Fórum Estadual dos Servidores/as segue na luta por pagamento dos salários atrasados e calendário de pagamento
Trabalhadoras em educação do RN ocupam ruas de Natal para lutar contra a Reforma da Previdência e exigir igualdade
Reforma da Previdência do Governo Bolsonaro vai destruir a aposentadoria
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EDITORIAL
Fátima companheira x Fátima Governadora
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o seu primeiro dia de trabalho como governadora, a ex-dirigente do Sinte-RN professora Fátima Bezerra já recebia o ofício com as reivindicações da categoria. O Sinte-RN dava sua primeira mostra de que a defesa dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras em educação ia continuar de forma firme e intransigente. Ato contínuo, o Sindicato se associou aos demais sindicatos no Fórum Estadual dos Servidores e passou a pressionar o governo de forma unificada em defesa dos objetivos comuns. A governadora Fátima Bezerra tem sido tratada de acordo com sua condição atual de patroa dos servidores públicos do RN. Por outro lado, é justo ressaltar as diferenças já esperadas nas relações entre a ex-sindicalista e os líderes sindicais. O diálogo e a transparência têm dado o tom das negociações. Antes,
era preciso manifestações e protestos para se conseguir uma audiência. Hoje, os representantes dos servidores têm sido recebidos sempre que querem. Algumas vezes, pela própria governadora. No momento, a pressão maior é pelo pagamento dos atrasados e por um calendário do pagamento para o ano. O governo atual expôs o rombo deixado pelo governo Robinson e abriu o que antes era uma “Caixa Preta”. A pedido dos Sindicalistas, a Governadora chegou a mostrar os extratos detalhados com as receitas e despesas do Estado. O Fórum investigou. Procurou por moedas de sobra. Nada. A verdade é que o tesouro do Estado foi esculhambado pelo governo anterior. Mas o problema é ainda maior. O governo não deve apenas aos servidores. Os empresários que prestam serviço ao Estado ficaram sem receber e apresentam suas faturas.
Até agora a governadora tem fechado questão: vai pagar primeiro o que deve aos servidores. Mas tem sido torpedeada pelos setores conservadores do Estado que estavam acostumados a favorecimentos governamentais. Mas será que Fátima aguenta a pressão da elite econômica do estado? E se não suportar, quem sai perdendo e quem sai ganhando? Em um cenário no qual os servidores públicos desmereçam a postura governamental de priorizar os servidores e se somem à oposição, teremos um governo morto antes mesmo de começar. Uma morte cuja causa inicial seria o engessamento produzido pela destruição prévia do tesouro público. Uma herança maldita vinda do governo Rosalba e consolidada no governo Robinson. Impotente ante um estado em pré-falência, espremido entre as exigências da
elite financeira do Estado e das entidades de classe, o governo Fátima tende a sucumbir antes mesmo de mostrar a que veio. Nesse cenário saem ganhando as oligarquias do RN e sai perdendo o povo, que não teria a oportunidade sequer de testar um modelo popular de gestão. Os servidores públicos devem estar atentos a essa armadilha armada, para não cair nela. Hoje, o Sinte-RN está do outro lado da mesa de negociações com a hoje governadora Fátima. Manterá o princípio que sempre norteou a luta da educação: diálogo com firmeza e independência de partidos e governos. Isso significa que vai cobrar, pressionar, protestar incessantemente, mas sem se somar às vozes dos que querem a derrocada do governo apenas para assumirem outra vez o poder e usá-lo contra os servidores.
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Fórum Estadual dos Servidores/as segue na luta por pagamento dos salários atrasados e calendário de pagamento
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Salários em dia têm sido a pauta principal do movimento
Fórum Estadual dos Servidores, entidade não oficial da qual o SINTE/RN é integrante, está mantendo a negociação com o novo governo do Estado desde os primeiros dias de janeiro. De lá para cá, os sindicatos se reuniram várias vezes com a área econômica do governo e até com a própria Governadora. Nesses encontros, ficou claro que a luta principal dos servidores é pelo pagamento das quatro folhas deixadas pela gestão passada. Ou seja, os sindicatos esperam que
o governo pague o total das folhas de novembro e dezembro passados, bem como os décimos de 2017 e 2018 para quem ainda não recebeu. Na fase de transição governamental, O Fórum entregou um ofício à Governadora, expondo que, entre outras reivindicações, o pagamento dos atrasados e um calendário das folhas para 2019 são pontos fundamentais para o conjunto do funcionalismo. Nesses três meses, alguns avanços já aconteceram. Primeiro, o Fórum dos Servidores está
recebendo um tratamento digno e conseguindo dialogar, nas audiências, com todos os setores do governo. Em segundo lugar, o salário dos aposentados, após
quase três anos, finalmente está sendo pago dentro do mês corrente. Foi assim em janeiro, fevereiro, e março e a perspectiva é que se mantenha.
Após Fórum exigir, governo revoga decreto que suspendia licenças-prêmio
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Revogação demonstra a força da união das entidades
governo do Estado acatou a exigência feita pelo Fórum Estadual dos Servidores e revogou o decreto que suspendia as licenças-prêmio dos/as trabalhadores/as. A revogação aconteceu logo após os sindicatos se reunirem em audiência com o Gabinete Civil no dia 23 de janeiro. Na prática, significa que os/as servidores/as poderão continuar gozando a sua licença-prêmio sem qualquer restrição. A suspensão das licenças, segundo o go-
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Fizemos a pressão em favor da revogação imediata do decreto. Assim, o Fórum foi recebido pelo governo, que de pronto atendeu a reivindicação.
verno, se daria em virtude da crise financeira e como forma de poupar recursos somente para a polícia. Entretanto, o Fórum não aceitou a medida e exigiu a sua retirada. “Fizemos a pressão em favor da revogação imediata do decreto. Assim, o
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Fórum foi recebido pelo governo, que de pronto atendeu a reivindicação”, explica a coordenadora geral do SINTE/RN, professora Fátima Cardoso. A sindicalista reforça que a pressão foi fundamental: “A vitória se deu aliada às iniciativas
do Fórum de não aceitar o decreto mesmo com as justificativas do governo”, afirma. Fátima Cardoso alerta que os professores e funcionários continuam enfrentando problemas para usufruir das suas licenças-prêmio, mas que o SINTE/RN continuará lutando para que cada um possa gozar seu direito dentro do que estipula a lei: “Vamos continuar lutando para que dentro dos prazos estipulados no Plano de Carreira e regime jurídico único, possamos gozar nossas licenças”.
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Sindicatos querem alterações no decreto governamental sobre Mesa Permanente de Negociação
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Sinte-RN quer garantias de manutenção da sua autonomia e independência diante do Governo
decreto que foi editado pelo governo estadual, criando uma Mesa Permanente de Negociação com O Fórum Estadual dos Servidores, ainda não contempla as necessidades dos sindicatos. Isso porque, na avaliação das
entidades, parte do seu conteúdo é autoritário e burocrático. Entre outras questões, o decreto prevê que os sindicatos formalizem sua adesão ou não à mesa. “Entendemos fazer parte do diálogo. O governo concordou com as reivindicações. O conteúdo deve ser democrático, e o
decreto não deve fechar as portas às liberdades de revermos as condições de modifica-lo e até mesmo de refazermos para tornar uma política de estado”, afirma a coordenadora geral do SINTE/RN, professora Fátima Cardoso. O Fórum debateu o decreto e destacou os pontos a serem modificados. As proposições ainda não foram apresentadas ao governo em audiência, porque não há consenso entre as entidades sobre a necessidade da mesa permanente. A coordenadora geral do SINTE defende a participação do Sindicato: “Creio que devemos participar (da mesa) com a condição de modificar
o conteúdo do decreto para possibilitar uma maior inserção e decisão por parte do Fórum, assim como de sair dele quando avaliarmos que essa mesa não responde às demandas da categoria”. Em assembleia a categoria aprovou a participação do SINTE/ RN na composição da Mesa Permanente de Negociação. A sindicalista avisa que o SINTE manterá sua postura coerente: “Não haverá nenhuma possibilidade de o SINTE deixar de ser autônomo e independente de qualquer governo. Assim, entendemos que, modificado o decreto nos moldes que defendemos, não haverá nenhum risco de nos acomodarmos, porque somos um Sindicato de resistência e luta”.
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SINTE/RN reivindica Lei que visa à correção automática do Piso Salarial ao Governo do Estado
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O Secretário de Educação se comprometeu em analisar a proposta do Sindicato
direção do SINTE/ RN apresentou ao secretário estadual de educação, Getúlio Marques, a reivindicação de uma Lei que torne automática a correção do Piso Salarial Nacional do magistério. Ao receber o pedido, o Secretário disse que vai apreciá-lo. O projeto tem por objetivo tornar o processo de implementação do Piso o mais rápido possível, evitando a necessidade de que a cada ano se busque a aprovação de uma lei que autorize o Executivo a efetuar a correção salarial dos/as educadores/as. A proposta em si dispõe sobre a atualização salarial de professores/as ativos e aposentados/as,
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O projeto tem por objetivo tornar o processo de implementação do Piso o mais rápido possível, evitando a necessidade de que a cada ano se busque a aprovação de uma lei que autorize o Executivo a efetuar a correção
incluindo a data base de 1º de janeiro e o fator de correção, que é o mesmo da Lei 11.738/2008, que estabelece o percentual de correção, publicado através de portaria interministerial e pelo Ministério da Educação (MEC). Para tornar a lei mais forte e sem riscos para os/as educadores/as, a proposta deve prever que as despesas decorrentes da lei ocorrerão dentro do orçamento geral
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do estado. A coordenadora geral do SINTE/RN, professora Fátima Cardoso, lembra que o Sindicato e os trabalhadores em educação têm que, conjuntamente, lutar para que essa lei seja aprovada: “Cabe à direção do SINTE e à categoria pressionar o governo para que esse projeto de lei seja aprovado ainda em 2019. Isso porque a nossa proposta visa evitar essa tradicional
burocracia e garantir aos trabalhadores que, se o pagamento não ocorrer em janeiro, poderemos pressionar o governo com diversas formas de luta”. A sindicalista afirma que a falta de uma lei que assegure a correção imediata torna o processo desgastante e diz: “A ausência de uma lei estadual que regulamente a política salarial com base na lei do Piso deixa a categoria sem segurança jurídica com relação ao momento da correção, pois esta tem de ser cumprida pelo gestor público”. O percentual do Piso Salarial 2019 é de 4,17%, um pouco maior que a inflação de 2018.
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Privatização & mercantilização na educação básica As alterações normativas da educação têm como objetivo facilitar e ampliar as possibilidades de lucro com o ensino
s fatos que temos acompanhado referentes às alterações normativas na educação brasileira, da educação básica até o ensino superior, passando pela educação técnica, têm como objetivo a facilitação e a ampliação das possibilidades de se lucrar com esse serviço, hoje ainda ofertado majoritariamente de forma pública e gratuita no Brasil. Desde 2016, após afastamento da presidenta Dilma Rousseff do Palácio do Planalto, foi imposta uma agenda de diminuição da oferta pública dos serviços associados à
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O resultado dessas medidas será, a médio prazo, o fortalecimento e desenvolvimento da educação privada em detrimento do enfraquecimento/ esvaziamento/sucateamento da educação pública.
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educação. A promulgação da Emenda Constitucional nº 95, ainda em 2016, logo após o impeachment, restringiu o crescimento de aporte orçamentário a todas as políticas sociais do país por um período de 20 anos. Depois disso, vieram a Reforma do Ensino Médio, a Lei da Terceirização Ilimi-
tada, a Reforma Trabalhista, a aprovação da nova Base Nacional Comum Curricular e, concomitante, o fortalecimento do processo de militarização de escolas, já praticado em vários Estados, além de ataques sistemáticos à figura do/a professor/a, com ameaças e perseguições. Sem contar que
ao longo desses 100 dias de desgoverno Bolsonaro, no MEC já foram feitas 18 exonerações de cargos e substituição de 1 ministro da educação. Acreditamos que o resultado dessas medidas será a médio prazo, o fortalecimento e desenvolvimento da educação privada em detrimento do enfraquecimento/esvaziamento/ sucateamento da educação pública. É importante atentarmos aos passos da economia neoliberal no campo da educação. Tais passos são planejados, constantes e incorporados no dia a dia. Fiquemos alerta!
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Trabalhadoras em educação do RN ocupam ruas de Natal para lutar contra a Reforma da Previdência e exigir igualdade No dia 8 de março, as mulheres da educação atenderam ao chamado do SINTE/RN e participaram ativamente das atividades do Dia Internacional da Mulher
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ais uma vez as trabalhadoras em educação do Rio Grande do Norte fizeram bonito no dia 8 de março. Neste ano, elas ocuparam as ruas e praças do Centro de Natal para lutar contra a Reforma da Previdência que vem sendo proposta pelo governo Bolsonaro, considerada mais cruel que o projeto proposto pelo governo Temer e que não foi levado a votação. Além de tratar da Reforma, elas cobraram da sociedade igualdade em todos os campos da vida e exigiram respeito às diferenças.
A jornada do Dia Internacional da Mulher começou no início da tarde do dia 8 de março, na assembleia unificada da Rede Estadual e Rede Municipal de Natal, convocada pelo SINTE/ R N , p a r a a g l u t i nar a categoria. A assembleia aconteceu no auditório da sede estadual do Sindicato, que ficou amplamente lotado. Em seguida, logo após a assembleia relâmpago, elas realizaram uma bonita caminhada pelas ruas em direção à concentração da Marcha Unificada das Mulheres, que acontecia em frente ao
INSS da Rua Apodi. Encerrada a marcha, as trabalhadoras em educação se integraram à Marcha Unificada das Mulheres que se iniciava, convocada por centrais sindicais, sindicatos, associações, coletivos feministas, movimentos sociais, estudantis, mandatos políticos e várias entidades. A CUT Brasil fez sua parte e esteve presente. Por toda a caminhada, mulheres de várias idades e origens, através de cartazes, bandeiras, camisas e vozes, pautaram os males que a Reforma da
Previdência proposta pelo governo de Jair Bolsonaro traz para as trabalhadoras. Na caminhada, as trabalhadoras em educação trajavam a camisa produzida e distribuída pelo SINTE/ RN, que dizia: “Reaja, ou sua aposentadoria acaba aqui! Trabalhadoras/es em educação contra a Reforma da Previdência”. Além da Reforma, as mulheres exigiram respeito em todo e qualquer espaço social, igualdade entre gêneros, o fim do feminicídio e qualquer forma de machismo. Elas também cobraram das autoridades esclarecimentos acerca do assassinato
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da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro, e seu motorista, que completou um ano em 14 de março. Embora não tenham muito o que comemorar, não faltou alegria e sorrisos nos rostos femininos ao longo da caminhada. A atividade, que percorreu as principais ruas da Cidade Alta, terminou na Praça dos Três Poderes, em frente à Assembleia Legislativa, com uma grande batucada promovida por coletivos feministas e movimentos estudantis.
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ARTIGO
BNCC: Nova Base Nacional Comum Curricular impacta e altera os caminhos da educação no Brasil No apagar das luzes de 2018, o Ministério da Educação (MEC) homologou a versão final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Mais uma medida do então governo Temer com anuência de Jair Bolsonaro.
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BNCC: Nova Base Nacional Comum Curricular impacta e altera os caminhos da educação no Brasil
para o ensino médio noturno de jovens e adultos, não é só a parte diversificada que será atingida, e até 80% de aulas poderão ocorrer de modo não presencial. Ainda sobre os componentes curriculares, disciplinas como Sociologia, Artes, Filosofia e Educação Física perdem protagonismo e obrigatoriedade. Como consequência, a implantação de um currículo nesses moldes provavelmente implicará redução de pessoal, podendo chegar a demissões de professores/as e mesmo ao fim de concursos públicos. A BNCC por si só não alterará o quadro de desigualdade ainda presente na Educação Básica do Brasil, mas o texto em vigor implica um ensino pasteurizado, com a volta do currículo técnico linear, em que o objetivo é formar profissionais para
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Base Nacional Comum Curricular define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. O novo texto aprovado pelo MEC, com a inclusão da etapa do Ensino Médio, impõe desafios aos educadores e à sociedade de modo geral. Etapa final da Educação Básica, o Ensino Médio está organizado na BNCC em quatro áreas do conhecimento, o que a priori não exclui as disciplinas. Todavia, quando se observa a oferta dos componentes curriculares, tem-se que os únicos componentes com obrigatoriedade de presença nos três anos do Ensino Médio passam a ser: Língua Portuguesa e Matemática. Além disso, conforme estabelece a nova BNCC, é permitido que até 20% das aulas da parte diversificada sejam ofertadas a distância para o ensino médio regular, enquanto para o ensino médio regular noturno esse porcentual pode atingir 30% das aulas. Já
o mercado de trabalho e o desenvolvimento cognitivo dos/as alunos/as. E no que se refere à atuação do ensino profissional, já é possível a contratação de professores por “notório saber” (ou seja, qualquer profissional, sem licenciatura ou formação para o magistério, poderá ser contratado), o que fragiliza ainda mais a carreira do/a professor/a. Enquanto profissionais da educação, sabemos que o Ensino Médio brasileiro necessita de mudanças. Porém, queremos que essas transformações estejam associadas a uma educação social que possibilite aos jovens a continuidade dos estudos, a inserção na vida profissional e o exercício consciente da cidadania. O Ensino Médio deve ser uma etapa percorrida com
qualidade, para que o jovem almeje um espaço no ensino superior ou uma formação profissional e tecnológica específica que colabore para o desenvolvimento do país. A nova BNCC precariza o ensino e ameaça professores. A reforma do Ensino Médio acompanha medidas que produzem uma cisão cada vez maior entre ricos e pobres; aumentam a dicotomia entre uma escola boa para os ricos e uma escola ruim para filhos/as da classe trabalhadora. É urgente lutarmos pela não privatização do ensino médio; reivindicar por nenhuma disciplina a menos; lutar pela qualidade social e referenciada do ensino e da educação; pela regulamentação da educação a distância, entre outros pontos. Atualmente, existe a ameaça de o controle das escolas ser assumido por organizações sem fins lucrativos, igrejas, fundações empresariais e militares. No espectro dessa proposta da BNCC, está a concepção mercadológica da educação e todas essas configurações para a educação básica e o ensino.
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CNTE emite nota destinada a prefeitos e governadores explicando metodologia da atualização do Piso Salarial
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Nota divulgada pela Confederação esclarece possíveis dúvidas e alerta que descumprir a política do Piso é desrespeitar a lei
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) divulgou uma nota para esclarecer aos gestores estaduais e municipais a metodologia empregada na atualização do Piso Salarial do magistério. A nota foi emitida pela entidade em 13 de fevereiro deste ano. Confira abaixo a íntegra do documento: No dia 10 de janeiro de 2019, o Ministério da Educação informou que o piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica, válido para o ano de 2019, deve ser de R$ 2.557,74 (aumento de 4,17% em relação a 2018). Diante da insistência de alguns gestores em não cumprir a atualização do Piso – muitos alegam dúvidas sobre a interpretação do critério de reajuste –, a CNTE vem a público esclarecer a metodologia de atualização do piso do magistério, à luz de sua interpretação, bem como do Parecer emitido pela Advocacia Geral da União acerca do art. 5º da Lei 11.738, que trata do assunto, conforme segue: “Art. 5º O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009. Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei 11.494, de 20 de
julho de 2007”. Com base na redação supratranscrita, a CNTE considera o seguinte: 1. O reajuste do piso é autoaplicável, uma vez que a legislação não define a competência do Governo Federal para fazer o anúncio oficial. O critério de atualização está definido pela Lei e compete aos entes públicos (União, Estados, DF e Municípios) aplicá-lo todo mês de janeiro, sob pena de os g estores responderem judicialmente. 2. Pelo fato de a Lei do Piso se reportar ao “mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno (...) nos termos da Lei 11.494”, a CNTE entende que o reajuste do piso deveria ter a mesma incidência prospectiva de atualização do Fundeb. Ou seja: o percentual de VAA-Fundeb, anunciado para o ano vigente, deveria ser o mesmo aplicado ao piso do magistério para o mesmo exercício do Fundeb. 3. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha suspendido a aplicação do piso nacional na forma de vencimento inicial das carreiras do magistério, entre 2008 e 2010, tendo liberado essa prerrogativa legal a partir de 2011, a CNTE entende que o valor definido originalmente no art. 2º da Lei 11.738 (R$ 950,00 válido para 2008) deveria ter sido reajustado a partir de 2009, a fim de resguardar o poder de compra da categoria (a suspenção do STF se deu quanto à vinculação do piso aos vencimentos de carreira e não sobre o valor que se praticou
em todo o país na forma de remuneração). Em 2010, a pedido do Ministério da Educação, a Advocacia Geral da União emitiu parecer dando interpretação sobre a aplicação do art. 5º da Lei 11.738. O parecer em questão reconheceu o VAA-Fundeb como sendo a base do reajuste do piso do magistério, porém, em razão de o percentual aplicado ao Fundo da Educação Básica se pautar em estimativa quase sempre revista pelo MEC, para maior ou para menor, a AGU recomendou a utilização de percentuais efetivamente praticados ao VAA-Fundeb para atualizar o piso do magistério. De modo que, desde então, convencionou-se aplicar ao piso do magistério o percentual de crescimento do VAA-Fundeb de dois anos anteriores. Vale destacar que o entendimento da AGU não alterou a base do reajuste do piso do magistério, que continuou sendo o VAA-Fundeb. A sistemática da União apenas mudou o período de incidência do percentual de atualização, que em vez de valer para o ano vigente, passou a ser aplicado no exercício seguinte, após confirmadas as estimativas do VAA-Fundeb. A divergência mais aguda entre a posição da CNTE e do Ministério da Educação se deu quanto ao período de incidência do primeiro reajuste. Como dito acima, a CNTE entende que a atualização do valor do piso deveria ocorrer desde 2009, ano seguinte à aprovação da Lei Federal, e o MEC/AGU, à luz de interpretação da decisão do
STF em sede da ação direta de inconstitucionalidade 4.167 (a qual validou o Piso na forma de vencimento inicial das carreiras de magistério a partir de 27 de abril de 2011), considerou que o reajuste deveria valer a partir de 2011. Nesse sentido, concluise que (i) o percentual (valor) de reajuste defendido pela CNTE é o mesmo praticado pelo MEC, porém em períodos distintos (com 1 ano de atraso, a fim de consolidar as estimativas do VAA-Fundeb); (ii) a atualização do piso é autoaplicável, não requerendo expediente formal da União (embora o MEC tenha passado a fazer anúncios do valor, anualmente, com o intuito de uniformizar o entendimento); e (iii) restou mantida a divergência sobre o período de incidência do primeiro reajuste do Piso, estando, todavia, a matéria preclusa. A CNTE lembra, ainda, que a Lei do piso do magistério instituiu jornada extraclasse de no mínimo 1/3 sobre a carga de trabalho do/a professor/a (estando vigente esse preceito legal), mas, em função de a matéria ter sido judicializada, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 936.790, no STF, encontra-se agendado para o dia 12.06.2019. A CNTE atua no processo na forma de amicus curiae e junto com outros sindicatos filiados admitidos no processo. O SINTE faz parte desta ação. Brasília, 13 de fevereiro de 2019. Diretoria Executiva
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Ministério do Trabalho foi rebaixado para Secretaria no governo Bolsonaro
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Reforma Trabalhista acabou com a Justiça do Trabalho no Brasil
magine precisar de alguém que o(a) defenda caso você esteja sendo vítima de assédio moral, abuso ou exploração no trabalho. Imaginou? Com a Reforma Trabalhista em vigor des-
de novembro de 2016, aprovada ainda na época do governo Michel Temer, os trabalhadores estão sem qualquer amparo jurídico que os proteja diante de alguma necessidade. Isso acontece porque
a Reforma, que teve apoio e participação decisiva do exdeputado federal Rogério Marinho (PSDB/RN), acabou com a Justiça do Trabalho no Brasil. Agora, como muitos já comprovam na prática, a negociação é direta entre patrão e empregado, como prevê a lei. E, caso o empregado não aceite as propostas do empregador, ele está convocado a procurar outro trabalho. Todo esse cenário é fruto do desmonte da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), iniciada com Temer, e o fim do Ministério do Trabalho, feito pelo governo Bolsonaro. Tal processo, como um todo, significa, na prática, o aumento do desemprego,
a retirada de direitos previstos na Constituição de 1988, a desvalorização e escravidão da mão de obra e o descumprimento de outras legislações. A fim de “justificar” o injustificável, afirma-se que a manutenção da Justiça do Trabalho encarece os cofres públicos. Será mesmo que tal afirmação é verídica? Ora, em países considerados de “primeiro mundo”, como Inglaterra, Nova Zelândia, Alemanha, Bélgica, Noruega e Finlândia, a Justiça do Trabalho é devidamente legalizada e respeitada, pois em tais lugares há respeito pelo trabalhador. Para nós, trabalhadores brasileiros, fica a pergunta: qual o propósito de tamanho desmonte?
Determinação do TCU prejudica trabalhadores na aplicação de recursos do FUNDEF
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Decisão do Tribunal não destina recursos para onde determina a lei
Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que os recursos do FUNDEF, que a União vai repassar a estados e municípios, não devem ser aplicados em ações
de interesse dos trabalhadores em educação. Isso porque, na decisão do Tribunal, os recursos não devem ir para pagar precatórios, pessoal, passivos, direitos funcionais de carreira e fazer rateios. Essa medida ameaça um direito dos trabalhadores em
educação, que é o de receber 60% do montante enviado. Entre 2018 e o início deste ano, já ocorreram dois encontros de assessores jurídicos de Sindicatos filiados à CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) para tratar
desta pauta. O SINTE/ RN esteve presente e continuará acompanhando os desdobramentos dessa questão. O SINTE continua negociando com os prefeitos, já que não tem decisão terminativa pelo STF.
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2019 é o ano decisivo para tornar o FUNDEB permanente Somente a luta nacional organizada entre entidades e trabalhadores em educação pode resultar na manutenção do Fundo
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Não vamos deixar que as nossas conquistas, conquistadas a duras penas ao longo dos anos, sejam sepultadas.
atual governo federal e de grupos de educação privada que estão atrelados a ele. Por isso, este ano de 2019 é decisivo para a luta dos trabalhadores, que visam torná-lo uma política permanente de Estado. Já há em andamento
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financiamento da educação brasileira está a um passo de sofrer um duro golpe se os trabalhadores não reagirem. Isso porque o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e d e Va l o r i z a ç ã o d o s Profissionais da Educação) está prestes a ser encerrado em 2020 e não há perspectiva de renovação, tampouco interesse por parte do
um projeto que visa tornar o FUNDEB permanente e que tem como fator de correção o Custo Aluno Qualidade. Quem foi relatora desse PL a ex-senadora e hoje governadora Fátima Bezerra. Segundo a exparlamentar, os esforços
foram muitos no sentido de que esse projeto de lei fosse votado em 2018. Porém, não foi possível, e tal projeto foi remetido para ser discutido nesta nova legislatura que se iniciou em fevereiro deste ano. A coordenadora geral do SINTE/RN, professora Fátima Cardoso, alerta que agora a luta deve ser intensificada: “Temos que lutar ainda mais, sobretudo porque não sabemos quem será o relator do projeto, se serão feitas modificações, qual será a correlação de forças no Senado e se o Presidente vai sancionar ou vetar, tudo isso está indefinido. Por tudo isso, vamos sair da zona de conforto ou iremos amargar perdas irreparáveis. Vamos às ruas!”. A sindicalista avisa que agora o chamado é para participar do calendário de luta nacional pelo FUNDEB permanente e outras pautas: “Não vamos deixar que as nossas conquistas de longas lutas sejam sepultadas por este governo fascista”.
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Política do FUNDEB garantiu aumento salarial para os profissionais da educação
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Em 10 anos, houve o acúmulo de mais de 100% no índice do Piso e 59% no salário
m levantamento dos números da educação nos últimos 10 anos demonstra que os professores da rede pública conquistaram mais de 100% de correção no Piso Salarial. A correção teve impacto no salário, que, de acordo com os números, aumentaram em 59,21%. Na avaliação do SINTE/RN, essa evolução só foi conseguida graças ao FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Tal política foi implementada entre 2007 e 2008 para finaciar a educação pública, mas que teve sua vigência limitada
até 2020 e está sob risco de não ser renovada. É fundamental defender o FUNDEB permanente como política de
Estado, para garantir que a luta avançará rumo ao cumprimento da política de valorização salarial profissional, prevista no Plano
Nacional de Educação (PNE), lançado em 2014. Veja abaixo dois gráficos que mostram os números de 2010 a 2019:
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Tabela salarial de 2010 a 2019 e o crescimento com vista ao Piso Salarial Nacional:Salário inicial do nível médio em 2010 (620,00) e nível superior (868,06).
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As Democracias também morrem democraticamente
Por Boaventura de Sousa Santos
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Ao longo do século passado, foi se consolidando a ideia de que as democracias só colapsavam por via da interrupção brusca e quase sempre violenta da legalidade constitucional, através de golpes de Estado dirigidos por militares ou civis com objetivo de impor a ditadura. Essa narrativa era, em grande medida, verdadeira. Não o é mais.
rações constitucionais, até que em dado momento o regime político vigente, sem ter formalmente deixado de ser uma democracia, surge como totalmente esvaziado de conteúdo democrático, tanto no que respeita à vida das pessoas como das organizações políticas. Umas e outras passam a comportar-se como se vivessem em ditadura. Menciono a seguir os quatro principais componentes desse processo. A eleição de autocratas. Dos EUA às Filipinas, da Turquia à Rússia, da Hungria à Polônia, têm vindo a ser eleitos democraticamente políticos autoritários que, embora sejam produto do establishment político e econômico, apresentam, como antissistema e antipolíticos, insultam os adversários que consideram corruptos e veem como inimigos a eliminar, rejeitam as regras de jogo democrático, fazem apelos intimidatórios à resolução dos problemas sociais por via da violência, mos-
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abit uamo -nos a pensar que os regimes políticos se dividem em dois grandes tipos: democracia e ditadura. Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, a democracia (liberal) passou a ser quase consensualmente considerada como o único regime político legítimo. Pese embora a diversidade interna de cada um, são dois tipos antagônicos, não podem coexistir na mesma sociedade, e a opção por um ou outro envolve sempre luta política que implica a ruptura com a legalidade existente. Ao longo do século passado, foi se consolidando a ideia de que as democracias só colapsavam por via da interrupção brusca e quase sempre violenta da legalidade constitucional, através de golpes de Estado dirigidos por militares ou civis com objetivo de impor a ditadura. Essa narrativa era, em grande medida, verdadeira. Não o é mais. Continuam a ser possíveis rupturas violentas e golpes de Estado, mas é cada vez mais evidente que os perigos que a democracia hoje corre são outros, e decorrem paradoxalmente do normal funcionamento das instituições democráticas. As forças políticas antidemocráticas vão-se infiltrando dentro do regime democrático, vão nos capturando, descaracterizando-o, de maneira mais ou menos disfarçada e gradual, dentro da legalidade e sem alte-
Sociólogo e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
tram desprezo pela liberdade de imprensa e propõem-se a revogar as leis que garantem os direitos sociais dos trabalhadores e das populações discriminadas por via etno-racial, sexual, ou religião. Em suma, apresentam-se a eleições com uma ideologia antidemocrática e, mesmo assim, conseguem obter a maioria dos votos. Políticos autocráticos sempre existiram. O que é nova é a frequência com que estão a chegar ao poder. O vírus plutocrata. O modo como o dinheiro tem vindo a descaracterizar os processos eleitorais e as deliberações democráticas é alarmante, a ponto de se dever questionar se, em muitas situações, as eleições são livres e limpas e se os decisores políticos são movidos por convicções ou pelo dinheiro que recebem. A democracia liberal assenta na ideia de que os cidadãos têm condições de aceder a uma opinião pública informada e, com base nela, eleger livre-
mente os governantes e avaliar o seu desempenho. Para que isso seja minimamente possível, é necessário que o mercado das ideias políticas (ou seja, dos valores que não têm preço, porque são convicções) esteja totalmente separado do mercado dos bens econômicos (ou seja, dos valores que têm preço e nessa base se compram e vendem). Em tempos recentes, esses dois mercados têm-se vindo a fundir sob a égide do mercado econômico, a tal ponto que hoje, em política, tudo se compra e tudo se vende. A corrupção tornou-se endêmica. O financiamento das campanhas eleitorais de partidos ou de candidatos, os grupos de pressão (ou lobbies) junto dos parlamentos e governos têm hoje em muitos países um poder decisivo na vida política. Em 2010, o Tribunal Supremo dos EUA, na decisão Citizens United v. Federeal Election Commission, desferiu um golpe fatal na democracia norte-americana ao permitir o financiamento irrestrito e privado das eleições e decisões políticas por parte de grandes empresas e de super ricos. Desenvolveu-se assim o chamado “Dark Money”, que não é outra coisa senão corrupção legalizada. É esse mesmo “dark money” que explica no Brasil uma composição do Congresso dominada pelas bancadas da bala, da bíblia e do boi, uma caricatura cruel da sociedade brasileira.
Abril de 2019 I Extra CLasse
As notícias falsas sempre existiram em sociedades atravessadas por fortes clivagens e, sobretudo, em períodos de rivalidade política. Hoje, porém, é alarmante o seu potencial destrutivo através da desinformação e da mentira que espalham.
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seff, candidata ao Senado, com o Fidel Castro na Revolução Cubana. Tratava-se, de fato, de uma montagem feita a partir do registro de John Duprey para o jornal NY Daily News em 1959. Nesse ano Dilma Rousseff era uma criança de 11 anos. Apoiado por grandes empresas internacionais e por serviços de contra-inteligência militar nacionais e estrangeiros, a campanha de Bolsonaro constitui uma monstruosa montagem de mentiras a que dificilmente sobreviverá a democracia brasileira. Este efeito destrutivo é potenciado por outro instrumento: o algoritmo. Este termo, de origem árabe, designa o cálculo matemático que permite definir prioridades e tomar decisões rápidas a partir de grandes séries da dados (big data) e de variáveis tendo em vista certos resultados (o sucesso numa empresa ou numa eleição). Apesar da sua aparência neutra e objetiva, o algoritmo contem opiniões subjetivas (o que é ter êxito? Como se define o melhor candidato?) que permanecem ocultas nos cálculos. Quando as empresas são intimadas a revelar os critérios, defendem-se com o segredo empresarial. No campo político, o algoritmo permite retroalimentar e ampliar a divulgação de um tema que está em alta nas
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Em tempos recentes, o Brasil tornou-se um laboratório imenso de manipulação autoritária da legalidade. Foi esta captura que tornou possível a chegada ao segundo turno do neofascista Bolsonaro e a sua eventual eleição.
redes e que, por isso, o algoritmo considera ser relevante porque popular. Acontece que o que está em alta pode ser produto de uma gigantesca manipulação informacional levada a cabo por redes de robôs e de perfis automatizados que difundem a milhões de pessoas notícias falsas e comentários a favor ou contra um candidato tornando o tema artificialmente popular e assim ganhar ainda mais destaque por via do algoritmo. Este não tem condições para distinguir o verdadeiro do falso e o efeito é tanto mais destrutivo quanto mais vulnerável for a população à mentira. Foi assim que em 17 países se manipularam recentemente as preferências eleitorais, entre eles os EUA (a favor de Trump) e agora, no Brasil (a favor de Bolsonaro) numa proporção que pode ser fatal para a democracia. Sobreviverá a opinião pública a este tóxico informacional? Terá a informação verdadeira alguma chance de resistir a esta avalanche de falsidades? Tenho defendido que em situações de inundação o que faz mais falta é a água potável. Com a preocupação paralela a respeito da extensão da manipulação informática das nossas opiniões, gostos e decisões, a cientista de computação Cathy O’Neil designa os big data e os algoritmos como armas de
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As fake news e os algoritmos. A internet e as redes sociais que ela tornou possível foram durante algum tempo vistas como possibilitando uma expansão sem precedentes da participação cidadã na democracia. Hoje, à luz do que se passa nos EUA e no Brasil, podemos dizer que elas serão as coveiras da democracia, se, entretanto, não forem reguladas. Refiro-me em especial a dois instrumentos. As notícias falsas sempre existiram em sociedades atravessadas por fortes clivagens e, sobretudo, em períodos de rivalidade política. Hoje, porém, é alarmante o seu potencial destrutivo através da desinformação e da mentira que espalham. Isto é, sobretudo, grave em países como a Índia e o Brasil, em que as redes sociais, sobretudo o Whatsapp (o conteúdo menos controlável por ser encriptado), são amplamente usadas, a ponto de serem a grande, ou mesmo a única, fonte de informação dos cidadãos (no Brasil, 120 milhões usam o Whatsapp). Grupos de investigação brasileiros denunciaram no New York Times (17 de outubro) que das 50 imagens mais divulgadas (virais) dos 347 grupos públicos do Whatsapp em apoio de Bolsonaro só 4 eram verdadeiras. Uma delas era uma foto da Dilma Rous-
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destruição matemática (Weapons of Math Destruction, 2016). A captura das instituições. O impacto das práticas autoritárias e antidemocráticas nas instituições ocorre paulatinamente. Presidentes e parlamentos eleitos pelos novos tipos de fraude (fraude 2.0) a que acabo de aludir têm o caminho aberto para instrumentalizar as instituições democráticas, e podem fazê-lo supostamente dentro da legalidade, por mais evidentes que sejam os atropelos e interpretações enviesadas da lei ou da Constituição. Em tempos recentes, o Brasil tornou-se um laboratório imenso de manipulação autoritária da legalidade. Foi esta captura que tornou possível a chegada ao segundo turno do neofascista Bolsonaro e a sua eventual eleição. Tal como tem acontecido países, a primeira instituição a ser capturada é o sistema judicial. Por duas razões: por ser a instituição com poder político mais distante política eleitoral e por constitucionalmente ser o órgão de soberania concebido como “árbitro neutro”. Noutra ocasião analisarei este processo de captura. O que será a democracia brasileira se esta captura se concretizar, seguida das outras que ela tornará possível? Será ainda uma democracia?
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PARA REFLETIR
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escola sem um professor de história de esquerda é como uma escola sem pátio, sem recreio, sem livros, sem lanchonete, sem ideias. É como um professor de educação física sem uma quadra de esportes, ou uma quadra sem redes, ou crianças sem bola. O professor de história tem que ser de esquerda. E barbudo. Tem que contestar os regimes, o sistema, sugerir o novo, o diferente. Tem que expor injustiças sociais, procurar a indignação dos seus alunos, extrair a bondade humana, o altruísmo. Como abordar o absolutismo, a escravidão, o colonialismo, a Revolução Industrial, os levantes operários do começo do século passado, Hitler e Mussolini, as grandes guerras, a guerra fria, o liberalismo econômico, sem uma visão de esquerda? A minha professora do colegial era a Zilda, inesquecível, que dava textos de Marx Webber, do mundo segmentado do trabalho. Ela era sarcástica com a disparidade econômica e a concentração de renda do Brasil, das quais nossas famílias, da elite paulistana, eram produtoras. Em seguida, veio o professor Beno (Benauro). Foi preso e torturado pelo DOI-Codi, na leva de repressão ao PCB de 1975, que matou Herzog e Manoel Fiel Filho. Benauro era do Partidão, como nosso professor Faro (José Salvador), também preso no colégio. Eu tinha 16 anos quando os vimos pelas janelas da escola, escoltados por agentes. Outro professor, Luiz Roncari, de português,
Como assim, escola sem ideologia? também fora preso. Não sei se era do PCB. Tinha um tique nos olhos. O chamávamos de Luiz Pisca-Pisca. Diziam que era sequela da tortura. Acho que era apenas um tique nervoso. Dava aulas sentado em cima da mesa. Um ato revolucionário. Era muito bom ter professores ativistas e revolucionários me educando. Era libertador. Não tem como fugir. O professor legal é o de esquerda, como o de biologia precisa ser divertido, darwinista e doidão, para manter sua turma ligada e ajudar a traçar um organograma genético da nossa família. A base do seu pensamento tem de ser a teoria da evolução. Ou vai dizer que Adão e Eva nos fizeram? O de química precisa encontrar referências nos elementos que temos em casa, provar que nossa cozinha é a extensão do seu laboratório, sugerir fazer dos temperos experiências. O professor de física precisa explicar Newton e Einstein, o chuveiro elétrico e a teoria da relatividade e gravitacional, calcular nossas viagens de carro, trem e foguete, mostrar a insignificância humana diante do colossal universo, mostrar imagens do Hubble, buracos negros, supernovas, a relação energia e massa, o tempo curvo. Nosso professor de física tem que ser fã de Jornada nas Estrelas. Precisa indicar como autores obrigatórios Arthur Clarke, Philip Dick, George Orwell. E dar os primeiros axiomas da mecânica quântica. O professor de filosofia precisa ensinar Platão, Sócrates e Aristóteles, ao estilo socrático, caminhando até o pátio, instalando-se debaixo de uma árvore, sem deixar de passar pela poesia de Heráclito, a teoria de tudo de Parmênides,
a dialética de Zenão. Pula para Hegel e Kant, atravessa o niilismo de Nietzsche e chega na vida sem sentido dos existencialistas. Deixa Marx e Engels para o professor de história barbudo, de sandália, desleixado e apaixonante. O professor de português precisa ser um poeta delirante, louco, que declama em grego e latim, Rimbaud e Joyce, Shakespeare e Cummings, que procura transmitir a emoção das palavras, o jogo do inconsciente com a leitura, a busca pela razão de ser, os conflitos humanos, que fala de alegria e dor, de morte e prazer, de beleza e sombra, de invenção fingimento. O de geografia precisa falar de rios, penínsulas, lagos, mares, oceanos, polos, degelo, picos, trópicos, aquecimento, Equador, florestas, chuvas, tornados, furacões, terremotos, vulcões, ilhas, continentes, mas também de terras indígenas, garimpo ilegal, posseiros, imigração, geopolítica, fronteiras desenhadas pelos colonialistas, diferenças entre xiitas e sunitas, mostrar rotas de transação de mercadorias e comerciais, guerra pelo ouro, pelo diamante, pelo petróleo, seca, fome, campos férteis, civilização. A missão deles é criar reflexões, comparações, provar contradições. Provocar.
Por Marcelo Rubens Paiva, O Estado de S. Paulo
Espalhar as cartas de diferentes naipes ideológicos. Buscar pontos de vista. O paradoxo do movimento Escola Sem Partido está na justificativa e seu programa: “Diante dessa realidade – conhecida por experiência direta de todos os que passaram pelo sistema de ensino nos últimos 20 ou 30 anos –, entendemos que é necessário e urgente adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas, e a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”. Mas como nasceriam as convicções dos pais que se criariam num mundo de escolas sem ideologia? E que doutrina defenderiam gerações futuras? A escola não cria o filho, dá instrumentos. O papel dela é mostrar os pensamentos discordantes que existem entre nós. O argumento de escola sem ideologia é uma anomalia de Estado Nação. Uma escola precisa acompanhar os avanços teóricos mundiais, o futuro, melhorar o que deve ser reformulado. Um professor conservador proporia manter as coisas como estão. Não sairíamos nunca, então, das cavernas.