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Coluna
Grafeno e nanotecnologia
Ao longo da história humana, a descoberta ou invenção de novos materiais sempre levou à criação de novos produtos, até então inimagináveis. Por isso, a descoberta das excepcionais propriedades do grafeno excita a imaginação de empreendedores, engenheiros e cientistas, todos imbuídos do espírito dos navegadores e decididos a enfrentar os riscos do desconhecido.
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A bússola, sextantes e outros instrumentos guiaram os navegadores através do oceano, onde o horizonte era sempre o mesmo, em todas as direções, dia após dia. Hoje, para conhecer o grafeno e explorar as oportunidades que ele oferece, somos guiados pelo atual estado do conhecimento sobre a matéria, dispomos de um arsenal de recursos experimentais e temos as ferramentas de análise e previsão da Inteligência Artificial.
Usando o que sabemos sobre átomos e moléculas, podemos entender por que o grafeno tem propriedades tão excepcionais. Ele é formado apenas por carbono, como o valioso diamante que é um símbolo de riqueza e como o carvão, um material comum e barato. Diamantes são caros e raros, sendo usados tecnologicamente devido a algumas propriedades que superam as de quaisquer outros materiais: a dureza e a condutividade térmica. São encontrados na Natureza, em lugares cuja história geológica expos massas de carbono a altas pressões e temperaturas. Mas as finíssimas lâminas de grafeno não são encontradas na Natureza separadas umas das outras. São encontradas na forma de grafite, que é formado pela superposição de milhares de lâminas de grafeno.
Figura 1. (esquerda) representação esquemática da esfoliação de grafite e da sua reorganização sobre uma superfície. (direita): Fotos de um baralho de cartas, sendo separado em montes menores e espalhado sobre uma superfície.
As diferenças entre grafeno e diamante resultam da maneira como os átomos de carbono se arranjam, em cada um deles. No diamante, cada átomo está ligado a quatro outros, em arranjos tetraédricos que se unem a outros tetraedros, em três dimensões. No grafeno, cada átomo de carbono está ligado a apenas três outros, formando arranjos planos hexagonais que se justapõem, formando lâminas finíssimas, com espessura inferior a um nanômetro. Por isso, o grafeno é um material bidimensional, enquanto o diamante é tridimensional.
A pequena espessura das lâminas de grafeno lhes dá uma grande área superficial: 1.300 metros quadrados por grama, o que é excepcional para um material não-poroso. Aqui surge um problema para quem quer produzir ou usar grafeno: a área superficial de qualquer pó sempre tende a diminuir espontaneamente, devido às forças de van der Waals responsáveis pela atração mútua das partículas. Portanto, mesmo que alguém consiga fabricar um pó formado por lâminas de grafeno, esse pó se transformará espontânea e rapidamente, ao ser armazenado. O produto dessa transformação é o grafite. Por isso, o grafite é um mineral abundante, mas não há relatos da existência de lâminas isoladas de grafeno, na Natureza. Além do mineral, também existe grafite sintético, fabricado com materiais ricos em carbono como o petróleo e o lixo de cozinha.
O abundante grafite tem propriedades interessantes que o tornam muito útil, mas não é excepcional como o grafeno. Por quê? As forças de van der Waals que unem as lâminas de grafeno, formando grafite, são muito menos intensas que as ligações covalentes entre os átomos de carbono formadores dos hexágonos das lâminas de grafeno. Por isso, a distância entre átomos de carbono em uma lâmina de grafeno é de 0.142 nm, mas entre duas lâminas vizinhas é de 0.335 nm. Essa distância permite a inserção de moléculas de gases entre as lâminas, aumentando a distância e contribuindo para que elas escorreguem facilmente umas sobre as outras. Por isso, usamos grafite como lubrificante, e um lápis B que contém muito grafite é mole, enquanto um lápis H é duro. Também íons de sódio e lítio se intercalam entre as lâminas no grafite, uma propriedade muito explorada nas baterias de lítio.
Outro fato que dificulta a exploração das excepcionais propriedades de grafeno, em grande escala, é a dimensão lateral das lâminas, que raramente atinge 1 cm. Portanto, é insuficiente para se produzir estruturas, cabos de suspensão e quaisquer produtos em que a resistência à tração ou flexão sejam importantes. Nesse caso seria necessário fundir ou sinterizar as lâminas produzindo lâminas muito mais longas, mas seu ponto de fusão é superior a 4 mil graus Celsius. As lâminas podem ser alongadas por sinterização que é usada na produção de componentes de máquinas, eletrodos e outros produtos para usos industriais. Esse material tem propriedades notáveis, mas ainda longe do que se espera para o grafeno.
Por estas razões, a pesquisa voltada para a melhoria das propriedades mecânicas de materiais tem se concentrado em compósitos, combinando grafite e grafeno a polímeros, metais, alumina e outros óxidos. Já surgiram resultados interessantes, como um aumento na ampacidade de cabos de cobre e aumentos de módulos de Young e de tensão máxima em vários materiais. Mas os resultados conseguidos são melhorias incrementais, sem quebrar paradigmas.
O caso de grafeno, grafite e diamante ilustra algumas ideias gerais sobre a matéria, respondendo a algumas perguntas. Por que o grafite é abundante na Natureza, mas diamante e grafeno não são? A espontaneidade da transformação de grafeno em grafite já foi explicada nesta coluna. Quanto ao diamante, a Termodinâmica Química responde: a transformação de 12 gramas de diamante em grafite libera 2.900 quilojoules portanto é uma transformação espontânea. Pode demorar, mas os diamantes não são eternos. E por que o diamante, com uma rede de átomos mais densa que a do grafite é menos estável? A resposta vem das energias de ligação covalente entre os átomos de carbono: no diamante são quatro ligações simples por átomo, enquanto no grafite são só três ligações, mas de ordem 1,5. A soma das ordens de ligação no diamante é 4, no grafite é maior, 4,5. O grafite ainda tem um reforço adicional devido a uma propriedade chamada pelos químicos de aromaticidade, que não será discutida aqui.
As propriedades de uma substância podem mudar muito, quando esta se acha na forma de nanopartículas. Os efeitos da combinação de nanopartículas são explorados na Nanotecnologia, que já produziu resultados impressionantes na melhoria de muitos materiais metálicos, plásticos, cerâmicos, borrachas e semicondutores que fazem parte das nossas vidas. Grafeno é formado por nanopartículas e os seus produtos serão sempre materiais nano-estruturados. Por isso, o conhecimento acumulado em Nanotecnologia tem muito a contribuir, no desenvolvimento de aplicações do grafeno.
Fernando Galembeck
É bacharel, licenciado e doutor em Química pela USP onde começou sua carreira e chegou a livredocente em 1977, depois de pós-doutorados nas Universidades do Colorado e da Califórnia e de um estágio no Unilever Research Port Sunlight Laboratory. Mudou-se para a Unicamp em 1980, tornando-se professor titular em 1987. Dirigiu o Instituto de Química entre 1994 e 1998, foi Coordenador Geral da Universidade e se aposentou em 2011, assumindo a direção do Laboratório Nacional de Tecnologia, do CNPEM. Sempre manteve uma atividade ninterrupta e intensa de ensino de graduação e de orientação de estudantes, expressa em uma extensa produção científica e tecnológica que foi premiada em muitas ocasiões, no Brasil e Exterior, destacando-se os prêmios Álvaro Alberto em 2005 e o prêmio Anísio Teixeira de Educação, em 2011. Em 2020, recebeu o Prêmio CBMM de Tecnologia, a sua startup Galembetech recebeu prêmios da Abiquim e Abrafati e em 2021 foi premiado como Pesquisador Emérito do CNPq. Muitos dos seus estudantes destacaram-se profissionalmente, em universidades e empresas, no Brasil e no Exterior, sendo também premiados em muitas ocasiões.