11 minute read

Coluna

Next Article
Editorial

Editorial

GRAFENO, NANOTECNOLOGIA E SEMICONDUTORES HOJE E AMANHÃ – PARTE 1

Caros leitores, nesta ocasião gostaria de apresentar a vocês o que vem acontecendo em termos de tecnologias e políticas públicas internacionais e nacionais, que reforçam o compromisso dos países em manter sua soberania em tecnologias críticas como os semicondutores. Recentemente, e devido a disrupção na cadeia produtiva causada inicialmente pela pandeia, depois com a guerra da Ucrânia e Rússia, e agora com esta instabilidade geopolítica, os semicondutores praticamente sumiram do mercado. O problema de hoje é que praticamente tudo no mundo depende de semicondutores. Em especial, um dos setores noticiados que mais sentiu essa falta foi o automotivo e eletrônicos (Figura 1), que foi forçado a cortar a produção em um total de 19,6 milhões de veículos entre 2021 e 2023. Isso já causou uma perda de US$ 210 bilhões em 2021 e aumentou o lead time de 3 a 4 meses para 10 a 12 meses1. Segundo a J.P. Morgam, pelo cenário atual essa falta de semicondutores deve se estender até 20242. Esse problema foi causado pela forma como a cadeia de valor global foi estabelecida e sua dependência intrínseca em silício (Si), germânio (Ge) e arseneto de gálio (GaAs). O mundo antes da pandemia, produzia 8.000 MT de silício e a China é de longe o maior produtor dessas matérias primas, em especial o silício, com produção de 6.000 MT em 2021, seguido da Rússia com 580 MT e o Brasil com 390 MT, ou seja, a China detém ao menos 70% da produção global. A China vem enfrentando diversos problemas trabalhistas em suas minas de silício, e recentemente os Estados Unidos começou a não aceitar mais o silício produzido na China.

Advertisement

A raiz do problema começa na falta do matéria-prima base para se produzir os semicondutores, no entanto existem somente 6 fabricantes de wafers de silício no mundo que fornecem para toda a cadeia de semicondutores. Isto implica em mais um imenso gargalo que segundo noticiado pela Bloomberg, já em 2022 aumentou o lead time do semicondutor para próximo de 30 semanas em média. De fato, um automóvel atual embarca mais de 1.400 semicondutores para

Figura 2. Lead time de semicondutores e suas aplicações na indústria automotivo5

controlar desde airbags ao motor. Mas existem casos de tipos de semicondutores como os MOSFET, no qual o lead time médio chega a 52 semanas. Os MOSFET são muito utilizados no setor, para o acionamento de motores e uma ampla gama de aplicações, como bombas, ventiladores, ventilação, ajuste de assento ou teto solar entre outras aplicações. Devido aos cortes de produção na China e todo esse cenário de crise, o preço do silício disparou e aumentou 300%4 o que causou um aumento no wafer de silício de 25%.

Portanto, o problema da crise de semicondutores se focarmos na questão matéria-prima, possui dois gargalos principais: o e domínio de praticamente um país na produção das matéria-primas e o número de fabricantes de wafers para atender toda a demanda global. Mas o mundo não está assistindo essa crise sem tomar nenhuma providência. A primeira ação veio em julho de 2022, quando o Estados Unidos, passou a nova lei de Chips (Chips and Science Act), promulgado pelo Presidente Biden em agosto deste ano. A lei do Chip norte americana, libera um total de US$ 280 bilhões6: na qual foi destinado US$ 52,7 bilhões em subsídios para fabricantes de chips; um credito de imposto de 25% para novas plantas de fabricação de chips; US$ 10 bilhões para o Departamento de Comércio criar 20 hubs tecnológicos para semicondutores, e US$ 200 bilhões para iniciativas de fabricação e pesquisa em áreas como IA, robótica, computação quântica e muito mais. A lei ainda explicita que essa ação é uma frente de proteção dos Estados Unidos contra o rápido avanço e domínio Chines do mercado de semicondutores, que detém atualmente 24% do mercado contra apenas 12% pelos Estados Unidos7 . Essa ação foi também desencadeada devido ao temor dos Chineses tomarem a produção de semicondutores de Taiwan.

A União Europeia também deu uma resposta a essa crise, e logo lançou o European Chip Act com um pacote de € 42 bilhões8 em recursos público e privados. A lei europeia é baseada em três pilares:

Pilar 1: criação da Iniciativa Chips for Europe para apoiar a capacitação tecnológica e a inovação em grande escala em toda a UE para permitir o desenvolvimento e a implantação de semicondutores e tecnologias quânticas de ponta e da próxima geração que fortalecerão as capacidades e competências da UE em design avançado, integração de sistemas e produção de componentes; mais especificamente, a Iniciativa Chips for Europe inclui cinco objetivos operacionais relacionados com: o desenvolvimento de linhas-piloto, para testar e experimentar tecnologias de processo inovadoras e conceitos de design; o desenvolvimento de uma plataforma de design, para facilitar o acesso a recursos de design; suporte a chips quânticos; a criação de centros de competência e reforço de competências, para aumentar o acesso e o talento em toda a União; e um Chips Fund, para apoiar start-ups e expansão de PMEs; Pilar 2: criação de um quadro para garantir a segurança do abastecimento, atraindo maior investimento e capacidade de produção na fabricação de semicondutores, bem como na embalagem e testes avançados e montagem através de instalações de produção integradas inéditas e fundições abertas da UE; Pilar 3: estabelecer um mecanismo para coordenar a vigilância e a resposta à crise entre os Estados-Membros e a Comissão para reforçar a colaboração com e entre os Estados-Membros, monitorizar o fornecimento de semicondutores, estimar a procura, antecipar a escassez, desencadear a ativação de uma fase de crise e implantar uma caixa de ferramentas dedicada.

A Lei de Chips da UE também aponta para o atual domínio das empresas americanas no setor de serviços em nuvem ou Edge Computing (Computação de Borda), no qual as empresas americanas recebem 80% das receitas de processamento de dados, e visa dobrar a participação da UE na fabricação global de chips avançados de 10% para 20 % até 2030.

Não só os EUA e a Europa lançaram sua própria lei de chips, mas a Coréia do Sul também aprovou uma legislação destinada a sustentar sua própria indústria de semicondutores, reduzindo de 6% a 10% incentivo fiscal corporativo para investimento em instalações e 30% a 40% por cento de crédito fiscal para pesquisa e desenvolvimento9. Da mesma forma, a China acaba de anunciar US$ 143 bilhões10 em subsídios de chips e apoio à fabricação doméstica para combater as restrições e restrições à exportação dos EUA.

O Conselho de Comércio e Tecnologia EUA-Europa (TTC) não irá tentar desacelerar a China, o que provavelmente é

uma missão impossível, dada a natureza e a velocidade dos avanços tecnológicos mundiais. Ele estará focado em acelerar seus parceiros por meio de projetos de pesquisa colaborativos. Uma aliança chamada Chip 4, incialmente concebida para EUA, Japão, Coreia dos Sul e Tawain, segundo especialistas será expandida para Chip X, pois incluirão a EU, Índia e Singapura na esperança de coordenação entre estes países com indústrias de semicondutores, aumentando os benefícios potenciais da aliança contra o avanço da China11 .

Todas essas medidas são protecionistas em maior ou em menor grau, mas o fato é que são mediadas que destravam trilhões de dólares a serem investidos nas próximas décadas em fabricação, desenvolvimento e pesquisas. O que se nota nessas leis é boa parte dos recursos destinados está alocado em Pesquisa de Desenvolvimento, pois a ênfase de todos esses incentivos e subsídios está ligada diretamente ao uso da nanotecnologia para a geração de novos semicondutores.

Os novos semicondutores estão sendo projetados para também reduzir a dependência do silício, utilizando outros elementos na fabricação, como os materiais 2D em especial o grafeno dopado com outros elementos químicos e até mesmo pontos quânticos devido a excelente capacidade de controlar fótons. Segundo a Mckinsey, os custos para as empresas de semicondutores continuam a aumentar à medida que mudam para as fábricas de próxima geração. Para obter ganhos de desempenho similares, as empresas devem aumentar os gastos de capital em até 40% (devido a requisitos para novos equipamentos) e os gastos com P&D em 150% para atingir o mesmo rendimento12 .

Além deste desafio, o crescimento no do silício também é incerto porque a inovação está alcançando as limitações físicas do materia. O tamanho limite da linha para construção de transistores de silício é de 2 nm. A TMSC, empresa de Tawain, anunciou recentemente que irá produzir wafer com nó de 3 nm13 de alta performance e alta densidade, custando o dobro do atual wafer (US$ 20.000 a peça). No entanto, ao se aproximar do limite do material, o desempenho do silício é severamente inibido por efeitos quânticos pouco conhecidos como o tunelamento, vazamentos e problemas de calor. Limitações na litografia, instrumentação e fabricação de estruturas nanométricas também impedirão os avanços em wafers de sílicio.

Ainda é incerto que o Grafeno substituirá o silício em semicondutores. O mais provável é que a substituição virá de um conjunto de combinações de propriedades eletrônicas, custo e facilidade de integração com a cadeia atual de fabricação de semicontudores. O grafeno tem muitas propriedades que o tornam um material ideal para dispositivos eletrônicos, desde suas propriedades superiores de condutividade elétrica até sua mobilidade balística e sua área de superfície ativa. Porém ao contrário do silício o grafeno é um condutor, ou seja, não pode ser ligado e desligado sob demanda assim como os semicondutores.

A espessura atômica das folhas de grafeno imprime uma flexibilidade inerente não encontrada no silício ou em muitos outros materiais disponíveis. Isso torna o grafeno uma proposta muito viável e interessante para eletrônicos flexíveis, vestíveis e impressos. Essa característica pode descortinar

Leandro Antunes Berti www.leandroberti.com.br

Figura 4. Primeiro chip feito de nanotubos de grafeno sem silício16

uma nova era na produção de semicondutores, que hoje é muito dependente de materiais sólidos e extremamente duros e não flexíveis, processos ultra limpos, de alta temperatura e de alto custo. O grafeno pode por exemplo ser adicionado em tinta e ser impresso facilmente em uma impressora convencional para a criação de circuitos, isso reduz drasticamente o custo dos eletrônicos. Mas enquanto não é possível simplesmente imprimir semicondutores em escala industrial para abastecer o mercado, engenheiros de Stanford conseguiram criar um chip complemente fabricado com nanotubos de grafeno (Figura 4)15 . A equipe demonstrou que transistores menores que 10 nm feitos de nanotubos num total de 178 transistores, energeticamente eficientes do que transistores similares feitos de outros materiais como o silício. Apesar do feito, este chip de nanotubos possui 10 milhões de vezes menos transistores do que os microprocessadores atuais, funciona muito mais lentamente e opera em uma tensão cinco vezes maior, consumindo cerca de 25 vezes mais energia . Porém, foi feito e testado em um computador real no qual executaram um programa. Já existem outras iniciativas em andamento para substituir o silício em semicondutores, mas em sua maioria elas ainda estão maduras o suficiente para chegar ao mercado.

Qual o papel do Brasil em tudo isso? Estamos vivenciando neste exato momento uma nova janela de oportunidade para o Brasil se posicionar estrategicamente. A mais de 50 anos

atrás o Brasil perdeu uma grande chance de contribuir para esse extraordinário avanço tecnológico. Hoje o Brasil apenas exporta matéria-prima base, principalmente sílica (areia) para outros países beneficiarem. Precisamos fazer mais, pois o futuro do nosso país passa também em dominar ao menos um pouco dessa cadeia da produção de semicondutores para desfrutar de um lugar relevante no cenário mundial e não apenas ser um novo expectador.

Na próxima parte detalharemos mais como o Grafeno e outros nanomateriais poderão contribuir para o avanço dos semicondutores.

Grafeno é o futuro da sustentabilidade!

Muito obrigado pela atenção e aproveitem a nossa Revista Grafeno.

Aguardem as novidades nas próximas edições.

1. https://www.mckinsey.com/industries/semiconductors/ our-insights/semiconductor-shortage-how-the-automotive-industry-can-succeed 2. https://www.jpmorgan.com/insights/research/supply-chain-chip-shortage 3. https://www.bain.com/insights/a-chip-shortage-recovery-guide/ 4. https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-10-01/silicon-s-300-surge-throws-another-price-shock-at-the-world 5. https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-10-26/chip-lead-times-begin-to-slow-suggesting-shortages-have-peaked 6. https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2022/08/09/fact-sheet-chips-and-science-act-will-lower-costs-create-jobs-strengthen-supply-chains-and-counter-china/ 7. https://www.forbes.com/sites/ethankarp/2022/09/27/ four-takeaways-from-americas-280-billion-industrial-policy-to-counter-china/?sh=25300ff3147e 8. https://techhq.com/2022/11/the-e43-billion-eu-chips-act-gets-green-light-from-european-nations-whats-next/ 9. https://www.koreaherald.com/view. php?ud=20220124000671 10. https://www.reuters.com/technology/china-plans-over-143-bln-push-boost-domestic-chips-compete-with-us-sources-2022-12-13/ 11. https://www.eetimes.com/in-a-switch-south-korea-joining-chip-4-talks/ 12. https://www.mckinsey.com/industries/semiconductors/ our-insights/graphene-the-next-s-curve-for-semiconductors 13. https://www.siliconexpert.com/tsmc-3nm-wafer/ 14. https://www.mckinsey.com/industries/industrials-and-electronics/our-insights/semiconductor-design-and-manufacturing-achieving-leading-edge-capabilities 15. https://www.smithsonianmag.com/smart-news/advanced-carbon-nanotube-microprocessor-created-180973013/ 16. https://www.technologyreview.com/2013/09/25/176332/ the-first-carbon-nanotube-computer/

CEO da FIBER INOVA (www.leandroberti.com.br), Leandro Antunes Berti: Doutor em Nanotecnologia e Pós-doutor em Nanobiotecnologia e Presidente da Associação Brasileira de Nanotecnologia– BrasilNano, Mentor do Nucleo de Grafeno da SAE BRASIL; Foi Idealizador e Coordenador do SUPERHUB de Nanotecnologia do Paraná, foi Coordenador-Geral de Tecnologias Convergentes e Habilitadoras (CGTC) e Coordenador-Geral de Tecnologias Estratégicas, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações do Brasil (MCTIC), responsável pela política pública nacional, estratégia, iniciativas de Nanotecnologia, Fotônica, Materiais Avançados e Manufatura Avançada. Criou o Plano de Ação Nacional de Tecnologias Convergentes e Habilitadoras, incluiu a Nanotecnologia no programa Rota 2030, escreveu o Marco Legal da Nanotecnologia e Materiais Avançados (PL 880/2019). Foi Membro da Comissão de Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, BRICS WG Photonics National Representative, OECD (Bio-, Nano- and Converging Technologies (BNCT)) - Nanotecnology National Representative, Brazil-Canada Joint Committee for Cooperation on Science, Technology and Innovation; Diretor do Centro Brasileiro-Argentino de Nanotecnologia, Presidente do Centro Brasileiro-Chinês de Nanotecnologia. Foi Secretário Executivo do API. nano, na Fundação CERTI. Autor dos primeiros livros nacionais sobre regulação com Nanossegurança: Guia de Boas Práticas em Nanotecnologia para Indústria e Laboratórios e Nanossegurança na Prática: Diretrizes para análise de segurança de empresas, laboratórios e consumidores que usam nanotecnologia.

This article is from: