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A Hipérbole | Nuno Garoupa

“Dos melhores do mundo ao milagre. Do povo mais virtuoso à luz da Europa. Das glórias do passado à potência mais tecnologicamente avançada no futuro.”

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No novo normal que vivemos, a política portuguesa aderiu entusiasticamente ao discurso hiperbólico que Belém tem promovido desde o início do seu mandato. Dos melhores do mundo ao milagre. Do povo mais virtuoso à luz da Europa. Das glórias do passado à potência mais tecnologicamente avançada no futuro. De sentinela das virtudes lusotropicais à sociedade mais justa do planeta. Da melhor democracia ao regime político unanimemente elogiado pelo mundo fora.

Este discurso não será completamente novo. Na verdade, encontra amplas referências na semântica patriótica do Estado Novo, vive do mito do Quinto Império, recupera a esperança de um futuro melhor dentro da União Europeia (então CEE), densifica o otimismo que faz bem a Portugal, tão na moda antes da crise de 2011. A hipérbole é a EXPO98 sem a EXPO98.

O milagre tem os seus benefícios, obviamente. É a política da emoção. Esconde a realidade, apelando ao coração e à alma. Na incerteza de um vírus malvado, sem cura, a hipérbole oferece segurança a quem convive mal com a incerteza. Tranquiliza os espíritos mais irrequietos. Apela a uma fé sem limite no poder político. Anima uma visão redentora de uma nova realidade que é ainda incompreensível.

Mas a retórica hiperbólica tem os seus inconvenientes. Permite ganhar tempo, mas não muda a realidade e ganhar tempo só faz sentido como antecipação de uma nova realidade. Sem uma nova realidade, a retórica hiperbólica gera e acarinha inevitavelmente frustrações, que a prazo se transformarão em mais desgaste das instituições. Num país em que quase metade já não vota.

A retórica hiperbólica esconde um país traído e sem saída. Não é um país que desistiu. É infinitamente pior. A hipérbole usa a emoção frívola para esconder a ausência de alternativas racionais à desistência. E isso tem um nome: acomodação ao medíocre, preguiça de fazer melhor.

Parafraseando, a hipérbole pode enganar todos durante algum tempo, pode enganar alguns o tempo todo, mas não enganará todos o tempo todo! E as suas consequências não vão ser bonitas de se ver!

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