Entrevista
Paulo Henrique Amorim TRABALHO, COMUNIDADE E CIDADANIA - SOROCABA - Nº 3 - JULHO 2015 Trimestral
Os males da rotatividade No mundo do trabalho, chama-se rotatividade a substituição imotivada de funcionários pelas empresas. Essa rotina causa prejuízos ao trabalhador e à economia. O Brasil não segue convenções internacionais que inibem a prática.
DENGUE
O que pode ser feito para a epidemia não voltar REFORMA POLÍTICA
Câmara atropela proposta de movimentos sociais
Editorial / Patulê EXPEDIENTE Uma publicação do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região Editor Paulo Rogério Leite de Andrade Redação e reportagem Fernanda Ikedo Maurício Sérgio Dias Paulo Rogério Leite de Andrade Daniele Gáspari Fotografia José Gonçalves Filho (Foguinho) Projeto gráfico e editoração Cássio de Abreu Freire Lucas Delgado Assistente de redação Gabrielli Duarte Endereço Rua Júlio Hanser, 140 Bairro Lageado – Sorocaba SP CEP 18030-320 Tel. (15) 3334-5400 www.smetal.org.br Impressão Bangraf Tiragem 50 mil exemplares Distribuição gratuita Diretoria Executiva Presidente Ademilson Terto da Silva Vice-presidente Tiago Almeida do Nascimento Secretário Geral Leandro Cândido Soares Secretário de Adm. e Finanças Alex Sandro Fogaça Secretário de Organização João de Moraes Farani Diretor Executivo Silvio Luiz Ferreira da Silva Diretor Executivo Joel Américo de Oliveira
Assuntos de trabalho e da vida Desde 2007, o Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal) vem buscando aprimorar seus meios de comunicação com a categoria e com a sociedade. Desde então, o SMetal lançou um portal na internet, integrou-se a redes sociais, ampliou a cobertura de notícias do semanário Folha Metalúrgica e ensaiou algumas vezes a produção de uma revista. Durante essa fase experimental foram lançadas duas edições da Ponto de Fusão, bem distantes uma da outra, em 2007 e 2011. Mas agora a Ponto de Fusão veio para ficar. A partir desta edição, a número 3, a publicação passa a ser trimestral. Partindo já deste número 3, as pautas da revista vão abordar assuntos relacionados tanto ao mundo do trabalho (Rotatividade, Terceirização) como da vida do trabalhador na sociedade (Crise da Água, Epidemia de Dengue, História, Cultura). O ponto de vista das reportagens, o olhar da publicação sobre os fatos, bem como as opiniões contidas na revista não escondem o segmento social que a publicação busca representar, que é a classe trabalhadora. Essa transparência é saudável para a democracia. Essa clareza editorial de forma alguma altera a precisão que buscamos nas informações, nos fatos, nas estatísticas, nas fontes que consultamos para as reportagens. Pelo contrário, oferecemos uma opção de veículo noticioso com a vantagem do leitor saber, sem dúvidas, quais são as diretrizes e as prioridades sociais da publicação que tem em mãos. Embora a Ponto de Fusão tenha inegável origem metalúrgica, a publicação se propõe a ser um meio de comunicação útil também para os familiares e amigos do trabalhador e, por extensão, para toda a sociedade. Afinal, o fato dos metalúrgicos constituírem uma das categorias mais bem organizadas do Brasil deve-se bastante, historicamente, à sua capacidade de se informar e formar opiniões. Diante dessa trajetória, torna-se natural partir dessa categoria a iniciativa de oferecer ao público um veículo de comunicação de abrangência comunitária e social, e não apenas trabalhista. Boa leitura! Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região Ponto de Fusão Nº3 - 2015
3
Índice
14
Dengue em Sorocaba
Reportagem traz balanço sobre a epidemia de dengue na cidade e na região metropolitana, as possíveis causas e as providências para evitar que o cenário se repita em 2016.
24
Rotatividade nas empresas
18
A falta de normas sobre a troca constante de funcionários pelas empresas representa prejuízos nos salários e na trajetória profissional do trabalhador e reduz a massa salarial no país.
Reforma Política
Patulê Editorial
40
Alternativas de comunicação
Movimentos sociais, sindicatos e jornalistas independentes se destacam em várias mídias, especialmente na internet, como fontes alternativas de informação e opinião.
3
Drops Meio ambiente e movimentos sociais
Região Metropolitana À espera de resultados concretos
12
Trabalho LER: sofrimento invisível
22
Trabalho Terceirização nas mãos do Senado 4
Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
6
30
44
Entrevista exclusiva
O jornalista Paulo Henrique Amorim conversou com a Ponto de Fusão sobre a lei das comunicações no país e criticou o domínio político e cultural das tradicionais redes de mídia.
8
Uma reforma política autêntica no Brasil tem potencial para aprimorar a democracia e inibir a corrupção. Mas a reforma que está em discussão no Congresso faz o oposto disso.
Esporte Sorocaba no Bicicross mundial
38
48
Uma imagem Monumento à Varnhagen
49
Crônica Vamos cozinhar?
Especialistas afirmam que a falta de chuvas teve menos culpa na crise da água em São Paulo do que a gestão voltada para o lucro das empresas que administram o recurso natural.
32
Meio ambiente Movimentos reiventam parques Em cena Agenda e dicas culturais
O valor da água
34
História da metalurgia
Reportagem resgata a história dos primeiros metalúrgicos que se instalaram na região de Sorocaba, em 1589, seis décadas antes da chegada de Baltazar Fernandes.
50 Ponto de Fusão Nº3 - 2015
5
Drops FOGUINHO
Formação para a sociedade
Emir Sader abriu o circuito de palestras
Pochmann falou sobre precarização
A política de formação do SMetal planejou uma série de palestras e debates com renomados pensadores do país para toda a categoria, mas também abertas ao público em geral. A primeira foi no dia 9 de maio. O convidado foi o sociólogo Emir Sader. Em seguida, no dia 29, Marcio Pochmann explicou o que é precarização do trabalho. Já para o dia 27 de julho o SMetal programou palestra sobre maioridade penal com Negro Belchior. No dia de lançamento desta revista, 4 de julho, o palestrante convidado é o jornalista Paulo Henrique Amorim. Acompanhe no portal informações sobre os próximos eventos: www.smetal.org.br
Meio ambiente
A data-base dos metalúrgicos da CUT no estado de São Paulo é dia 1º de setembro. Mas em junho a categoria já estava se preparando para a campanha salarial. A federação dos metalúrgicos (FEM/CUT) realizou plenárias regionais, nas quais trabalhadores fizeram sugestões para a pauta de reivindicações. Os principais itens da pauta são redução da jornada de trabalho sem redução no salário; reposição da inflação e aumento real; unificação e valorização dos pisos e valorização das cláusulas sociais.
Os catadores da Cooperativa de Reciclagem de Sorocaba (Coreso) e representantes das cooperativas dos 22 municípios que integram a Rede Solidária Cata-Vida saíram pelas ruas do Centro de Sorocaba na sexta-feira, dia 19 de junho, na tradicional “Carrinhada”. A atividade, organizada pelo Ceadec (Centro de Estudos e Apoio ao Desenvolvimento, Emprego e Cidadania), acontece há mais de quinze anos e tem por objetivo chamar a atenção da população sobre a importância da preservação do meio ambiente e da prática da coleta seletiva, com valorização dos catadores.
Moradores de Piedade realizaram protesto no final de abril contra a instalação de uma pedreira na cabeceira do Rio Pirapora. Segundo manifestantes, a pedreira colocaria em risco o abastecimento de água na cidade. O protesto em Piedade contou com o apoio do SMetal. Em Araçariguama os moradores estão em luta ambiental semelhante, mas contra a instalação de um aterro sanitário em região próxima às nascentes que desembocam no Ribeirão do Colégio. A subsede da CUT e o SMetal apoiam a população na defesa do Ribeirão.
Plano Diretor Tornar a zona rural de Sorocaba populosa é uma ameaça à sobrevivência de toda a população da cidade pela ameaça de degradação às nascentes existentes nessa região, que dá um respiro verde à cidade. Esse é o entendimento do Ministério Público que enviou inquérito à Procuradoria-Geral da Justiça para anular o Plano Diretor, vigente há apenas seis meses. O projeto reduz 45% das áreas de conservação ambiental e expande em 26% a área de ocupação urbana.
“Carrinhada” reuniu catadores cooperados
DIVULGAÇÃO
Carrinhada
FOGUINHO
Campanha Salarial
Moradores querem evitar danos às nascentes
Leia mais sobre esses e outros assuntos do cenário social, político e sindical em www.smetal.org.br 6
Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
O Valor da Água
Uma crise de gestão A chamada crise hídrica ocorreu menos por falta de chuvas do que por falta de planejamento e falhas na administração de reservatórios
Não é novidade que o sudeste viveu, entre 2014 e 2015, uma das maiores crises de abastecimento de sua história. A cidade de São Paulo e vários municípios do interior do estado sofreram forte impacto e enfrentaram racionamentos. Quais foram as causas dessa crise? Há muitas versões, mas especialistas concordam num ponto: não foi só falta de chuvas que gerou a crise. A estiagem apenas mostrou como é frágil o nosso sistema de abastecimento de água, cada vez mais baseado no lucro e não no atendimento ao cidadão.
Não foi a seca
Para o meteorologista Michael Rossini Pantera, formado no IAG/ USP e profissional do Centro de Gerenciamento de Emergências da Prefeitura de São Paulo, a falta de 8
Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
chuvas foi crônica, mas não foi a principal responsável. “O governo do estado e a Sabesp (Companhia de Saneamento e Abastecimento do Estado de São Paulo) fazem gestão imprudente dos reservatórios há anos, além de se descuidarem completamente da fiscalização para manutenção dos mananciais que alimentam os rios”, afirma Pantera. Um exemplo foi o descumprimento de critérios que constam na outorga recebida pela Sabesp em 2004. Dentre eles, a de que a retirada de água do Sistema Cantareira deveria ser proporcional à quantidade acumulada no reservatório. Porém, isso não foi obedecido por diversos meses de 2014. Se isso fosse cumprido desde 2012, seria desnecessário o uso do volume morto do Cantareira.
Foto: Luiz Augusto Daidone/ Prefeitura de Vargem
Por Maurício Sérgio Dias
Causas da crise
Também contundentes são as afirmações do professor-doutor André Cordeiro dos Santos, da UFSCar/ Sorocaba, especialista em engenharia ambiental aplicada aos recursos hídricos. Para André dos Santos, as razões da crise são nítidas: “as causas desta crise hídrica em São Paulo são claras. Pode perguntar para qualquer pesquisador na área: o problema não é climático, não é a falta de chuvas. O sistema é feito para quando se enfrentar uma seca ainda continuar tendo água. Se cada vez que minguarem as chuvas não tiver água, não precisa ter sistema. Se o abastecimento de água depende do clima, para que que precisa ter gestão?” Mas o que parece imperícia tem por trás uma lógica financeira: “é uma série de questões que se somam a uma gestão muito mal feita, voltada só para a lógica do lucro, sem qualidade de serviço público. Com esta situação, da Sabesp sendo administrada de forma privada, o estado não faz nenhuma redução de lucro para transformá-lo em investimento” diz Santos.
Não foi surpresa
Segundo Santos, nenhum governante ou gestor foi pego de calças curtas: “acompanho o Comitê de Bacias desde 1996. Todo mundo que trabalha com os comitês já discutia sobre a falta de água e sobre as obras necessárias para evitar o problema em São Paulo. Os órgãos de estado sabiam da existência desses problemas”. Santos diz que a falta de investimentos no setor foi grave, em especial na redução de perdas e na economia de consumo. São duas ações que afrontam as empresas: a primeira por exigir investimentos em obras, e a segunda por desestimular o consumo de água, principal produto negociado.
Nota oficial
Em nota para a Ponto de Fusão, a Secretaria Estadual de Saneamento e Recursos Hídricos reconheceu que enfrentou uma seca, mas não assumiu problemas de gestão. Dentre suas ações para conter a crise, estão: criação de bônus para quem gasta menos; criação de ônus para quem gasta 20% de sua média;
campanhas publicitárias para a população; uso de outros mananciais para abastecer o Cantareira; criação do comitê de crise hídrica em 2015; reativação do antigo projeto de construção do sistema São Lourenço.
Gestão voltada para o lucro
De acordo com a denúncia da Agência Pública, em investigação feita em dados fornecidos pela própria Sabesp, mesmo nos altos períodos de crise aguda, a empresa de saneamento paulista vendeu água com até 75% de desconto para grandes grupos empresariais. Eram os contratos chamados de demanda firme, conforme aponta reportagem da revista Carta Maior. Neste sentido, o professor André dos Santos fez uma declaração intuitiva, porém esclarecedora: “a crise de São Paulo está brava, não? Mas você não vê alguém da indústria reclamar! Já viu a FIESP ou o CIESP reclamar? Será que está faltando água para eles como está faltando para a população? Eu não sei lhe dizer, mas acho muito estranho os empresários não reclamarem”.
Represa do rio Jaguari, que abastece o sistema Cantareira, estava com volume baixo de água desde 2014
Ponto de Fusão Nº3 - 2015
9
O Valor da Água
poços artesianos. Contudo, a tendência é que sejam desativados com a ampliação da rede de abastecimento. Mesmo tendo passado por turbulências internas — dois de seus ex-diretores, Pedro Dal Pian Flores e Geraldo Caiuby, foram acusados de corrupção pela Operação Águas Claras, do Ministério Público —, a autarquia, no aspecto técnico, mostrou-se eficiente.
O SAAE de Sorocaba
Em Sorocaba, embora a principal fonte de captação de água, o sistema Itupararanga, tenha sido menos afetado pela estiagem do que outros reservatórios do estado, chegou a haver racionamento em algumas regiões da cidade, como Éden, Cajuru, Aparecidinha e alguns bairros da zona norte. O problema só não foi mais grave porque a autarquia que administra o recurso natural na cidade, o SAAE (Sistema Autônomo de Água e Esgoto), contava com um planejamento elaborado dez anos antes para enfrentar crises. O SAAE é responsável pela captação, tratamento e distribuição de água e pelo sistema de esgoto para uma população de mais de 630 mil habitantes e 210 mil domicílios.
10 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
FONTE: UNIAGUA
Despoluição do rio
A despoluição do rio Sorocaba, com verbas do governo federal deu uma nova qualidade à água, fazendo voltar uma fauna que tinha desaparecido. Isso só foi possível com a implantação de tubulações coletoras e receptoras e a criação de estações de tratamento de esgoto (ETEs). Segundo dados do SAAE, 89% do esgoto coletado é tratado. Ainda à respeito do rio, o diretor do SAAE, Adhemar Spinelli Júnior explica: “é evidente que a recuperação se dá a longo prazo, porque o rio recebeu por anos a fio o lodo do esgoto caindo constantemente. Essa contaminação fica. O próprio rio vai se auto depurar”.
Embora quando se fale em consumo de água a primeira imagem que venha em mente seja a de torneiras domiciliares e chuveiros, apenas 8% do recurso captado da natureza vai para o cidadão. A agroindústria e a indústria de transformação consomem juntas os outros 92%.
FOTOS: FOGUINHO
Adutora rompida
Foi o rompimento de adutoras que transportam as águas de Itupararanga até a estação de tratamento do Cerrado, em 2004, que fez cair a ficha do SAAE para a necessidade de planejamento. Hoje a empresa conta com três reservatórios (Itupararanga, Ipaneminha e Pirajibu-mirim), tendo duas estações de tratamento de água (ETA) em funcionamento, a do Cerrado e do Éden, e outra projetada para iniciar trabalhos em 2017: a prometida ETA Vitória Régia. Um dos problemas crônicos enfrentados é a distribuição. Transportar a água das ETAs até as casas é o calcanhar de Aquiles. Esse gargalo foi sanado em parte com a implantação de um sistema de bombeamento. Além disso, está em início de execução, um projeto de interligação da cidade toda por meio de dutos. Os extremos da cidade, como Quintais do Imperador, Genebra e Brigadeiro Tobias são servidos por
Consumo de água por setor
André Cordeiro: Clima não é o culpado
Adhemar Spinelli: Planejamento do SAAE
ARTE: CÁSSIO FREIRE
Fonte: SAAE Sorocaba
Ponto de Fusão Nº3 - 2015 11
FOGUINHO
Região Metropolitana
À espera de resultados concretos Por Daniela Gáspari
A Região Metropolitana de Sorocaba é formada por 26 municípios:
IMPRENSA ALESP
• Alambari • Alumínio • Araçariguama • Araçoiaba da Serra • Boituva • Capela do Alto • Cerquilho • Cesário Lange • Ibiúna • Iperó • Itu • Jumirim • Mairinque • Piedade • Pilar do Sul • Porto Feliz • Salto • Salto de Pirapora • São Miguel Arcanjo • São Roque • Sarapuí • Sorocaba • Tapiraí • Tatuí • Tietê • Votorantim
Hamilton Pereira é o idealizador da RMS
Passado um ano desde a criação da Região Metropolitana de Sorocaba (RMS), oficializada no dia 8 de maio de 2014, a sensação dos quase 1,8 milhão de habitantes de 26 municípios é de que nada mudou. Uma região metropolitana tem por objetivo o planejamento social e econômico integrado, visando a criação de políticas públicas e ações em conjunto, que busquem soluções para necessidades comuns entre as cidades. Para Mara Melo (PT), prefeita de Araçoiaba da Serra, cidade integrante Região Metropolitana, até o momento não houve nada de concreto a ser mostrado para a população. “Efetivamente a RMS não saiu do papel”, lamenta. “A região ainda não viu políticas públicas de diminuição nas taxas do transporte coletivo, a questão do lixo, que pode ser regionalizada, ou a questão das águas, que pode ser mais bem tratada”, critica a prefeita.
Projetos iniciados Mesmo com a demora na criação da agência e do fundo, que terão o papel de elaborar projetos de interesse da população e buscar financiamentos, algumas ações tímidas estão sendo iniciadas.
Transporte
Telefonia
O transporte intermunicipal na RMS passou a ser de responsabilidade da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), que começou a redesenhar a rede de linhas que atende Sorocaba e os demais municípios da região.
Outro processo em andamento é a questão da telefonia. Desde 2011, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) ampliou os critérios da definição de áreas locais para linhas fixas. Com isso, moradores que fazem parte de uma mesma região metropolitana, passam a realizar chamadas interurbanas com o custo de ligação local.
A demora na criação do Fundo de Desenvolvimento e da Agência Metropolitana (Agem) foi um dos principais fatores que dificultam o processo de efetivação da RMS, acredita o ex-deputado estadual Hamilton Pereira (PT), autor do projeto original de metropolização de Sorocaba. Durante a cerimônia de sanção da Região Metropolitana em 2014, o Governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), prometeu encaminhar nos “próximos dias” os respectivos projetos, o que não aconteceu. “Essas ferramentas são importantíssimas porque dão uma autonomia maior aos municípios, que não ficarão tão dependentes dos órgãos estaduais para a elaboração de projetos e busca de recursos”, afirma Hamilton. O Fundo de Desenvolvimento Metropolitano foi criado dia 8 de maio de 2015, exatamente um ano
Sobre a possibilidade da região de Sorocaba se beneficiar com a lei, Flaviano explica que a Anatel já foi oficializada pela Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano) sobre a existência da nova unidade de desenvolvimento, mas que existe um prazo de no máximo três anos para assimilação e transição da telefonia.
depois da sanção da RMS, por decreto do governador Geraldo Alckmin (PSDB). A Agem Sorocaba só foi consumada em 15 de junho deste ano.
Longo prazo
Presidente do Parque Tecnológico de Sorocaba e membro do Conselho de Desenvolvimento da RMS, o economista Flaviano Agostinho de Lima, que desde junho é também secretário de Educação de Sorocaba, explica que a população só deve sentir os resultados a longo prazo. Ele conta que, depois de feito o diagnóstico e definição de prioridades da região, a expectativa do Conselho é que a Agência seja instalada rapidamente, pois ela será fundamental para a elaboração de projetos, além de dar sustentação ao trabalho das demais ferramentas da RMS, como os conselhos consultivos e as câmaras temáticas.
Alexandre Ogusuku, presidente da Subseção de Sorocaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), comenta que mais difícil que criar a RMS, será implementá-la. “É necessário, além de toda a estrutura necessária ao seu funcionamento, modificar a cultura dos nossos governantes, para uma verdadeira gestão integrativa”. FOGUINHO
Uma das primeiras ações que deve ser perceptível aos usuários é a padronização dos veículos. Outro ponto importante que vem sendo estudado é integração das tarifas e a interligação entre as linhas. Atualmente parte dos ônibus da região não possui conexão municipal e intermunicipal. A expectativa é que principalmente idosos e estudantes sejam beneficiados com a integração do transporte, passando a viajar gratuitamente de acordo com critérios a serem estabelecidos.
Flaviano: Instalação da Agem é fundamental
Ponto de Fusão Nº3 - 2015 13
Dengue
Em 2016 ele volta?
Os descuidos do governo de Sorocaba em relação à coleta de lixo e ao atendimento à saúde são apontados como determinantes para a instalação da epidemia. Detectadas as prováveis causas, a pergunta é: as providências necessárias serão tomadas? Por Paulo Andrade e Gabrielli Duarte
14 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
Quando resolveu, em 2013, tratar a questão do lixo na base do improviso e partidarizar os problemas da saúde, o prefeito de Sorocaba, Antônio Carlos Pannunzio, talvez não imaginasse que, dois anos depois, o despreparo da administração municipal fosse revelado por um mosquito, o Aedes aegypti, transmissor da dengue. Por mais que o prefeito e seu secretariado tentem transferir a responsabilidade a terceiros, como o governo federal, o clima e a própria população, os números mostram que Sorocaba detém o infeliz título de maior número de casos de dengue por habitante em qualquer comparação, seja com o país, com o estado de São Paulo ou entre as 26 cidades da região metropolitana. A crise na saúde estava instalada em Sorocaba há meses quando, no
início deste ano, surgiu a epidemia de dengue, que, até maio, já havia incapacitado temporariamente mais de 52 mil sorocabanos e matado pelo menos 31. Quando a dengue chegou, também fazia mais de um ano que as falhas na coleta e destinação do lixo na cidade haviam se tornado endêmicas. Sem contar a resistência do prefeito e do seu antecessor, Vitor Lippi, ambos do PSDB, em implantar uma política local de resíduos sólidos para coleta e destinação de recicláveis. A ausência de mais rigor na exigência de limpeza dos terrenos particulares, o abandono de terrenos públicos, a negligência na fiscalização de focos do mosquito em fábricas e escolas, a falta de opções ao cidadão para destinação de entulhos, a retirada dos contêineres das ruas e
Automedicação
“O número real de casos da dengue em Sorocaba provavelmente é muito superior ao registrado oficialmente. Diante de uma fila de espera por atendimento de mais de seis horas nas unidades de saúde, muitos cidadãos passaram a se automedicar. Esses casos não entram no balanço oficial”, explica o vereador Izídio de Brito Correia, presidente da comissão de saúde da Câmara. Certamente os maus hábitos de parte da população contribuíram para potencializar a epidemia. A limpeza regular de terrenos particulares por seus proprietários, a consciência de não jogar entulhos em terrenos
desocupados e a preocupação de evitar criadouros do mosquito em casa são algumas atitudes que podem evitar a proliferação do Aedes. “Mas os cuidados dos munícipes, sozinhos, não evitariam a epidemia”, acredita o parlamentar. Durante a epidemia, a administração municipal gastou tempo e energia tentando responsabilizar o governo federal, de Dilma Rousseff, do PT, pelo problema de saúde local. Alegou falta de recursos, argumentou que a dengue era um surto nacional e reclamou de falhas no sistema de comunicação com o ministério da saúde. O prefeito e seus secretários, no entanto, pouparam cobranças públicas ao governo do estado, administrado por Geraldo Alckmin, do PSDB. Os números, porém, comprovam que São Paulo foi o campeão de dengue no Brasil. Sorocaba, por sua vez, foi um dos municípios com mais casos da doença por habitante no estado onde o mosquito transmissor mais fez vítimas este ano. Também entre os 26 municípios que integram a Região Metropolitana de Sorocaba (RMS), a cidade sede foi onde, proporcionalmente, a doença mais causou estragos.
FOGUINHO
o déficit de pessoal no setor de zoonoses foram algumas das críticas ao governo apontadas por parlamentares, munícipes e funcionários da prefeitura. De acordo com as críticas publicadas em vários veículos, além da falta de medidas preventivas e de controle da epidemia, o governo municipal falhou no atendimento aos doentes, devido ao quadro insuficiente de profissionais na saúde, a inexistência do prometido hospital municipal e a demora na instalação de centros de monitoramento da dengue.
Com a retirada dos contêineres, em 2013, o lixo residencial passou a ficar espalhado nas ruas e calçadas
FOGUINHO
Espera por atendimento nas unidades de saúde ultrapassava seis horas
Ponto de Fusão Nº3 - 2015 15
Dengue
Maior média do país De janeiro a maio Sorocaba teve um caso de dengue para cada 12,1 habitantes, segundo cálculo a partir de dados da secretaria municipal de saúde. No Estado, essa relação foi de um caso a cada 88,8 paulistas. No Brasil, considerando os 26 estados e o distrito federal, a média foi de um caso de dengue a cada 198,5 habitantes no mesmo período. Os números estaduais e nacionais são divulgados pelo Ministério da Saúde. No quesito óbito, os resultados
16 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
de Sorocaba e do estado também foram trágicos. Até o final de maio Sorocaba tinha registrado 31 mortes por dengue hemorrágica e outras 13 estavam sendo investigadas. No estado, foram 256 mortes pela doença desde janeiro. No Brasil, 378. O número de mortes confirmadas em Sorocaba representava, até o final de maio, 12% dos óbitos do estado. São Paulo, o estado mais rico do Brasil, era sozinho o responsável por 67,7% do total de óbitos por
dengue no país. Na RMS, criada há um ano, Sorocaba foi a líder absoluta de casos de dengue por habitante (veja quadro). “Feitas as contas e recolhidos os cacos, fica a pergunta mais importante para a população: a prefeitura de Sorocaba vai continuar batendo panela contra o governo federal ou vai, finalmente, tomar as providências necessárias para que o caos e a tragédia na saúde não mais se repitam?”, questiona Izídio.
Contêineres de lixo
Desde novembro de 2013, os sorocabanos não contam mais com contêineres para depositar o lixo doméstico, que muitas vezes fica espalhado pelas ruas em sacos plásticos.
Centro de Monitoramento
A dengue na Região Metropolitana de Sorocaba Cidade
População Estimada 2014
Casos de Dengue
Casos por habitante 12,1
Foram instalados dois centros de monitoramento da dengue (CMD) em Sorocaba. O primeiro foi aberto dia 6 de março, quando já haviam cinco mortes e 8.693 casos confirmados.
Sorocaba
637.187
52.624
Iperó
32.568
1.953
16,67
Salto de Pirapora
43.148
1.759
24,52
Votorantim
116.706
2.229
52,35
Limpeza dos terrenos
Boituva
54.594
837
65,22
A roçagem de terrenos baldios só passou a ser fiscalizada a partir de 13 de maio quando foi reduzido de 15 dias para 48h o prazo para que proprietários façam a limpeza em situações de emergência municipal.
Destinação de entulhos
Sorocaba não tem política efetiva para o descarte de materiais inertes. A população tem que pagar caçamba particular para se desfazer de inservíveis ou entulho.
Fábricas e escolas
Araçariguama
19.636
212
92,62
Porto Feliz
51.628
536
96,32
Salto
113.127
1.125
100,55
Alumínio
17.924
167
107,32
Mairinque
45.729
319
143,35
Sarapuí
9.734
61
159,57
Itu
165.511
907
182,48
São Roque
85.502
436
196,1
Tietê
39.765
196
202,88
Segundo depoimento de um representante dos agentes sanitários à CPI da Dengue, não houve nebulização e fiscalização em escolas e fábricas, locais onde são encontrados muitos focos do mosquito transmissor.
Jumirim
3.092
15
206,13
Araçoiaba da Serra
30.713
147
208,93
Cerquilho
44.320
201
220,49
Piedade
54.523
215
253,59
Demora no atendimento
Alambari
5.460
13
420
Tatuí
115.515
262
440,89
Cesário Lange
16.943
33
513,42
Capela do Alto
19.212
31
619,74
São Miguel Arcanjo
32.696
52
628,76
Pilar do Sul
28.097
39
720,43
Ibiúna
75.845
44
1.723,75
Tapiraí
8.085
3
2.695
O tempo de espera dos pacientes na unidades de saúde era de seis horas ou mais. A demora fez com que pacientes com sintomas de dengue deixasse de procurar as unidades e passasse a se automedicar.
Leitos em hospitais
ARTE: CÁSSIO FREIRE
A falta de leitos hospitalares fez com que parlamentares e movimentos sociais relembrassem o não atendimento, por parte da prefeitura, de uma reivindicação antiga da população: a construção de um Hospital Municipal.
Fontes dos gráficos - RMS: secretarias ou diretorias municipais de Saúde (dados de janeiro até a última semana de maio); Brasil e Estado de São Paulo: Ministério da Saúde (balanço de 30 de maio); População: IBGE/2014
Ponto de Fusão Nº3 - 2015 17
Reforma política
Para aprimorar a democracia brasileira Um dos problemas do atual sistema político é a preponderância do poder econômico influenciando as eleições. A necessidade é a de se ter mais mecanismos para participação popular Por Fernanda Ikedo
FOGUINHO
Todos querem mudança no sistema político brasileiro. Isso é claro ao ver toda manifestação de rua, seja daqueles que empunham bandeiras pelos direitos trabalhistas quanto daqueles que estendem pelas avenidas o apelo contra a corrupção, mesmo apoiando pautas conservadoras. Lá atrás, a própria jornada de junho de 2013 demonstrava a insatisfação com a representação política em todos os níveis. Os cartazes diziam “eles não nos representam”. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), aproveitou-se dessa insatisfação para colocar um pacote de propostas em votação que chamou falsamente de “reforma política”. (Leia mais na página 21 sobre a votação). Para os mais de 100 movimentos sociais, sindicais e entidades que participam do movimento pelo
18 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
Plebiscito pela Constituinte Exclusiva, essa iniciativa de Cunha se contrapõe aos anseios da população que já se manifestou contra o financiamento privado e empresarial de campanha política. O advogado e um dos coordenadores do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva, Ricardo Gebrim, explica que a reforma necessária que precisa ser feita para que os sistemas político e eleitoral não incentivem a corrupção é justamente aquela que acaba com o financiamento empresarial que, obviamente, elege políticos atrelados aos interesses das empresas. “Portanto, a reforma política democrática não pode e não deverá ser feita pelo atual Congresso Nacional que está a serviço de quem o financiou e não do povo brasileiro. Para isso, é preciso uma nova Constituinte”, afirma Gebrim.
Somente uma Constituinte que seja exclusiva, que não seja formada pelos atuais deputados e senadores, pode mudar democraticamente o atual sistema político. Precisamos empunhar ainda com mais força a bandeira da Constituinte, a principal resposta ao atual cerco político da direita RICARDO GEBRIM é advogado e membro da Coordenação Nacional do Plebiscito pela Constituinte. Foi advogado da CUT Nacional.
Ponto de Fusão Nº3 - 2015 19
Reforma política
Câmara dos Deputados não muda financiamento de campanha Deputados ignoraram os anseios de mais de 100 entidades e movimentos sociais e votaram uma falsa reforma política, em tópicos, durante o mês de junho. Um dos principais pontos defendido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outros movimentos exigia mudança no financiamento de campanha para que fosse público apenas, sem permitir o financiamento empresarial. Não houve mudança também no sistema eleitoral. Aprovou-se o proporcional, em que deputados e vereadores são eleitos de acordo com a votação do partido ou da coligação. Nem se discutiu o sistema de lista fechada, que fortaleceria ideais e partidos com o fim de coligação para reduzir o número de partidos.
No texto final, manteve-se as coligações com liberdade plena para os partidos. O eleitor continuará votando em um candidato e acabando por ajudar a eleger outros que não têm qualquer identidade ideológica. No texto aprovado em primeiro turno pela Câmara, as doações de empresas só podem ser feitas aos partidos e não mais aos candidatos. As pessoas físicas podem doar à legenda e ao candidato. O analista político Antônio Augusto Queiroz , diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), destaca que a restrição às doações de pessoas jurídicas não produz mudanças. A matéria ainda precisa passar por um segundo turno de votações na Câmara. Se aprovada, segue para avaliação do Senado. O que for acatado pode ser promulgado imediatamente e os pontos que sofrerem alterações voltam à Câmara para nova votação.
O que é uma Constituinte?
Assembleia Constituinte reúne pessoas escolhidas para redigir ou reformar uma Constituição, a carta maior de um país. É um momento de disputa de poder. A Constituinte exclusiva do sistema político, como vem sendo pleiteada pelos movimentos sociais, é uma reforma estrutural, que mexa com a dinâmica da estrutura constitucional, para uma maior participação popular no processo político.
O que é a reforma política?
Um conjunto de propostas que tem potencial para mudar o atual sistema eleitoral e político brasileiro. Entre os temas estão sistema eleitoral, financiamento eleitoral e partidário, coligações, alteração das datas de posses, entre outros.
Roberto Claro
São Paulo
20 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
Movimento Plebiscito Constituinte
Entenda
2
• Além da defesa do fim do financiamento empresarial de campanha, as organizações defendem o voto proporcional, a paridade de sexo e a ampliação da participação popular no sistema político brasileiro.
Brasília Contraf-CUT
• O movimento Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva, que conta com participação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), promove debates em todo território nacional sobre “O Desafio da Campanha por uma Constituinte Exclusiva”. Em junho, os militantes, incluindo Ricardo Gebrim e a representante da Marcha Mundial das Mulheres, Liliane Coelho, participaram de debates no Paraná e em Minas Gerais.
Rio Grande do Sul Rogério Hilário
1
3
4
• Uma das maiores bancadas no Congresso Nacional é de políticos ligados ao agronegócio. O atual sistema político não privilegia propostas e sim a figura do candidato e por isso, faz com que a população seja sub-representada, ou seja, mulher, negro e a própria classe trabalhadora não são devidamente representados. Confira o suplemento especial do SMetal sobre Reforma Política em www.smetal.org.br
Estácio jr.
Minas Gerais
Ceará Mary Juruna
• O início da votação do pacote de propostas da falsa reforma política, no plenário da Câmara dos Deputados começou dia 26 de maio de 2015. O pacote é fruto da Comissão hoje presidida pelos deputados federais Rodrigo Maia (DEM/RJ) e Marcelo Castro (PMDB/PI), ambos ligados a grupos políticos conservadores de direita. Foram aprovados o fim da reeleição para o Executivo, a inclusão das doações privadas na Constituição, a instituição de cláusula de barreira para partido político, a redução da idade mínima para candidatura a deputado, governador e senador e a impressão de votos para conferência de dados em urnas eletrônicas.
Mato Grosso
Ponto de Fusão Nº3 - 2015 21
Trabalho
LER: BANCO DE IMAGEM
LUCAS DELGADO
sofrimento invisível
EDUARDO MALUCHE: Eu preferia não ter adoecido e ter meus movimentos de volta
Dores, adaptação, afastamento, retorno ao trabalho. As lesões por esforços repetitivos afetam a vida do trabalhador em todos os níveis Por Fernanda Ikedo
Na década de 90 pouco se conhecia sobre Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e predominava o preconceito até entre companheiros de fábrica contra os trabalhadores acometidos pela doença ocupacional. Por se tratar de uma doença que não é visível aos olhos, as ofensas contra os lesionados giravam em torno de ‘preguiçoso’ ou ‘vagabundo’. Acontece que, mesmo após tantas epidemias de LER, estudos da medicina, avanços nas prevenções e relatos sobre o tema, o preconceito continua a fazer suas vítimas. O montador Otacílio Eduardo Maluche, 45, pegou carona recentemente para ir ao trabalho porque o ônibus da fábrica tinha quebrado. O motorista, trabalhador da mesma empresa, comentava com ar de desconfiança, durante o trajeto, sobre os ‘restritos’, como são chamados os lesionados na fábrica. Sem saber que Maluche era um deles. 22 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
O diagnóstico
Maluche entrou na ZF Sistemas em Sorocaba, em 1994 e chegava a carregar até 72 eixos de 32 quilos por dia em sua rotina como montador. Rotina que, na maioria das vezes, atingia 12 horas diárias. “Eu pedia para colocar uma talha, que ajudaria na diminuição do peso, mas ficava com receio de ficar batendo na mesma tecla”, afirma. E na própria linha de produção tudo era feito a mão. Dois anos depois, o metalúrgico passou a sentir as consequências dessa rotina de trabalho com fortes dores nos punhos e braços. “Meu supervisor recomendou que eu procurasse um médico e fui para a Santa Casa. Os tendões já estavam comprometidos”, lembra. O braço direito foi engessado e Maluche ficou nove anos afastado. Entrou no Programa Reabilita do INSS (CRP, na época). Pai de dois filhos, ele teve a vida virada de ponta cabeça. Entrou em depressão e se separou. Em sua própria casa ele não conseguia carregar certos objetos. “Nem fazer a manutenção em casa, as tarefas domésticas eu conseguia”.
Quando voltou ao trabalho na ZF, em 2006, Maluche relata que muita coisa já tinha mudado. Havia braços mecânicos na produção e não se usava mais a força braçal como antes. Mesmo assim, mais três Comunicações de Acidente de Trabalho (CAT) foram abertos porque ele voltou a atuar como montador numa área de bomba a óleo. “Depois, me mudaram de setor porque o serviço ainda era incompatível com minhas condições físicas”, conta. Mas, as dores continuam e agora ele está de licença médica por depressão e aguarda na Justiça a aposentadoria por invalidez. O secretário-geral do SMetal, Leandro Soares, é enfático ao dizer que esses acidentes de trabalho são frutos de uma lógica capitalista direcionada para as metas de produção, na lucratividade além da exploração de horas extras. “É preciso ainda muita fiscalização e cobrança para que se diminua o ritmo de produção e para que se tenha ergonomia nos postos de trabalho. Por isso, continuamos nessa luta, que não se esgota, pela melhoria nas condições de trabalho”.
Contra a fome e o desperdício. Pela segurança alimentar. O Banco de Alimentos de Sorocaba é uma organização nãogovernamental (ONG), criada em dezembro de 2005 com a finalidade diminuir o desperdício de alimentos, difundir a segurança alimentar e, ao mesmo tempo, ajudar no combate à fome em Sorocaba e região.
Colabore - Telefone: (15) 3417-4722 bancodealimentos.sorocaba@gmail.com
Rotatividade
A alta rotatividade no Brasil cria empecilhos para a conquista por melhores salários e prejudica a qualificação profissional
A geradora de
desemprego Por Fernanda Ikedo
“Eles sempre alegam queda na produção”, afirma a trabalhadora V.R.R., 48, que já vivenciou em sua trajetória profissional o fenômeno da rotatividade. Em 2008, a Alberflex a mandou embora, junto com uma leva de trabalhadores. “Depois, de alguns meses me contrataram novamente”. Recentemente, V. trabalhou na metalúrgica Flextronics e conta que presenciou o vai-e-vem no setor onde trabalhava. “É uma prática antiga da empresa. Há oito anos, uma amiga 24 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
minha que estava procurando emprego conseguiu entrar na Flex, mas por um contrato de apenas três meses. Mas antes disso ela foi mandada embora e não foi por falta de dedicação”, conta. O professor titular do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais da Unicamp, Marcio Pochmann, alerta que a rotatividade no Brasil é duas vezes superior a dos Estados Unidos e quase três vezes maior que a da Europa.
Entre os males que a rotatividade impõe na vida do trabalhador está a interferência na trajetória previdenciária. “É necessário completar 35 anos de contribuição, mas com esse fenômeno da rotatividade o trabalhador não consegue fazer as 12 contribuições no ano porque fica desempregado por um determinado período”, explica o economista. Além disso, a rotatividade intensa compromete a formação e a qualificação da mão de obra porque a própria
FOGUINHO
MARCIO POCHMANN: A rotatividade no Brasil é duas vezes superior a dos Estados Unidos VARIAÇÃO DA ROTATIVIDADE ENTRE OS METALÚRGICOS DE SOROCABA E REGIÃO
A base do SMetal também é afetada pela rotatividade
Evolução da taxa de rotatividade geral e descontada dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região. Fonte: RAIS (2012). Elaboração: Subseção Dieese Metalúrgicos de Sorocaba
A rotatividade é uma característica do mercado brasileiro que se repete na base do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal). O economista da subseção do Dieese do SMetal, Fernando Lima, diz que apesar de alta, a taxa de rotatividade local é menor do que a registrada no total dos metalúrgicos do Brasil (46,1%) e da taxa de rotatividade geral do mercado
empresa deixa de investir no trabalhador, que não ficará muito tempo na função. Mais prejudicado ainda é o trabalhador terceirizado, que enfrenta uma rotatividade duas vezes maior que um trabalhador não terceirizado. “Setenta por cento dos terceirizados sofrem com a rotatividade”, diz Pochmann.
Enfrentamento
Por isso, Pochmann avalia que uma reação contra esse fenômeno que
de trabalho brasileiro (63,7%). Ela afeta as perspectivas do trabalhador e automaticamente prejudica o enfrentamento das questões centrais (campanha salarial, plano de cargos, carreira e salários, redução da jornada, etc.). Lima comenta que a rotatividade tem um perfil: “a rotatividade tem por característica ser alta nos primeiros
prejudica a vida do trabalhador e da sociedade é a luta contra o projeto que instaura e generaliza a terceirização no Brasil, e que agora, está sob avaliação das comissões do Senado. “Não se trata de falta de conscientização por parte dos empresários. É porque as empresas são baseadas pela orientação a curto prazo. Quando mandam trabalhadores embora para contratar outros é com o objetivo de redução de custos”, alerta o economista. Apesar do atual Congresso Na-
anos profissionais e baixa com o decorrer da idade”. Há dois tipos de conceitos de rotatividade, a voluntária e a descontada, explica o economista do Dieese, Fernanda Lima. O primeiro diz respeito aos trabalhadores que por sua própria vontade mudam de empregos e na categoria descontada, são as demissões motivadas pelas empresas.
cional ser formado por deputados e senadores, na maioria, conservadores e membros das bancadas ruralista e empresarial, Pochmann acredita na negociação com o Congresso para estabelecer critérios e combater a rotatividade. “Perdemos uma oportunidade de termos feito uma modificação legislativa nesse sentido uma década atrás, quando a correlação de forças era mais favorável aos trabalhadores, mas não descarto que isso possa acontecer numa negociação mais ampla”. Ponto de Fusão Nº3 - 2015 25
Rotatividade
Diretor do SMetal faz estudo sobre Sorocaba e região Um artigo escrito como trabalho de conclusão de curso de economia da Universidade de Sorocaba pelo diretor executivo do SMetal Silvio Ferreira, sob orientação do professor universitário e doutor Manuel Payes, analisa as taxas de rotatividade de Sorocaba por faixa etária (até 29 anos e acima de 29 anos), no período de 2002 a 2012 e aponta as causas e consequências das elevadas taxas de rotatividade. O trabalho demonstrou que a taxa de rotatividade é altamente pró-cíclica, sendo maior em períodos de aquecimento da economia onde há um crescimento do emprego formal. Nos últimos dez anos o mercado de trabalho brasileiro apresentou desempenho positivo, com redução das taxas de desemprego, crescimento da ocupação e da formalização dos vínculos de trabalho, melhoria nas remunerações e manutenção da política de valorização do salário mínimo. “Porém, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, o número de desligamentos é muito próximo do número de admitidos, apontando para uma alta taxa de rotatividade em todos os setores do mercado de trabalho, crescendo de 52% em 2003 para 64% em 2012.” O artigo também conclui que para a juventude o mercado de trabalho é fortemente desestruturado e precário. Ferreira explica que nesse período, o mercado de trabalho geral em Sorocaba registrou abundante crescimento de novos postos de trabalho (2002/2012). Ao todo foram abertos 94.957 postos de trabalho que corresponderam a um crescimento de 95,92% no total de trabalhadores com carteira assinada. ROTATIVIDADE EM SOROCABA, EM SP E NO PAÍS
Sorocaba
Estado de SP
Brasil
Indústria de transformação
50,4%
46,10%
53,40%
Comércio
74,2%
61,30%
62,90%
Serviços
80,8%
64,80%
57,10%
Rotatividade Geral
66,9%
56,50%
54,50%
Taxas de Rotatividade Global, 2012. Fonte: RAIS – MTE/2014.
26 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
SILVIO FERREIRA: Rotatividade causa também perdas salariais
O que acarreta?
FOGUINHO
A curta duração dos contratos de trabalho prejudica o trabalhador, a empresa e a sociedade. 1. Gera insegurança e ainda achata os salários, pois os empresários contratam outra pessoa para ganhar menos. 2. O trabalhador perde estabilidade e não consegue ter carreira porque a qualquer momento pode ser mandado embora; faz várias vezes o saque do FGTS e não consegue acumular um valor para comprar um imóvel, por exemplo. 3. Prejudica a aposentadoria, pois recebendo salários achatados, a aposentadoria também será baixa.
O autor comenta que isso deixa visível que a discussão sobre a taxa de rotatividade em Sorocaba tem influência direta do mercado de trabalho aquecido e com criação de novas oportunidades.
Perdas
Um mercado de trabalho com tanta flexibilidade pode sugerir maior eficiência locativa, mas gera grande insegurança para os trabalhadores, pela redução do tempo de permanência em um emprego ou perda de bem-estar por custos de ajustamento e de oportunidade, além de perdas salariais dos trabalhadores na troca do emprego. Conforme é possível visualizar na Tabela 1, entre 2002 e 2012, o total de trabalhadores na indústria de transformação registrou crescimento de 85,5%, enquanto as vagas no comércio aumentaram 84,2% e no setor de serviços aumentou 123,6%.
4. Afeta a empresa porque compromete a qualificação e ela acaba tendo mais custo de treinamento.
Solução Há um documento internacional, já adotado em diversos países, que pode melhorar a situação. Trata-se de um acordo de conduta internacional que precisa ser ratificado pelo Congresso. É a Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), um órgão da ONU. Para o presidente do SMetal, Ademilson Terto da Silva, “o Brasil precisa ratificar esse documento. Trata-se de uma condição para avançar rumo às relações de trabalho mais modernas, justas e de caráter desenvolvimentalista”.
Ponto de Fusão Nº3 - 2015 27
Rotatividade
“Todo ano lutamos e conseguimos um reajuste salarial bom, acima da inflação, mas a empresa demite na sequência, causando perda salarial ligada à rotatividade. Ela baixa o montante que ela desembolsaria para pagamento dos salários, prejudicando a economia do país. Também prejudica a carreira dos trabalhadores”, afirma o presidente da FEM/CUT, Luiz Carlos da Silva Dias. Segundo ele, existem setores do ramo metalúrgico que a rotatividade ultrapassa 35%, 40%. Troca-se quase a metade dos trabalhadores em um ano. Uma das ações que poderia evitar isso era o Brasil ser signatário da Convenção 158 da OIT, que inibe a demissão imotivada.
“Consequentemente, você teria o trabalhador com mais tempo na empresa, facilitaria a sindicalização, a conscientização do trabalhador, que poderia planejar melhor a sua vida e o Brasil melhoraria se fosse signatário disso”, afirma. O papel do movimento sindical é pressionar o governo para que seja signatário, “mas sabemos que não é fácil porque há um lobby muito grande dos empresários contrários a isso”. Outra ação sindical é aproveitar as discussões da data base para provocar um debate: além do reajuste a ser conquistado também deve estar na pauta um prazo de estabilidade para os trabalhadores para evitar esse tipo de modelo.
Perda no poder de compra Para o pessoal de Recursos Humanos a rotatividade é chamada de turn over, mas o significado é o mesmo e representa a saída de um trabalhador de uma empresa para recolocação de outro em um determinado espaço de tempo. Desde 2003 a categoria metalúrgica tem aumento real de salário todos os anos, mas a rotatividade causa prejuízo ao rendimento dos trabalhadores. O economista Fernando Lima ressalta que, de fato, a rotatividade diminui o salário, mas o percentual varia. Confira ao lado, no infográfico, como a rotatividade causa prejuízo ao bolso do trabalhador.
Fernando Lima, da subseção do DIEESE dos Metalúrgicos de Sorocaba
28 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
FOTOS: FOGUINHO
Rotatividade prejudica a economia
LUIZ CARLOS DA SILVA DIAS: EXISTEM SETORES DO RAMO METALÚRGICO EM QUE A ROTATIVIDADE ULTRAPASSA
40%
O trabalhador atua na empresa A recebendo o piso de R$ 1.000. Após um ano ele recebe aumento salarial de 10% = R$ 1.100. Mas é mandado embora pela empresa. Se ele for trabalhar em uma empresa B, provavelmente voltará a receber o piso. Enquanto a empresa A contratou outro trabalhador pelo piso. Resultado: tanto a empresa A quanto a B ganharam e o trabalhador perdeu.
Os trabalhadores de soldagem e corte de metais admitidos em 2014 foram contratados por um salário médio de R$ 2.013,02. O salário dos trabalhadores desligados nesse setor, no mesmo período, era de R$ 2.329,78. O salário do admitido equivalia a 86,40% do salário do demitido.
Trabalho
Terceirização nas mãos do Senado Projeto de terceirização no mercado de trabalho ainda tramita no Congresso, agora no Senado. Por precaução, CUT mantém mobilização contra a proposta de precarização
FOTOS: FOGUINHO
Por Paulo Andrade
30 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
“Não podemos deixar a ameaça do projeto de ampliação da terceirização cair no esquecimento. Ele ainda não virou lei. Está no Senado. Mas os sindicatos e movimentos sociais têm que continuar lutando juntos para impedir esse prejuízo irreparável aos trabalhadores”. O alerta é do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), Ademilson Terto da Silva. Ressuscitado pela Câmara Federal nos primeiros meses deste ano, o projeto de lei 4330/2004, de autoria do empresário Sandro Mabel, foi aprovado a toque de caixa pelos deputados no mês de abril. O projeto amplia a possibilidade de terceirização de trabalhadores em todos os setores, inclusive nas atividades-fim das empresas.
Em Sorocaba, o SMetal teve outdoors censurados pelas empresas exibidoras dos painéis porque as placas criticavam dois deputados locais, Vitor Lippi (PSDB) e Jefferson Campos (PSD), por terem votado a favor do PL em primeira discussão na Câmara. Nessa votação, dia 8 de abril, o projeto de precarização do trabalho foi aprovado por ampla margem: 324 a 137. Na segunda votação do PL, dia 22 de abril, após protestos organizados por centrais sindicais e movimentos sociais, muitos deputados mudaram de opinião. A aprovação do PL acabou confirmada, mas por uma diferença muito menor de votos: 230 a favor e 203 contra. Lippi, no entanto, confirmou sua posição a favor da precarização do trabalho e manteve seu voto favorável à terceirização sem limites. Campos não compareceu à sessão. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado de ser conservador e autoritário até por seus colegas de partido, foi o principal responsável pelo trâmite acelerado da proposta.
JOÃO BATISTA: TERCEIRIZAR É PRECARIZAR. MENTE
ADEMILSON TERTO: NÃO PODEMOS DEIXAR
QUEM DIZ O CONTRÁRIO
ESQUECIMENTO
nome de PLC 30/2015. O presidente da Casa, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), trocou farpas com Eduardo Cunha e afirmou que, no Senado, o projeto seria tratado com mais cautela, mais debates e sem pressa. Até o final de junho, Renan vinha cumprindo a promessa. O projeto tramitava por várias comissões do Senado e não tinha previsão de data para ser votado. As centrais sindicais, especialmente a CUT, mesmo assim, mantinham mobilização para realizar uma greve geral caso a proposta não fosse radicalmente melhorada, em benefício dos trabalhadores, antes de qualquer votação. PLC 30 Quem defende o projeto, como Aprovado na Câmara, o projeto os deputados da Região Metropoliseguiu para o Senado e recebeu o tana de Sorocaba, argumentam que ele iria regularizar a situação dos 14 milhões de brasileiros Prejuízos mais evidentes que já trabalham sob o regime da terceirização. Esse argumento foi rebatido por economistas, líderes sindicais e juízes em diversos meios de comunicação que deram espaço sincero a quem se dedica ao mundo do trabalho, e não só aos representantes do empresariado. Fonte: SMetal Sorocaba
A AMEAÇA CAIR NO
Não regulamenta. Precariza
Durante palestra na Câmara de Sorocaba, dia 6 de maio, o desembargador João Batista Martins César, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), afirmou que o projeto é nocivo aos trabalhadores. “O projeto não regulamenta nada. Pelo contrário, terceirizar é sinônimo de precarizar. Mente quem diz o contrário”, afirmou. O desembargador, que já foi procurador do trabalho e cujo cargo atual equivale ao de juiz de 2ª instância, disse que a regulamentação do serviço terceirizado já existe. “Está na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. O que falta é fiscalização no cumprimento da lei. E isso o projeto não resolve”, explicou. Para ele, ao propor a terceirização, o Brasil está na contra-mão de outros países, que estão incentivando a contratação direta de trabalhadores, pois a terceirização, ao reduzir o poder de compra dos trabalhadores, prejudicou a economia. No Brasil, 27% do mercado de trabalho é terceirizado atualmente. Esse número deverá aumentar muito se o projeto de lei for aprovado. Anos atrás, o Japão também ampliou a terceirização, que chegou a 30% no país. “Com o impacto negativo da mudança para a economia, o governo japonês pediu um estudo ministerial, que recomendou não apenas a redução, mas a extinção da terceirização”, afirmou o desembargador. Ponto de Fusão Nº3 - 2015 31
Esporte DIVULGAÇÃO
Sorocaba no Bicicross mundial Integrantes da Seleção Brasileira de BMX, jovens atletas sorocabanas, Bianca Quinalha e Priscilla Stevaux, compartilham o sonho de participarem das Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016
Da pista do Clube Sorocabano de Bicicross para o mundo. Assim tem sido a vida de alguns atletas da cidade dedicadas ao esporte. As jovens Bianca Quinalha e Priscilla Stevaux, ambas de 21 anos, são exemplos de destaque pouco comentadas nas vias tradicionais de comunicação. Atletas de BMX – sigla para Bicycle MotoCross, como a modalidade é mundialmente conhecida – atualmente integram a Seleção Brasileira e buscam o mesmo sonho: representar o país nas Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016. As duas iniciaram no esporte muito cedo por influência de familiares. Bianca começou a praticar aos 5 anos e teve como inspiração o seu pai, o expiloto Robinson Quinalha, primeiro a levantar a taça de campeão na pista de bicicross de Sorocaba. A partir daí, a atleta tem se destacado e já foi duas vezes campeã mundial e brasileira de BMX na categoria Elite Woman. Já Priscilla se espelhou no irmão 32 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
Por Daniela Gáspari
mais velho, Douglas, aos 7 anos. “Ao passar na frente da pista de BMX, meu irmão se interessou e começou a praticar o esporte. Então logo iniciei também, mas acabei me apaixonando e, o que era brincadeira, se tornou um sonho olímpico”. Além de diversos títulos nacionais e internacionais, a sorocabana é atual campeã brasileira também na categoria Elite Woman. Com apoio da Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC) e da Caixa Econômica Federal, patrocinadora oficial da modalidade, hoje os atletas da Seleção Brasileira de BMX estão treinando em Chula Vista, Califórnia (EUA), para disputarem campeonatos internacionais. “É um grande diferencial poder treinar no Centro Olímpico Americano, onde estão duas das melhores pistas de Supercross do mundo, que são de formato olímpico”, conta Priscilla Stevaux. Esporte olímpico desde 2008, o Brasil possui apenas uma vaga garan-
DIVULGAÇÃO
Bianca começou a praticar aos 5 anos de idade
BIANCA QUINALHA: Estou treinando duro para defender nosso país da melhor forma nas Olimpíadas no Brasil. Acordo e durmo pensando nisso
tida nas Olimpíadas em 2016, mas o número pode chegar a três. A escolha da representante brasileira se dará pelos resultados das atletas no Campeonato Mundial e nas disputas do ano olímpico.
FOGUINHO
Assim nasceu o Clube Sorocabano de Bicicross
FOGUINHO
O projeto “Integrar pelo Esporte” disponibiliza bicicletas e professores de iniciação ao Bicicross para crianças carentes de 4 a 14 anos
CIDA COMITRE: Queremos deixar a pista adequada para receber grandes campeonatos, como em 2005, quando recebemos o pan-americano
Integrar pelo Esporte Além de administrar a pista, o Clube Sorocabano de Bicicross também possui um projeto social chamado “Integrar pelo Esporte”, que disponibiliza bicicletas e professores para a iniciação de crianças carentes no esporte.
Além de Bianca e Priscilla, o Clube Sorocabano de Bicicross já revelou diversos atletas desde sua criação, em 1988. Por iniciativa de Cida Comitre, atual presidente do clube e que na época era Secretária Municipal de Esporte, a construção da pista foi incluída junto ao projeto do Centro Esportivo “André Matiello”, no bairro Pinheiros. Cida conta que a luta pela pista iniciou em 1986, quando seu filho, o ex-piloto de Bicicross Ricardo Comitre Perez, começou a praticar a modalidade junto com outros meninos pelas ruas de Sorocaba. A partir daí, iniciou a busca por parcerias para a construção de um local próprio para a prática do esporte, o que se concretizou dois anos depois. Desde então, Sorocaba virou um “celeiro de atletas”, afirma Cida. “Infelizmente, nós não temos muitas condições financeiras para mantê-los aqui. Quando um piloto chega ao nível de Seleção Brasileira, ele precisa de estrutura para poder competir. Por isso, no Clube Sorocabano, trabalhamos mais com
a iniciação no esporte”, explica. Hoje Bianca e Priscilla integram o Clube de Ciclismo de São José dos Campos, no qual têm recebido apoio para o crescimento no esporte. Ricardo Perez, Mayara Perez (filho e neta de Cida Comitre) e Robinson Palomar são outros nomes que também se destacaram no bicicross em Sorocaba.
Infraestrutura
Hoje a maior dificuldade para a prática do bicicross em Sorocaba é a falta de infraestrutura. Segundo a presidente do clube, a pista necessita de algumas modificações para voltar a receber grandes campeonatos, além da construção de banheiros, bebedouros, sala do professor e almoxarifado. Em fevereiro deste ano, a Prefeitura de Sorocaba abriu licitação para a contratação de uma empresa que elabore o projeto da adequação da pista, conforme o circuito oficial olímpico, mas até o fechamento desta edição, não havia interessados aptos para o processo.
PRISCILLA STEVAUX: É um grande privilégio quando participo de competições em Sorocaba, pois tenho a torcida de grandes amigos e familiares. Me sinto muito confiante
Para participar dos treinos, que ocorrem de terça a sexta nos períodos da manhã e tarde, as crianças devem levar atestado médico mostrando que estão aptos a prática de esportes e manter um bom aproveitamento escolar.
DIVULGAÇÃO
Nele, crianças de 4 a 14 anos, a partir de parcerias com escolas e entidades, têm a oportunidade de conhecer e praticar o BMX. Inclusive crianças especiais.
O Clube Sorocabano de Bicicross fica na Rua Padre Lara de Moraes, 217, bairro Pinheiros, à margem direita do Rio Sorocaba. Ponto de Fusão Nº3 - 2015 33
História
Antes de Baltazar FOGUINHO
Metalúrgicos se estabeleceram na região em 1589, seis décadas antes da chegada de Baltazar Fernandes, fundador de Sorocaba Por Paulo Andrade
ARQUIV
O
Mais de 60 anos antes da chegada de Baltazar Fernandes, fundador de Sorocaba, trabalhadores metalúrgicos já forjavam minério de ferro e construíam vilas operárias na região. O primeiro povoado da categoria foi formado no final do século 16, no morro de Araçoiaba. O segundo, no início do século seguinte, onde hoje fica o bairro Itavuvu, zona norte de Sorocaba. Em 1589, uma expedição liderada pelos Afonso Sardinha, pai e filho, sendo o pai português, conhecido como “o Velho”; e o filho mameluco, chamado de “o Moço”, chegou ao morro de Araçoiaba, onde encontrou farta quantidade de magnetita, que chegava a brotar do solo. Hoje o morro é parte integrante da Floresta Nacional de Ipanema (Flona). Contando com a mão de obra vinda de São Paulo, de onde também vinham os Sardinha, foram construídos no morro, na região do Vale das Furnas, dois fornos rústicos de Acima, ruínas dos fornos do Sardinha atualmente e nos anos 80; Abaixo, panorâmica do Morro Araçoiaba, conhecido como Morro Ipanema
34 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
ARTE: JÚLIO FREIRE
Foguinho
fundição, do tipo catalão, e uma forja. A fábrica começou a funcionar em 1591. Segundo Jackson Marcos Siqueira Campolim, professor de história, pesquisador e guia de visitantes na Flona há 17 anos, os trabalhadores da fundição eram bandeirantes, mamelucos e índios escravizados. A fundição despertou o interesse do governador geral do Brasil, Dom Francisco de Souza, que visitou o empreendimento em 1598. No ano seguinte, o governador voltou para o morro e lá se estabeleceu por cerca de seis meses, período em que mandou erguer no local um Simulação da rotina de trabalho em um engenho rústico de ferro, com forno catalão pelourinho, símbolo da Coroa Portuguesa. O povoado de metalúrgicos foi eleva- três quilômetros, morro acima, do local onde do à condição de vila, com o nome de Nossa hoje fica a sede da Fazenda Ipanema. A roda Senhora de Monte Serrat do Itapevuçu. d’água era acionada pelo Ribeirão do Ferro. De acordo com o pesquisador e escritor A produção de ferro José Monteiro Salazar (falecido em 2014), Os fornos catalães alcançavam 700 graus cada forno precisava de cinco homens para centígrados e o minério, além de conter mui- operá-lo. Havia também outras tarefas relatas impurezas, não chegava ao estado líqui- cionadas à produção, como o transporte do do (O ponto de fusão do ferro é 1.538 °C). O minério. Pela estimativa de Jackson, no final combustível era o carvão obtido da peroba, do século 16 a fábrica devia contar com o traabundante no morro. balho de aproximadamente 20 homens livres O ferro era refinado com a ajuda de um e um número bem maior de escravos índios. Jackson Siqueira: malho, acionado por uma roda d’água, e molParte dos moradores da vila também se trabalhadores eram dado em uma forja. Assim eram fabricados dedicava à lavoura de subsistência. “Conside- bandeirantes, arreios, ferramentas e utensílios como facas rando homens, mulheres e crianças, a vila de- mamelucos e índios e colheres. via contar com várias dezenas de moradores”, O engenho de fundição ficava a cerca de avalia Jackson.
Ponto de Fusão Nº3 - 2015 35
História
FOTOS: FOGUINHO
A Vila no Itavuvu
Acima, pelourinho da Rua Nogueira Martins, centro de Sorocaba, datado de março de 1661; Ao lado, pelourinho da Avenida Itavuvu, que relembra a vila instalada em 1611
Nos primeiros anos do século 17, o governador já tinha voltado para a Corte e os Sardinha haviam partido para outras empreitadas. Com a ausência dos empreendedores, os moradores começaram a procurar outros locais para se estabelecerem. Parte dos metalúrgicos voltou para São Paulo. Outra parcela continuou mantendo a fábrica, que produziu até 1615. Um terceiro grupo mudou-se para “uma região melhor, às margens do Rio Sorocaba, conhecida então como Itavuvu, cerca de 12 quilômetros a leste do Araçoiaba”, conta Salazar em seu livro O “Esconderijo do Sol”, uma das principais referências literárias sobre o assunto. O povoado do Itavuvu foi reconhecido em 1611 como vila. Ali também a coroa portuguesa autorizou a instalação de um pelourinho e batizou a localidade como Vila São Felipe. As ruínas dos fornos dos Sardinha foram descobertas em 1977. Já os vestígios da vila operária de Monte Serrat não foram encontrados.
Pelourinho transferido
Em meados do século 17, o capitão bandeirante Baltazar Fernandes aprisionava índios no caminho de Peabiru, que passava pela região de Sorocaba, e foi nomeado proprietário das terras locais pela realeza. Em 1654, vindo de Santana do Par-
naíba, Baltazar mudou-se para a região com familiares e escravos índios e fundou o povoado de Sorocaba. Nessa época, a fábrica de ferro dos Sardinha estava abandonada havia quase quatro décadas. O povoado fundado pelo bandeirante atraiu antigos habitantes da região, incluindo os moradores remanescentes do Itavuvu, que se deslocaram para locais mais próximos do núcleo de Sorocaba. Em março de 1661, o povoado de Baltazar foi elevado à Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba. O despacho de fundação permitiu a transferência do pelourinho do Itavuvu, que ficava a 10 km do centro da nova vila.
Atual polo metalúrgico
Hoje os 14 municípios cobertos pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região reúnem 43 mil trabalhadores da categoria, sendo 85% deles na cidade de Sorocaba. Eles estão distribuídos em centenas de fábricas e outras centenas de oficinas, que formam um dos principais polos do setor metal-mecânico no Brasil. Mas a origem dessa vocação remonta aos metalúrgicos que operavam fornos quase primitivos, no alto de um morro, a duas semanas de viagem da capital da província, a pé e no lombo de mulas, por trilhas antes conhecidas somente pelos tupiniquins.
CONHEÇA PESSOALMENTE Floresta Nacional de Ipanema (Flona Ipanema) - 5.069 hectares • Entrada 1 - Estrada Sorocaba-Iperó • Entrada 2 - Araçoiabinha • Visitas - De terça a domingo, das 8h às 16h • Preço da entrada - R$ 7 por pessoa • Visitas monitoradas - Taxa mínima de R$ 50 para até 10 pessoas (cada trilha). Acima de 10 pessoas, R$ 5 por pessoa. Os monitores são integrantes da Associação Tupiniquins • Atrações - Arquitetura histórica na parte baixa, arvorismo e quatro opções de trilhas no morro, incluindo a do sítio arqueológico Afonso Sardinha e a do monumento à Varnhagem (Visconte do Porto Seguro), considerado Pai da História do Brasil, nascido na Fazenda Ipanema • Informações: (15) 3266-9099 36 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
Enquanto Baltazar fundava Sorocaba, a Coroa portuguesa voltou a se interessar pelas jazidas de ferro do morro Araçoiaba. Por isso, em 1660 ela proibiu a exploração do local por particulares, sob pena de morte, mas não realizou nenhum empreendimento. Revogada a proibição, em 1680 os irmãos Moreira Cabral reativaram a produção de ferro no morro. Essa experiência durou cinco anos. Em 1765, uma sociedade liderada por Domingos Ferreira Pereira construiu outra fábrica de ferro no Araçoiaba, cerca de 3 quilômetros distante do engenho dos Sardinha, seguindo o curso do Ribeirão do Ferro. A fundição rústica de Domingos durou seis anos. Os motivos do fechamento teriam sido as dificuldades para tirar as impurezas do minério e os altos impostos cobrados pela Coroa. Em 1785, D. Maria I, a Louca, proibiu a manufatura no Brasil, impedindo qualquer iniciativa fabril que concorresse com produtos portugueses, incluindo o ferro.
FOGUINHO
Iniciativas após os fornos de Afonso Sardinha
A Real Fábrica de Ferro
Em 1808, quando a família real mudou-se para o Brasil, fugindo do exército de Napoleão, o Rei D. João VI ordenou a especialistas que projetassem uma grande siderúrgica na colônia brasileira. Em 1810, foi criada, por carta régia, no sopé do morro Araçoiaba e próxima ao Rio Ipanema, a Companhia Montanística das Minas Gerais de Sorocaba, que pouco depois foi renomeada Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema. A represa que atendia à produção foi a primeira do gênero no Brasil. A fábrica começou a operar com 14 estrangeiros assalariados e muitos escravos negros. O período da Real Fábrica de Ferro é bem mais conhecido e documentado do que as iniciativas anteriores. A siderúrgica foi desativada em 1895. Boa parte das construções do século 19, bem como equipamentos utilizados na época, são abertos à visitação. Alguns sítios arqueológicos no morro também podem ser visitados. Porém, somente com acompanhamento de monitor.
GLOSSÁRIO No século 16, os principais habitantes da região de Sorocaba eram os tupiniquins, que deram nomes a muitas localidades. A região tem influência das línguas Tupi e Guarani e suas ramificações. Especialistas divergem sobre a junção de vocábulos indígenas que foram transcritos pelos europeus. Por isso há interpretações diferentes sobre o significado de alguns nomes. Araçoiaba Esconderijo do sol Ipanema Rio imprestável, sem peixes Itapevuçu Pedra grande e chata Peaberu Caminho pisado, caminho de grama amassada Iperó Casca amarga/Águas profundas Itavuvu/Itapebuçu Caminho de pedra / Caminho de pedra preta Sorocaba Terra Rasgada
Ponto de Fusão Nº3 - 2015 37
FOGUINHO
Meio Ambiente
Movimentos reiventam parques Movimento pela agroecologia no Parque Natural Chico Mendes e coletivo de arte contemporânea no Parque do Matão dão vida nova aos espaços públicos de Sorocaba e Votorantim, respectivamente Por Fernanda Ikedo
38 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
seus produtos cultivados sem o uso de agrotóxicos para o consumidor final, a preço acessível. Entre eles, está o trabalhador rural José Boaventura, do Assentamento Ipanema, de Iperó. “Muita gente não consome produtos orgânicos porque é caro nas redes de supermercados e quitandas, mas a feira dá possibilidade dessa relação nossa com o consumidor final”, explica Boaventura que vende alface, limão e mandioca, entre outros produtos. De acordo com um dos articuladores do Garfos, Bruno Franques, além de popularizar o acesso a esses produtos, a feira, que acontece sempre aos sábados, das 8h às 13h, também tem um caráter educativo e de conscientização sobre a agricultura familiar. Periodicamente, junto com a fei-
ra acontecem eventos como troca de sementes e de saberes, além de shows com artistas de Sorocaba e região. Franques conta que o Garfos surgiu da necessidade de se buscar uma nova maneira de viver na cidade e se relacionar com o campo. FOGUINHO
Além dos visitantes usufruírem das áreas reservadas para lazer nos parques de Sorocaba e Votorantim, os movimentos sociais e culturais também ocupam esses espaços públicos para promoverem suas atividades e, com isso, estabelecer uma maior proximidade com a comunidade. Isso acontece, por exemplo, no Parque Natural “Chico Mendes”, que ocupa 145 mil m2 na avenida Três de Março, 1.025, no Alto da Boa Vista, em Sorocaba. Entre eucaliptos e trilhas, em meio à vegetação de Mata Atlântica, o Grupo de Articulação Regional da Feira Agroecológica de Sorocaba (Garfos) realiza desde o segundo semestre de 2013 a comercialização direta de produtos orgânicos. Agricultores da região vendem
José Boaventura é trabalhador rural de Iperó e comercializa produtos sem agrotóxicos diretamente ao frequentador do Parque Chico Mendes
MATHEUS CASAGRANDE
Coletivo O12, de arte contemporânea, transforma o Parque do Matão em uma referência do interior paulista em reserva cultural em Votorantim, oferecendo cursos, workshops, apresentações e outras atividades para artistas e público em geral
Em Votorantim, uma reserva cultural Artistas do Coletivo O¹² foram os responsáveis pelo revigoramento do Parque Ecológico do Matão em Votorantim. Formado pelos jovens Preta Ribeiro, 28, Tati Almeida, 24, Thiago Alixandre, 26, o Coletivo está sediado há sete anos no Matão, antigo zoológico da cidade e que foi reaberto à comunidade no dia 5 de junho de 2013, após ficar desativado por oito anos. Agora, o parque oferece um aspecto cultural “ressignificado” para a cidade, como uma
reserva cultural com o Parque da Autonomia, coordenado por Alixandre e patrocinado pela Votorantim Cimentos. “Para nós, é uma mega realização porque é um florescimento do projeto que implantamos aqui há sete anos. Oferecíamos cursos e workshops, entre outras atividades, mas esporadicamente. Agora, produzimos uma formação para a comunidade artística de Votorantim e região”, diz Alixandre.
Parques têm visitas monitoradas com agendamento Atividades voltadas para a educação ambiental são promovidas pela Secretaria do Meio Ambiente de Sorocaba. Representantes de escolas e grupos organizados podem agendar os horários diretamente nas unidades ambientais
Zoo
No Zoológico, crianças a partir de 9 anos serão guiadas por monitores para conhecer as espécies da fauna brasileira e têm ainda a oportunidade de visitar os setores de nutrição e veterinária do Zoo. O “Quinzinho de Barros” fica na Rua Teodoro Kaisel, 883, na Vila Hortência. A inscrição deve ser feita pelo e-mail agendamentozoo@sorocaba.sp.gov.br. Mais informações pelo telefone (15) 3227-5454 (ramal 5).
Jardim Botânico
As trilhas têm como objetivo sensibilizar o público para conservação das áreas verdes urbanas e naturais. O Jardim Botânico está localizado na Rua Miguel Montoro Lozano, 340, no Jardim Dois Corações. A inscrição deve ser feita pelo e-mail: jardimbotanico@sorocaba.sp.gov.br. O telefone: (15) 3227-9996.
Água Vermelha
Com o tema “Água”, o passeio explora conteúdos relacionados à conservação dos recursos hídricos, a importância das matas ciliares, uso consciente da água, entre outros assuntos. O “Água Vermelha” fica na Rua România, 150, no Jardim Europa. A inscrição é feita pelo telefone: (15) 3221-6643.
Biquinha
No Parque da Biquinha, crianças a partir de 5 anos recebem informações sobre consumo consciente, água, aves urbanas e cultura indígena. O Parque da Biquinha está localizado na Avenida Comendador Pereira Inácio, 1.112, no Jardim Emília. Os interessados devem se inscrever pelo telefone: (15) 3224-1997.
Chico Mendes
Os monitores do Parque “Chico Mendes” trabalharão o tema “Biodiversidade da Flora”. O Parque Natural fica na Avenida Três de Março, 1.025, no Alto da Boa Vista. A inscrição é feita pelo e-mail educachicomendes@gmail.com. O telefone da unidade é (15) 3228.1256.
Parque da Biodiversidade
No Parque da Biodiversidade as visitas monitoradas trabalham a sensibilização ambiental por meio de recursos lúdicos e do contato com a natureza. Escolas e grupos interessados devem se inscrever pelo e-mail parquebio@portalideas.org.br. O parque fica na Avenida Itavuvu, 11.500, próximo ao Parque Tecnológico de Sorocaba (PTS). Ponto de Fusão Nº3 - 2015 39
Comunicação
Outra mídia é possível Vem crescendo no Brasil a influência da chamada imprensa alternativa, composta por blogs de opinião e portais noticiosos que se contrapõem ao predomínio cultural das tradicionais corporações de comunicação Por Paulo Andrade
Enquanto a lei que regulamenta a comunicação social no Brasil continua defasada desde a época em que a internet e o telefone celular eram retratados em filmes como fantasias futuristas (a lei atual é de 1962), movimentos sociais, sindicatos e jornalistas independentes se esforçam para oferecer ao público novas opções de mídia, com conteúdo diferenciado em relação aos meios convencionais de opinião e informação. A missão assumida por essas mídias, chamadas de alternativas, é se contrapor ao predomínio cultural das bilionárias corporações familiares de comunicação que, no Brasil, detêm o privilégio, por herança, de serem donas de redes de TV aberta e por assinatura, jornais impressos, 40 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
cadeias de rádio, agências de notícias e portais na internet. Tudo ao mesmo tempo, na mesma área de abrangência. Esse acúmulo de meios de comunicação nas mãos de um único dono, denominado de propriedade cruzada, não existe em outros países democráticos do mundo, que há tempos estabeleceram limites para evitar que conglomerados de mídia constituam oligopólios de formação da mentalidade, dos gostos, do comportamento e da visão política e social da nação. A boa notícia é que o empenho dos pequenos vem dando certo. A audiência dos alternativos cresce, bem como cresce o número de iniciativas modestas que proporcionam pluralidade de informação e
repercussão dos fatos. Porém, jornalistas e diretores de mídia ouvidos pela Ponto de Fusão alertam para dois aspectos desse cenário. Primeiro, os movimentos sociais não podem se acomodar e abrir mão da batalha pela mudança na lei, pela aprovação de um marco regulatório que democratize as comunicações no Brasil. Segundo, só vão se manter no mercado os veículos que oferecem informação bem apurada e opinião bem embasada ao público. “Nesse movimento [das mídias alternativas], quanto mais meios de comunicação houver, melhor. Mas precisa ter qualidade, informação, conteúdo jornalístico”, afirma Paulo Henrique Amorim, do blog Conversa Afiada.
FOGUINHO
“Alcançamos um público muito maior na internet do que com o impresso, mas o papel ainda é relevante; as pessoas pegam o jornal no trem, na padaria”
Iniciativas sindicais
Uma das organizações sociais que mais tem investido em comunicação nos últimos anos é o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC). Sozinho ou em parceria com outras entidades, o sindicato coordena iniciativas em diversas plataformas de mídia, como jornais impressos, portais na internet, TV, rádio e aplicativos para smartphone. Para o diálogo com seu público direto, que são os trabalhadores no chão de fábrica, o SMABC mantém a histórica Tribuna Metalúrgica, que circula de terça a sexta-feira, tem tiragem de 40 mil exemplares e é distribuída nas fábricas. Ainda na comunicação impressa, o Sindicato é mantenedor do jornal ABCD Maior, que sai três vezes por semana, tem tiragem de 20 mil exemplares e traz notícias sobre economia, política, cultura, esportes e cotidiano. O ABCD Maior é distribuído gratuitamente em 256 locais públicos e estabelecimentos comerciais de São Bernardo do Campo e municípios vizinhos. O jornal é também um portal na internet com atualização diária de notícias sobre assuntos diversos de interesse social. O portal tem 20 mil acessos por dia de IP único. “Alcançamos um público muito maior na internet do que no impresso, mas o papel ainda é relevante porque as pessoas pegam o jornal a caminho do trabalho, no semáforo, no trem, na padaria. Além disso, nem todo mundo tem conexão regular com a internet”, explica Valter Sanches, secretário geral e diretor de comunicação do SMABC. “Hoje nós temos uma tiragem duas vezes maior do que o jornal mais tradicional da região [Diário do Grande ABC] e três vezes mais acessos na internet do que eles”, comemora.
VALTER SANCHES.
Secretário geral e diretor de comunicação do SMABC
“A comunicação do ABC tem o mérito de cobrir todos os assuntos possíveis sem esconder que tem lado, que é o lado da classe trabalhadora” TIAGO NASCIMENTO.
Vice-presidente e diretor de comunicação do SMetal
Cobertura regional
O ABCD Maior concorre com os veículos comerciais da região inclusive no campo da publicidade, embora os anúncios ainda não cubram todas as despesas, que são custeadas em grande parte pelo sindicato. Para Sanches, o maior atrativo do ABCD é a cobertura regionalizada da reportagem, sem deixar de dedicar espaço a notícias nacionais e internacionais. “Um exemplo: nós dávamos ampla cobertura para um time de Diadema chamado Água Branca quando ainda ele ainda estava na várzea. Os outros jornais no máximo soltavam notinhas esporádicas. Em poucos anos, o Água Branca subiu de forma meteórica e agora está na série A do campeonato paulista. O público reconhece esse compromisso com os assuntos locais”.
A cobertura política e social do ABCD também busca fazer a diferença. Ela apresenta uma visão classista dos fatos, tratando as notícias de acordo com a pauta social e econômica da classe trabalhadora, além de destacar as iniciativas populares da comunidade. “Para nós, o evento cultural, o sarau organizado na periferia por algum movimento social é pauta “, exemplifica Sanches. Na opinião de Tiago Almeida do Nascimento, vice-presidente e diretor de comunicação do SMetal Sorocaba, “a comunicação do ABC tem o mérito de cobrir todos os assuntos possíveis, mas sem esconder que tem lado, que é o lado da classe trabalhadora, da democracia popular. Não é o lado do neoliberalismo, da elite patronal e do mercado financeiro, que veículos convencionais representam de forma dissimulada”. Ponto de Fusão Nº3 - 2015 41
Comunicação
Rede Brasil Atual
Para noticiar fatos nacionais e estaduais, o SMABC conta com a Revista do Brasil, na qual Sanches também é diretor. Trata-se de uma publicação mensal de 300 mil exemplares criada em 2007 por 36 sindicatos e associações ligados à CUT, incluindo o SMetal Sorocaba. A revista é distribuída pelas entidades que apoiam o empreendimento em diversas regiões do país. Da redação da Revista do Brasil saíram dois outros produtos de comunicação: a Rede Brasil Atual (RBA), na internet; e a emissora de rádio Brasil Atual. Todos com forte apoio do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Em poucos anos, a RBA se tornou uma agência alternativa de notícias, que tem seu conteúdo utilizado gratuitamente por movimentos sociais e sindicais. O portal conta com 500 mil acessos por mês de IP único. A rádio tem programação 24 horas por dia, mesclando música e jornalismo, nas emissoras de São Bernardo, Mogi das Cruzes e São Vicente, além de link na internet.
Em 2009, após mais de 20 anos de trâmite no governo, o SMABC conquistou a outorga da primeira TV aberta de um movimento sindical ou social no Brasil: a TV dos Trabalhadores (TVT). Inaugurada na versão analógica em 2010, a TVT transmitia somente para Mogi das Cruzes e parte de São Bernardo do Campo. O acesso mais amplo era somente via internet. No ano passado a emissora inaugurou uma antena na Avenida Paulista, na mesma torre que a TV Aparecida, e passou a cobrir toda a Grande São Paulo com sinal digital. A TVT tem seis horas diárias de conteúdo próprio e o restante da grade é preenchido com programação da TV Brasil. A emissora dos trabalhadores hoje tem programas exibidos em 16 TVs comunitárias no país e está firmando parcerias para instalar pequenas sucursais em seis capitais até o final deste ano. Essa rede de comunicação da qual o sindicato participa também se tornou um empregador significativo na área de imprensa, com 150 profissionais trabalhando nos impressos, rádios, TV e internet.
FOGUINHO
TVT transmite em sinal digital na Grande SP e exibe programas em 16 TVs comunitárias
42 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
Informação precede a opinião Sem desmerecer a importância dos blogs de opinião, Valter Sanches destaca que a rede de comunicação do SMABC prioriza a oferta de informação para o público. “Temos blogs de opinião dentro da Rede Brasil Atual, mas damos especial atenção à cobertura jornalística. Primeiro a gente informa. Depois opina”, explica. O jornalista Paulo Henrique Amorim concorda. “Opinião todo mundo tem. É preciso oferecer informação, reportagem, conteúdo”. Para ele, é preciso batalhar para ter qualidade nas mídias mais modestas, que concorrem com grandes estruturas de comunicação tradicional. Sanches gostaria que o número de meios alternativos de informação de amplo alcance crescesse tanto quanto o volume de páginas de opinião vêm crescendo. No campo da esquerda, segundo ele, além da Rede Brasil Atual, existem ainda poucas opções de reportagem. Uma delas é o portal Fórum. O portal Fórum de notícias é derivado da revista impressa Fórum, que circulou entre 2001 e 2014. A revista mensal foi inspirada no Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre (RS) no início de 2001, tinha tiragem de 20 a 25 mil exemplares e era vendida em bancas. Desde 2014 a Fórum existe somente na versão digital. O dirigente cita ainda a revista e o site Carta Capital que, de acordo com ele, não pode ser classificado como “de esquerda”, mas também oferece notícias com enfoque independente em relação às mídias dominantes, de direita, no Brasil.
FOGUINHO
Novas tecnologias ampliam alcance Para aumentar o alcance dos seus veículos de comunicação, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC tem investido na criação de aplicativos próprios para celular e inserção de conteúdo em broadcasts existentes. Já estão disponíveis na internet, por exemplo, aplicativos de acesso à página de notícias do Sindicato, do ABCD Maior, da Rádio Brasil Atual e da TVT para smartphones. O próximo passo, segundo Valter Sanches, é instalar aplicativos em smartTVs. “Estamos negociando com os cinco maiores fabricantes de TV para que elas saíam de fábrica com nossos aplicativos de comunicação instalados”, conta. Sugestões aos leitores Rede Brasil Atual www.redebrasilatual.com.br TVT www.tvt.org.br ABCD Maior www.abcdmaior.com.br Portal Fórum www.revistaforum.com.br Carta Capital www.cartacapital.com.br Barão de Itararé www.baraodeitarare.org.br Carta Maior www.cartamaior.com.br Mídia Ninja ninja.oximity.com Observatório da Imprensa observatoriodaimprensa.com.br Conversa Afiada/Paulo H. Amorim www.conversaafiada.com.br Viomundo/Luiz Carlos Azenha www.viomundo.com.br Luís Nassif www.jornalggn.com.br/luisnassif Blog do Miro altamiroborges.blogspot.com.br
A rádio comunitária Cultural FM, no Laranjeiras, é uma das pioneiras na cidade
Sorocaba também quer mais opções A linguagem digital veio para mudar o mundo que conhecemos. A mídia alternativa soube aproveitar as novas tecnologias para chegar a um público jovem e sedento por um jornalismo mais interativo, inclusive em Sorocaba. A Universidade Federal de São Carlos em Sorocaba (UFSCar/Sorocaba) é um dos locais de produção de conhecimento a respeito de comunicação. A professora Teresa Melo é uma pesquisadora do assunto e reflete sobre as mudanças: “acredito que o maior impacto na vida cotidiana das pessoas seja a possibilidade de produzir conteúdos, seja de que ordem forem”. Mas as mudanças esbarram na exclusão digital dos mais pobres. Ela é demonstrada quando Melo expõe os dados da Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, do Governo Federal. Praticamente todos entrevistados têm TV, mas só a metade acessa internet: “as pessoas com ensino superior são 72% daqueles que acessam a internet todos os dias, com uma média diária de 5h41. As pessoas com até a quarta série, que são 5%, acessam em média 3h22”.
Por Maurício Sérgio Dias
Outro exemplo é do mestrando Ari Leme Pinheiro Junior, que trabalha com registro in loco de manifestações de rua em seu projeto. Para ele, o “participante da mídia alternativa, o midiativista, tenta mostrar a realidade sem o filtro da indústria de massificação; um jornalismo feito de maneira mais ideológica do que comercial”. A rádio comunitária Cultural FM, instalada no terreno da Igreja Cristo Rei, no Parque das Laranjeiras, é um dos mais antigos meios alternativos em atividade no município. Ela existe desde o início dos anos 90 e é ligada à Associação Comunitária Cultural (Asconc). Entre os programas de destaque atualmente está o “Viva Legal Cidadão”, trasmitido todos os sábados das 10h às 12h. Há três anos no ar, é um programa de debates e prestação de serviços, com espaços para informações sobre concursos, notícias da política local e fatos relacionados à zona norte de Sorocaba. “É um canal que a gente abriu para que população se manifestasse. Uma voz popular”, explica Roberto Escaramez, idealizador do programa. Ponto de Fusão Nº3 - 2015 43
FOGUINHO
Entrevista
Paulo Henrique Amorim ‘A Veja é um detrito sólido de maré baixa’ Por Paulo Andrade
Paulo Henrique Amorim atendeu à reportagem da Ponto de Fusão dia 15 de maio, na redação do seu blog, Conversa Afiada, na Barra Funda, em São Paulo, para falar sobre as possibilidades de democratização da mídia no Brasil. Descrente em uma mudança na legislação, o jornalista
44 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
defende a imprensa alternativa como opção informativa e cultural aos grandes conglomerados de mídia. Além de blogueiro, Paulo é apresentador do programa Domingo Espetacular, na TV Record. Ex-funcionário da Veja e da Rede Globo, o jornalista não poupa críti-
cas aos antigos patrões. “O PIG [Partido da Imprensa Golpista] não esconde mais sua parcialidade. É um militante dos interesses da Casa Grande”. Leia a seguir trechos da entrevista, que pode ser conferida na íntegra em www.smetal.org.br/entrevistas
Revista Ponto de Fusão
Na sua opinião, qual o caminho para o Brasil ter uma mídia mais democrática, no sentido de haver mais pluralidade, mais opções de veículos de comunicação para o brasileiro poder escolher? Paulo Henrique Amorim – O caminho é muito simples. Ou a presidenta Dilma manda pro Congresso um projeto de lei ou um deputado do PT ou da base aliada apresenta um projeto de lei. E aí deixa o Congresso se estraçalhar, se engalfinhar. A bancada da Globo torpedeia. A bancada do PT teoricamente luta pela democratização dos meios de comunicação...mas tenho dúvidas sobre se a bancada do PT agirá assim. A bancada do PCdoB eu tenho certeza que fará, porque o PCdoB já entrou com uma moção pra fazer isso. Outra maneira de apressar tudo isso é o governo incorporar um trabalho belíssimo da FNDC, a Frente Nacional de Democratização da Comunicação, que fez um projeto de lei quase perfeito e que poderia ser o ponto de partida de um projeto de iniciativa governamental.
O Brasil é o único país dito civilizado e democrático que não tem um marco regulatório da comunicação
RPF - O que justifica a necessidade de mudança na Lei de Comunicação? PHA - O Brasil é o único país dito civilizado e democrático que não tem um marco regulatório da comunicação. Porque o marco regulatório existe nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, na Itália e acabou de ser refeito e aperfeiçoado na Inglaterra por causa das bandidagens dos jornalistas do grupo do Murdoch [Rupert Murdoch, magnata da comunicação]. Aqui não. Nós não copiamos a Argentina, não copiamos o Uruguai, não copiamos o Chile, não copiamos o México...[que inibem oligopólios de mídia] porque nós somos “melhores”. Na legislação americana, que é o país mais capitalista do mundo, existe a proibição à propriedade cruzada. No mesmo mercado você não pode ser dono de uma rede de televisão e um jornal, uma rede de televisão e uma revista. Nos Estados Unidos você não pode ter mais do que 30% da audiência em um determinado mercado. Aqui vale a lei da selva. A lei que regula a radiodifusão no Brasil é de 1962. Foi sancionada pelo grande presidente João Goulart. No Brasil a televisão era preto e branco, não tinha internet e tinha mais televizinho do que televisor [Era chamado de televizinho o costume da vizinhança se reunir na casa do morador mais abastado para assistir à TV]. RPF – Mesmo com essas dificuldades, há chances de um projeto de democratização da mídia ser aprovado? PHA – Nenhuma chance, porque o Congresso não tomará a iniciativa, sobretudo a Câmara, nas mãos desse “grande brasileiro” que é o Eduardo Cunha, que deve ter no momento uma preocupação muito importante, que é saber se a tornozeleira eletrônica combina com as gravatas Hermés
que ele usa, porque tem que haver uma combinação, ele é um homem muito elegante [irônico]. Então, sob a iniciativa do Eduardo Cunha não haverá provavelmente na Câmara essa discussão. E também não vejo interesse da parte do PT. Porque o que eu vejo no PT é que eles adoram o PIG (Partido da Imprensa Golpista).... RPF – Mas o PT critica o PIG... PHA - Embora critiquem o PIG, eles adoram. Porque o PT é majoritariamente paulista, e aí eles levam o PIG a sério. O paulista leva o PIG a sério. Eu, como sou carioca, morro de rir do Estadão, da Folha, da Veja, onde eu já trabalhei. Eu aprendi o jornalismo no Rio de janeiro, e lá ninguém levava a Folha a sério, ninguém levava o Estadão a sério. Eu trabalhei na Veja no tempo do Mino Carta [criador e diretor de redação de algumas das principais revistas brasileiras desde a década de 60]. Mas hoje a Veja é uma contrafação. A Veja, eu digo no meu site, é um detrito sólido de maré baixa. O ministro Berzoini [Ricardo Berzoini, das Comunicações], que é uma pessoa dotada dos mais nobres sentimentos, um homem de bem, ele foi “bernardizado” [em alusão ao seu antecessor, Paulo Bernardo, criticado por não se empenhar na democratização da mídia]. Ele diz que vai discutir a questão da liberdade de expressão e de um marco regulatório. Aí eu pergunto: discutir o que ministro? O que falta discutir? Nós estamos com uma legislação de 1962, o senhor quer discutir o quê? Ou seja, eles não querem. A chance é a Globo ser “googlada”. RPF – O que isso significa? PHA – Significa o seguinte: a Globo vai morrer gorda. Ela vai acabar com uma audiência muito boa, porque Ponto de Fusão Nº3 - 2015 45
Entrevista
ela vai conseguir preservar o status quo. Mas hoje, o segundo maior beneficiário das verbas publicitárias é o Google. Não é a Record, não é o Sílvio Santos, é o Google. O Google está comendo a Globo pela borda. O Netflix vai tomar a audiência da Globo. Já tá tomando a audiência nos Estados Unidos. Então, é um trabalho que a tecnologia vai fazer por si própria. RPF – Nós temos uma profusão de mídias alternativas, de veículos de comunicação mais modestos, que estão disputando espaço com as grandes redes. Como fazer para essas mídias conquistarem mais o público, aumentarem sua audiência? PHA –Eu trabalho no blog Conversa Afiada e a gente rebola pra atrair o interesse do público, do amigo navegante, pra transformar em dinheiro essa audiência, que é muito boa. Mas é uma batalha, a gente tem que fazer um esforço cada vez maior e oferecer
um produto de boa qualidade para o internauta vir nos visitar. Assim nós temos também o Azenha, o Rodrigo Viana, o Nassif [blogueiros]; nós temos a Carta Capital, que faz um trabalho muito competente na internet, nós temos o Miro Borges, temos a turma do Barão de Itararé, que é um instituto de mídia alternativa que reúne os chamados blogueiros sujos, qualificação que nos foi dada, para nosso orgulho, pelo José Serra, por quem temos uma admiração e um respeito infinitos [risos]. Mas é da natureza desse produto que você só tenha uma ideia de fato dessa massa visitando muitos, porque nenhum deles tem a audiência de uma TV aberta. Por mais que a gente repercuta, é claro que o Jornal Nacional tem uma força muito grande. Decadente, porém. O conjunto de blogs é que, somados, vai dar uma massa significativa, que se chama de cauda longa, de audiências relativamente baixas, mas que somadas dão um bicho grande. Então, isso com o tempo vai ser mais significativo do que é hoje.
RPF- Além da internet, esse movimento de mídias alternativas consegue se estender para o jornalismo impresso, para a TV? PHA - Sim. Eu acho que, nesse movimento, quanto mais meios de comunicação houver mais gente será mobilizada, mais gente será sensibilizada. O Brasil é determinado, é focado, ele é condicionado pela visão parcial, limitada e deliberadamente discricionária da elite jornalística de São Paulo. O Brasil vê o Brasil pelo olhar da Folha, do Estadão, da Veja e da Globo. Os padrões de aferição de audiência e qualidade são todo eles feitos em 2.100 lares que o Ibope mede em São Paulo. E ninguém fica sabendo o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, no Mato Grosso, em Tocantins. E isso é culpa do governo também, que só fala sobre economia. O governo precisa do aval da Globo e das agências de risco [que avaliam o desempenho econômico dos países]
‘Eu gosto é de greve’ Em resposta a uma das perguntas da Ponto de Fusão, Paulo Henrique Amorim ressaltou o papel do movimento sindical na transformação da sociedade. De acordo com ele, manifestações de “coxinhas” não muda o país e, quando muda, é para pior. Agora, as pautas sindicais, seguidas de greve, por serem objetivas e dirigidas aos trabalhadores, são positivas. RPF- Como você avalia o fato de haver grupos pedindo a volta da ditadura, do militarismo, no meio de manifestações de rua, que só são possíveis porque estamos numa democracia? PHA- [Por isso] Eu não gosto de manifestação. Eu gosto de greve. Porque aí o cara vai lá pedir aumento [de salários], que nem na Volkswagem, suspenderam as 46 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
demissões. Fechar a via Anchieta e dizer assim: quero meu salário, quero meu emprego! Isso eu gosto. Agora, ir lá pra Avenida Paulista, pra ficar comendo coxinha e tomando champanhe no camarote do Oliva [Vitor, empresário brasileiro], Isso não me interessa, isso não muda nada. Vão lá pra fazer barulho. Como diz o Mino Carta, vão lá por que é engraçado, pela
farra. E pra falar mal do governo. Claro que eles querem os militares. No fundo, o substrato disso é acabar com a democracia, acabar com a manifestação do povo, com a soberania do povo. Eles querem um regime militar ou então um regime de economista de banco, como era no regime do Fernando Henrique [Cardoso], que era governado pelos bancos, que tinha a ideologia dos bancos.
FOGUINHO
pra governar. E a Globo é nada mais que o trombone, o auto falante das agências de risco, do FMI, que em última instância são os trombones dos bancos. E o governo fica se explicando pra eles! RPF - Essas informações limitadas sobre o Brasil fora de São Paulo geraram aquelas manifestações pós eleições, com traços de xenofobia e discriminação? PHA - Não, aquilo ali tem uma química diferente. Aquilo ninguém sabe direito o que é. Mas pode ser pelo sentimento dos coxinhas. Principalmente de São Paulo, de Higienópolis, subindo esse viaduto aqui perto. Eles estão indignados. Primeiro porque São Paulo está perdendo participação no conjunto da economia brasileira. O PIB de São Paulo tem uma participação cada vez menor no PIB do Brasil, porque o Brasil está crescendo fora de São Paulo. E o Brasil melhora fora de São Paulo. Uma boa parte dessa crise, desse ambiente de mau humor, de ressentimento, dessa biles que contamina a opinião pública brasileira tem origem em São Paulo. Aí essa classe mediazinha coxinha, que bate panela, vai pra rua. Deixe ir pra rua, nunca vi manifestação derrubar governo. Teve manifestação em Hong Kong e o governo não caiu. Teve a manifestação de maio de 1968, entrou um governo de direita na França. Manifestação bota a direita no poder. Manifestação contra o Obama elegeu o Congresso mais reacionário da história dos Estados Unidos. E manifestação no Brasil elegeu o Congresso mais reacionário
O Google está comendo a Globo pela borda. O Netflix vai tomar a audiência da Globo da história do país. Portanto, não muda nada, se muda é para pior. Eles vão ficar batendo panela e a Dilma governando. Agora, o problema é que ninguém sabe o que a Dilma faz, é um governo trancado em casa, de costas para o país. RPF- Já declararam a morte do jornalismo impresso várias vezes. Agora estão falando sobre isso de novo. Você acha que o impresso tem futuro? PHA - Tem para o jornalismo de nicho. O modelo de negócios do jornalismo impresso foi pro saco, não tem futuro. Tem futuro o jornalismo de nicho, que é a revista dirigida aos metalúrgicos de Sorocaba, é a “The Economist” na Inglaterra, é a Carta Capital no Brasil. A Carta Capital que é dirigida ao nicho de pessoas de alto padrão intelectual e que pensam contra o PIG. Mas depende muito da qualidade.
RPF- Como se conquista essa qualidade? PHA- Qualidade você conquista com o trabalho, com estudo, com leitura e, sobretudo, no que diz respeito ao jornalismo, você conquista com reportagem, apurando, se informando, telefonando, indo pros lugares, pegando depoimentos. Mas não adianta você só dar opinião, porque todo mundo tem opinião. Você precisa ter informação, você precisa ter conteúdo. Precisa ter músculo. RPF - O chamado PIG vende a imagem de imparcialidade jornalística... PHA - Não vende mais. A grande imprensa, o PIG, prega para os convertidos. Para tentar preservar o seu modelo de negócio eles tentam segurar os leitores fiéis, que são os coxinhas, a direita. O Estadão e a Folha ficam disputando, um pega numa ponta e o outro pega na outra ponta da coxa. Evidentemente que os dois estão quebrados. Vamos falar sério, eles não tem mais a pretensão da imparcialidade, eles são militantemente defensores dos interesses da Casa Grande [residência dos coronéis, donos de escravos].
SERVIÇO Leia a entrevista na íntegra em www.smetal.org.br/entrevistas Ponto de Fusão Nº3 - 2015 47
Em cena
Lançamentos, agenda e dicas culturais
NOVO João Leopoldo
O álbum “Novo”, do músico sorocabano João Leopoldo, foi lançado em maio de 2015 e possui 11 faixas autorais. O pianista tem seu trabalho identificado como “surrealismo sonoro”, concepção influenciada pela vanguarda paulistana. Suas composições são todas tocadas ao piano solo e algumas interpretadas pela artista paulistana Cida Moreira. O Quarteto Sorocaba de cordas, sob regência do músico Bruno Cavalcante, participa de algumas canções. O trabalho independente teve a parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, via LINC e apoio do SMetal. A produção é assinada por Maurício Nogueira. O CD pode ser encontrado em www.soundcloud.com/joaoleopoldo
Marcia Mah em Portugal
Festival Febre De 24 a 26 de julho acontece a Conferência de Música de Sorocaba. Trata-se do Festival Febre. A programação completa pode ser encontrada no site www.festivalfebre.com.br. Já foram confirmadas participações do ex-baterista do O Rappa, Marcelo Yuka; do rapper Sombra; do grupo SNJ; Pedra Branca; Boogarins, que já tocou no Lollapalloza; e da banda sorocabana Wry. O Sesc, a Secretaria de Cultura de Sorocaba, o Asteroid e várias outras entidades estão envolvidas na organização do evento.
10° Rock dos Metalúrgicos Já tem data marcada a 10ª edição do Rock dos Metalúrgicos. Será no dia 30 de agosto. O evento é realizado todos os anos em celebração ao Dia Mundial do Rock, comemorado em 13 de julho. Este ano, os shows estão programados para acontecer no Parque das Águas em Sorocaba com a participação de bandas com pelo menos um integrante metalúrgico. A programação tem início às 13h30. Já estão confirmadas as bandas Black Shadow, Downed, Kataros, Inteligência Acidental e Efeito iMoral. A entrada do evento é gratuita e aberta ao público.
O CD/DVD “Lá,lá,iá – um canto plural brasileiro” da cantora Marcia Mah, lançado em 2011, com o apoio do SMetal, recebeu convite da Produtora Europeia MIMS para realizar quatro shows na cidade de Lisboa em outubro deste ano. “Uma alegria”, segundo a cantora, pois este é seu primeiro disco autoral e foi selecionado pelo Departamento de Artista & Repertório da Music In My Soul (MIMS) por ser identificado como um grande potencial em termos artísticos e comerciais. Os músicos que a acompanham são Zé Marcos (bacharel em violão), Luiz Anthoni (multi-instrumentista), Rodrigo Moura (professor de Percussão de Tatuí) e o violeiro e fotógrafo Álvaro Mestre. 48 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
Paulo Betti volta em agosto O ator Paulo Betti deve voltar a Sorocaba em agosto com seu monólogo “Autobiografia Autorizada”, que em maio e junho lotou os teatros do Sesc e o Municipal. Desta vez as apresentações serão no teatro do Sesi, dias 1 e 2 de agosto. Ainda não há informações sobre horários ou preços dos ingressos. O espetáculo, já apresentado com sucesso em várias cidades do país, comemora os 40 anos de carreira do ator e resgata sua trajetória de vida. A infância e juventude de Paulo em Sorocaba é um dos destaques.
Imagem: Final de tarde no Morro Araçoiaba, monumento à Varnhagen - Foto: Foguinho
Crônica
Vamos cozinhar?
Zé Bocca é ator, contador de histórias, produtor cultural e adora cozinhar. 50 Nº3 - 2015 Ponto de Fusão
Um fator que nos difere, homens, dos outros animais, é que somos o único animal que cozinha. A história da cozinha se mistura com a história da humanidade, moldando relações culturais e sociais ao longo dos tempos. A partir do momento que o homem domina o fogo e utiliza como instrumento de transformação dos alimentos, sua condição de líder na cadeia alimentar se efetiva. Com o cozimento, se gasta menos tempo na digestão, ocupando-se de outros afazeres, muitos responsáveis diretos pela evolução da espécie. À medida que evoluímos nosso modo de cozinhar também evoluiu. Ou, talvez, à medida que nossos modos de cozinhar evoluíram, nossa evolução foi facilitada. Passamos de comida assadas diretamente no fogo, geralmente carnes de caças, a cozinhar em panelas, até a fabricação de pães e outras iguarias, dominando variadas técnicas de processamento de alimentos. Com o passar dos anos e a formação de nossas estruturas sociais, a alimentação tem cada vez mais lugar de destaque e importância entre nós. Historicamente os papéis foram se estabelecendo: cabendo ao homem prover os alimentos e a mulher preparar as refeições. Temos a lembrança de nossas mães e avós à beira de um fogão preparando o que a família comeria. Mas, a partir de meados do século XX, o mercado passou a incorporar a mão de obra feminina. A mulher que ficava em casa e se ocupava dos afazeres domésticos, passa a sair de casa e também ser provedora. Assim, a indústria de alimentos vê uma oportunidade de oferecer refeições prontas para o consumo. A mulher já não tinha todo tempo disponível para preparar as refeições. Passamos da era dos alimentos embalados para a das refeições embaladas. Desde então observamos cada vez mais as grandes empresas de alimentos ditando nossos hábitos alimentares, nos ofertando comidas que nem sempre trazem benefícios à nossa saúde. Atualmente, falamos muito de culinária. Elevamos os cozinheiros, que viram “Chefs”, a condição de pop star, vemos na TV inúmeros programas do gênero, deparamos nas livrarias com centenas de títulos dedicados ao assunto. Mas, e cozinhar? Estamos cozinhando cada vez menos, e
Por Zé Bocca Ilustração: Julio Freire
por cozinhar não podemos entender tirar uma refeição da embalagem e requentar no micro-ondas. Ou tirar de um saco plástico um macarrão, acompanhado de um molho de tomates de dentro de uma caixa. Como em todo sistema capitalista que nos rege, a produção de alimentos está na mão de poucos grupos empresariais, que ditam o que comer. Sabemos que estão muito mais preocupados com o lucro, cerne do capitalismo, do que com a saúde dos consumidores. Ao longo da história temos exemplos. O consumo de pão de farinha branca, em detrimento ao pão feito com farinha integral, passa a ser incentivado e disseminado justamente no período da revolução industrial. Com o a farinha branca, retirando a maioria dos seus nutrientes, o trabalhador tinha uma digestão mais lenta, indo menos ao banheiro durante sua jornada, assim, abandonando menos vezes seu trabalho. Recentemente, aqui no Brasil, pudemos observar o poder dos tentáculos das indústrias de alimentos. A Câmara dos Deputados aprovou o PL 4148/2008, que prevê a não obrigatoriedade da rotulagem de alimentos com ingredientes transgênicos. Por isso hoje, cozinhar, passa a ser um ato de resistência política. Escolher o que vamos ingerir em nossas refeições é enfrentar esse sistema predador desenfreado que nos consome. Precisamos voltar às cozinhas e encarar como reforço de nossos laços históricos e culturais. Evidente que hoje essa tarefa não pode ser exclusiva da mulher, pois ela também é trabalhadora e muitas se ocupam de inúmeras tarefas, além de suas jornadas de trabalho. Vamos todos cozinhar, homens, mulheres, pais, filhos, companheiros e companheiras. Aliás, a origem da palavra companheiro, está em pão. Companheiro quer dizer aquele com quem dividimos o pão. Não vamos permitir que as “Monsantos” da vida nos enfiem goela abaixo tudo que desejam, podemos enfrentá-las. A beira de nossos fogões, dentro de nossas panelas, usando produtos de boas procedências, com produtos orgânicos produzidos por movimentos de resistência, como o MST e outros trabalhadores agrícolas. Experimente, chame sua família, cozinhem e comam juntos, será uma sensação incrível!