Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério Das Relações Exteriores -SINDITAMARATY
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Presidente Suellen Paz
Telefones (61) 3024-8872 (61) 2030-5050
Secretaria-Geral Wanda Melo
Sede Setor de Rádio e TV Sul 701, Bloco I, Edifício palácio da Imprensa, 2º andar, salas 210 a 213, Brasília - DF Cep: 70170-900 Escritório de apoio Esplanada dos Ministérios, bloco H, Anexo I, subsolo, Brasília - DF Cep: 70170-900
Diretora financeira Denise Marçal Conselho Deliberativo Rafael Andrade Ivana Vilela Pereira Borges Camilla da Silva Santos Andréia Cristina Nogueira Dilza de Aguiar Galvão Héber Filipe da Mata Borba Neila Mara Silva Conselho Fiscal Alexey van der Broocke Betsaida Túnes Capilé Luciana de Andrade Mendonça Epaminondas Paulo Dias Francisco de Assis Gonçalves
Realização GT de Marketing Social Elisa Maia (coordenadora) Ana Laura Lessa Amantéa Débora Prata Lessa Fábio Hackbart Helen Lima Lemirtes Cerrato Maria Helena J. M de Macedo Colaboradores Aline Souza Andreas Sguario Carolina Barros Érika Vanessa Souza Leandro Napolitano Lígia Verdi Lisa Mary Reis Maria Helena Zeredo Patrícia Canuto Walmyr Jacomini Projeto Gráfico Hudson Ernandes Fotos pixabay.com
Sumário Apresentação......................................................................09 Introdução............................................................................11 Relato I: Amparo............................................................15 Relato II: Profissionalismo...............................................19 Relato III: Competência..................................................23 Relato IV: Iniciativa........................................................27 Relato V: Proteção......................................................... 31 Relato VI:Versatilidade...................................................35 Relato VII: Dedicação.....................................................39 Relato VIII: Tempos de Guerra.........................................43 Relato IX: Presteza.........................................................47 Relato X: Responsabilidade.............................................51 Relato XI: Ajuda Humanitária.........................................55
Os autores dos relatos contidos nesta obra mantiveram suas identidades anĂ´nimas para que o foco dos relatos fossem as atividades realizadas e nĂŁo aqueles que as desempenharam
Apresentação
Esta obra é fruto e reflexo do trabalho de vários colegas. Foi compilada pelo Grupo de Trabalho de Marketing Social do Sinditamaraty, criado com o objetivo de mostrar ao público quem são e o que fazem os Assistentes e Oficiais de Chancelaria, carreiras integrantes do Serviço Exterior Brasileiro (SEB). Mas, acima de tudo, ela se fez possível graças à dedicação e competência dos servidores que compartilharam seus relatos de episódios marcantes vividos no exercício de suas funções no Itamaraty. O SEB, responsável pela execução da política externa do Brasil, é composto pelas carreiras de Assistente de Chancelaria, Diplomata e Oficial de Chancelaria. As três carreiras são típicas de Estado, o que lhes confere caráter estratégico junto ao poder público. A crescente inserção do Brasil no cenário internacional confirmou o papel do Itamaraty como órgão essencial de assessoramento ao Presidente da República na condução das relações do Brasil com outros países. Com isso, a carreira de Diplomata ganhou importância ao longo dos anos e possui, atualmente, reconhecimento e representação social definidos. A mídia e a sociedade em geral creem que somente Diplomatas compõem o quadro de servidores do Ministério das Relações Exteriores, desconhecendo a importância e as funções precípuas das carreiras da Chancelaria. As carreiras de chancelaria possuem um conjunto de atribuições quem incluem desde atividades de apoio técnico e operacional até a chefia de Vice-Consulados brasileiros no exterior. Parte substancial dessas atividades se dá pela interação direta com a comunidade brasileira no exterior, prestando-lhe apoio e assistência
nas mais diversas situações, especialmente em situações sensíveis como prisão, enfermidades, acidentes, desastres naturais ou guerras. A valorização do SEB, uma das demandas do Sinditamaraty, passa pelo reconhecimento da importância das carreiras da Chancelaria e pelo alcance de remuneração justa e equiparada às demais carreiras típicas de Estado. Ao apresentar relatos de experiências de trabalho de Assistentes e Oficias de Chancelaria espera-se que a sociedade conheça a diversidade e a complexidade inerentes à execução de suas atividades, bem como sua importância para o fortalecimento da política externa brasileira.
Suellen Paz
Presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty)
Introdução
O Serviço Exterior Brasileiro é regido pela Lei 11.440, de 29 de dezembro de 2006, e pela Lei 8.829, de 22 de dezembro de 1993, sem prejuízo da legislação relativa aos servidores públicos civis da União. Conforme previsto no Artigo 1º, caput, da Lei 11.440, “o Serviço Exterior Brasileiro, essencial à execução da política exterior do Brasil, constitui-se do corpo de servidores, ocupantes de cargos de provimento efetivo, capacitados profissionalmente como agentes do Ministério das Relações Exteriores, no Brasil e no exterior, organizados em carreiras definidas e hierarquizadas.” Integram o Serviço Exterior Brasileiro (SEB) as Carreiras de Diplomata, Oficial de Chancelaria e Assistente de Chancelaria. Aos Diplomatas incumbem atividades de natureza diplomática e consular, em seus aspectos específicos de representação, negociação, informação e proteção de interesses brasileiros no campo internacional. Aos Oficiais de Chancelaria, carreira de nível superior, incumbem atividades de formulação, implementação e execução dos atos de análise técnica e gestão administrativa necessários ao desenvolvimento da política externa brasileira. Aos Assistentes de Chancelaria, por sua vez, carreira de nível médio, incumbem tarefas de apoio técnico e administrativo. Além destas carreiras de estado, o SEB admite a contratação de auxiliar local, brasileiro ou estrangeiro, para prestar serviços ou desempenhar atividades de apoio que exijam familiaridade com as condições de vida, os usos e os costumes do país onde estejam sediadas as Embaixadas, os Consulados e as demais representações brasileiras no exterior. Este documento tem o objetivo de divulgar, por meio de relatos de experiências vivenciadas no ofício, as atividades prestadas pelos Oficiais e Assistentes de Chancelaria, carreiras do SEB paralelas à carreira de Diplomata, cujas atividades têm
pouco conhecimento público. Embora sejam relatos individuais, não constituem experiências extraordinárias, mas narram atividades cotidianas destas carreiras essenciais ao SEB. Percebe-se, nas experiências relatadas, que é extremamente gratificante acompanhar e poder contribuir para um serviço com o objetivo de discutir o Brasil e o mundo, a guerra e a paz, o desenvolvimento econômico e social, a cooperação entre países, a preocupação com direitos humanos, o respeito ao meio ambiente e o diálogo entre povos de diferentes culturas. Discutir estes temas, por outro lado, significa deparar-se frequentemente com os problemas concretos que desafiam o alcance de um país e um mundo mais justo. Avanços em política externa derivam de processos dialéticos construídos historicamente, o que significa, em geral, ver poucos resultados estruturais de curto prazo. Enquanto Diplomatas têm como atribuição primordial alimentar objetivos estruturais de política externa, os Oficiais e Assistentes de Chancelaria devem tornar estes objetivos realizáveis, o que traz a satisfação de ver resultados concretos, como os apresentados nos relatos. São esses servidores que atualizam as informações utilizadas na elaboração de discursos diplomáticos (lotação em área política), que cuidam da organização e da transmissão dessas informações (lotação em arquivo e comunicações), que administram as contas do Ministério (lotação em administração e contabilidade), que atendem às demandas diversas de brasileiros no exterior e de estrangeiros com interesse no Brasil (consular), que auxiliam na implementação e na execução de acordos de cooperação com instituições e técnicos brasileiros e estrangeiros (cooperação), que tornam possível a exposição de um representante brasileiro perante autoridades estrangeiras e a recepção dessas autoridades por nossos representantes (protocolo e cerimonial), entre outras funções. A importância destas atividades essenciais para a politica externa brasileira, a qual é disciplinada em Lei, é clara. Ainda há, no entanto, necessidade de valorizar o trabalho dos Oficiais e Assistentes de Chancelaria, dentro do Ministério das Relações Exteriores e perante o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG) e o Poder Legislativo. No âmbito do Itamaraty, percebe-se a necessidade de corrigir a defasagem salarial entre as carreiras do SEB -- notadamente, entre as carreiras de Chancelaria e a de Diplomata --, bem como de aprimorar a definição estrutural de cargos e chefias, de acordo com as responsabilidades atribuídas a cada carreira segundo suas atribuições legais. No âmbito do MPDG e do Poder Le-
gislativo, por sua vez, urge reconhecer a necessidade de valorização do SEB como um todo, com a previsão de equiparação salarial às carreiras típicas de Estado com responsabilidades equivalentes e, ademais, com o reconhecimento das necessidades específicas dos servidores do Itamaraty, que demandam adequações. Grupo de Trabalho de Marketing Social Sinditamaraty
Copadรณcia -Turquia
Relato I
Amparo Sou Oficial de Chancelaria e tomei posse no Ministério das Relações Exteriores (MRE) em 10/3/1998. No exterior minha experiência é basicamente na área consular, fui nomeada Chefe do Setor de Assistência a Brasileiros no Consulado-Geral em Montevidéu, Chefe do Setor de Passaportes e Assistência a Brasileiros no Consulado-Geral em Assunção e Chefe do Setor Consular da Embaixada do Brasil em Ancara. No começo de maio de 2013 estava calmamente trabalhando, pois era meu primeiro dia após as férias, quando fui chamada às pressas pela chefia que me relatou um acidente de balão na Capadócia, em que havia brasileiros entre as vítimas, e me avisou que eu teria que ir para lá imediatamente. Como tenho cachorro e meu marido estava viajando, não podia sair de casa no mesmo instante. Mas como a urgência era justificada, fiz minha mala rapidamente e mal tive tempo de deixar meu cão no pet hotel e seguir direto para a Capadócia. Fomos eu, o motorista e uma funcionária contratada local¹ da Embaixada, tradutora turco-português. A Capadócia não é uma cidade, e sim uma região, composta de várias pequenas cidades. O balão tinha caído com cerca de vinte pessoas, incluindo 8 brasileiros. ¹
Nos Postos do Brasil no exterior – Embaixadas, Consulados, Vice-Consulados, Escritórios, Representações e Delegações – trabalham os servidores do Ministério das Relações Exteriores e os contratados locais, que são funcionários brasileiros ou estrangeiros que possuem residência fixa no país onde moram e têm conhecimento da língua portuguesa e da língua local. São contratados por meio de seleção a partir de edital publicado nos grandes jornais e podem trabalhar nas diversas áreas dos Postos, como administração, secretariado, consular, entre outras.
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Duas senhoras brasileiras, infelizmente, faleceram no momento do acidente. Quando o balão caiu, as autoridades turcas enviaram as vítimas para várias cidades, pois os hospitais da região eram de pequeno porte. Os brasileiros ficaram inicialmente em 3 hospitais de 3 cidades diferentes. Qual foi a minha surpresa ao constatar que entre as vítimas estavam um colega Oficial de Chancelaria e seu filho! Passei cerca de dez dias visitando os brasileiros nos hospitais, espalhados nas 3 cidades, tratando de ajudá-los da melhor forma possível, atendendo a suas demandas e solicitações, que iam desde contatar as autoridades turcas sobre a maneira de responsabilizar a empresa de balão, para que ela arcasse com o pagamento das despesas médicas dos acidentados, até pedidos de mudança de quarto, de hospital e de cama. Fiz tudo para tentar minimizar a dor daquelas pessoas, que estavam todas com inúmeras fraturas, deitadas em camas, com dores constantes, que não passavam mesmo com o mais forte dos analgésicos. Uma das cenas que mais me tocou e emocionou foi meu encontro com meu colega. Não nos conhecíamos pessoalmente e, quando fui visitá-lo pela primeira vez, conversamos muito e, no final da visita, eu lhe perguntei o que mais poderia fazer para ajudá-lo. Ele, no auge do seu sofrimento e de suas dores, pegou minha mão e me disse: “Eu queria que você fizesse minha dor passar.” Quando ele me disse isso, tive muita vontade de chorar e lhe disse que, infelizmente, não poderia ajudar a curar sua dor, mas lhe falei palavras de conforto. Quando saí do hospital, chorei muito, pois me senti impotente por não poder fazer aquilo que as pessoas mais precisavam: fazer a dor delas parar... Passei várias noites sem poder dormir direito nesse período na Capadócia, pois a cada hospital que eu visitava diariamente, eu só via pessoas fraturadas, sofrendo, e eu sem poder fazer o que elas mais queriam, que era fazer a dor delas passar. Eu fechava os olhos à noite e só via as pessoas sofrendo, cheias de dores. Minha rotina na Capadócia era essa, visitar os brasileiros em 3 cidades diferentes, falar com autoridades turcas sobre a questão da responsabilização da empresa de balão, contatar advogados, liberar os corpos das brasileiras falecidas e procurar atender os feridos em suas necessidades. Todo o trabalho foi feito por mim e pela contratada local. Como as duas vítimas portavam seus documentos pessoais, não foi necessário fazer o reconhecimento dos corpos. Os seus pertences (joias, dinheiro e celulares) foram entregues a mim e eu, posteriormente, entreguei-os aos familiares. Eu e a tradutora da Embaixada contatamos as autoridades turcas para 16
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que nos fosse entregue a certidão de óbito turca, a fim de que a Embaixada pudesse processar a certidão de óbito brasileira, documento necessário para o traslado dos corpos para o Brasil. A Embaixada, durante todo o processo de traslado, auxiliou as famílias das vítimas. Providenciamos, ainda, a indicação de advogados a serem contratados pelos familiares dos brasileiros feridos, para que os ajudassem a processar a empresa de balão. A abertura do processo era imprescindível para a garantia do pagamento das despesas médicas e a reparação aos danos causados pelo acidente. Importante relatar que havia, entre as vítimas não fatais brasileiras, uma senhora que era de nacionalidade espanhola e morava havia mais de 50 anos no Brasil. Como era espanhola, a equipe da Embaixada da Espanha passou a prestar-lhe assistência consular. A senhora, no entanto, solicitou ser atendida por nós, da Embaixada do Brasil, pois sua filha era brasileira e por reconhecer a qualidade do nosso trabalho. Ela sempre me fazia solicitações, então passei a incluí-la entre as pessoas a quem prestávamos auxílio. Muitas vítimas de outros países reclamavam da assistência prestada e nos citavam, até mesmo para a imprensa, como exemplo de atendimento consular. Essa experiência, que foi um aprendizado de trabalho em situações de tragédia, ensinou-me muitas coisas, dentre elas, aprendi que,às vezes, nós do Serviço Exterior Brasileiro, somos a única esperança de ajuda e conforto para os brasileiros que passam por acidentes no exterior e que a nossa presença, com um sorriso no rosto, e a nossa vontade de ajudar já são o suficiente, embora não tenhamos o poder de fazer as dores passarem... Aprendi que, às vezes, nós do Serviço Exterior Brasileiro, somos a única esperança de ajuda e conforto para os brasileiros que passam por acidentes no exterior e que a nossa presença, com um sorriso no rosto, e a nossa vontade de ajudar já são o suficiente, embora não tenhamos o poder de fazer as dores passarem... Relatos da chancelaria
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Istambul - Turquia
Relato II
Profissionalismo Escrevo um relato da minha atuação quando estava em missão transitória no Consulado-Geral em Istambul. Creio ser relevante porque envolveu assistência a parlamentares brasileiros (2 senadores e 3 deputados federais). Em 8/5/2011, houve a reunião da União Internacional Parlamentar, em Istambul, Turquia. Acompanhei, até a entrada do evento, os parlamentares Deputado Federal Átila Lins, hoje PSD/AM, Senador Ciro Nogueira, PP/PI, Senador Eduardo Braga, PMDB/AM, Deputado Federal Jorge Tadeu Mudalen, DEM/SP e Deputado Federal Jutahy Magalhães Júnior, PSDB/BA. Chegando à reunião, descobrimos que não havia sido feito o credenciamento deles. Como eram 3 delegações diferentes participando de eventos paralelos, cada uma com o credenciamento a cargo de um setor do Itamaraty ou Posto, houve alguma falha e a efetivação do credenciamento dos parlamentares não foi feita. O evento era num domingo e durava apenas um dia, embora os parlamentares seguissem depois para outras atividades ainda na Turquia. Em razão da diferença de fuso horário em relação à Brasília, no momento do problema (domingo de manhã) eu não conseguiria falar com nenhum servidor da AFEPA (Divisão do Itamaraty que trata dos assuntos federativos e parlamentares), que estaria responsável pelo credenciamento deles, para tentar obter mais informações ou alguma ajuda. Fiz contato com o Diplomata responsável pelo credenciamento da delegação do próprio MRE, que estava em Istambul para um dos eventos paralelos à reunião da Relatos da chancelaria
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União Parlamentar, e confirmei que as credenciais dos parlamentares não haviam sido retiradas por ele. Conversando então com a própria funcionária da ONU, responsável pela organização e credenciamento do evento, após me identificar como funcionária do Consulado acompanhando os parlamentares, consegui ter acesso aos documentos que haviam sido enviados diretamente das Divisões para informar as delegações que participariam e solicitar os credenciamentos, e neles vi que tinha uma referência tangencial aos nomes dos parlamentares, embora não pedisse especificamente o credenciamento deles para nenhum dos eventos. Com base nisso, graças à cordialidade e humildade com que tratei o caso, consegui a boa vontade dela, que aceitou que eu fizesse, naquele momento, o pedido de credenciamento dos dois senadores e três deputados federais brasileiros (procedimento absolutamente extraordinário, considerando o nível de organização e segurança imposta nos eventos da ONU). Com isso, eles conseguiram entrar, embora com cerca de meia hora de atraso, e participar do evento. Transcrevo, abaixo, o expediente que o Cônsul, à época, enviou à Secretaria de Estado, relatando o ocorrido e falando da minha atuação frente à situação delicada que vivi nesse caso de assistência a parlamentares. “2. Por razões de falta de coordenação no Congresso, e duplicação das instruções transmitidas simultaneamente a vários destinatários, perderam a abertura e parte da sessão da UIP na manhã de ontem, domingo 8 de maio. Suas respectivas credenciais de acesso não foram encontradas em nenhum dos sistemas acionados pela funcionária das Nações Unidas. Relutante em liberá-las, acedeu unicamente pela intervenção pessoal da Oficial de Chancelaria, em MT [missão transitória] nesta repartição consular há apenas uma semana. 3. Enquanto os ânimos dos presentes pareciam querer se exaltar contra a funcionária na ONU, a Oficial de Chancelaria, com muita calma, discernimento e profissionalismo, angariou simpatias, venceu os impedimentos, e obteve a liberação das cinco credenciais, encerrando o pequeno incidente, e permitindo aos parlamentares brasileiros ingressar no recinto plenário e participar do encontro. (...) 5. Desejaria através do presente expediente manifestar meu reconhecimento pela atuação da Oficial de Chancelaria, aliás referendado esta manhã pelos cinco parlamentares, e muito agradeceria a Vossa Excelência mandar incluí-lo em seu assentamentos pessoais, como elogio.” 20
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Enquanto os ânimos dos presentes pareciam querer se exaltar contra a funcionária na ONU, a Oficial de Chancelaria, com muita calma, discernimento e profissionalismo, angariou simpatias, venceu os impedimentos, e obteve a liberação dascinco credenciais, encerrando o pequeno incidente, e permitindo aos parlamentares brasileiros ingressar no recinto plenário e participar do encontro. Relatos da chancelaria
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Haiti
Relato III
Competência Sou Oficial de Chancelaria e trabalhei, entre 2005 e 2006, na Agência Brasileira de Cooperação (ABC) como técnica responsável pelos projetos de cooperação técnica multilateral entre o Brasil e diversos organismos internacionais, em particular OIT, UNESCO e FAO. Os Oficiais de Chancelaria eram responsáveis pela análise e monitoramento dos projetos, que deveriam ter a chancela obrigatória do Ministério das Relações Exteriores brasileiro para serem executados em território nacional. Por sermos responsáveis pelos programas e projetos de cooperação técnica, tivemos que participar de cursos de capacitação, organizados pela própria ABC, pois esta atividade envolvia compreender a matriz de projetos, o orçamento e os mecanismos de avaliação. Após a capacitação, sentimos necessidade de darmos continuidade ao nosso aperfeiçoamento na área e reivindicamos formação mais adequada ao trabalho realizado. A ABC, então,encomendou ao UNICEUB um curso de pós-graduação na área de cooperação técnica internacional para seus funcionários – do quadro ou não. Eu e mais um grupo de Oficiais de Chancelaria participamos, também, de um curso sobre desenvolvimento local, ministrado pelo Centro Internacional de Formação da OIT. À época, meu trabalho incluía a realização de reuniões técnicas com vários ministérios e instituições públicas para a elaboração de propostas e a avaliação de projetos, além de visitas in loco de monitoramento para a elaboração de relatórios Relatos da chancelaria
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de acompanhamento. Fiz algumas viagens pelo Brasil, junto com funcionários dos organismos internacionais, para monitorar e negociar projetos. Trabalhava com autonomia e meu trabalho exigia conhecimento técnico relacionado a cada projeto. Entre meados de 2007 e início de 2010, trabalhei como gerente de cooperação técnica e fui nomeada para o cargo em comissão DAS 101.2, e era a responsável na ABC por todos os projetos de cooperação técnica com o Haiti. Em agosto de 2007, fui designada para uma missão transitória na Embaixada brasileira em Porto Príncipe para dar início à execução dos primeiros projetos aprovados, todos na área da agricultura, e finalizar a negociação dos primeiros projetos trilaterais com aquele país (projetos entre Brasil-Haiti-Canadá e Brasil-Haiti-Espanha). Na Embaixada em Porto Príncipe, iniciei os trabalhos do setor de cooperação técnica, e desenvolvi meu trabalho junto com um auxiliar local haitiano e, juntos, cuidamos desde a compra de materiais de construção à organização de eventos de capacitação e à busca por parceiros que pudessem nos ajudar com a logística das atividades de cooperação técnica. Eu trabalhava exclusivamente com a execução dos projetos e não assumi nenhuma outra responsabilidade no Posto, uma vez que continuei, também, a prospectar e a negociar novas propostas de projetos com as autoridades locais. Como exemplo do que realizei no Haiti, trabalhei junto à comunidade de Cap-Haitien, que era beneficiária de um projeto para aprimoramento da cultura do caju, apoiei a implementação de um projeto de construção de cisternas, manejo de água potável e capacitação de organizações locais na região de Ganthier, apoiei a realização de um projeto agrícola em diversas áreas próximas à região metropolitana de Porto Príncipe, acompanhei o início da realização da cooperação trilateral nas áreas de imunizações e reflorestamento, organizei e acompanhei mais de 10 missões técnicas para a prospecção e implementação de projetos de cooperação técnica em favor do Haiti. Em particular, participei ativamente da elaboração de um programa estratégico de cooperação de apoio ao setor agrícola e segurança alimentar, que contava com mais de dez instituições brasileiras parceiras, e que foi aprovado e assinado durante a visita do Sr. Presidente da República ao Haiti, em 2008, juntamente com um acordo de cooperação técnica no setor educacional e no setor agrícola em benefício da região de Kenscoff. Trabalhei no Haiti por quase seis meses, e contava com o apoio de colegas que se revezavam para me dar suporte técnico do Brasil. Retornei às minhas funções 24
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na ABC no início de 2008, pois ninguém havia sido lotado no meu lugar. Após meu retorno ao Brasil, mais dois Oficiais de Chancelaria foram enviados a Porto Príncipe, em missão permanente, para dar continuidade aos trabalhos do setor de cooperação técnica daquela Embaixada, e tornei a dar o suporte técnico necessário ao trabalho deles, agora baseada no Brasil, até que fosse removida em fevereiro de 2010.
Participei ativamente da elaboração de um programa estratégico de cooperação de apoio ao setor agrícola e segurança alimentar, que contava com mais de dez instituições brasileiras parceiras, e que foi aprovado e assinado durante a visita do Sr. Presidente da República ao Haiti, em 2008... Relatos da chancelaria
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São Francisco - EUA
Relato IV
Iniciativa Sou Oficial de Chancelaria, empossada em junho de 1994. Servi no Consulado-Geral em São Francisco de junho de 1999 a dezembro de 2004. Durante todo esse período, trabalhei como Vice-Cônsul lotada no Setor Consular. Tinha sob a minha responsabilidade o serviço de assistência a brasileiros, a renda consular, a conferência e assinatura de todos os documentos, vistos, passaportes, legalizações, além do atendimento ao público e a responsabilidade de responder os e-mails de natureza consular. Muito embora, no Consulado, não atuasse na área cultural, logo percebi que havia grande demanda da comunidade brasileira da região por atividades que agregassem os compatriotas e trouxessem contribuições mais duradouras para a segunda geração de imigrantes. Diante disso, elaborei e propus voluntariamente ao Chefe do Posto a criação do projeto Contadores de Estórias. Com o seu total apoio, demos início às atividades. Meu objetivo era proporcionar às crianças brasileiras a oportunidade de ter contato mensal e gratuito com a língua portuguesa, a literatura e a cultura brasileiras, por meio de brincadeiras, contação de estórias e encenações teatrais. No seu primeiro ano de existência, o Projeto manteve-se ativo graças ao meu entusiasmo e, também, à ajuda de voluntários, já que não havia verba oficial que o financiasse. Famílias inteiras se uniam aos funcionários do Consulado e se moRelatos da chancelaria
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bilizavam na preparação e execução de cada evento mensal. O projeto, definitivamente, possibilitou o estreitamento das relações entre o Consulado e os cidadãos brasileiros residentes na região. Os encontros gratuitos ocorriam uma vez por mês, sem sede fixa, de forma itinerante, pelas cidades da Baía de São Francisco, onde houvesse substantiva presença de brasileiros. O número inicial de participantes variava de 10 a 40 crianças por evento, com faixa etária bastante diversa: entre 2 e 12 anos. No segundo semestre de 2004, um ano após a sua criação, dada a excelente aceitação junto à comunidade brasileira, o projeto recebeu reconhecimento e verba do Ministério das Relações Exteriores. O apoio financeiro do Ministério permitiu que adquiríssemos verbas para livros (primeiramente, 150 livros do Ministério e, depois, mais 200 da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil); verbas para o aluguel de sala para a realização mensal do evento em lugar fixo e para a aquisição de adereços e figurinos que utilizávamos nas encenações teatrais que fazíamos no contexto da contação de estórias. Assemelhava-se a um teatro mambembe, onde as encenações se dão em qualquer lugar e com música. Graças ao apoio financeiro, também organizei a Biblioteca Infantil Móvel, que ainda hoje está à disposição das famílias participantes. Em dezembro de 2004, quando fui removida para a Embaixada em Wellington, Nova Zelândia, o projeto passou a ser coordenado por outra Oficial de Chancelaria e Vice-Cônsul e, a partir de 2007, por Valéria Diniz da Silva-Sasser, jornalista. Em dezembro de 2012, Valeria Sasser passou a coordenação a Tatiana Dutra e Mello. A contribuição de minha sucessora foi bastante importante para a consolidação do projeto. Sob sua direção, o evento ganhou ainda maior projeção e maturidade. Um exemplo disso foi a ampliação da equipe profissional e criativa do “Contadores”, com a participação dos desenhistas gráficos Fabiano Queiroga e Tatiana Dutra e Mello, responsáveis pela criação de uma logomarca e uma revistinha infanto-juvenil, com atividades e jogos em português. Além disso, foi dela a ideia de criar a página eletrônica (http://contadorescalifornia.wordpress.com/) para a divulgação do projeto. Em 2010, o “Contadores” foi agraciado com o Brazilian International Press Award, por seu papel de destaque na divulgação da língua portuguesa. O mérito do Contadores de Estórias na difusão da língua portuguesa na grande São Fran28
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cisco foi mais uma vez reconhecido, ao ser escolhido pela Divisão de Promoção da Língua Portuguesa do Itamaraty (DPLP), em junho de 2011, para acolher o Projeto-Piloto de Formação Continuada de Professores de Português como Língua de Herança (POHL), ministrado pela Professora Doutora Edleise Mendes. O POHL foi coroado de êxito e contribuiu enormemente para a qualificação de professores e subsequente lançamento do IBEC, Instituto Brasil de Educação e Cultura, que iniciou as aulas de português como língua de herança em setembro daquele ano e que continua, até hoje, a parceria com o Contadores de Estórias, em várias iniciativas. Em maio de 2013, recebeu o prêmio de educação da American Organization of Teachers of Portuguese (AOTP), na categoria Melhor Projeto de Iniciativa Educational, no II EMEP, Encontro Mundial do Ensino de Português, realizado juntamente com o Focus Brazil, que distribui o Brazilian International Press Awards. No mesmo ano, o Projeto Contadores foi novamente agraciado, desta vez com o prêmio de educação da American Organization of Teachers of Portuguese (AOTP), na categoria melhor Projeto de Iniciativa Educacional, no Brazilian International Press Awards. Por sua relevância para a comunidade brasileira local, o “Contadores” serviu de inspiração para iniciativas semelhantes em outras regiões dos Estados Unidos e em outros países. É, ainda hoje, o projeto cultural nos Estados Unidos (voltado para a comunidade brasileira) em atividade contínua mais longa. Confirmando sua vocação como incubador de novas iniciativas, como últimos desdobramentos, cabe registrar que, também em 2013, foram aprovadas verbas pelo Programa de Difusão da Língua e Cultura (PDLC) ² para a abertura do Projeto Contadores de Estórias em New York (NY) e em Newark (NJ), sob os cuidados, respectivamente, das entidades Brazil Ahead e Projeto Mantena. Encontra-se também, em plena atividade, o Projeto Contadores de Estórias em Gainesville (FL).
² Programa criado pelo Departamento Cultural do Itamaraty em 2011, com o objetivo de fortalecer os vínculos linguísticos-culturais entre o Brasil e os brasileiros residentes no exterior, com ênfase em ações educativas.
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Londres - Inglaterra
Relato V
Proteção Londres, dia 24 de dezembro, véspera de natal. Enquanto uma garoa fria caia 3 lá fora, eu e minha colega do setor de assistência consular, a contratada local Laís, nos preparávamos para deixar o Consulado e iniciar aqueles dois dias de descanso natalino. Havíamos trabalhado a parte da manhã e estávamos prontos para partir. Computador desligado, faltava apenas nos despedirmos dos poucos colegas que ainda estavam na repartição. Eis, então, que toca o telefone do setor de assistência. De imediato, minha intuição soprou-me que era problema. Laís atendeu e em poucos minutos identifiquei sobre o que se tratava. Sim, era um problema. Era Joana. Joana era uma jovem de vinte e poucos anos. Carioca de classe média alta, havia chegado três anos antes em Londres para aprimorar o inglês e fazer um curso de graduação em uma universidade londrina. Órfã de mãe, antes de se mudar para Londres vivia no Rio de Janeiro com o pai, que havia se casado de novo após o falecimento da mãe de Joana. Além de não se dar bem com a madrasta, Joana andava às turras com o pai, que estava preocupado com as más companhias da filha. Pelo visto, a solução que lhe pareceu mais adequada foi mandar Joana para bem longe dos conflitos familiares e das más influências. Já em Londres, Joana frequentava as aulas da universidade regularmente; no entanto, antes do final do primeiro ano letivo já tinha largado o curso e retornado ³ Todos os nomes utilizados neste relato, assim como nos demais que tratam de assistência consular a brasileiros, são fictícios para evitar a exposição das pessoas envolvidas.
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a uma atividade que lhe criara problemas no Brasil e que era a principal fonte de preocupação de seu pai: o uso de drogas. Durante uma balada noturna com amigos, conheceu um jovem afegão chamado Aamir, que trabalhava como motorista de “mini cab”, uma espécie de táxi informal muito comum em Londres. Rapidamente começaram um relacionamento. Aamir era viciado em heroína e não demorou muito para que Joana subisse mais um degrau no mundo das drogas. Foi nessa época que Joana procurou o Consulado pela primeira vez. Após três meses de relacionamento com Aamir, ela conseguiu perceber o tamanho do fosso para o qual estava sendo sugada. Tinha consciência que estava, aos poucos, pondo fim a sua vida. Esses momentos de lucidez, no entanto, eram rapidamente revertidos pelo poder da droga. Quando procurava o Consulado, dizia que queria voltar para o Brasil, mas não tinha a menor ideia de como fazer isso. Fazia contatos esporádicos com o pai, na maioria das vezes, apenas para pedir dinheiro para sua subsistência, que a essa altura do campeonato resumia-se ao consumo de heroína. Depois de alguns contatos, por email, com o pai de Joana, recebemos o telefonema de um advogado chamado Roberto, que se identificou como amigo do pai de Joana. Doutor Roberto nos disse que estava a caminho de Londres para se encontrar com Joana e trazê-la de volta para o Brasil. Queria o apoio do Consulado para a emissão de um novo passaporte para a garota, uma vez que o dela havia vencido. Dias depois, Doutor Roberto e seu filho Rodrigo compareceram ao Consulado juntamente com Joana. Conversamos brevemente enquanto o novo passaporte era preparado, e eu e Laís ficamos sabendo que os três viajariam de volta para o Brasil cinco dias após este encontro. Ao final da conversa, nós nos despedimos certos de que o Consulado terminava o dia com um caso de assistência consular a menos. Ledo engano. Três dias depois Dr. Roberto nos ligava esbaforido. Disse-nos que Joana, que estava hospedada com ele e Rodrigo em um hotel perto do Consulado, havia fugido durante a madrugada. Explicamos a ele que pouco podíamos fazer, pois Joana não possuía endereço fixo em Londres e estava constantemente se mudando. Após o pai haver cortado as remessas de dinheiro, com a esperança de que com isso inibiria o uso de drogas por parte da filha, ela passou a viver como 32
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“squatter”, termo inglês utilizado para pessoas, geralmente usuários de drogas, que vivem em casas abandonadas. Laís ainda tentou contatar algumas amigas de Joana cujos telefones possuíamos, mas não conseguiu obter nenhuma informação que nos levasse a descobrir o seu paradeiro. Três dias após o telefonema do Dr. Roberto, mais exatamente no dia 24 de dezembro, recebemos um telefonema de Joana. Ela nos disse que havia fugido por medo e por necessidade de consumir a droga, mas que estava decidida a voltar ao Brasil. Estava com receio da reação do Dr. Roberto pelo fato de ter fugido e feito com que ele e Rodrigo perdessem a viagem. Laís então propôs buscá-la onde estava e levá-la até eles. Ela aceitou. Com o endereço em mãos, Laís precisou de pouco esforço para convencer-me a ir até a um bairro distante, situado no norte de Londres, para buscar Joana. Pegamos o carro de serviço do Consulado e partimos. O endereço era de uma casa abandonada. Batemos à porta e logo apareceu Joana. Disse que havia ligado naquela hora, pois Aamir não estava em casa. Na casa não havia luz, não havia móveis e o cheiro de urina e mofo infestava o ar. Enquanto eu ficava na porta de entrada, de olho em dois viciados que jaziam desacordados sobre colchonetes no chão da sala de estar, Laís subiu as escadas com Joana para buscar sua mala. Conforme previamente combinado, nos encontramos com Dr. Roberto e o seu filho em frente ao hotel em que estavam hospedados na Shaftesbury Avenue, próximo a PiccadillyCircus. Naquela noite, Joana dormiu praticamente amarrada na cama, sob os olhares atentos do Dr. Roberto e de Rodrigo. No dia seguinte, encontrei-me com o médico de referência do Posto, Dr. Carlos, que gentilmente forneceu-me duas pastilhas de metadona para serem usadas por Joana na viagem. Narcótico do grupo dos opiáceos, o mesmo da heroína, a metadona ajuda a diminuir os efeitos da abstinência. De acordo com o Doutor Carlos, cada pastilha tinha efeito de 8 horas. Uma seria o suficiente para que ela aguentasse o voo de 12 horas até o Rio de Janeiro. Caso não fosse, a segunda pastilha estaria lá para garantir o conforto de Joana e a tranquilidade do Dr. Roberto.No dia da viagem, recebemos uma ligação do Dr. Roberto nos agradecendo o apoio prestado. Nunca mais tivemos notícias de Joana.
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Tรณquio - Japรฃo
Relato VI
Versatilidade Trabalho há quase 15 anos no Ministério das Relações Exteriores e, nesse período, desempenhei atividades durante 13 anos no Departamento de Promoção Comercial e em suas respectivas divisões. Comecei, inicialmente, como Assistente de Chancelaria e, em 2007, tomei posse como Oficial de Chancelaria. Na Divisão de Inteligência Comercial (DIC), apoiava a internacionalização de empresas brasileiras por meio de estudos de comércio exterior, workshops em entidades de classe e feiras empresariais, bem como divulgava licitações internacionais e processava reclamações comerciais recebidas de exportadores que apresentassem problemas com importadores de seus produtos (falta de pagamento, na maioria dos casos). Estive à frente da organização de diversas missões empresariais no âmbito da Promoção Comercial Conjunta do MERCOSUL, bem como do evento de lançamento do Programa de Substituição Competitiva de Importações (PSCI), no ano de 2003, em São Paulo, o qual contou com mais de 600 empresários de todos os países da América do Sul. Durante esse período, consegui realizar estudo de extensão em analista de comércio exterior oferecido pela Aduaneiras Cursos e Treinamentos e pago pelo Ministério. Em 2007, já como Oficial de Chancelaria, fui lotado na Divisão de Operações de Promoção Comercial (DOC). Além de organizar missões empresariais à margem Relatos da chancelaria
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das visitas de Estado do então Presidente Lula, também dava encaminhamento aos processos de análise e autorização das exportações de produtos de defesa, por meio da PENEMEN (Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar). Desde 2016, o processo tornou-se totalmente digital, chamado de EXPRODEF – Sistema de Exportação de Produtos de Defesa – e seu desenvolvimento contou com minha participação direta na fase inicial. Importante deixar registrado que, apesar de todas as atividades desempenhadas, nunca recebi qualquer gratificação ou retribuição pecuniária por atividades especializadas ou chefia. Fui nomeado, somente em 2014, para receber Função Gratificada (FG), quando fui então lotado diretamente no Departamento de Promoção Comercial. Entre agosto de 2014 e janeiro de 2016 fui nomeado, por meio de portaria do então Ministro das Relações Exteriores Luiz Alberto Figueiredo, primeiro presidente do Comitê para a Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência do MRE (CPPD/MRE).Essa iniciativa derivou da união de servidores com deficiência e pais/ responsáveis por pessoas com deficiência, uma vez que havia necessidade de se buscar formas mais efetivas de garantir os direitos de acessibilidade e inclusão laboral no âmbito do MRE e sua rede de Postos. Durante minha gestão foram promovidas as seguintes ações: - formatação de cadastro e base de dados com informações específicas dos servidores deficientes e pais/responsáveis por pessoas com deficiência; - suporte a todos os servidores com deficiências cadastrados na base de dados do CPPD para aquisição de equipamentos de tecnologia inclusiva e mobiliário ergonômico específico; - publicação de manual de acolhimento a servidores deficientes e pais/responsáveis por pessoas com deficiência; - atualização dos formulários de viagens e missões; - atualização da apólice do seguro saúde, ampliando a cobertura de tratamentos e reembolso de determinados medicamentos e suplementos; - realização de consulta a todos os Postos solicitando informações a respeito das condições de acessibilidade das Chancelarias; - visita ao Palácio Itamaraty com equipe do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Governo do Distrito Federal (GDF/IPHAN) com o objetivo de 36
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executar projeto para ampliação da acessibilidade das instalações; - acesso à garagem do subsolo do Anexo I do Ministério aos servidores com deficiência, nos dias de bloqueio total do estacionamento por causa de eventos. Lotado na Embaixada do Brasil em Tóquio, desde julho de 2015, fui incumbido de reativar e de chefiar o Setor de Cooperação Educacional do Posto, tendo em vista que as atividades de promoção acadêmica e de cooperação universitária estavam divididas entre os Setores de Comunidades e Ciência & Tecnologia. Em funcionamento efetivo desde janeiro de 2016, o Setor tem trabalhado ativamente na realização de encontros de orientação universitária, bem como na busca e difusão de oportunidades acadêmicas para brasileiros que desejem aprofundar suas carreiras acadêmicas no Japão. Além disso, por meio de contato direto com empresas nipônicas temos conseguido o aumento da oferta de estágios de curta duração de modo que os estudantes possam colocar em prática o conhecimento adquirido durante seu período de estágio e vivenciarem o ambiente empresarial e industrial japonês. Devido à experiência e proximidade com o tema, fui convidado a representar a Embaixada em importantes entidades nipônicas, a exemplo da Nippon Foundation e do Instituto Nacional de Administração Pública (NIPA) com vistas a proferir palestras a respeito das Políticas Nacionais de Inclusão das Pessoas com Deficiência e dos Jogos Paralímpicos de 2016.
apesar de todas as atividades desempenhadas, nunca recebi qualquer gratificação ou retribuição pecuniária por atividades especializadas ou chefia... Relatos da chancelaria
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Moรงambique - ร frica
Relato VII
Dedicação Quando eu era estudante na UnB, fui a uma palestra da Semana de Extensão chamada “África: O que você não vê na mídia”. Foi uma exposição conduzida por um grupo de alunos africanos da universidade, em que eles mostraram desde dados sobre as riquezas naturais de seu continente até fotos pessoais de seus países. Saí daquele evento impressionada, pensativa, marcada. O desconhecimento do brasileiro médio sobre a África e o tratamento que a grande mídia confere àquele continente são inversamente proporcionais à importância e à influência dos povos e da cultura africana no Brasil. Foi a primeira vez que me encontrei com minha própria ignorância sobre o assunto e agradeci à presença de alunos africanos nas universidades brasileiras. Alguns anos depois, quando ingressei na carreira de Oficial de Chancelaria e fui designada para a Divisão de Temas Educacionais, descobri o PEC-G - Programa de Estudantes-Convênio de Graduação. Trata-se de um programa pioneiro de cooperação Sul-Sul, por meio do qual mais de cem universidades brasileiras oferecem vagas gratuitas a estudantes de países em desenvolvimento para cursos de graduação em todas as áreas do conhecimento. Fiquei logo encantada. Recebi outras atribuições na Divisão, mas, sempre que podia, ajudava a coordenadora do Programa, outra Oficial de Chancelaria, que tinha anos de experiência na condução do PEC-G. Assim que ela me contou que estava sendo removida, ofereci-me para substituí-la, pedido que foi aceito imediatamente, até porque ninguém mais queria 4
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Cooperação entre países em desenvolvimento.
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lidar com o assunto. Num exercício de associação livre, a palavra mais comumente associada a “PEC-G” no MRE é “problema”. E faz sentido. Porque problemas são muitos. Apesar de ser uma ação consolidada, com mais de 50 anos de existência, o programa ainda sofre com dificuldades de gestão, falta de recursos, preconceito e desconhecimento do público. Quando assumi a coordenação, o PEC-G era praticamente um programa artesanal. As mais de 3 mil vagas anuais eram recebidas no MEC por ofício e digitadas numa imensa planilha Excel, e a banca de seleção preenchia manualmente uma planilha com os dados dos candidatos selecionados (nome, curso e instituição de destino). A avaliação das candidaturas levava uma semana. Além disso, uma vez por semestre, era preciso fazer os processos seletivos das bolsas de estudo que o MRE oferecia aos alunos do PEC-G, também de forma manual. Naturalmente, erros aconteciam. Além de gerir os processos seletivos, a coordenação do PEC-G deve estar em contato com os mais de 50 Postos e mais de 100 IES que participam do Programa, atendendo a cerca de 2 mil alunos que se encontram no Brasil, entre calouros, veteranos e formandos. Também é preciso supervisionar o processo de legalização dos diplomas dos graduados e seu envio aos países dos alunos. Tive muita sorte de contar com o apoio de um colega Assistente de Chancelaria, que entende de programação e construiu um banco de dados que compilava as informações de todos os alunos, o que facilitava o acompanhamento de suas trajetórias no Brasil (com todos os problemas que eles podem vir a ter, como expiração de visto, doenças, dificuldades financeiras, rendimento acadêmico etc.), e um sistema automático de avaliação das candidaturas. Agora, a seleção leva menos de 10 minutos e cabe à banca apenas revisar o trabalho. Meu colega também criou uma plataforma de avaliação dos candidatos às bolsas, o que reduziu o tempo que eu levava para avaliar todas as candidaturas de duas semanas para dois dias. Ou seja, em lugar de precisar de um mês para a tarefa, eu agora só preciso de quatro dias por ano. A divulgação era outro problema do PEC-G. Para melhorar essa área, aprendi o suficiente de programação para poder atualizar eu mesma o site da DCE, e fiz a tradução da página do PEC-G para inglês, francês e espanhol. Refiz os pôsteres e panfletos de divulgação do Programa, distribuídos no exterior - e quando digo que refiz, quero dizer que tive que elaborar não só o conteúdo, como também o 40
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layout do material. Criei o Manual do Estudante-Convênio, com informações para os novos alunos do Programa, também traduzido para as três línguas, e o Manual do Operador do PEC-G no exterior (tudo isso com a preciosa ajuda de operadores do PEC-G nos Postos). Consegui, a muito custo, realizar o II Curso de Aperfeiçoamento dos Operadores dos Programas de Estudantes-Convênio (CAOP), cinco anos depois da primeira edição do curso. Foram meses de preparação para uma semana maravilhosa em que coordenei uma turma de cerca de 20 operadores do PEC-G reunidos no MRE. Tudo que consegui fazer pelo PEC-G foi feito apesar das dificuldades encontradas no MRE. Esbarrei em inúmeros obstáculos, desde o descaso de certas chefias para com o Programa, até corte de mais de 50% nos recursos da DCE. Várias vezes, tirei dinheiro do meu bolso para fazer as coisas acontecerem, e não falo apenas de comprar material básico de escritório, pois cheguei a pagar passagem aérea para poder fazer uma palestra sobre o Programa na UFRJ. Não conto isso por orgulho, mas para mostrar que, tantas vezes, o órgão que deveria possibilitar o seu trabalho, na verdade, o dificulta. Se o trabalho é feito, e feito direito, isso se deve ao empenho e ao amor de um servidor. Em resumo, ser a coordenadora do PEC-G envolve ser gestora, tradutora, programadora, designer gráfica e ONG. Para mim, o PEC-G virou uma causa. Meu trabalho é uma forma de agradecer aos milhares de estudantes estrangeiros que já passaram pelas universidades brasileiras e contribuíram para enriquecer o cenário acadêmico e cultural no Brasil. E meus esforços são mais do que pagos toda vez que recebo e-mails de alunos, às vezes até oriundos de países onde não existem instituições de nível superior, com assuntos como “Estou formada. Obrigada”.
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SÃria
Relato VIII
Tempos de guerra Entre 20 de julho e 20 de agosto de 2006, fui designada para cumprir missão na fronteira da Turquia com a Síria, para ajudar na evacuação de cerca de 1800 brasileiros da guerra no Líbano. Os brasileiros vinham em ônibus de Beirute, ou do Vale do Bekaa, todas as noites. Eu e uma funcionária local da Embaixada em Ancara éramos as únicas que falavam turco, por isso tínhamos que viajar quase todas as noites da nossa base, na cidade de Adana, até a fronteira com a Síria, na cidade de Cilvegozu, para receber os evacuados. A viagem de ônibus levava entre 2 e 3 horas. O tempo na fronteira variava de acordo com a documentação que os brasileiros traziam. Como muitos vinham com documentação incompleta, eram necessárias longas negociações com as autoridades para que a permissão de cruzar a fronteira fosse concedida. Muitas vezes tais tratativas demoravam até o amanhecer do dia. Assim, a carga horária diária de trabalho era, em média, de 18 horas. Em Adana, foram contratados três hotéis para hospedar os brasileiros. Coordenávamos a alimentação diária de todos, a hospedagem nos hotéis, assim como a lista de passageiros dos voos de evacuação, que eram preenchidos de acordo com as prioridades: feridos, crianças, mulheres, doentes com menor gravidade e homens. Relatos da chancelaria
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Pelo grande número de indivíduos que precisavam ser evacuados, alguns tiveram que esperar até 6 dias pela vaga nos voos da Força Aérea Brasileira (FAB) e, nesse meio tempo, muitos necessitaram de atendimento médico em horários variados do dia e da noite, o que exigia nosso constante acompanhamento como intérpretes. Vale ressaltar que a equipe enviada para coordenar a evacuação era composta de três Diplomatas, três Oficiais de Chancelaria e de uma funcionária local. Trabalhamos como uma equipe coesa onde todos entendiam perfeitamente a importância do trabalho um do outro. Meu trabalho não era nem mais nem menos importante do que o dos Diplomatas. Em uma missão extrema como aquela, todos entendiam isso. Tenho certeza que nenhum dos componentes daquela equipe acharia justificável o fato de eu ter que me aposentar com cerca da metade do salário de um diplomata recém-ingresso na carreira...
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Meu trabalho não era nem mais nem menos importante do que o dos Diplomatas. Em uma missão extrema como aquela, todos entendiam isso. Tenho certeza que nenhum dos componentes daquela equipe acharia justificável o fato de eu ter que me aposentar com cerca da metade do salário de um diplomata recém-ingresso na carreira... Relatos da chancelaria
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Belgrado -SĂŠrvia
Relato IX
Presteza Sou Assistente de Chancelaria, atualmente lotada no Consulado-Geral em Londres. O que vou narrar, porém, aconteceu em 2013, quando eu trabalhava na Embaixada do Brasil em Belgrado, como ‘responsável’ pelo Setor Consular (por ser Assistente de Chancelaria, eu não podia ser chefe, mas o era de fato). No mês de julho, recebemos o tão esperado expediente da Secretaria de Estado informando que o acordo de isenção de vistos entre Brasil e Sérvia para viagens a turismo e a negócios entraria em vigor 30 dias após a data de recebimento da nota à Chancelaria local. Para tanto, informamos à Chancelaria sobre o “cumprimento das formalidades internas brasileiras relativas à vigência internacional do Acordo”, como solicitava o referido expediente. Enviamos a nota dia 18/7, informamos à Secretaria de Estado e fizemos a divulgação do fim da necessidade de visto a partir de 17/8/2013. A notícia se espalhou rápido.
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Como responsável pelo Setor Consular, eu fiquei com o celular de plantão quase ininterruptamente por cerca de dois anos e meio. Alguns dias depois do dia em que o acordo de isenção de visto entraria em vigor, num domingo, recebi ligação de 5 Com sede em Brasília, a Secretaria de Estado abrange o Palácio Itamaraty, os dois anexos do Ministério das Relações Exteriores, o Instituto Rio Branco e as unidades descentralizadas localizadas em diversos estados brasileiros, como os Escritórios Regionais e as Comissões Brasileiras Demarcadoras de Limites. É linguagem comum no MRE tomar as palavras Ministério e Secretaria de Estado como sinônimos.
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uma cidadã sérvia que havia sido barrada na imigração brasileira por estar sem visto. Liguei para o plantão diplomático da Subsecretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior (SGEB), que contatou a Polícia Federal e resolveu o caso. O diplomata, no entanto, alertou-me: no sistema da PF, o visto para cidadãos sérvios ainda era exigido. De início, achamos que seria apenas uma questão de atualizar o sistema o sistema da PF. Atendi a mais duas ligações de pessoas na mesma situação aquele dia. Até que, em contato com a SGEB, descobrimos que o acordo ainda não havia sido promulgado, portanto, ainda não estava em vigor. Os sérvios ainda precisavam de visto. Com isso, percebemos que a instrução enviada pela Secretaria de Estado estava incompleta, vinculando a entrada em vigor do Acordo somente ao envio da Nota à Chancelaria local. Tentamos divulgar ao máximo a informação, mas já era tarde. O plantão consular tocava 10, 15 vezes por dia, muitas vezes, por causa do fuso em relação ao Brasil, de madrugada. Pessoas que viajariam nos dias seguintes e não haviam pedido visto, pessoas que eram impedidas de embarcar, pessoas que já estavam no Brasil e eram impedidas de entrar... Aos que me contatavam, havia três possibilidades, definidas pelo Embaixador e pelo Ministro-Conselheiro em coordenação com a Secretaria de Estado, mas executadas por mim: a) Se o cidadão ainda estivesse na Sérvia: eu emitiria visto de cortesia (VICOR) em caráter emergencial (fui à embaixada fora do horário de expediente diversas vezes para não prejudicar as viagens); b) Se o cidadão estivesse sendo impedido de embarcar: eu ligaria para a companhia aérea e explicaria a situação. Em alguns casos, precisei encaminhar uma nota explicando o ocorrido; c) Se o cidadão já estivesse no Brasil: eu entraria em contato com a PF para esclarecer que aquele cidadão tinha uma informação oficial da Embaixada, que infelizmente não era a correta, e que não tinha culpa. Nesse contexto, vários sérvios conseguiram entrar sem visto, em caráter excepcional. 48
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Além desses casos, tivemos pessoas que contatavam o plantão de Belgrado, mas que estavam em outros países. Nesse sentido, ressalto que contei com a ajuda de três servidores da chancelaria (Oficiais e Assistentes), em Budapeste, Lisboa e Abu Dhabi, que se dispuseram a emitir vistos para os cidadãos sérvios que se encontravam nesses países com viagens marcadas para o Brasil no dia seguinte (sempre com anuência das respectivas chefias, que haviam sido avisadas pelo Ministro-Conselheiro de Belgrado). No caso de Budapeste e Abu Dhabi, as colegas emitiram o visto no fim de semana. A situação perdurou por cerca de duas semanas, até que a SGEB conseguiu acelerar a promulgação do acordo e ele entrou em vigor. No fim, ficamos sabendo de apenas um caso que não resolvido: a pessoa foi deportada sem conseguir entrar em contato conosco para tentar reverter a situação. Se não me engano, emiti cerca de 30 VICOR em caráter emergencial e lidei com mais ou menos 25 cidadãos impedidos de embarcar ou já no Brasil - todos conseguiram entrar no Brasil após a intervenção. Cinquenta e cinco pessoas pode não parecer muito. Mas depois, lidando com as situações uma a uma, percebi o quão importante aquela viagem era para cada uma delas – e o quão importante era o meu trabalho.
percebi o quão importante aquela viagem era para cada uma delas – e o quão importante era o meu trabalho Relatos da chancelaria
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Caiena - Guiana Francesa
Relato X
Responsabilidade Trabalhei seis anos no Setor de Projetos Básicos da Divisão de Serviços Gerais (DSG). Cuidei da elaboração dos Termos de Referência e Projetos Básicos de todos os processos licitatórios de competência da DSG, que envolvia a soma de dezenas de milhões de reais por ano. Trata-se do “nascimento” de cada licitação, momento em que se define o que se pretende adquirir ou qual serviço contratar e todas as condições: quando, como, onde, descrição detalhada, entre outros pormenores.É um trabalho extremamente técnico e de muita complexidade, pois um Termo de Referência bem feito será o responsável pelo sucesso de um processo licitatório. Isso implicava basicamente a compra de todo material de consumo e permanente do Itamaraty, a contratação de todos os serviços de terceirização (contratação de empresa de limpeza, de segurança, motoristas, contínuos) e a busca pelas compras sustentáveis. A parte das aquisições ambientalmente responsáveis foi a que mais me interessou e quando o Embaixador Patriota ainda era Ministro das Relações Exteriores recebeu um prêmio pelo trabalho desenvolvido nesse ramo, fruto, além de outras iniciativas, de um estudo que nasceu no Setor de Projetos Básicos da DSG. Estabeleci a estratégia de somente adquirir papel e madeira que tivessem selos de sustentabilidade FSC ou Cerflor . Esse projeto todo foi feito por mim, e as agendas, todas as resmas de papel, lápis e mobiliário do Ministério precisavam ter compro6
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vação certificada de origem da madeira. Investi tempo e pesquisa para começar a inserir nos Termos de Referência exigências de sustentabilidade, seja na aquisição de material, seja na contratação de alguns serviços. Fiz cursos sobre o assunto e era responsável por reunir e expandir nos projetos o que houvesse de possibilidade para aquisições de material que estivessem de acordo com os padrões de aquisições responsáveis ambientalmente. Na DSG, assinava os Termos de Referência e assumia responsabilidade em cada projeto desenvolvido, mas não havia nenhuma contrapartida. Dependendo da situação, podia ser acionada pelo Tribunal de Contas da União para prestar esclarecimentos e até ser multada se responsabilizada diretamente, o que demonstra a complexidade e alta responsabilidade que esse tipo de trabalho envolve. Como necessitava da aprovação da chefia, encaminhava os Termos de Referência para os Diplomatas do Setor. Enquanto fazia o trabalho técnico, que exigia muito conhecimento, responsabilidade, habilidade e pesquisa, os Diplomatas responsáveis pela sua aprovação demonstravam, muitas vezes, desconhecimento sobre o tema e, no entanto, eram eles que recebiam DAS, uma vez que, no Itamaraty, os DAS são de nomeação quase exclusiva de Diplomatas. Em 2012, fiz missão transitória de um ano para o Consulado-Geral do Brasil em Caiena. Assumi, por certo período, a encarregatura do Posto, que significa assumir a chefia do Posto e ter todos os servidores e contratados locais sob sua responsabilidade, assim como os serviços prestados. Durante esse período, houve um acidente com embarcação de imigrantes ilegais na Guiana Francesa. Recebia os relatos da Polícia Federal no Oiapoque e da Gendarmerie francesa e transmitia a situação para a Secretaria de Estado, em Brasília. Durante minha estada em Caiena, recebia constantemente informações policiais das instituições de polícia citadas com fotos de cadáveres para reconhecimento ou ajuda de localização da família. Cadáveres geralmente de garimpeiros que eram assassinados na mata amazônica. Cuidava da tentativa de reconhecimento desses cadáveres e encaminhamento de informações diariamente. Recebia em Caiena toda a comunicação policial de localização dos corpos, e ainda guardo alguns e-mails, 6 Sistemas de certificação florestal aos quais as empresas se submetem para atestar que seus produtos seguem os seguintes padrões de sustentabilidade: eles devem ser ecologicamente corretos, socialmente justos e economicamente viáveis.
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Relatos da chancelaria
fotos de cadáveres encontrados na mata, encaminhados pela polícia francesa e pela Polícia Federal. Por vezes, atendia parentes que nos procuravam para ajudar na localização de pessoas perdidas, geralmente garimpeiros. Fazia, quando necessário, visita ao presídio para conversar com brasileiros presos, muitos de alta periculosidade. Eram, em sua maioria, pessoas do garimpo que já mataram dezenas de pessoas. A visita tinha por objetivo colher informações sobre o seu estado e se necessitavam de algum apoio do Consulado.Além disso, eu era a única servidora do quadro, quase em todo o período da missão, que trabalhava no Setor Consular, autorizando passaportes, atos notariais, legalização e vistos. Em 2014 participei da organização do encontro do BRICS em Fortaleza. Inicialmente, eu iria ajudar na elaboração de Termos de Referência para contratação dos serviços do evento, mas a falta de pessoal acabou me fazendo ir bem mais além. Ajudei na programação visual do evento, elaboração do banner em que os Presidentes dos cinco países tiraram a foto oficial, elaboração do layout de praticamente tudo: cartazes, sala de imprensa, púlpito de apresentação dos Presidentes e crachás de credenciamento. Trabalhei como gerente de contrato da empresa responsável pelos motoristas do evento e dei apoio à logística. No dia do encontro, trabalhei no cerimonial, recebendo as autoridades e encaminhando-as para as respectivas mesas de almoço. Em seguida, em consequência do trabalho do encontro do BRICS, fui chamada pra trabalhar na área de credenciamento da posse da Presidenta da República, em 2015. Fiquei responsável pelo credenciamento, juntamente com outro colega, e também elaborei o layout dos crachás, ambas as atividades, supervisionadas por um Diplomata.
Fazia, quando necessário, visita ao presídio para conversar com brasileiros presos, muitos de alta periculosidade. Eram, em sua maioria, pessoas do garimpo que já mataram dezenas de pessoas...
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Assunção - Paraguai
Relato XI
Ajuda Humanitária Sou Oficial de Chancelaria desde 1994 e estive lotado no Consulado-Geral do Brasil em Assunção, entre os anos de 2005 a 2008, onde exercia a função de Vice-Cônsul. Na época, uma de minhas atribuições era supervisionar o trabalho de assistência à comunidade brasileira local. Durante aquele período, o conflito de terras entre colonos brasileiros e sem-terra paraguaios havia atingido o seu ápice e por esse motivo, em março de 2006, realizei uma visita à Colônia Laterza Cué, em Caaguazú, logo após os colonos brasileiros terem sido atacados e suas terras invadidas pelos sem-terra paraguaios. Na ocasião, estava acompanhado de dois auxiliares locais: um administrativo e um motorista. Lá chegando, pude constatar que a situação na Colônia Laterza era dramática. Os colonos brasileiros estavam sendo vítimas de todos os tipos de arbitrariedades; tanto por parte dos sem-terra paraguaios, que muito frequentemente assaltavam suas residências à mão armada, ameaçando seus ocupantes e roubando animais, víveres e tudo o que podia ser utilizado por eles; quanto pela polícia local que, em conivência com os campesinos, não prestava o auxílio que deveria à comunidade de brasileiros daquela região, muitas vezes até apoiando a ação dos invasores. Como exemplo da falta de atuação da polícia no local, cito que assim que chegamos, apesar da escolta policial que acompanhava a missão do Consulado, Relatos da chancelaria
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fomos completamente cercados pelos sem-terra paraguaios que, portando facões, foices e outras “ferramentas” e entoando palavras-de-ordem sobre o movimento campesino, nos impediram de atravessar a área da colônia para que pudéssemos ter contato com as famílias brasileiras. Tudo isso sob as vistas dos policiais que em nenhum momento fizeram menção de impedir tal cerco, impondo a autoridade que lhes seria devida. Somente após mais de uma hora de diálogo com o líder do movimento, Teófilo Aguilar - que se auto-intitulava Secretário-Geral do movimento fomos “autorizados” a seguir o nosso destino para que pudéssemos manter contato com as famílias de colonos que viviam, literalmente, à mercê dos invasores, que saqueavam, roubavam e ameaçavam, sem qualquer escrúpulo, adultos e crianças. A situação das crianças, filhos dos colonos brasileiros mereceria um capítulo à parte. Sem escola, sem poderem sair de casa, muitos deles longe dos pais e tendo assistido a toda sorte de opressão, mostravam em sua inocente infância as marcas deixadas pela onda de violência que assolava aquela região. Segundo relato feito a mim, por uma das mães, sua filha, de pouco mais de cinco anos, não ia sozinha nem mesmo ao banheiro, aterrorizada por tudo o que teria presenciado. Por não ser possível plantar, as terras da região estavam em sua maioria tomadas pelo mato. Sem ter de onde tirar o seu sustento e tendo as suas escassas provisões saqueadas com frequência, os colonos brasileiros não poderiam permanecer nessa situação por muito mais tempo, sendo de uma semana (ao dia que realizei a visita) o prazo previsto por algumas famílias para o término dessas provisões. Outros casos, como o do Sr. João Silva que perdeu tudo - ou o pouco - que dispunha, eram ainda mais dramáticos. Tendo ficado sozinho no afã de preservar o casebre onde vivia com sua família - que foi mandada embora depois de um dos ataques dos campesinos - o Sr. Silva teve sua casa cravejada de tiros de escopeta calibre 12 e, segundo relato dele próprio, só escapou do ataque porque conseguiu se esconder em uma tábua sob o assoalho de sua precária habitação. A missão pôde registrar, através de fotografias, a situação em que ficou sua moradia, com todos os seus pertences pilhados ou espalhados pelos três humildes cômodos. Ao Sr. Silva nada sobrou, seja para comer ou vestir. Com a indefinição, por parte da Justiça paraguaia, sobre o direito de posse das terras na região, a probabilidade de que viesse a ocorrer um enfrentamento em curto prazo era muito grande e poderia vir a ter um desfecho imprevisível. Até o 56
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momento da visita, isso não ocorrera porque os colonos brasileiros tinham sido orientados pela liderança local a, diante de um iminente confronto, abandonar tudo e fugir. A tendência, contudo, era que tal prática não se perpetuasse e que, diante da revolta e da total falta de perspectiva dos colonos brasileiros a situação viesse a se degenerar ainda mais. Retornando da missão - em coordenação com a Embaixada em Assunção e com a Adidância da Polícia Federal - solicitamos providências urgentes ao Comissário Geral da Polícia Nacional paraguaia para que fossem deslocadas novas tropas no sentido de reforçar a segurança policial na Colônia Laterza e impedir os atos arbitrários e desumanos a que estavam sendo submetidos os cidadãos brasileiros ali instalados. Relatei as informações acima à Divisão de Assistência Consular (DAC), que autorizou a compra e a distribuição de mais de 200 cestas básicas, com gêneros de primeira necessidade, aos colonos brasileiros. Finalizado o processo de licitação e compra, organizamos outra missão - composta por mim (Vice-Cônsul) e dois auxiliares locais - à Colônia Laterza, para a distribuição das cestas básicas, recebidas pelas famílias brasileiras, como um alento de que as autoridades brasileiras estavam trabalhando no sentido de minimizar a crise que se instalara na região. Na ocasião, aproveitando o deslocamento da missão àquela localidade, realizamos ainda visitas às penitenciárias de Coronel Oviedo e Villarica, onde foram entregues kits de primeira necessidade aos detentos brasileiros, contendo itens de vestuário, materiais de higiene, dentre outros. Durante o desenrolar do conflito de terras na Colônia Laterza, uma comitiva parlamentar composta pelos então Deputados Federais Aldo Rebelo e Dr. Rosinha estiveram em Assunção e participaram de reuniões com representantes dos colonos brasileiros na Embaixada do Brasil em Assunção. Na ocasião, além de mim - Vice-Cônsul - e da Cônsul-Adjunta, como representantes do Consulado-Geral, estiveram presentes também os adidos da Polícia Federal e diplomatas da Embaixada do Brasil em Assunção. A reunião teve como principal objetivo apresentar aos parlamentares a real situação a que estavam expostos os colonos brasileiros e tentar buscar uma solução política para o fim do conflito naquela região. Até o término de minha missão naquele país, em 2008, ainda não havia perspectiva de uma solução definitiva para o conflito. Relatos da chancelaria
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