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Gramsci, globalização e pós-moderno. José Mário Angeli. Editora da UEL. Londrina-PR. 1998 Osmani Ferreira da Costa
Gramsci, globalização e pós-moderno.
José Mário Angeli. Editora da UEL, Londrina-PR. 1998. 136 páginas.
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Osmani Ferreira da Costa*
O jornalista italiano Gramsci (1891-1937) uniu a prática da militância político-partidária à reflexão teórica da filosofia para se tornar um dos mais importantes pensadores marxistas do século XX. Antes de ser preso em 1927 pelo governo fascista italiano, ele tivera intensa atividade como membro do Partido Socialista, sempre polemizando e criticando com dureza os liberais e reacionário da direita. Defensor da radicalização da experiência com conselhos de fábricas, ele ajudou a fundar o Partido Comunista Italiano em 1921, e esteve na Rússia para acompanhar a implatação do governo da Revolução Bolchevique de 1917. Mas foi durante os dez anos de prisão - onde morreu sob o governo de Mussolini - que Gramsci escreveu a maior e mais importante parte de sua obra, as “Cartas” e os “Cadernos do Cárcere”.
Conhecido como o teórico da superestrutura, Gramsci se opôs ao marxismo positivista ancorado no historicismo e desenvolveu a ‘filosofia da práxis’, o “conceito de bloco histórico”, a ‘teoria da hegemonia’, e a tese do “intelectual orgânico’, entre outros conceitos socilógicos e categorias filosóficas. Tudo sempre muito embasado no ponto de vista revolucionário de crítica ao capital e defesa do socialismo e da democracia; na busca da politização da sociedade civil e do estado-ético.
Agora, os principais conceitos, teorias e idéias deste marxista revolucionário - eles são muitos e da maior importância - voltam a ser o centro de uma discussão aprofundada e atual com o lançamento do novo livro do professor de filosofia da Universidade Estadual de Londrina (UEL) José Mario Angeli, “Gramsci, Globalização e Pós-Moderno”. Dirigido prioritariamente a estudantes e professores de filosofia, ele será também de grande valia a profissionais, docentes e alunos de ciências sociais, sociologia política, comunicação social e áreas afins.
Dividido em cinco capítulos distintos - artigos apresentados em seminários e congressos - o livro mantém, no entanto, uma unidade admirável e necessária ao entendimento do todo da obra do filósofo italiano. Doutor em filosofia pela Universidade de Santo Tomás de Aquino, de Roma, Angeli recorre às teorizações de Gramsci para analisar e refletir sobre os temas atuais, chamados de pós-modernos: ordem neoliberal, globalização da economia, pseudo inexistência da soberania dos estados nacionais, exclusão social dos trabalhadores etc.
O livro mostra um Gamsci sem rodeios ou máscaras, militante da filosofia enquanto instrumento de ação circunstanciada na história e de defesa dos excluídos na luta de classes gerada pelo capitalismo. A linguagem de Angeli não é simples ou fácil, nem poderia ser diferente pelas caracteristicas do conteúdo dos temas em debate. Mas é clara, direta e acessível o suficiente para o bom entendimento e reflexão dos minimamente iniciados em Gramsci.
No primeiro capitulo, Angeli faz um resgate da trajetória histórica e uma análise do pensamento do filósofo italiano, para mostrar de maneira inequívoca como estes estavam impregnados do mais puro e original marxismo. Contrariamente ao que insistem em sustentar alguns críticos superficiais, que apontam na obra de Gramsci traços mais marcantes do liberalismo, criando uma polêmica sem razão de ser. O autor ressalta, no entanto, que partindo do materialismo histórico e dialético de Marx, Gramsci avança para o entendimento de que o marxismo não é um modelo, um sistema pronto e acabado, pelo contrário, pela sua própria dialética, o marxismo é um ‘processo’ que está em constante evolução.
No segundo capítulo, dedicado à análise das mudanças no mundo do trabalho e da educação, Angeli lembra que o filósofo italiano tinha a política como um instrumento essencial à transformação da sociedade, no rumo da igualdade, de liberdade e de um mundo sem classes. O autor ressalta ainda que, no caminho deste objetivo maior, a educação e o trabalho formavam o mais importante binômio da pedagogia de Gramsci. O que este deixava claro em suas cartas do cárcere a familiares, quando mostrava preocupação com a educação do filho e de uma sobrinha. Para Gramsci, ‘educar no trabalho’ era proporcionar aos indivíduos a possibilidade de serem livres, a oportunidade da construção de homens novos.
No terceiro capítulo, Angeli recorre aos escritos de Gramsci sobre a ‘questão meridional’ para refletir sobre a atualidade, onde se sobresai o discurso da derrota final do ‘socialismo real’ e vitória definitiva do ‘capitalismo mundializado’. O autor avalia, como já fazia o filósofo italiano nas décadas de 20 e 30 do século passado, que as relações Norte-Sul são definidas de cima para baixo, impondo prejuízos à periferia e acumulando riquezas nos países centrais. Angeli lembra que a geografia mundial - assim como as nacionais - muda constantemente porque o capital se desloca em busca de zonas de alta repressão e de baixos salários. É por isto que os territórios são, na maioria das vezes, definidos de fora para dentro. O autor defende que uma geografia crítica deve partir das lutas e contradições históricas, econômicas e políticas.
No quarto capítulo, que trata da ‘recuperação da idéia de política’ na obra de Gramsci, o autor chama atenção para o triste fato de que a economia passou a ser o principio da universidade humana. O autor ressalta que Gramsci potencializou os aspectos da política, utilizando-se da ‘filosofia da práxis’ para buscar as bases da constituições de uma nova cultura e de um novo Estado. Angeli diz acreditar que haverá uma reação à ‘revolução de 89’, que derrotou o ‘socialismo real’. E que os novos sujeitos da política do 3º milênio restabelecerão a dialética entre a ‘revolução’ e a “reação”.
O texto de Angeli é rico em citações oportunas e bem localizadas. Marx, Weber, Lenin, Hegel, Engels, Chesnais, Chauí, Chomsky, Luckács, Althusser, Heidegger, Nietzsche e outros vão aparecendo com naturalidade e só quando necessário ao entendimento, sem o exagero pedante de autores que buscam transparecer uma cultura inexistente. Aqui, cada citação é precedida e acompanhada de comentários que acrescentam ao leitor informações novas e contextualizadas.
No quinto capítulo, que é o que empresta o nome ao livro, o autor avalia o pós-moderno no bojo da globalização - entendida como o processo de mundialização da economia capitalista, notadamente financeiro - para afirmar que ele é um termo que está sendo usado como sinônimo do mundo pós-industrial, mas que se tem mostrado um paradigma insuficiente para a análise do real. Angeli ressalta que globalização é um termo ambíguo que necessita de urgente redefinição, e que autores como Marx e Gramsci já previam a planetarização da economia, imposta pelo Norte sobre o Sul, sem resolver no entanto os antagonismos de classes inerentes ao capitalismo.
O autor lembra que o capital é mundializado deste que existe, e que o massificado discurso ideológico neoliberal de que a globalização terminaria com as desigualdades sociais e a exploração das classes subalternas não se concretizou. Até porque o pós-moderno, assim como previa Marx, nada mais é do que a verdadeira realização do moderno na sociedade capitalista e significa, na realidade, o esvaziamento do concreto por parte do abstrato.
Angeli conclui o livro com importantes e instigantes indagações sobre o papel atual e futuro da filosofia, da sociologia política, dos partidos, dos sindicatos, dos indivíduos, das classes sociais, do capitalismo e da utopia socialista. Perguntas cujas pistas de respostas estão presentes ao longo das 136 páginas do livro deste filósofo marxista, que tem empreendido, nas últimas décadas, uma correta e profunda viagem à base da obra de Antonio Gramsci.
O leitor fecha o livro com a sensação de que, como previra o professor Ricardo de Jesus Silveira no prefácio, este novo livro de Angeli “chega em boa hora, não é apenas oportuno, é necessário”. Mais que isto, diríamos que ele é indispensável aos que têm interesse no bom entendimento do filósofo italiano que repensou, atualizou e fez avançar a obra de Karl Marx.
* Osmani Costa é Jornalista da Folha de Londrina, bacharel em Sociologia, professor de Comunicação na UEL, e mestrando em Ciências Sociais.