T G O E 2020 /2021 (1º ano)
Lério Noronha João Vítor Sofia Furtado
CASA TANIKAWA Kazuo Shinohara
I
II I II III III
IV V
1954 1961 1963 1974 1976 1976 1976 1977 1978 1981 1985
Casa em Kugayama “Umbrella House” “House with an Earthen Floor” Casa Tanikawa House Casa em Uehara Casa em Itoshima Casa em Hanayama Casa em Ashitaka “House on a Curved Road” “House under High-Voltage Lines” Casa em Yokohama
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V
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I.
Shinohara, Tanikawa e a obra de arte
II.
Matéria, sítio e tradição
III. Austera natura
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Caos controlado e Viver a máquina
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I
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Shinohara, Tanikawa e a obra de arte
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A casa Tanikawa, construída em 1974, é uma das obras de arte do arquiteto Kazuo Shinohara. Nascido no dia 2 de abril de 1925, Kazuo foi um grande arquiteto japonês que projetou diversos edifícios públicos de extrema importância no Japão e mais de 30 casas. Fundou a “Escola Shinohara”, cuja influência se espalhou além-fronteiras e inspirou arquitetos de renome como Toyo Ito, vencedor do prémio Pritzker em 2013. A obra do arquiteto é frequentemente classificada como lúcida e efémera1, características herdadas da arquitetura tradicional japonesa, e sempre assente numa forte convicção de que a casa é uma “obra de arte” 2. Reconhecido como o maior arquiteto japonês, influenciando as novas gerações de jovens alunos e arquitetos, faleceu em 2006, deixando a sua marca na arquitetura. O cliente do projeto da casa Tanikawa foi Shuntaro Tanikawa, um dos mais conceituados poetas japoneses contemporâneos. Shuntaro já escreveu mais de 60 livros de poesia e traduziu várias obras para a língua nipónica. Entre as suas obras, o poeta escreveu a letra da música “Carrossel da vida”, do famoso filme “O castelo andante”3, do Studio Ghibli. O poeta pretendia construir uma casa de férias na paisagem montanhosa da prefeitura japonesa de Nagano, num terreno que pertencia ao pai, onde costumava passar o verão. Pediu a Shinohara, o qual já tinha projetado a sua casa em Tóquio, que se encarregasse deste novo projeto. Shuntaro, através da sua arte, terá escrito um poema onde expressou o que pretendia da obra que encomendara, tendo usado a palavra “Igreja” e “Fortaleza” para a descrever.
4 “Winter house or pioneer cabin (house) Summer space or church for a pantheist (need not be a house).”
“Fuyu no ie mata wa kaitakusha no kōya (jūtaku). Natsu no kūkan mata wa hanshinronsha no kyōkai (jūtaku de nakute ii)”.
O poeta procurava uma construção com um design profundamente livre5, onde pudesse viver com a família, trabalhar calmamente e organizar exposições e encontros com artistas e intelectuais. Com o projeto terminado, tinha em sua posse uma “escultura”5, mais tarde adquirida por um segundo proprietário, Kasuhito Yoshii. colecionador de arte e fundador da Yoshii Gallery em Nova Iorque. Esta obra foi recentemente adquirida por Masamichi Toyama (em 2019), sendo utilizada tanto como residência como para eventos musicais e literários. Curiosamente, com a passagem do tempo e com a mudança de proprietários, a casa continua a ir de encontro ao seu propósito original, como se a sua essência estivesse em plena sintonia com algo inexplicável, metafísico, universal, um “núcleo” que pulsa e ao qual chamamos de Arte. Em agosto de 2018, Shuntaro Tanikawa revisitou a casa com o seu filho, Kensaku Tanikawa, convidados para uma sessão de recitação de poesia e, mais tarde, em outubro, também a visitou o arquiteto suíço, Christian Kerez. A casa mantém-se hoje como era há mais de 40 anos, permanecendo um exemplo da arquitetura japonesa do século XX, que adota a noção do vernacular japonês e o transforma.
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1 Archeyes, Kazuo Shinohara Bibliography & Architect Profile, (https://archeyes.com/architects/kazuo-shinohara-bibliography-architect-profile/), fevereiro de 2021 2 Citado em Kazuo Shinohara, ‘Ragyo no kukan wo odan suru toki’, Shinkenchiku vol 51, nº 4 (Abril 1976). Publicado em Inglês como ‘When naked space is traversed’, JA: The Japan Architect, nº 228 (Fevereiro 1976) 3 © 2004 Studio Ghibli NDDMT do “Studio Ghibli
4 Poema original de Shuntaro Tanikawa, Casa Tanikawa, 1974 5 Werk , bauen+wohnen , excerto da entrevista de Christian Kerez a Shūntaro Tanikawa (The “mountain hut” in Kita-Karuizawa (Naganohara), Tradução em iglês de Rodorick O’Donovan,( https://www.wbw.ch/en/magazine/reports/original-texts/ 2015-12-i-had-acquired-a-sculpture.html), fevereiro de 2021
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Foto: © Koji Taki. Source: JA 93/2014 “Kazuo Shinohara - Complete Works in Original Publications” Fig. 1
“A key figure who explicitly rejected Western influences yet appears on almost every branch of the family tree of contemporary Japanese architecture… is Kazuo Shinohara… His effects on the discipline as a theorist, designer and teacher have been immense.”
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– Thomas Daniell1
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II
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Matéria, sítio e tradição
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Fig.5 Foto do interior da casa Ashitaka ,Cortesia de “Kazuo Shibohara architects”,Archeyes (https:// archeyes.com/house-in-ashitaka-1977-kazuo-shinohara/)
Fig.4 Foto da sala de verão (inspirada na Doma), casa Tanikawa, artigo de Marco Ferrari,
La terra del poeta – Kazuo Shinohara e Tanikawa House, 31 de março de 2015, (https://www.ar-
A Casa Tanikawa é um exemplo da posição do arquiteto quanto à sua obra, considerando a “casa como arte”. Através do estudo intensivo das habitações vernaculares japonesas e das muitas mudanças que a contemporaneidade inseriu no pensamento arquitetónico, Shinohara faz da casa o foco da sua visão artística. Ao debruçarmo-nos sobre a Casa Tanikawa é possível perceber essa inspiração no vernacular devido a vários fatores, sendo os mais evidentes os materiais de construção, a configuração do telhado de duas águas, as zonas de serviço da casa e a composição retangular do espaço. Do lado de fora, os alçados da casa são simples, construídos em madeira exposta com pequenos vãos horizontais que abrem o campo de visão do exterior para o interior, e a encosta que invade os limites da casa é coberta por um grande telhado que cobre o volume, envolvendo-o num “manto de secretismo”. Coberta e encarcerada, a Doma, um corpo sujo e anárquico, em conjunto com os planos claros e organizadores que num certo ponto “vertem” um sobre o outro, criando a tensão específica das obras deste arquiteto, fazem com que a arquitetura tanto desta casa, como das que se seguiram, ganhe uma lógica e uma coerência precisa, contudo, também seja completamente contraditória, podendo defini-las como “esquizofrénicas”.6 Pelo uso das raízes já estabelecidas pelas inúmeras gerações anteriores, Shinohara não só mostra que é possível integrar a tradição num mundo que cada vez mais se afastava dela, mas que também é possível criar maravilhas da arquitetura sem comprometer a inovação. Paralelamente, esta atitude para com o seu ofício espelha o seu caráter, revelando o enorme respeito e honra pela cultura que o formou como indivíduo e ser humano, e refletindo uma sensibilidade extremamente apurada. Assim, quando construída, a habitação impõe-se, não entrando em conflito com o terreno ou a sua envolvente, mas respeitando-o, sempre mantendo a sua individualidade, como um monólito que assinala a sua presença na paisagem sem a perturbar.
twort.com/2015/03/31/architettura/la-terra-del-poeta-kazuo-shinohara-e-tanikawa-house/)
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6. Markus Breitschmid -Valerio Olgiati. Conversas com os estudantes de arquitetura. 2011
Mantendo-se sempre fiel a esta visão, o arquiteto, a partir da construção da Casa Tanikawa continua a sua procura incessante e obsessiva pela sua Magnum opus, tendo construído nos anos 70 uma série de casas em betão7, entre as quais a casa Ashitaka. Tal como a Casa Tanikawa, esta habitação mostra-se como a sua “irmã” uma vez que mantém as suas raízes fortemente ligadas ao vernacular, sendo herdeira do vernáculo “Chise”8. Voltando a olhar para o lado de fora, observamos um alçado simples, muito sintético, geométrico e direto, estabelecendo um paralelismo com a casa Tanikawa. Porém, a partir da observação de ambas as casas lado a lado, é notável a coerência e ao mesmo tempo a descrepância destas características, dado que a casa Tanikawa só nos revela esta “crueza” da forma, da geometria, dos seus planos e da sua cor pelo interior. Quando avistamos a habitação é percetível o seu caráter severo devido à utilização do betão em toda a sua composição. Também, agora já ladeados pelas paredes, repete-se o espaço com um grande pé direito devido ao ângulo de elevação do telhado, e através de pequenos rasgos ritmados, voltamos a olhar para a natureza infinita. Esta renovação da “Austera Natura” na Casa Ashitaka resulta das inúmeras tentativas, da experimentação, e neste caso, do sucesso que a Casa Tanikawa teve como uma verdadeira obra de arte. É através da sintetização e da alquimia destes fatores que, consequentemente, os conceitos sãos aperfeiçoados, criando assim um novo corpo, capaz de elevar a consciência, a visão e o olhar crítico do artista que cria.
7. Archeyes, House in Ashitaka 1977 / Kazuo Shinohara , FEBRUARY 23, 2016, (https://archeyes.com/house-in-ashitaka-1977-kazuo-shinohara/ ), fevereiro de 2021 8. Estilo tradicional, caracterizado pela pela forma retangular ou quadrada do edifício, utilização de pilares e presença de três janelas com funções específicas, (https://archeyes.com/house-in-ashitaka-1977-kazuo-shinohara/), fevereiro de 2021 Fig.2 Foto do artigo “Tanikawa House and Christian Kerez”, Novembro de 2019, (https://atsushiiwata.com/en/blog-191111/), fevereiro de 2021 Fig.3 Foto do interior da casa Ashitaka ,Cortesia de “Kazuo Shibohara architects”,Archeyes (https://archeyes.com/house-in-ashitaka-1977-kazuo-shinohara/), fevereiro de 2021
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7.60 m
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III
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AUSTERA NATURA Austera Natura e viver a máquina
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Máquina, geradora de movimento contrário à inércia, produtora de esforço. Este dinamismo é replicado na casa Tanikawa, que parece desequilibrada, avassaladora aos olhos de quem a experiencia. A norte, entramos precisamente no meio da ação da grande Doma9 e desde logo, somos recebidos por uma gentil massa de terra que é abruptamente contida por uma barragem de paredes brancas, lâminas que cortam o solo com o seu gume sublimemente afiado. O belíssimo caos inerente da natureza é manipulado/controlado por esta geometrização crua e inflexível do espaço. Primeiramente, apercebemo-nos que é este grande vazio que rege a estrutura, a partir da pequena encosta, das paredes e dos pilares cujo propósito é unicamente estrutural. Shinohara é capaz de criar um “corpo”10 que, de certa forma, é contraditório a ele mesmo devido às duas ambivalências presentes no mesmo espaço, partilhando, não só o lugar como também o tempo, fazendo com que passagem deste coloque ambas as “naturezas” a interagir, sem se destruírem mutuamente. Assim, esta incompatibilidade, estranhamente, poderá proporcionar ao que é construído e novo estabilidade com o que já lá sempre esteve; harmonizando-se, fazendo com que este grande espaço, de certa forma, vá de encontro ao caráter fecundativo da natureza, tornando-o “coração”, o “cérebro” e “alma” da obra.
Ainda neste recinto, numa das suas extremidades, existe um pequeno banco que, devido a todo este movimento ganha um valor excecionalmente importante pois é a partir deste que podemos finalmente parar e encontrarmo-nos com o vazio. Enquadrados com um “pano de cena” feito pela serenidade das árvores e da vegetação em redor, olhamos para fora. Ao olhar outra vez para dentro, finalmente a conseguir compreender o seu significado12, erguem-se três corpos verticais, dois deles, os pilares que “descem do céu sobre o solo nu”13 e um outro corpo, um adereço, uma escada que pousa sobre o terreno inclinado e converge para um só ponto reforçando a verticalidade do espaço. Ao mesmo tempo, serve, tal como o banco, para poder observar a “obra de arte” agora de “dentro para dentro”. É através destes “corpos guia”, colocados precisamente no grande esquema desta sala, que nos apercebemos de um vão estreito situado no lado direito da sala. Voltamos a deambular pela espaço, repetindo outra vez os mesmos movimentos, ao ir de encontro àquela abertura, a qual nos leva à aconchegante e familiar zona de serviço da casa, desdobrada em cozinha, quarto de banho e sala de inverno. Diferencialmente e contrastando com a imensidão da sala de verão, estas pequenas áreas fazem-nos sair do êxtase, da deambulação tanto do corpo como do espírito, enquadrando-nos outra vez com a realidade mais mundana e comum que devido a esta natureza mais contida e familiar, ditam o equilíbrio da composição.
Ao percorrê-lo, percorremo-lo com esforço, tanto físico como mental, subindo e descendo, interpretando-o11; podendo estar, por debaixo deste manto de solo, uma nave que caiu dos céus, agora enterrada e coberta pela terra húmida. As paredes que protegem este recinto, salvaguardam a descoberta desta revelação guardando secretismo com os seus próprios “corpos pálidos”, olhando umas para as outras, e voltando o olhar outra vez para nós, observando-nos com o seu olhar austero. Não sendo uma nave espacial que se despenhou a preencher aquele vazio, então seremos nós, seremos nós com os nossos movimentos gravados somente pelo tempo e pelo solo, e será o nosso calor, os nossos risos, a nossa melancolia, este espaço que é partilhado com os outros. E então, com isto percebemos que o lugar é uma ampliação do nosso ser, podendo assim encerrar todas as possibilidades ou permanecendo inalterado.
9. Espaço da arquitetura tradicional japonesa, caracterizado pelo seu chão em terra 10. Yasumitsu Matsunaga e Kazuo Shinohara, IAUS 17 - Kazuo Shinohara, Rizzoli/ Institute for Architecture & Urban Studies; 1 de janeiro de 1982, Nova Iorque
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11. Enric Masip Bosch, Five forms of emotion : Kazuo Shinohara and the house as a work of art, outubro 2015, Barcelona, pág. 200
Ao observar esta sequência de espaços retangulares, vemos que são salpicados por pérolas de luz, filtradas pela floresta, e entram por rasgos nas paredes que abrem a visão para a natureza perene e constroem uma atmosfera íntima e confortável. Subindo o único vão de escadas, chegamos ao quarto típico japonês, que se desdobra também num escritório. Uma abertura triangular, criada pela interseção da parede com o telhado, no meio da parede lateral que acompanha as escadas, aproveita a luz que atravessa a sala de verão, iluminando o pequeno quarto juntamente com a mansarda que, à cota alta, abre para a belíssima paisagem que emoldura a “infinitude” da terra com a imensidão do céu.
Fig.6, 7, 8 e 9 Fotografias de interior (casa Tanikawa), (https://ofhouses.com/post/160897881201/431-kazuo-shinohara-shuntaru-tanikawa-house ; https://jp.toto.com/tototsushin/2020_autumn/case01.htm)
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12. Retirado da citação: This space has got two props to help people create some sense, or ‘meaning’ to use a Shinohara expression.”, Enric Masip Bosch, Five forms of emotion : Kazuo Shinohara and the house as a work of art, outubro 2015, Barcelona, pág. 213 13. Citação Masamichi Toyama , Case Study#1, (https://jp.toto.com/tototsushin/2020_autumn/case01.htm), fevereiro de 2021
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“Just as the act of reading creates the meaning of the text, the act of inhabitation creates the meaning of the space “ -Thomas Daniel, “An Anatomy Of Influence”, janeiro de 2018