Antes lagarta, depois crisálida, agora borboleta! Uma vida de superação

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Laurência Santana

Antes lagarta, depois crisálida, agora borboleta! Uma vida de superação



Antes lagarta, depois crisálida, agora borboleta! Uma vida de superação



Bahia 2011

Laurência Santana

Antes lagarta, depois crisálida, agora borboleta! Uma vida de superação


Antes lagarta, depois crisálida, agora borboleta! Uma vida de superação

copyright © 2011 Laurência Santana Edição Solisluna Design Editora Projeto gráfico e design Valéria Pergentino Elaine Quirelli Ilustração da capa Enéas Guerra Pinturas Laurência Santana Revisão de Texto Maria José Bacelar Guimarães Texto revisado segundo o novo acordo ortográfico da língua portuguesa que entrou em vigor em 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Santana, Laurência Antes lagarta, depois crisálida, agora borboleta! : uma vida de superação / Laurência Santana. -- Lauro de Freitas : Solisluna Editora, 2011. ISBN 978-85-89059-39-8 1. Autobiografia 2. Mulheres - Autobiografia 3. Santana, Laurência I. Título.

11-06425

CDD-920.72

Índices para catálogo sistemático: 1. Mulheres : Autobiografia 920.72

Contato com a autora: laurenciasantana@gmail.com Contato com a editora: www.solislunaeditora.com.br editora@solislunadesign.com.br


Dedico este livro aos anjos de minha vida: bisa Joana e tia Albertina (in memoriam).


Sumário 9 Prefácio 11 Primeiras palavras 13 Imaginário do nascimento 17 Assim começa a minha história 20 Primeira infância, primeiros traumas 23 A escola, brincadeiras, histórias 26 Difícil de entender, impossível aceitar 27 A morte da minha bisa 28 Novo lar, nova esperança 33 Novos tempos, vida nova 39 Paixões, ganhos e perdas 40 Dando nova ordem à minha vida 42 Integrando o feminino ao masculino


45

Namoro, noivado e casamento

48 A vida de casados, os ajustes, os filhos 48

Chegou meu dengo

51

Chegou o primeiro varão

54

A alegria veio morar conosco

57 Buscando saídas 58

Acreditem, eu fiz um parto

59

Fortalecendo a fé

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Um presentão

63

Um novo desafio a enfrentar

64

Novas experiências

67 Desenvolvimento dos filhos 71 Capítulo especial – São Raimundo 40 74 Depoimentos



Prefácio

Sempre me questionei sobre se cabia a cada pessoa, frente

a sofrimentos existenciais profundos, optar por fazer deles um caminho para adoçar, evoluir, ampliar o leque amoroso ou, ao invés, fazer deles razão de amargura, estagnação, fechamento e desconfiança no ser humano. Conhecendo e lidando com pessoas que “escolheram” caminhos diversos, sempre admirei aquelas que “adoçaram” o seu eu, a despeito de tantas dores, tantas decepções, tantos desencantos. Admiro e sempre admirei Laurinha, que sempre foi doce e amorosa. Será que a ela foi dado escolher esse caminho? É a própria pessoa quem escolhe, ajudada por uma Luz Superior? Seria uma graça de Deus poder fazer essa escolha? Não sei. Ainda não consigo responder. Ficam as perguntas. Eu conhecia muitas histórias da autora, mas não todas. Muitas me foram apresentadas neste livro e me fizeram chorar e ainda mais admirá-la. Começando do começo, o que eu me lembro é que eu era bem pequena quando soube que ia chegar no “nosso São Raimundo 40” uma menina de 9 anos, sobrinha de Albertina, Berta, que trabalhava no 3º andar, na casa de um tio meu. Abrindo um parêntese, o nosso São Raimundo era um lugar mágico, uma roça no meio da cidade, com muitas crianças, muitas brincadeiras, muitas árvores, muitas histórias, inclusive de bicho-papão! E que essa menina que ia chegar tinha histórias muito tristes; falaram-me sobre algumas delas. 9


Naquele momento, resolvi, com apenas 6 anos de idade, que ia ser sua amiga. Na minha cabeça de criança, mesmo mais nova do que ela, eu tinha que compensar essa menina de coisas que o mundo lhe tinha roubado e, com esse pensamento inicial, tornei-me – posso assim dizer, pois assim sempre senti – sua irmã. Crescemos, brincamos e descobrimos o mundo juntas. Assisti essa menina serena, madura, consciente, cuidar dos seus irmãos menores, quando eles não mais tinham quem deles cuidasse. Assisti às suas dores, às suas dúvidas e ela às minhas, que sempre considerei infinitamente menores do que as dela. Também assisti aos namoros, ao seu casamento, à chegada dos seus filhos e ao seu lidar com problemas. Sempre admirei essa menina. Para mim, ela era – e é – fantástica, pois nunca a vi deslumbrada com posses materiais, posição social, prestígio e tantos outros “adornos” que muitos precisam usar. Talvez tivesse sido mesmo natural certos deslumbramentos para qualquer um, quanto mais para ela, de origem pobre e humilde. Mas não a vi tê-los, porque ela era – e é – especial, diferente. Laurinha sempre esteve “ancorada” em algo Superior à nossa visão linear, e eu ficava impressionada! Hoje eu olho para trás, para a nossa caminhada juntas. Vejo que aquela minha pretensão inicial, de compensar o que o mundo lhe tinha negado, era um pensamento infantil, porque, no final das contas, terminou por ela me dar muito mais do que eu a ela! Pois ela mesma “se compensou” do que lhe tinha sido negado, adoçando, em vez de amargar; amando, em vez de odiar; acreditando, em vez de desconfiar. Porque desde pequena ela representava uma Luz, que eu não sabia de onde vinha. É com muito prazer que, ao prefaciar este livro, rendo as minhas homenagens a esta mulher guerreira, que conta a sua história, que se assemelha a milhares de crianças que tiveram histórias com meios e fins diferentes. Que essa Luz se propague! E essa história terá valido à pena! 10

Edite Hupsel


Primeiras palavras

Neste primeiro momento, quero lhe dizer muito obrigada. É um enorme privilégio passar esses momentos com você. Gostaria que soubesse o quanto sou grata por esta oportunidade. Este é um livro diferente de todos que já leu, pois não existem duas pessoas e nem duas experiências iguais. Tudo o que vivi até aqui forjou esta mulher madura, forte, corajosa e de fé. Apesar de tudo que passei, não tenho revolta nem ódio no coração. Procuro compreender as atitudes do ser humano, sem perder de vista o meio em que foi criado e as experiências pelas quais passou. Revendo cada ato do teatro da minha vida e cada relação vivida, sinto que consegui ficar com a melhor parte. Da minha avó, herdei a fé e a caridade; da minha mãe, herdei o serviço, o encanto pelo samba e a coragem; da minha querida Berta, herdei o saber cuidar da criança, do idoso, do doente e a maneira amorosa de nutrir as pessoas; do doutor, herdei um imenso gosto pela medicina. Acredito no ser humano e na transformação que o AMOR é capaz de fazer, quando desabrocha e revela a sua luz interior, centelha do Divino. Ainda tenho esperança em dias melhores, quando o homem despertar para a necessidade de cuidar da Terra como um organismo vivo e pulsante e passar a entender a grande verdade de que ele, embora único, é parte integrante do todo. 11


Creio que Deus criou cada ser humano como uma extensão de Si Mesmo; que nos concedeu os seus dons com o desejo eterno de que nos doássemos livremente e tudo que fosse criado por nós pudesse refletir a Sua própria essência. Espero que as experiências aqui expostas toquem o seu coração e possa, de alguma forma, lhe ajudar a ser melhor, a interagir de forma positiva com os seus semelhantes, despertando em você o amor incondicional pelo mundo e pelos seus habitantes. Perceba, portanto, que o seu equilíbrio é imprescindível para o funcionamento harmônico do TODO. Boa leitura.

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Imaginário do nascimento

Era uma vez... – assim começam algumas histórias da infância – uma pequena Luz cintilante que habitava no Manancial da Luz e sentia um grande desejo de experimentar algo novo, enriquecedor. Dando vazão a esse íntimo anseio, solicitou do seu Criador a oportunidade de vir ao planeta Terra para viver uma experiência no mundo físico, não sabendo que isso implicaria em sofrimento, perdas e lágrimas, coisas que até então não conhecia. Foi autorizada a escolher onde, quando e a qual família gostaria de incorporar-se naquele novo momento. Cuidadosamente, escolheu o Brasil como o seu país, pois o achava belíssimo. No seu imenso território, pinçou a cidade de Nazaré, encravada na região do recôncavo da Bahia. Uma pequena cidade, polo de comércio agrícola e artesanal, possuidora de uma estação ferroviária e de um pequeno porto que recebia todas as mercadorias oriundas das cidades vizinhas, que eram encaminhadas para a capital em trens de ferro ou em barcos e saveiros. A cidade possui uma topografia muito bonita, enriquecida pelo belo rio Jaguaripe, que atravessa serpenteando o seu território formado por serras e vales. A sua fauna e a sua flora são muito ricas. É uma das grandes produtoras de dendê, mamona e mandioca. Os seus habitantes, um povo simples e trabalhador, são possuidores de muitas habilidades artesanais.

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Tornou-se conhecida mundialmente pelos trabalhos de cerâmica expostos na sua tradicional “Feira dos Caxixis”, que acontece todo ano na Semana Santa. É chamada de Nazaré das Farinhas por fabricarem ali a melhor farinha do recôncavo baiano, a “farinha de Copioba”. A pequena Luz achou aquela região ideal para a sua vivência. Aí vislumbrou e escolheu uma mocinha de apenas dezesseis anos, analfabeta, pertencente a uma família muito pobre, que ficara órfã de mãe ao nascer prematura, no sétimo mês de gestação. Segundo contavam, por ser muito pequena, fora criada pela sua avó materna, que a guardava carinhosamente no seu sutiã, envolta em um chumaço de algodão, sob a blusa tipo bata. Para alimentá-la, a avó comprou uma cabra da qual tirava o leite para o seu sustento. Com isto, ela se tornou, apesar de miúda, ágil como uma cabritinha. Avó e neta eram muito unidas e amorosas. Era magra, sardenta, sarará (pele clara, bem rosada, com cabelos crespos e avermelhados) e de temperamento muito alegre e expansivo. Muito vaidosa, gostava de roupas estampadas com cores vivas e de unhas e lábios sempre pintados de vermelho. Portadora de uma bela voz, passava os dias cantando e gostava muito de festa, principalmente do samba de roda. Era uma percussionista nata; batia pandeiro e tirava som em panelas, pratos e caixa de fósforos, dentre outros. Por ter-se aperfeiçoado na arte de bem sambar, ganhou o apelido “Carminha sambadeira”, porque, nessa arte, não tinha ninguém que a superasse. Era portadora de um corpo esguio e muito ritmado. Quando entrava numa “roda de samba”, esquecia-se do tempo; seguia balançando o corpo num belo gingado, rebolando, deslizando e rodopiando ao som das músicas regionais e de um bom samba de roda. Todo o seu corpo estremecia ao ouvir:

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O pião entrou na roda, pião, O pião entrou na roda, pião, Roda senão bambeia pião, Roda senão bambeia pião, Roda pião, bambeia pião, Roda pião, bambeia pião... Outra que ela gostava muito era: Quero ver subir, quero ver descer, Quero ver descer, quero ver subir, Bê a ba, bê e be, bê i bi, Quero ver as cadeiras bulir. A mulata é faceira, Põe a mão nas cadeiras, Põe as mãos nos olhinhos, Desce mais um pouquinho, Põe a mão na boquinha, Desce mais um pouquinho, Põe as mãos nos peitinhos, Desce mais um pouquinho, Põe a mão no umbiguinho, Desce mais um pouquinho, Põe a mão no lê, lê, lê, Cadê você? Olhe eu aqui! Cadê você? Olhe eu aqui! Mal terminava uma música emendava outra: A maré está cheia, ô piau, Pula por cima do pau, ô piau.

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No ventre daquela quase menina, seria gerada uma criança que daria o corpo à pequena Luz, para viver a sua experiência aqui na terra. Aproveitando o namoro apimentado que começava entre aquela adolescente e um homem maduro e experiente, que resultou numa gravidez inesperada, gerando uma criança do sexo feminino, a pequena Luz fez ali a sua morada. Aquela mãe adolescente, assustada e inexperiente, seguindo os conselhos do namorado e das amigas, tomou muitos chás, tentando abortar. Não conseguindo o seu intento, manteve a gravidez sem o apoio e a participação do companheiro, porém com a ajuda e os cuidados da sua querida avó. A gravidez transcorria normalmente até que, no dia dez de agosto do ano de 1949, às seis horas e trinta e sete minutos, após três dias de sofrimento, nasceu, sob o signo de Leão, uma linda menina, que recebeu um nome de Laurência, inspirado em São Lourenço, o santo do dia.

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