregavam, Antônio crescia manso. Aqueles que tinham olhos de ver à primeira vista sentiam que era um menino desarmado e feito só para o carinho. Sua maneira de olhar, seu jeito de se oferecer ou se encostar, seu modo de se aninhar nos braços, davam nas pessoas uma vontade muito forte de fazê-lo sumir entre carinhos. Apertá-lo em abraços e escondê-lo no coração. Parecia um amor de inveja. Todos queriam era ser amados como ele. Mesmo tão carinhoso e de doçura transparente, ninguém se arriscava a chamá-lo de Toninho. Tonho ou outro apelido qualquer. Falavam Antônio, com a boca cheia. Falavam o nome por inteiro, como que preservando tudo que era dele, sem desejo de reparti-lo em pedaços. A força da hora nona

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Se foi nome dado às pressas, com receio do limbo, era em homenagem também a um Santo querido. E esse nome passou a ser o único que servia para aquela meiguice de menino, nascido apressado, adiantado, mas resistente à morte. E ninguém sabia se ele parecia com o Santo ou com o Menino que estava nos braços do Santo. Essa dúvida aproximava Antônio dos anjos.

Se eram frias as noites, os meninos brincavam dentro de casa para não pegar sereno. Pai e mãe se aqueciam no calor da cozinha. Por vezes, o único barulho era o do prato que tampava a fervura do feijão na panela. Dentro do guarda-roupa a mãe escondia uma bolsa de crocodilo, abotoada com um grampo de prata. Dentro da bolsa, entre certidões, registros, retratos e santinhos, havia o olho de vidro verde do avô morto bem antes de Antônio nascer. Os meninos olhavam o olho. Possuídos pelo medo corriam até a cozinha. Deitavam-se no colo da mãe, embaraçavam-se nas pernas do pai. Ficavam com a respiração curta até o medo sumir. Assim, começavam tudo de novo. Pé ante pé, corpo contido, devagarinho. Entravam pelo quarto da mãe, sem o menor ruído. Abriam a bolsa. Tiravam o envelope. O olho

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de vidro verde do avô estava aberto, sem dormir, olhando sem piscar. Os meninos, que procuravam o medo, de novo se amedrontavam. Voltavam correndo para a cozinha, encaroçadinhos de pavor, buscando os braços quentes dos pais. O brincar dos filhos trazia o avô na lembrança da mãe. O pai morto e a mãe viúva. Por vezes ela tentava aliviar o medo dos meninos: “Não vale a pena ter medo dos mortos, é preciso temer os vivos; a alma do seu avô está feliz lá no céu; seu olho não vê, é apenas uma recordação”. Os meninos sabiam pouco da história do avô. Escutavam algumas palavras quando a família se reunia: crime, prisão, ciúme, traição. Mas não restou apenas o olho do avô espiando. Outras lembranças ficaram: a bengala de cabo de prata, o chapéu preto, a gravata, e mais sua vaidade tão presente no corpo da mãe. Antônio imaginava o avô no céu, olhando Deus com um só olho. O outro não dormia nem mesmo dentro da bolsa da mãe.

Antônio passou a desvendar os segredos daquele mundo onde vivia. E tudo construído de tantas surpresas a ponto de não pensar em outros lugares que, por certo, existiam depois das serras, onde só o pensamento tocava. A força da hora nona

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Seus brinquedos, ele mesmo os fazia com frutos e sementes encontrados nos caminhos que levavam ao paiol, ao curral, ao riacho, ao canavial. Outras vezes, observar as mágicas da natureza era um divertimento. Cismava com o trabalho das abelhas, as grandes cargas carregadas pelas formigas. Amava o amor lambido das vacas pelos bezerros, o crescimento das caixas de marimbondo na beira do telhado indicando fortuna, as flores chegarem a frutos, as pedras roladas servindo de colchão macio para o correr das águas. Crescido em idade e ganhando em esperteza, Antônio corria com os irmãos pelos matos, catando boizinhos-de-são-caetano, milho-de-grilo, pitanga, juá-doce, gabiroba, maria-preta. Subia pelas árvores até os galhos mais finos, balançava-se por sobre as tantas porteiras, saltava cercas, com tição e brasa, atrás de vaga-lumes. Outras vezes, assentado na porta da casa, esperava a noite chegar. Assistia à primeira estrela nascer. Se não apontava para ela, evitando verruga nascer na ponta do dedo, seu coração recitava: “primeira estrela que eu vejo, me dê tudo que eu desejo”. Depois, procurando no céu as três-marias, pensava em sua vontade de crescer logo – um primeiro desejo – e viajar com o pai pelos sertões, montar em cavalos, apartar o gado, tirar o leite. E o medo de nada ser assim sufocava o menino. Mas o difícil, nessa hora, era não entender o céu.

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Se tão cheio de estrelas, tão vazio em tamanho. Saber que o escuro da noite e o azul do dia eram feitos de nada, ficava impossível de decifrar. Antônio nunca estava só. Sua maneira de reparar nas coisas provocava um olhar lento sobre tudo. E assim, vendo devagar, aprendeu a conviver com os mistérios, parecendo não querer decifrá-los para que não se perdessem em encantos.

Menino que brinca com fogo molha a cama de noite. Bastou Antônio escutar isso e nunca mais pegou no tição para caçar “vaga-lume tum-tum, seu pai está aqui, sua mãe está lá para te dar mamá”. Passou a fazer maior esforço. Nem água bebia depois do jantar. Mas na madrugada era sempre a mesma coisa. Acordava com um calor forte e molhado escorrendo pelas pernas. E nas manhãs, podia-se ver seu colchão tomando sol e as roupas de cama no molho. Isso aumentava sua vergonha, que ficava estampada em seu rosto. Cascavel tem na ponta do rabo um chocalho. São os nós, uns ligados aos outros e que fazem chiquechique. Cada nó, diziam, representa um ano de vida. Se tem sete nós, o bicho peçonhento tem sete anos. Ensinaram para a mãe, e não foi a madrinha, que um chocalho de cascavel, amarrado no pescoço, não A força da hora nona

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deixava o menino urinar na cama. Não demorou muito e o senhor Olegário matou um, no roçado. A mãe prendeu o chocalho junto com a medalhinha no pescoço do menino. Antônio passou a andar devagar, com medo de seu barulho chamar outro cascavel. Cascavel morde e mata. A pessoa morre com falta de ar, ele já sabia. E mais ainda, cobra anda sempre acompanhada de mais uma. Mas foi nesse tempo que um escorpião mordeu Antônio no meio da perna. A mãe buscou um tijolinho preto, feito de chifre de veado-galheiro do mato. Molhou no leite e colocou sobre o lugar da mordida. O tijolinho grudou. A dor era tanta que o menino gritava e avariado via a morte. Depois de longo tempo, com a mãe limpando seu suor com água fria, o tijolinho caiu. Ela pegou uma vasilha de leite e o jogou lá dentro, e mostrou para Antônio o leite ficando escuro na mesma hora. Era o veneno que o tijolo tinha chupado. Mas o que fez Antônio parar de urinar na cama foi o caso dos morcegos. O pai contou que rato, quando fica muito velho, cria asas e vira morcego e recebe o nome de passarinho do demônio. Ele passa a se alimentar de sangue. E como ele só vive no escuro, vai guiado pelos cheiros. Em casa sem forro, Antônio cobria a cabeça e dormia ocupado com o medo dos morcegos, e também seus sonhos passaram a ser outros. A mãe retirou o

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chocalho e o guardou, dizendo: “Outro poderá precisar… Não é somente um dia que anda atrás do outro. Também os irmãos”.

O pai, homem calado, coçava sempre a cabeça, por longo tempo, como se estivesse fazendo carinhos no pensamento. Trabalhava muito e sem descanso. Havia sempre um arame para esticar, uma galinha para cortar as asas, uma tábua no curral merecendo mais um prego, uma planta carecendo de estaca para ganhar em altura. Aos domingos, ele se assentava à sombra de uma árvore e ficava com o tempo. O tempo lhe presenteava com o silêncio. Falava pouco. Às vezes contava curtas histórias. A da galinha que entrou debaixo do caminhão, e ele não teve como não a matar. Os pintinhos ficaram piando em volta da mãe morta. Sem mais o que fazer, ele juntou os pintinhos e os levou para casa. Hoje, quando dirige, não tem medo de pontes, valas, mataburros. Mas sendo galinha com pintos, ele usa os freios. Retomava o silêncio, abria o canivete muito amolado, picava o fumo, lambia a palha, enrolava o cigarro e fumava. Antônio não perguntava. O pai não respondia. Era um silêncio muito cheio de pesares. As irmãs de Antônio, que já se vestiam de anjo nas coroações da capela e ganhavam cartuchos com A força da hora nona

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amêndoas, ficavam atrás do pai, penteando e despenteando seus cabelos, partindo e repartindo os fios. Ele devia gostar do carinho, pois olhava para os lados sem mexer com a cabeça, para não sair do jogo. De tempo em tempo ele viajava por mais dias. A mãe amarrava as portas e janelas mais cedo, encostando machados e bacias. O medo lembrava que o pai estava ausente. Quando voltava, ele trazia pão com salame embrulhado em papel pardo. Naquele lugar, onde biscoitos e bolos eram freqüentes, pão era notícia de outro mundo. E o salame, vermelho, cortado em rodelas, com meias-luas de pimenta-doreino, tinha gosto do amor que o pai revelava nos gestos, mas não dizia com a voz. Ele tinha alguns livros velhos, que relia sempre. Eram histórias de grandes homens. Outras vezes, usando da pena e do tinteiro, escrevia com letra bonita o nome dele, dos filhos, da mulher. Antônio, sem saber ler, ficava curioso para saber onde estava o seu nome. Se perto ou longe do nome do pai. Sem arriscar a perguntar muito, pedia ao pai que escrevesse de novo. Ele cumpria a curiosidade do menino, caprichando ainda mais na letra. Antônio dobrava a atenção. No dia seguinte a mãe acendia o fogo com os papéis, queimando os nomes sem pensar no pesar de Antônio, desejoso de esconder os desenhos para

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copiar um dia. Veio daí sua vontade de ter uma gaveta com chave.

No poente, vez por outra, os corações se viam transformados em aposentos para a tristeza. Entre cores e silêncios, ela chegava pela brisa e se prolongava até os braços cruzados da mãe sobre o colo. Então, os olhos da mulher, vazando todo o céu, alcançavam paisagens que Antônio não sabia. O pai, debruçado sobre os joelhos, se tornava indefeso diante de visita assim serena, mas que desenrolava, sem pena, antigos nomes. Graves sombras, largas margens de desejos. E tudo Antônio lia em suas rugas, em seu franzir de testa. E a tristeza do pai contagiava a todos, que se afastavam, procurando mais cedo o sono, e nele, um sonho revelador. Mas nada adivinhavam, a não ser que a tristeza também era possível.

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Plenitude do meio-dia A mãe passou a engordar galinhas. Nas horas vagas, por volta do dia, com agulhas e linhas coloridas, bordava raminhos de flores singelas em pedaços de pano. Em outros, ela fazia bainha, contando fios, depois de desfiada a cambraia. Sua alegria ficava nos bordados. Quando da visita de uma ou outra vizinha, ela dizia frases que Antônio não entendia: – Acho que vai ser lá para setembro… – É. Estou preferindo a cor rosa. Cismei com menina. – Vai ser Ana. Nome da minha sogra. Uma noite mudaram Antônio para o quarto do irmão. Desculparam-se, dizendo que ele já era rapaz e quase não cabia no berço. De fato andava dormindo encolhido. Mesmo assim seu coração ficou apertado… suspeitando. É que a madrinha, passando a mão em sua cabeça, andava dizendo outros mistérios: – Você vai deixar de ser caçula. Não vai ser a raspa do tacho. Durante essa mudança de quarto, Antônio conheceu o Anjo-da-Guarda. Dependurado na parede branca e sobre a cabeceira da cama, havia um quadro corde-rosa. Era uma estampa que representava uma Plenitude do meio-dia

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montanha muito alta, quase furando o céu, onde escuras nuvens e relâmpagos indicavam tempestades. Embaixo, um despenhadeiro que fazia a alma ficar fria. Um menino, de sapato e meia, atravessava um caminho estreito e perigoso no cume da montanha. Ele tinha no rosto o medo misturado com o cuidado. Qualquer deslize seria a morte. Mas nas costas do menino estava o Anjo do Senhor, zeloso e guardador, protegendo a travessia com braços e asas. Sua veste era de rosa mais encarnado, e seus olhos azuis. Tudo era de uma beleza que merecia crença. A confiança de Antônio no Anjo-da-Guarda aumentou, e de tal maneira, que agora podia andar na cumeeira da casa ou cortar os córregos equilibrando-se em pedras e troncos deixados pelas enchentes, cobertos de lodo. Mas tudo ele fazia sem olhar para trás. Tinha medo de ver o Anjo, cara a cara. Ele sabia que existem coisas que não valem a pena ver. Só acreditar já era o bastante, como na cegonha que estava para trazer um novo irmão.

A casa ganhou um barulho de choro novo. Ele veio acompanhado do cheiro de salsa que invadia os cômodos, anunciando a canja feita de galinha gorda. Antônio apreciava comer as asas, lugar onde o tempero entranhava mais forte. Dos pés ele não gostava.

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É que nunca se podia comer apenas um. A galinha, diziam, com um pé cisca e com o outro ela ajunta. Quem come um só pé corre o risco de não ajuntar, só espalhar, e ficar pobre a vida inteira. Ana nasceu em tempo certo, sem atropelar a vida de ninguém. Foi recebida com o carinho de Antônio, que acompanhou o enterro do umbigo da irmã, bem junto do pé de dália. Ela seria bela e boa jardineira. Mas nesse dia ele soube de seu umbigo levado pela correnteza das águas. Sentiu medo do abandono. Medo que estancou em todo o seu corpo e embaçou a natureza, agora boiando nas águas de seus olhos, sem raízes. Não era um medo igual ao do Anjo-daGuarda. Era um medo do que ele, menino da correnteza, poderia vir a ser. Medo que doía sem pedir remédio. Medo de virar verdade o pensamento. As visitas chegavam. A mãe dizia a todos que, depois de cinco anos, pensava ser Antônio o último filho… Falavam do batizado, da festa, dos padrinhos e da toalha engomada para a consagração. Ana seria consagrada à Santana. A madrinha de Antônio, agora mais responsável por ele, não economizava conselhos: “Você vai ter que ficar bonzinho. Não pode dar trabalho à sua mãe. Ela tem agora outra filha pequena para cuidar. Você vai ter de ajudá-la muito. E o jeito de menino ajudar é não dando aborrecimento nem preocupações.”… Nas palavras da madrinha, em voz tão carinhosa, Antônio escutava que ele não era bom menino. Logo Plenitude do meio-dia

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ele, pensava, que passava o tempo tomando tenência, sempre pelos cantos da casa sem muitas perguntas, conversando com ele mesmo… Pela primeira vez sentiu que viver demandava não compreender. O pai observava um jeito que Antônio tinha: ele estava sempre rabeando os adultos, escutando conversas, e de maneira despistada. Ficava no canto da sala fazendo-se de entretido com algum tatuzinhobola. Outras vezes, debaixo da mesa, separando pedrinhas ou contando sementes. O pai ficava vaidoso com a curiosidade do filho, sempre querendo saber de mais coisas, olhando tudo de todos os lados. Ele gostava daquele menino, nascido de surpresa, vivendo de teimoso. Achando que a vida de Antônio era um milagre, misturava quina, magnésia, canela, ruibarbo em vinho moscatel. Deixava a garrafa de infusão na prateleira da cozinha para Antônio tomar as colheradas em jejum, e ficar mais forte.

Laranja, manga, abacate, romã, mamão, eram frutas que Antônio sabia. Um dia veio a conhecer maçã, vermelha como crista de galo e lisa como as xícaras de porcelana da mãe – presente de casamento. Vinha enrolada em papel roxo, da cor do manto da Nossa Senhora, aquela que tinha no coração sete espadas de dores. Com seu cheiro forte, jamais podia ser comida

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às escondidas. Ela se anunciava sem constrangimento. Fruta à vontade, exagerada em cor e perfume. Para aprender a nadar, os meninos engoliam piabas vivas. Antônio, sonhando com mergulhos, não perdeu tempo. Com água pela cintura e peneira, engoliu todas as piabas pescadas. Uma cócega na garganta e mais uma na barriga e já imaginava o fundo das águas entre cidades e reinos. Mas o que veio foi uma infecção intestinal. Febre e desânimo pelo corpo inteiro. Os vômitos tornaramse freqüentes. Depois de tantos chás sem efeito, o pai partiu para a cidade. Explicou tudo ao farmacêutico e voltou carregado de poções, fortificantes, cápsulas e mais um embrulho de maçãs. Assentado na janela, em repouso e regime, Antônio cheirava o papel roxo e comia maçãs que lembravam rezas. Em estado leve e preguiçoso, com a barriga que um dia fora aquário, pensava no que devia haver além das serras: cidades, florestas, rios, mares. Ah! O mar feito de água salgada que nem gosto de lágrima. Tão grande que só tinha uma margem. No mais eram ondas, iguais às da folhinha da parede, coloridas de azul emprestado do céu. Como era difícil pensar o mar, para um menino que só conhecia os pequenos riachos com suas cheias e vazantes!

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Além de patos, uns poucos perus e algumas galinhas-d’angola, era criado no terreiro um terno de galinhas legornes. Elegantes e brancas rainhas, coroadas por crista vermelho-rubi recortada – eram boas poedeiras. Quando em repouso – sol poente – eram bailarinas de prata, imóveis sobre um único pé. Entre bananeiras, sombras e gravetos, elas modelavam seus ninhos como quem pressente perigo e assalto. Tantas vezes o brincar dos meninos era o de caçar os ovos. Desvendar os ninhos. Leves como gatos, atentos como as corujas que agouravam as madrugadas, eles rondavam moitas e touceiras, buscando ninhadas. Muito ciente daquilo que procurava, Antônio se assustava quando diante de um ninho. Ao se aproximar, as mãos tremiam enquanto o coração recusava. Sentia-se roubando o que estava ainda em vias de acontecer. O ovo era a metade de um caminho. Era um não deixar arrebentar filhos que ele já escutava dentro das cascas, esperando com o calor da mãe a ordem do tempo para nascer. Tempo que ele não havia esperado. E como lhe parecia forte o ciúme das galinhas! E mais bonito era aquele faz-de-conta que come e não come, aquele bicar e deixar cair, indicando aos pintinhos onde estava o que comer. Ensinaram-lhe que, ao encontrar um ninho, era preciso deixar sempre um ovo – o indez – para que a galinha continuasse a

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botar outros. Mas a vontade de Antônio era de levar também o indez. Então a galinha, perdendo a direção do ninho, quem sabe, construiria outro em lugar longe, mais oculto, mais secreto. Cercada por um bando de filhos, ela apareceria, numa manhã, protegendo-os sob as asas – sombrinhas de bailarina – com seu amor arrepiado.

Em tardes de domingo, sempre muito longas e vestidas de sossego, a mãe se fazia criança para os filhos. Ao pé da escada, junto da porta da cozinha, estava o tanque. De cimento cinza, ele guardava a água fria que despencava do morro, escorregando dentro dos bambus – veias cristalinas. A umidade favorecia viver e crescer ali, musgos verdes, tapetes por onde pequenas formigas passavam, arrastando montes de folhas. Mesmo o olhar se sentia acariciado por veludo assim tão fino. Com anilinas para doces a mãe coloria as águas do tanque, uma cor de cada vez, e mergulhava as alvas galinhas legornes em banho colorido: azul, verde, amarelo, vermelho, roxo. Em pouco tempo o quintal, como por milagre, era pátio de castelo, povoado de aves – legornes agora raras – desenhadas em livro de fadas. Ficava tudo encantamento. Não havia livro, mesmo aqueles vindos de muito longe, com história Plenitude do meio-dia

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mais bonita do que as que a mãe sabia fazer. Não era difícil para Antônio imaginar-se príncipe e filho de mágicos. Quando o dia ameaçava esconder o sol, entre seios e montanhas, aquele inofensivo bando, filho do arco-íris que morava na cabeça da mãe, empoleirava-se nos galhos das árvores, bailarinas em carnaval. Antônio olhava os galhos até não poder mais, com seus antigos moradores vestindo roupa nova de festa, feita pela mãe; pensava na árvore de Natal que não tardaria a brotar no canto da sala, com sombra protegendo presentes. No outro dia, o barulho do milho na cuia trazia para junto dos meninos um arco-íris faminto e já meio desbotado pela noite e seu sereno. Mas ficava a certeza de que a mãe, em qualquer momento, brincaria de outra coisa.

Diziam que José, o filho mais velho, já estava criado, era homem feito. De calças compridas ia para a escola, ajudava o pai no trabalho. Na boléia do caminhão, parecia convencido de que era o patrão. Só falava em léguas, arrobas, alqueires. Deixou até de falar “porco”, dizia “capado”. Vaca não existia, era rês. Estava sempre querendo ser um outro pai na vida do irmão.

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Andava perto de ir para a cidade, prestar exame de quarto ano e tirar diploma. Só queria falar de aritmética e língua pátria. Folheava os livros do pai só para fazer inveja. Todo número que encontrava tinha os noves-fora em voz alta. Nem mais almoçava com os irmãos assentados no banco da cozinha. Ele mesmo fazia seu prato escolhendo o pedaço de carne maior. De noite rondava os adultos ou escutava a Voz do Brasil, no rádio de bateria, com o pai. De vez em quando, com cara cheia de espuma, usava a navalha sem nenhuma cerimônia, só vaidade. Antônio perguntava sempre, olhando para o ar: – Tem mais um pai nesta casa, tem? Antônio tinha três irmãos mais velhos: José e mais duas meninas, com laço de fita na cabeça – borboletas de pano – vestidas sempre iguais, de chitas e babados. Gostavam de Antônio em certas horas: para subir na goiabeira e pegar as goiabas mais altas, matar rolinhas para suas comidinhas, lavar as tripas da galinha para as lingüicinhas. Estavam também na escola. Sempre cheias de novidades, diziam que seriam professoras. Brincavam de dar aulas para Antônio, que ficava assentado enquanto elas escreviam no muro com pedaços de carvão e davam ordens e mais ordens: assentado, silêncio, não olhe para o lado, cuidado, olhe o castigo. Elas repetiam coisas que Antônio não entendia, mas prestava a maior atenção: ditado, leitura silenciosa, leitura oral, cópia, composição. Plenitude do meio-dia

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O pior era aula de canto: “Tudo serve de desculpa para Lelé não ir à escola. Ontem foi a dor de dente, hoje perdeu a sacola. Outro dia a tal merenda que não foi bem preparada. Em vez de doce de leite, mamãe lhe deu goiabada.” Enquanto gritavam: alto, mais alto. E o menino botava a boca no mundo, cantava sem saber por que, e ainda ganhava 10. Em aulas de poesia, as irmãs testavam sua memória. Ele guardava, de cor, versos que as meninas repetiam em seu ouvido como martelo de carpinteiro: “Três de cada lado, autor desconhecido, na janela uma donzela, trabalhava em seu bordado, seis cachinhos tinha ela, sendo três de cada lado; um rapaz que ali passava, elegante e bem trajado, com seis fios de bigode, sendo três de cada lado; vendo a moça que bordava, ficou logo apaixonado, e seis beijos lhe enviou, sendo três de cada lado; o pai à cena assistia, desceu a escada zangado, seis bengaladas lhe deu, sendo três de cada lado.” Eram bonecas de papelão, recobertas por uma massa rosa que não podia molhar para não melar. Chegavam vestidas de papel crepom, cabelos ondu-

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lados em marrom, fortes e tão feias que necessitavam roupas novas. As irmãs resolveram fazer o batizado, e convidaram Antônio para padrinho. Ele vestiu calça branca nova, de tão importante que achou o convite. Mas a groselha da festa caiu sobre o tecido. Antônio, com medo de contrariar a mãe, escondeu-se atrás da casa e tentou cobrir o sujo com cal, resto da caiação da casa. Ficou pior. E quando tímido entrou em casa, a mãe disse que ele tinha sujado a calça só para pirraçá-la. Nesse dia a injustiça doeu. Deitou. Pensou em fugir de casa. Sair procurando seu umbigo pelo mundo inteiro. Com o coração apertado sentiu saudades do mar. No escuro lambeu o sal das lágrimas.

Com a mãe, os filhos aprenderam a brincar. Ela fazia tudo ficar mais alegre. Se era longa a distância, ela brincava de contar as estacas da cerca, de correr atrás da sombra, de pular carniça, de andar no ritmo dos escravos de Jó. Brincar encurta caminho, dizia ela. Se alto era o morro, quem chegar primeiro é o mais bonito e vira anjo, gritava já correndo. É claro que ela sempre é quem ganhava. Se faltavam histórias, era olhando o céu que ela lia as personagens. Antônio lembrava do olho verde de vidro do avô. Ao fazer biscoitos, massa pronta, ela distribuía Plenitude do meio-dia

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pedaços com os meninos. Cada um fazia seus bichos, suas frutas: coelhos, laranjas, serpentes, tatus, bonecos, cachorros. Depois ela assava ou fritava, perguntando: querem os bonecos louros ou morenos? Foi assim brincando que ela ensinou os meninos a fazer e a comer a Bandeira Nacional, quando faltava carne. Ela servia os pratos com chuchu verdinho – afogado com água da mina – arroz e mais ovo frito, enquanto recomendava: está no prato o verde das montanhas. Se misturar o arroz e a gema, vira ouro. O prato é esmaltado de azul. Está tudo pronto. Assim Antônio aprendeu a fazer bandeira – primeiro desenho – ajudado também pelas ordens de José, que nessa hora não media esforços e conhecimentos. Até as estrelas podiam ser feitas, segundo ele, com grãos de arroz branco. A faixa de ordem-eprogresso era uma beirada da clara. Depois de pronta: – Está bonita, mãe? – Muito linda – dizia ela. – Então vou comer… – Não esqueça que cada parte tem um gosto – falava. Então aquela bandeira fria passava a ser a coisa mais saborosa de todas as comidas. Saber e comer eram coisas juntas. – Já comi as montanhas – gritava um. – Vou comer ouro, agora – falava outro.

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– Agora vou comer o Cruzeiro do Sul – falava o irmão sábio, com voz desafinada, de frango metido a galo.

Era na madrugada, hora em que os galos afinavam as gargantas e o pai ensaiava os passos para a partida, que ele vinha devagarinho, como quem pede desculpas com antecedência. Os meninos, já avisados desde a véspera, acordavam do sono para entrar num pesadelo. Um por um, recebiam três drágeas verde-claras, fofas, parecendo massa de maria-mole. O cheiro, de tão forte, o nariz não suportava sozinho e avisava depressa o estômago, que já esperava a chegada do vermífugo de santa-maria, com vômitos. Engoliam. Cobriam as cabeças com os cobertores e entrincheirados esperavam a guerra. Aquelas bombas verdes estouravam na barriga e o odor subia até a garganta queimando tudo. E mesmo uns três dias depois era possível sentir seu cheiro exalando da pele. Mas não terminava aí. Duas horas depois, cada um tomava um vidrinho comprido de óleo de rícino. Grosso, tinha a cor do mel e deveria ter sido feito pelos marimbondos. E os meninos não podiam se levantar enquanto o remédio não fizesse “efeito”. E era uma dor de barriga, fina, que cortava de um lado para o outro, e esfriava até as pernas. Plenitude do meio-dia

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Depois era um mingau de fubá, ralo, sem pedaços de queijo nem canela, só para enganar o estômago. Então já podiam tomar o sol no terreiro, esperando novos “efeitos”, que se seguiam manhã inteira. Um dia, ao voltar de viagem, o pai trouxe um vidro de comprimidos: Tiro-Seguro. Explicou que não seria mais preciso aquele sofrimento causado pela santa-maria. De vez em quando tomariam uma ou duas pílulas, sem repouso e dieta. Mesmo o “efeito” não seria sentido. Antônio ficou aliviado e não duvidou do andamento do mundo. Faltava agora descobrir um outro medicamento, pensou ele, mais doce e claro, para tomar o lugar do óleo de fígado de bacalhau. Sumir de uma vez por todas com aquele vidro leitoso, com retrato de um homem carregando um peixe nas costas, e com aquela cara boa.

O pai cortou, de véspera, folhas de palmeira. Na manhã de domingo, toda a família partiu em caminhada para a missa e procissão. Na capela pequena, as mulheres ocupavam os bancos com véus pretos e brancos, ajoelhadas sobre os dois joelhos. Os homens ficavam dos lados, perto dos quadros da viasacra, ajoelhados em um só joelho. Antônio, perto do pai, imitava seus movimentos. Acabada a missa, a

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procissão saía por caminhos empoeirados, em volta da capela. Com folhas nas mãos, todos rezavam e cantavam: “Coração Santo Tu reinarás. Meu doce encanto Sempre serás.” E tudo terminava com a bênção dos ramos. Então a família voltava para casa já de luto. A mãe prendia as folhas bentas entre o Coração de Jesus e de Maria. Em caso de tempestade, junto com orações para Santa Bárbara, queimavam-se os ramos. Se era a Semana Santa, tempo de orações, jejuns e penitências, era tempo também de medo: demônios, mula-sem-cabeça, alma de outro mundo, assombrações. Na quinta-feira, Antônio acompanhava o pai para o rio. Paciente, ele jogava o anzol enquanto o menino torcia pela vitória do pai, segurando uma forquilha para dependurar os peixes pela garganta. Eram traíras, piabas, curumatãs, e embora pequenas, em poucas horas Antônio tinha uma penca do tamanho de um cacho de bananas. Com o sol a pino, deixando a vara e tampando a lata de iscas, o pai tirava do embornal a garrafa de limonada, arrolhada com sabugo de milho, os dois copos de argolas, iguais a sanfonas, e ovos cozidos, pedaços de bolo, requeijão, rapadura. Comiam lenPlenitude do meio-dia

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tamente, acompanhando a preguiça do dia. Na volta, Antônio vinha nas costas do pai, olhando o mundo por cima. Na sexta-feira não podia ligar o rádio, cortar unhas, varrer casa, falar alto ou cantar. O pecado rondava. O único barulho era o da gordura quente em que a mãe fritava os peixes depois de passados no fubá. Mas podia-se plantar alho em canteiros já preparados. Brotavam mais depressa. O resto do dia ficava dividido entre lembranças dos santos enrolados em pano roxo na capela, o medo do demônio disfarçado em rapaz rico e bonito e a Lua grande no céu vigiando tudo. Com o sábado rompiam as aleluias. Tudo voltava ao seu lugar, salvado pelo sofrimento de Cristo.

Naquela tarde, o pai chegou com a cara amuada. Tomou banho e fez a barba sem muita conversa. Não ligou o rádio para ouvir a Voz do Brasil. Lia-se no silêncio que alguma coisa estava para acontecer. Depois de prolongada demora, ele retirou do bolso uma carta meio amassada e começou a ler para todos: Meu caro filho, Espero que esta carta vá encontrar você e toda a sua família gozando de saúde e felicidade. Sempre penso em vocês e peço a Deus que

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derrame suas bênçãos em todos dessa casa. Recebi a ambrosia e o doce de mangaba em calda, de que sua mãe tanto gosta. Chegaram junto com sua carta, que muito agradeço. Não respondi na hora porque o portador tinha pressa. Quanto às crianças, neste tempo de manga, fruta muito rançosa, são comuns os furúnculos e as cabeças-de-prego. É bom dar um laxativo de sal de Glauber e passar pomada de basilicão para furar mais depressa. É preciso espremer até sair o carnegão. É dor forte, mas passageira. Mas a minha carta é para lhe dizer que a sua mãe não está bem de saúde. Há muito vem se queixando. Agora está com os pés muito inchados e febre alta, que não cede. Está acamada e ainda não acertou com os medicamentos. Sei que ela gostaria de receber a sua visita, pois sempre fala em você e todos de sua família, com muito carinho. Receba a bênção de seus pais e dê recomendações a todos. Seu pai. Joaquim – É bom preparar os meninos e partir amanhã, bem cedo. Todo o tempo é curto – disse ainda a mãe. – Já pedi ao senhor Olegário para vigiar a casa e cuidar das crias novas – respondeu o pai. Quando voltaram, dias depois, Antônio sabia da Plenitude do meio-dia

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morte e dos pesares dos vivos. A mãe, com roupa escura, costurava tirinhas de pano preto nas mangas das camisas do pai. A morte enterrava também a alegria, por muito tempo.

Enquanto o frio deixava névoa sobre as águas e sobre os campos, as asas tomavam sol nos beirais das janelas. Vestidos de cetim branco, de anjos, eram repassados com ferro de brasa enquanto as irmãs esperavam cada noite com os cabelos em papelotes, enrolados com papel de macarrão. Amêndoa é comida de anjo. Com a panela no fogo, a mãe dava banho de açúcar em grãos de amendoim torrado. Aos poucos eles se vestiam de roupa branca, e doce, combinando com o mês, a festa e a Santa. No fim da tarde, armados em balaio, os cartuchos de papel crepom seriam a ceia dos anjos depois da coroação da Virgem. Sobre o altar, com longas escadas laterais, Maria esperava sua coroa e sua palma entre chuva de pétalas de rosas. O pai trouxe pares de pilhas, pedaços de fios e lâmpadas pequeninas. Enrolou o fio na coroa das meninas com as lâmpadas soldadas na ponta. As pilhas ficavam em saquinhos de pano, que a mãe cosera, debaixo dos braços das irmãs, anjos.

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Na hora da coroação, entre cantos e solos, as luzes da igreja apagavam. As irmãs com coroas iluminadas eram anjos quase de verdade. E os fiéis oravam juntos: “Oh! Vinde, vamos todos Com flores à porfia. Com flores à Maria A Virgem mãe de Deus. Oh! Vinde, vamos todos Com flores à Maria. Saudar com alegria A Virgem mãe de Deus.” Depois os anjos recebiam cartuchos, e pela noite adentro caminhavam de volta para casa comendo pérolas de açúcar. Era um pedaço do céu que passava sob os olhos de Antônio.

Não só de sol e chuva era feito o tempo. Cada mês se enfeitava com uma festa conforme anunciava a folhinha de Mariana dependurada na porta da sala de jantar: em outubro dançavam os ternos de congadas, chocalhos nos tornozelos e espelhos nos chapéus; em janeiro eram as Folias dos Santos Reis; junho vinha com mastro, fogueira, quadrilha e trezena. Tudo começava no primeiro dias do mês. Altar, Plenitude do meio-dia

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armado na sala de visitas, enfeitado, onde a estampa do santo e seu menino era cercada de flores de papel colorido. Os vizinhos, os agregados, os parentes se juntavam para rezar o terço e as ladainhas. Depois, tomava-se café com pão bento de Santo Antônio. Dias antes, a mãe se ocupava com as quitandas, agora feitas em forno de cupim. Varria com vassoura de assa-peixe as brasas, enquanto tampava com pedaço de tijolo enrolado em folha de bananeira o suspiro do forno, para melhor conservar o calor. Brevidades, quebra-quebras, papa-ovos, enchiam os tabuleiros anunciando que muitos seriam os convidados. O pai já separava as toras de lenha para construir a fogueira. Ao lado furava o buraco para fincar o mastro que subia entre fogos e palmas. O cheiro de quentão – cachaça, gengibre e canela – exalava dos caldeirões ao lado das panelas de canjica e travessa de pés-de-moleque. O milho assado na fogueira junto com batatas abrandava o frio. Se as brasas queimavam as pontas dos dedos, Antônio tinha a oração na ponta da língua: “Fogo não tem frio, água não tem sede, ar não tem calor, o pão não tem fome. São Lourenço, curai estas queimaduras pelo poder que Deus vos deu”. Naquela noite as moças sonhavam casamentos e prometiam cozinhar o santo no feijão, afogá-lo em água de bica ou passá-lo no coador junto com pó de

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café. Outras ameaçavam tomar seu menino e só devolvê-lo depois de realizado o casamento. Era um tempo vestido de chita, remendos, chapéus e esperanças de encontros, certeza da proteção do Santo. O resto do mês era de São João, São Pedro, Santana. Julho chegava trazendo as férias, pequenas visitas aos padrinhos, noites de dormir mais tarde.

Sempre chovia em dezembro. A mãe buscou o rolo de papel, guardado na despensa, e desenrolou no assoalho da sala de visitas. Ela havia ralado carvão e feito o grude de polvilho. Os meninos passaram a cola e jogaram pó de carvão com pedacinhos de malacacheta para dar brilho de pedras. Era Natal. O presépio na quina da sala indicava a festa. Em latinhas de marmelada já estava semeado e brotando o alpiste imitando campo cultivado. A areia branca, peneirada, cobriria o caminho por onde passariam pastores, ovelhas, magos. O espelho para o lago já estava polido, e os musgos arrancados na mina guardavam verdor. Aos poucos ia-se armando a serra com os vasos de folhagens escondidos entre papéis e dobras. Depois vinham os bichos colocados entre moitas, sobre pedras, altos galhos. E todos eram convidados: carneiPlenitude do meio-dia

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ros, cabras, cavalos, girafas, elefantes, passarinhos, cachorros e mais os patinhos de celulóide. Na porta da gruta, a estrela de purpurina ao lado do galo, enquanto em seu interior a Virgem, São José, o jumento e o boi. No ponto mais alto da montanha estavam os reis – Gaspar, Belchior e Baltazar – que chegariam pouco a pouco, trazendo presentes que Antônio desconhecia, mas que deveriam ser preciosos: ouro, mirra, incenso e benjoim. A mãe fazia doces, enchia as latas, e guardava as carnes em gorduras. O pai chegava com pequenos embrulhos e os escondia em cima do guarda-roupa. Menino nenhum perguntava nada. Mesmo Ana, ainda muito pequena, sabia que era o pai o papai-noel. Na noite de Natal os meninos dormiam mais cedo, enquanto a mãe deixava na manjedoura o rei de braços abertos e a fita vermelha para ser beijada. Pela manhã acordavam com a mesa de café já posta: rabanada, rosca da rainha, quebra-quebra, brevidades, bolos com frutas. Recebiam do pai os presentes: maçãs, balões, almanaque do Globo Universal, almanaque do Tico-Tico, caminhãozinho de madeira, bonecas de massa, camisas, cortes de tecidos, bolas, sapatos, meias. Nesse ano, ao abrir seu embrulho, Antônio ficou espantado: um estojinho de madeira com tampa que corria e dentro um apontador, dois lápis com borracha na ponta, uma caneta de molhar e ainda cadernos

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brancos e caixas de lápis de cor. No mais, um copo quase de prata, tipo sanfona, igual aos da pescaria. Teve medo do ano que diziam perto de começar.

Por estradas, trilhos e atalhos chegava-se à escola. Era uma sala caiada de branco, com janelas para os dois lados e chão coberto de cimento liso. Sem forro, tornava-se mais clara e limpa. Nas paredes, imensos quadros: menina descalça mostrando o calçado ao sapateiro, pescaria com botina velha presa no anzol, gansos avançando em crianças sobre porteira e um grande mapa colorido. Numa das paredes, o quadro-negro. Perto da lousa, a mesa da professora forrada com a toalha e jarra com flores que as crianças traziam. Em quatro mesas grandes os alunos se dividiam conforme às séries: primeira, segunda, terceira e quarta. Lá fora ficava uma coberta com fogão de lenha, o pote de água fresca com um copo cheio de pontas para ninguém babujar. Do outro lado, os canteiros onde cresciam couves, abóboras, quiabos, taiobas, cebolinhas, salsas, mandioca, carás. Mais adiante a casinha com a porta virada para o lado da serra. Cercada de montanhas por todos os cantos, a escola recebia meninos de todas as direções. Era um lugar tranqüilo, visitado pelo mugido do gado, canto Plenitude do meio-dia

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de passarinho, gritos de grilos e cigarras ou buzina de caminhão passando longe na estrada. Antônio chegou de uniforme novo: calça de brim azul-marinho, camisa de fustão branco com bolso, trazendo na sacola de pano o estojo, apontador, caderno, caixa de lápis de cor. Com suas irmãs sentadas em outras mesas, Antônio se sentiu sozinho e com medo. Sua mãe estava sempre lhe dizendo: você vai crescer, entrar na escola, estudar muito, para nunca precisar ser igual ao seu pai. E Antônio, que gostava tanto dele, de sua força, de seu tamanho, de sua barba, de seu caminhão nas estradas, só queria ser como ele. Tanto queria, que já não tomava banho pelado perto de ninguém. E, quando sonhava que estava caindo em pirambeiras e a mãe dizia que era sinal que estava crescendo, ficava contente. Desejava sonhar mais e mais, para ficar depressa do tamanho do pai. E quando andava junto do pai, ele estava sempre medindo o tamanho das sombras. Era silencioso esse desejo, mas era forte. Sem saber o que aconteceria ali na escola, além de aprender a ler, escrever e fazer conta de cabeça, o menino sentia um medo que lhe doía também no corpo inteiro.

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Aos poucos o medo foi ficando mais minguado. Antônio já recolhia flores no caminho para enfeitar a mesa da professora. Na saída da aula ele andava um pedaço de estrada, até a encruzilhada, de mãos dadas com a Dona Aurora. Sua mão era mansa e suave, ou melhor, capaz de fazer letras bonitas. Mas o melhor da escola era o final da aula. Depois de copiar do quadro os pontos e os deveres de casa, Dona Aurora mandava guardar os objetos. E na frente da turma ela abria o livro. Lia mais um pedaço da história que falava de primavera, verão, outono e inverno. Histórias encantadas onde bruxas e fadas viviam entre reis e rainhas: “Eu não sei se vi, se ouvi, se morei lá… O castelo era todo em ouro e cercado por jardins infinitos de girassóis. A luz do dia, ao cair sobre o castelo, mais parecia que o sol morava aqui na terra. Mas nesse castelo não morava a alegria. Fazia tempo que a felicidade não passeava pelos salões de espelho ou pelas torres que tocavam o céu. Eu não sei se vi, se ouvi, ou se morei lá, mas era uma vez um rei, uma rainha e uma princesa que jamais sorria. Desde que nasceu, numa primavera, jamais sorriu.” A gamela antiga de madeira, lisa e velha, naquela manhã de início de frio estava cheia de bolinhos fritos, corados, cobertos com açúcar refinado e canela. Se eram sonhos, também o cheiro era um sonho. Plenitude do meio-dia

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Quando a mãe avisou que em lugar de café tomariam gemada, as bocas se encheram mais de água. Vendo a felicidade dos meninos, a mãe tinha o rosto matreiro de quem ganha o jogo roubando. Ela foi distribuindo os bolinhos falando do dia, do frio, da necessidade de comprar pomada de diadermina e manteiga de cacau, dos trabalhos que tinha pela frente, da falta de notícia dos parentes. Procurava não encarar os meninos, que tentavam mastigar os bolinhos sem conseguir. Eram bolas de algodão que ela havia passado em massa de sonho e fritado. Quanto mais os meninos puxavam, com as mãos e dentes, mais a mãe ria. De repente, falando aos pedacinhos: – É pri-mei-ro de abril! Os meninos compreenderam a mentira e, entrando no jogo, passaram a enrolar em paninhos brancos alguns bolinhos para dar de presente aos colegas de escola. A mãe preparou um pratinho, com guardanapo engomado em ferro de brasa, o presente para a professora. Antônio de repente ficou mudo. Trancou a boca e a cara. A mãe perguntou, pediu desculpas, mostrou-se arrependida. Nada. Só depois de muito tempo ele falou: – Meu dente perdeu no algodão. – Vai nascer outro, é assim mesmo – disse ela sorrindo ainda. – A senhora jura que não é primeiro de abril no dente?

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– Juro. Mas para nascer outro é preciso jogar o dente em cima do telhado e de costas. – Ah! Mãe. É primeiro de abril de novo? E quando o pai chegou, muito festejado pelos filhos que esperavam vê-lo comer os bolinhos, ele olhou demoradamente para Antônio e lamentou: – Já está com a janela aberta? Banguelo…

Antônio já não copiava páginas inteiras de bolinhas para fazer o a. Não precisava pensar antes de escrever que o 1 é um pauzinho, o 2 um patinho, o 3 uma cobrinha, o 4 uma cadeira de perna para cima. Ele foi se acostumando com os deveres de casa e cantava tabuadas em cima das árvores: 1x1=1 1x2=2 1x3=3 1x4=4 2x2=4 3x2=6 4 x 3 = 12 4 x 4 = 16 1x1=1 Era um capeta em forma de gente, diziam. Mas a professora tecia muitos elogios à sua letra, ao seu caderno limpo, ao ter as respostas na ponta da Plenitude do meio-dia

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língua. Antônio sempre copiava todos os pontos do quadro sem nunca confundir navios com caravelas. Sempre dizia três caravelas, mesmo com vontade de dizer navio. Aprendeu um dia que a ordem dos fatores não altera o produto. Dona Aurora usava lápis de duas cores para corrigir os deveres dos alunos. De um lado o lápis era azul e, do outro, vermelho. De mesa em mesa ela passava dando vistos, olhando as unhas, reparando os botões e cerzidos do uniforme. Nada era mais bonito que ter um caderno cheio de nota 10, ora de uma cor, ora de outra. Antônio, como os outros meninos, não se importava em saber muito. Todos gostavam de saber mais para agradar a professora. “A rainha-mãe tudo fazia para a princesa sorrir. Ela lhe dava estrelas, florestas, fatias de lua, cantos de passarinho. Um dia a rainha deixou entrar borboletas para dançar no sonho da filha. Mas, ela não sorriu. Em sua festa de aniversário a mãe lhe deu um beijaflor que cantava açucarado. A princesa pegou o pássaro e o soltou em liberdade. E a rainha vaidosa lastimava. Ela sofria e chegava a ter medo de perder a sua própria alegria. O rei era bonito, tinha longas barbas e um andar elegante e altivo. Vestia-se como um rei: capa, coroa e cetro. Gostava de música, de jardins, de pássaros e bosques.

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Amava a filha como todo pai e tudo fazia para fazer a princesa sorrir. Um dia o rei chegou a pedir aos anjos para pintar no céu um arco-íris para a filha. Ela deslizou, silenciosa com a paz , pelo amarelo. Os passarinhos seguravam seus cabelos. Mas a princesa não sorriu.” A professora batia um sino que vivia dependurado na porta, e os meninos deixavam a escola com tristeza. O outro dia estava longe demais.

O pai usava um chapéu. Só o tirava na igreja e na hora de almoçar e jantar. Dependurava o chapéu no cabide do corredor. Antônio aprendeu a escrever seu nome sem nunca se esquecer do chapeuzinho no “o”. Ter um chapéu no nome era ser quase igual ao pai. Na idéia, Antônio sabia dividir uma maçã em quatro, em oitavos, em até 12 partes. Falava de dúzias, de dezenas, centenas, arroba e grosa. Um dia a professora disse que ilha era um pedaço de terra cercado de água por todos os lados. Antônio pensou em sua escola e de como deveria chamá-la. Ela também estava cercada de montanhas por todos os lados. Mas o menino não perguntava. Ele nunca teve medo da dúvida. Plenitude do meio-dia

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Sempre Antônio chegava mais cedo à escola. Assim, ajudava a encher o pote de água, a varrer a sala, a limpar a poeira das mesas. Era preciso tudo muito asseado para receber as idéias novas de Dona Aurora, pensava o menino. Outras vezes, durante a aula do clube agrícola, a professora escolhia um pé de alface ou um molho de almeirão e mandava de presente para a mãe dele. Quem sabe, para agradecer os bolinhos de algodão. No mais, Dona Aurora, depois do ditado, passava o ponto no quadro, com letra bonita, para os alunos mais adiantados. Antônio corria os olhos, interessado em saber mais sobre as três caravelas: Santa Maria, Pinta e Nina. Não conseguia saber o que era a calmaria que descobriu o Brasil com Pedro Álvares Cabral. Mas sabia que ela estava vestida de branco. Se a professora falava do sistema solar, da rotação da Terra, da prova do navio, do leste, oeste, norte e sul, ele estava sempre de ouvido em pé, dando tratos à bola. Chegava a esquecer seus exercícios, fazendo longas viagens para o além do horizonte. Bem, meninos, até domingo, se Deus quiser, na missa das nove, na capela. Temos que nos preparar para a primeira comunhão.

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Filho criado é trabalho dobrado, repetia a mãe ajeitando o braço de Antônio dentro de uma telha, deixada sobre a cama, perto do travesseiro, para o menino dormir melhor, sem o braço quebrado incomodar tanto. Ele montou no cavalo baio em pêlo, sem arreio, sem nada. Segurava apenas nas crinas do animal. Sorte que o pai estava em casa e levou o menino, branco de dor e susto, para a cidade. O doutor encanou seu braço com talas de bambu e tiras de pano, bem apertadas. Receitou comprimidos para abrandar as dores, e mais nada. Quarenta dias sem fazer os deveres de casa. Quebrou o braço direito. No princípio as dores eram fortes e não deixavam o menino pensar em nada. Ele chorava, baixo, a noite inteira, com o braço deitado no berço de telha. Quando aliviou, ele voltou às aulas com o braço na tipóia, carregando na outra mão só o livro de leitura. Sem escrever, só escutando, ele aprendeu a guardar as coisas de cor. “Dizem que é durante as noites de lua cheia que as fadas fazem os seus encantos. Vestidas em azul, trazem na mão uma varinha com estrela na ponta. E fazem tudo virar verdade. Nada no mundo fica de mentira, pensava Godofredo. Ele sabia que foram elas que esconderam o arco-íris dentro de cada bola de sabão. Gostaria tanto de conhecer uma fada, sonhou o rapaz. Plenitude do meio-dia

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E foi assim. Godofredo partiu cedo para a floresta para cortar a lenha. Ele conseguiu escutar o barulho do silêncio e conversar com os pássaros. Olhando o céu, sabia medir as horas. Mas naquele dia um fato se deu.”

Antônio caminhava pela estrada como se estivesse andando no arame ou pisando em ovos: devagar e atenciosamente. Seus passos eram lentos. Nenhum tropeção, nenhuma queda, nenhum susto. Todo cuidado era pouco. Ele sabia que o seu olho é que não deixava a tinta entornar. Sem piscar, ele escolhia o caminho, controlava as passagens em pinguelas e mata-burros. Dona Aurora dispensou o uso do lápis. Agora era tempo de tinta e pena. Antônio pediu emprestados o tinteiro e a caneta do pai. Seu cuidado era também dobrado. No mais, era não errar. Tinta não sumia com borracha. Era preciso escrever certo desde o princípio. Muitas vezes Antônio ficava tão entretido com a tinta e a pena, que se esquecia de tudo. Chegava a babar o papel, borrando a página inteira.

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Por tantas vezes, durante as noites, Ana chorava. A mãe, com passos de gato, se levantava e colocava pedacinhos de comprimido, cera do Dr. Lustosa e guaiacol no buraco do dente da menina. Antônio pensava o gosto do remédio. Mesmo da babosa que sua mãe passava no peito para desmamá-lo, ele tinha o gosto na boca. Até seu olhar era amargo, quando olhava a touceira da planta no quintal. Alguém, não sei se novamente a madrinha, receitou uma simpatia: lavar os pés da menina em água morna e depois fazê-la bochechar o dente com a água. Tudo faziam. O certo é que, com o tempo, as dores passavam. Nasceriam outros dentes que não seriam de leite. Se as estações das águas e das secas se repetiam em cada ano, também as dores, perdas, os medos se repetiam para cada um. No outro dia, durante as aulas, o menino cochilava de sono. Era preciso Dona Aurora cantar ou, quem sabe, acordá-lo com histórias.

Quando os pássaros, entrando pela boca da noite, escreviam, com penas noturnas no céu, o avô lia os sinais dos ventos, das cores, das nuvens e previa chuva, colheita, frio. Por outras vezes, o pai, escutando o tempo, fazia leituras do silêncio e soltando a língua traduzia seus Plenitude do meio-dia

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ruídos em palavras que traziam de volta a infância antiga ou decifravam o futuro escrito por Deus em linhas tortas. Enquanto bordava, a mãe lia chegadas de cartas, visitas, presentes, na medida em que a agulha lhe espetava os dedos e encarnava de vida o linho branco. E quando na beira do tanque, entre espuma e anil, enxaguava as roupas, o vôo dos insetos lhe trazia pequenos pressentimentos de chegadas e partidas, percebidos pela intensidade do bater das asas. Ah! Lembro-me da volta do tio, depois de uma ausência. Antônio olhou em seus olhos, demoradamente, e leu que era possível, não só deitar em seu colo, mas deixar também escapar o choro, sem medo, até aliviar a saudade que era tanta! Na escola a professora ensinava leitura. Foi sem esforço que o menino aprendeu. Ele já conhecia que entre as letras e seus silêncios podia-se saber muito mais longe. Era possível viajar mundos distantes. Mundos que o olhar não alcançava, mas o livro trazia. E daí, para Antônio escrever, bastou ter apenas um lápis.

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As horas completas Antônio começou a engolir tudo inteiro. Não mastigava. Parecia que estava de caxumba, e bem inflamada. Mas ele estava era treinando a sua primeira comunhão. “Se a hóstia tocar no dente, o gosto de sangue vem na hora”, diziam. E o medo de morder Deus aumentava. Sempre havia um medo. Cada dia que passava, mais o pavor se agravava e mais ele engolia tudo sem mastigar, inteiro, garganta abaixo. Pensou em não ir, sentir dor de barriga, passar alho debaixo do braço para ter febre, mas tudo isto seria cometer mais um pecado. Em cima da cristaleira estava a vela branca, já preparada, enrolada de fita e com um P e um X desenhados. A mãe tinha feito o terno com camisa branca, a gravatinha-borboleta, enquanto pensava nas quitandas para o café da manhã. Mas o medo crescia no coração do menino. Pensava, às vezes, que era a tentação do demônio, e já não conseguia ficar sozinho em nenhum lugar da casa. Assustava-se com a própria sombra. Até no banheiro ficava falando os dez mandamentos de cor e salteados: – Amar a Deus sobre todas as coisas. Não tomar seu santo nome em vão. As horas completas

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Não cobiçar as coisas alheias. Honrar pai e mãe… Outras vezes pensava em rezar para Nossa Senhora, mas nas aulas de Religião a professora explicava que Nossa Senhora era uma mulher tão bonita, mas tão bonita, que não adiantava nem imaginar. E rezar para o que ele nem imaginava, aí ficava mais complicado. Mas o dia chegou. Antônio, em jejum entre os colegas, no primeiro banco da capela, esperava o momento, enxugando bem a boca. Comungou. A hóstia agarrou no céu da boca e foi derretendo devagarinho. Na saída estava o fotógrafo. Havia esticado uma gravura muito grande na parede da igreja, com um Cristo em pé segurando o cálice e a hóstia. Cada menino se ajoelhava no genuflexório, e o fotógrafo debaixo do pano preto batia a fotografia. Era um truque. Ficava o menino recebendo a comunhão das mãos de Deus. Colocaram a fotografia na moldura e dependuraram perto do Anjo-da-Guarda, no quarto de Antônio. Foi o seu primeiro diploma.

Na escola, Antônio aprendia que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil em 1500, o Sol era uma estrela de quinta grandeza, uma grosa era igual a 144,

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uma légua, o mesmo que seis quilômetros. Sabia declamar “A Cruz da Estrada”, morria de pena dos escravos nos porões dos navios negreiros morrerem de banzo, cantava para as sementinhas ficarem bem quietinhas, no dia da árvore. Desenhava mapas das regiões, em cartolinas, colorindo com lápis de cor raspado e algodão, para depois furar tudo com agulha, criando relevo onde eram as montanhas. Mas na escola Antônio conheceu outros meninos, outros amigos. Encontravam-se nos fins de semana, em casa de um ou outro, para pescaria, nadar nos córregos, andar pelos matos, falar de namoros, fumar cigarro de talo de chuchu seco, que dava o maior ardume na garganta. Outras vezes pegavam sapos e botavam para fumar até estourar. E quando as correições de formigas aconteciam, eles esperavam a saída dos escorpiões para colocá-los dentro de uma roda de brasa, e aí assistirem ao suicídio deles. No dia de Santo Antônio, 13 de junho, padroeiro da capela, sempre havia missa, procissão, banda de música e fogos. Naquele ano o pai de Antônio era o festeiro. Dias antes, a mãe fazia flores de massa de pão em galhinhos pretos de avenca, para enfeitar o andor. As meninas vestiam-se de anjo, o pai e a mãe iam na frente da procissão conduzindo a bandeira, enfeitada de papel crepom, para levantar o mastro. José, forte, carregava o andor. Só Antônio ficou sem fazer nada. As horas completas

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Não sei de quem a idéia, mas Antônio e os colegas encheram os bolsos de limões. Quando a banda começava a tocar, eles chupavam limões em frente dos músicos. Desafinava tudo. Os músicos não conseguiam tocar, pela dor que sentiam bem no pé do ouvido. Na hora do almoço, com o padre presente – arroz de forno, tutu de feijão com lingüiça e ovo cozido, frango assado, leitão, macarronada, arroz branco, farofa – o pai disse a Antônio que estava triste com ele. Nunca mais o menino gostou de limão.

O tempo não perdoou Antônio. Depois de presenciar muitas partidas, chegou também a sua hora. Alguns dias antes, a mãe passou a separar suas roupas. Fazia pequenos cerzidos, ajustava botões, reforçava bainha das calças – agora compridas –, reparava meias com ovo de madeira. Depois, com linha fina, bordou em cada peça a letra A. Entre uma coisa e outra, sugeria frases: “Não vá deixar de mandar notícias. Tem sempre um portador. Um recadinho de nada já alivia”. “Vou mandar uns doces de vez em quando”. “Seu avô vai gostar. Anda tão sozinho naquela casa grande”. O pai, para quebrar o silêncio do menino, brincava de noves-fora, de cantar a tabuada, de falar as capitais do Brasil para Antônio dizer os estados.

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No último dia de aula, a professora, com o mesmo carinho do primeiro dia, lhe disse: “Só posso ensinar até aqui, o resto tem que ser em outra escola. Não tenha medo. Preste bem atenção. Estude os pontos que você sabe menos. Faça tudo sem pressa. Pense antes. Vou ter saudades suas, mas a Ana vai ficar comigo e sei que me dará notícias”. Antônio passou a noite sem dormir. Sentiu o cheiro das lamparinas se apagando, pios de pássaros perdidos, galo acordando a madrugada. Enrolado em sua cama, pensou em desnascer, lentamente, para não causar pesares. Na boléia do caminhão, partiu Antônio com o pai. Beijou a mão da mãe, abraçou cada irmão sem dizer uma palavra. Sofria. Era uma dor que só o choro poderia curar, mas não queria chorar para ninguém sofrer junto. Foram em silêncio caminho afora. De vez em quando o pai lhe passava o rabo dos olhos, sem falar ou perguntar nada. E tudo ia ficando para trás: o gado, os córregos, as pontes, as cercas, as árvores. O caminhão comia a estrada, cobrindo seu rasto com poeira para apagar a volta. O silêncio era forte, como verdadeira era a saudade já sentida de tudo que ia ficando. E, cada vez mais, o desconhecido ficava mais perto e mais longe. Chegaram à casa do avô. Antônio desceu, pediu a bênção e ficou sem curiosidade de entrar até a cozinha. As horas completas

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Sabia que há muito sua avó não vivia. Foi para o seu quarto imenso e deixou sobre a cama, lá no fundo, a sua mala. O resto estava cheio de vazio. O pai não queria viajar durante a noite e partiu rápido. Abraçaram-se apertado. Os olhos do pai se embaçaram. Ele olhou para o filho e disse: – Acho que estou gripado. – Eu também – compreendeu o menino.

Não sei quantos anos se passaram. Sei que continuo recebendo recados de Antônio sempre: nas tigelas de arroz-doce das estações rodoviárias, na água que cai do sino em dias de chuva, nas caixas de lápis de cor nas vitrinas, no cheiro do arroz-afogado, no quadrado do sol passando pela janela, nos pés de jabuticabas, nos arco-íris e casamento de viúvas, nos aquários com peixes, nas crianças que cruzam as ruas de uniforme, no chofer que passa dirigindo seu caminhão, no silêncio dos meninos sob marquises, no ovo frito sobre o arroz, nas notícias de nascimentos prematuros, nas rodelas de salame de supermercados, nas histórias de tatu-bolinha ou de fadas, nos passarinhos do demônio voando em igrejas, nos ratos sem asas, nas cascavéis, nas bandas de música, nos limões, nas ferraduras dos cavalos, no leite das cabras, nas maçãs sem papel roxo, nos ramos de

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funcho, poejo, erva-doce, nas estações das águas, na estação da seca, nas cigarras cantando no fim da tarde, nos defluxos e coqueluches, no cheiro dos currais, em trilhos e atalhos, em manteiga de cacau nas noites de frio, em retratos de mares, em gosto de lágrima, em galinhas e ninhos, em fogueiras de Santo Antônio, nos domingos de ramos, nos medos de demônios, assombrações, nos aniversários, na visita das abelhas às flores, no cheiro das gemadas, na primeira estrela que eu vejo, no queijo derretido em fatias de bolo, nos estojos de madeira, nos bilhetes recebidos a lápis, em frutas fora do tempo, em cadernos brancos, em diálogos e silêncios, em partidas e chegadas. Não há como esquecê-lo. Mesmo se tento prestar atenção ao meu trabalho, se escrevo com caneta vermelha ou azul, se passa uma formiga ou a sombra de um vôo de pássaro, se olho as nuvens ou relâmpagos, se entro em capelas ou se passeio em parques, Antônio não me deixa. Não sei qual de nós tem mais medo ou qual de nós tem mais amor.

As horas completas

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Glossário

Adobe Pequeno bloco semelhante ao tijolo preparado com argila Agouravam Tinham mau agouro Agregados Aqueles que vivem numa família como pessoa de casa Aleluia Sábado da ressurreição; tempo de páscoa Alheia Que não é nosso Alqueires Medida agrária Altivo Digno; orgulhoso Ambrósia Doce de leite com ovos Amuada Mal humorada; aborrecida Anilina Material corante Anseios Desejos ardentes Apartar Separar Arroba Peso equivalente a 15 quilos Avariado Com dor física Banhar Dar banho Banzo Saudade mortal dos negros da África Beirais Beirada Cambraia Tecido de linho ou de algodão muito fino Carecendo Precisando Carnegão Parte central de tumores e furúnculos

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Cascavel Cobra com chocalho na ponta da cauda Cataplasma Pasta que se aplica entre dois panos a uma parte do corpo inflamado Catre Cama Cerzido Conserto em roupa Cismava Ficava absorto em pensamentos Cismei Suspeitei Cobiçar Desejar Consagração Ritual de dedicação à divindade duma pessoa ou duma coisa Contagiava Contaminava; transmitia Cume O ponto mais alto de um monte Cumeeira A parte mais alta do telhado Defluxo Catarro nasal Derradeiros Últimos Desarmado Sereno Despaginando Separando Despenhadeiro Precipício Desdenhar Dar a acontecer; revelar Donzela Moça virgem


Drágeas Comprimido Embornal Saco ou bolsa geralmente usada a tiracolo Encruzilhada Lugar onde se cruzam estradas ou caminhos Entremeado Misturado Entrincheirado Defendido com trincheira ou com outra obra de defesa Enxerto Planta enxertada Estiagem Tempo seco; sem chuva Exalando Soltando odores Florações Desabrochando; dparecimento de flores numa dada planta Forquilha Pau ou tronco bifurcado Fortificar Tornar forte; fortalecer Galinha legorne Raça de galinha poedeira Genuflexório Estrado para ajoelhar e orar com apoio para os braços Grude Cola Grosa Doze dúzias Indefeso Sem defesa Indez Ovo que se deixa no ninho para chamar a galinha

Infusão Conservação temporária de uma substância num líquido Jejum Ficar sem comer alimento em determinados dias Lastimava Lamentava Laxativo Purgante Léguas Medida equivalente a seis quilômetros Limbo Lugar onde se encontram as almas de crianças que morrem sem batismo Lousa Quadro em ardósia para escrever ou desenhar Malva Erva medicinal Manjedoura Tabuleiro em que se põe comida para os animais Matreiro Experiente; astuto Meiguice Doçura Minguado Menor Miúdo Muito pequeno Modelar Dar forma Moleira Parte de cima do crânio Névoa Aquilo que embaça a vista Novena Espaço de nove dias consecutivos Parteira Mulher que assiste ao nascimento de crianças

Glossário

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Peçonhento Venenoso Penitência Sacrifício ; arrependimento ou pesar por falta cometida Permeava Penetrava Pirambeira Precipício; abismo Poedeira Que põe muito ovo Poente Que se põe; por do sol Porfia Polêmica Prefácio texto escrito pelo autor ou outra pessoa, colocado no começo do livro, com explicações sobre seu conteúdo. Prematuro Antes da data marcada Preservando Conservando Pressentir Sentir antecipadamente Quaresma Os 40 dias que vão da quarta- feira de cinzas até o domingo de páscoa Quitanda Bolos, biscoitos, doces Resguardo Repouso; período seguido ao parto em que a mulher precisa de certos cuidados

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Retomar Tomar novamente Revelador Que revela Tenência Observar ou examinar prudentemente Tição Pedaço de lenha acesa Tipóia Lenço ou pano que se prende ao pescoço para descansar braço ou mão doente Tiririca Erva daninha Touceira Moita Trezena Espaço de treze dias consecutivos Tríduo Espaço de três dias consecutivos Trinados Gorgeios Ungüento Medicamento para uso externo e que tem por base uma gordura Vazante Período em que o rio apresenta menor volume de água Vermífugo Remédio para vermes Zeloso Cuidadoso




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