Baseado na obra de
Pierre Fatumbi Verger Edsoleda Santos Renato da Silveira
BAHIA 2010
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aqueles tempos antigos, Oxalufã era o rei de Ifan, um belo país que se estendia às margens do Erinlé, afluente do rio Oxum, a nordeste da gigantesca floresta tropical africana. No momento em que a nossa narrativa começa, percebemos que Oxalufã está ficando muito velho, curvado pela idade, andando com certa dificuldade. Entretanto, como é rei, anda apoiado em um grande cajado de metal branco todo trabalhado, um impressionante cetro chamado opaxorô. Há muito tempo Oxalufã acalentava o desejo de fazer uma visita ao seu velho amigo e vizinho, Xangô, rei de Oyó. Tal reino fazia fronteira com Ifan ao norte, ficava em uma imensa região repleta de cidades populosas e prósperas, grandes rios e redes comerciais dinâmicas, quase toda coberta de savanas, florestas e desertos savanados, transição acompanhada de uma elevação das terras à medida que iam se prolongando pelo continente adentro, até encontrarem, na distância, o interminável deserto do Saara. Era o território dos guerreiros-cavaleiros, seguidores de Xangô. Para se chegar à capital de Oyó era preciso enfrentar vários dias de marcha, atravessar rios, lugares desertos, florestas, savanas perigosas, habitadas por animais selvagens e espíritos malignos... A despeito de alquebrado pela idade, Oxalufã confia que pode levar a cabo a tarefa com sucesso. Entretanto, antes de partir, o bom senso recomendava que consultasse o babalaô da Corte, mestre altamente respeitado da técnica divinatória. Oxalufã, porém, desejava apenas a confirmação de que a viagem seria bem-sucedida, nada mais. Contrariando todas as expectativas, o babalaô, depois de jogar o colar das oito nozes de kola no ifaté, o quadrilátero sagrado, o advertiu severamente: 3
– Não faça essa viagem. Muitos incidentes desagradáveis e até mesmo perigosos ocorrerão. Ifá, o senhor da verdadeira verdade é taxativo: o torto vai endireitar e o direito entortar, essa viagem certamente vai acabar mal! Como Oxalufã tem um tipo de temperamento obstinado, não cede facilmente, quando faz um plano é difícil voltar atrás, retruca, então, contrariado: – Aconteça o que acontecer, assumo as consequências. Há muito tempo estou precisando fazer esta viagem e não vou desistir. É agora ou nunca! Contudo, conciliatório, pergunta se certos sacrifícios não poderiam atenuar os perigos e lhe propiciar alguma proteção extra, ao que o adivinho, jogando novamente o colar no ifaté, respondeu irredutível: – O oráculo é claro. Não importa quais forem as oferendas, essa viagem será um desastre. Fez-lhe, contudo, por solidariedade, algumas recomendações sobre que estado de espírito manter e sobre o que levar consigo: – Se o senhor não quiser perder a vida durante essa viagem, deverá prestar qualquer serviço que alguém solicitar. Nunca diga não. O senhor deve estar bem preparado para enfrentar situações difíceis, de graves consequências. Não deve perder tempo queixando-se da sorte; a sua postura sempre deverá ser de resignação, mas também de determinação. Além da alimentação e dos apetrechos necessários, o senhor deverá levar três pareôs brancos, sem contar o que estará vestindo, não se esquecer do oxé-dudu, do sabão da costa para a higiene, e da manteiga de karité para proteger a pele. Assim falou o babalaô, o Senhor do Destino. Concluídos os preparativos Oxalufã ganhou a estrada, caminhando lentamente, apoiado no seu opaxorô.
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Depois de algumas horas de marcha, era inevitável que terminasse encontrando aqueles espíritos que moravam nos caminhos, os desconcertantes Exus, ao mesmo tempo guardiões das saídas e das entradas, das encruzilhadas do destino, senhores do movimento, das trocas, do comércio, das pequenas, das grandes transformações, e senhores da improvisação, da astúcia, da malandragem e do deboche; simultaneamente promotores da comunicação, da ordenação e provocadores de trapalhadas e calamidades.
O primeiro encontro é com Exu Elepô, “o Senhor do Epô”, o azeite de dendê. Ele está sentado à beira do caminho, ao lado de um pote pesado, cheio de azeite. – Bom dia Oxalufã – disse ele – como vai o senhor, como vai a família, como vai o seu reino? – Ah! Bom dia meu caro Exu Elepô, vai tudo bem, e a sua família? – Vai bem, obrigado... Mas Oxalufã, deixe-me aproveitar da sua respeitável presença, faça-me uma gentileza, me ajude a colocar este pote no ombro, pois preciso carregá-lo para bem longe daqui nas minhas pobres costas. – Claro Exu, agora mesmo, com todo o prazer. Oxalufã apoia o opaxorô em uma pedra, inclina-se para ajudá-lo e os dois começam a erguer o pote quando, de repente, o Senhor do Epô faz uma falsa manobra e derrama propositalmente todo o conteúdo em cima do ancião, que fica ensopado, perplexo na sua roupa branca totalmente encharcada de vermelho.
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