Os 3 Plantados: tributo à vida
Ser dono do próprio corpo Jimi Joe aponta que há uma falha de ordem legal no processo de doação de órgãos e tecidos. “Eu até queria registrar em cartório que sou doador, mas isto não adianta de nada porque, com a minha morte encefálica, se a família decide que não, acabou”. Ele defende que haja um projeto de lei que exprima a vontade de doar. “Atualmente, a família é dona do corpo de quem morre, muitos não querem porque vai mexer com uma pessoa querida, mas a gente tem que pensar que outras pessoas terão chance”.
Foto: Igor Sperotto
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ebeto Alves, Jimi Joe e King Jim têm muitas coisas em comum. São músicos gaúchos, nasceram na década de 1950, começaram a trilhar os caminhos da arte na década de 1970. E os três foram transplantados em 2013. São sobreviventes. Eles também compartilham uma história de sofrimento e dor até receberem novos órgãos que lhe garantissem boas condições de vida. Bebeto e King Jim possuem agora novos fígados e Jimi Joe, após dez anos de espera, não precisa mais de hemodiálise, pois recebeu um novo rim. Além de músico, Jimi Joe, 59 anos, também é jornalista e radialista e, atualmente, é o coordenador de programação da Rádio Unisinos. Ele conta que os anos de hemodiálise foram de sofrimento. “No início, não conseguia trabalhar, estava muito fragilizado, apavorado”. Aos poucos, conforme ia se acostumando voltou a tocar, a fazer shows, entre outros trabalhos. Mas a grave doença renal era um sério limitador para suas atividades. A longa espera pelo transplante também minou sua confiança. “Quando chegou lá pelos oito anos de fila para o transplante, achei que nunca aconteceria e falei para o médico me tirar, que eu ficaria só com a hemodiálise. A resposta dele é que não iria me tirar e que era para eu aguentar firme”. Jimi ingressou três vezes na fila. A primeira vez não foi possível porque o órgão não estava íntegro. A segunda vez também deu complicações com o órgão doador. “Me chamaram umas quatro vezes, eu ficava em jejum de 12 horas, mas aí entrava alguém na minha frente ou o rim não era compatível”. Na terceira tentativa, ele pôde, enfim, ser transplantado. Não sem outra boa dose de sofrimento. “Eles me ligaram, dizendo que tinham um rim, que era para eu fazer as 12 horas de jejum. Era cedo, fiquei sem comer durante todo o dia e ninguém me ligava. Quando a noite chegou, minha mulher (Juliana Franzon) sugeriu que eu comesse e fosse dormir. Eu recusei. Quase uma hora da manhã, o médico me ligou dizendo que o rim era meu”, lembra, emocionado. Bebeto Alves, também de 59 anos, não sofreu
Jimi Joe, King Jim e Bebeto Alves, transplantados em 2013, comemoram com espetáculo musical na Ecarta com a espera, como Jimi Joe. Ele ficou na fila por três meses até conseguir um fígado compatível. Mas passou muitos anos tratando de uma Hepatite C que evoluiu para tumor. O tratamento foi doloroso. “Os remédios que servem para matar o bicho matam a gente junto”, diz, se referindo ao ressecamento do tumor. “Descobri que estava doente em 1998, tocando em um festival na França. Tive uma tontura e fui parar no hospital. Aqui no Brasil, fiz uma ecografia que apontou nódulos em todo o fígado e a investigação de um especialista indicou a Hepatite C”. Bebeto começou um tratamento medicamentoso. “Foi muito ruim, eu não me sentia bem”. Optou por abandoná-lo, substituindo por uma alimentação mais regrada e remédios naturais. Com isto, o músico passou quase sete anos sem ir ao médico. Até que, em 2012, trabalhando no Rio de Janeiro, sentiu que algo estava errado com sua saúde. “Fui fazer um tratamento dentário e os exames apontaram que eu tinha uma baixa plaquetária muito grande. Voltei ao médico e ele me xingou pra caramba. No exame visual deu fígado cirrótico. Quer dizer, nestes anos, eu desenvolvi uma cirrose”. Junto com a cirrose também vieram alguns nódulos e Bebeto foi diagnosticado com um tumor maligno. “Fui direto para a fila do transplante, com 11 pontos para cirrose e mais 21 em função do tumor”.
O saxofonista King Jim, nome artístico de Ricardo Weissheimer Cordeiro, de 57 anos, também teve de enfrentar o transplante de fígado. Ele começou a tocar o instrumento em função da asma, que o acompanha desde a infância. Cirrose e Hepatite C se apresentaram para ele em meados da década de 1980. “Na época, eu não sentia nada. Também, nem existia informação, eu nem sabia o que uma Hepatite C poderia fazer”. Com o tempo, o fígado ficou comprometido e só restou a King Jim lutar por um novo órgão. Só que, em vez de três meses na fila, como Bebeto, ele ficou três anos. “Quando a cirrose se manifestou, comecei a ter problemas. Os sintomas eram muito ruins, eu tive hérnia no umbigo. Tive de parar de tocar, pois toda hora eu ia para o hospital. Me internei para desintoxicação de drogas e álcool e aí o médico me disse que, se eu estivesse a fim mesmo, me colocaria na fila, para me salvar. Se não, eu teria apenas mais um ano de vida”. Hoje, ele diz que está comportado. “Não estou tocando, pelo menos até fazer a cirurgia de hérnia, em outubro”. Deprimidos em matéria de imunologia, Bebeto, Jimi Joe e King Jim são suscetíveis a todo tipo de doença. “Qualquer gripe vagabunda nos derruba”, diz Bebeto. Por causa dos problemas de imunidade, eles não saem de casa sem estarem abastecidos de máscaras cirúrgicas. “Precisamos delas para entrar no elevador, pegar um ônibus ou até ir ao hospital”, conta King Jim.
Show em agradecimento Em virtude do transplante, Jim Joe teve complicações e viveu um processo de idas e vindas do hospital. Em uma destas vezes, ficou internado por três meses. “Eu estava lá, chateado da vida, quando fiquei sabendo que o Bebeto e o King Jim também tinham sido transplantados. Aí a minha mulher deu a ideia de a gente fazer um show. Eu gostei, três pessoas conhecidas que podem fazer algo para que a doação seja mais visível. É uma forma de agradecer o que ganhamos e retribuir. É importante doar órgãos e salvar vidas. Somos sobreviventes, mas muitos parceiros não tiveram a mesma sorte”. Para Bebeto Alves, é preciso destacar o impacto
desta situação delicada na vida de cada um deles. “Percebemos que a finitude é real e séria. Ela chegou para nós, estivemos perto do fim e, neste momento, recebemos órgãos que nos dão a perspectiva de continuar vivos. É uma emoção indescritível e nós temos de retribuir”. Ele faz questão de salientar que os três foram atendidos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), tanto no transplante quanto na medicação pré e pós. “A gente sabe que é tudo muito caro, mas o atendimento tem sido da melhor qualidade”. O show já está marcado para 27 de setembro, Dia Nacional de Doação de Órgãos, na Fundação Ecarta.
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