DGCC - Diálogo e Gestão Criativa de Conflitos

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DGCC - Diálogo e Gestão Criativa de Conflitos copyright © 2016 Vivina Machado EDIÇÃO

Enéas Guerra Valéria Pergentino PROJETO GRÁFICO E DESIGN

Valéria Pergentino Elaine Quirelli CAPA

Enéas Guerra COORDENAÇÃO EDITORIAL

Frederico Burgos REVISÃO DE TEXTO

Frederico Burgos Marcelo de Oliveira Cravo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Oliveira Neta, Vivina Machado Diálogo e gestão criativa de conflitos : método centrado na complexidade do pensamento e simplicidade da ação / Vivina Machado. -Salvador, BA : Solisluna Design Editora, 2016. ISBN 978-85-89059-81-7 1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento 2. Administração de conflitos 3. Administração de pessoal 4. Comunicação 5. Criatividade 6. Gestão social 7. Psicologia social I. Título.

16-05296 CDD-302.3 Índices para catálogo sistemático: 1. Gestão criativa e conflitos : Psicologia social 302.3

Todos os direitos desta edição reservados à Solisluna Design Editora Ltda. 55 71 3379.6691 | 3369.2028 editora@solislunadesign.com.br www.solislunadesign.com.br www.solislunaeditora.com.br


� À Luz que se faz presente, sempre! Ao meu pai, José Machado de Oliveira, que plantou em mim a semente do conhecimento e do amor. À minha mãe, Arlete Silva de Oliveira, exemplo de coragem e dignidade para vencer desafios. Gratidão a vocês dois e a todos que vieram antes, por terem me dado a vida. Marcelo, filho presente, sensível e amoroso, por me ensinar a amar, incondicionalmente. José Augusto, amor e companheiro, por me ensinar a entrega e pela vitalidade do nosso riso e humor, que nutre nosso encontro.


� Agradecimentos Aos meus queridos irmãos, Luiz Edward, Antonio Roque, José Humberto, Carlos Alberto e Vânia Maria, irmã e cúmplice; honrando nossa irmandade. Às tias Neide e Rita, que me aconchegam sempre, com amor e carinho. Aos sobrinhos e sobrinhas, pela jovialidade e alegria que expressam. À Yasmin e Victor pela alegria de terem me tornado avó. Agradeço, com o coração pleno de felicidade a chegada de Duda e Ben, sobrinhos-netos, sopro de renovação e inspiração. Às amigas e amigos queridos, Eulina Lavigne, Zenny Luz, Valter Cruz, Arno e Yukiko Apeeldoorn e Anne Hildebrandt, pelo entusiasmo com a vivência do DGCC e pelo suporte para o nascimento deste livro. A cada um de vocês que participou das oficinas e cursos do DGCC e aos que participaram das entrevistas sobre a repercussão do método, gratidão pela confiança e entrega. Agradecimento especial à Adrian Hanzi e José Avelar que deixaram um rastro de luz. Às amigas de sempre, apoiadoras e presentes na minha vida, Tereza Mousinho Reis, Maria Amélia Vieira, Diana Pedral, Sonia Freire D’Aguiar, Irangá Iglesias, Ana Seabra Lopes, Marisa Pirola, Elaine Menezes, Patrícia Honório e Ana Rita Ferraz. À Universidade Federal da Bahia, EAUFBA- CIAGS, pela possibilidade de ampliação do conhecimento, na sistematização do DGCC. À você que está lendo este livro, agradeço sua disponibilidade e presença.


Sumário 17 Introdução

Capítulo I

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DGCC e a criação de mundos Os 3I’s: Inclusividade, Incerteza e Interdependência – Princípios do método no mito do espelho e das verdades

Capítulo II

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Motivações para a criação do método DGCC: suas bases teórico-metodológicas As influências de Chris Argyris e Donald Schon Diagnóstico que cria o método DGCC Os 4E’s: um convite para Explorar, Expor, Expandir e Exercitar O campo para plantar: diagnose Os 4C’s: Corporalidade, Cognição, Consciência e Circularidade – uma estrutura de suporte teórico-metodológico para o DGCC A abordagem da gestão criativa de conflitos no DGCC

Capítulo III

111 DGCC: diálogo e gestão criativa para lidar com conflitos 116 Etapas do método 120 Descoberta/Diagnose 157 Desenvolvendo relações de interdependência

Capítulo IV

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O DGCC vivo: avaliando os impactos do método As repercussões do método: teoria na prática Uma síntese sobre as repercussões do DGCC No encontro dos sons, a canção social Multiplicidade e unidade na similar diversidade

Capítulo V

197 Inconclusivas conclusões 203 Referências



Prefácios Apesar de pouco usual, a ideia de apresentar três prefácios de pessoas distintas sobre um único livro se apoia no princípio trazido pelo DGCC de que visões de mundo distintas são complementares e, portanto, contributivas para a compreensão e expansão de uma verdade. Assim, as professores Maria Suzana Moura, Valeria Giannella e Débora Nunes que, ao longo da trajetória tanto de vida quanto acadêmica da autora, mantiveram contato com o método, nos trazem perspectivas distintas e interdependentes, que nos ajudam a entender, de início, o que nos aguarda a leitura deste livro. Desejamos a todos um ótimo percurso. Por Maria Suzana Moura*

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iálogo e Gestão Criativa de Conflitos é um livro que tem uma história de vivência profunda de Vivina Machado com grupos aqui no Brasil e no Canadá, através de oficinas desde 1996. Acompanhei esta história a partir de 2008, momento em que atuei como sua orientadora e a práxis da autora era objeto-sujeito da sua própria dissertação no mestrado1. Dada à relevância acadêmica e social do trabalho, em 2010 a práxis galgou a condição de curso de extensão de 136 horas, na EAUFBA, enriquecida que estava pelos diálogos teóricos com cientistas, filósofos e saberes ancestrais, bem como pela escuta de pessoas que tinham participado das oficinas mencionadas. Com este livro, o público tem a oportunidade de embeber desta sabedoria transdisciplinar e trilhar um caminho amoroso de desconstrução e renovação de aspectos fundamentais para o nosso ser e conviver humano – escuta, fala e demais formas de expressão. Tais aspectos, normalmente associados com comunicação verbal, ganham novas roupagens. 9


A autora nos convida a trilhar um caminho simples e complexo que requer olhares ampliados sobre a nossa condição humana, assim como o aporte de outros recursos, além do intelecto. Vivina nos propõe observarmos as sensações, os sentimentos e os pensamentos que emergem nas relações conosco e com os outros (pessoas e grupos) e, nesse processo, nos convoca a percebermos os pressupostos conscientes e inconscientes que estão provocando os tensionamentos e conflitos. Trata-se de um caminho fecundo para nos tornarmos seres humanos mais perceptivos, íntegros e criativos em contextos profissionais diversos, assim como em nossas vidas cotidianas. Essas são qualidades fundamentais na atualidade, visto que nos deparamos, cada vez mais, com tensões de toda ordem (sociais, políticas, culturais e ambientais), em meio a uma vida planetária que nos convida a unidade e convivência entre diferentes. O diálogo e a gestão criativa de conflitos são, também, imprescindíveis para o desenvolvimento de processos participativos e colaborativos, tanto nas salas de aula, como em outros ambientes de gestão. Tais processos, assim como a tessitura de relações saudáveis entre as pessoas, emperram, em maior ou menor medida, pelas dificuldades que temos de nos escutar e escutar o outro, pelos monopólios da fala e pelas tendências comuns ao recolhimento, à fragmentação e à separatividade. O livro de Vivina vem, justamente, iluminar esses obscuros processos de uma forma profunda e com uma linguagem fluida, poética e convidativa.

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Por Valeria Giannella**

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colho com grande alegria e honra o convite de Vivina Machado, para que, junto de amigas e parceiras de caminhada, Débora Nunes e Maria Suzana Moura, entremos na dança espiralada que este livro nos leva a contemplar e agir! Conheço Vivina e o método que ela vem desenvolvendo, entre Canadá e Brasil, desde os tempos do mestrado dela, em desenvolvimento e gestão social, na UFBa, iniciado em 2006. Hoje, a dissertação de então, torna-se livro, nos brindando com o amadurecimento da proposta e mantendo a atualidade e relevância de sempre. Um livro que nos convoca, provoca e instiga a uma viagem teórica refinada, que em momento algum se desconecta de sua dimensão pragmática; convida, ainda, para uma jornada de autoconhecimento e reflexão sempre encarnada, ancorada no chão da presença e consciência corporal como único fundamento possível: a existência do corpomente ou mente incorporada como base irrefutável de qualquer ato cognitivo. Nas poucas linhas que vou adicionar – sendo que a coisa mais importante para você leitor é mergulhar no texto da Vivina –, vou chamar a sua atenção para três aspectos entre os tantos que poderiam merecer, como eles dialogam e são relevantes a partir do meu próprio percurso de pesquisa e ação2. Em primeiro lugar quero destacar a importância do claro posicionamento epistemológico de marca pós-positivista sobre o qual se embasa o DGCC. Devido aos limites de espaço, vou pinçar aqui apenas alguns elementos para exemplificar esse ponto: a) contestar decididamente o senso comum que faz das nossas representações mentais um espelho fiel da realidade como ela é ou, dito de outra forma, contestar a ideia de que existe uma realidade aí fora independente de nós, e que nós apenas a espelhamos; b) assumir com força a realidade da interdependência de tudo com tudo e do nosso estar imbricado em uma rede, na qual unidade e diferença dialogam linda e incessantemente; c) estreitamente relacionado com o ponto anterior, 11


afirmar a incerteza como estado ontológico, não já exceção a ser consertada ou evitada, mas regra do nosso viver, se apenas reconhecemos que só possuímos fragmentos de verdade3, e se assumimos que os ideais de linearidade e controle com que a ciência moderna nos acostumou são eventuais e esporádicos no mundo da complexidade; d) por fim, desconstruir a concepção dicotômica do real, que parte da oposição e hierarquização entre mente e corpo para chegar a tantas outras dicotomias – razão-emoção; ciência-arte; cultura-natureza; individual-coletivo; objetivo-subjetivo, etc... –, mostrando elas não mais enquanto fieis representações da realidade e sim como construções conceituais, devido ao paradigma de ciência dominante nos últimos três séculos. O segundo ponto que quero ressaltar é relativo à concepção do conflito que esse trabalho adota. Não mais elemento de negação mútua, como necessariamente se dá dentro de uma visão objetivista de mundo, o conflito torna-se recurso cognitivo, sinalização de que estamos diante de outra forma de ver/significar/atribuir valor à mesma coisa, e isso coerentemente com a consciência de habitarmos um mundo complexo (interconectado e incerto) e com a visão construtivista de realidade. Trata-se de um reconhecimento decorrente de observação ou de um posicionamento teórico? As duas coisas se entrelaçariam dentro de uma postura que não separe teoria de prática? Podemos ficar com a pergunta sem que ela retire nada da importância pragmática desta questão, a partir da qual Vivina tece minuciosa e cuidadosamente o seu método de diálogo e gestão criativa do próprio conflito. Finalmente, para terminar, quero destacar a questão da escuta: mais um conceito que passa aqui por uma revisitação radical com relação à marginalidade ou total esquecimento que sofre normalmente dentro das áreas de gestão, comunicação,

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planejamento participativo, educação... A prática da escuta, fincada no chão de uma postura epistemológica pós-positivista e articulada com a concepção do conflito que acabei de lembrar, nos brinda com a possibilidade de ampliação de nosso mundo, por meio da busca da compreensão do mundo do outro. Por intermédio desses elementos, dentre outros, o DGCC nos permite adentrar o desafio da gestão criativa de conflitos, e mais; da convivência em nossas sociedades complexas, munidos de instrumentos teóricos e metodológicos que, sem pretensões ilusórias de serem exaustivos, nos providenciam um guia relevante e a abertura indispensável para continuar buscando e construindo. Desejo para vocês todas e todos uma boa leitura e muitos aprendizados.

Notas Mestrado em Desenvolvimento e Gestão Social do CIAGS – EAUFBA. Ao fazer isso, confirmo, inclusive, o próprio posicionamento que o livro nos traz, a partir da referencia de Varela, Thompson e Rosch, sobre o fato que a nossa visão do mundo, o que nos aparece importante, que nos convoca à ação etc., depende da nossa história pessoal e social. 3 Confronta com o mito do espelho relatado logo a seguir. 1 2

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Por Débora Nunes***

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eguindo a contribuição de Suzana Moura e Valeria Giannella para o prefácio desse belo livro, e adorando trabalhar dessa forma coletiva tão feminina, quero tocar a questão da política e de como métodos dialógicos, como o apresentado por Vivina Machado, podem contribuir para ultrapassarmos o impasse atual. Apesar dos avanços, a política democrática está em crise no mundo todo, questionada de forma generalizada por sua submissão ao poder econômico e ao controle midiático. Cidadãs e cidadãos cada vez mais educados e informados querem ter mais participação e o sistema político implantado dificulta isso. Esse sistema funciona, grosso modo, na regra do eu tenho poder econômico e/ou midiático, portanto sou candidato, minto propondo resolver tudo e assim me elejo. Contando com a apatia de parte importante da cidadania, após a eleição passa-se ao eu decido e a você só resta reclamar. Onde está espaço para uma real partilha do poder e da responsabilidade? A história democrática é globalmente aquela de partilha de poder entre as elites para não precisar resolver conflitos diretamente através da força bruta da guerra. O tempo passou, a humanidade quis mais da democracia e lutou por isso. Ela foi se alargando, incluindo mulheres, pobres, analfabetos e jovens, alcançando eleições universais, alternância relativa de poder, regras mais estritas e controle jurídico. Quando o alcance da educação e da informação se expandiu no século XX, a pressão por aperfeiçoamentos democráticos se expressou e ela passou a ter cada vez maior influência da opinião pública. Vimos nascer, timidamente, a proposta da democracia participativa, que vem se afirmando no novo milênio e se insurgindo contra o poder do dinheiro, ao tempo em que inventa mídias mais democráticas. Entretanto, a revolução que significará uma partilha universalizada de poder entre cidadãos/ãs igualmente responsáveis exige métodos dialógicos para a política. 14


Aqui destaco o método proposto e vivido por Vivina, para dialogar e gerir conflitos. Conflitos democráticos entre iguais, que debatem ideias sem pretensão de vencer o debate a qualquer custo; entre pessoas inteiras, responsáveis por si mesmas, que procuram coerência e buscam ser conscientes de suas histórias e verdades. Um debate assim, realmente participativo e igualitário, desaguaria em ações públicas coconstruídas e em corresponsabilidade, o que significaria reinventar completamente a política. Parece sonho na escala de uma cidade ou de um país, mas é um processo que vem ganhando fôlego em pequenas comunidades e se mostrando, em algumas experiências, política real, como a dos cidadãos islandeses que fizeram uma revolução pacífica em 2009, ou dos cidadãos de Nova Delhi, que se reuniram no Partido do Homem Comum e ganharam as eleições em 2013 e 2014, entre outras. Acredito que o sólido trabalho teórico e prático de Vivina Machado, e sua explicação detalhada do método, podem contribuir na dimensão coletiva, tanto quando na esfera privada. Acredito que está em curso a integração do fato de que essas duas dimensões estão intimamente ligadas, e que o aumento do nível de consciência pessoal certamente influencia e influenciará cada vez mais a política. A partilha de poder democrático exige que cada cidadão assuma sua responsabilidade coletiva e restrinja a profissionalização da política; que o Estado partilhe recursos e responsabilidades com a sociedade civil; que a sociedade controle o poder do capital e da informação; que o desenvolvimento seja encarado tanto em termos materiais quanto espirituais... e tantas outras revoluções silenciosas, implícitas nos conceitos e teorias presentes nesse livro precioso. * Maria Suzana Moura é doutora em Administração Pública e professora da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA). ** Valeria Giannella é doutora em Políticas Públicas do Território pela IUAV de Veneza, Itália e professora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). *** Débora Nunes é doutora em Gestão Participativa e professora da Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e da Universidade Salvador (UNIFACS). 15



Introdução O método me ajuda a estar em mim. F. Filho4, Salvador, Bahia

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ste livro tem um significado importante na minha vida e compratilhá-lo com você me traz alegria e senso de realização. Ele revela um método de diálogo e gestão criativa para lidar com conflitos, denominado DGCC, que desenvolvi e tem sido vivenciado no Brasil e no Canadá, onde pude verificar suas repercussões. Com ele, faço uma aposta no diálogo e na gestão de conflitos, como competências indispensáveis, básicas e universais, para qualquer sujeito que deseje intervir e influenciar processos de transformações pessoais e sociais. Desejo, com este método, instigar uma forma diferenciada de conhecer a comunicação, de dialogar e de gerir conflitos e, por consequência, incentivar uma forma singular de pensar e agir que dê sentido ao conhecimento, o qual transformado em saber aplicado se coloque a serviço daqueles que, como eu, desejam contribuir com os processos de transformação individuais e coletivos, e assim alterar os rumos da sociedade em que vivemos. Eu quero uma mudança cultural, eu quero contribuir para um trabalho de arte no domínio da existência humana, eu quero contribuir para evocar um modo de coexistência no qual o amor, o respeito mútuo, a honestidade e a responsabilidade social surjam espontaneamente do viver a cada instante esta configuração do emocionar, porque nós todos os co-criamos em nosso viver juntos5.

Faço minha esta declaração de Maturana, pois expressa, de forma muito precisa, o meu compromisso e o meu desejo ao escrever este livro. Assim, para satisfazer o objetivo de revelar o método DGCC e suas repercussões: 17


• Explicito o DGCC, método que vem sendo compartilhado, no Brasil, desde 1995 e no Canadá, a partir de 2001. • Revelo, a partir de pesquisa realizada, as repercussões deste método, na vida daqueles que o utilizam. • Aplico o DGCC no processo de escrita deste livro. Já de início esclareço que, diferentemente de assumir o método como um conjunto de regras e técnicas, refiro-me à ideia de método, inspirada em Edgar Morin, que escreveu uma coleção de cinco livros, todos denominados de O método, com subtítulos distintos. Na contracapa de O Método 1 – A natureza da natureza –, Juremir Machado da Silva escreve O que é um método? Um caminho já trilhado? Uma bússola magnetizada pela certeza? [...] Nada disso. Edgar Morin [...] faz da palavra “método” um caleidoscópio. Concepção cíclica do saber, o método de Morin mobiliza a vida para falar da vida. Tudo se entrelaça e separa, tudo se esclarece enquanto permanece no mistério. […] O método, no caso, diz respeito a uma visão de mundo: pensar junto, unir os saberes disjuntos, acreditar na importância do todo, não mutilar os conjuntos, tampouco perder a visão das partes. Mas também reconhecer o valor da heresia, da ruptura, da curiosidade, da investigação permanente6.

Nessa jornada, considero essencial esclarecer que este livro busca refletir, tanto na sua própria forma escrita quanto nos princípios que o formatam, o mesmo método de comunicação dialógica sobre o qual ele expõe. Etimologicamente, Comunicar é tornar comum, partilhar, participar algo; e Dialogar significa, por meio da comunicação, estabelecer uma relação direta entre pessoas. Bateson (2000, 2002), Watzlawick; Bavelas e Jackson (2007), Capra (2007) e Maturana (2006) falam de comunicação como sendo comportamento, e o diálogo, como sendo coordenação de comportamento entre organismos vivos.

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A comunicação dialógica no DGCC se situa no campo de re-concepções de realidades e, como tal, a interação estabelecida na proposta da comunicação dialógica necessariamente pede uma ampliação de possibilidades no pensamento, na reflexão, na ação. Pede, por isso mesmo, uma re-concepção na comunicação. O termo dialógica é aqui incorporado como uma dança. Ele toma o movimento de diálogo associado, por exemplo, à transdisciplinaridade, na qual Morin7 concebe dialógica como uma unidade complexa entre duas lógicas, entidades ou instâncias complementares, concorrentes e antagônicas que se alimentam uma da outra, mas também se opõem e combatem. [...] nela os antagonismos persistem e são constitutivos das entidades e dos fenômenos complexos8.

Assim é que, neste livro, diálogo e gestão criativa de conflitos são intrinsecamente interdependentes e têm, na dialógica, seu lastro. Gerir criativamente conflito é aqui assumido como elemento cognitivo. Uma oportunidade para conhecer, aprender, para acessar outras dimensões de realidade, de percepção de nós mesmos, do outro e da sociedade, em uma perspectiva inclusiva, reformulando conceitos, preconceitos, confrontando contradições e paradoxos, encontrando novas alternativas de ação, alternativas de interdependência, fundamentais em contextos complexos e nos seus processos de transformação. Este livro é um convite para que juntos façamos essa jornada interdependente, através do significado da palavra, corporificando esta nossa conversa, numa coordenação de comportamentos em que tanto eu quanto você acessemos nossa presença consciente e possamos nos influenciar mutuamente. Uma jornada em que estabelecemos uma conversa, um diálogo que se estende tanto a você que agora lê este livro, aos autores que já li, que cito e cuja conversa já se iniciou há algum tempo, quanto àqueles que participaram de oficinas e cursos sobre o DGCC e dentre esses aos que responderam a pesquisa sobre a repercussão do método. Convido você para que juntos façamos, 19


mesmo neste formato escrito, uma jornada interdependente, tornando-a um processo de descoberta, criação, reinvenção e cumplicidade. Uma jornada que vai criando, desvelando, construindo uma conversa, que, sendo interdependente, passa pelo corpo, mente, razão, emoção, objetivo, subjetivo, individual e coletivo, na ampliação da consciência da complexidade. Na ampliação da consciência de ser complexo, na ampliação da consciência da complexidade de ser.

Notas F. FILHO, era estudante de Teatro na UFBA, quando fez parte da turma que vivenciou o método em Salvador, participando da pesquisa sobre as suas repercussões. 5 MATURANA, Humberto R. Cognição, ciência e via cotidiana. Belo Horizonte: UFMG, 2006, p. 199. 6 SILVA, apud MORIN, Edgar. O método 2: a vida da vida. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005b. 7 MORIN, Edgar. O método 5: a humanidade da humanidade: a identidade humana. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005c, p.300. 8 Esta definição de dialógica está imbricada nos três pilares da transdisciplinaridade: complexidade, níveis de realidade e terceiro incluído, este último sendo parte intrínseca da dialógica. 4

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CAPÍTULO I

DGCC e a criação de mundos

E no princípio era o Verbum... E no princípio o Verbum e Escher, seu criador. Figura 1. Ilustração: M.C.Escher’s “Verbum” © 2016 The M.C.Escher Company The Netterlands. All rights reserved.

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ste quadro é, para mim, uma inspiração. Nele, Escher com a sua arte, torna a complexidade visível. Terra, água, ar e o fogo no centro. O dia e a noite no claro e no escuro das transformações de rãs em peixes, que se transformam em pássaros que também se transformam em rãs e novamente em peixes... 21


Quando criei, quando partilho o DGCC, nos cursos e oficinas, e quando escrevo sobre ele, estou trazendo um olhar, uma visão de mundo que permeia, influencia e dá vida a este método. Os princípios, as bases filosóficas expressam uma forma de viver. Neste processo de escrita, esta forma se transforma em reflexão, que em alguns momentos se mostra coerente, convergente, firme, e em outros, incerta, vulnerável, incoerente, inconsistente. Maturana e Varela definem reflexão como “um processo de conhecer como conhecemos. Um ato de nos voltarmos para nós mesmos. A única chance que temos de descobrir a nossa cegueira e reconhecer que as certezas e os conhecimentos dos outros são, respectivamente, esmagadores e frágeis como os nossos próprios”9. Sou uma praticante que reconhece o valor da teoria. O método tem se constituído em uma prática que busca a cumplicidade da teoria para expandir a sua base de credibilidade, sentido e, fundamentalmente, conhecimento. Neste livro, trago esta prática e esse conhecimento teórico. Estamos, portanto, imersos em um diálogo, lidando com uma linguagem, que é “nossa distinta forma de sermos humanos e humanamente ativos”10, que comunica, que gera e que gere conflitos e que “Por esta razão a linguagem é também nosso ponto de partida, nosso instrumento cognitivo, e nosso ponto de contato”11. E nesse nosso diálogo, Varela e Maturana são nossos interlocutores, estão conversando conosco, e essa conversa vai fluindo, em um jorro, em uma corrente de significados12, que inclui tantos outros autores presentes nessa roda que está girando e que abarca os participantes dos cursos e oficinas do DGCC que foram pesquisados e que abraçaram a entrevista e dão vida a este livro, e inclui você que está lendo e tantos outros que o lerão, fazendo a roda continuar girando, girando, girando... E é no giro dessa roda de conversas que o método DGCC finca suas flexíveis raízes e busca suas bases. Essas bases mergulham no oceano da comunicação intra e interpessoal, como 22


possibilidade concreta de avançarmos da dicotomia, da dualidade, que é parte de uma epistemologia cartesiana, de cunho positivista, para uma integração em uma epistemologia que reconfigura essas visões duais, tidas como opositivas, conflitantes, estabelecendo um diálogo, propondo um encontro, na inclusividade razãoemoção, sujeitoobjeto, mentecorpo, teoriaprática, objetivosubjetivo, individualcoletivo. A inclusividade a qual me refiro significa estar presente, inteira neste livro. Implica revelar como as minhas experiências anteriores contribuíram tanto para o desenvolvimento do método quanto para a escolha do tema deste livro. Maturana e Varela13 dizem que nossa experiência está ancorada indissoluvelmente à nossa jornada, na nossa estrutura. Citam que, quando examinamos mais proximamente o como conhecemos o mundo, verificamos que não podemos separar nossa história de ações – biológicas e sociais – de como o mundo aparece para nós. No entanto, isso é tão obvio e tão perto que se torna muito difícil de ser visto. O título deste livro, DGCC – Diálogo e Gestão Criativa de Conflitos, método centrado na complexidade do pensamento e simplicidade da ação, traz no seu cerne uma experiência. Chamo de experiência aquilo que acontece conosco e que, ao acontecer, produz sentido; e, de forma circular, aquilo que produz sentido e que, assim sendo, se transforma em experiência. Jorge Larrosa Bondía, no seu artigo Notas sobre a experiência e o saber da experiência14, nos diz: “A experiência é, em primeiro lugar, um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova.” Afirma ainda que do ponto de vista da experiência, mais importante que a posição, oposição, imposição e proposição é a ex-posição. “É incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se ‘ex-põe’”15. Essa experiência de vivenciar o DGCC se viabiliza dentro da pressuposição de que para incorporá-lo é necessário se expor. A raiz da palavra experiência, tanto nas línguas germânicas 23


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