Após 4 meses de pandemia, UFRGS ainda prepara Ensino Remoto Emergencial - Reportagem Sul21

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Após 4 meses de pandemia, UFRGS ainda prepara Ensino Remoto Emergencial Alunos relatam incertezas e inseguranças sobre as atividades remotas na universidade Samira Rodrigues e Sofia Lungui Estudantes de Jornalismo da PUCRS Orientação: professor Moreno Cruz Osório

O novo coronavírus tem provocado mudanças em diversos âmbitos da vida. Por conta da emergência do isolamento social como medida de contenção da propagação da Covid-19, a educação acabou se tornando vítima da crise. A pandemia acentuou as diferenças sociais, porque os estudantes mais carentes têm dificuldades para estudar em casa. Passados quatro meses da suspensão das aulas presenciais, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) não tem uma solução concreta para isso. Alunos e professores sofrem com a morosidade da instituição em propor alternativas de ensino e com as incertezas em relação ao plano de Ensino Remoto Emergencial (ERE), sistema de aulas remotas que está sendo desenvolvido e ainda não foi implementado. Desde março, o calendário de 2020/1 está paralisado, embora alguns professores tenham optado por ministrar aulas remotas antes de ser definido um posicionamento oficial da universidade. Essas aulas, no entanto, não estão levando em conta o calendário, ou seja, os alunos não são penalizados por não participarem. Já foram aprovados auxílios emergenciais para financiar banda larga e tablets aos estudantes de baixa renda - contudo, esses auxílios só irão se efetivar a partir de agosto. Instituição pública de importante papel social e econômico para o RS, a UFRGS é uma das maiores universidades do Brasil. Do total de 32.491 alunos matriculados na Graduação, 11,4% são beneficiários de assistência estudantil. Desde que as aulas presenciais foram paralisadas devido à pandemia, no dia 15 de março, a universidade está trabalhando para tentar viabilizar atividades remotas de modo igualitário para todos os alunos. Embora a instituição esteja tomando uma série de medidas, não há garantia de que o ensino remoto vá se concretizar


da maneira desejada, pois a desigualdade e os contrastes sociais são uma forte realidade do corpo estudantil da UFRGS, assim como em diversas outras universidades públicas. “Eu não tenho Wi-fi na minha casa e uso 3G, mas não é sempre que eu tenho”, revela Joka Vaz, estudante de Letras e beneficiária do programa de assistência estudantil da universidade. E Joka não é a única sem conexão em meio à pandemia. Uma pesquisa da Pró-Reitoria de Graduação da UFRGS, cujos dados foram obtidos com exclusividade, foi realizada entre maio e junho e alcançou 14.964 estudantes da instituição — 46,1% dos alunos da Graduação. O mapeamento, que teve objetivo de investigar o panorama socioeconômico dos alunos, constatou que 357 dos respondentes (2,4%) não têm acesso à Internet​.

Além disso, 12,3% assinalaram que não costumam utilizar Wi-fi em sua residência. Do total de alunos que responderam à pesquisa, 14,3% são beneficiários do programa de assistência estudantil da universidade, que fornece auxílio para pessoas de baixa renda. É possível que o número de estudantes com a conexão precária ou sem qualquer acesso à Internet seja muito maior, pois mais da metade dos alunos nem mesmo responderam à enquete.


Ainda segundo o levantamento, 811 dos alunos beneficiários de assistência estudantil que responderam à pesquisa (37,90%) têm de compartilhar seus equipamentos com outras pessoas no local onde vivem. Além disso, o estudo aponta que 34,58% desses bolsistas tiveram de assumir novas responsabilidades com a chegada da pandemia. Quando se trata de alunos que não recebem os auxílios, o percentual cai para 26,12%.

Futuro do ensino na graduação da UFRGS Em um contexto grave como o atual, em que o número de mortes por Covid-19 ultrapassa os 500 mil no mundo todo - sendo que o Brasil é um dos principais focos de transmissão do vírus -, as universidades estão buscando soluções para manter o calendário por meio da realização de atividades remotas. Na UFRGS, está sendo desenvolvido o chamado Ensino Remoto Emergencial (ERE). Trata-se de uma modalidade remota de ensino que surgiu durante este período de excepcionalidade. Ou seja, é uma medida alternativa, sem relação alguma com o Ensino a Distância, modalidade que já existia antes da crise, inclusive na UFRGS. O ERE foi desenvolvido para retomar temporariamente as atividades dos cursos presenciais de Graduação e Pós-Graduação. Portanto, os cursos EaD seguem funcionando normalmente. “Enquanto universidade, entendemos que não podemos fazer uma transposição do que é ensino presencial para ensino a distância. O ERE não foi pensado como

uma

política,

mas

sim

como

ação

emergencial

em

um

momento

de

excepcionalidade”, afirmou Iana Gomes de Lima, professora de Política e Gestão da Educação na Faculdade de Educação da UFRGS (FACED). A proposta de resolução do ERE, que ainda está em fase de análise, foi divulgada por representantes discentes e pode ser lida ​neste link​. O Ensino Remoto Emergencial começou a ser desenvolvido no início do período de quarentena, em meados de março, quando começaram os debates sobre a postura da universidade diante da crise. No dia 17 de março, dois dias após a suspensão das aulas presenciais na UFRGS, o Ministério da Educação divulgou a ​portaria nº 343​, autorizando a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais. A portaria, assinada pelo ex-ministro Abraham Weintraub, ainda deixou a cargo das instituições a organização das disciplinas que seriam adaptadas para modalidade remota, bem como a responsabilidade de fornecer os devidos materiais para que os alunos acompanhassem as atividades propostas.


A partir de então, a UFRGS iniciou os debates sobre essa nova modalidade. Para elaborar a proposta de plano comum de Ensino Remoto Emergencial, a universidade começou a realizar levantamento de dados socioeconômicos sobre os alunos da Graduação. Não havia dados existentes sobre as condições dos alunos de acesso à Internet.​ Inicialmente, o mapeamento ficou a cargo de cada Comissão de Graduação de cada um dos cursos. No entanto, as pesquisas tiveram baixa adesão. Assim, a universidade optou por realizar levantamento geral, abrangendo os alunos de todos os cursos, iniciativa da Pró-Reitoria de Graduação. 14.964 alunos responderam à enquete, totalizando 46,1% do corpo estudantil da universidade.

“O ERE não foi pensado como uma política, mas sim como ação emergencial em um momento de excepcionalidade”, afirma Iana Gomes de Lima. Foto: Arquivo Pessoal Durante esse mapeamento, reuniu-se um grupo com mais de 200 docentes, alunos e técnicos administrativos de todas as áreas do conhecimento para, em conjunto, discutir a elaboração do plano de ensino remoto. Além disso, alguns professores começaram a dialogar com seus alunos sobre a crise, de modo a compreender as necessidades dos estudantes. “Não é só com a tecnologia que devemos nos preocupar. Muitos alunos não


estão tendo condições emocionais de ter bom rendimento neste momento. Muitos começaram a trabalhar para apoiar suas famílias, por exemplo. Temos de manter o vínculo com os estudantes e fazer com que não se sintam abandonados pela universidade, evitando a evasão”, afirmou Iana. No dia 8 de junho, o plano de ERE foi encaminhado ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), órgão superior da UFRGS, que está analisando a proposta e emitirá a resolução final, que será submetida a todos os institutos, faculdades e departamentos da Graduação. Para ser definido o veredito, a proposta precisa ser votada em sessão do CEPE. A previsão inicial era de que as aulas neste novo formato iniciassem a partir do dia 15 de julho. No entanto, como essa votação foi adiada mais de uma vez, ainda não há uma previsão exata para retomada do calendário de aulas.

Segundo o Sindicato dos Técnico-Administrativos em Educação da UFRGS, UFCSPA e IFRS (ASSUFRGS), a votação foi “atropelada”. A primeira sessão virtual, que ocorreu no dia 2 de julho, teve a votação do ERE prorrogada para o dia 13 de julho. Segundo informações da ASSUFRGS, a votação foi adiada por duas questões. Por motivos logísticos, devido ao ciclone bomba que estava previsto para a data, e por reivindicação de


representantes do corpo estudantil, que alegaram não terem sido convocados para a sessão. Contudo, foi solicitado adiamento mais uma vez: a nova sessão aconteceu somente no dia 22 de julho. Essa sessão continuou na sexta-feira (24) e, mesmo assim, os trabalhos não foram concluídos. Na reunião virtual, foram debatidos os temas da restrição do tipo de disciplinas a serem cursadas ao longo do período emergencial, a criação de planos de ensino adaptados ao Ensino Remoto Emergencial pelos docentes, a gravação das aulas virtuais, entre outros. Após cinco horas de discussão, a pedidos de alguns conselheiros do CEPE e do reitor da universidade, Rui Oppermann, a reunião foi suspensa. O reitor convocou nova sessão para a segunda-feira (27), às 14h, e afirmou que “com certeza” os trabalhos serão finalizados nesta data, ou seja, o debate sobre o ERE será concluído. Nem todas as disciplinas serão ofertadas na nova modalidade; somente aquelas que têm condições de serem mantidas por meio de plataformas digitais, que não é o caso dos estágios da Saúde, por exemplo, além de muitas disciplinas práticas dos cursos de engenharia. Contudo, a UFRGS garantiu que nenhum aluno será prejudicado. Aqueles que não puderem ou não quiserem fazer dessa forma não terão nenhum prejuízo no vínculo com a instituição. “O ERE não promoverá o ensino da mesma disciplina que se oferece presencialmente. São atividades equivalentes em aprendizagens, mas haverá modificações tanto no conteúdo e nas metodologias, como na forma de avaliação. Os alunos que puderem, se sentirem em condições e quiserem poderão fazer essas atividades até a conclusão do primeiro semestre letivo de 2020”, explicou Maria Beatriz Moreira Luce, doutora em Educação e pesquisadora da FACED. A professora ressaltou que este semestre não será contabilizado no período total que os estudantes podem permanecer no curso, ou seja, os alunos que não puderem fazer as disciplinas remotas não ficarão atrasados no curso. Até dia 7 de novembro, segundo o calendário proposto, as aulas dos cursos presenciais na UFRGS ocorrerão dessa maneira. Em 16 de junho de 2020, foi divulgada pelo Ministério da Educação a ​portaria nº 544​, estendendo até 31 de dezembro a possibilidade de substituição das disciplinas presenciais pela modalidade remota nas universidades federais. “Nosso desejo é que, conforme forem melhorando as perspectivas de retomada das atividades presenciais, possamos dar oportunidade aos alunos de irem concluindo as disciplinas, para que possamos começar, no ano que vem, um próximo semestre presencial”, afirmou Maria Beatriz.


Ensino Remoto Emergencial: dúvidas e expectativas A proposta de Ensino Remoto Emergencial na UFRGS está dividindo opiniões entre os professores. Como se trata de uma conjuntura inédita, as universidades estão lidando de diferentes formas com a situação da pandemia. Na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), por exemplo, serão oferecidos aos alunos da Faculdade de Educação projetos remotos, em vez de disciplinas no formato tradicional. Para Iana Gomes de Lima, esse formato poderia ser aplicado também na UFRGS. “Não sou contra a retomada das atividades. Como universidade, temos o papel de discutir e de manter o vínculo com os alunos. Contudo, o ERE será uma retomada das disciplinas e isso vai ser complicado. Haverá aulas assíncronas, mas também estão previstas aulas síncronas, e percebo que muitos alunos terão dificuldade em acompanhar estas aulas”, pontuou a professora da FACED.

Gabriel Dias vê alguns problemas no ERE. Foto: Arquivo Pessoal


Também pairam muitas dúvidas entre os alunos quanto ao ERE. Gabriel Dias, aluno do 5º semestre do curso de Letras da UFRGS, acredita que a nova modalidade é uma iniciativa interessante da universidade para tentar melhorar a situação, mas enxerga alguns problemas que podem surgir. “Planejo pegar poucas cadeiras, só pra não perder o semestre. Os colegas que terão como fazer mais cadeiras via ERE são os mesmos que já tinham mais condições antes, nas aulas presenciais. Eu e vários outros continuamos ficando pra trás. Mesmo assim, sei que estou numa posição favorável. Tenho computador e uma internet razoavelmente boa, mas muitos conhecidos meus não terão as mesmas condições”, contou o estudante. O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFRGS chegou a apresentar uma contraproposta do plano de ERE à reitoria, além de uma série de reivindicações. “É imprescindível considerar todos os efeitos da desigualdade social combinados à crise sanitária e econômica. Diversos alunos moram em casas com número reduzido de cômodos, não havendo espaço adequado para concentração e desenvolvimento das atividades”, revela nota divulgada pelo DCE sobre a decisão. Além disso, os estudantes pedem atenção especial à saúde mental dos alunos, que pode ser afetada devido à crise que todos estão vivenciando. Para Victória Farias, estudante de Administração Pública e Social e representante do DCE, a UFRGS não está tomando as atitudes adequadas. “A universidade não está dialogando com os alunos como deveria. Por exemplo, não recebemos nenhum retorno sobre a contraproposta do plano de ERE que apresentamos à universidade no dia 13 de maio”, contou a estudante. Na Universidade Federal do Rio Grande (Furg), que está passando pelo mesmo processo de implementação de modalidade remota de ensino, a elaboração da proposta contou com a participação de representantes do DCE. Conforme Muryell Teixeira, coordenador-geral do DCE da Furg, o corpo estudantil participou ativamente do debate sobre o ensino remoto na universidade. “Nosso objetivo é que todos possamos debater coletivamente com os setores da universidade, a fim de elaborar e propor ideias, para que a universidade consiga desenvolver o ERE sem excluir ninguém e fazendo com que a Furg se mantenha viva, diversa e com muita igualdade”, ressaltou o estudante.

O olhar dos discentes Apesar dos planos futuros da universidade, o presente é ainda cheio de incertezas para alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Primeiro, disseram que não ia


ter aula. Depois, disseram que alguns professores poderiam dar aula”, conta a estudante do 4º semestre de Engenharia de Produção Caroline Gomes. “Então, foi uma sensação muito frustrante de não saber o que estava acontecendo”. Residente do bairro do Sarandi, Caroline vem enfrentando grande dificuldade para acompanhar o conteúdo das aulas remotas durante a pandemia. A jovem conta que a região onde mora com seus pais não comporta infraestrutura para internet de alta velocidade. “Eu ligava o computador e não carregava nada, não carregava nenhum site. Demorava uma eternidade. E fazer pelo 3G era muito difícil”. Ela tem um computador para uso próprio, mas que compartilha com seus pais quando eles precisam. A estudante relata que, num primeiro momento, não conseguiu participar das atividades propostas pelos professores que escolheram manter as aulas. A família ficou sem Wi-fi em casa desde o começo da pandemia até meados de junho. Como a empresa provedora de internet não atendia suas ligações, eles decidiram pagar pelo serviço de um técnico particular para regularizar o acesso à rede. “Nem sempre está 100%, mas já ajuda”, conta Caroline. À medida que os professores do curso de Engenharia de Produção foram se inteirando dos desafios enfrentados por alguns alunos, eles passaram a disponibilizar as gravações das aulas ao vivo. “Agora eu estou conseguindo acompanhar as aulas. Eu sempre faço elas de maneira assíncrona, porque fica mais fácil para mim”. O futuro, no entanto, permanece incerto para Caroline: “Provas, trabalhos, essas coisas têm de ser síncronas. Então, eu não sei dizer ainda como serão as aulas, como vão ser as provas, como vai ser o estudo, porque a gente começou a ter aula só agora [na metade do mês de junho]”. Os alunos reconhecem, contudo, que a situação não pode permanecer do jeito que está. Carina Fischer Feddern, aluna do 3º semestre de Farmácia, afirma que muitas das disciplinas de seu curso são práticas. O curso não está tendo aulas, no momento. Segundo a aluna, os professores apenas enviam orientações e dicas sobre o ensino remoto. “Não podemos ficar sem aula. A universidade pública tem que atender a todos, mas tem de ser de forma justa”, argumentou. Na Engenharia Mecânica, por outro lado, alguns docentes estão propondo atividades virtuais, contou Joelson Leal, aluno do 5º semestre. “Comecei a ter algumas aulas remotas, mas ainda está confuso. Muitos professores estão passando o conteúdo, mas eles ainda não sabem se podem avaliar as atividades propostas”, relatou.


Júlia Corsete, aluna do IFCH. Foto: Arquivo Pessoal Já o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) optou por aguardar o ERE entrar em vigor. Conforme Júlia Corsete, aluna do 5º semestre do curso de Ciências Sociais, os professores do instituto estão dialogando com os estudantes, fornecendo dicas sobre aulas online, mas nenhuma atividade foi proposta. “Uma coisa legal que estão fazendo são as lives. Todo dia recebemos lives dos professores do IFCH com debates sobre o ensino remoto”, destacou Júlia. No caso da Faculdade de Educação (FACED), a aluna de licenciatura em Letras Joka Vaz explica que, logo que foi anunciado o encerramento das aulas presenciais na universidade, os alunos receberam um e-mail detalhando os próximos passos. “Os professores teriam autonomia para dar aulas remotas ou não, mas antes disso ser decidido teria que acontecer de alguma forma um diálogo com os alunos da turma para saber se todos teriam condições de acompanhar as aulas”, contou. “Caso todos conseguissem acompanhar, as aulas continuariam”. Apesar das orientações do curso, a estudante conta que muitos professores optaram por seguir com as aulas sem consultar aos estudantes. “A


fiscalização infelizmente vai partir dos alunos de irem lá e reclamar na Comgrad [Comissão de Graduação]”. Joka mora no bairro Vila Jardim com o pai, a mãe, os irmãos e o cunhado. A família não tem Wi-fi na residência e o notebook que tinham para uso compartilhado estragou antes da pandemia. A estudante critica o fato de a comunicação da universidade com os estudantes ser realizada somente por e-mail, uma vez que os alunos sem acesso à internet são prejudicados. “Muitos e-mails eu vi muito depois, sabe? Eu uso 3G, mas não é sempre que tenho”, relata. Ela acaba recebendo informações institucionais com atraso por causa da sua desconexão: “Muitas vezes, eu tenho amigos que vêm me falar, os colegas do curso, sobre essas coisas que pessoas que são próximas de mim sabem que eu posso não ter visto”. Segundo a Pró-Reitora de Assunto Estudantis da UFRGS, Suzi Camey, a universidade compreende a situação atípica que vivemos e que muitos alunos usavam o Wi-fi da própria universidade para acessar a internet. Embora todas as comunicações oficiais da UFRGS sejam feitas via e-mail, Suzi garante: “A gente acha que vão ser poucos os casos, mas a gente está atento para ir buscar esses alunos caso eles não façam contato”. A Pró-Reitora informa que os telefones dos departamentos ainda estão funcionando normalmente.

Assistência estudantil para o enfrentamento da pandemia No Brasil, estima-se que 47 milhões de pessoas não têm acesso à Internet em suas residências. Ou seja, um a cada quatro brasileiros é não usuário — 26% da população. Na região Sul, 25% da população não está conectada na rede, segundo dados do ​módulo sobre tecnologia da informação e comunicação (TIC) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). De acordo com a pesquisa da Pró-Reitoria de Graduação da UFRGS, realizada entre maio e junho com 14.964 estudantes, os alunos em situação de vulnerabilidade, beneficiários de auxílio estudantil da universidade, são maioria entre os que não assistem a vídeo aulas online ou offline. O mapeamento ainda mostra que, dentre os 98% que responderam possuir dispositivos para acessar à Internet, 29,11% deles compartilham os equipamentos na residência. Um total de 300 alunos marcaram que não possuem acesso a equipamentos no local onde vivem.


A fim de mitigar as desigualdades no seu corpo discente, a Universidade Federal do Rio Grande Sul propôs um plano de assistência estudantil emergencial no mês de junho. Alunos participantes do Programa de Benefícios da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) poderão receber um ​auxílio ​inclusão digital​, no valor de R$ 70 mensais, para viabilizar acesso à internet por um período de três meses prorrogáveis por mais três meses. A proposta da universidade contempla também um auxílio de R$ 360 (parcela única) para aquisição de tablet ou assemelhado. Com a condição de que o estudante que optar por esse último benefício não receberá o Auxílio Material de Ensino de R$ 180,00. A UFRGS anunciou esse plano três meses após o início da pandemia. Desde então, a universidade afirma que não havia suspendido nenhum benefício do programa de assistência. “A gente só podia oferecer isso se houvesse a certeza de que iríamos para o ensino remoto”, justifica a Pró-Reitora de Assuntos Estudantis, Suzi Camey. “Sob pena de a gente gastar o recurso com esses incentivos e faltar recursos para restaurante universitário, caso voltasse o ensino presencial”. Contudo, se levados em conta os trâmites burocráticos exigidos, esses novos auxílios só vão se efetivar na vida dos alunos a partir de agosto.



Lançado o edital que regulamenta a aquisição do tablet, diversas críticas foram direcionadas à universidade quanto ao valor do benefício. “Tem muita gente reclamando do valor, que é muito baixo, que não existe. Obviamente, se a gente fizesse uma compra nesse volume, são quase 4 mil tablets, teria que passar por um processo de licitação”, explica Suzi. “Esses processos, em geral, levam de 3 a 6 meses. Então, corria o risco de a gente só ter o tablet quando o semestre estivesse terminando”. Adiciona: “Imagina organizar a distribuição de 4 mil equipamentos em momento de pandemia. A gente estaria gerando um fato de dispersão do vírus”. Segundo a Pró-Reitora, a universidade prevê que o valor ofertado não será usado apenas para a compra de um tablet pelos alunos. Desde que o edital foi lançado, estudantes vêm sugerindo outros usos para a parcela: conserto de um equipamento, compra de um tablet usado de boa qualidade, aquisição de memória para computadores ou notebooks. “Os alunos têm soluções muito melhores do que um tablet entregue para ele. Então, nesse sentido parece que foi uma decisão acertada”, afirma. Suzi Camey reconhece, no entanto, que os benefícios ofertados não resolvem integralmente os problemas enfrentados por parte do corpo estudantil da universidade. “Eu estou garantindo que o aluno tenha acesso à ​Internet e ​ tenha um equipamento para

acessar ​Internet​, mas a gente sabe que a realidade de vários dos nossos alunos é não ter uma mesa para sentar para estudar”. Embora “longe do ideal”, as soluções encontradas pela universidade para contornar a desigualdade entre os alunos são fruto do esforço da UFRGS de se manter presente na vida dos estudantes. “Cada um está tentando fazer o melhor com este momento. Principalmente, para manter o aluno vinculado à universidade”, explica. A Pró-Reitora revela que muitas críticas direcionadas às ações da instituição propõem que seria mais “lógica” a suspensão do semestre até o retorno das aulas presenciais. “É um desafio enorme, mas a gente não tem o direito de se esquivar, de não oferecer nada”, afirma. Suzi acredita que o cancelamento das aulas não seria benéfico nem para professores, nem para estudantes. “Não é bom para os professores, porque a atividade de trabalho é uma das atividades que garantem a nossa saúde mental. Ter uma ocupação, ter um objetivo”. No caso dos alunos, principalmente aqueles de classes mais baixas, a suspensão das atividades poderia levar à evasão: “A realidade de vários alunos é a falta de incentivos da família de estar cursando o ensino superior. Então, se a gente tira essas atividades, é mais um argumento para a família pressioná-lo para buscar uma


atividade econômica”. E caso o aluno encontre, dificilmente ele conseguirá retornar à vida acadêmica, Camey argumenta. Apesar dos esforços de universidades públicas de todo o país, é perceptível que o Brasil ainda tem um longo caminho a trilhar rumo à democratização da conexão à ​Internet no território. O pesquisador Filipe Techera, coautor da investigação ​Todo Mundo Quem?​, que explorou o cenário da desconexão no território nacional, avalia que o Brasil não tem a infraestrutura necessária para a implementação de ensino remoto de maneira ampla e abrangente. A baixa qualidade de serviços oferecidos pelas operadoras de telecomunicação e a falta de incentivo dos governos são dois empecilhos para essa conquista. “Além disso, a educação a distância exige uma série de outras tecnologias que ainda não foram desenvolvidas pelo sistema educacional: preparo pedagógico para que os professores possam desenvolver uma didática digital, fornecimento de internet de qualidade e subsídios para compra de equipamentos, estratégias de retenção de atenção e meios digitais, entre outros”, reflete Filipe.

O legado da pandemia no ensino público universitário A pandemia global do novo coronavírus escancara o verdadeiro cenário de desigualdades e deficiências socioeconômicas presentes no Brasil. No campo pedagógico, apresenta-se uma oportunidade para instituições e professores refletirem sobre mudanças possíveis no futuro sistema de ensino. “Agora, com maior domínio de algumas ferramentas, a gente tem condições de elaborar aulas muito mais atrativas, dinâmicas e interessantes do que no passado”, argumenta a professora de Engenharia de Produção da UFRGS Istefani Carísio de Paula. “Eu acho que foi decretada a morte das aulas tradicionais, das aulas expositivas tradicionais”. A crise sanitária e econômica, contudo, deixa rastro nos mais distintos setores da sociedade. As perdas de vidas se somam à acentuação das vulnerabilidades de populações que já viviam em situações bastante precárias desde antes da chegada do vírus. “Uma aprendizagem dolorida e importantíssima, que espero que nos traga lições fortes, é a noção de como são desiguais as nossas condições de vida. De como é injusta a nossa estrutura social”, reflete Maria Beatriz Moreira Luce, da FACED.



A doutora em Educação revela sua esperança de que a pandemia gere reflexões profundas nas pessoas que, até então, não estavam atentas às desigualdades no âmbito social brasileiro e mundial. “Com a pandemia, as pessoas estão com mais tempo para ver e sentir as diferenças. Tenho expectativa de que isso nos faça ter mais consciência política e social e que, com isso, possamos desenvolver um posicionamento político contra as desigualdades, a favor de mais igualdade”. Maria Beatriz entende que é necessária a implementação de políticas públicas que visem ao combate dessas desigualdades: “Seja desigualdade em termos econômicos, em condições de habitação, de aprendizagem e estudo, condições de atendimento à saúde, de manter a renda”, detalha. O posicionamento de Iana Gomes de Lima, da FACED, não é diferente. A professora faz conjecturas sobre o futuro da educação a partir de agora: “Esse momento de pandemia na educação só demonstra um aprofundamento das desigualdades. Quem vai ficar pra trás, ou seja, quem não vai conseguir acompanhar, provavelmente, são os mesmos de sempre. Cotistas, pobres, negros, indígenas. Pessoas que, historicamente, já ficaram fora da universidade durante muito tempo de suas vidas. E, em certa medida, estaremos corroborando com isso”, reflete. Entre as vítimas fatais da Covid-19, os negros e pardos já são maioria. Segundo boletim epidemiológico divulgado em maio pelo Ministério da Saúde, esse recorte da população representa 54,8% dos óbitos registrados. Segundo ​apuração do UOL​, as pessoas pardas são as mais afetadas: representam 47,3% das vítimas fatais por coronavírus e 38,7% dos hospitalizados. A desigualdade, que sempre existiu, agora é mais flagrante do que nunca. Na educação pública, os efeitos dessa disparidade são muito claros.


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