SAÚDE
Balanço mostra promessas não cumpridas por Pannunzio TRABALHO, COMUNIDADE E CIDADANIA - SOROCABA - Nº 5 - Trimestral - ABRIL DE 2016
ECONOMIA
Para os bancos não existe crise
ESPORTE
São Bento brilha na Série A1
O projeto da direita para o trabalhador brasileiro
Enquanto a atenção midiática está voltada para a crise política institucional, uma pauta conservadora, que exclui direitos dos trabalhadores, tramita sorrateiramente no Congresso Nacional por pressão da classe dominante ligada ao poder econômico
EDITORIAL EXPEDIENTE Uma publicação do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região Editor: Paulo Rogério Leite de Andrade Redação e reportagem: Daniela Gaspari Fernanda Ikedo Paulo Rogério Leite de Andrade Fotografia: José Gonçalves Filho (Foguinho) Projeto gráfico e editoração: Cássio de Abreu Freire Lucas Delgado Assistente de redação: Gabrielli Duarte Vagner Santos Endereço: Rua Júlio Hanser, 140 Bairro Lageado – Sorocaba/SP CEP 18030-320. Tel. (15) 3334-5400 Impressão: Bangraf Tiragem: 50 mil exemplares Distribuição gratuita www.smetal.org.br Diretoria Executiva Presidente Ademilson Terto da Silva Vice-presidente Tiago Almeida do Nascimento Secretário-geral Leandro Cândido Soares Secretário de Adm. e Finanças Alex Sandro Fogaça Secretário de Organização João de Moraes Farani Diretor-executivo Silvio Luiz Ferreira da Silva Diretor-executivo Joel Américo de Oliveira
Patulê
Que venham os bons ventos!
O Brasil precisa de pautas propositivas para sair da crise atual, que é estrutural, mas com grave acirramento político. A sociedade não pode mais adiar a reivindicação por uma reforma política que mude a atual estrutura de poder. Enquanto a polarização política emperra o desenvolvimento econômico do país, as bancadas conservadoras do Congresso Nacional correm para colocar em votação projetos de interesse do poder financeiro internacional, como a proposta que pretende entregar o pré-sal brasileiro às multinacionais. Essa é nossa reportagem de capa, que também inclui as ameaças aos direitos trabalhistas. Em sua quinta edição, a Revista Ponto de Fusão também traz uma reportagem que explica por que, mesmo com a crise sentida no bolso de cada trabalhador, os bancos estão faturando acima da média de suas séries históricas. Os movimentos, como o sindical, também oferecem alternativas para uma recuperação da economia. Entre elas, a renovação de frota, que pode tirar de circulação mais de três milhões de automóveis com mais de 30 anos de existência e gerar mais empregos em toda a cadeia produtiva. Para tratar dos desafios da sociedade no cenário atual, a entrevista desta edição é com o economista e membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile. No âmbito municipal, estamos de olho nas promessas de campanha da área da saúde. O povo precisa de atendimento digno e de estrutura para ser bem tratado em todas as unidades de saúde. Confira também um olhar sobre a movimentação de uma avenida no bairro Paineiras, na zona norte de Sorocaba, e também sobre como você pode, no dia a dia, reaproveitar os alimentos que geralmente vão parar na lata de lixo. Em tempos de crise, é preciso separar o joio do trigo, questionar os interesses que movem os personagens a lutarem por um ideal. Nós, do SMetal e CUT, lutamos contra o golpe, porque não aceitamos o projeto neoliberal, de redução de direitos trabalhistas. Somos a favor, sim, da reforma política e da reforma dos meios de comunicação. Informe-se, questione e ajude a construir uma sociedade mais justa e livre de opressão. Boa leitura! Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região Ponto de Fusão Nº5 - 2016
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Índice
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Golpistas revelam seu projeto para o Brasil Com o processo de impeachment, pautas conservadoras vão à votação no Congresso Nacional e colocam em risco os direitos dos trabalhadores
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Entrevista: João Pedro Stédile Entre os temas abordados pelo fundador do MST está a questão da alimentação saudável, sem agrotóxicos
3 Patulê
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São Bento brilha na elite do futebol O time sorocabano ficou entre os oito melhores do Campeonato Paulista. A ótima campanha motivou a torcida do Azulão
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Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
Editorial: Que venham os bons ventos!
6 Drops
Sindicalismo, política, trabalho e cidadania
12 Desperdício A casca fica
24 Comunidade Ainda há vida nos bairros
Renovação da frota gera emprego e segurança CUT, Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e Anfavea estão entre as entidades que aguardam incentivo do governo federal para rejuvenescer a frota de automóveis e caminhões
A origem do lucro dos bancos Mesmo com a crise econômica, o lucro dos bancos só aumenta. Entenda o que está por trás desses rendimentos
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35 Vilas operárias
A história em tijolos
48 Em cena Lançamentos, agenda e dicas
49 Uma
imagem
A cinza cidade de todos
50 Crônica Passou
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Promessas abandonadas na saúde sorocabana
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Hospital das Clínicas e horário estendido das UBSs. Nada disso foi feito pelo governo municipal Ponto de Fusão Nº5 - 2016
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Drops Terto assume Comissão de Emprego de São Paulo
Com o objetivo de aumentar a produtividade das pequenas e médias empresas do setor industrial, o Governo Federal lançou, dia 6 de abril, o programa Brasil Mais Produtivo. A ideia é prestar serviços de consultoria, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), visando à melhoria de pelo menos 20% nos processos produtivos dessas empresas. A estimativa é que três mil fábricas sejam atendidas até o final de 2017. Podem participar do programa indústrias manufatureiras de pequeno e médio porte, que tenham entre 11 e 200 empregados e, preferencialmente, estejam inseridas em Arranjos Produtivos Locais (APLs). O orçamento do programa é de R$ 50 milhões, sendo R$ 25 milhões aplicados pelo Ministério do Desenvolvimento e a outra metade pelo Senai. Mais informações em www.brasilmaisprodutivo.gov.br
Dia 2 de março de 2016, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), Ademilson Terto da Silva, assumiu a presidência da Comissão Municipal de Emprego (CME) de São Paulo. Terto, que também é Secretário de Relações do Trabalho da CUT/SP, é o primeiro representante da entidade designado para o cargo. Durante mandato de um ano, o sindicalista irá defender dentro do Conselho algumas pautas trabalhistas, como: trabalho decente, economia solidária, direitos de imigrantes e a retomada do trabalhador no mercado. O CME é formado por representantes de centrais sindicais (CUT, Força Sindical, UGT e CGTB), entidade patronais (Fiesp, Fecomércio, Associação Comercial de São Paulo e PNBE) e o poder público municipal. Foguinho / SMetal
Brasil Mais Produtivo deve ampliar a produção industrial
Estudantes na RMS têm direito ao passe livre em linhas intermunicipais
Cartórios eleitorais funcionam até 4 de maio Dia 4 de maio, quarta-feira, é a data-limite para o eleitor requerer emissão do título eleitoral ou transferência de domicílio ou cidade. O prazo vale também para quem precisa regularizar a situação com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou solicitar transferência para seção eleitoral especial, em casos de eleitores com deficiência ou mobilidade reduzida. Em ano eleitoral, os cartórios fecham durante os 151 dias que antecedem as eleições e são reabertos no início de novembro, após o segundo turno, se houver. Foguinho / SMetal
Moradores de cidades da Região Metropolitana de Sorocaba (RMS), que estudam em outros municípios e possuem renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio (R$1.320), já podem solicitar o passe livre estudantil, para utilizar gratuitamente as linhas intermunicipais da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU). A Carteira Passe Livre passou a valer em 1º de fevereiro e pode ser solicitada até dia 31 de outubro. O estudante interessado deve procurar a instituição de ensino onde está matriculado para fazer o cadastro. O processo é feito por meio do portal da EMTU-SP. Mais informações em www.emtu.sp.gov.br
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Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
Em defesa da democracia e contra a tentativa de golpe jurídico-midiático ao governo de Dilma Rousseff (PT), movimentos progressistas intensificaram em 2016 as manifestações pelo país. Desde que foi criada, em setembro de 2015, a Frente Brasil Popular vem buscando unidade política para enfrentar a crise e os principais problemas da população. Dia 18 de março, cerca de 1,35 milhão de pessoas se manifestaram em todo o país a favor da Democracia, dos Direitos Sociais e Contra o Golpe. Em São Paulo, o ato na Avenida Paulista reuniu 500 mil pessoas e contou com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Perdi eleição em 1989, em 1994 e em 1998, e em nenhum momento vocês me viram ir para a rua protestar porque outro ganhou”, enfatizou o ex-presidente. “Este país tem que voltar a crescer, tem que ter convívio civilizado e democrático. Nós precisamos restabelecer a paz e a esperança, e provar que o Brasil é maior que qualquer coisa na Terra.”, ressaltou emocionado. Também foram promovidos atos importantes na Praça da Sé, Largo da Batata e na Praça do Patriarca.
Foguinho / SMetal
Movimentos intensificam atos em defesa da democracia
Grande parte da população se manifesta contra a orquestração do golpe no país
Com 367 votos a favor, 137 contra, sete abstenções e duas ausências, a Câmara Federal aprovou dia 17 de abril, domingo, a admissibilidade do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff (PT). Após a votação, a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo divulgaram nota conclamando os trabalhadores e as forças democráticas e progressistas a continuarem nas ruas para combater o golpe por meio de todas as formas de mobilização, dentro e fora do País. O golpe jurídico-midiático encontra-se nas mãos do Senado e serão necessários os votos de ao menos 41 dos 81 senadores. Caso aprovado, a presidenta será notificada e afastada do cargo por um prazo máximo de 180 dias, para que os senadores apresentem provas legais contra Dilma e concluam o processo. Nesse caso, o vice-presidente da República, Michel Temer, assumiria o posto. “Continuaremos na luta para reverter o golpe, agora em curso no Senado Federal e avançar à plena democracia em nosso País, o que passa por uma profunda reforma do sistema político atual, verdadeira forma de combater efetivamente a corrupção”, afirma a nota. Eduardo Cunha (PMDB) é comprovadamente corrupto, mas ainda não foi julgado
Antonio Augusto/ Câmara dos Deputados
Golpistas vencem na Câmara, mas luta pela democracia continua
Leia mais sobre esses e outros assuntos do mundo social, político e sindical em www.smetal.org.br Ponto de Fusão Nº5 - 2016
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Esporte
São Bento finca o pé na elite do futebol
Por Fernanda Ikedo e Paulo Andrade Fotos Jesus Vicente
Para um time que se viu à beira de um abismo, em 2011, quando caiu para a Série A3, e que estava com graves pendências financeiras, o desempenho atual do São Bento no Campeonato Paulista mostra que cinco anos depois, o clube não apenas sobreviveu como voltou para a elite da A1 com força de vontade para vencer novos desafios. Entre eles, o time precisa ter um calendário de jogos o ano todo e conquistar mais sócios. Com um elenco formado por 28 jogadores, a maioria com contrato até dia 20 8
Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
Classificação para a Série D do Campeonato Brasileiro e a boa campanha no Campeonato Paulista fazem do Azulão o melhor time do interior do estado ou 30 de abril, o São Bento busca conquistar um calendário anual para manter a equipe por mais tempo, ao invés de contratos que vão de cinco a seis meses, e também fechar patrocínios anuais. Atualmente, o Esporte Clube São Bento tem aproximadamente 500 sócios pagantes. Na visão da diretoria, para o time ter um clube bem estruturado, com mais funcionários e mais atrativos para os sócios e para os parceiros, o Azulão deveria ter entre 1.800 e 2.000 sócios.
Reconhecimento
Desde o primeiro mandato da atual diretoria, iniciado em novembro de 2011, os pagamentos dos jogadores do Bentão estão em dia e as dívidas do clube vêm sendo quitadas. Tanto o goleiro Anderson Silva Santana, Henal, quanto o técnico Paulo Roberto Santos afirmam que essa ascensão - da A3 para A2, no final de 2013, e da A2 para a elite do futebol paulista, no início de 2015 deve-se em boa parte à diretoria, que vem mostrando capacidade e compromisso para valorizar os atletas, deixar as contas em dia, investir e fazer o time melhorar. Ambos têm propriedade para avaliar o ciclo do Bentão. Henal chegou ao Esporte Clube São Bento em novembro de 2010, época difícil para os jogadores e para os torcedores do clube. Mesmo assim, o trabalho desenvolvido pelo goleiro e a dedicação demonstrada em campo foram reconhecidos pela torcida até mesmo no período do rebaixamento. “Ela me deu todo o apoio”. Na época, o goleiro, nascido em Tupã, declarou que
não sairia do São Bento enquanto ele não voltasse para a A1.
Esquema tático
Pela terceira vez no comando do São Bento, [2013, 2015 e 2016], Paulo Roberto Santos, que passou este ano por um susto devido à arritmia no coração, afirma que o sucesso depende de planejamento. Como no caso das contratações dos atletas: “Se conseguirmos planejar isso, já é 50%”. Paulo Roberto foi treinador no acesso do time para a Série A2 e na manutenção da equipe na A1 ano passado. No segundo semestre de 2015, como não havia condições do São Bento mantê-lo por disputar poucos jogos, Paulo foi para o Guarani. Mas retornou ao Azulão ainda no final do ano passado, a fim de preparar a equipe para esta temporada bastante convincente, que vem mostrando na elite do futebol paulista. O esquema tático de Paulo Roberto, que tem feito o time do interior jogar de igual para igual com as equipes consideradas grandes, como aconteceu contra o Palmeiras e o Corinthians, é elogiado pelos torcedores e por comentaristas de
Centro de Treinamento O Centro de Treinamento (CT) do São Bento (foto acima), que fica na rua Nogueira Padilha, na Vila Hortência, ainda não está finalizado. Será construído mais um bloco como o atual para academia e área para cuidar da saúde do atleta, com sala de fisioterapia e consultório médico. Haverá também sala de imprensa e mais quatro ou cinco apartamentos, num total de 120 metros quadrados de construção. Paulo Roberto comanda o time
Ponto de Fusão Nº5 - 2016
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Esporte
Campanha sócio-torcedor O sócio-torcedor do São Bento conta com algumas vantagens, como desconto no valor de ingressos em jogos e em produtos oficiais, entre outras. Para ficar sócio entre em contato com a secretaria do clube pelo telefone: (15) 3329-3507 ou 3329-3508.
O São Bento conta com a motivação de jovens torcedores 10 Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
grandes redes esportivas. Na entrevista à revista Ponto de Fusão, realizada no final de fevereiro, no gramado do Centro de Treinamento, na Vila Hortência, Paulo Roberto não descartou a possibilidade de conquistar o título do campeonato, mas deixou claro que o São Bento trabalhou vários objetivos nesta etapa do Paulistão 2016, e não apenas um. “O primeiro objetivo é não ser rebaixado, é continuar na A1. Depois, se classificar para entrar na [série] D no Brasileiro”.
Definições
Mesmo com a classificação para a Série D do Brasileiro, a diretoria do time, até o dia 20 de abril, estava indecisa sobre a participação do Azulão no campeonato, devido ao alto investimento exigido. Outra opção é disputar no segundo semestre a Copa Paulista, que a Federação faz para os times que têm muitos jogadores ou não tem outra atividade, mas também não é viável para o time. “A última Copa que a gente disputou, em 2015, deu um prejuízo para nós – um déficit para este ano de R$ 250 mil por ser um campeonato deficitário. Ele não tem atrativo, diferente de uma série D”, afirma o diretor de patrimônio, Sérgio Garcia.
A participação na Série D ampliaria o horizonte, principalmente em questão de contratação e visibilidade. “Melhora a contratação do jogador, que vai de 1º de junho até o dia 30 de abril do ano que vem. Aí, você tem um poder de negociação melhor, porque o atleta estará um ano empregado, sabe que ficará em Sorocaba, que a família poderá ficar e o filho estudará na mesma escola”, ressalta o diretor.
Patrocinadores
Ao final de cada campeonato a diretoria convida todos os patrocinadores para prestação de contas. O time tem visibilidade e está com as contas em dia, mas mesmo assim, Garcia afirma ser difícil buscar patrocínios com empresas da cidade. Ele diz que isso se deve ao descrédito que ainda paira no São Bento por conta da situação do clube cinco anos atrás, no qual ficaram devendo na padaria, no comércio em geral. Cada contrato de patrocínio é diferente um do outro, 90% são feitos para o período de seis meses justamente pelo São Bento ainda não ter um planejamento de jogos o ano todo. Como vai para a série D, aí sim tem como estabelecer contratos anuais.
A paixão que move o Bentão Cada diretor tem uma história de amor pelo time, no caso do diretor de patrimônio, Sérgio Garcia, a tradição sempre falou mais alto. “Meu avô era muito são-bentista e quando caímos em 2011 da A2 para A3, eu cheguei no sábado seguinte na casa dele e a primeira coisa que ele me falou foi o seguinte ‘o São Bento vai acabar’. Naquela situação ele não estava errado e pra honrar um pouco a tradição e a história eu virei pra ele e disse ‘o São Bento nunca vai acabar. É um time de camisa, centenário, não vai acabar’. E foi daí que a gente uniu forças na diretoria, desde novembro de 2011. Fizemos um campeonato em 2012 com o apoio das pessoas, de empresas, mas sabendo que seria muito difícil de classificar porque os recursos eram poucos e havia muita dívida e processo pra pagar. Então, optamos pelo seguinte: vamos montar um time para não cair, para não ter o rebaixamento e vamos começar a quitar tudo que tiver possibilidade com a expectativa de subir em 2013, conseguir o acesso. Quando a gente assumiu a diretoria, o time começou a ser montado em dezembro fizemos um pacto de que salário nunca ia atrasar. Independente do valor. E tem quase cinco anos sem atraso”.
O número 1: O torcedor, conhecido por Noé da Pneucenter, teve a primeira carteirinha de sócio permanente do São Bento. Ele era de Capão Bonito. A foto foi cedida pelo neto, também são-bentista, Jefferson Stievano. Em 10 de maio a morte de Noé completa um ano.
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Alimentação
A casca fica! Utilizar 100% os alimentos é uma prática que reduz o desperdício, enriquece em nutrientes a mesa e diminui a fome de pessoas que não têm acesso à comida
Foguinho
Por Gabrielli Duarte
Nutricionista Joyce Casas 12 Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
Você sabia que todos os dias são jogadas no lixo 40 mil toneladas de comida pelas famílias brasileiras? Segundo estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa (Embrapa), de 2015, a maior parte do desperdício está no preparo de alimentos, seja no ambiente doméstico ou em estabelecimentos do setor alimentício, como restaurantes e lanchonetes. Os alimentos jogados fora serviriam para alimentar diariamente 19 mil pessoas com as três refeições básicas do dia: café da manhã, almoço e jantar. As frutas, legumes e verduras, que compõem o cardápio diário de
muitas famílias, não são aproveitadas em sua totalidade nutricional. Pessoas de baixa renda são as que mais sofrem com os altos números de desperdício. A situação de vulnerabilidade social em que elas se encontram faz com que a comida saudável não chegue em suas casas, aumentando os índices de desnutrição ou obesidade. Segundo a Prefeitura de Sorocaba, dos 631.187 habitantes da cidade, 32.046 são de famílias em situação de vulnerabilidade social e necessitam do apoio de programas governamentais para levar o alimento às suas mesas todos os dias.
Cozinha diferenciada
Banco de Alimentos de Sorocaba é referência no combate ao desperdício
Embora o mau hábito e desperdício façam parte do cotidiano de muitas pessoas, a chef de cozinha do restaurante delivery “Capibaribe”, Allana Pereira (detalhe), adotou o uso integral dos alimentos no seu dia a dia.
Em atividade há mais de 10 anos, o Banco de Alimentos de Sorocaba é referência no Estado de São Paulo quando o assunto é diminuição do desperdício, combate à fome e segurança alimentar. Atualmente, a organização não governamental beneficia cerca de 18 mil pessoas carentes e arrecada, em média, cerca de 150 toneladas de alimentos ao mês.
A preparação das marmitas que ela vende é feita com todas as partes dos alimentos. “Eu sou mãe de três filhos, sou a fonte de renda em casa, e quando eu uso o alimento inteiro ele rende, posso fazer muitas receitas. Eu descasco uma abóbora, uso a polpa, congelo a casca e torro as sementes, ou seja, se usei ela toda, meu lixo orgânico é zero”, ensina.
“O produtor planta, colhe e o alimento que ele não conseguiu vender funcionários do Banco recolhem, fazem uma triagem, higienizam e doam para as instituições cadastradas”, explica o presidente do Banco, Tiago Almeida do Nascimento, vice-presidente do SMetal. Outra parte dos alimentos doados são provenientes da agricultura familiar, pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Governo Federal, e de hipermercados parceiros da entidade.
Foguinho
Instalado na Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), o Banco recolhe dos feirantes locais alimentos que antes eram deixados no chão por não terem uma aparência muito “atraente”, mas que ainda estão próprios para o consumo.
Em parceria com a Etec Rubens de Faria e Souza, o Banco de Alimentos oferece ainda aulas de educação nutricional às entidades assistidas. O aproveitamento integral dos alimentos e segurança alimentar são alguns dos temas das oficinas. “Ensinar sobre a importância da higienização e o aproveitamento total dos alimentos é fundamental para ajudar a melhorar a alimentação dessas famílias”, assegura Gabriela Rebuá, auxiliar de alimentação responsável pelas atividades em educação nutricional.
A nutricionista Joyce Casas, responsável pelo programa “Alimente-se bem”, do Sesi Sorocaba, explica que existe uma cultura muito forte de desperdício de comida no Brasil também na população de baixa renda, além de falta de conhecimento das características nutricionais. “A modificação no alimentar-se é uma questão de conscientização”, afirma. O que contém no lixo são, além de sobras, partes importantes dos alimentos – cascas, talos, sementes e folhas –, todos cheios de vitaminas e nutrientes, muitas vezes bem maiores que o da própria polpa. Joyce também diz que produtos
industrializados são bastante valorizados, mesmo com o alto nível calórico e baixo índice nutricional. “Uma garrafa de refrigerante de dois litros sai a quatro, cinco reais, às vezes mais barato que comprar determinadas frutas para fazer um suco”, lamenta.
No dia a dia
Joyce conta que as folhas dos brócolis, por exemplo, são ricas em vitaminas A, C, K, ácido fólico e vitaminas do complexo B, minerais, cálcio, ferro, fitoquímicos e fibras, e são dadas de graça pelos feirantes se o consumidor pedir. Outra parte
de alimento desprezada é a casca da banana, que tem o dobro de potássio em relação à polpa. “O termo ‘aproveitamento integral dos alimentos’ ainda é mal visto por algumas pessoas por ser confundido com utilização de restos”, explica Joyce. Além disso, ela conta que o aproveitamento não se restringe a legumes, frutas e verduras, mas também a carnes bovinas, suínas e peixes. “As fibras e espinhos das carnes têm propriedades nutricionais que enriquecem caldos e sopas e também acrescentam muito mais sabor aos pratos”, assegura. Ponto de Fusão Nº5 - 2016 13
Economia
De onde vêm os lucros dos bancos? Por Daniela Gaspari
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Enquanto os trabalhadores brasileiros diminuem gastos para conseguir pagar as contas no final do mês, as cinco maiores instituições bancárias do país lucraram quase R$ 70 bilhões em 2015 Em meio à crise social, econômica e política que o Brasil vive atualmente, há um setor que não apresenta sinais de recessão: o financeiro. Nos últimos meses, enquanto alguns brasileiros têm colocado o “pé no freio” quando o assunto é finanças, observamos lucros bilionários de instituições bancárias no país. Se somarmos os ganhos dos cinco principais bancos – Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, Santander e Caixa Econômica Federal – no ano de 2015, chegamos ao total de R$ 69,9 bilhões de lucro líquido, que representa um crescimento de 16,2%, comparado ao ano anterior. O banco que teve o maior aumento no lucro no período foi o Banco do Brasil, que cresceu 28%, passando de R$ 11,24 bilhões, em 2014, para R$ 14,4 bilhões. Depois vem o Bradesco, com um aumento anual de 16,4%. Já o Itaú Unibanco, em 2015, cresceu 15,6% em relação a 2014, registrando lucro de R$ 23,83 bilhões, o maior valor entre os bancos no país. O Santander teve um crescimento de R$ 13,2%; e Caixa obteve ganhos de 0,9%. A presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Juvandia Moreira, explica que quando a economia cresce menos, em ritmo menos dinâmico, os bancos continuam lucrando, pois existe uma fonte de receita extremamente relevante e histórica do setor bancário: os ganhos com financiamento da dívida pública. Esses ganhos são possíveis graças a emissão de títulos públicos, que são uma forma do Governo Federal captar recursos para financiar dívidas públicas e atividades governamentais. “Os títulos públicos no Brasil pagam uma das mais altas taxas de juros do mundo, com alta liquidez e baixíssimo risco. Trata-se de um investimento de caráter rentista sem igual no mundo”, conta Juvandia. Segundo ela, quando a taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) sobe, retrai o crescimento econômico e os bancos ganham. “Com as recentes altas da taxa Selic, os cinco maiores bancos do país ganharam R$ 230 bilhões (alta de 43,8%) com operações de títulos e valores mobiliários”, exemplifica. “As instituições financeiras no Brasil detêm, diretamente, 30% dos títulos públicos do governo e os fundos de investimento administrados por estas instituições são detentores de mais 20%”, completa.
Ponto de Fusão Nº5 - 2016 15
Economia
Política monetária
Cortes operacionais
Outro fator que influenciou os altos lucros das instituições bancárias foi a redução dos trabalhado-
res e de agências no país. Segundo balanço realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos da Rede Bancários, em 2015 foram fechados 10.311 postos de trabalho nos cinco maiores bancos brasileiros. A única instituição que aumentou o seu quadro de funcionários foi o Santander, que teve um crescimento de 1,45% no pessoal e 0,44% de novas agências pelo país, comparado a 2014. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), grande parte do valor gerado pelos bancos é destinado para remunerar seus funcionários e a sociedade como um todo, por meio do pagamento de impostos e contribuições sociais que são pagas ao governo. De acordo com o último Relatório Anual da Febraban, em 2013 a distribuição da receita gerada por 156 bancos no país foi a seguinte: “40,4% do valor é direcionado para despesas de recursos humanos; 19,4% é encaminhado ao governo pelo pagamento de tributos, imposto de renda e INSS; e, 40,3% é dividido entre os acionistas das instituições”.
Fonte: Demonstrações Financeiras dos Bancos - Contraf / CUT
A taxa Selic – conhecida como taxa básica de juros – serve de referência para as demais e é definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Formado por diretores e chefes de departamentos do Banco Central, o Copom tem a função de executar políticas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), como as metas de inflação. O CNM, por sua vez, é composto pelo ministro da Fazenda, ministro do Planejamento e o presidente do Banco Central. Segundo a presidente do Sindicato dos Bancários esses dois órgãos têm importância central para a economia brasileira, pois a política monetária define o nível dos juros no país, entre outras coisas. “Isso afeta o nível de crescimento, de emprego e renda. Assim, o comando destes órgãos é central para a disputa de poder no país”, afirma Juvandia. Questionada sobre a participação de representantes dos trabalhadores nessas decisões, ela afirma que há uma dificuldade de estabelecer diálogo sobre a necessidade
de ampliar a composição do CNM. “No Banco Central, por exemplo, há muitos casos de diretores e presidentes altamente identificados com as demandas dos banqueiros”, criticou. Para o diretor executivo do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal) e secretário de Juventude da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM), Silvio Ferreira, é de grande relevância para o país a participação de representantes dos trabalhadores nesses órgãos. “Por suas decisões repercutirem diretamente na vida dos trabalhadores brasileiros, nada mais justo que estejamos presentes nas discussões que envolvem a política monetária nacional”, disse. “A presença de trabalhadores inibiria, inclusive, os rumores de que as decisões do Banco Central sofrem influências externas das grandes empresas financeiras que operam no país”, completa.
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Juvandia Moreira, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo Divulgação / CUT
“Certamente, há também aspectos positivos para os trabalhadores, como a redução de atividades repetitivas. Mas o aumento da produtividade proporcionado pelas novas tecnologias e pela terceirização, não foram devidamente incorporadas à remuneração dos trabalhadores”, explica. Segundo a economista, o trabalho do bancário tem sido muito afetado pela reestruturação produtiva implementada pelas instituições financeiras. “Hoje, ele é basicamente um vendedor de produtos financeiros, como cartões, seguros, previdência privada, títulos de capitalização e tem metas nem sempre factíveis de serem cumpridas”, recrimina. Essa pressão diária na qual o trabalhador é exposto, ficando conectado ao trabalho permanentemente por meio de smartphone, tem causado graves doenças psicológicas. “Hoje em dia, a maior parte das doenças laborais que acometem o bancário são de natureza psíquica, como depressão e transtornos de ansiedade”, lamenta.
Regina Coeli Moreira Camargos, técnica da subseção do Dieese da Contraf-CUT
Fonte: Demonstrações Financeiras dos Bancos - Contraf / CUT
O setor financeiro brasileiro tem passado por constante mudança ao longo da história. Novas tecnologias e cortes operacionais, que também ajudaram os bancos a aumentar seus lucros, refletiram negativamente na classe trabalhadora, que hoje passa por cobranças abusivas e pressões psicológicas diárias. Segundo a economista Regina Coeli Moreira Camargos, da subseção do Dieese da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), em meados dos anos 80, os bancos começaram a investir maciçamente em tecnologia, “visando agilizar a realização de operações e reduzir custos operacionais, entre eles, custos de pessoal e com a manutenção da estrutura física (agências)”. Para ela, essa mudança tecnológica, junto com a terceirização, que praticamente eliminou todos os serviços de “retaguarda” dos bancos, tem ensaiado cortes em postos de trabalho e intensificado o ritmo de trabalho.
Gerardo Lazzari/SEEB/SP
Reestruturação produtiva nos bancos e as novas tecnologias
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Economia
Entre os anos de 2010 e 2014, as transações bancárias realizadas via smartphones cresceram 206%
Reflexos da reestruturação dos bancos na população mentos comerciais que realizam muitas das atividades típicas dos bancos, como recebimento de contas e pagamento de benefícios previdenciários, proporcionam alguns ganhos ao cidadão, como comodidade e agilidade. “Mas nem tudo são flores”, alerta a economista da Contraf. “O acesso à tecnologia tem custos elevados (pacotes de internet,
smartphones mais sofisticados) e nem sempre as operações são realizadas com total segurança, expondo o cliente a fraudes”, explica. Já sobre a utilização dos correspondentes, que realizam até mesmo operações de crédito menor, Regina conta que “também traz riscos à segurança dos clientes, pois os estabelecimentos não dispõem de equipamentos de segurança adequados”.
Fonte: Demonstrações Financeiras dos Bancos - Contraf / CUT
A reestruturação produtiva das instituições bancárias e as novas tecnologias trouxeram reflexos também à população. Segundo pesquisa de tecnologia bancária da Febraban, entre os anos de 2010 e 2014, as transações bancárias realizadas via smartphones cresceram 206%. Regina comenta que as novas tecnologias e os correspondentes bancários, que são os estabeleci-
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Saúde
Sorocaba na UTI Balanço realizado pela revista Ponto de Fusão mostra que a maioria das propostas de campanha do prefeito Antonio Carlos Pannunzio (PSDB) para área da saúde, em Sorocaba, não sairão do papel até o final de seu mandato. O Hospital de Clínicas é uma delas Por Daniela Gaspari Fotos Foguinho
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Saúde
C
omo diz o artigo 196 da Constituição Federal, “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Ou seja, é dever dos Poderes executivos municipal, estadual e federal a garantia de atendimento de saúde gratuito à população. A área da saúde é vidraça para qualquer governo. A má gestão, a falta de médicos, de equipamentos, hospitais, entre outros serviços, pode acarretar graves complicações de doenças ou até mesmo a morte prematura. Com isso, a revista Ponto de Fusão decidiu fazer um balanço sobre as propostas de campanha do prefeito de Sorocaba Antonio Carlos Pannunzio (PSDB), apresentadas no programa de governo em 2012, e apurar o que foi colocado em prática e o que não foi nestes três anos e meio de administração. A Prefeitura de Sorocaba foi contatada por mais de três semanas e até o fechamento da edição não respondeu o contato. A reportagem foi realizada a partir de pesquisas e materiais divulgados anteriormente pelo serviço de Comunicação do executivo municipal.
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Hospital público como prioridade do governo A principal promessa da administração de Pannunzio para a área de saúde era a construção de um Hospital Público na Zona Norte, atualmente chamado de Hospital de Clínicas de Sorocaba (HCS). Em seu programa de governo afirmava que era “fundamental a construção da unidade para ampliar o número de leitos hospitalares na cidade”. Até o momento, a Prefeitura disponibilizou apenas o edital para a implantação e operação da unidade e o terreno para construção. Segundo o edital, o hospital terá capacidade para 200 leitos para média complexidade, entre outros serviços. O projeto será por meio de Parceria Público-Privada (PPP), por prazo de 20 anos, para elaboração do planejamento arquitetônico, construção, compra e instalação completa dos equipamentos hospitalares, mobiliários, equipamentos de tecnologia e da gestão da área não assistencial. A expectativa é que a unidade entre em operação no segundo semestre de 2017 e seja construída na área da antiga garagem de ônibus, na avenida Ipanema. Para o vereador metalúrgico Izídio de Brito Correia (PT), que também é presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de Sorocaba, a construção de um hospital próprio, administrado pelo município, ajudaria a diminuir a carência no número de leitos hospitalares, que hoje chega a cerca de 590. Para Izídio, um dos maiores problemas da saúde em Sorocaba é a cidade ser totalmente dependente da prestação de serviços, especialmente da Santa Casa de Misericórdia, que disponibiliza o total de 233 leitos para média complexidade. “Se a provedoria da Santa Casa ganhar uma ação na Justiça e resolver acabar com o convênio com a Prefeitura, a cidade não terá mais atendimento
O terreno destinado ao Hospital de Clínicas na Av. Ipanema, deve se entregue no segundo semestre de 2017, segundo a Prefeitura
de média complexidade”, afirma. Atualmente, pacientes cujos médicos determinam a transferência de unidades pré-hospitalares (UPHs) e de pronto-atendimento (UPAs e PAs) para um leito hospitalar, permanecem por dias aguardando acomodações. Foi o que aconteceu com Maria Aparecida de Oliveira, de 67 anos. No dia 9 de janeiro de 2016, a idosa foi levada à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) da Zona Norte por seus familiares, onde foi diagnosticada com pneumonia, insuficiência cardíaca, infecção na perna – devido à trombose – e infecção urinária. O médico solicitou a internação imediata da paciente para um leito hospitalar com oxigênio, serviço prestado na rede pública apenas na Santa Casa. Maria aguardou
quase três dias para ser transferida e, segundo relato de sua neta, Iara Ruzzinenti Malinski, o quarto não tinha condições de receber a paciente. “Dia 12, logo pela manhã, minha avó ligou chorando, dizendo que queria ir embora do hospital, pois a colocaram em um quarto sem oxigênio e nenhuma condição ou estrutura. Ela estava em uma maca, não em cama, a saída de água do ar-condicionado estava exatamente em cima dela, tinha uma goteira e não havia banheiro próximo”, criticou Iara. Maria Aparecida foi transferida para um apartamento em melhores condições em 13 de janeiro e dia 16 saiu do hospital. Em janeiro de 2016, o secretário municipal de Saúde, Francisco Fernandes, assumiu a falta de pelos
menos 400 leitos na cidade, o que daria uma média diária de 10 a 15 pacientes aguardando por transferências. Atualmente, a rede pública conta com os seguintes hospitais prestadores de serviço: Santa Casa, Santa Lucinda, Regional e Gpaci este para casos de pediatria.
Mesmo após pedido de internação imediata, Maria Aparecida ficou três dias aguardando vaga na Santa Casa
Campanha pelo Hospital Municipal Por iniciativa do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), em 2012 foram reunidas 26 mil assinaturas de eleitores sorocabanos, que resultaram em um projeto de emenda popular, aprovado pela Câmara em 2013, para a construção do Hospital Municipal. Na ocasião, o prefeito Pannunzio vetou a proposta. Os vereadores derrubaram o veto, mas a Prefeitura ingressou na Justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), que foi acatada em seu favor. Não por acaso, durante campanha eleitoral, Pannunzio prometeu a construção do hospital na zona norte, mudando a nomenclatura para hospital de clínicas ao invés de hospital municipal.
Sorocabanos aderem ao abaixo-assinado cobrando a construção de um Hospital em Sorocaba, entregue em maio de 2012
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Saúde
Ampliação dos horários de atendimento das UBSs Outra proposta do governo municipal em 2012 foi a ampliação dos horários de funcionamento de todas as Unidades Básicas de Saúde, que seriam abertas 12 horas por dia, de segunda a sábado. Só que em junho de 2015, a Prefeitura anunciou a redução do atendimento de 14 delas, que passaram a atender das 7h
Sorocaba precisa de vontade política para ter mais leitos nos hospitais IZÍDIO DE BRITO
Para Izídio, Pannunzio não deve concluir as promessas de campanha até o final do atual mandato 22 Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
às 17h, não mais até as 19h. Já as unidades do Vitória Régia e Lopes de Oliveira, que atendiam até às 22h, atendem hoje até às 19h. Segundo a Prefeitura, a redução foi de 8,3% na carga horária de forma geral. Com isso, das 31 UBSs de Sorocaba, apenas 14 delas funcionam 12h por dia, atualmente.
Nova policlínica e outras estruturas também foram prometidas A construção de uma policlínica cirúrgica na zona norte, de 12 novas Unidades de Saúde da Família e da Rede de Reabilitação Lucy Montoro, essa em parceria com o Governo do Estado de São Paulo, também faziam parte do programa de governo de Pannunzio, mas não saíram do papel. Havia ainda a proposta de implantação de seis Núcleos Vi-
verBem, que seriam unidades regionais e intersetoriais para aproximar os serviços públicos da população. Cada núcleo contaria com os seguintes serviços de saúde: unidade regional de atendimento básico e de especialidades, semelhante à Policlínica; Programa Saúde da Família; e equipe de controle de Zoonoses, da Vigilância Sanitária e Epidemiológica.
Pacientes aguardam horas para serem atendidos nas unidades de Saúde em Sorocaba
Sorocaba precisa de uma saúde descentralizada e nova estrutura Para o vereador e presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal, Izídio de Brito, a saúde em Sorocaba vem “patinando” desde 2007, quando o prefeito da cidade era o atual deputado federal Vitor Lippi (PSDB) e a população sorocabana de pouco mais de 400 mil habitantes. “Hoje ela chega aos 650 mil com a mesma estrutura, pelo menos física, de aparelhos e comportamento de gestão daquela época, e, até o presente momento, você não vê nenhuma perspectiva de mudanças”, lamentou o parlamentar. O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as deficiências na saúde pública em Sorocaba, apresentado em maio de 2015, responsabilizou o ex-prefeito Lippi pela crise na cidade. Além de prefeito por oito anos, de 2005 a 2013, Vitor Lippi, que é médico, foi Secretário Municipal de Saúde de 1997 a 2004, no governo de Renato Amary. “Se você pegar o diagnóstico dos últimos dois processos eleitorais, 2008 e 2012, as promessas feitas são para suprir os mesmo problemas”, afirmou Izidio. Ele critica a falta de planejamento do poder público, especialmente quando o assunto é criar referências descentralizadas ou hospitais e comprar equipamentos novos, e afirma que na cidade “tudo é feito na base do improviso”, o que encarece o serviço. “Sorocaba deveria ter uma proposta de saúde mais estruturada e descentralizada, ampliando e qualificando a atenção básica, pois a deficiência de rede básica gera a média e a alta complexidade”, afirma. Para Izídio, o prefeito Pannunzio não deve conseguir cumprir as propostas de campanha neste mandato, que encerra em dezembro de 2016. “Ele fez promessas de uma demanda reprimida, do governo Lippi, que nesses três anos e meio de administração ele não conseguiu concluir”, disse.
Propostas que constavam no programa de governo de Pannunzio, em 2012, e a situação delas até abril de 2016: Propostas para saúde - 2012
Situação em 2016
Construção de um novo hospital público na Zona Norte
Possui o terreno e abriu licitação
Ampliação do horário de funcionamento de todas UBSs – 12 horas, de segunda a sábado
Apenas 14 de 31 unidades funcionam 12 horas
Ampliação do horário de funcionamento da Policlínica
A prefeitura não informou
Criação de 6 Núcleos ViverBem (intersetoriais)
Não foi criado e a prefeitura não respondeu se há previsão de efetivação
Construção de uma nova UPH da Zona Leste
Foi entregue em agosto de 2013
Construção de uma Policlínica Cirúrgica
Não foi criada e a prefeitura não respondeu se há previsão de implantação
Construção de 12 novas Unidades de Saúde da Família, dobrando a cobertura do Programa Saúde da Família
Não foi criada e a prefeitura não respondeu se há previsão de implantação
Implantar atendimento em saúde mental na atenção básica, com equipes matriciais multiprofissionais
Terceirizou o atendimento e firmou convênio com a segunda empresa em fevereiro de 2016
Implantação da Rede Lucy Montoro (parceria com o Governo do Estado)
Possui o terreno, mas a prefeitura não respondeu se há previsão de construção
Contratação de mais 100 médicos
Foram contratados 278 médicos, entre concurso e o Programa Mais Médicos
Instituição do Programa Municipal de Residência Médica e Residência Multiprofissional
Lei foi criada em 2013, mas a prefeitura não respondeu se já houve contratações pelo programa
Programa Saúde do Idoso em todas as UBSs
A prefeitura não informou
Reforçar ações de atenção à saúde de deficientes
A prefeitura não informou
Reforçar ações de atenção à saúde da mulher
A prefeitura não informou
Reforçar ações de atenção à saúde da criança e adolescente
A prefeitura não informou
Ampliar atendimento aos pacientes acamados
A prefeitura não informou
Ampliar atuação da Zoonoses
A prefeitura não informou
* A tabela acima foi produzida com informações apuradas pela revista Ponto de Fusão, já que a prefeitura não se manifestou
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Comunidade
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ocalizada na zona norte de Sorocaba, a Avenida Olinda Aires Paulete é a principal via no bairro Parque das Paineiras, e chama a atenção pela intensa movimentação de pessoas que circulam pelo local, seja de carro, dentro do ônibus, de moto ou a pé. Quem vem de algum município pequeno e vai até o bairro pela primeira vez pode achar que aquele é o centro da cidade. Entre padarias, lojas de roupas, mercados e lanchonetes, a variedade de comércios que há espalhados por um quilômetro de avenida acabam contribuindo para um fluxo frenético e intenso de pedestres. De segunda a domingo, há quem esteja ali apenas a passeio ou para encontrar os amigos numa lanchonete, sentar-se no balcão para beber ou comer algo e bater um papo observando a movimentação. Movimentação essa que acaba sendo vantajosa para quem mora no 24 Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
bairro, em especial próximo à avenida, como é o caso da empresária Marilda Cardoso de Sousa Alves, 57 anos, que frequenta assiduamente o comércio local. “Eu moro aqui há 20 anos, pra mim é um bairro ótimo, tudo que preciso comprar eu encontro por aqui”, explica. Ao caminhar pela calçada entre as pessoas, a impressão que se tem é de que aquela Avenida é praticamente a região mais importante do bairro. Além daqueles que moram próximo ao local, moradores de outros bairros também compartilham dos serviços encontrados por ali, como a diarista Maria Isabel, 57 anos, que segundo ela, frequenta principalmente a minifeira que acontece aos domingos, no final da Avenida. “Eu moro no Jardim Casa Branca, já faz uns dois anos que eu frequento os comércios aqui da Avenida pela qualidade e variedade, além de ser perto da minha casa”, afirma.
Aos domingos, o movimento é mais intenso que nos dias úteis, geralmente das 8h às 14h. Pessoas com seus carrinhos a caminho da feira ou batendo um papo e tomando cerveja na calçada, são as cenas mais comuns de se ver. Já no final da tarde, por volta das 16h, é a vez dos jovens, que, com seus carros, motos e bicicletas personalizadas, fazem da Avenida o ponto de encontro da galera.
A minifeira
No domingo, a Avenida Ataliba Pontes, que fica na esquina com a Aires Paulete, também é bastante frequentada, pois é naquele local que acontece a minifeira do bairro. Desde legumes e verduras, ao tradicional e sagrado pastel, é possível literalmente sair de ‘sacola cheia’ dali e a freguesia se divide escolhendo entre as promoções mais vantajosas e os melhores produtos. Entre a oferta e a demanda, há
Ainda há vida nos bairros Com a maioria dos estabelecimentos sendo comércio, a Avenida Olinda Aires Paulete, no Paineiras, chama a atenção pelo grande fluxo de pessoas Por Vagner Santos Fotos Foguinho
aqueles que apostam na diferença de mercadoria e conseguem se sair bem nas vendas, como é o caso do vendedor ambulante Fabiano Duarte Silva, 34, que vende mel, queijos e doces. Ele explica que além de ser o único a comercializar esses produtos no local, a quantidade de frequentadores da feira contribui para se ter um bom lucro. “Pra mim esse lugar é excelente, eu não tenho do que reclamar daqui. Das sete feiras que eu vou vender meus produtos durante a semana, essa é a que eu vendo melhor. O fluxo aqui é muito bom”, afirma.
Maria Isabel, diarista
Minifeira do Paineiras é um dos atrativos que movimentam a Av. Olinda Aires Paulete
Marilda Cardoso de Sousa Alves, empresária
Fabiano Duarte Silva, vendedor ambulante
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Apoiadores do golpe revelam projeto para o Brasil Por Fernanda Ikedo
Documentos publicados pelo PMDB e Fiesp/CNI revelam preocupação em manter os privilégios da elite empresarial com propostas para redução de direitos trabalhistas. Ao mesmo tempo, no Congresso Nacional, políticos conservadores se aproveitam da crise para colocarem em votação projetos que precarizam as relações de trabalho
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Aproveitando-se da crise política, os conservadores de plantão no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado) colocam em votação projetos polêmicos que atacam diretamente os direitos dos trabalhadores. O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) fez um levantamento que aponta 55 pautas bombas, como flexibilização e redução de direitos trabalhistas. Uma das propostas que mais ameaçam a vida do trabalhador é o projeto de terceirização, que pretende ampliar para qualquer atividade a precarização do trabalho. Há também o impedimento do funcionário demitido de fazer reclamação na Justiça do Trabalho, além de outros projetos que causam retrocesso na questão de soberania nacional, como o fim da exclusividade da Petrobras na exploração do pré-sal.
Entre os objetivos do estudo está o de chamar a atenção da sociedade geral e dos movimentos sociais e sindicais sobre essas ameaças que rondam a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e outros direitos conquistados com suor e sangue de trabalhadores. Conforme o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), Ademilson Terto da Silva, que também é secretário de relações do trabalho da Central Única dos Trabalhadores de São Paulo (CUT-SP), “há anos o movimento sindical vem lutando para a redução de jornada, sem redução de salários, para mais benefícios e qualidade na vida do trabalhador, mas políticos da bancada empresarial, que tem relação com a Fiesp/CNI, aproveitam-se para barrar qualquer iniciativa e ainda querem aprovar a toque de caixa o retrocesso. Isso não permitimos!”. Ponto de Fusão Nº5 - 2016 27
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FIESP:
a farsa e o patrocínio do golpe
Na onda pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), personalidades como Paulo Skaf (PMDB), líder da Fiesp, patrocinam discursos e campanhas nas grandes mídias contra o Estado Democrático de Direito. Em manifestações pró-impeachment, em março, na avenida Paulista, houve até distribuição de filé mignon para os participantes em frente ao prédio da Fiesp. O ato foi divulgado pelo jornal Valor Econômico. Recentemente, em 29 de março, no mesmo dia em que o PMDB anunciou sua retirada estratégica de apoio e aliança ao governo federal, a Fiesp gastou aproximadamente R$ 8 milhões em anúncios (em apenas um dia) de grande formato – seis colunas por 20 centímetros em 14 páginas - nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Na Folha, anúncios de seis colunas saem por R$ 7.249,53 o centímetro. Já o anúncio da Fiesp, no Estadão, no formato de 6col x 20cm, multiplicando por 14 páginas, sai pela bagatela de: R$ 3.853.920,00 por ser opinativo/publicitário. Ou seja, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em cuja crise estrutural do capitalismo, que afeta o Brasil, distribui filé mignon e patrocina anúncios de aproximadamente R$ 8 milhões em campanha orquestrada em um dia a favor de um impeachment ilegal.
A ilegalidade Até os jornais internacionais, como o Los Angeles Times, discutem a viabilidade do impeachment, sem crime. Na reportagem “Os políticos que votam o impeachment da presidente do Brasil são acusados de mais corrupção do que ela”. De acordo com a Transparência Brasil, dos 65 membros da comissão - formada por deputados de partidos que apoiam o governo, da oposição e dos chamados independentes - 37 enfrentam acusações de corrupção ou outros “crimes graves”, conforme cita a publicação americana. Um movimento com 51 intelectuais acadêmicos do exterior critica a ameaça ao sistema democrático brasileiro pelos abusos cometidos pela Operação Lava Jato, que tem destinado fogo ao Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma e Lula, deixando de lado punições aos que têm comprovações de crimes, como Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara dos Deputados. Esse ataque seletivo foi denunciado no manifesto dos intelectuais, que reconhece a legitimidade e a necessidade do combate à corrupção por meio de inquéritos como os da Operação Lava Jato, mas acusa o que seriam abusos na condução da investigação. “Setores do judiciário, com o apoio de interesses da grande imprensa, têm se tornado protagonistas em prejudicar o Estado de Direito”, afirma o documento.
PAUTAS PROGRESSISTAS EM BAIXA NO CONGRESSO A crise política influencia diretamente os trâmites de projetos polêmicos e conservadores no Congresso Nacional.
1) Desregulamentação da economia: pré-sal e projetos envolvendo as estatais
Em entrevista à revista Ponto de Fusão, o analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, afirma que a correlação de políticos conservadores e progressistas é muito desigual. “O número de progressistas é bem menor em relação aos políticos das bancadas da bala, do boi (ruralistas) e da bíblia (religiosos)”.
2) Flexibilização dos direitos trabalhistas
Devido ao enfraquecimento do governo e a pressão por parte de representantes do poder econômico, a agenda de projetos que prejudicam o trabalhador, “com impeachment ou não, corre o risco de ser viabilizada”, ressalta.
“Como Eduardo Cunha (PMDB) está enfraquecido por conta das acusações da Operação Lava Jato, as pautas que o interessam, que são da área de direitos humanos ficam por baixo nas prioridades”, ressalta Queiroz.
Queiroz destaca as prioridades no Congresso, no cenário atual e enumera:
Ele explica que a bancada empresarial é a que está movimentando a agenda relacionada à economia.
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3) Direitos Humanos (liberdade sexual reprodutivo da mulher, flexibilização do trabalho escravo, estatuto do desarmamento) 4) Questões ambientais
O projeto dos apoiadores do impeachment O senador Lindbergh Farias (PT/RJ) deixa claro que o programa dos apoiadores do golpe - nome real para a tentativa de tirar um governo eleito do poder sem razões constitucionais – está escrita com todas as letras no documento “Uma ponte para o futuro”, também conhecido como “Projeto Temer”, publicado em outubro do ano passado. Mas que já está recebendo nova versão, após a debandada do PMDB da base aliada. O senador afirma que a construção das propostas surgiram após diálogos com os representantes do capital financeiro, dos rentistas da dívida pública, dos grandes grupos de mídia e da intelectualidade neoliberal. O que propõe esse documento – que pode ser facilmente encontrado na internet – e que seria o conteúdo de um governo pós-impedimento? Lindbergh denuncia que o plano é acabar com a Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT). Entre os itens pode-se conferir a proposta de reduzir drasticamente os investimentos em áreas sociais, como na saúde, acabar com o Programa Mais Médicos.
desregulamentação das leis que garantem direitos como descanso aos domingos; mexer na licençamaternidade; acabar com multas rescisórias; entre outros.
“Querem uma reforma para poupar os ricos, milionários, banqueiros e multinacionais. Falam somente em deixar as coisas como estão ou simplificar a parafernália tributária brasileira, como se o sistema tributário fosse um problema menor e aí não estivesse uma das soluções dos entraves atuais”, diz Lindbergh.
Essas intenções dos apoiadores do golpe encontram-se em uma cartilha da CNI, intitulada 101 Propostas para Modernização Trabalhista, que apresenta como “irracionalidades” as garantias mínimas para os trabalhadores brasileiros e sugere flexibilizar o trabalho escravo.
Essas propostas do PMDB estão alinhadas às da Fiesp/Confederação Nacional da Indústria (CNI) que a pretexto de tornar as empresas brasileiras mais competitivas, querem repassar para a sociedade o gasto com garantias trabalhistas mínimas que hoje competem aos empresários. Entre os exemplos: diminuir o poder da Justiça do Trabalho por meio de
O que está por trás do Pato da Fiesp A FEM-CUT/SP, que agrega atualmente 13 sindicatos e representa mais de 200 mil trabalhadores do ramo metalúrgico em todo o estado, externa a sua opinião a respeito da postura da Fiesp nessa onda de golpismo que agita atualmente o nosso país, em documento intitulado “O que está por trás do Pato da Fiesp”. O documento cita que:
“Nos últimos 15 anos, a Fiesp e demais empresários tiveram ‘um belo menu de patos’, ou seja, uma série de benefícios do Governo Federal, tais como a desoneração da folha de pagamento; linha de crédito abundante à população para incrementar a indústria e o comércio, com isenção de Imposto sobre os produtos conhecidos como linha branca; redução do IPI para bens de capital; isonomia tributária entre produtos importados e nacionais; programa de financiamento às exportações; incentivos setoriais de apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de semicondutores; desenvolvimento do setor siderúrgico, naval etc..., com diversos apoios do BNDES, e por fim, isenção ou redução de impostos de toda ordem. Então, como visto em resumo, a Fiesp e seus representados COMERAM diversos ‘PATOS’. Mas NÃO assumiram nenhuma contrapartida em
pró da sua responsabilidade social, nunca se dispuseram em reduzir seus lucros, mas enquanto isso, o que fazem contra os trabalhadores? Vejamos: Praticam a rotatividade de mão de obra; pedem ao Senado que suste os efeitos da NR 12 que trata da segurança de máquinas e equipamentos, o que deixa o trabalhador vulnerável a acidentes de trabalho de natureza grave; apoiam a reforma da previdência, de modo que reduza o valor da aposentadoria e faça o empregado trabalhar até morrer de velhice; - efetuam demissão em massa; perseguem dirigentes sindicais; praticam o assédio moral, e banalizam o uso dos interditos proibitórios, chamando a polícia militar para reprimir os trabalhadores nos casos de greve.” Confira o documento completo em www.smetal.org.br/patodafiesp
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TERCEIRIZAÇÃO: perigos reais à vida do trabalhador Por Daniela Gaspari
Ressuscitado no começo de 2015 e aprovado pela Câmara Federal em abril daquele ano, o PLC 30/2015 – mais conhecido como PL 4330 –, que amplia a possibilidade de terceirização, continua sendo um risco para a classe trabalhadora. Atualmente no Senado Federal, o projeto foi incluído, em setembro, na Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional, criada para unificar e agilizar a tramitação de propostas relevantes para o desenvolvimento do país. Relator do PLC na Comissão, o senador metalúrgico Paulo Paim (PT/RS), afirma que irá rejeitar a proposta aprovada na Câmara e apresentar um novo projeto regulamentando a situação do trabalhador terceirizado hoje, sem ampliar a prática para a atividade-fim. “Nossa previsão é entregar o relatório até junho deste ano”, afirma o senador. “Não tem sentido nenhum você querer desqualificar a CLT, permitir que cerca de 40 milhões de trabalhadores celetistas, que recebem todos os direitos, passassem para a situação de terceirizados”, criticou. Para o senador, além de precarizar a situação dos trabalhadores, esse tipo de relação trabalhista também facilita a ocorrência de corrupção. Segundo ele, o relatório está sendo construído com informações coletadas em audiências públicas realizadas nos 26 estados brasileiros, mais o Distrito Federal, e que mostraram a insatisfação da população sobre o projeto. As audiências, que debateram ainda o trabalho escravo e reforma trabalhista, foram promovidas pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e contaram com a participação de movimentos sociais, centrais sindicais e juristas de todo o Brasil. “Todos os encontros mostraram que o povo brasileiro 30 Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
não quer essa terceirização sem limites, e sim melhorar a vida daqueles 13 mil trabalhadores que são terceirizados, possibilitando a eles os mesmos direitos que os de outros trabalhadores”, contou Paim. O Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal) também é contra o projeto. Para o diretorexecutivo da entidade, Alex Sandro Fogaça, “há uma ofensiva conservadora que a sociedade precisa combater com muita união e mobilização”. “A ampliação da terceirização é um dos projetos dessa frente, que nos preocupa por ferir os direitos e ameaçar a vida do trabalhador no ambiente de trabalho”, completou Alex. Após aprovado o relatório na Comissão, a proposta de rejeição do PLC deve ser votada pelos senadores em plenário e depois voltar à Câmara, por se tratar de um projeto de iniciativa de um deputado.
Mobilização
O senador Paim alerta que, apesar da maioria dos senadores terem se comprometido a votar a favor do relatório, ou seja, rejeitando a proposta de autoria do empresário Sandro Mabel, as centrais sindicais e movimentos sociais devem manter as mobilizações. Ele conta que, entre maio e junho de 2016, será realizado um grande encontro, em Brasília, para fundir as 27 cartas dos Estados contrárias à proposta em uma única ‘carta da nação’ e encaminhar o documento aos presidentes do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior do Trabalho e à presidenta Dilma Rousseff (PT). “Só a pressão da classe trabalhadora pode garantir a nossa vitória e a manutenção de conquistas históricas”, assegura o senador.
A cada 5 mortes na área do trabalho, 4 são de empresas terceirizadas;
PAULO PAIM
Foguinho / SMetal
Porque dizer NÃO à terceirização da atividade-fim e SIM à regularização:
Só a pressão da classe trabalhadora pode garantir a nossa vitória e a manutenção de conquistas históricas
A cada 10 acidentes trabalhistas, 8 são de empresas terceirizadas; A cada 100 ações na Justiça, 80 são contra terceirizadas;
Paulo Paim (PT/RS) é relator do projeto da terceirização no Senado Foguinho / SMetal
Terceirizados ganham cerca de 25% a menos que empregados diretos; Terceirizados trabalham 3 horas a mais por semana. Alex Sandro Fogaça, diretor-executivo do SMetal
Ponto de Fusão Nº5 - 2016 31
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PRÉ-SAL
ESTÃO DE OLHO NO OURO NEGRO BRASILEIRO Em entrevista à Ponto de Fusão, o autor de “Petróleo e Poder: o envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico”, Igor Fuser, alerta que avanços como a implantação do marco regulatório que protege as riquezas nacionais, como o petróleo, serão eliminados, da noite para o dia, se passar o impeachment Por Fernanda Ikedo
32 Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
Quando o petróleo era apenas um sonho na década 40 foi organizada a campanha “O Petróleo é nosso”, que resultou, inclusive, na criação da Petrobras. Agora, que ele é uma realidade e que o Brasil produz um milhão de barris por dia, um projeto de lei (4567/16) quer entregá-lo às multinacionais do ramo, como a norte-americana Chevron. O projeto tira da estatal brasileira Petrobras a condição de operadora única do pré-sal e já foi aprovado em primeira sessão no Senado. “Temos que barrar esse projeto nas ruas”, afirma o secretário-geral do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) e da Federação Nacional dos Petroleiros (FUP), Emanuel Cancella, por telefone, em entrevista à revista Ponto de Fusão. Os movimentos em defesa do pré-sal correm contra o tempo para conscientizar a população de que se trata da soberania nacional e de geração de empregos. O projeto, atualmente, está na Câmara dos Deputados, onde passará por 10 sessões de comissões especiais antes de ir para votação no plenário. Cancella explica que no Governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), do PSDB, foram fechados todos os estaleiros do Brasil, com a justificativa de que era mais barato construir plataformas de petróleo e navios no exterior. “Então, o Rio de Janeiro que concentrava o maior centro de estaleiros da América Latina viu desabar todos eles. FHC não se importou com o custo social, na época, imensurável”. O secretário-geral ressalta que o empresário brasileiro ficou de fora e todos os recursos foram para o exterior. A União deixou de arrecadar impostos e o Brasil deixou de gerar empregos.
“O caso do petróleo brasileiro prende-se ao caso do petróleo em geral. Esse produto é o sangue da terra; é a alma da indústria moderna; é a eficiência do poder militar; é a soberania; é a dominação. Tê-lo é ter o Sésamo abridor de todas as portas. Não tê-lo é ser escravo. Daí a fúria moderna na luta pelo petróleo” (MONTEIRO LOBATO, EM O ESCÂNDALO DO PETRÓLEO E DO FERRO, DE 1936)
“Durante os governos Lula e Dilma a construção de estaleiros foi retomada e ainda mais, foi expandida para outros estados. Além do Rio de Janeiro agora tem estaleiro no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e em outros estados”. Por isso, os dirigentes do ramo petrolífero, com o apoio de movimentos sindicais de diversos segmentos, como os Metalúrgicos de Sorocaba e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), além de movimentos estudantis e sociais, apoiam a luta pela defesa do pré-sal. “É importante manter a lei da partilha 12.351/2010, criada no governo Lula, que garante à estatal a obrigação de participar de todos os consórcios de exploração com percentual mínimo de 30% para justamente ampliar a geração de empregos e garantir o desenvolvimento no setor”, afirma Cancella.
O escritor Monteiro Lobato foi ativista na questão da exploração brasileira do petróleo e seu livro inspirou a criação da Petrobras, em 1945
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‘Impeachment é para escamotear a entrega do pré-sal’ O acúmulo de reservas hoje da Petrobras é de 100 bilhões de barris, o que garante o abastecimento do Brasil nos próximos 50 anos. Por isso, os movimentos que defendem o pré-sal estão participando de debates nas universidades e em diversos segmentos da sociedade, para denunciar os interesses que estão por trás da entrega dessa riqueza nacional aos estrangeiros. “Com ou sem impeachment, o pré-sal corre perigo, e, em qualquer cenário, a principal maneira de impedir que esse patrimônio seja roubado é a mobilização popular, a luta nas ruas, nas fábricas, nas escolas e universidades, nos bairros, na internet”, afirma o professor de Relações Internacionais e de pósgraduação em Energia na Universidade Federal do ABC, Igor Fuser.
Chega a ser irônico ver que, nas atuais manifestações, os que usam as cores da bandeira, o verde e o amarelo, são justamente aqueles que defendem a entrega das riquezas do Brasil aos interesses estrangeiros IGOR FUSER
Divulgação
Para ele, que também é jornalista e autor dos livros “Petróleo e poder” (Editora Unesp, 2008) e “Energia e Relações Internacionais” (Editora Saraiva, 2013), se o impeachment, “que na realidade é um golpe de Estado, for bem-sucedido resultará na instalação de um governo de direita, elitista, totalmente comprometido com o capital estrangeiro e com o imperialismo estadunidense”.
Histórico O dirigente do Sindipetro e da FUP alerta que a disputa pelo controle do ouro negro motiva guerras e golpes de Estado. “No Brasil, estão intervindo no Congresso. Em 2009, o José Serra, então candidato, já foi investigado por trocar correspondência com a Chevron, norte-americana do ramo petrolífero, onde prometia recompensas se fosse eleito, mas perdeu a eleição e agora, no Congresso tenta acelerar essa entrega”, afirma Cancella.
Profº da Universidade Federal do ABC, Igor Fuser Stefano Figalo
Outra investida contra essa riqueza nacional foi registrada anteriormente, na década de 90, com a tentativa de FHC de privatizar a Petrobras, sem sucesso. O professor Igor Fuser explica que “no governo tucano se fez até uma tentativa nessa direção, com a mudança do nome da empresa para Petrobrax. Eles acreditavam que o novo nome melhorasse a imagem da marca aos olhos dos potenciais compradores estrangeiros. Mas a troca de nome fracassou, assim como também fracassou a tentativa de privatização”. Já no governo do sucessor Lula foram feitos investimentos em pesquisas e conseguiu-se atingir o petróleo a sete quilômetros de profundidade, sendo cinco mil metros de sal, o chamado pré-sal. “A adoção, ao final do governo Lula, de um marco regulatório que coloca o pré-sal a serviço do desenvolvimento econômico e social do Brasil tem estreita relação com a política externa independente adotada pelo nosso país desde 2003”, ressalta Fuser. 34 Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
Secretário-geral do Sindipetro, Emanuel Cancella
Vilas Operárias
Foguinho
A história operária em tijolos Por Fernanda Ikedo
Arquivo
Na rua Coronel Augusto César do Nascimento, na Barra Funda, de Votorantim, há uma fileira de casas que ainda conservam uma história ligada à vida operária. Com janelas e portas que dão acesso direto às calçadas, as casas geminadas e sem garagem resistem ainda, apesar de algumas modificações e reformas. Foram construídas para moradia dos operários da fábrica de tecidos de Votorantim e de suas famílias. Mas há diferença entre as casas que eram destinadas para as chefias da fábrica. Essas eram maiores em relação às dos operários - com quatro cômodos. Entre elas, está a do seu Moacir Alarcon, que com 76 anos, dispõe de boas lembranças do período em que atuava no setor de fotogravura. Sua função na carteira de trabalho: pantografista. Ele explica que “transplantava o desenho do tecido para o cilindro de cobre”. Não tinha cargo de chefia, mas deu sorte. “Tinha bom relacionamento com o diretor Mathias Gianolla e quando vagou uma casa ele me ofereceu e eu aproveitei”, conta. A prestação ‘cabia’ no salário.
Chave e Barra Funda, as vilas operárias da Fábrica de Tecidos Votorantim. A Barra Funda, no detalhe, é a mais antiga. A Chave tem esse nome porque ali havia uma “chave” de mudança de direção dos trens nos trilhos Ponto de Fusão Nº5 - 2016 35
Acervo Memória Votorantim
Foguinho
Vilas Operárias
As antigas casas operárias de Votorantim, em 1943 e 2016
O pai do seu Alarcon, Francisco Alarcon, era chefe de acabamento na fábrica. Por isso, o ex-pantografista resolveu ajudar no orçamento da família e largou os estudos para entrar na lida. Quando adquiriu seu lar, seu Alarcon tinha apenas 18 anos e já era casado – com a moça que conheceu na própria fábrica. Após 20 anos de empenho na tecelagem de Votorantim ele se aposentou em 1988. Mas antes, tinha trabalhado por 14 anos na Cianê, em Sorocaba (inaugurada em 1913), sempre na mesma função.
Ele diz que na Cianê a jornada era mais puxada, com plantões aos sábados. Na estamparia de Votorantim, trabalhava oito horas por dia. No setor de seu Alarcon tinha 25 empregados. No total, ele diz que chegou a ter seis mil. O ex-pantografista gosta de ativar suas memórias operárias e gosta da história da sua vila. “Eu ouvi dizer que os mesmos operários da barragem (da represa) fizeram essas casas”, diz. Sua casa é a única que conserva os materiais da época, pouco reformada. “Só mudei a pintura, mais nada. A Votorantim pintava com a tinta que usava na fábrica”. O telhado antigo, tijolinhos à vista, duas grandes janelas brancas na frente, com um portãozinho e um pequeno jardim. É o lugar onde ele mora com a esposa e um filho, sem nunca ter pensado em se mudar.
Lazer
Os trabalhadores da fábrica de Votorantim contavam com o Clube Atlético. Seu Alarcon ajudava nos carnavais. Quando tinha um tempo sobrando, seu Alarcon acompanhava os jogos do Savóia, o primeiro time profissional de Votorantim. “Tinha bons profissionais”.
Especulação
Para fugir dos incômodos da capital, o bairro Barra Funda é muito procurado por paulistanos que buscam uma qualidade de vida no interior. Já chegaram a bater no portão do seu Alarcon com proposta de compra da casa. Ele até diz que conhece gente que aceitou a proposta e se mudou dali. Mas ele e sua família não.
Foguinho
Fábrica de Tecidos Votorantim nos dias atuais
Foguinho
Outras vilas Bairro da Chave, Vila Alpina (da Fiação Alpina), Santa Helena, em Votorantim, são nomes de outras vilas operárias, que surgiram com o nascimento das fábricas de tecelagem e de cimento, nas décadas de 30 e 40.
Hoje o bairro é muito procurado por pessoas que moram em São Paulo e que querem fugir dos transtornos da Capital. Mas minha casa não vendo não
Em Sorocaba, o entorno da antiga Fábrica de Tecidos Santa Rosália era povoado por operários.
Moacir Alarcon
Em Sorocaba O professor universitário e pesquisador, Paulo Celso da Silva, tem um trabalho que traz referências sobre a formação da primeira fábrica de tecidos de Sorocaba, em “De Novelo de Linha a Manchester Paulista”. “A primeira fábrica têxtil montada em Sorocaba acontece em 1852 por iniciativa do agricultor Manoel Lopes de Oliveira. Embora não tenha passado de uma tentativa fabril, a experiência de Oliveira chegou a produzir ‘300 onças de fio por dia’ em 1857”. Conforme o estudo a primeira indústria têxtil - com êxito - usará apenas o algodão da região de Sorocaba, em 1882. Em um capítulo sobre a industrialização da cidade, Paulo Celso explica que as fábricas Santa Maria, próxima à ponte do Rio Sorocaba e dos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana, a fábrica São Paulo (Estamparia), na avenida São Paulo, e a do Além-Linha (a que ficava do lado terminal Santo Antonio) foram as responsáveis
pela expansão da cidade e da economia mercantil. Pelo livro do historiador Antonio Francisco Gaspar, em 1909 a maior concentração de população operária é no Além-Linha. A Cia. Nacional de Estamparia (Cianê), em Santa Rosália, tinha mais de 200 residências. O pesquisador cita uma referência em seu livro que traz o ambiente em que se vivia nas vilas operárias: “A vida operária nessas vilas era um prolongamento da rígida disciplina imposta no regime de trabalho fabril... Além da presença paternalista conservadora dos patrões, o controle social sobre as famílias de trabalhadores, nessas vilas operárias, se fazia presente através de escolas para as crianças, creches, armazéns e capelas, onde se veiculava a ideologia dominante”. (HARDMAN, Foot & LEONARDI, Victor. História da indústria e do trabalho no Brasil. 2a. ed. revista pelos autores. São Paulo: Ática, 1991).
“Fachadas dos moderníssimos bangalôs que a Cia. Nacional de Estamparia está construindo na Vila de Sta. Rosália. Como se vê, as construções em aprêço obedecem ao mais moderno estilo, marcando-se por traços do mais apurado gôsto”. Legenda do Jornal Cruzeiro do Sul de 15 de agosto de 1941
Em 2008, a Prefeitura de Votorantim organizou o livro “Conheça Votorantim Volume 1 - Vilas Operárias”. A obra conta que essa vila operária surgiu na década de 40 com cerca de 120 casas em frente à fábrica de cimento. Havia igreja, praça, escola e armazém, além de padaria, farmácia e campo de futebol. A igreja que atendia os fiéis da época foi construída na década de 50 e ainda continua lá. Já as casas foram demolidas em 90.
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Renovação da Frota
Por mais segurança, empregos e menos poluentes Entidades do ramo automobilístico sugerem que proprietários com carros com mais de 15 anos e caminhões a partir de 30 anos possam receber incentivos na troca por um mais novo Por Fernanda Ikedo
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Por eficiência energética, diminuição da poluição, geração de empregos e redução de acidentes, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (CUT), a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e mais 17 entidades aguardam a implantação do Programa de Renovação de Frota ainda para este ano. Após discussões com as entidades do ramo automobilístico chegou-se a um consenso sobre os principais conceitos (incluindo carros de passeios) e um documento foi entregue em dezembro do ano passado ao Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Mas, na análise do presidente do Sindicato do ABC, Rafael Marques, o programa só será efetivado após o fim da crise política. “O Brasil precisa voltar a discutir os projetos que são importantes para o desenvolvimento do país e parar com essa tentativa de golpe, que é uma luta do poder pelo poder e que já devia ter sido encerrada com as eleições em 2014”, afirma Marques. Questionado pela Ponto de Fusão, em entrevista coletiva realizada no dia 6 de abril, o então presidente da Anfavea, Luis Yabiku Moan Jr., disse que está em constante contato com as áreas técnicas do Ministério para tratar os detalhes dos estímulos da renovação, que pretende tirar cerca de dois a três milhões de motos e carros com mais de 15 anos , além de aproximadamente 250 mil caminhões com mais de 30 anos. De acordo com o dirigente sindical Rafael Marques, o rejuvenescimento da frota pode ocorrer por medida provisória ou no convencimento do Congresso Nacional (Câmara e Senado) a aprovarem o projeto feito por várias mãos. “Assim, criaria possibilidades para que as pessoas pudessem adquirir veículos novos e haveria uma grande movimentação em toda cadeia produtiva com um impulso no desenvolvimento econômico brasileiro”. Ponto de Fusão Nº5 - 2016 39
Renovação da Frota
Foguinho
Rafael Marques, presidente do Sindicato do ABC
Luis Yabiku Moan Júnior, presidente da Anfavea Foguinho
“A parte da reciclagem desses veículos já está resolvida, tem uma rede trabalhando nessa questão. Um carro pequeno, por exemplo, tem cerca de 800 quilos de material ferroso que podem ser aproveitados como matéria-prima com melhor preço nas indústrias”, exemplifica Moan. Ainda segundo Moan – que deixou a cadeira da presidência da entidade no dia 25 de abril, transmitindo o cargo para Antonio Megale – não é possível estipular um prazo para a efetivação do programa. Em declaração ao jornal Valor, feita em janeiro deste ano, o presidente da Fenabrave (representante das concessionárias), Alarico Assumpção Júnior, disse que o impacto da medida seria um consumo adicional de até 500 mil veículos por ano.
Foguinho
O secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), Leandro Soares, destaca as novas tecnologias de segurança dos carros fabricados a partir das imposições do programa do governo federal Inovar-Auto. “Já os carros antigos, com mais de 15 anos, apresentam maiores riscos de acidentes no trânsito, fora os poluentes que eles emitem”. Um dos itens que estão sendo discutidos e aprimorados referem-se ao incentivo que será dado ao proprietário do automóvel velho. Provavelmente, será via carta de crédito para quem quiser trocar o veículo antigo. Cogita-se uma proposta que conta com o fundo do DPVAT, seguro obrigatório, para que o governo possa utilizar os recursos na compra desses veículos e destiná-los à completa destruição.
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Sustentabilidade
Leandro Soares, secretário-geral do SMetal
Plano para renovar caminhões e ônibus é antigo A reivindicação pela renovação de frotas de caminhões, especificamente, é antiga. Ainda em 1996 o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC já tinha proposta para a renovação permanente de caminhões e ônibus.
Perfil dos caminhoneiros Informações médias • Idade: 44,3 anos • Renda mensal líquida: R$ 3,9 mil - Autônomos: R$ 4,1 mil - Empregados: R$ 3,4 mil • Estão na profissão há 18 anos • Trabalham 11,3 horas por dia 40 Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
• A frota tem 13,9 anos - 16,9 anos dos veículos dos autônomos -7,5 anos dos veículos de frota • Os caminhões rodam 10 mil km/mês Fonte: Confederação Nacional do Transporte (CNT)
A maior retração da indústria automobilística é no segmento de caminhões. No começo de abril, a Anfavea divulgou que a produção de caminhões terminou março com 5,7 mil unidades produzidas, sendo que em março do ano passado foram 7,4 mil unidades que saíram das linhas de montagem, o resultado é inferior em 23,2%. Um dos pontos principais é a renovação da frota usada pelos caminhoneiros autônomos que rodam no país e possuem os veículos mais antigos.
Geração de emprego em toda a cadeia produtiva do setor automobilístico Diminuir poluição do ar
Eficiência energética. Mais kms rodados por litro de combustível
Aumento nas vendas de novos e seminovos
Trânsito mais seguro
Mais segurança para os motoristas
Principais vantagens
Roberto Parizotti/ CUT
Atos públicos em defesa da renovação
Movimento sindical cobra incentivos para o impulso na economia do setor. A Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM/CUT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM/ Força Sindical), com apoio da CUT/SP e dos metalúrgicos do ABC, promoveram manifestações em 2015 em defesa da renovação da frota de caminhões no país. O ato ocorreu em frente à sede regional do Ministério da Fazenda, em São Paulo. Segundo os sindicalistas, os caminhões novos consomem 10% menos diesel em comparação com os antigos, que consomem 28% a mais em distâncias de até 800 km e 35% acima de 6 mil km. Ponto de Fusão Nº5 - 2016 41
Entrevista
“É preciso debater um projeto para o País” O economista e líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, concedeu entrevista à equipe da revista Ponto de Fusão, na sede do Diretório Nacional do MST, em São Paulo
Foguinho / SMetal
Por Fernanda Ikedo
N
a tarde de uma quinta-feira, dia 18 de fevereiro, João Pedro Stédile ressaltou que se a Lei de desapropriação de terras improdutivas fosse efetivada faltariam sem terra no Brasil, já que o país possui mais de 120 milhões de hectares de terras improdutivas. Durante a entrevista, não faltaram críticas construtivas ao governo 42 Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
de Dilma, além de uma análise sobre o atual caráter da reforma agrária, que é o de levar alimentos saudáveis para as mesas de todos os brasileiros. Stédile assevera também que é preciso colocar energia na formação política, no estudo, na reflexão sobre a história da classe trabalhadora e que “não existe saída sem se debater um projeto para o País”.
A reforma agrária representa uma nova concepção de como você organiza a função social da terra
Revista Ponto de Fusão Pode explicar a importância da reforma agrária para os metalúrgicos?
João Pedro Stédile – A reforma agrária historicamente, e se quiserem, ao longo do século 20, quando a humanidade, estava organizada fundamentalmente no capitalismo industrial e os estados queriam ser republicanos – a questão da terra emergiu na luta de classes por pressão dos camponeses. Mas com um sentido de que era preciso democratizar o monopólio da propriedade da terra, que estava nas mãos dos latifundiários. Distribuir essa terra para os camponeses pobres que pagavam a renda, que eram assalariados e, portanto, você aplicaria na prática, a democratização do direito ao acesso ao bem da natureza, que é a terra. E seria a concretização dos princípios republicanos. Todos os cidadãos são iguais perante a lei. Por que apenas alguns tinham direito à terra e não todos? Do ponto de vista econômico, a distribuição da terra naquele período representava transformar os camponeses em produtores de bens para a sociedade e consumidores dos bens da indústria. E com isso, em todos os países onde foi feita a reforma agrária, foi feito em aliança com a burguesia industrial, porque ela tinha interesse de desenvolver o mercado interno de seus produtos. Foi assim que se fez em todo o hemisfério norte – chamadas de reformas agrárias clássicas ou burguesas. RPF - E agora? Stédile - Agora, no mundo inteiro e aqui no Brasil a reforma agrária não é apenas distribuir terra. A reforma agrária tem que representar uma nova concepção de como você organiza a função social da terra. Não é mais apenas para garantir o
direito ao trabalho do camponês. Agora, ela é necessária porque os camponeses são os únicos que podem produzir alimentos saudáveis para toda a sociedade porque o modelo do capital, que é o agronegócio,
Os camponeses são os únicos que podem produzir alimentos saudáveis para toda a sociedade ele só produz em grande extensão de terra e com uso intensivo de veneno. E o veneno mata a natureza, altera o clima e vai para o estômago e algum dia vira câncer. RPF - Por quais razões essa produção que envenena e mata prevalece no Brasil? Stédile - A reforma agrária que interessava aos capitalistas era quando a burguesia industrial e o capitalismo industrial eram hegemônicos no século 20, porém desde a crise da década de 90 o capitalismo mudou e entrou para uma nova etapa que nós chamamos de capitalismo globalizado. Nessa nova etapa do capitalismo globalizado, dominado pelo capitalismo financeiro e pelas multinacionais, não interessa mais a reforma agrária. Eles substituíram a ideia da democracia da propriedade, da produção de alimentos pelos camponeses por alta produtividade e pelo veneno. Então, lutar por reforma agrária agora não é só voltar a debater o direito à propriedade.
Agora, é debater um novo modo de produzir na agricultura, que priorize alimentos saudáveis, o respeito à água, à biodiversidade, ao não uso de venenos e a potencializar uma vida social no campo. Porque o projeto do agronegócio é expulsar todo mundo do campo e mandar para as favelas. E na cidade, que se virem. São Paulo é a prova disso. É um grande produtor agrícola, mas produz o quê? Cana-de-açúcar, laranja e um pouco de gado, no oeste. O povo da cidade de São Paulo vive com etanol, açúcar, laranja e eucalipto? Que inclusive, é uma das causas da seca na Cantareira. Hoje, a cidade de São Paulo corre sérios riscos de desabastecimento porque se cai uma ponte na marginal e parar de entrar caminhões com comida a população passa fome em uma semana. RPF - Pra ser revertida essa lógica precisa contar com os movimentos sociais. O povo está com essa consciência? Stédile - O Brasil vive um período histórico muito difícil que está marcado por uma crise econômica – faz três anos que a economia não cresce; por uma crise social os problemas das grandes cidades só se avolumam: falta de casa, falta de escola, falta de saneamento, transporte público; vive uma crise política, porque os políticos não representam mais o povo – 0.0.1% da população acredita nos políticos; e uma crise ambiental – as agressões capitalistas à natureza se refletem na falta de água, nas alterações climáticas, tudo isso vemos todos os dias. Essa crise é grave porque não é uma crise passageira ou uma crise de governo. É uma crise da forma que a sociedade está organizada e, segundo os nossos historiadores, ela só se evidenciou na sociedade brasileira na crise da década de 30, depois, na década de 60 e depois, na Ponto de Fusão Nº5 - 2016 43
Entrevista década de 80. Cada vez que acontecem essas crises as saídas são muito difíceis e prolongadas. Não é apenas resolver com uma passeata ou com uma eleição. Você só sai de uma crise estrutural quando um conjunto de forças sociais consegue aglutinar uma proposta de um projeto de saída para o País e conseguir o apoio da maioria da população. RPF - Quais as chances de se sair dessa crise? Stédile - O que vivemos hoje? Nenhuma classe social no Brasil e nem as suas expressões partidárias estão apresentando um projeto de saída para a crise, nem pela direita, nem pela esquerda, nem pelo centro. E isso é trágico porque demonstra que vamos demorar muito tempo para sair da crise porque enquanto as classes não se aglutinarem num projeto não haverá saída. Se ler os jornais hoje aparecem as ideias mais estapafúrdias. Tem uma parte da burguesia dos banqueiros, das multinacionais, que querem a volta do neoliberalismo, liberdade total para o capital. Mas o neoliberalismo não é um projeto para o país, é um projeto de lucro que nem sequer inclui a burguesia industrial. Tem um setor da burguesia industrial que tem as metalúrgicas lá em Sorocaba, da cervejaria, da Friboi, que para eles não interessa o neoliberalismo. Eles querem desenvolver o mercado interno porque se o povão não comer carne e não tomar cerveja eles não têm lucro. E tem um setor da classe média reacionária, que é 8% da nossa população, que acha que a saída pra crise é derrubar a Dilma, mas nem a grande burguesia acredita nisso. A grande burguesia tá usando outra tática. Eles percebem que a crise é grave e que vai demorar sair. A tática que eles estão usando é tentar usar todos os espaços institucionais 44 Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
que eles puderem para ir colocando suas ideias neoliberais. Então, eles vão se infiltrando no próprio governo Dilma, como o Levy, que era funcionário do Bradesco, assim como está lá a Kátia Abreu, do agronegócio, entre outros. Eles tentam usar o poder judiciário para acuar o debate na classe trabalhadora e tentam usar a mídia. Essa mídia burguesa que todos os dias fala mal dos trabalhadores, do neodesenvolvimentismo para tentar criar um pensamento na sociedade hegemônico pró-neoliberalismo.
Nenhuma classe social no Brasil está apresentando um projeto para sair da crise... E isso é trágico RPF - Qual seria a saída pela esquerda? Stédile - Do nosso lado, da classe trabalhadora, qual é a dificuldade que nós temos? Primeiro, temos que nos acertar entre nós e também construirmos um projeto. Até o governo Lula, a maior parte das forças da classe trabalhadora se conformou com o projeto neodesenvolvimentista, mas o projeto era um pacto da classe trabalhadora com a burguesia avalizado pelo Lula. Quando ele saiu terminou o pacto e o neodesenvolvimentismo se esgotou. Mesmo que nós apoiemos Lula em 2018, ele só se viabilizará se defender um projeto popular. RPF - Quem pode encabeçar esse projeto? A Frente Popular?
Stédile - Ela é uma frente ampla para se defender. As nossas atitudes são muito mais reativas a impedir o golpe. Temos que ser contra o projeto de reforma de previdência, terceirização, então, a Frente Popular por ora ela tem cumprido um papel importante, mas muito mais uma frente ampla para defender os interesses da classe, mas ainda nós não temos unidade para construir um projeto alternativo para o país. O segundo desafio que nós temos é que só se constrói um projeto da classe trabalhadora se houver um reacenso do movimento de massa e nós não temos ainda. Em 35 houve, em 60 houve, em 89 houve. RPF - Há um movimento contrário? Stédile - É natural esse tempo de espera antes do reacenso, vem a crise, vem a conscientização sobre a causa dos problemas e a classe começa a se mexer em proveito próprio. Eu acho que a gente já saiu do final do túnel. Houve outros períodos que a classe trabalhadora estava mais quieta, porque tinha emprego com o governo Lula, porém, nos últimos anos a crise tem se manifestado, aumentaram as greves. É verdade que as mobilizações que nós fizemos no ano passado ainda são apenas a militância e esse é o nosso problema porque a classe trabalhadora como massa ainda está sentada no sofá, assistindo na televisão. O nosso desafio é tirar ela do sofá. Mas isso não é em um passe de mágica, mas eu não tenho dúvida que nos próximos anos a classe trabalhadora voltará a se mobilizar. Nesse bojo do novo período de desenvolvimento das massas é que nós vamos ter novos líderes, novas formas de luta e vamos ter as condições políticas para construir um projeto de país.
DIVULGAÇÃO / MST
A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E O POSICIONAMENTO DO MST Por que os banqueiros querem essa reforma?
João Pedro Stédile é enfático ao dizer que é o povo quem faz a mudança
RPF - Como se preparar para esse tempo? Não existe receita. Existe reflexão a partir das experiências históricas. Nos períodos de crise, como agora, são tempos de você botar todas as energias possíveis para articular unidade, ou seja, as saídas dependem das massas, e para isso, precisa criar espaços unitários. Ninguém aqui vai ser o bam-bam -bam. Segundo, temos que botar energia na formação política porque o estudo dos clássicos, a reflexão sobre a história da classe trabalhadora, que te dá os elementos para se desvendar o mistério do que está acontecendo. Então, todas as forças da classe trabalhadora, seja no sindicato, nos partidos ou nos movimentos, têm que botar energia na formação política. Estudar, estudar, ler, fazer curso de formação. E terceira tarefa prioritária é a comunicação de massas, ou seja, temos que usar tudo que é instrumento para chegar nas massas. Porque se elas não tiverem consciência do que está acontecendo não irão se mobilizar. E você chega às massas de mil formas, com jornal, com panfleto, com a arte contestatória, com o teatro comprometido, com músicas.
RPF - Agora, em relação ao segundo mandato de Dilma, vocês (dirigentes do MST) citaram na Carta de Caruaru que as medidas tomadas por Levy foram um equívoco. Como o movimento avalia esse segundo mandato e como vai atuar? Certamente cada um pode ter a sua avaliação sobre a natureza do governo Dilma. Na avaliação do MST o governo está perdido porque ele não consegue ser expressão de uma força da sociedade que tem um projeto. Então, se você olhar a composição do governo Dilma é de chorar. Tem todas as correntes ideológicas desse mundo, desde a Kátia Abreu (do agronegócio) até companheiros de esquerda como o Juca Ferreira e Patrus Ananias, do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Porém, o governo é essa geleia que não tem projeto. Ao não ter projeto ele é refém de quem pressiona. Só que nesse momento de crise, como as massas estão anônimas e os militantes, como nós, estamos na defesa contra o golpe, não tivemos capacidade ainda de pressionar o governo propositivamente. Acho que agora, com essa burrice do governo de pautar a reforma da previdência, a classe
Porque a privatização da previdência é uma das formas deles acumularem capital das contribuições previdenciárias sem custo, ou seja, quando você implementa a previdência privada, como aconteceu no Chile, na Argentina e no México, os trabalhadores vão contribuindo, os bancos vão montando os fundos e vão devolver para os trabalhadores daqui a 20 anos. Por isso, é uma pauta dos banqueiros. Foi o principal tema do discurso do Trabuco, presidente do Bradesco, na reunião do Conselho da Dilma. Um banqueiro está preocupado com a previdência dos trabalhadores? Vi com alegria que as centrais sindicais, unitariamente, são contra. Nós, do campo, já dissemos: se mexer na previdência dos trabalhadores rurais haverá mobilizações em todo o país. É uma questão de honra, passamos cem anos lutando e agora vamos perder para um governo que nós elegemos? Ponto de Fusão Nº5 - 2016 45
Entrevista trabalhadora, pelo lado das centrais sindicais, vai começar a ter então atitude propositiva em relação ao governo. Nós, na reforma agrária também, já deu o tempo de espera e este ano vamos aumentar as mobilizações em todo o país, até porque o desemprego aumentou. RPF - Como se segura o jovem no campo? Stédile - De duas formas: garantindo renda e estudo. Nós con-
quistamos um programa que se chama Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), que permite aos jovens do campo entrar na universidade sem ter que mudar para a cidade. Porque são sistemas de alternância, vai pra universidade, estuda dois meses e depois volta para casa. E a maneira de dar emprego pro jovem no campo é a agroindústria cooperativa, porque uma agroindústria cria dezenas de formas diferentes de trabalho que não seja enxada. Ninguém quer ganhar uma enxada de presente no
Natal. Temos que criar essas outras formas de trabalho, seja de contador, de motorista, de bioquímico, administrador, agrônomo, veterinário. Ele pode morar no campo, ter uma vida boa, potencializar sua vocação em outras oportunidades que há na sociedade. RPF - Houve assentamentos em 2015? Stédile - No final do ano o Incra apresentou para nós a tabela e foram assentadas cerca de 30 mil fa-
A reforma agrária é para beneficiar todaa a população com alimentos saudáveis “O alimento saudável se transformou agora na principal bandeira da reforma agrária, porque antes as pessoas viam reforma agrária apenas como ‘direito dos pobres de ter terra para trabalhar’, agora não. A reforma agrária é a única forma de você produzir alimentos sem veneno. A sociedade tem que escolher e nós percebemos que esse é o tema que nos ajuda a explicar a reforma agrária para a população. Em outubro do ano passado, nós fizemos uma feira de agroecologia dos produtos de reforma agrária, no parque Água Branca, em São Paulo. Quando começamos contatos com a prefeitura e com o governo do estado todos nos chamavam de loucos. Eles diziam que os sem-terra seriam enxotados pela classe média. Fizemos e foi um sucesso absoluto. Passaram pelas catracas do parque, na feira, 150 mil pessoas em três dias. No segundo dia já começou a faltar produto.”
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O único jeito de se ter alimento saudável é pela agricultura familiar e camponesa, porque o agronegócio só produz em larga escala e com veneno
Como o hemisfério sul sempre foi tratado para oferecer matéria-prima e mão de obra barata a burguesia nunca se interessou em fazer a reforma agrária. Em contrapartida, é possível que agora, no hemisfério sul, quando fizermos uma reforma agrária, será popular, não mais uma reforma burguesa apenas para incentivar a indústria.
RPF - Quanto tem de terra improdutiva no Brasil?
RPF - Até se encontram produtos orgânicos nas prateleiras, mas são sempre muito caros. É por serem poucos que produzem?
Stédile - O Brasil é o país do mundo que mais concentra propriedade da terra. A pirâmide é mais ou menos assim: 1% de maiores proprietários acima de 1.000 hectares são 65 mil fazendeiros, mas eles controlam 60% de todas as terras. Lá embaixo da pirâmide, onde estão 85% da população rural, controlam só 15% das terras. Por outro lado, temos ao redor de 4 milhões de famílias que vivem no campo e não têm terra, ou são arrendatários, meeiros, assalariados ou vivem nas periferias das pequenas cidades. Então, uma reforma agrária, nesse momento, poderia desapropriar, pela lei, só entre as grandes propriedades acima de 1.000 hectares improdutivas, mais de 120 milhões de hectares passíveis de desapropriação. Se nós aplicássemos a Lei que está aí de reforma agrária ia faltar sem-terra. RPF - Quais os outros países que não fizeram a reforma agrária? Stédile - Todo o hemisfério sul. Quem fez a reforma agrária foi o hemisfério norte, que se industrializou e fez a reforma, mas do Equador para baixo nenhum país fez. Alguns países da África aproveitaram a descolonização e distribuíram terra, como Moçambique, mas já a África do Sul não distribuiu. O pacto do Mandela manteve a terra para os brancos.
Stédile - O culpado pelo produto ser caro nas prateleiras do Pão de Açúcar é o dono do Pão de Açúcar. Por quê? É tudo uma lógica capitalista. Eles perceberam que a parcela da população que está disposta a comprar orgânicos e quer orgânico porque tem consciência que está salvando sua saúde, é a parcela que tem mais dinheiro. Então, o supermercado aumenta o preço para aumentar seu lucro a partir da consciência da classe média. Um exemplo, o preço do tomate orgânico no Pão de Açúcar é de R$ 14 o quilo. Um dos fornecedores do Pão de Açúcar é um amigo nosso, que tem um sítio aqui perto do aeroporto de Viracopos. Ele produz tomate orgânico em grande quantidade com muita mão de obra sem veneno e vende para o Pão de Açúcar. Ele vende o tomate a R$ 3,50 o quilo. E ele vende no Parque da Água Branca, aos sábados. Perguntei se ele tem lucro a R$ 3,50 ele disse: “muito”. O supermercado aumenta a taxa de lucro porque sabe que tem uma população que está disposta a pagar. Não é que o orgânico seja mais caro, nem que tenha menos produção. Hoje, somos vítimas do monopólio exercido pelas grandes redes de supermercado.
Foguinho / SMetal
mílias, porém, 26 mil foram em assentamentos antigos. Famílias que desistiram, lotes que estavam vagos. Então, o Incra foi pegando gente em acampamento e colocando lá. Isso não representa desapropriação. O que não houve no ano passado foi desapropriação de terras improdutivas. As outras três mil, que foram em áreas novas, foram desapropriações feitas ainda em 2014.
SERVIÇO Veja trechos da entrevista em vídeo em www.smetal.org.br/entrevistas Ponto de Fusão Nº5 - 2016 47
Lançamentos, agendas e dicas culturais
Livro aborda alimentação saudável Foguinho / SMetal
No dia 30 de março foi lançada a obra “O Sonho de Lara”, uma realização do Banco de Alimentos de Sorocaba com apoio do SMetal. O livro infantil conta a história de uma menina que não queria saber de comer frutas e legumes, até que um sonho revelador fez mudar seu comportamento. Quem tiver interesse pode contatar o autor João Aparecido Almeida do Nascimento para palestras em comunidades e escolas. O contato é o Banco de Alimentos: (15) 3417-4722.
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Mariamadame “A caminho” A banda sorocabana Mariamadame está lançando um novo single, chamado “A caminho”, que foi produzido por JR Tostoi, mesmo produtor de álbum do músico Lenine. A música conta com participação de Pedro Viafóra, integrante da banda “5 a seco”. Todo o trabalho da banda está disponível gratuitamente em plataformas on-line, entre elas Napster, Deezer, Itunes e Spotify. A Mariamadame ainda tem uma web série no youtube.com/mariamadame, com a proposta de postar uma música nova toda semana. Ficou curioso, acesse lá!
No dia 14 de maio de 2016 será feito o lançamento oficial do Fórum de Cultura Popular e Tradicional de Sorocaba e Região na Biblioteca Infantil Municipal “Renato Sêneca de Sá Fleury”, que fica na Rua da Penha, 673, Centro, de Sorocaba. O evento está previsto para começar às 9h com término às 20h. Haverá leitura da carta oficial e apresentações com os grupos de cultura popular da cidade. O Fórum foi criado com a intenção de debater políticas públicas voltadas para a cultura popular e tem como principal objetivo a prática de mútuo apoio para o fortalecimento do coletivo.
Inscrições abertas para projetos culturais Estão abertas as inscrições para apresentação de projeto cultural para concorrer à verba da Lei de Incentivo à Cultura (Linc) de Sorocaba em 2016. O investimento total será de R$ 900 mil. Os trabalhos artísticos devem ser das seguintes áreas: Artes Cênicas; Artes Visuais; Cinema e Vídeo; Letras; Música; Formação Cultural; Patrimônio Histórico e Cultural; e Festivais Artísticos e Culturais. 48 Nº5 - 2016 Ponto de Fusão
As inscrições poderão ser feitas até o dia 10 de maio ou até atingir o número máximo de 130 projetos inscritos. Cada projeto será avaliado integralmente por dois peritos, que deverão emitir uma única avaliação consensual a respeito do projeto em análise. Junto ao projeto deve ser apresentado o formulário-guia e os documentos exigidos no edital. Mais informações: cultura.sorocaba.sp.gov.br/linc
Divulgação
Participe do Fórum de Cultura Popular
História e diversão em meio à natureza Há destinos próximos à Sorocaba e que valem a pena conhecer e passear com a família. Entre eles, está a represa de Itupararanga, que abrange várias cidades como Votorantim, Piedade e Ibiúna. A beleza da centenária barragem é atrativa para fotos e para deslumbrar turistas. O acesso às águas se dá pelos campings que cobram de R$ 10 a R$ 25 a entrada. Para quem gosta de esportes pode curtir stand-up paddle (remar na prancha), vela ou simplesmente, nadar e se refrescar. Outro local bastante frequentado é a Floresta Nacional de Ipanema. Vale piquenique com a família, trilha com os amigos e muito conhecimento histórico, pois a Flona, como é conhecida, foi a primeira siderúrgica nacional. A entrada custa R$ 7 por pessoa e fica aberta aos finais de semana. Divulgação
Em cena
ENTRE O CONCRETO E O ABSTRATO São Paulo, região central. Uma capital de cultura e de diversidade. Um espaço de lutas por justiça social e terra de oportunidades. O olhar, revelado em preto e branco, é do fotógrafo Foguinho.
Crônica
Passou
Miriam Cris Carlos é Doutora em Comunicação e Semiótica, professora e pesquisadora do Mestrado em Comunicação e Cultura da UNISO miriamcriscarlos@gmail.com
Ergueu os bracinhos curtos e equilibrou-se com os olhinhos arregalados: - Bobô! Num movimento rápido, o avô arqueou-se, ergueu o meninozinho e sentiu a pontada. Teve que ser forte para não derrubar o neto. A dor subia pelas costas e descia pelo quadril. Disfarçando o desconforto, sorriu forçado para o menino, que agora atirava o corpinho na direção da mãe, única por quem ele deixaria o colo do avô. Recolheu-se. Depois do banho, pomada de arnica. Logo estaria bem. Mas não: uma semana sem pegar a bicicleta para a corrida matutina. No trabalho, esteve mais calado que o costume. Foi menos vezes à mesa do café. Evitou escadas. Era avô com bicicleta, trabalho e namorada, que o convenceu a marcar o médico: - Bom dia. Eu... Sem concluir, ouviu a voz impaciente: - Convênio? Disse qual. A resposta desoladora: - O doutor tem pra setembro. Era março. Teria de ver águas fechando o verão, o inverno passar e só na boa nova da primavera é que ergueria o neto novamente. - Particular tem antes? - Hoje à tarde. Umas duas? Posso conseguir um encaixe. - Pode marcar. Duas em ponto entrou no consultório lotado. Chama o primeiro paciente. O segundo. O terceiro. O quarto. Quatro horas. Dirige-se à recepcionista: - Meu encaixe é a que horas? - Encaixe precisa esperar... sobrando um tempo o doutor chama.
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Por Miriam Cris Carlos Ilustração: Júlio Freire
Espera que espera, entra o último paciente. Ele se anima. Chegam três pessoas conversando e rindo alto. Um homem. Duas mulheres com pasta executiva, salto e, aparentemente, nenhuma dor. Cumprimentam a recepcionista com familiaridade. Sentam-se, falando sobre médicos e amostras. Sai o último paciente. Reanimado, pensa: minha vez. E a recepcionista pede ao homem da pasta que entre. Mais meia hora. Agora sou eu, conclui. Mas a recepcionista pede à loura alta e linda que entre. Ele se dá conta de que já está ali há três horas e meia. Olha para a segunda mulher, morena, que sorri um riso amarelo, e que será a próxima a ser atendida. Inquieto, imagina-se em luta com o médico. A loura grita. A morena desmaia. A recepcionista ameaça chamar a polícia, mas é impedida, porque ele destrói o telefone, derruba o balcão com a caixa de fichas. Absurdo fazer ficha a mão. Depois de destruir o estetoscópio, endireita o corpo e se vê novamente na sala quieta. Sai a loira, entra a morena e ele percebe, surpreso, que a dor desapareceu. Se esperou sentado na poltrona incômoda por três horas e meia, também poderá erguer o neto, correr com a bicicleta, tomar café, subir as escadas e sair com a namorada. Levanta-se de supetão, deixa o consultório sem se despedir, ao mesmo tempo em que envia uma mensagem à namorada. Ao fechar a porta do consultório, com uma sensação de indignação e liberdade, ouve a recepcionista gritar: -Senhor! O senhor é o próximo...