Carta aberta ao Povo do Amazonas

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CARTA ABERTA AO POVO MANAUARA

Há muito tempo acompanhamos o descaso que atinge o abastecimento de água e tratamento de esgoto de Manaus, vendo uma questão essencial, política pública das mais importantes, ser totalmente relegada, infligindo grave flagelo à população, que é obrigada a conviver com um serviço de péssima qualidade sem enxergar solução alguma no horizonte.

Agora, mais um capítulo desta triste história parece estar se desenhando, pois, de acordo com notícias veiculadas na mídia local, está em curso uma suposta tentativa de “venda” de parte da empresa Águas do Amazonas, concessionária responsável pela prestação do serviço na capital amazonense.

Segundo as notícias, a chegada de um novo sócio para a Águas do Amazonas será divulgado e “festejado” como sendo


a solução para o problema do saneamento - especialmente a crônica falta d’água na cidade de Manaus.

Ocorre

que

esta

transação,

se

concretizada

conforme

noticiado, pode não passar de um mero artifício para desviar o foco do problema, sendo apresentada como solução quando, na verdade, não resolve nada, deixando exatamente tudo como está.

É que se um novo sócio entrar, mas o controle e a gestão continuarem com o atual dono, nada vai mudar!

Ademais, a entrada de um novo sócio não significa a saída do sócio atual, que está no controle e gestão da Águas do Amazonas desde 2006, ano em que adquiriu a participação societária na empresa e passou a mandar na concessionária. Coincidência ou não, os problemas de saneamento em


Manaus - que já não eram poucos, acentuaram-se desde então.

Pode-se até mudar o nome, a marca, as cores da empresa, mas o que realmente importa continuaria intocado: quem estaria dando as cartas na Águas do Amazonas seriam as mesmas pessoas que nos últimos seis anos impõem à cidade de Manaus um vexatório - quiçá degradante - serviço de saneamento, deixando a população manauara desabastecida de um bem vital, que nos foi dado de forma abundante pela natureza, mas cujo acesso é negado à população por pura incompetência (para dizer o mínimo)!

É preciso, muita atenção para identificar quem são os personagens dessa negociação e se entre as condições desta transação estaria o compromisso de reinvestimento, na Águas do Amazonas, dos recursos que o novo sócio estaria despendendo. Ora, referido reinvestimento deve ser exigência


mínima para efetivação de uma operação de compra e venda envolvendo a companhia, principalmente considerando o seu atual estágio de inadimplemento, pois não se pode admitir que os recursos a serem investidos pelo novo sócio sigam direto para o bolso do atual dono da Águas do Amazonas!

Ora, é fato notório o inadimplemento do contrato de concessão, que não foi cumprido nem mesmo após ter sido repactuado anos atrás. O péssimo serviço prestado pela Águas do Amazonas é espelhado no número de reclamações recebidas pela Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Amazonas (onde 40% de todas as reclamações recebidas são contra a concessionária) e também pelo número de sanções aplicadas pela ARSAM (mais de 100 notificações, 34 advertências e 61 multas).

Logo, a caducidade do contrato de concessão já deveria ter sido declarada pela Prefeitura! Ou seja, já deveria ter sido


reconhecido que não há direito da atual concessionária em continuar explorando os serviços. Questiona-se: como é possível vender aquilo que não se tem? Como um contrato não cumprido pode ter valor? Vê-se, portanto, que, a se confirmarem os fatos já veiculados, a omissão da Prefeitura de Manaus passa a ser fator determinante para se viabilizar que um devedor, que já ganhou muito mais do que deveria, possa conseguir ainda mais vantagens, vendendo algo que nem dele é!

Neste passo, é fundamental uma minuciosa avaliação da operação de compra e venda que vem sendo veiculada, bem como, e principalmente, da possível utilização dessa operação como

sendo

a

“solução”

para

o

grave

problema

de

abastecimento de água e esgotamento sanitário enfrentado por toda a população.


Fica ainda a pergunta: a Prefeitura de Manaus e os demais órgãos reguladores e agentes financeiros vão concordar com uma

possível

negociação

em

que

o

concessionário

inadimplente - que se locupletou por não cumprir os investimentos contratados, mas, ainda assim, auferiu as receitas dos serviços de saneamento – consiga ter ainda mais vantagens econômicas, vendendo o "direito" de explorar os serviços de saneamento na capital amazonense?

Aliás, a palavra explorar é a que melhor define a situação. A atual concessionária recebeu a receita, não cumpriu com sua parte, deixou os manauaras em situação crítica, negando-lhes serviço essencial, e ainda pode conseguir vender parte da concessão! O Poder Concedente permitirá que os atuais sócios continuem na empresa, no seu comando, na sua gestão, perpetuando o estado de calamidade que se tem hoje? E quem seriam os novos sócios que estariam se sujeitando a


pagar por um contrato inadimplido, mantendo a gestão do negócio nas mesmas mãos inadimplentes?

A população de Manaus não pode mais ser ludibriada com falsas soluções, que representam apenas desculpas para protelar a solução de um grave problema. É necessário que se chegue a uma solução eficaz e definitiva, livrando a capital amazonense desta chaga que maltrata toda a população, manchando de forma inapagável a imagem de uma das maiores metrópoles do Brasil.

Neste

passo,

pensamos

que

a

conduta

omissiva

do

Administrador Público deve merecer investigação por parte das autoridades

competentes

improbidade

administrativa

para

apurar

eventual

ato

de

ou

mesmo

infração

político-

administrativa, pois não se pode conceber que a Prefeitura, Poder Concedente do serviço, a quem cabe zelar pela boa prestação do serviço público, fique omisso, ou pior, seja


anuente de uma situação que perpetue um imensurável prejuízo ao interesse público e à saúde e bem-estar do povo.

Por sua vez, os órgãos de controle e fiscalização não podem fechar os olhos para essa grave situação, devendo agir para evitar que mais um ato de irresponsabilidade se some a vários outros já praticados e que já são objeto ou de ações propostas perante a Justiça ou de investigação.

A população de Manaus não aguenta mais esperar. É preciso que algo seja feito imediatamente para solucionar os problemas do sistema de saneamento básico.

Que fique claro que esta missiva tem como base fatos noticiados pela mídia, os quais, ainda que não se tenha certeza sobre sua exata confirmação, são graves o suficiente para merecer a atenção das autoridades.


Assim, cabe à ARSAM acompanhar e cuidar para que este possível movimento societário não seja apenas um jogo de cena, a fim de que se possa encaminhar uma verdadeira solução para a questão do saneamento básico da cidade de Manaus. A Agência não pode permitir que se dê sobrevida à situação que temos hoje, com a continuidade dos mesmos controladores e gestores na concessionária, vendendo aquilo que não possuem, e colocando os recursos no próprio bolso, sem que nenhum investimento seja feito em prol da população.

Por sua vez, cabe ao Ministério Público adotar e materializar as providências consignadas no RELATÓRIO CONCLUSIVO derivado da Representação que fizemos contra os péssimos serviços prestados pela Águas do Amazonas, para que seja solucionado o problema e a população possa finalmente ter água nas suas torneiras e um tratamento de esgoto decente.


Aliás, é importante esclarecer para a população que o Ministério Público, ao contrário do que maldosas pessoas andaram alardeando, não virou as costas para os problemas causados pela Águas do Amazonas, não sendo verdadeira a afirmação de que teria arquivado a representação que fizemos.

Na verdade, em resposta a representação o Órgão Ministerial nos informou que está provado e comprovado que a empresa Águas do Amazonas não vem cumprindo, desde o início, as cláusulas do contrato de concessão que firmou com a Prefeitura de Manaus.

E nos informou também que o Ministério Público já propôs várias ações judiciais contra a Empresa Águas do Amazonas e contra a Prefeitura de Manaus para que ambas fossem obrigadas a cumprir as cláusulas do contrato.


É dizer: o Ministério Público reconhecendo a relevância e a importância dos fatos e documentos por nós apresentados não só conheceu da representação como confirmou o que nela foi dito. E ainda determinou seu encaminhamento para as Promotorias competentes a fim de que sejam tomadas as providências

cabíveis,

inclusive

para

a

ampliação

das

investigações que já estão em andamento.

Por derradeiro, cabe ao Poder Judiciário, onde estão em andamento as ações propostas pelo Ministério Público, tomar as medidas necessárias para que sejam julgadas e a empresa Águas do Amazonas e a Prefeitura sejam não só obrigadas a cumprir

o

contrato

de

concessão

como

também

responsabilizados pelos prejuízos causados a população.

Enfim, vemos como necessária e imprescindível peça para uma rápida solução dos problemas apresentados a utilização do sistema de captação e tratamento de água – PROAMA-


uma obra do Governo do Estado- que já se encontra apta a funcionar e que pode resolver de forma definitiva a carência de água nas Zonas Norte e Leste da cidade de Manaus.

Aliás, é inaceitável que uma obra de tamanho impacto social esteja sendo colocada a margem dessa discussão quando, na verdade, se apresenta como a única solução viável para solucionar as mazelas do sistema de abastecimento de água em Manaus.

Por outro lado, retardar a utilização do PROAMA não nos parece razoável, pois a importância dessa obra já foi reconhecida várias vezes pelo próprio Poder Público Municipal, dentre outros momentos, quando da decretação do estado de calamidade pública e da assinatura do Termo de Compromisso firmado entre o Estado do Amazonas e Município de Manaus e a Empresa Águas do Amazonas.


Portanto, chamo a atenção das autoridades para os fatos aqui narrados e os conclamo para que observem, apurem e, caso confirmada a intenção da negociação noticiada, não permitam sua concretização, fazendo prevalecer o interesse público e zelando para que se encontre uma solução eficaz para os problemas de abastecimento de água de Manaus.

Atenciosamente,


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