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Edição 1

Abril de 2015

Natimorto Diretor Paulo Machline traz poesia e beleza em um musical silencioso

volte no tempo O ano em que o Cinema Marginal desafiou o Cinema Novo, trazendo um novo cenário ao panorama nacional

Nem Caroço Nem Casca Documentário mostra a reistência das famílias remanescentes dos antigos quilombos




s um a ap re se no, e po rta nt o, de ve mo Es sa é a no ssa 1ª ed içã taç ão à vo cê s! a brasileiro. unicação na área do cinem com de o cul veí vo no um é do eixo A CineB os filmes alternativos, saindo ão ser o foc seu , ora vad ino Com proposta é proporcionar novas grande mídia. Seu objetivo de filmes comentados pela hecer outras nte aberta e curiosas em con me de as sso pe a par s cia ên os a cada experi o que nos comprometerem iss com é E s. fica grá ato em linhagens cin m de experimentar cinéfilos e pessoas que gosta mês! Trazer novidades para ional - que é tão novas visões sobre cinema nac ar on rci po pro e es açõ atr novas ntado à vocês bido. Tudo isso será aprese rce spe de sa pas es vez itas rico e mu e jovialidade. ores: modernidade, beleza sempre dentro dos nossos val mas extremamente filme relativamente novo, um os zem tra o, içã ed sta Ne tipo de filme nias ousadas, Natimorto é o iro e es exõ refl de o ad che a com atual. Re s que levamos para toda a vid ma a, em cin de são ses na que não acaba s forte Nem Caroço mos sobre o delicado ma a gente! Além disso, falare lidade atual das velo Filmes, que mostra a rea No la pe o zid du pro sca Ca as seções Nem ste do Brasil. Além disso, rde no ião reg na s ola mb ilo famílias qu sca das artes pode e cena” mostrarão como a me “Cine-literatura” e “Música dar resultados excelentes! matérias see que, principalmente, essas o içã ed da m ste go e qu s universo Esperamo e conheçam cada vez mais o qu a par l cia ini pé nta po jam apenas um de a vista alcança. iro, que vai muito além de on sile bra a em cin do oso ilh rav ma Boa leitura!

Edi tor a e dir eto ra res pon sáv el : Lho ys Len ny Dir eto ra de art e : Lho ys Len ny Red açã o : Jos é Bru no , Ism ail Xav

ier, Car oli na Mo ura , Ed uar do Val ent e e Ce lso Sab adi n Rev isã o : Sim on e Nik ola us Pub lici dad e : Lho ys Len ny e Lig ia Bar uq ue Cap a : Lho ys Len ny Cin eB é um a pu bli caç ão me nsa l da Ed ito ra Abr il Av. En g. Eu séb io Ste vau x, 823 San to Am aro , São Pau lo - SP (11 ) 592 4-7 453 – Fax : (11 ) 338 4-3 386 Cin eB ON -LI NE ww w.c ine b.c om .br ww w.f ace boo k.c om /Ci neB Par a anu nci ar: anu nci e@ rev ista cin eb. com .br


Seção inter ativa

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Tem áti ca Bat e-pa po

Ag en da

Fla shb ack

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Seção interativa

Sou Cleyson Clemente e tenho 20 anos. Atualmente curso Rádio, TV e Internet na Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação e trabalho na área de comunicação do Sesc Bom Retiro. Me formei em Produção de Áudio e Vídeo pela ETEC Jornalista Roberto Marinho em 2013 e no tabalho de conclusão, produzi e editei o curta-metragem O Estranho. O roteiro, de Alexia Natascha Valente, conta a história de Mateus, um jovem de classe média que começa a expor “aquilo que permanecia oculto”. O texto é baseado no artigo de mesmo nome de Sigmund Freud e discute aquilo que somos por fora e o que guardamos em nossa interioridade. A proposta do trabalho era retratar o universo jovem de forma psicológica e não explorar os dilemas comumente abordados. Com direção e fotografia de Beatriz Belisk, o trabalho explora câmera, planos e atuação. O protagonista tem poucas falas durante o curta e suas características ficam a cargo da interpretação do expectador. O vídeo está disponível no YouTube e há uma página do curta no Facebook. Segue a gente e assista o curta!

SINOPSE: Mateus não é como os outros jovens, não se transforma como eles. Sua falta de contato com as pessoas é incomum. Mas há algo oculto dentro de si que está prestes a vir à luz.

FICHA TÉCNICA: Direção e Fotografia: Beatriz Belisk Roteiro, Som e Direção de Arte: Alexia Natascha Valente Produção e Edição: Cleyson Clemente Assistente de Fotografia: Thiago Akira Assistente de Som: Gustavo Tejada e Matheus Acácio

Link do curta: goo.gl/yI0XOL Página no Facebook: goo.gl/yK8AdL

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Os atores Vitor Gusler e Jaierlles Laurentino e a diretora Beatriz Belisk.

O ator Jaierlles Laurentino interpreta o protagonista Mateus.





Documentário Nem Caroço Nem Casca mostra o lado doce dos quilombos: seus habitantes Uma estrada no interior do Maranhão une os moradores de seis comunidades quilombolas. Tendo como ponto de partida a cidade de Viana, Nem Caroço Nem Casca - Uma História de Quilombolas apresenta o cotidiano destes povoados, ligados pelo mesmo passado de luta e escravidão, onde família, educação, religião, cultura e amor são ferramentas de resistência. Fotos: Divulgação/Novelos Filmes Redação: Carolina Moura


Temática

Em vez de focar no passado, Will decidiu mostrar a vida dos moradores dessas comunidades hoje.

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babaçu é uma fruta que cresce no interior do Braisil, entre as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Entre a casca dura e os caroços dos quais se extrai o óleo de babaçu fica o mesocarpo, a parte doce e nutritiva que compõe muitas receitas locais. Assim é também o documentário Nem Caroço Nem Casca, longa de estreia do diretor Will Martins sobre seis comunidades quilombolas no interior do Maranhão. “É um filme doce. Não vai no caroço da questão, sobre a história de Zumbi e Palmares, mas também não fica na superfície”, diz ele. O filme surge de um projeto audiovisual anterior, “Ideias para salvar o planeta”, sobre as concessões da LT Triângulo e Vila do Conde. Após a experiência vivida com as comunidades quilombolas na Linha de Transmissão de Encruzo, o filme se adapta para mostrar a riqueza cultural das mesmas, dando lugar ao filme Nem Caroço Nem Casca. Uma história das comunidades quilombolas coproduzida por Novelo Films, ONG Me Ensina, Glóbulo Marcas de Propósito e Elecnor Concessões. O projeto, inclusive, apoiou junto à Fundação Cultural Palmares, o processo de certificação de onze comunidades quilombolas. Os Quilombos foram e são comunidades formadas por seres humanos impostos ao regime de escravidão que conseguiam fugir dos feitores e senhores de engenho. Nessas comuniades que tinha como base o coletivismo, eles criavam suas casas e suas famílias às escondidas, enquanto lutavam pela resistência de sua

cultura, buscando lutar incansavelmente pela liberdade. Esses quilombos existem até hoje, e seus residentes – os quilombolas – permanecem na luta por seus direitos e sobrevivência. São seis as comunidades visitadas: Cacoal, Capoeira, Mocambo, Ipiranga, Boa Fé e Santo Inácio. A cada parada na estrada o documentário buscar revelar a sociedade quilombola atual no Maranhão. Como (sobre)vivem, suas casas, as histórias, as fofocas, a formação da sociedade. Os personagens de cada comunidade confidenciam sua história e seu cotidiano para o espectador: são líderes e membros atuantes, homens e mulheres, de jovens a anciãos, que formarão um panorama diversificado do quilombo nos dias atuais. Os temas de cada comunidade se encontram e se complementam conforme se avança o caminho. O documentário não aborda nem o “caroço” da história da consciência negra (a resistência do quilombo nos tempos da escravidão, Ganga-Zumba e Zumbi dos Palmares) e nem um mero deslumbre imagético, a “casca”. O filme está no meio, apostando na leveza da conversa informal como dispositivo para revelar o povo e sua cultura. É através da sua terra, da relação com a sua gente, da música, da emoção genuína, que o filme leva o espectador a se aproximar dos personagens e da atual situação quilombola. A tradição, a visão externa, a transformação, a religiosidade, o trabalho, o sustento que vem da terra, a cultura negra, o presente de um passado de escravidão, o sonho material: são visões plurais onde o espectador é

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“Um homem branco que veio contar nossa história”

passageiro e cúmplice dessa viagem. Nem Caroço Nem Casca – Uma História de Quilombolas parte em busca da identidade e sobrevivência da luta e cultura negra atual, através da voz dos quilombolas. Com experiência em filmes etnográficos acumulada em seu tempo na Plural Filmes, Will decidiu buscar caminhos inexplorados quando foi convidado para dirigir o documentário. Ao invés de focar no passado dos quilombolas, ele quis conhecer seu presente. Para isso passou cinco semanas pela estrada que liga seis comunidades nos arredores da cidade de Viana, conhecendo cada uma delas e seus habitantes. “O filme sai do micro para o macro. Pega nuances de cada indivíduo para traçar a situação quilombola atual”, explica. Cada comunidade apresenta um recorte dessa realidade. Em Cacoal, ele mostra a vida da família Gomes — composta de pai, mãe, três filhos e uma neta. “O ambiente da família deles é diferente. Inclui o afilhado, o vizinho. A concepção de família é coletiva”, conta Will. Em Capoeira, ele mostra a liderança das mulheres, que trabalham como quebradeiras de babaçu enquanto os homens cuidam de casa. Em Mocambo, mostra outra liderança feminina: Severa Mendes, uma senhora de 88 anos que comanda um terreiro de macumba e, de manhã, uma igreja católica. Já Boa fé, o sincretismo religioso foi deixado de lado por uma comunidade inteira que se tornou evangélica.

A comunidade do CACOAL abriu as portas do seu Centro Comunitário para a exibição do filme Nem Caroço Nem Casca. A equipe de produção do documentário esteve presente para apresentar a obra aos principais interessados: os personagens que deram vida a toda a história.

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Will Martins costumava imaginar que seu primeiro longa-metragem seria de ficção. “Mas, querendo ou não, o documentário sempre cruza o meu caminho, e eu nunca disse não para ele”, conta. E o que cruzou seu caminho desta vez não foi um tema simples. “Foi apavorante”, diz ele sobre a experiência. “Mas achei bom sair da minha zona de conforto, porque achei que aí que a magia podia acontecer”. Uma rica experiência: Will explica que a ideia de fazer o filme surgiu por acaso. Ele percebeu que a realidade dos quilombos é um assunto pouco explorado. “Foi mais o tema que me encontrou do que eu que encontrei o tema”, diz. O diretor explica que, no começo, achou que teria muito trabalho para realizar o documentário, mas se sentiu surpreendido. “A única dificuldade que senti foi a distância e o acesso dos locais da filmagem. Mas o bom humor, o carinho, o amor e a oportunidade de estar perto e poder conversar com as pessoas foi muito cativante para mim”, explica. Um novo retrato quilombola: Martins acredita que o filme será de grande importância para a população brasileira. Pois, quando se fala em população negra, pensa-se logo em escravidão. A obra vai além. “No filme conto como os quilombolas vivem hoje, o que se perdeu e o que eles fazem para resgatar e conservar a cultura”. O segredo do filme talvez seja a entrega. “Levei para onde o coração me dizia para ir, foi muito sensorial”, diz Will. Essa experiência acabou se tornando mais que profissional, mas um grande crescimento pessoal. Das comunidades, o que mais chamou sua atenção — e que ele leva para a tela — é o amor e bom-humor daquelas pessoas. Algo que voltou à tona quando exibiu a eles o corte final do filme, ainda em processo de finalização, em fevereiro. “Foi o dia mais emocionante da minha vida. Eles se viam no filme e choravam, vibraram”, conta Will. No fim, um dos entrevistados — Cordeiro, da família Gomes, de Cacoal, lhe disse: “você veio aqui contar nossa história. E a gente vai contar para os nossos filhos a história de um homem branco que veio contar nossa história. Agora você também é parte da família Gomes.” Will Martins é diretor, produtor, roteirista (com ênfase em scriptdoctor) e assistente de direção. Cursou Cinema e Vídeo na Universidade do Sul de Santa Catarina, iniciando seu trabalho com audiovisual em 2004. Realizou trabalhos institucionais como diretor de produção e assistente de criação nos últimos anos para os Ministérios do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome e o Movimento de Educação de Base. Hoje, é sócio, roteirista e diretor da Novelo Filmes, de Florianópolis.

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Flashback

Os marginais assumem a vanguarda cinematográfica Estréia de Júlio Bressane propôs, em 1969, uma estética que radicalizava ainda mais a ruptura pregada pelo Cinema Novo. Texto: Ismail Xavier Fotos: Divulgação

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úlio Bressane tinha 23 anos quando surgiu como um meteoro no cinema nacional, lançando dois longas-metragens praticamente consecutivos e propondo uma estética que radicalizava ainda mais a ruptura pregada pelo Cinema Novo. Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), concebido e filmado em apenas 12 dias, foi o primeiro dos dois. O título do filme é uma referência as manchetes da chamada “imprensa amarela” da época: aquelas manchetes com uma frase resumindo o caso da maneira mais macabra possível, pra você se espantar e comprar o jornal pra ler a notícia, e quando você ia ver, a manchete completamente distorcia a notícia e você acabava com os crimes mais banais num jornal que sujava sua mão. Lançado de forma atabalhoada, o filme ficou em cartaz durante uma semana, em onze salas do país, e acabou retirado de circulação pela censura oficial graças às cenas de violência, consideradas fortes demais para a época. Acabou eternizando-se como um dos primogênitos do chamado “cinema marginal”, espécie de movimento não-oficial de índole niilista, que queria partir do zero para impor um projeto estético de cinema completamente novo. Matou a Família e foi ao Cinema é tido como um dos marcos iniciais do Cinema Marginal, e

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Bressane como um dos responsáveis ( juntamente com Rogério Sganzerla) por imprimir um maior radicalismo ao cinema nacional. Bressane e Rogério Sganzerla, amigo e sócio numa produtora de baixo orçamento, praticavam o lendário “cinema imperfeito” – o Santo Graal da esquerda cinematográfica latino-americana durante a década de 1960 – com um grau de sujeira inédito até então. Eles filmavam com câmeras de 16mm e quebravam todas as convenções narrativas possíveis e imagináveis. Sganzerla era mais irônico. Bressane apostava num estilo mais agressivo e metalingüístico, frequentemente questionando o próprio filme. É o que acontece em Matou a Família e Foi ao Cinema. No longa, são observadas histórias que ocorrem paralelamente e que se unem na exposição da indiferença, representação marginal da repressão vigente ao longo da ditadura militar brasileira. Da análise, percebe-se que, a obra de Bressane abandona o discurso político, expondo a aversão que causa sua realidade circundante e optando por fragmentos narrativos que não se encaixariam em formas tradicionais de representação cênica. O clássico de Bressane é um mockmusical com canções que vão de Carmen Miranda à Roberto


Carlos. Pode passar a impressão de ser fundamentalmente aleatório, mas há uma linearidade evidente, não cronológica ou temporal, mas narrativa, que interliga todos os acontecimentos através da violência, do assassinato, ativados pelo cenário político então vigente. Com repressão, censura, manipulação e AI-5, não é de se espantar que os sentimentos dos personagens estejam tão à flor-da-pele. A pertubação se esconde nas sombras das imagens,excercendo pressão psicológica tal que uns se viram contra outros e, constituindo interlúdio para toda essa confusão fotográfica de violência, um homem é torturado em algum lugar, como se quisessem nos lembrar o contexto à que toda a urbanidade está sujeita. Em Matou a Família..., a violência e o desconforto são de novo as constantes. Neste filme, entretanto, o lugar alegórico dos não-reconciliados se compõe como painel de ações não encadeadas, como coleção de episódios menores (fait divers). O princípio de justaposição característico à alegoria se expressa na série de eventos “fora de contexto”, situações extremas de criminalidade doméstica registradas sem o suplemento da explicação. O primeiro destes eventos corresponde literalmente ao enunciado pelo título, combinação sui generis de duas ordens de fatos: um extraordinário, outro banal. Na primeira sequência, a narração lacônica, sem ênfase ou dramatização, segue a ordem paratática da sentença. Em menos de 10 minutos, Bressane condensa a promessa do título. Uma única sequência exaure o que supostamente duraria 80 minutos. Seis planos curtos e um plano-sequência: eis tudo o que se necessita para que a personagem consuma seu crime. Um plano-epílogo o mostra indo ao cinema para assistir ao filme Perdidas de Amor. Tal esquema minimalista é acionado para expor o estranho “romance familiar”. De

início, temos uma cena curta na qual o jovem está sentado à mesa com os pais, sem dar uma palavra e testemunhando a discussão dos dois sobre a temperatura de um refrigerante - mais um episódio de guerra conjugal. A câmera tudo observa do hall, a uma certa distância, impassível, e a cena, na sua brevidade, expõe queixas e ressentimentos. O próximo plano do filme nos traz o jovem em seu quarto, deitado na cama, em postura própria a fantasias, brincando silenciosamente com uma navalha - novamente no hall, a câmera estática o observa. Em seguida, o primeiro plano mostra seu ritual em detalhe: ele escorrega a navalha lentamente ao longo do pescoço. Novo salto e voltamos ao psicodrama familiar: em frente à TV, os pais discutem a escolha do canal, observados pela câmera sempre no hall; o jovem cruza o nosso campo de visão e sai se despedindo dos pais que quase não têm tempo para o “você já vai?”. Nova elipse. No quarto, o jovem retoma seu ritual mudo com a navalha pontuado pelo som da água na pia. Corte para o banheiro e o jovem é visto em primeiro plano a pingar colírio na vista; faz caretas, é lento nos gestos. O cuidado consigo próprio parece gerar um deleite infantil, momento de feliz regressão no ritual privado que contrasta com seu ar silente e impassível diante dos pais e seus conflitos. Posta a circunstância, vem o desenlace mostrado num único plano-sequência. Usando a mesma navalha, no momento dos crimes, ele é rápido, resoluto, eficiente: primeiro, mata discretamente o pai e, numa ação fora do alcance de nosso olhar, mata a mãe (ouvimos o grito) e, decorrido um lapso de tempo, volta ao hall - lugar de onde, novamente, a câmera observa a catástrofe doméstica - para limpar a navalha numa poltrona que, e do sangue a escorrer pelo tecido, corta-se diretamente para a fachada do cinema: o jovem, agindo

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com naturalidade, compra o ingresso e entra para assistir ao filme Perdidas de Amor. Sobre este jovem e sua família, nada mais se dirá. O filme de sua escolha, Perdidas de Amor, torna-se o elemento em torno do qual o filme de nossa escolha, Matou a Família e Foi ao Cinema, se desenvolve. Daqui pra frente, a história das moças na mansão de Petrópolis é a referência que, depois de cada insert, garante a continuidade de uma situação que tem começo, meio e fim. No entanto, há, entre Matou a Família e Perdidas de Amor, uma relação ambígua que desestabiliza o drama encenado pelas duas moças. Em primeiro lugar, Matou a Família é todo emoldurado por imagens das duas atrizes que interpretam as jovens de Perdidas de Amor: tudo começa com retratos delas, cada qual em separado, e tudo termina com a imagem onde elas, lado a lado no mesmo plano, observam a câmera. Tanto no início quanto no fim, o clima é de um filme doméstico, tipo registro de memória; os rostos de frente para a câmera se encaixam num ambiente arborizado que remete à mansão de Petrópolis onde se vive o drama de Perdidas de Amor, filme introduzido pelo seu gesto de ir ao cinema. O filme dentro do filme se intromete para além das fronteiras indi-

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cadas pela própria ação diegética, de modo a evidenciar o quanto a consistência e homogeneidade dos mundos ficcionais é aqui ilusória. Não estamos numa topologia natural e o espaço criado pelo jogo de Matou a Família permite uma paradoxal mútua inclusão que torna reversível a relação entre conteúdo e continente: dados os dois contextos distintos, cada qual é “subconjunto” do que parece ser um conjunto maior, dependendo do ponto de referência. Ironizando o próprio desconcerto, gerado por tal remissão de duplo sentido, de um filme a outro, uma das moças num dado momento conta à companheira ter assistido a um filme brasileiro. Márcia, a personagem de Perdidas de Amor, diz para a amiga que o filme “me lembrou de você” e alude a uma experiência anterior das duas que, em verdade, coincide perfeitamente com a situação que acompanhamos na tela. Além disso, ela acrescenta que não gostou do que viu, dando ênfase à série inexplicável de “crimes em lugares pobres e sujos que não tinham nada a ver”. Seu diagnóstico meio sonso sobre “as coisas que não têm nada a ver” repercute na cabeça do espectador que, a essa altura, está procurando se situar diante do mosaico de violência apresentado nos “lugares pobres”, em contraponto ao melodrama das duas moças na


mansão rica de Petrópolis cujo desenlace é sugerido neste comentário de uma delas que, entre outros efeitos, fecha o círculo de mútua inclusão do “filme dentro do filme”. O começo do filme onde o jovem mata a família se constitui como paradigma estrutural de um jogo, não como ponto de partida para um encadeamento de fatos, relações de causa e efeito. Nos primeiros minutos, Matou a Família define sua tonalidade e anuncia o estilo de representação que dará conta de um padrão de conduta do que posso chamar “figuras de separação” cujas contradições, mudas ou declaradas, se resolvem apenas na morte. O final violento de Perdidas de Amor, é de várias formas prenunciado e vem coroar de modo catártico um desfile de ações cuja regra se projetou em diferentes espelhos selando os “crimes em lugares pobres e sujos que não têm nada a ver”. O negativo do filme, apesar de seu status de um dos grandes clássicos do cinema brasileiro, está em estado avançado de degradação, o que impossibilitou uma copiagem nova em padrões normais. As cópias localizadas no MAM (Rio), estão uma incompleta e uma em degradação avançada. Com o apoio da Cinemateca Brasileira foi possí-

vel fazer uma nova cópia em equipamentos especiais, capazes de processar o negativo envelhecido. A cópia nova será depositada na Cinemateca do MAM. Matou a Família e Foi ao Cinema faz par com O Bandido da Luz Vermelha do Sganzerla, de 1968. Os dois são grandes marcos do Cinema Marginal. São também dois policiais baseados em notícias de jornal. Em O Bandido da Luz Vermelha, a narração era toda feita de manchetes de jornal da época, sobre o Luz e outros acontecimentos bizarros da época. A diferença está em que, enquanto o Luz era um bandido-estrela, um rockstar do crime, Matou a Família fala sobre crimes ordinários, que acontecem todo dia como pequenas tragédias particulares. O filme de Júlio Bressane também faz pensar também naquela música do Chico Buarque chamada justamente Notícia de Jornal, que começa com como se fosse uma manchete: “tentou contra a existência num humilde barracão” e termina com “a dor da gente não sai no jornal”. Mostrando mais fatos, mais humanidade nas notícias macabras que a gente lia naqueles jornais “se espremer sai sangue”, o Bressane dá conta dessa dor da gente que no jornal nunca sai.



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Música e Cena

Natimorto exige cultura e recompensa com arte O roteiro, assinado por André Pinho, baseia-se no romance O Natimorto - Um Musical Silencioso, de Lourenço Mutarelli, e rendeu um filme igualmente estranho e criativo. Texto: Eduardo Valente e Celso Sabadin Fotos: Divulgação

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atimorto consegue gerar tensão desde suas primeiras imagens e, durante seu desenrolar, desperta sensações que vão da claustrofobia ao desespero. Conforme o filme avança, o espectador assiste a uma relação entre dois adultos que se desenvolve como uma panela de pressão prestes a explodir a qualquer momento. Antes de outras impressões, é importante dizer que Natimorto é um filme bastante autoral, já que é feito a partir do livro de mesmo nome escrito por Lourenço Mutarelli, o mesmo que atua no papel principal. É inegável sua influência na adaptação do romance para roteiro e direção, comandada por Paulo Machline (do curta Uma História de Futebol, indicado ao Oscar em 2000). Um agente musical (Mutarelli, escritor de O Cheiro do Ralo) recebe uma bela cantora em São Paulo (Simone Spoladore, de O Ano em Que Meus Pais Sairam de Férias), com a promessa de apresentá-la a um importante

maestro amigo seu, que a lançaria na carreira musical. Após pegá-la na rodoviária e levá-la a seu quarto de hotel, o Agente, não sem bastante dificuldade de se fazer entender, faz uma proposta à garota: uma vida isolada dentro de um quarto de hotel, onde passaria os dias a lhe contar muitas das histórias que guarda consigo, e ela, por sua vez, cantaria somente para ele, alguém que jamais a trataria com a crueldade dos críticos, que nunca entenderiam a magia de sua voz. Com alguma relutância da cantora, ambos chegam a um acordo segundo o qual apenas o Agente permanece em tempo integral no quarto, sem sair e, principalmente, sem dar nenhuma notícia à sua esposa (Betty Gofman), que surge no filme através de vários flashbacks de uma ocasião bastante conflituosa na qual os três estiveram reunidos. Surge então uma relação de cumplicidade e dependência que beira as raias da loucura, já que a maioria dos diálogos passa pela interpretação arbitrária

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das horríveis figuras nos maços de cigarros. O cigarro é quase um personagem no longa, que tem praticamente apenas dois atores em cena, fuma-se muito, mas muito mesmo. A fumaça, uma bruma que esconde as pessoas e mascara seus sentimentos, é onipresente. Dessa forma, o filme torna-se pesado, com doses de humor muito breves e escassas. Um dos pontos altos do filme são os paralelos traçados entre as imagens de advertência do Ministério da Saúde no verso dos maços e as cartas de tarô lidas por sua tia na infância. Ao comprarem um maço para cada todas as manhãs, o Agente lê a sorte de cada dia para ambos nas fortes imagens de efeitos colaterais, e, a partir dessas interpretações, diversos temas são discutidos, enquanto a convivência passa a ser mais dificultosa a cada dia. Para o Agente, o cigarro é uma espécie de catalisador de sentimentos, emoções ou qualquer outra forma de expressão. O principal acerto de Natimorto, um filme de altos e baixos, é silenciar quando Simone Spoladore canta, ideia implícita no próprio subtítulo do livro de 2004 em que o filme se baseia, O Natimorto - Um Musical Silencioso. A personagem tem supostamente a mais bela das vozes. Não a ouvimos porque isso a estragaria; a beleza é intangível. As marcas de Lourenço Mutarelli, autor do romance e protagonista do filme, são facilmente identificáveis neste psicodrama de teor autobiográfico, sobre um escritor caça-talentos que, encantado com a cantora, sugere que os dois vivam isolados em um quarto de hotel para o resto da vida. O transtorno romântico-obsessivo é o mesmo de O Cheiro do Ralo, e ganha contornos esotéricos com o tarô jogado, diariamente, nas fotos da campanha antitabagista dos maços de cigarro. O que está no nervo do filme, porém, não tem nada de místico. É a questão do prazer estético. Onde e como buscar a beleza e o que fazer dela são os dilemas que originam todos os demais em Natimorto, porque vão de encontro à crise do autor. Escrever, afinal, não deixa de ser uma busca pelo belo. Como enxergar a beleza depende, por contraste, da aceitação das imperfeições do mundo, o Mutarelli personagem se vê desafiado naquela que é a sua única convicção, a misantropia. Dá pra fazer uma leitura religiosa de Natimorto - o enforcado do tarô às vezes é retratado como um Cristo crucificado de cabeça para baixo -, mas, independente dessa interpretação, temos aqui em curso, sem dúvida, uma tentação da carne, como se aquele prazer estético, em si, fosse quase um pecado. O homem impotente ante a nudez da mulher ideal é mais uma reiteração do autor em conflito, com suas ilusões de pureza, diante da sedução do mundo.

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O Agente e a Voz (codinomes dos personagens principais) tem um de seus devaneios enquanto fumam.

Entranhas artificiais Desde seus primeiros momentos, seja através da narração em off, seja através do uso hiperbolizado da trilha musical, Natimorto deixa claro que não pretende estabelecer com o mundo que cria nenhum tipo de relação naturalista. É um filme que abraçará o artifício sempre, o que só se radicaliza no momento em que se instala quase definitivamente dentro de um quarto de hotel com seus dois protagonistas. Neste quarto, Paulo Machline usará vários efeitos de iluminação e câmera na relação com os personagens, inclusive com um dos usos mais ostensivos da luz de neón (ou melhor, a simulação do seu efeito) que vemos no cinema em muito tempo. Esta luz certamente trará lembranças do chamado neón-realismo paulista dos anos 80, momento em que alguns cineastas expuseram o desejo de confrontar uma linguagem realista (que consideravam “dominante” no cinema brasileiro), afirmando, assim, que o artifício poderia revelar tanto ou mais dos dilemas humanos (principalmente os da alma). Se pensarmos bem, não é nada muito diferente do que o personagem principal de Natimorto se propõe: criar mundo à parte num quarto de hotel, mundo este artificial por definição (pelo seu confinamento) e regido por regras próprias, para fugir do que considera o realismo dolorido (e mais falso) das relações humanas fora dele. O artifício e o teatro, aqui, seriam formas de chegar numa verdade maior, que revelaria algo de essencial sobre as entranhas da existência humana. Entranhas, aliás, é palavra sempre necessária ao tratar do universo criado nos trabalhos de Lourenço Mutarelli. O artista começou nos quadrinhos e chegou à literatura num processo de depuração da sua arte, onde as imagens factuais (os desenhos) foram sendo excluídas em troca da criação de um mundo cada vez mais internalizado (pois imaginário, visualizado apenas por quem escreve ou lê, sem objetividade possível de imagens). Não deixa de ser curioso que este mundo agora seja considerado material de base para se transformar de novo em imagens (não apenas com a concordância dele,


Cartaz oficial do filme.

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mas com sua participação ativa – aqui como ator principal inclusive), processo no qual, em ambos os casos, parece sempre perder um tanto de sua força original. Sim, porque se o mundo de teatro criado por Paulo Machline (como já havia ocorrido antes com Heitor Dhalia no outro filme, numa relação mais próxima com a linguagem publicitária, como já dissemos aqui) possui uma beleza inegável, é justamente esta que acaba sendo contraproducente ao sentido primeiro da obra de Mutarelli, de vísceras abertas do que de mais angustiante haveria na experiência humana. Pois a artificialidade que se constrói através do extremo domínio da forma, que o filme apresenta sequência após sequência, é uma que, embora assumida como tal e com sentido dentro da narração, acaba criando uma parede entre a nossa experiência e a decomposição gradual dos personagens. As frases excessivamente literárias dos personagens ganham um peso de discurso hiper-presente que esvazia a potência das imagens, principalmente através da forma de sua enunciação. Como resultado, temos uma experiência um tanto higienizada de mergulho na insanidade, a qual apreciamos de longe, com uma distância para os personagens que nunca é o que se busca (e encontra) nos trabalhos literários do autor. E isso não configura um problema de adaptação, mas sim de criação, pois o belo mundo audiovisual de Natimorto é também aquilo que define os limites de sua experiência.

A charmosa decadência do isolamento A obra se ocupa muito mais em provocar perguntas que oferecer respostas. Explora o confinamento claustrofóbico de personagens que transitam com total desenvoltura entre o verossímil e o totalmente fantasioso. Propõe uma situação limite. Enfoca uma relação simbiótica onde ele busca um isolamento mórbido enquanto ela procura uma sombra segura para desabrochar. E deixam seus futuros serem regidos por ícones tão improváveis como um baralho de tarô ou, pior, as imagens de advertência que o Ministério da Saúde estampa nas embalagens de cigarros. Quem pautaria sua vida por informações fornecidas por um Ministério? Mistério. Num primeiro momento, teme-se por um filme teatral. Não exatamente pela sua unidade cênica, mas pela interpretação claudicante de Mutarelli, bastante fraca nos primeiros minutos. Aos poucos, porém, de alguma forma este defeito é corrigido, e prevalecem na tela a atraente estranheza pelos personagens e a bela fotografia de Lito Mendes da Rocha. O filme demonstra qualidade na direção de arte e fotografia, como quando o carpete do quarto sofre influência das luzes noturnas que invadem a janela, e outros detalhes que tornam ainda mais intensa a sensação de desconforto ao assistir a película. Em contraste, Natimorto apresenta personagens e atuações nem sempre verossímeis ou convincentes. Em muitos momentos, falas, reações e atitudes surgem e desaparecem de forma não natural, passando uma impressão um pouco pretensiosa da humanidade, por intermédio de discussões filosóficas propostas pelo roteiro. Também há qualquer coisa do Anticristo (2009) de Lars Von Trier nessa verve psicanalítica de abandonar um homem e uma mulher à própria sorte. Anticristo enveredava pelos delírios da sexualidade e do trauma, sendo quase freudiano. Natimorto já se mete com filosofia para revirar as entranhas da angústia de existir e, talvez por isso, ganha ares lacanianos. Mais do que disposição, Natimorto exigirá erudição de seu público. Quem não tem muita ideia de quem sejam Nietzsche, Lacan, Magritte ou Eça de Queirós pode achar tudo meio chato. Um risco assumido pelo diretor. Mas, riscos assumidos, vale repetir, a recompensa é das grandes. A certa altura do filme, o personagem de Mutarelli grita angustiado que não consegue se ver. Afinal, no espelho, só se enxerga invertido – e dá-lhe Lacan com seu “estádio do espelho”. Assistir Natimorto e entregar-se à experiência proporcionada pelo filme é vislumbrar, ainda que por um átimo, a própria imagem, sem inversão. Para o desgosto de Narciso, que acha feio o que não é espelho...

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Agenda Mostra Viagens no Tempo

Retrospectiva Roberto Santos

Cine na Praça

A mostra é uma seleção de filmes que apresentam narrativas que percorrem e envolvem viagens através do tempo. Entre as obras selecionadas, estão A Máquina do Tempo, Eu Te Amo, Eu Te Amo, De Volta Para o Futuro e o curta brasileiro Barbosa, de Jorge Furtado. Veja a programação completa dos filmes em www.usp.br/cinusp. CINUSP R. do Anfiteatro, 181 - Colmeia Favo 04 - Cidade Universitária De 20 de março a 17 de abril

Roberto Santos é um dos alicerces do cinema paulista moderno: Autor de clássicos obrigatórios, como O Grande Momento, A Hora e Vez de Augusto Matraga e O Homem Nu, e de filmes a serem revistos e descobertos como Um Anjo mau, As três Mortes de Solano e Os Amantes da Chuva, a Cinemateca homenageia esse mestre do cinema brasileiro entre os dias 2 e 19 de abril. Cinemateca Brasileira Lgo. Senador Raul Cardoso, 207 Vila Clementino

O projeto, ativo desde 2012 trazendo sessões de cinema ao céu aberto, é reconhecido por selecionar grandes obras das telonas para exibição em ambientes de natureza abundante. Em homenagem ao cineasta Alfred Hitchcock, serão exibidos os filmes Janela Indiscreta, Um Corpo que Cai, Disque M para Matar, Os Pássaros e Psicose, respectivamente nos dias 2, 9, 16, 23 e 30 de abril, sempre às 19h. Praça Victor Civita R. Sumidouro, 580 - Pinheiros

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Cine Parque

20ª edição do É Tudo Verdade

14ª Mostra do Filme Livre

Com a primeira edição no dia 19 de abril, trata-se de uma proposta de ocupação do espaço público da Cinemateca com piqueniques, redes espalhadas pelas árvores, espaço para alimentação com food trucks. Para as crianças serão oferecidas brincadeiras como bambolê, corda e peteca. E às 19h30, haverá exibição do clássico da animação nacional Mônica e a Sereia do Rio. Cinemateca Brasileira Lgo. Senador Raul Cardoso, 207 Vila Clementino

O É Tudo Verdade, Festival Internacional de Cinema Documentário traz uma seleção de 109 títulos para diversas salas da cidade, entre os dias 9 e 19 de abril. Dois equipamentos municipais, o Cine Olido e o Centro Cultural São Paulo, recebem parte dessa programação. Confira todos os filmes que serão exibidos no site etudoverdade.com. Centro Cultural São Paulo R. Vergueiro, 1.000 - Paraíso Galeria Olido Av. São João, 473 - Centro

A 14ª Mostra do Filme Livre se firma como a mais longa mostra brasileira focada na difusão da produção autoral e independente nacional, com mais de 250 filmes de todos os gêneros, formatos e durações. Também promove cursos e oficinas de vídeo e este ano homenageia o cineasta Maurice Capovilla. Confira a programação em www.mostralivre.com. Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo R. Álvares Penteado, 112 - Centro

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Ingressos à R$4 - Meia R$2



Bate-papo

Clara Choveaux Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas. Fotos: Leo Lara/Universo Produção

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lara Choveaux tem uma trajetória singular: nasceu no Paraguai, vive no Brasil e foi lançada mundialmente no cinema na França. Com formação em balé clássico, atua na dança e no teatro, mas o trabalho como atriz profissional se dá em solo francês, onde conheceu o cineasta francês e fez uma ponta em seu filme Le Pornographe (2001), dois anos depois, fez o projeto do Tiresia (2003), em que interpreta uma transexual. O filme “Tiresia” fez sucesso, foi selecionado para o Festival de Cannes, e lançou sua carreira internacional como protagonista encarnando uma personagem complexa: “É, porque a primeira vez que eu me vi de barba eu levei um susto. Também é uma transformação e tanta mesmo, você se vê ambígua, é meio monstruoso, realmente mexe”. Depois de morar na França, onde atuou em vários trabalhos, Clara Choveaux retorna ao Brasil. A atriz está hipnotizante em Exilados do Vulcão, filme marcado pela estética singular da cineasta Paula Gaitán, vencedor do prêmio de Melhor Filme no Festival de Brasília 2013. Clara Choveaux esteve na 17ª Mostra de Cinema de Tiradentes para o lançamento de Exilados do Vulcão. A atriz conversou com a CineB e repassou sua trajetória: falou sobre sua formação, os trabalhos na França e bo Brasil, no cinema e no teatro, os filmes, a experiência em Exilados do Vulcão e, claro, os trabalhos que virão pela frente. CineB: Para a gente começar: nome, cidade que nasceu, data de nascimento e formação. Clara Choveaux: Olha, meu nome completo no Brasil é Clara Chouveaux Telles, meu nome na França é Clara Chouveaux, e no Paraguai é Clara Chouveaux de Novaes. Porque eu nasci no Paraguai, tenho uma mãe mineira e um pai francês. Eu nasci dia 8 de outubro de 1974. A minha formação é de balé clássico, só que eu cresci demais e não deu para continuar no clássico, aí eu me interessei muito pelo teatro. Fiz uma faculdade de teatro e uma faculdade de sociologia, em São Paulo, enquanto eu morei lá. CineB: Em qual escola? Clara: PUC, e Anhembi de Teatro. Mas eu não terminei nenhuma das duas, em 2005 eu me mudei para a França, lá eu comecei a fazer cinema profissional e desde então nunca mais parei. CineB: E é na França que você vai ter projeção, não é? Clara: É na França que eu tenho meu primeiro trabalho profissional. Fui visitar o meu pai que estava muito doente. Eu não conhecia meu pai direito, porque ele é francês

e morou a vida inteira lá. Foi exatamente isso, eu fui visitá-lo e acabou acontecendo, o universo conspira quando a gente deseja muito, né, eu acredito nisso. Então aconteceu de eu encontrar por acaso o Bertrand Bonello, que me convidou pra fazer uma figuração em um filme dele no ano de 2000, e me falou: “eu vou te ligar daqui um tempo para um próximo papel”. Eu pensei “vou esperar sentada, imagina que ele vai me ligar”. Mas enfim, ele me ligou realmente dois anos depois e era esse projeto do Tiresia (2003), em que eu faço essa transexual. CineB: Esse primeiro nem foi ponta, foi figuração? Clara: Foi ponta, obrigada. Desculpa, tem uma diferença entre ponta e figuração, a ponta fala né? Ali eu falo duas palavrinhas e contraceno com o Jean-Pierre Leaud, foi uma emoção. CineB: Qual era o nome do filme? Clara: Le Pornographe (2001). É uma história de um diretor de cinema pornô, foi um filme muito interessante, em que eu fiz o papel de uma atriz pornô. Todos os outros atores pornôs eram atores pornôs, menos eu, então eu não fiz as cenas de sexo porque eu não

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era profissional do sexo. Ali ele já me viu, e por causa do meu tamanho, de uma cara mais masculina, ele pensou em mim para o projeto dele que estava engavetado há sete anos, que era o Tiresia. E aí foi a minha primeira experiência realmente profissional, com muita responsabilidade, porque era o papel principal, de transformação, e de muita pesquisa. Então esse papel realmente mudou a minha vida. O filme teve uma carreira de festival muito bacana, e é um filme de cinema autoral, filmes que ficam né, apesar de ser um filme difícil, nem todo mundo está mesmo disposto a ver até o final. Porque tem muita cena de violência, é um cinema que tem uma linguagem muito própria, que é a dele, de pesquisa, é um filme muito importante na minha carreira, em 2003 ele foi para o Festival de Cannes, na seleção oficial, e entrou no circuito de festivais em 2003. CineB: Então você não tinha experiência como atriz... Clara: Como atriz profissional não, eu tinha feito um pouquinho de teatro, dança e só. Então, realmente, ele foi muito audacioso. CineB: Você consegue se lembrar do primeiro set? Como foi? Clara: Foi muito impressionante já quando eu fiz a ponta, porque eu nunca tinha visto aquela parafernália, o que é muito impressionante. E estar na frente de um ícone francês, da Nouvelle Vague, o Jean-Pierre Leaud, que trabalhou com o Godard, com o Truffaut. Ele já estava completamente louco, então teve uma hora que eu estava com um shortinho pequenininho e tiveram que me tirar de perto dele porque ele ficava violento, não é uma pessoa mais assim que esta vibrando, é um ator que ficou bem atormentado. Mas enfim, isso me impactou muito. E depois Tiresia foi muito difícil nos primeiros dias, eu me lembro de uma timidez, um medo por causa da responsabilidade, porque eu passei seis meses de teste. A produtora não queria me escolher porque eu era desconhecida, nunca tinha feito nada. CineB: Língua não foi problema? Clara: Não foi, porque ele queria uma pessoa com sotaque para fazer o papel. Mas a produtora não queria porque eu era desconhecida, porque eu não era francesa, por causa de um monte de fatores que leva os produtores a não quererem uma pessoa para o papel principal, que não tem nome. Então ele realmente foi muito corajoso, e foi ao longo dos testes que a gente foi se conhecendo, Eu acho que cinema também é uma história de encontros, né, então ele entendeu como que eu funcionava como pessoa. Eu acho que ele me escolheu mais pela pessoa que eu era naquele momento, porque agora eu já cresci, ne, do que realmente pela minha noção de atuar. Você entende a diferença? CineB: É mesmo uma ousadia, já chegando como protagonista no cinema francês e fazendo uma transsexual. Clara: Uma travesti, uma transexual, com um pênis no

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meio das pernas e barba, toda essa transformação. Exatamente por isso que eu acho que ele precisou desses seis meses para poder me conhecer, para ver se eu iria encarar mesmo todo esse desafio e essa responsabilidade. Porque você precisa ter uma disciplina, e eu tenho, sou muito obediente, eu aprendi isso no balé, isso me ajudou muito na minha profissão. De parar toda a vida e ficar completamente focada no trabalho para poder disponibilizar de mim tudo aquilo que o diretor precisa. Ele entendeu isso em mim, mas foi corajoso da parte dele também acreditar e apostar. CineB: Você também foi corajosa. Clara: É, porque a primeira vez que eu me vi de barba eu levei um susto. Também é uma transformação e tanta mesmo, você se vê ambígua, é meio monstruoso, realmente mexe. Eu falo em várias entrevistas que eu tive sonhos eróticos com as minhas amigas porque eu fiquei portando uma prótese peniana no meio das minhas pernas, então tem toda essa experiência mesmo. Desde então o transexualismo me acompanha, eu fiz peça de teatro com as travestis lá no Rio, projeto com elas de ensinar a profissão de atriz. Porque você abraça a causa e eu sempre também fui convidada para muitos filmes da temática gay e trans, daí virou um universo que eu conheço e que agora, para mim, é frequente graças a esse filme. A beleza do cinema é a beleza da minha profissão. CineB: O Tiresia é um filme que teve uma carreira muito bacana, não é? Foi muito falado e acabou colocando seu nome no cinema francês, porque você fez muitas coisas na França. Clara: Teve, circulou muito bem e foi para vários festivais muito importantes... Exatamente! Eu faço bastante coisas lá, menos longas e mais curtas, com o pessoal mais novo


também. No total foram de 18 filmes, então eu tenho um pé lá. Eu decidi voltar porque um filme meu iria ser lançado no Brasil e eu estava louca para voltar. CineB: Que é o Embarque Imediato (Alan Fiterman)... Clara: Embarque Imediato, exatamente. Em 2008 eu voltei para o lançamento do Embarque Imediato, que não aconteceu em 2008, só foi acontecer em 2010, Mas aí tive um encontro maravilhoso com a Paula (Gaitán), graças a Ava Rocha, que tinha visto o Tiresia. Ela falou “mãe, essa atriz eu queria para o meu filme, mas como eu não vou fazer o meu filme eu dou ela para você”. E aí a gente se encontrou em um café no Parque Lage e já foi uma empatia maravilhosa, acho mesmo por sintonia, questão de valores mais uma vez, de vida, do jeito que você compreende a vida. CineB: Como você chegou ao Embarque Imediato, eles te convidaram? Clara: Eles me convidaram. Depois que eu fiz o Tiresia, eu voltei a ser garçonete, porque tem a realidade da vida. É um filme que eu não ganhei muito dinheiro para fazer, é muito difícil você conseguir fazer um projeto atrás do outro, não é porque um filme seu vai para o festival... E aí também tem a coisa de eu ser estrangeira, e fazer o papel de uma travesti também marca as pessoas. Enfim, eu não tive projetos ao longo, então continuei trabalhando como garçonete. Um dia meu telefone tocou e o cara disse assim pra mim: “Aqui é o Marcelo Florião, eu sou um produtor de cinema de Los Angeles”. Eu falei “rárárá, conta outra né, porque eu tenho muito feijão para servir aqui no Favela Chique, dá licença que eu tenho que trabalhar”. Desliguei e comecei a rir. Ele ligou de novo no outro dia, no horário comercial, e falou: “É sério, eu vi seu filme e queria muito que você fizesse o papel, é

uma comédia”. Aí eu me senti muito lisonjeada, porque foi um convite, porque era a minha chance de vim para o Brasil também, eu estava louca para voltar. Ele demorou tanto para ser lançado. Ao contrário do cinema de autor, o cinema que é mais de comédia, se não é lançado no momento que faz, ele perde. Eu acho que isso foi a grande pena desse filme, porque depois eu vi que já estavam usando as piadas do nosso filme em novela, quer dizer, o lançamento demorou muito. Mas a experiência foi ótima, porque foi a minha primeira experiência aqui no Brasil em um set brasileiro. Imagina, Marilia Pêra, que é a minha ídola. Eu vi “Pixote” (Pixote, A Lei do Mais Fraco, 1981, Hector Babenco) adolescente, um filme que marcou a minha vida. Então contracenar com ela foi frio na barriga, foi tudo igual, não adianta, frio na barriga, volta tudo de novo. CineB: Depois do Desembarque você faz alguns curtas, não é isso? Clara: Fiz um trabalho com a Magali (Magistray – Cinderela, 2011; com quem já fizera antes, em 2007, La Peau Vive), que é uma diretora francesa. Depois, eu trabalhei com a Claudia Ohana, que dirigiu seu primeiro curta metragem: Um Dia Vermelho na Dama de Uma Alma Vermelha, é um nome bem comprido (risos). É um curta bacana, é uma história de uma serial killer que se prostitui para matar, tem todo um universo fantástico. Foi o primeiro filme dela e teve um convite bacana, por causa de identificação. Fiz entre o Embarque e o Exilados do Vulcão (Paula Gaitán), que são dois longas. Fiz muitos curtas e voltei a fazer teatro, porque aí também voltei ao Brasil. O que foi ótimo, voltei depois de muitos anos. CineB: Voltou a fazer teatro no Rio ou em São Paulo? Clara: No Rio, principalmente no Rio, com a Solina Sodré. Esse projeto que a gente tinha com as travestis, a gente fez uma peça que durou anos, que era Transchekhovs. Para dar papel de mulher para todas as travestis a gente pegou vários textos do Chekhov e picotou, só travestis no palco e eu, por causa do Tiresia. Foi uma experiência maravilhosa. Depois disso eu continuei trabalhando um pouco no Instituto do Ator, aí fui para Londres e trabalhei com o Gerald Thomas, fiz uns filmes lá também, curta que era pra ser longa, mas não tinha dinheiro e virou curta. Voltei para o Rio, trabalhei com o XPTO, que é uma trupe de teatro de bonecos, que foi quando eu morei em Minas Gerais por três meses, no ano passado, apresentando só para pedreiro. CineB: Onde? Clara: Em Belo Horizonte. Mas a gente rodava tudo, fomos para Ouro Preto. Uma experiência maravilhosa também no teatro de bonecos. CineB: Experiências completamente diversificadas... Clara: O que é fascinante! Muda muito, né? Você sai da rotina. Sai do filme da Paula, Exilados do Vulcão, que tem toda uma interiorização... Você assiste ao filme

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De acordo com a mitologia grega, Tiresia é ao mesmo tempo mulher e homem e é desse mito que vem o nome deste filme. Tiresia, em seu primeiro momento (Clara), é um transexual brasileiro que vive com seu irmão se prostituindo nos subúrbios de Paris.

e não consegue imaginar que eu falo a mil por hora, que sou essa pessoa espoleta, porque é tudo contido. Aí depois vai para o teatro de bonecos... Aí voltei depois para o Rio, fiz teatro lá no SESC Copacabana com o Lucas Belinsky. Então esse percurso lindo, que agora, ainda bem, eu estou conseguindo emendar um trabalho no outro, coisa que não aconteceu depois do Tiresia, apesar do sucesso de críticos, sucesso de festival. Demorou para eu começar a viver realmente da profissão de atriz, e ainda não sei, é uma profissão difícil. CineB: Vamos falar agora do Exilados. O cinema da Paula Gaitán é muito singular. E ali é muito impressionante, porque ainda que tenha toda a estética dela, que é bem reconhecível para quem conhece o cinema dela - Diário de Sintra, Vida - o Exilados está muito focado nos atores. O ator está o tempo todo, em close. Como foi fazer esse filme? Você, que como mesmo disse, é tão espoleta? Clara: Eu fiquei três anos me preparando com a Paula para fazer esse filme, e a preparação foi a coisa mais maravilhosa do mundo. Fui tomar café, ver filmes, ouvir todas as transformações. Então isso foi me imbuindo muito, daí quando chegou no set eu já estava muito recheada, assim quase que para explodir mesmo. E tiveram cenas de catarse que, claro, não entraram, nas quais eu alcancei lugares de alta exposição impiedosa, explosivas, que nem eu mesma me reconheci em lugares que eu entrei, de catarses. Claro que não entraram porque não cabiam dentro do filme, como também tiveram cenas de diálogos que não entraram. Mas no final de semana, que era nossa folga, eu não saia à noite, eu fiquei muito isolada para poder guardar essa energia de calma, esse tempo que você falou, essa respiração de tempo que o cinema dela tem e não é meu. CineB: Como foi ser dirigida por ela? Clara: Começamos a nos ver com frequência, a pesquisar, ir ao cinema, teatro, museus, shows, ficamos muito amigas. Acompanhei de perto cada etapa do filme, isso me ajudou muito na composição da personagem. Foi muito

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bom ser dirigida pela Paula porque teve esta cumplicidade de um longo tempo de preparação. Foram três anos antes de filmar, viajamos muitas vezes para as locações do filme, em Cataguases, MG, o que me permitiu conhecer de perto cada paisagem mostrada no filme. CineB: Foi muito difícil compor a sua personagem? Clara: Foi um trabalho artesanal, que levou tempo e foi feito com delicadeza. Na hora de filmar estava tudo lá, já tinha outro tempo dentro de mim, foi muito agradável. CineB: Como foi o contato com as outras atrizes do filme? Clara: Foi incrível, trabalhar com essas mulheres que admiro tanto e que compuseram o filme imprimindo tanta força cênica... Tive o privilégio de ensaiar antes com cada uma, foi lindo! CineB: Todas as atrizes estão lindamente fotografadas no filme. Como é para você se ver no filme? Clara: Realmente estamos sublimadas pelo olhar da Paula. O fotógrafo Inti Briones entrou em sintonia com o universo da Paula e conseguiu realmente captar esta essência da beleza feminina. Gosto do resultado, gosto muito, e, às vezes, nem acredito que sou eu. Ninguém usou maquiagem, isso também é impressionante. CineB: Você está envolvida em algum novo projeto? Clara: Sim, vários. Entre teatro e cinema. Estou num outro projeto com a Paula Gaitán, o que está sendo maravilhoso, e no primeiro longa do Pedro Sodré, Rio-Mumbai. Filmamos já um pedaço e devemos terminar as filmagens no primeiro semestre de 2015. No teatro, estou com dois projetos em andamento. CineB: Para terminar, qual o último filme que você assistiu? Clara: Foi o Tatuagem (2013, Hilton Lacerda), e adorei. CineB: Qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você deixa registrada na sua entrevista como uma homenagem? Clara: A Fernanda Torres em A Marvada Carne (1985) como a Sá Carula (e imita a fala da personagem). Inesquecível. CineB: Muito obrigado pela entrevista!





F Cine-literatura

Fábula do “Filho Pródigo” às avessas, a obra de Luiz Fernando Carvalho causa impacto na narração e na escolha vocabular Lavoura Arcaica, o livro de Raduan Nassar e o filme de Luiz Fernando Carvalho, é um dos mais belos exemplos da miscigenação possível entre o cinema e a literatura. Um dos clássicos da moderna literatura brasileira tornou-se um dos filmes mais importantes da nossa cinematografia. Texto: José Bruno Fotos: Divulgação

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e vocês conseguirem diminuir a duração para 1h50, ganham a Palma de Ouro em Cannes”, disseram os empresários do Canal Plus francês ao diretor Luiz Fernando Carvalho e aos empresários João Moreira Salles e Walter Salles, os irmãos donos da Videofilmes. Meio conselho, meio intimação, o recado foi dado durante as negociações sobre o direito de distribuição no exterior de Lavoura Arcaica, o filme de estreia de Carvalho, produzido pela Videofilmes. Ciente da qualidade da película, o Canal Plus se dispôs a injetar US$ 500.000,00 na produção, caso fosse respeitada a data limite de finalização e o tempo estipulado de duração. Acontece que a primeira versão de Carvalho tinha 3h40. Com a ajuda do escritor Raduan Nassar, paulista de Pindorama, o autor do livro homônimo em que se inspira o filme, houve um primeiro corte - Lavoura ficou com 2h50. No entanto, a posição dos franceses era firme. Carvalho, comprometido com a sua criação, se recusou a ceder mais. O prazo de entrega venceu.

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Como os irmãos Salles concordavam que a vontade do diretor deveria prevalecer, abriram mão do auxílio. Lavoura Arcaica ficou pronto dois anos depois do rompimento do contrato com o Canal Plus. O resultado da persistência de Carvalho é uma belíssima poesia de 2 horas e 45 minutos de duração. Dirigido com magistral sensibilidade, este é um filme que consegue ser corajoso e inovador sem tornar-se hermético. Ao contrário: como toda boa poesia, ele permite várias leituras diferentes, apostando na inteligência do público, que é levado a fugir da postura de espectador passivo e a assumir uma atitude mais ativa, participativa.

Diálogos poéticos Uma dentre tantas histórias que cercam o filme, o drama da edição e da negociação mercadológica ilustra perfeitamente a atmosfera que se instalou sobre Carvalho e todo o seu trabalho. Em nome da autono-


mia autoral, da liberdade criativa, a Videofilmes ousou apostar numa obra extensa. Mais que isso. Ousou apostar num talento promissor, oriundo da televisão, da direção de produções Globais como O Rei do Gado (1996) e Os Maias (2000). Raduan Nassar já havia tido o seu segundo livro, Um Copo de Cólera, adaptado ao cinema. A linguagem forte e peculiar do autor não foi bem assimilada nas telas. Lavoura, de 1975, seu texto de estreia, se mostrava ainda mais impenetrável. Aqui, porém, todas as apostas feitas se legitimam. Carvalho sobressai com uma obra que oferece novidades visuais, atuações empolgantes e audácias narrativas. O filme segue o livro, mas contra-ataca a seu modo. Adaptação fiel do livro homônimo do paulista Raduan Nassar, Lavoura Arcaica gira em torno do quinto dos sete filhos de uma família de imigrantes libaneses, André (Selton Mello) vive incomodado com as normas patriarcais e com a influência do pai (Raul Cortez). Resolve fugir de casa, apesar do apego à mãe ( Juliana Carneiro da Cunha) e à irmã, Ana (Simone Spoladore). Aliás, o filme já começa com uma cena forte em que vemos o protagonista aparentemente se masturbando (digo “aparentemente” porque, pouco mais tarde, descobrimos que ele também poderia estar sofrendo convulsões resultantes de um ataque epiléptico). Durante toda esta sequência de abertura escutamos o barulho crescente de um trem em movimento, que constitui a primeira de uma série de metáforas geniais, construídas a partir de cada um dos elementos cinematográficos que compõem a obra. O trem simboliza numa primeira análise aquilo que André sente, algo de uma força tamanha, que não pode ser controlada. Três elementos que estão presentes neste prólogo, a compulsão sexual, a perda do autocontrole e a fuga, antecipam aquele que será o mote da complexa trama que começará a ser desenrolada. A mãe do rapaz (vivida pela Juliana Carneiro da Cunha) se torna ainda mais melancólica e Ana, uma de suas irmãs, se fecha ainda mais em seu mundo particular de orações e penitências. Vendo a ruína para a qual sua casa caminha, Pedro (Leonardo Medeiros), o primogênito, vai em busca de André com o intuito de persuadi-lo a voltar. O encontro entre os dois é o ponto de partida para as inúmeras reminiscências e devaneios, dos quais a trama é composta, que nos conduzem de volta para a infância e para a juventude de André, épocas nas quais estavam sendo edificadas as bases daquilo que mais tarde o levaria à fuga da fazenda onde fora criado. Vista do avesso, a parábola do bom filho que à casa retorna, escancara duras relações pessoais e anseios de liberdade. A história de Lavoura Arcaica é uma espécie de reconstrução da parábola do filho pródigo e nela, tal como na bíblia, a figura do pai é uma representação

de Deus, enquanto os filhos representam os homens e suas debilidades. Todavia, a história original evoca tão somente a essência de uma divindade capaz de perdoar e apta a reatar um relacionamento rompido; já no filme, o deus representado pela figura paterna é bom, mas autoritário, emocionalmente distante e incapaz de compreender a dor e a fraqueza do filho - o que percebo como um misto de crítica e questionamento herdado da obra literária. Outra leitura possível diz respeito à família patriarcal e sua constituição; em diversas passagens do filme pode ser percebida a posição que o pai ocupa diante do restante da família. Na trama, a autoridade e a sabedoria do pai são incontestáveis enquanto que a figura da mãe evoca fraqueza e inconstância, atributos que imputam nela a culpa por qualquer mal que venha a afligir a família. “Eram esses os nossos lugares à mesa na hora das refeições ou na hora dos sermões: O pai à cabeceira; à sua direita, por ordem de idade, vinham primeiro Pedro, seguido de Rosa, Zuleika e Huda; à sua esquerda vinha a mãe, em seguida eu, Ana e Lula, o caçula. O galho da direita era um desenvolvimento espontâneo do tronco, desde as suas raízes. Já o da esquerda trazia o estigma de uma cicatriz, como se a mãe, que era por onde começava o segundo galho, fosse uma anomalia, uma protuberância mórbida, pela carga de afeto.” - Neste trecho da narração em off feita pelo André pode ser percebida a forma com que o modelo patriarcal rompe com a unidade, criando no seio familiar dois seguimentos distintos, um deles formado por aqueles que tiveram suas individualidades aniquiladas pela submissão ao patriarca e outro por aqueles que o contestam, ainda que de forma velada, com os seus respectivos comportamentos. Em um de seus sermões à mesa, o pai defende a negação das paixões, a busca de sentido no trabalho duro. Tomado por boas intenções, ele acredita que isso possa trazer o equilíbrio para sua família, mas, mal sabe ele que nestes princípios pode estar a causa da ruína dela. Seu apego à tal doutrina o tornou cego diante do clamor do filho doente, que não consegue se fazer compreendido. O dilema moral vivido por André é muito bem trabalhado no filme, outra óbvia

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herança da obra literária. Em momento algum o roteiro tenta defender ou justificar aquilo que o atormenta, afinal de contas trata-se de uma questão moral que é tabu em praticamente todas as culturas. É interessante perceber que nem o próprio personagem espera realizar aquilo que ele anseia de forma tão compulsiva. Ele não espera que sua família aceite sua imoralidade, na verdade ele quer apenas ser compreendido. A liberdade que ele reivindica não é a de fazer o que bem quiser, mas a de pedir ajuda. Ele quer poder chegar ao pai e ser entendido, mas entre os dois há um muro enorme, forjado pelas crenças e pelos dogmas que norteiam cada atitude do progenitor. O silêncio diante do sofrimento filho e a falta de compreensão (intensificada pela rigidez moral) são outros aspectos que podem ser associados à representação de Deus forjada pela obra. Neste ponto, é como se o filho reconhecesse sua própria condição miserável, mas fosse impedido de se achegar ao pai pela barreira que existe entre eles (o legalismo religioso). Diferente de André, Pedro, o filho mais velho, é um homem de caráter reto e irrepreensível, seu comportamento justifica o fato de ele ser o primeiro à direita do pai na “hierarquia familiar”, no entanto, ele começa a mudar depois que reencontra o irmão. Ele se atormenta ao ser posto em contato com a agonia de André e de repente vemos toda a sua aparente força se desmoronar diante de verdades que ele jamais imaginava encontrar. É como se tudo aquilo em que ele acredita estivesse sendo colocado em xeque e isso o deixa em alguns momentos em um estado de agonia similar ao vivenciado pelo irmão. Ao voltarem para casa, estão os dois já transformados, Pedro mais do que André, o que nos leva à percepção de que as trevas de um lado contaminaram a luz do outro, tal como o pai temia. Perceber isso é de fundamental importância para que compreendamos, ao menos em parte, o porquê do tormento de André - O que acontece com Pedro é justamente aquilo que ele não queria que acontecesse com a família como um todo. A direção de fotografia, assinada pelo Walter Carvalho, irmão do Luiz Fernando, pode ser classificada

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como experimental e antes de tudo autoral, o que não é nenhum exagero, uma vez que está na iluminação, na escolha das perspectivas de filmagem e na construção de cada plano uma boa parcela da carga de significação e representação que o filme tem (eu ousaria dizer que a parcela de sua linguagem que não foi herdada do livro se encontra, em sua quase totalidade, nos elementos cinematográficos não verbais, como fotografia, direção de arte e montagem). A trilha sonora composta por Marco Antônio Guimarães é uma preciosidade de igual tamanho. Com uma notável influência da música árabe, cada canção evoca sentimentos e sensações que estão em plena harmonia com aquilo que vemos. Há de fato um casamento perfeito entre imagem, som e narração, algo tão belo e perfeito, que só encontro similares em A Árvore da Vida (2011) de Terrence Malick e em Hiroshima, Meu Amor (1959) de Alain Resnais. Apesar de seu ritmo pausado, calmo, Lavoura Arcaica jamais deixa de surpreender o espectador graças às inúmeras maneiras que encontra para expressar, através de imagens, todos os sentimentos e intensos conflitos morais/ psicológicos experimentados por seu trágico herói. Até mesmo a paixão desmedida do protagonista pela Natureza revela-se, com o tempo, como um símbolo de sua própria natureza pessoal, de seus próprios impulsos – não é à toa que, embevecido pela visão da dança de Ana (Spoladore), ele tira os sapatos e mergulha os pés na terra fofa. A metáfora de sua comunhão com a N(n)atureza, aliás, também é brilhantemente representada na sequência em que vemos, em ações paralelas, o André-criança capturar uma pomba, enquanto o André-adolescente consuma sua obsessão por Ana. E concluir a representação deste ato sexual proibido com a forte imagem de um arado cortando impetuosamente a terra é a decisão perfeita (Antes que alguém critique meu “liberalismo” com relação ao incesto cometido pelo casal, devo dizer que este é meramente um recurso dramático que Nassar utilizou para frisar seu ponto de vista: massacrado pelo extremo da repressão, André obviamente se rebela através do extremo da profanidade).


Esta polarização entre liberdade e repressão, simbolizada pelo conflito Natureza-Religião, acaba resultando na cena mais importante de todo o filme, quando André, desesperado pela rejeição, profere um violento discurso em frente a um pequeno altar, postando-se entre a imagem de uma santa (Religião) e um vaso de flores (Natureza) – num retrato vivo de seu conflito interior (o mais interessante, no decorrer da cena, é observar o destino do vaso). Igualmente curiosa é a frase que o rapaz diz ao confrontar a amada: “O teu amor, pra mim, é o princípio do mundo” – que também representa este dilema ao substituir a Gênese (Religião) por seu amor (Natureza). Representações gráficas à parte, o fato é que o roteiro, escrito pelo próprio Luiz Fernando Carvalho, também conta com diálogos fortes e igualmente poéticos, como a explicação de André sobre a disposição, à mesa, dos membros de sua família. Destaca-se, também o amargurado confronto entre pai e filho que ocorre no ato final do filme – único momento em que o conflito é claramente vocalizado (e soberbamente interpretado por Selton Mello e Raul Cortez, numa cena repleta de cuspe e lágrimas). O intenso trabalho de preparação do elenco, que incluiu oficinas de canto, dança, ordenha, bordado, história da religião, mitologia, literatura, filosofia e cultura árabe, gerou resultados que podem ser notados nos de-

Selton Mello e Juliana Carneiro em cena.

sempenhos de todo o elenco. O Selton Mello está sublime, sua entrega ao personagem é tão visceral quanto a composição do mesmo. O Leonardo Medeiros, que também dá vida a um personagem com considerável nível de complexidade, entrega uma atuação consistente e sem nenhuma aresta a ser aparada. A belíssima Simone Spoladore demonstra seu enorme talento ao interpretar outra personagem complexa, sem precisar dizer uma só palavra durante todo o filme. A Juliana Carneiro da Cunha, por sua vez, consegue evocar através de sua interpretação a dor, a melancolia e a força contida de sua personagem, tudo isso de uma forma extremamente sutil. O saudoso Raul Cortez é um monstro em cena, sua atuação dispensa qualquer comentário. Por incrível que pareça, até mesmo o título deste filme se presta a interpretações: no início da projeção (e no cartaz), ele é grafado como LavourArcaica, ou seja: entre a “lavoura” (Natureza) e o “arcaico” (o Conservadorismo, a Repressão), espreme-se o protagonista da história (cujo nome, André, se inicia com a letra “a”). Talvez eu esteja apenas divagando, é verdade, mas Lavoura Arcaica é uma obra que nos obriga a refletir, que nos impele a estudá-la. E, como eu disse em meu artigo sobre o belo Magnólia, não é maravilhoso quando um filme nos provoca desta maneira?




Os veículos são responsáveis por 90% da emissão de poluentes. Em média, há 5.000 mortes na cidade de São Paulo em consequência de doenças cardiorrespiratórias e de câncer do pulmão, como resultado da poluição atmosférica. Saia da primeira estatística se você quer permanecer fora da segunda.

greenpeace.org


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