Livro Actas

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EDIÇÃO E PROPRIEDADE: SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL

DIRECTOR: Carlos Alberto Sequeira

COORDENADOR DA EDIÇÃO: Luís Octávio Sá

COMISSÃO EDITORIAL Carlos Alberto Sequeira Luís Octávio de Sá José António Pinho José Carlos Carvalho Bruno Miguel Costa Santos

SECRETARIADO EDITORIAL António Carlos Amaral Diana Ferreira Freitas

FICHA TÉCNICA Titulo: A Saúde Mental e Vulnerabilidade Social Direcção de Publicação: Comissão executiva do Forum Editorial: Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (SPESM) Distribuição: SPESM ISBN: 978-989-96144-1-3 Os trabalhos publicados são propriedade da SPESM, sendo o responsabilidade dos autore.

seu conteúdo da


ÍNDICE

NOTA INTRODUTÓRIA

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1 - A VIVÊNCIA SOCIODRAMÁTICA: UMA POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA GRUPAL COM CRIANÇAS NA TRANSIÇÃO PARA A ADOLESCÊNCIA 7 2 – SUICIDIO EM ADOLESCENTES E JOVENS ADULTOS

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3- ESTIGMA E EXCLUSÃO SOCIAL DOS DOENTES PSIQUIÁTRICOS

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4 - SAÚDE MENTAL E RESILIÊNCIA

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5 - ENVELHECER ACTIVAMENTE: UMA PRIORIDADE NA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

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6 - ENFERMEIRO ESPECIALISTA EM SAÚDE MENTAL E PSIQUIATRIA: QUE CONTRIBUTOS?

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7 - HISTÓRIAS DE VIDA

53

8 - MUSICOTERAPIA E A SEXUALIDADE: UMA QUESTÃO DE PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL

68

9 - COMPREENDER O BULLYING: DOIS CASOS NO FEMININO

77

10 - A REINTEGRAÇÃO DO DOENTE MENTAL NA SOCIEDADE

83

11 - RESILÊNCIA: ABORDAGEM APRECIATIVA DA FAMÍLIA COMO SISTEMA SOCIAL

90

12 - SÍNDROME DE HIKIKOMORI: UMA ABORDAGEM DE ENFERMAGEM

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13 - VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS: UMA REALIDADE ESQUECIDA

104

14 - A VIOLÊNCIA NO IDOSO: RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL

110

15 – VIOLÊNCIA NO LOCAL DE TRABALHO

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16 - SER FAMILIAR DO DOENTE MENTAL: ANSIEDADE DO CUIDADOR

129

17 - TOQUE TERAPÊUTICO NA SAÚDE MENTAL

137 3


18- A AGRESSIVIDADE NA RELAÇÃO ENFERMEIRO/PESSOA INTERNADA NUM SERVIÇO MENTAL E PSIQUIATRIA

DE SAÚDE 150

19 - ESTUDO DOA AUTO-CONCEITO NUM GRUPO DE JOVENS

158

20 - TERAPIA DAS REMINISCÊNCIAS: UMA PSICOTERAPIA DE ELEIÇÃO EM IDOSO

165

21- ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO ESPECÍFICAS EM SAÚDE MENTAL E PSIQUIATRIA : PESSOAS SEM-ABRIGO 172 22 - NECESSIDADE DE NOVAS RESPOSTAS PARA A POPULAÇÃO IDOSA:

UM CONTRIBUTO

23 - PROMOÇÃO E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL DOS FAMILIARES CUIDADORES

180 188

24 - REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENFERMEIRO DE SAÚDE MENTAL E PSIQUIATRIA, PERSPECTIVA DOS FAMILIARES DOS DOENTES COM DOENÇA MENTAL 198 25 - REFLEXÃO E MINIMIZAÇÃO DO SOFRIMENTO DAS MORTES COTIDIANAS: SENSIBILIZAÇÃO ATRAVÉS DE FILMES 207 26 - AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE APOIO Á PRÁTICA DE ENFERMAGEM (SAPE) 213 27 - TERAPIA PELO MOVIMENTO: “A VIAGEM”

219

28 - VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS E SUAS FACES: IMPLICAÇÕES NOS NÍVEIS DE SAÚDE MENTAL

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29 - INTERVENÇÕES PSICOEDUCATIVAS PARA FAMILIARES DE PESSOAS COM ESQUIZOFRENIA 238 30 - VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: OPINIÕES DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL

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NOTA INTRODUTÓRIA

A Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (SPESM) é uma associação científica, sem fins lucrativos, que tem como finalidades promover a divulgação científica, a investigação, a formação, o ensino, a promoção da saúde e o apoio/prestação de cuidados a pessoas com alterações psíquicas e/ou risco de alterações psíquicas, de forma a dar o seu contributo na melhoria das respostas assistências de acordo com as necessidades em cuidados de Enfermagem em Saúde Mental e Psiquiatria. Numa época de constante instabilidade e transição, as necessidades de respostas urgentes em Saúde Mental, leva a que a SPESM procure a fomentação de modelos de intervenção individual e grupal, levando ao desenvolvimento e actualização das intervenções de Enfermagem neste âmbito. A SPESM considera essencial a divulgação de trabalhos, mesmo na sua limitada dimensão, e procura contribuir para o conhecimento da realidade da Saúde Mental em Portugal. Só através do conhecimento do contexto em que nos inserimos, poderemos iniciar as transformações necessárias para um acompanhamento adequado, ao surgimento de novas realidades de saúde/doença. A obra apresentada consiste numa compilação de vários trabalhos científicos e de boas práticas, abordados no I Forum da SPESM intitulado “A Saúde Mental e a Vulnerabiliade Social”, que decorreu entre 4 e 5 de Junho de 2009, na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, tendo como principais objectivos: •

Reflectir sobre estratégias promotoras de Saúde Mental, como pilar fundamental para a Qualidade de Vida das pessoas;

Divulgar práticas de cuidados numa perspectiva multidisciplinar, de modo a envolver as pessoas, famílias, cuidadores informais e comunidade, na prevenção da doença, tratamento, reabilitação, reinserção e promoção da Saúde Mental;

Partilhar experiências/projectos de intervenção, dirigidos a pessoas/grupos específicos e contextos, que estimulem/promovam as capacidades individuais de modo a melhorar a funcionalidade, a autonomia e a Saúde Mental.

Este Forum, englobou a participação de vários intervenientes na área da saúde mental que, dinamizaram as actividades desenvolvidas. Foram selecionadas 40 posteres e 17 comunicações livres dentro de outras propostas à Comissão Cientifica do evento. Das temáticas apresentadas pelos diversos palestrantes convidados destacamos:

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Saúde Mental e Vulnerabilidade social; Da supervisão à intervisão em Enfermagem de Saúde Mental; Estratégias de prevenção da violência nas escolas; A violência doméstica: estratégias de intervenção; A violência no idoso: uma realidade camuflada; Intervenções psicoterapêuticas de grupo e individuais; Utilização da CIPE em contextos clínicos: diagnóstico, interveção e avaliação.

Com a publicação desta obra, a SPESM pretende divulgar o contributo dos diversos intervenientes, com um registo que possa representar mais um passo na melhoria das práticas de cuidados e investigação na área da Enfermagem de Saúde Mental. A todos os que participaram, a SPESM felicita-os pelo seu contributo, motivação e audácia, neste objectivo de contínuo aprofundamento do conhecimento, baseado na prática.

Maia, Novembro de 2009.

A Direcção da SPESM

(Prof. Doutor Carlos Sequeira)

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

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-

A

VIVÊNCIA

SOCIODRAMÁTICA:

UMA

POSSIBILIDADE

DE

INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA GRUPAL COM CRIANÇAS NA TRANSIÇÃO PARA A ADOLESCÊNCIA

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ANTÓNIO JORGE SOARES A. NABAIS ; RICARDO MANUEL CONCEIÇÃO RODRIGUES

RESUMO O Psicodrama e o Sociodrama, intervenções terapêuticas criadas por Jacob Lévy Moreno, valorizam a expressão dramática como veículo central de todo o processo. O Sociodrama desenvolve-se numa abordagem eminentemente grupal, apresentando-se como ferramenta privilegiada para valorizar em contexto protegido as problemáticas vividas por um determinado grupo. O principal foco da intervenção remete-se ao vínculo, à relação nas diferentes dimensões da vida afectiva e social do ser humano. No universo particular da infância e adolescência, o Sociodrama inscreve-se na problematização dos diferentes conflitos associados ao crescimento e desenvolvimento infanto-juvenil, em concreto, nas relações interpessoais que estabelecem em contexto familiar, escolar e entre pares. Desta forma, torna-se pertinente valorizar os objectivos centrais da intervenção que se relacionam com a possibilidade de favorecer nas crianças um conjunto de respostas humanas adaptadas aos diferentes processos de transição, que estas atravessam no decorrer do seu desenvolvimento e nas várias dimensões das suas vidas. Esta reflexão pretende dar evidência a uma intervenção desenvolvida por enfermeiros, destinada a um grupo de crianças acompanhadas em regime ambulatório num contexto hospitalar de Saúde Mental da Infância e Adolescência. Iremos valorizar os alicerces teóricos que edificam esta abordagem em concreto, na perspectiva de entendimento do grupo e sua dinâmica, a intervenção e os seus intrumentos de mediação na relação com a criança, por último, problematizar a relação com a agressividade que o grupo evidencia.

PALAVRAS-CHAVE: Sociodrama, grupo, papel, respostas humanas, enfermagem saúde mental.

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Enfermeiro Especialista em SMP, Professor Adjunto – ESEL;

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Enfermeiro, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

I N TROD U Ç ÃO Consideramos que o risco é inerente à condição humana, sendo transversal a toda a nossa existência. A criança, pela sua vulnerabilidade específica, está mais susceptível a essa circunstância, na medida em que se encontra em situação de dependência de outrem, para a satisfação das suas necessidades, fisiológicas, psicológicas, sociais. (Biscaia, 2001). Esta vulnerabilidade pode ser agravada na presença de diferentes factores de risco de âmbito individual, familiar, associados aos pares, escola e comunidade. No que se refere à própria criança destacar: comportamento anti-social precoce, factores emocionais, desenvolvimento cognitivo reduzido, hiperactividade. Relativamente à família, foram identificados os seguintes factores: práticas parentais inadequadas, violência familiar, divórcio, psicopatologia parental, comportamentos familiares anti-sociais, parentalidade precoce, novas estruturas familiares e dimensão alargada da família. Como factores associados aos pares, foram enumerados: a associação a pares desviantes e a rejeição dos mesmos. Por último, salientam-se, como factores relacionados com a escola e a comunidade, o insucesso na ligação à escola, o mau desempenho escolar, a pertença a uma classe social baixa, o local de habitação com más condições e desorganizado, a concentração de grupos de pares delinquentes (Wasserman, 2004 e Coimbra, 1997). No domínio da Saúde Mental da Infância e Adolescência, quando os referidos determinantes de risco inerentes à vulnerabilidade se perpetuam no tempo e se reproduzem com maior intensidade, é possível verificar a manifestação de patologia psiquiátrica (Malpique, 1999). Neste período de vida podemos constatar a manifestação de dois grandes grupos de perturbação psiquiátrica: perturbações da aprendizagem e do comportamento. As primeiras estão relacionadas com dificuldades de aprendizagem (cálculo, leitura e escrita), diminuição rendimento escolar, apresentando uma forte relação com as perturbações do comportamento. Estas prendem--se com comportamentos de natureza agressiva (hetero e auto) e ainda de hiperactividade (Vidigal, 2005). Neste sentido, afirma-se a necessidade de desenvolvimento de intervenções vocacionadas para a abordagem a estas problemáticas. A intervenção terapêutica em grupo apresenta-se como uma resposta terapêutica a nível institucional cada vez mais efectiva, em alternância com outras intervenções de cariz terapêutico individual. Tendo o trabalho em equipa nos serviços de saúde mental um forte vínculo multidisciplinar ou transdisciplinar, as equipas de saúde mental da infância e adolescência estão particularmente relacionadas com este método de trabalho. As competências e saberes próprios das disciplinas que

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

fundam as diversas profissões que integram essas equipas, desenvolvem um trabalho clínico que se complementa e amplia com os conhecimentos, habilidades e capacidades desenvolvidos em modelos e técnicas psicoterapêuticas e socioterapêuticas.

O GR U PO, A S U A D IN ÂM I C A Esta intervenção é desenvolvida na Clínica do Parque, Área da Pedopsiquiatria do Centro Hospital Lisboa Central, na Arterapias (Associação de Apoio à Clínica do Parque). Sendo os dois terapeutas enfermeiros, o trabalho em contexto de saúde mental focaliza a sua intervenção nas respostas humanas que as crianças desenvolvem aos processos vividos em contexto escolar e familiar, evidenciadas pelas interacções que desenvolvem com os diferentes actores desses contextos. Os problemas de saúde mental que se evidenciam nestas crianças resultam das respostas desajustadas ou desadaptadas por elas desenvolvidas, próprios do conflito vivido nos processos de 3

transição . A problemática vivida por estas crianças, embora individual numa compreensão fenomenológica, é comum nas dificuldades vividas na relação com os diversos actores do contexto familiar e escolar, resultante de tensões situacionais ou de desenvolvimento. As crianças que integram este grupo encontram-se em processo de transição, entre o 1º e 2º ciclo de escolaridade, entre a família como principal agente de socialização para a escola que assume particular evidência neste papel e entre o período que dista da infância para a adolescência. Se no adulto “aceitar a inexorabilidade da mudança, mesmo quando implementados sistemas obsessivos ou de controlo” (Bustos, 2005), estranhamente não constitui uma realidade para todos nós, na infância e adolescência ninguém questiona a mudança como condição essencial desta fase da vida. O período da infância e adolescência por vezes é vivido com variações sociais e vinculares que originam intoleráveis angustias, e põem em causa a capacidade de amar. Homens capazes de amor são aqueles que foram crianças ou que se reconciliaram com a criança que foram. João dos Santos A vulnerabilidade sentida e expressa pelas crianças, mercê da vivência de processos de transição alicerçados em vínculos precários ou invariavelmente fracturantes, dificulta partilhar afectos e viver relações interpessoais gratificantes. Sendo que é com e nos outros que se torna possível encontrar um sentido de identidade e na premissa de que todo o comportamento e pensamento humano tem um propósito e está interligado,

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Murphy (1990) define o conceito de transição a partir de duas perspectivas teóricas, a primeira é o desenvolvimento ao longo da vida do indivíduo, no qual ocorrem eventos marcantes; a segunda os eventos de vida que produzem desequilíbrio entre dois períodos de tempo estáveis, sendo que para a Enfermagem os relacionados com os processos de saúde/doença assumem relevância. Estas perspectivas enfatizam as respostas humanas à transição.

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construir um espaço onde se possa libertar tensões e viver relações salutares, permite experimentar e construir vínculos seguros que possibilitam desenvolver de forma harmoniosa o potencial inerente da infância e adolescência, promovendo os recursos da estruturação evolutiva da personalidade que desenvolve a autonomia e diminui a incapacidade. As crianças que integram o grupo apresentam, como referido anteriormente, problemáticas comuns e encontram-se em momentos de desenvolvimento similares. Sendo o grupo homogéneo em relação à problemática e desenvolvimento das crianças è heterogéneo em relação ao género, podendo integrar crianças do género feminino e masculino, o que embora aparentemente seja mais complexo, permite desenvolver interacções e vínculos com ambos os géneros, condição essencial para a construção identitária.

A I N TE R VE N Ç ÃO, OS S EU S I NS TR UM EN TOS Este trabalho terapêutico desenvolve-se através do estabelecimento de relações de confiança e ajuda inter – grupal que permite partilhar vivências, emoções, sentimentos, desejos e pensamentos nos diferentes contextos do grupo, elaborando novos significados e construindo novas explicações para a causa do sofrimento. A identificação de situações sentidas pelas crianças como problemáticas, permite compreender melhor a situação vivida e encontrar novas vias de resolução para os 4

problemas. Neste contexto, o Sociodrama apresenta-se como um método privilegiado de intervenção terapêutica em grupo. Este processo desenvolve-se com periodicidade semanal em sessões de 90 minutos. A sessão que aqui sumariamente descrevemos está organizada em três etapas (aquecimento, acção e partilha) e decorre em três contextos (social, grupal e dramático) (Pio de Abreu, 1992). O aquecimento no sociodrama é fundamental, embora o aquecimento contenha um momento de verbalização, preferencialmente recorre-se á acção, realizando exercícios adequados para um bom aquecimento e avaliação inicial, onde a sociometria pode desempenhar um recurso importante. O emergir do (s) protagonista (s) surge durante o aquecimento, antecede este aquecimento o dos terapeutas (Director e Ego – Auxiliar). A intervenção focalizada no (s) protagonista (s) respeita a sua liberdade e desejo de participar na cena, desenvolvendo-se assim que autorizada a fase seguinte,

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Sociodrama is the application of the methods of Dr J L Moreno (1889-1974) to address social and group issues. Sociodrama has applications in education, organisational and community settings. The premise of sociodrama is that all human growth and human functioning is powerfully influenced by wider social influences in our culture. A human being grows up in a social field that exerts enormous influence that may be largely beyond conscious awareness. All our lives we have been bombarded with belief systems, value systems and ideas about how life should work. These social and cultural forces have a powerful influence on our every day actions at home, in groups, at work at play, in silence, when alone or when in relationships and in all group situation. Sociodrama addresses these social and cultural forces whether in the world, our country, our communtiy, our work place, our family or even all together (http://www.morenocollegium.com).

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onde a representação ganha corpo através da acção, sempre iniciada no aqui – e – agora e sobre questões fundamentais do (s) protagonista (s), de forma a que o grupo percepcione o que se passa e interaja. A representação das diferentes dimensões da realidade (realidade subjectiva, objectiva e suplementar), permite juntamente com as dimensões do tempo (Passado, Presente e Futuro) ter uma particular preocupação na função terapêutica que exerce, onde além das respostas humanas se interessa em particular por compreender a razão da acção, avaliando no decorrer da dramatização a organização mental da criança, identificando, promovendo e reparando a presente ou potencial desordem mental que poderá dar origem a perturbações psicóticas (sempre que esta se identificar ou estiver em risco é indispensável o encaminhamento para Psiquiatra da Infância e Adolescência). O decorrer dos acontecimentos de forma lógica e o recurso às principais técnicas da dramatização (troca de papeis, duplo, espelho, solilóquio, interposição de resistências e representação simbólica) permite conduzir a sessão de forma a que o (s) protagonista (s) expressem a catarse e vivam insights correctos. A libertação de tensões, a tomada de consciência e construção de novos significados para a causa do sofrimento, centrando-se de novo no final da dramatização no aqui – e – agora e no papel inerente do (s) protagonista (s), diminui a tensão e conflito interno, permitindo desenvolver respostas humanas ajustadas e adaptadas á situação vivida, prevenindo as perturbações de ordem neurótica. A partilha final, onde surgem os comentários dos Egos – Auxiliares e protagonistas terminam com os comentários dos terapeutas, momento privilegiado para a integração dos conteúdos emergidos no decorrer da sessão.

A I N TE R VE N Ç ÃO, OS S EU S VIVI DOS A intervenção em grupo obedece a um conjunto de diferentes fases orientação, conflito e coesão (Vinodragov; Yalom, 1992). Outros autores fazem referência ainda a fases complementares do processo grupal: a operacional e a de término. (Lassale, P.; Lassale, A, 2001). A nossa intervenção encontra-se na sua fase inicial, em que se procura instalar a identidade grupal no seu código de regras e limites funcionais, na prossecução de uma aliança terapêutica em que terapeutas e crianças se sentem confortáveis no exercicio do seu papel na dinâmica deste grupo específico. Nesta fase, deparamo-nos com um conjunto de indagações, relativamente as quais, procuramos em contexto de intervisão aprofundar e que se tornam objecto central de reflexão/maturação no exercício desta intervenção. - Como nos posicionarmos face à significativa expressão de agressividade? - Como contrariar o movimento de permanente acção, movimento, agressão? - Como favorecer o recurso ao pensamento?

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- Como transformar a resposta agressiva? As sessões têm decorrido com forte investimento agressivo dos elementos do grupo, seja este direccionado para os terapeutas, assim como para os restantes elementos, num movimento de ininterrupta acção, e pouco ou nulo acesso ao pensamento. Um agir, em tonalidade muito destrutiva, como se o conflito não pudesse invadir o espaço intra-psiquico, apenas o contexto exterior, sejam estes pais, pares, professores, terapeutas. Em simultâneo, temos verificado um nível reduzido na relação com a frustração inerente à oposição movida pelos terapeutas, como se não fosse suportável rememorar as vivências primárias de insatisfação ou desprazer. Numa outra dimensão torna-se cada vez mais evidente, as profundas fragilidades narcisicas que cada uma das crianças apresenta, com uma representação de si muito negativa, eivada de perda, lacuna ou falha, o que promove uma conduta de relativa arrogância e desprezo pelo outro enquanto estratégia defensiva do aparelho psiquico. Perante a evidência de todos estes elementos de avaliação do grupo – o recurso sistemático ao agir agressivo, indisponibilidade de mobilização do pensamento, desinteresse na integração de um código normativo para o funcionamento grupal, a nula tolerância à frustração e ao papel exercido pelos terapeutas, impossibilidade de estabelecimento de relações vinculativas – tornara-se pertinente valorizar a emergência do espaço relacional, aquilo que Winnicott (1975) referiu como espaço transicional, em que a criança possa dar expressão à sua agressividade e impulsividade, em especial, para que seja capaz de atribuir um outro significado aos seus impulsos mais negativos. Portanto, temo-nos afirmado na dupla dimensão de agentes de contenção e transformação da resposta agressiva. Este designio tem sido concretizado através do favorecimento da expressão dessa impulsividade/agressividade através de dinâmicas propostas para o propósito, por outro lado, o recurso aos instrumentos de mediação sociodramática tem favorecido a espaços o exercício de outros papeis na dinâmica do grupo, por exemplo, a orientação e coordenação do grupo substituindo os terapeutas no seu papel. Desta forma, consolida-se a possibilidade de comunicação intra-grupal e a capacidade de expressão simbólica, que não se materializam através do recurso à palavra, tal como, o estabelecimento de limites externos, e, sobretudo, interno. Numa outra perspectiva, quando se propõe o exercicio de diferentes papeis precipitamos o olhar sobre o outro enquanto ser com identidade própria, e não apenas enquanto ser em relação ao eu (Monteiro e Carvalho, 2008). Estas são aquisições centrais para o desenvolvimento posterior do grupo.

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C ON CL U S ÃO Esta experiência de intervenção de grupal tem contornos muito recentes, de qualquer forma sublinhase a pertinência de espaços terapêuticos de abordagem sociodramática na problemática da Saúde Mental da Infância e Adolescência. A Enfermagem de Saúde Mental afirma-se neste contexto ao considerarmos o enquadramento conceptual da profissão, as competências do enfermeiro especilista em S.Mental, assim como as diferentes questões referenciais que norteiam uma intervenção grupal. Radica-se o propósito futuro de desenvolvimento de investigação qualitativa na sequência da consolidação desta intervenção.

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS Biscaia, J. (2001). Crianças em risco que intervenções e que responsabilidades? Cadernos de bioética. Coimbra: Centro de estudos de bioética. Ano XI, Nº 25, p. 3-14. BUSTOS, Dalmiro M. (2005). O Psicodrama, Aplicação de técnicas psicodramáticas. São Paulo. ISBN 85-7183895-X. Coimbra de Matos, A. (1997). Crianças maltratadas. Infância e Juventude. Lisboa: Instituto de Reinserção social. ISSN 0870-6565. 1997. Lasalle, P.C., Lasalle, A.J.. (2001). Grupos terapêuticos.: STUART, G. W.; LARAIA, M. T. Enfermagem psiquiátrica: princípios e prática. 6. ed. Porto Alegre: Artmed p. 695709. Malpique, C. (1999). Noção de risco em saúde mental – da infância à adolescência. Revista Portuguesa de Pedopsiquiatria. Lisboa: Associação Portuguesa de Pedopsiquiatria da Infância e Adolescência. ISSN 08742049. Nº 15, 1999. p. 9-22. Monteiro, A., Carvalho, E. (2008). Sociodrama e Sociometria: Aplicações Clínicas. São Paulo: Ágora Murphy, S.A.(1990). Human responses to transitions: a holistic nursing perspective. «Holistic Nursing Practice». Pio de Abreu, J.L. (1992). O Modelo do Psicodrama Moreniano. Coimbra: Edições Psiquiatria Clínica. 79p. Vidigal, M.J. (2005). Intervenções Psicoterapêuticas em Grupo de Crianças e Adolescentes: Aprender a Pensar. Lisboa: Trilhos Editora, 2005. 331p. ISBN: 972-99110-1-0. Vinogradov. S., Yalom, I.(1992). Manual de psicoterapia de grupo. Porto Alegre. Artes Médicas. 215 p. Wasserman, G. A. (2004). Factores de risco e factores de protecção da delinquência infantil. Infância e juventude. Lisboa: Instituto de Reinserção social. ISSN 0870-6565. Nº 3, (Julho/Setembro). p. 51-86p. Winnicott, D (1975). Jeu et realité. Paris: Gallimard

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2 – SUICIDIO EM ADOLESCENTES E JOVENS ADULTOS

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LARA RAQUEL VARELA MOREIRA REINA DE ANDRADE ; ANA ISABEL DA SILVA LEITE E MELO ; SUSANA 7

PATRÍCIA TEIXEIRA MARTINS DE AZEVEDO

RESUMO O presente estudo debruça-se sobre o risco de suicídio em adolescentes e jovens adultos. Este estudo é de carácter exploratório-descritivo do tipo quantitativo. Assim pesquisou-se a existência de sintomatologia de desesperança, através da aplicação da escala da desesperança de A. Beck (BHS) e, do estado geral de saúde, avaliando sintomas somáticos, ansiedade e insónia, disfunção social e depressão grave através do General Health Questionaire-28 (GHQ-28) de GOLDBERG DP, HILLIER VF. A população escolhida foram os adolescentes e jovens adultos, a amostra é constituída por 69 alunos do 12º ano da ESDSI e 79 alunos do 1º ano da ESSVA, num total de 148 indivíduos. Os resultados obtidos indicam que a desesperança e saúde geral, revelada pela associação entre as dimensões do GHQ-28 e os valores do BHS, se relacionam positivamente, sendo menor a relação entre desesperança e sintomas somáticos, mostra também que a desesperança e a depressão estão intimamente ligadas, aumentando proporcionalmente. Os resultados deste estudo revelam uma consistência interna muito próxima da consistência interna dos resultados obtidos por outros autores que utilizaram a mesma escala e o mesmo questionário que nós.

PALAVRAS-CHAVE: Suicídio; Adolescência; Desesperança; Estado geral de saúde

ABSTRACT The present study is about the suicide risk in teenagers and young adults. This study has an exploratory-descriptive of the quantitative type character. This way, it was researched the existence of the Hopelessness symptoms, through the application of the Beck Hopelessness Scale (BHS), and the general health state, valuating the somatic symptoms, anxiety and insomnia, social dysfunction and serious depression through the General Health Questionnaire (GHQ-28) of Goldberg DP, Hillier VF. th

The population are teenagers and young adults and the sample is made of 69 students of the 12 5

Licenciada em Enfermagem, DreamClinic, laraandrade9@gmail.com

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Licenciada em Enfermagem

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Licenciada em Enfermagem

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st

degree from ESDSI and 79 students of the 1 year from ESSVA, in a total of 148 individuals. The results that we obtained indicate us that the hopelessness ang general health, disclosed by the assocoation of GHQ-28 dimentions and the BHS results, associate positively, being the less relation between hoplessness and somatic symptoms, also show that hoplesseness and depression are intimately attached, increasing proportionaly. The results of that investigation present us with an internal consistency very close to the internal consistency of the results obtained by other authors that used the same scale and questionnaire as we did.

KEYWORDS: Suicide; Teenager; Hopelessness; General health state

I N TROD U Ç ÃO A morte por suicídio, embora com incidências diferentes, existiu sempre em todos os períodos da humanidade e em todas as civilizações e estruturas sociais. Contudo a complexidade da compreensão, parece vincular-se ainda mais, quando se tenta abordar o suicídio na adolescência, porque, ao contrário do que se possa pensar, nesta fase do desenvolvimento humano o suicídio pode ser visto com duplo significado: os jovens quando falam de morte, querem é evocar a vida, quando dizem que se querem ir embora, manifestam um desejo de voltar e ressuscitar para uma nova vida. “Por favor ajudem-me!” esta é a frase dita, em silencio, por muitos adolescentes que estão a um passo de cometer o suicídio. O silêncio provoca um enorme vácuo, tornando-se complicado ajudar. O jovem pede ajuda, mas ao mesmo tempo não aceita que entrem na desventura da sua vida. A enfermagem também deve estar desperta para este problema, sabendo identificar possíveis sintomas que indiquem o risco de suicídio em adolescentes e jovens adultos para assim intervir de alguma forma assertiva. O nosso estudo incide portanto nesse ponto, conhecer a associação de sinais de desesperança e de estado geral de saúde em adolescentes e jovens adultos. Os objectivos por nos traçados para este estudo foram os seguintes: - Conhecer melhor a problemática do suicídio; - Verificar o risco de suicídio em adolescentes e jovens adultos do 12º ano da ESDSI e do 1ºano da ESSVA em Vila Nova de Famalicão. - Conhecer a relação entre a desesperança e o estado de saúde geral. - Averiguar a influência das variáveis sócio demográficas no comportamento suicidário.

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Paralelamente à questão inicial, “Qual a associação de sinais de desesperança e do estado de saúde geral em adolescentes e jovens adultos do 12º ano da ESDSI e do 1º ano da ESSVA?” Outras questões foram também levantadas, entre as quais mencionam-se as seguintes: - Qual o local de ensino onde a desesperança e superior e o estado de saúde geral é menor? - O risco de suicídio é superior nos adolescentes e jovens adultos da ESDSI ou nos da ESSVA? - A passagem do ensino secundário para o ensino superior influencia o comportamento suicidário? - A associação da desesperança e do estado de saúde geral influenciam o comportamento suicidário? A finalidade última deste estudo foi reunir informação que contribua para a prática da enfermagem, tentando despertar os enfermeiros para este problema, sabendo identificar possíveis sintomas que indiquem o risco de suicídio em adolescentes e jovens adultos para assim intervir de forma assertiva.

SUICÍDIO O termo “suicídio” foi utilizado pela primeira vez pelo Abade Prévost em 1734, para significar “o assassinato ou morte de si mesmo”, com o seguinte significado etimológico: - Sui = si mesmo - Caedere= acção de matar. O estudo do suicídio envolve e implica múltiplos aspectos, a nível individual, familiar, social ou ideológico. Vaz Serra citado por Sampaio (1991, p.31) sobre o suicídio, “autodestruição por um acto deliberadamente realizado para este fim”.

TENTATIVA DE SUICÍDIO/PARA-SUICÍDIO A tentativa de suicídio é um gesto auto-destrutivo não fatal, isto é, refere-se ao acto em que o indivíduo não conseguiu concretizar o objectivo de pôr termo à vida. Segundo a SPS (2006, p.2), o para-suicídio é um “acto não fatal, através do qual o individuo protagoniza um comportamento invulgar, sem intervenção de outrem, causando lesões a si próprio ou ingerindo uma substância em excesso, além da dose prescrita, reconhecida geralmente como terapêutica, com vista a conseguir modificações imediatas com o seu comportamento ou a partir de eventuais lesões físicas consequentes”. O gesto para-suicídio imita assim o gesto suicida, mas não tem consequências fatais.

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A tentativa de suicídio é definida por Saraiva (2006, p.38,39), como “um acto iniciado de livre vontade pelo próprio em que este se auto mutila ou toma uma dosagem que excede a dose terapêutica ou o seu habitual padrão de consumo, e que o individuo acredita ser farmacologicamente activa”. Assim, é vista como uma acção realizada deliberadamente com o intuito de destruir-se a si mesmo, mas que não chega a ser fatal.

EPIDEMIOLOGIA O estudo das autópsias psicológicas, permite compreender os motivos que estiveram na base do comportamento suicida. Saraiva (2006) resume os perfis demográficos e clínicos desses comportamentos que se têm mantido ao longo dos anos: ● Cerca de 66% comunicaram a intenção suicida (40% de forma clara); ● Mais frequente nos homens que nas mulheres (2:1); ● Presença de doença psiquiátrica em pelo menos 93% dos casos; ● Patologia do humor (depressão, doença bipolar) ou alcoolismo em 57-86% dos casos; ● Cerca de 33% tiveram tentativas anteriores de suicídio; ● Cerca de metade não tinham contactado técnicos de saúde mental; ● 90% Tinham contactado serviços de saúde no último ano. ● Doença terminal em 4-6% dos casos; ● Maior risco nos divorciados e nos viúvos. Nas mulheres casadas, as que não têm filhos correm maior risco; ● Em todo mundo, segundo a OMS, ocorrem cerca de 11/100000 hab., havendo variações de país para país e de região para região. Países como a Hungria, Checoslováquia, Áustria, Finlândia, Suécia e Japão têm taxas de suicídio altas. Isto devido há pouca incidência de luz solar; ● A sua incidência é maiores ultrapassados os 40-49 anos. Mas as tentativas do suicídio verificam-se mais na adolescência; ● Em Portugal, por razões religiosas e culturais, muitos suicídios são ocultados não surgindo nas estatísticas oficiais, havendo assim uma discrepância entre os valores conhecidos e os reais. ● O Sul de Portugal tem taxas 3 a 5 vezes mais elevadas que o Norte. ● Dados da DGS (2006) referentes ao ano civil de 2003, demonstram que as mais elevadas taxas de suicídio se verificam no Alentejo, Santarém e na região autónoma da Madeira, mais concretamente nos concelhos de Portalegre, Beja, Évora, e Santarém. No outro extremo temos os distritos com taxas mais parcas, sendo estes, o de Viana do Castelo, Vila Real, Braga e Bragança, Viseu e ainda a região autónoma dos Açores.

O SUICÍDIO EM JOVENS ADULTOS O suicídio entre os jovens adultos tem aumentado embora a ideação suicida seja mais frequente nesta população. O suicídio é a segunda causa de morte entre os jovens adultos e os estudantes universitários, sendo precedido pelos acidentes de viação.

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De acordo com Almeida et al. (2006, p.240) “os jovens que apresentam uma maior ideação suicida e depressão, sentem uma maior desesperança, estando assim a ideação suicida relacionada significativamente com a gravidade da depressão e a tentativa de suicídio no jovem adulto”. A ocorrência de situações traumáticas também constitui um factor precipitante de comportamentos suicidas, assim como a orientação sexual e a existência de uma história passada de abuso físico, emocional ou sexual. Muitos dos jovens que manifestam comportamentos suicidários apresentam perturbações afectivas e de personalidade. A existência de perturbações de ansiedade durante a adolescência constitui um risco acrescido para aparecimento subsequente de ansiedade, depressão, comportamentos aditivos e insucesso académico na idade adulta. Por detrás do seu sentido de futilidade e de inutilidade, estes adolescentes procuram alguém que os compreenda e buscam uma resposta diferente para substituir aquela que conduz para o suicídio. O apelo é constante, a tentativa de suicídio dos jovens é ao mesmo tempo uma forma de fazer passar uma mensagem que é extremamente paradoxal, pois se por um lado o objectivo deles é pedir ajuda, ao mesmo tempo é afastar-se da ajuda, isolando-se e retirar-se da situação através da tentativa de suicídio. Segundo Laurrièrre, (1973, Citado in Ramos, 2000, p.121), no jovem suicida existe uma ambivalência bem evidente, enquanto num extremo existe o “desejo de morrer”, no outro extremo um enorme “desejo de continuar a viver cada vez melhor”.

FACTORES DE RISCO Segundo a Associação Americana de Suícidiologia existem variadíssimas causas que podem conduzir ao suicídio. As mais relevantes para considerar que um adolescente está em risco, de acordo com esta associação são: quando revela um funcionamento familiar perturbado; passou por experiências emocionais difíceis; perdas recentes, acontecimentos traumáticos, vivenciou suicídio na família ou no seu grupo de amigos, faleceu alguém com quem se identifica e funcionava como modelo. Quando demonstra dificuldades de identificação sexual, apresenta comportamentos desviantes, tais como delinquência, prostituição, consumo de drogas, álcool e medicamentos. A disfunção social, desesperança, ansiedade, insónia, depressão, são também indicadores de risco. Saraiva (s/.d) relata que A. Beck desenvolveu projectos de investigação sobre o conceito de desesperança, um dos quais conclui que a depressão só é importante para a intenção suicida desde que exista também desesperança. “A relação entre depressão e comportamento suicidário passa a ser referida como dependente de uma forma significativa de desesperança” Beck et al. Citado in Saraiva (s/.d). 18


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A depressão é uma das perturbações psiquiátricas com maior prevalência (90%) em adolescentes vítimas de suicídio. (Marttunem et al. 1991 citado por Lopes, Barreira e Pires, 2001).

JOVENS SUICIDAS VERSUS JOVENS QUE TENTAM O SUICÍDIO Samy (1989, citado in Ramos, 2000, p.102), tal como a maioria dos autores, menciona que é essencial distinguir os jovens que se suicidaram daqueles que fazem uma tentativa de suicídio.

JOVENS SUICIDAS O grupo de adolescentes, que colocam fim à vida, é composto sobretudo por jovens do sexo masculino, com idade média entre os dezanove e vinte anos. Apresentam relações estáveis. Um terço destes jovens sofre de uma doença psiquiátrica ou de uma perturbação psicológica severa. Estes adolescentes estão na maioria das vezes isolados sendo as suas perturbações pouco visíveis e difíceis de diagnosticar, procurando, de forma activa, a morte, são muitas vezes motivados para uma pulsão suicidária. O seu objectivo não visa obter mudanças nos outros, mas colocar um fim a um estado psíquico insuportável. Os antecedentes são pouco plausíveis: existe uma perda aparente de objectivos e ao mesmo tempo o surgimento de outros factores de stress. O rendimento escolar provavelmente apresenta-se excelente e, o jovem advém quase sempre de uma família que procura activamente uma boa posição social para os filhos. É frequente a presença de doenças psiquiátricas e suicídios nas famílias. O meio escolhido para conseguir a morte é quase sempre violento, como por exemplo, armas de fogo, estrangulamento e objectos cortantes.

JOVENS QUE TENTAM O SUICÍDIO O grupo de adolescentes que executa tentativas de suicídio é composto maioritariamente por jovens do sexo feminino, tendo em média quinze a dezasseis anos. Estes jovens apresentam os laços afectivos muito inconstantes e ostentam problemas psicossociais há bastante tempo. A intenção é mais ou menos consciente, é numa tentativa de modificar o seu meio sócio-afectivo. O comportamento suicidário, por consequência, tem o papel de comunicar ao adulto a mensagem que o jovem quer passar. Ramos (2000, p. 102) diz existir uma “carência precoce e acontecimentos precipitantes, ou seja, o rendimento escolar é medíocre ou pouco valorizado e, na maioria das vezes, a família é pouco ambiciosa no futuro do filho. Na família existem muitos problemas físicos e psiquiátricos e até mesmo alguns antecedentes de tentativa de suicídio.”. De acordo com Ramos (2000) o meio escolhido para

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tentar o suicídio não é violento, normalmente a tentativa ocorre por um consumo excessivo de fármacos, o adolescente raramente põe a sua vida em perigo. “Apesar das diferenças apontadas, é benéfico não esquecer, contudo, a relação existente entre tentativa de suicídio e o suicídio: 40% a 60% dos suicídios seguem-se a uma série de tentativas de suicídio de gravidade crescente” (Ramos 2000). Resumindo, pode-se considerar que o acto suicida é a reacção mais típica e mais significativa duma conduta auto-destrutiva de ordem essencialmente afectiva, cujos esboços e manifestações são muito variados.

METODOLOGIA Este estudo é de carácter Descritivo Exploratório nível I, foi realizado em dois momentos, um com os alunos do 12º ano da ESDSI e um outro momento com os alunos do 1º ano de Enfermagem da ESSVA. Todos eles com idades compreendidas entre os 17 e os 25 anos de idade. O meio de eleição para a colheita de informação, foi o meio natural, sem manipulação das condições ambientais. Assim, consideramos que os locais mais indicados seriam a ESDSI e ESSVA, uma vez que estes locais são frequentados por adolescentes e jovens adultos de Vila Nova de Famalicão. A população por nós escolhida são adolescentes e jovens adultos, a amostra é constituída por adolescentes e jovens adultos do 12º ano da ESDSI e do 1º ano de da ESSVA. A técnica de amostragem utilizada foi a amostragem não probabilística. Dentro desta técnica foi utilizado o método de amostragem dirigida intencional, em que da ESDSI participaram 69 alunos e da ESSVA participaram 79 alunos, num total de 148 indivíduos, aos quais lhes foi proposto o preenchimento de um questionário, entre o dia 8 a dia 16 de Abril de 2007. Por fim resta-nos ainda dizer que este estudo é de carácter quantitativo, uma vez que pretendemos quantificar o risco de suicídio na população estudada. Atendendo ao tema escolhido aplicamos um instrumento de colheita de dados, um questionário, em que a primeira parte alberga questões de carácter sócio-demográfico por nós elaboradas. A segunda parte do questionário corresponde a Escala da Desesperança Beck, esta é uma escala constituída por vinte itens (afirmações) de resposta verdadeiro/falso. A cada uma das afirmações é atribuído o valor de “0” ou “1”. Dos vinte itens, nove são falsos e onze são verdadeiros, em função da cotação é estimado o pessimismo em relação ao futuro. Foi desta forma desenvolvida para avaliar atitudes negativas face ao futuro em adolescentes e adultos, relacionando-as com o risco de suicídio.

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O GHQ- 28 que constitui a terceira e última parte, é um questionário de auto-resposta desenvolvido por Goldberg e Hillier em 1979, a partir da versão original do General Health Questionaire (GHQ) (Goldberg, 1972). Ribeiro (2003) diz-nos que “segundo Goldberg e Hillier (1979), o GHQ foi concebido para identificar quer a incapacidade para realizar as actividades que são usuais numa pessoa saudável, quer o aparecimento de fenómenos stressantes novos. (…) Não é um questionário de saúde geral é, antes um questionário apropriado para avaliar a saúde mental ou o bem-estar psicológico.” Este instrumento (GHQ-28) é constituído por 28 itens em que existem quatro hipóteses de resposta, cotadas de “0” a “3”. Para além de uma nota total, inclui 4 sub-escalas designadas por “Sintomas Somáticos”, “Ansiedade e Insónia”, “Disfunção Social” e “Depressão Grave”. Cada uma destas subescalas é composta por sete itens, a nota de cada sub-escala varia entre “0” e “21”, a nota total do questionário varia entre “0” e “84”. Parafraseando Ribeiro (2003) “valores mais elevados neste questionário correspondem a pior saúde mental”, o mesmo autor, refere ainda serem utilizadas formas alternativas de cotar este questionário. Os aspectos éticos foram respeitados, todos os procedimentos desenvolvidos, foram elaborados de forma a garantir o respeito pelos direitos de todos aqueles que colaboraram na realização deste estudo. Atendendo à técnica de tratamento dos dados e, tendo em conta que se trata de um estudo quantitativo por questionário, os dados foram analisados através do programa S.P.S.S. 15.0.

ANÁLISE E DISCUSSÃODOS RESULTADOS

CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA Os dados obtidos na análise permitem-nos constatar que a nossa amostra é maioritariamente constituída por estudantes do sexo feminino 74,3%, o sexo masculino é representado por 25,7%. Os dados obtidos pela análise da idade demonstram que a classe dos 17 aos 19 anos é a mais representativa, correspondendo a 84,5% dos participantes. Relativamente ao local de ensino a nossa amostra está equilibrada com 53,38 % da ESSVA e 46,62 % da ESDSI. No que diz respeito ao meio em que vive, com quem vive e tipo de habitação a maioria 52,38% vive em meio rural; 70,63% vive com os pais e irmãos e em casa própria 92,57%. A classe social em que os estudantes mais se enquadram é a classe média 96,6% e, 95,2% dos inquiridos pertencem à religião católica.

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RESPOSTAS EM FUNÇÃO DA ESCALA DA DESESPERANÇA Analisando as respostas dos estudantes à escala da desesperança podemos constatar que esta está presente unicamente na ESSVA, desesperança severa – 0,7%, enquanto que na ESDSI é de 0,0%. Este resultado pode ser explicado pelo facto da entrada no ensino superior e tudo o que esta entrada acarreta, isto é, praxes académicas, afastamento dos pais/família e pela exigência do ensino superior. Por outro lado os alunos da ESDSI, apesar de se encontrarem num ano em que a exigência também é significativa, certamente não são influenciados pelos outros factores. A mesma escala relacionada com o sexo e com a idade, mostra-nos que a desesperança ocorre mais em mulheres (0,7%) do que nos homens (0,0%). Esta situação pode decorrer do facto de a nossa amostra ser constituída maioritariamente por mulheres. Verificamos também que a desesperança ocorre mais na faixa etária dos 17 aos 19 anos. Este facto pode ser explicado por esta fase ser acompanhada de muitas mudanças psicológicas, pela necessidade de afirmação, por ser um período de conflitos e por estar associada um pouco à impaciência e à irresponsabilidade.

RESPOSTAS EM FUNÇÃO DO GHQ Relativamente ao estado geral de saúde é na ESDSI que se encontram os melhores valores de saúde geral (nível 1 - 22,4%), por outro lado é na ESSVA que se obtiveram os valores mais negativos de saúde geral (nível 5 – 0,7%). Esta situação pode ser provocada por toda a carga emocional e física inerente ao primeiro ano do ensino superior. Tal como observamos na desesperança, o estado geral de saúde é mais baixo no sexo feminino (0,7%) do que no masculino (0,0%), e nas idades compreendidas entre os 17 e os 19 anos. Os sintomas somáticos, estão presentes de forma reduzida na ESSVA (47,3%) e na ESDSI (42,6%), no entanto não deixam de estar presentes em 0,7% (1) dos estudantes de cada estabelecimento de ensino. Em relação ao sexo, são os sujeitos do sexo feminino que revelam maior percentagem de sintomas somáticos 1,4% (2) sexo feminino sendo nula 0,0% no sexo masculino. É também na idade compreendida dos 17 aos 19 anos que são manifestados mais sintomas somáticos, nível 3 – 1,4% (2). Na sub-escala do GHQ-28, ansiedade e insónia podemos concluir que estes sintomas estão presentes em maior grau na ESSVA 2,7% (4), no sexo feminino 4,2% (6) e nas idades compreendidas entre os 17 e os 19 anos 4,1% (6). Estes sintomas podem dever-se ao facto do afastamento do seio familiar e do grau de exigência ser maior no ensino superior. Relativamente à disfunção social, podemos resumir que os valores mais elevados (nível 3) foram obtidos nos alunos da ESDSI 0,7% (1), no sexo feminino 0,7% (1) e dos 17 aos 19 anos 0,7 (1).

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No que diz respeito à depressão grave podemos reconhecer que no presente estudo os alunos da ESDSI demonstram valores mais elevados de depressão (nível 2) 2,0% (3), porém na ESSVA também se observam 1,4% (2). Os inquiridos do sexo feminino 3,4% (5) e com idade compreendida entre os 17 e os 19 anos 3,4% (5) são também os que revelaram valores mais elevados de depressão (nível 2). “A separação psicológica dos pais pode coincidir com o ingresso no ensino superior, período difícil e de vulnerabilidade para os jovens adultos pois, ao ser marcada por dificuldades, originará uma menor capacidade de adaptação a estas mudanças interpessoais, ficando deste modo susceptíveis à depressão ou ate a comportamentos suicidas.” Almeida (in Comportamentos Suicidário em Portugal 2006, p.240).

RISCO DE SUICÍDIO Não podemos deixar de referir o risco de suicídio, este foi expressado severamente na ESSVA 0,7% (1), por um estudante do sexo feminino 0,7% (1) com idade entre os 17 e os 19 anos 0,7% (1). Após a análise dos dados é também pertinente referir que risco moderado foi manifestado por 11,5% (17) na ESSVA e 8,8% (13) na ESDSI; por 18,5% (28) estudantes do sexo feminino e 1,4% (2) do sexo masculino e por 18,9% (28) com idade entre os 17 e os 19 e 1,4% (2) dos 20 aos 22anos. É de salientar os valores de consistência interna do nosso estudo. Comparando com estudos anteriores, verificamos que para a escala da desesperança obtivemos um valor de consistência interna de 0,76 enquanto que Beck obteve um valor de 0,65 (Beck, 1993). Em relação ao GHQ-28, Ribeiro (2003) obteve os seguintes valores: GHQ total 0,94; Sintomas Somáticos 0,85; Ansiedade e Insónia 0,88; Disfunção Social 0,83; Depressão Grave 0,89; no nosso trabalho de investigação obtivemos GHQ-28 0,92; Sintomas Somáticos 0,80; Ansiedade e Insónia 0,87; Disfunção Social 0,81; Depressão Grave 0,80. Estes valores indicam que o nosso estudo é consistente e está de acordo com o que os autores definem como ideal.

No nosso estudo podemos conferir que a desesperança nos estudantes está associada de forma positiva e forte com a depressão, r = 0,511 (p<0,01), indo então de encontro à ideia de Beck, que afirma “A relação entre depressão e comportamento suicidário passa a ser referida como dependente de uma forma significativa de desesperança” cit. Saraiva (s/d).

C ON CL U S ÃO A temática do suicídio na adolescência é conceptualizada como um problema que não diz respeito apenas às pessoas que colocam termo à vida, diz respeito a toda a sociedade circundante. É na base deste interesse generalizado que surgiu este estudo sobre o suicídio. 23


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Nas linhas finais desta investigação torna-se necessário fazer uma reflexão dos resultados obtidos, assim como, reflectir sobre todo o processo de investigação. Com este trabalho verificou-se que os sinais preditivos de suicídio nos adolescentes e jovens adultos são mais comuns do que se possa imaginar. Numa tentativa de perceber o que poderá condicionar estes sinais preditivos de suicídio tentou-se compreender se a associação da desesperança com sintomas somáticos, ansiedade e insónia, disfunção social e depressão grave (estado de saúde geral) influenciam estes sinais. Com esta investigação conclui-se que os alunos da ESSVA apresentam maior desesperança e menor estado de saúde geral do que os alunos da ESDSI. Verifica-se também que a faixa etária onde se observa maior desesperança e menor estado de saúde geral é a dos 17 aos 19 anos de idade, ocorrendo mais em indivíduos do sexo feminino do que nos indivíduos do sexo masculino, facto, que como foi anteriormente referido no capitulo anterior, se deve por a nossa amostra ser constituída por um vasto numero de indivíduos do sexo feminino em relação aos do sexo masculino. Estes resultados levam-nos a aferir que a entrada no ensino superior cria nos jovens uma mudança a nível psicológico/emocional, que se pode manifestar de uma forma positiva ou negativa, dependo esta, do modo como cada individuo se adapta a novas situações e se sabe lidar com elas. A transição de ensino secundário para o ensino superior, exige capacidades de adaptação específicas ao novo contexto académico que se apresenta. Ao entrar para a universidade, o estudante encontra um ambiente radicalmente diferente daquele que conheceu durante toda a sua vida académica, no que se refere por exemplo à relação pedagógica com os docentes, a forma de avaliação, a praxe académica… A frequência do ensino superior marca o inicio da transição para o mundo do trabalho assim como o assumir de varias responsabilidades e consequentemente obter uma maior autonomia, todo este processo se torna mais difícil ainda no caso dos estudantes que, tiveram de sair de casa dos pais e passaram a viver em residências universitárias, casas de familiares ou quartos alugados, sendo por isso confrontados por um conjunto de dificuldades acrescidas, como a solidão, as saudades de casa, dos amigos, da família, podendo todos estes factores desencadear um conjunto de sintomas, nomeadamente a depressão, ansiedade e insónia, disfunção social, sintomas físicos, desesperança, que foi o que quisemos averiguar. Podemos dizer que a maioria dos objectivos da nossa investigação foram atingidos, concluindo-se assim a investigação de forma satisfatória.

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Porém devido ao tamanho da amostra esta investigação nunca poderá ser generalizada à população portuguesa. Para a realização deste trabalho de investigação foi definida uma amostra com um numero considerável de indivíduos (148) e com elementos heterogéneos relativamente á idade (17 aos 25 anos) aos quais foi proposto responderem a um questionário dividido em 3 partes, a primeira contendo questões de ordem sócio-demograficas construídas por nós, uma segunda parte contendo uma escala que avalia a desesperança de A. Beck, e por fim uma terceira parte constituída pelo general health questionaire adaptado por Ribeiro, que avalia o estado de saúde geral. Os questionários foram então administrados na ESDSI e na ESSVA. A tranquilidade que os jovens apresentavam enquanto respondiam, leva-nos a concluir que as respostas foram sinceras e credíveis. Sendo assim pode-se concluir que este trabalho foi realizado com êxito. O suicídio é uma problemática que parece estar patente em qualquer escola, nós optamos por estudar melhor alguns dos sintomas que são muitas vezes preditivos do suicídio, servindo desta forma este estudo como uma base para um futuro estudo neste âmbito. No decorrer deste trabalho, existe um grupo que não foi abordado e que desempenha uma grande influência nos jovens: a família, o microssistema em que o jovem se encontra é extremamente importante de ser analisado. Falar da influência que a família pode ter nos jovens daria motivo para nova investigação, porque os jovens crescem, desenvolvem-se e atingem a autonomia no seio familiar. Depende destes criar as condições para que esse desenvolvimento seja satisfatório de modo a não criar frustrações que possam terminar no suicídio.

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3- ESTIGMA E EXCLUSÃO SOCIAL DOS DOENTES PSIQUIÁTRICOS

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ELSA ALMEIDA ; PAULA CAMPOS ; ALICE GONÇALVES

RESUMO Ao longo da nossa história e em locais distintos, existiram as mais diversas atitudes por parte da população e dos governantes face à doença mental. Estas atitudes estiveram relacionadas não só com a concepção sobre a origem da doença mental, como também com os efeitos que esta apresentava. Apesar dos avanços científicos e tecnológicos que caracterizam a nossa era, persistem importantes obstáculos que os doentes mentais têm que ultrapassar no seu caminho para uma recuperação. Um dos mais marcantes obstáculos designa-se por estigma. A estigmatização e a discriminação estão entre os maiores obstáculos à intervenção/apoio nas doenças mentais. Em todo o mundo as pessoas não procuram, obtêm ou mantêm tratamento devido aos medos, recursos deficientes ou falta de informação. As pessoas com doença mental tornam-se facilmente vítimas da sua doença, os seus direitos humanos são frequentemente violados e são discriminadas Importa salientar que o estigma não é só direccionado ao doente, mas também à sua família. O Plano Nacional de Saúde 2004-2010 relata que a exclusão social que resulta das doenças psiquiátricas bem como dos comportamentos aditivos é superior a 90%.

PALAVRA-CHAVE: Estigma; Discriminação

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Enfermeira Graduada, Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Mestranda em Bioética, Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde, E.P.E. – Serviço de Medicina Homens, elsafalmeida@sapo.pt

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Enfermeira Graduada, Especializada em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Mestre em Bioética, Centro de Saúde da Maia paulaotcampos@gmail.com

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Enfermeira Graduada, Especializada em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Mestre em Ciência de Educação, Centro Hospitalar do Porto, E.P.E – Serviço de Cardiologia, alice.maria.goncalves@hotmail.com

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ABSTRACT Alongside our history, distinct locals had different attitudes from population and governments face mental disease. These attitudes had relation with concept of mental disease origin, as the effects that it show. Scientific and technologic advances that characterise our era, maintain important obstacles that mental patient has to go forward in his way for a recuperation. One of the biggest obstacle is the stigma. The stigmatization and discrimination are the biggest obstacles for the intervention/support in mental diseases. In the world people don’t want, obtain or maintain treatment because fear, insufficient resources or lack of information. People with mental disease, their human rights are frequently violated and are discriminated. It is important to say that the stigma is for the patient and also his family. The National Health Plan 2004-2010

relate that social exclusion that results psychiatrics

diseases as well additives behaviours is superior a 90%.

KEY - WORDS: Stigma; Discrimination

I N TROD U Ç ÃO As concepções da saúde/doença têm sofrido variações em função do contexto histórico e cultural, social e pessoal, científico e filosófico traduzindo a variedade de contextos e experiências humanas. Actualmente, o conceito de saúde tem incorporado a dimensão objectiva e subjectiva. A primeira relaciona-se com a sensação de bem-estar e a segunda está relacionada com a capacidade funcional do indivíduo. A pessoa com a doença mental é o foco de actuação do enfermeiro especialista. Neste sentido, o profissional de saúde deve usar todos os saberes científicos e humanos para cuidar da pessoa de forma global, nomeadamente quando atinge níveis de vulnerabilidade e fragilidade como acontece a doença mental, com o objectivo da reabilitação tão rápida quanto possível, de forma a se integrar na sua comunidade (FREITAS, 2006:29). O estigma resulta de um processo pelo qual certas pessoas e grupos de pessoas são levados a sentirem-se envergonhados, excluídos e discriminados.

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A discriminação refere-se a todas a distinção, exclusão ou preferência que tem como efeito a abolição ou diminuição do gozo equitativo de direitos. Surge como consequência de preconceitos, falsas crenças, e são dirigidos a alvos preestabelecidos, conduzindo-os possivelmente à exclusão social. Abordando mais especificamente o contexto da saúde mental e da psiquiatria, é evidente a forte ligação social entre o estigma e o doente mental. Segundo Brundtland citado por Freitas (2006:27): O não cumprimento de alguns direitos da pessoa com doença mental em alguns Hospitais Psiquiátricos, a insuficiente implementação de serviços de saúde mental na comunidade, a injustiça e as discriminações praticadas por seguradoras e empregadores são exemplos do estigma que existe em relação a todos aqueles que sofrem de doença mental.

E S TIGM A E E X CLU S ÃO SO CI AL DOS DO EN TE S P SIQU I ÁTR I CO S A organização Mundial de saúde atribui às doenças mentais 8,1% da carga mundial de morbilidade, maior do que a que se encontra em todos os tipos de cancro, que representa apenas 5,8%. Cinco das dez principais causas de incapacidade em todo o mundo residem em problemas mentais, entre os quais se encontram a depressão endógena, a esquizofrenia, os transtornos afectivos bipolares, o alcoolismo e os transtornos obsessivo-compulsivos. (OMS, 2004). Aqueles que se recompuseram de uma doença mental escondem-se frequentemente atrás de um “disfarce”, de modo a manter o seu passado secreto e imperceptível para quem não o conhece. A necessidade de esconder resulta de um receio fundado de se ser rejeitado e desvalorizado, devido a uma doença, como se esta fosse um mal. Na ausência de um feedback saudável no intercâmbio social quotidiano com os outros, a pessoa que se auto-isola pode tornar-se, progressivamente desconfiada, deprimida, hostil, ansiosa e confusa. O estigma dos doentes mentais e seus familiares ou cuidadores continua a ser uma realidade. As pessoas doentes ou diminuídas mentais são com demasiada frequência, confrontadas com preconceitos aumentando substancialmente o seu medo e sofrimento, e permitindo desta forma o agravamento da exclusão social, que pode ser auto infligida – os indivíduos isolam-se ou isolam os seus doentes, evitando situações de confronto, ou provocada pela sociedade onde

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se inserem, através de atitudes discriminatórias fundamentais em falsas crenças e preconceitos dificilmente desmistificados. Fazem parte dessas crenças sociais, situações tais como as em que se acredita que o doente mental é perigoso para a sociedade, ou que é um ser humano incapaz de produzir bens ou de se auto determinar. O estigma associado á doença mental, põe em risco o tratamento e a qualidade de vida dos doentes ou das pessoas que indirectamente sofrem com a doença mental dos seus familiares, e salientamos algumas das consequências mais directas de uma visão negativa e errada da doença mental:

O adiamento de procura de ajuda, agravando as sua situação clínica;

A não adesão à terapêutica, implica recaídas e deterioração do seu estado clínico;

O isolamento social consequente do absentismo laboral, escolar, provocado pela incapacidade da doença, com implicações graves nas famílias e sociedade

Aumento do isolamento e exclusão social aumenta directamente o risco de suicídio

A falta de apoio na comunidade, a falta de formação especializada dos técnicos, a violação dos direitos humanos e falta de interesse público pela doença mental e suas consequências, alimentam as falsas crenças e os preconceitos existentes.

Os doentes mentais são facilmente rotulados, de “loucos”, incapazes, sociopatas, entre outros. As consequências destes rótulos fazem-se sentir aos diferentes níveis de prestação de cuidados, nomeadamente na reabilitação e reinserção social, tornando-se muito difícil encontrar entidades empregadoras com disponibilidade para aceitar doentes mentais no meio laboral. Esta dificuldade mais uma vez se fundamenta nos preconceitos e falsas crenças de que o doente mental é incapaz de viver em sociedade, de produzir bens ou mesmo de ser independente económica e socialmente. Para esta situação, também muito contribui o absentismo causado por estas doenças, que quando não são devidamente acompanhadas e tratadas, são tão ou mais incapacitantes quanto outras patologias. A marginalização dos doentes mentais, destitui-os dos seus direitos de ser humano: direito a uma vida com qualidade e dignidade, a um acesso equitativo aos cuidados de saúde, direito a viver em sociedade, a uma igualdade de oportunidades no meio laboral ou escolar. A marginalização surge como consequência da vergonha, da não-aceitação do diferente, do sentimento de desdém que as sociedades dirigem ao doente mental e suas famílias. É consequência da má informação e formação que se tem sobre o doente mental.

PROMOÇÃO DA INCLUSÃO SOCIAL Para combater o estigma e a discriminação é necessária uma abordagem em diversos níveis, abrangendo a educação dos profissionais e trabalhadores em saúde,

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o fecho de instituições psiquiátricas que servem para preservar e reforçar o estigma, a provisão de serviços de saúde mental na comunidade e a implementação de leis para proteger os direitos dos doentes mentais. O combate ao estigma requer também campanhas de informação públicas para educar e informar a comunidade sobre a natureza, o grau e o impacto dos transtornos mentais, a fim de dissipar mitos comuns e incentivar atitudes e comportamentos mais positivos. (OMS, 2001:100) Segundo Jorge-Monteiro (citado em MINISTÉRIO DO TRABALHO E A SOLIDARIEDADE SOCIAL, 2006: 16), o facto de as doenças mentais serem uma realidade, não é no entanto assunto sobre o qual se debata profundamente e se esclareça a opinião pública, e quando este assunto é falado pelos meios de comunicação social, quase sempre está associado a ocorrências de carácter negativo, tornando - se em relatos redutores, desajustados e até mesmo contraditórios em relação à situação da maioria das pessoas com experiência de doença mental, pois, a opinião pública apenas

prestar

atenção em

episódios

negativos

ou

exclusivamente focalizados na descrição das características e dos sintomas das doenças mentais, não contextualizando os acontecimentos nem as situações vividas, tende a acentuar os sentimentos de insegurança por parte da sociedade em geral e a construir para a criação de categorias e estereótipos que, por sua vez, estão na origem dos processos de estigmatização e de discriminação social. Frequentemente somos confrontados com caricaturas ou programas ridicularizantes das vivências de pessoas com doença mental, fundamentados em representações irrealistas e discriminatórias dirigidas a estes doentes. Associado a este factor de origem social, existe a institucionalização dos doentes mentais, para que estejam afastados da sociedade, rompendo com isso os já fracos laços familiares e comunitários. O facto de se manter um doente mental internado numa instituição durante anos, promove a exclusão social, uma vez que os afasta da sociedade e os priva desse convívio, limitando-lhes a liberdade e os contactos com outras pessoas, fortalecendo desta forma o estigma de que os doentes mentais, são pessoas das quais nos devemos manter afastados. A Comissão das Comunidades Europeias, no Livro Verde (2005:11), assinala o combate ao estigma e discriminação do doente mental, referindo no ponto 6.2 desse mesmo livro o seguinte: [...] as pessoas doentes mentais ou diminuídas mentais confrontam-se com o medo e os preconceitos dos outros, baseados frequentemente em equívocos sobre a doença

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mental. A estigmatização aumenta o sofrimento pessoal, a exclusão social e pode impedir o acesso à habitação e ao emprego [...]. Considera primordial, que nesse sentido, se proceda a desinstituicionalização dos doentes mentais, criando estratégias e redes de apoio nos cuidados de saúde primários, com vista a reinserção do doente mental na sociedade, na família, promovendo estratégia de adaptação e de acompanhamento psiquiátrico. Refere-se de igual forma á importância da divulgação de informações correctas sobre a doença mental, formando e informando a comunidade e sociedade em geral, para que falsos conceitos e crenças sejam alterados por informações reais e verdadeiras. É essencial que o doente mental possua redes de apoio na comunidade, como sendo a sua família, os seus amigos, ou outras organizações sociais. Torna-se importante que se criem oportunidades de emprego, e de reinserção social dos doentes mentais, para que se sintam elementos participativos de uma comunidade. É igualmente importante que sejam feitas campanhas de sensibilização, de informação e de esclarecimento sobre as doenças mentais, o grau de incapacidade, e a melhor forma de tratamento, dirigidos a população em geral.

C ON CL U S ÃO O facto de nos tornarmos mais atentos a estas questões contribui para o desenvolvimento da autonomia e da igualdade de oportunidades nos utentes portadores de doença mental, permitindo-lhes viver num ambiente normalizado onde se sintam produtivos, auto-confiantes e capazes de desenvolver todo o seu potencial. O enfermeiro perante estas medidas poderá ter um papel interventivo. Este pode passar por medidas de sensibilização na comunidade, nomeadamente nas escolas e infantários. Além disso, ajudar na reabilitação dos doentes mentais as escolas e locais de trabalho, sendo por vezes um elo de ligação entre este e a população. Por fim, apoiar a família a destigmatizar a seu elemento familiar e ganha formas de defesa em relação à estigmatização e descriminação. Nos últimos anos, o campo de acção para a prática de enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria tem-se expandido de forma acentuada, pelo que os enfermeiros têm assumido uma responsabilidade cada vez maior no que respeita à prevenção, tratamento e reabilitação.

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B IB LIOGR AF I A CARMO, H. et al (1996). Exclusão Social – Rotas de intervenção. Lisboa COMISSÃO NACIONAL PARA A REESTRUTURAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL (2007). Reestruturação e Desenvolvimento dos Serviços de Saúde Mental em Portugal. - Plano de Acção 20072016. Lisboa COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. (2005). Livro Verde – melhorar a saúde mental da população, rumo a uma estratégia de saúde mental para a União Europeia. Bruxelas COM. FREITAS, Luís Ângelo Rebelo (Maio 2006), – Desistigmatizando a Doença Mental. Sinais Vitais, 66, 2730. GOFFMAN, Erving (1988). Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara. MINISTÉRIO DA SAÚDE. (2004) Plano Nacional de Saúde 2004/2010 – Prioridades. 1ª Edição, Lisboa. MINISTÉRIO DA SAÚDE. (2004) Plano Nacional de Saúde 2004/2010 – Orientações Estratégicas. 1ª Edição, Lisboa. MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE. (2006). Saúde Mental - Reabilitação e Cidadania. Secretariado Nacional Para A Reabilitação E Integração Das Pessoas Com Deficiência. Lisboa. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. (2001). Relatório sobre a saúde no Mundo. Saúde mental: Nova Concepção, Nova esperança. Geneve. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. (2004). Prevención de los Transtornos Mentales – intervenciones efectivas y opciones de politicas. Genebra. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. (2004). Promoción de la salud Mental – Conceptos, evidencia emergente; prática. Genebra. QUEIRÒS, Ana Albuquerque (1999). Empatia e Respeito. Editora Quarteto. SADOCK, Benjamin J.; SADOCK, Virginia A. (2007). Compêndio de Psiquiatria – ciência do Comportamento e Psiquiatria Clínica. 9ª ed. São Paulo: Artmed. WORLD HEALTH ORGANIZATION. (2002). Relatório Mundial da Saúde – saúde mental: nova concepção, nova esperança.1ª ed. Lisboa.

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4 - SAÚDE MENTAL E RESILIÊNCIA

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LINA OLIVEIRA ANDRADE ; MARIA JOSÉ CAVACO VALENTE

RESUMO As pessoas que perante a vivência de situações de crise que representam um risco para o seu bem-estar psicológico, conseguem ter a capacidade de ultrapassar de forma saudável, são resilientes, mantêm o seu equilíbrio, a harmonia psicologia, a saúde mental. Com o objectivo de reflectir sobre alguns aspectos inerentes a esta capacidade, tentamos fazer a ponte entre resiliência e saúde mental.

PALAVRAS-CHAVE: Resiliência, Saúde mental, Crise, Pessoa

ABSTRACT People living a crisis situation that can be a risk to psychological well-being, are often able to overcome it in a healthy way, they are resilient. They can maintain balance, psychological harmony, so mental health. In order to reflect on some aspects of this ability, we try to make a bridge between mental health and resilience.

KEYWORDS: Resilience, Mental Health, Crisis, Person

I N TROD U Ç ÃO No contexto social contemporâneo, a pessoa, a família e os grupos, são constantemente atingidos pelos efeitos da globalização, da mudança, da transformação, das situações de crise, da incerteza, da exigência, entre outros que, potenciam emoções e sentimentos, catalisando a possibilidade de estados alterados de saúde. Representam factores geradores de tensão, de stress, aos quais, as respostas individuais são diversas. Acreditamos que, a incapacidade de gerir

11 Enfermeira Graduada, Centro de Saúde de Ponta Delgada, lina.andrade@sapo.pt 12 Enfermeira – Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. mjcv48@gmail.com

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a tensão, provoca efeitos negativos nas pessoas, referimos como exemplo o conhecido aumento da Depressão no mundo Ocidental, calcula-se que cerca de 340 milhões de pessoas no mundo inteiro estejam afectadas por depressão (OMS), no entanto, constata-se que, independentemente de sofrer os referidos efeitos, existem pessoas, crianças e adultos, que consciente ou inconscientemente, sobrevivem saudavelmente em condições adversas. São resilientes. Neste contexto, propomo-nos nesta reflexão, enfatizar a importância da Resiliência, na diminuição da vulnerabilidade social em situação de crise.

DESENVOLVIMENTO A ruptura do equilíbrio gera uma situação de crise. Que pensar então relativamente às consequências das constantes tensões da vida moderna na saúde mental das pessoas? a OMS define a saúde mental como "o estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza as suas capacidades, pode fazer face ao stress normal da vida, trabalhar de forma produtiva e frutífera e contribuir para a comunidade em que se insere". Sugere-se uma reflexão, teremos saúde mental se nos encontrarmos num estado de bem-estar que nos permita ultrapassar os desafios e colaborar positivamente. Se no entanto, existem factores destabilizadores do bem-estar, com implicações a curto ou médio prazo nas pessoas que somos, na forma como satisfazemos as nossas necessidades, na forma como vivemos, a saúde mental corre riscos. A capacidade de reagir positivamente perante as adversidades, de apresentar uma flexibilidade cognitiva, de adaptação, de construção, de superação, caracteriza as pessoas vencedoras e dotadas de saúde mental. Não quer dizer que estas pessoas nunca sejam vulneráveis, quer dizer que elas são capazes de sofrer agressões, cair e levantarem- se ainda mais fortes do que eram antes de cair. São resilientes. Resiliência é um termo inicialmente utilizado pela física, que significa a capacidade de um material voltar ao seu estado normal depois de ter sofrido uma pressão. Em ciências humanas falar de resiliência é falar de produção de saúde em contextos adversos já que esta se refere á capacidade dos seres humanos em enfrentar e responder de forma positiva a experiencias que possuem elevado potencial de risco para a sua saúde e desenvolvimento O ser humano é único e singular, como tal observam-se diferenças comportamentais face às situações geradoras de ansiedade, stress e potenciadoras de depressão. A resignação face aos dissabores da vida, a revolta e a capacidade de enfrentar as tensões de forma positiva, são comportamentos diferentes, que potenciam dois extremos opostos, a vulnerabilidade ou a resiliência. O isolamento social, o desemprego, a pobreza, a violência e exclusão social, os desafios da vida moderna, apresentam-se como factores de risco para a manutenção da saúde mental. Por outro lado, encontram-se pessoas que nestas circunstâncias e

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noutras adversas, enfrentam as tensões com desenvoltura, centram-se na solução e não no problema, numa forma de conquista pessoal ou familiar, encontrando recursos que os ajudam a avançar e prosseguir construindo uma trajectória de vida positiva, conseguindo manter a qualidade de vida. Os desafios para a promoção da saúde são múltiplos se levarmos em conta que os factores que os colocam em situações de risco têm origem em diferentes níveis do seu contexto de vida desde o micro sistema familiar até ao macro sistema social, cultural, político e económico porque estes são factores que não podem ser ignorados quando se fala de saúde e desenvolvimento de famílias que vivem em situação de risco. Como se deduz, resiliência não significa que a pessoa não experiencie situações de stress ou que não se sinta atingida pela situação adversa ou tão pouco que a situação de risco tenha que ser afastada, pelo contrário, conserva em si as marcas da adversidade que enfrentou, elas estão presentes nas suas lembranças e sentimentos, permanecem na sua memória, mas a pessoa é capaz de se recuperar porque encontra o suporte que a ajuda a seguir em frente, tornando-a capaz de enfrentar a adversidade.

A resiliência é a capacidade que uma pessoa tem para

ultrapassar os traumas e construir-se apesar das feridas. Falar de resiliência é falar de produção de saúde em contextos adversos. A resiliência necessita ser compreendida como uma amálgama de sete factores: Administração das Emoções, Controle dos Impulsos, Empatia, Optimismo, Análise Causal, Auto Eficácia e Alcance de Pessoas( Barbosa, 2006), então, a intervenção centrada em estratégias promotoras de saúde mental, apresenta-se também, como uma aposta na resiliência. O ser humano é único e singular como tal, observam-se diferenças comportamentais face a potenciais situações geradoras de crise que, potenciam respostas opostas, a vulnerabilidade ou a resiliência. Potenciais situações geradoras de crise podem ser a resignação face aos dissabores da vida, a revolta, o isolamento social, o desemprego, a pobreza, a violência, a exclusão social e os desafios da vida moderna (Regalla; Guilherme;Serra-Pinheiro, 2007). A partir da compreensão dos vários processos que podem sustentar uma trajectória resiliente torna-se possível uma aproximação deste conceito com o de promoção da saúde pois, este requer uma reflexão sobre como fortalecer a capacidade individual e colectiva para enfrentar os múltiplos condicionantes de saúde. Sentimos ser pertinente, a reflexão sobre a importância de desenvolver a capacidade de ser resiliente e, de como isso se projecta positivamente na vida e na saúde mental, daí o seu valioso potencial em termos de prevenção e promoção da saúde.

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Como promover então a resiliência? Concordamos que enfatizar o potencial humano, promovendo competências e capacidades individuais, fortalecendo processos de mediação entre os riscos e a saúde das famílias e promover o reconhecimento da comunidade e da família como espaços de construção e promoção de competências, no confronto com as adversidades, são factores a atender. Ser resiliente ou tornar-se resiliente? Talvez pouco significativa seja a diferença nos ganhos em saúde, na medida em que estes se evidenciam. A diferença parece residir na pessoa, no ser único e singular, uma vez que alguns, são resilientes por natureza, outros podem vir a sê-lo através dos seus próprios recursos e outros, poderão necessitar de ajuda para o virem a ser.

C ON CL U S ÃO O ser humano tem recursos que, por vezes utiliza inconscientemente, outras vezes conscientemente e, desta forma consegue ultrapassar de forma positiva, situações mais agressivas da vida, tornando-se mais forte, evidenciando ganhos em saúde. Evidencia-se a pertinência de se investir em estratégias de gestão e sobrevivência à crise, como contributos para o desenvolvimento da resiliência e promotoras de saúde mental.

B IB LIOGR AF I A Barbosa, George Souza.2006. Resiliência http://www.eca.usp.br/njr/espiral/papiro35b.htm

psicológica

e

seus

sete

factores.

http://www.ssrevista.uel.br/pdf/2008/19%20Artigo%20Vers%E3o%202%20Resili%EAncia%20%20Servi%E7o %20Social%20em%20Revista.pdf OMS. LIVRO DE RECURSOS SOBRE http://www.who.int/mental_health/policy/Livroderecursosrevisao_FINAL.pdf

SAÚDE

MENTAL,

OMS (s.d) disponível em: http://europa.eu/scadplus/leg/pt/cha/c11570c.htm Regalla, Maria Angélica; Guilherme, Priscilla Rodrigues;Serra-Pinheiro, Maria Antónia. 2007. Resiliência e transtorno do deficit de atenção/hiperactividade. J. Bras. Psiquiatr. 56, supl 1; 45-49. Rio de Janeiro. Sachuk, Maria Iolanda; Cangussu, Ewerton Taveira. Apontamentos Iniciais Sobre o Conceito de Resiliência.Consultado a 27-04-2009: Silva, Mara Regina Santos et al.2005. Resiliência e promoção da Saúde. Texto & contexto Enfermagem. 14. Brasil. P 95-102

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5 - ENVELHECER ACTIVAMENTE: UMA PRIORIDADE NA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

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NATÉRCIA MARLENE FERREIRA FREITAS ; SOFIA CRISTINA SILVA SPÍNOLA

RESUMO O envelhecimento da população representa um foco de atenção obrigatório por parte das equipas de saúde, implicando uma revisão do plano de actuação e implementação de estratégias de intervenção que visem a maximização da saúde e qualidade de vida dos idosos. Envelhece-se durante todos os dias da nossa existência, mas a forma como o fazemos determinará em muito a pessoa idosa que seremos e a sociedade que construiremos. Partindo deste pressuposto, surge a necessidade de optimizar o processo de envelhecimento, cabendo ao enfermeiro como parte integrante da equipa de saúde, o dever de intervir na promoção de saúde. Tendo como base o Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas e o Pacto Europeu para a Saúde Mental e Bem-Estar que estabelecem como uma das estratégias de intervenção prioritárias a promoção de um envelhecimento activo, temos como objectivo neste artigo de revisão de literatura enfatizar o papel do Enfermeiro como promotor do envelhecimento activo/saudável.

PALAVRAS-CHAVE: Envelhecimento activo; Intervenções de Enfermagem.

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Licenciada em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem São José de Cluny, Centro de Saúde do Jardim da Serra – Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM), nate.ff@hotmail.com

14 Licenciada em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem São José de Cluny, Pós-graduada em Bioética pela Universidade Católica de Braga, Centro de Saúde do Bom Jesus – Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM), sofiaspinola@hotmail.com

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ABSTRAC The aging population is a focus of attention required by the teams of health, implying a revision of the plan of action and implementation of intervention strategies aimed at maximizing the health and quality of life of elderly. Aging is every day of our existence, but the way that we determine in the very elderly and that we build that society. Under this assumption, it is necessary to optimize the aging process, and the nurse as part of the team of health, the duty to intervene in the promotion of health. Based on the National Program for the Health of Older Persons and the European Pact for Mental Health and Welfare to establish a priority of intervention strategies the promotion of active aging, we aim in this article from the literature review emphasize Nurse's role as promoter of aging active / healthy.

KEY-WORDS: Active aging; nursing interventions.

I N TROD U Ç ÃO A prestação de cuidados de saúde não deve se abster dos fenómenos demográficos. Por esta razão, Cordeiro (1999) considera que o envelhecimento da população tornou-se uma das principais preocupações dos intervenientes no domínio da saúde, e começa a influenciar profundamente os cuidados de Enfermagem. A agudização deste fenómeno permitiu repensar no valor e no papel da pessoa idosa, nos seus direitos, na responsabilidade do estado e da sociedade. Envelhecer não é um problema, é sim uma das maiores conquistas da humanidade, exigindo um audaz desafio e responsabilidade para os serviços de saúde, nomeadamente para os cuidados de saúde primários e para os profissionais que nele trabalham, conduzindo à implementação de estratégias de intervenção de modo a satisfazer as necessidades das pessoas idosas, permitindo envelhecer com saúde, autonomia e independência.

ENVELHECIMENTO As alterações demográficas ocorridas no século XX têm vindo a assumir um interesse crescente a nível mundial. Estas alterações traduzem-se nas mudanças da estrutura das pirâmides etárias. Portugal, à semelhança do que acontece na União Europeia sob o ponto de vista demográfico, é caracterizado por baixos níveis de fecundidade e mortalidade, bem como

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de movimentos migratórios acentuados. Estes factores contribuem para o envelhecimento da população. Descrever o processo de envelhecimento é iniciar uma narrativa repleta de determinantes. Estas, poderão ser biológicas, resultando da vulnerabilidade crescente e de uma maior probabilidade de morrer (senescência), psicológicas, que assentam na auto-regulação da pessoa, na tomada de decisão e adaptação a esta etapa do ciclo vital, e sociais, estando implícito o desempenho de papeis sociais ajustados às expectativas da sociedade (Schoots e Birren, 1980). Porém, o processo de envelhecer resulta da interacção destas três componentes. Actualmente, uma certeza temos, é de que, o envelhecimento fará sempre parte do destino biológico do homem, sendo consensual a importância de promovê-lo de forma activa/saudável.

O ENVELHECIMENTO ACTIVO NA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL O Conselho Europeu (2008) considera as pessoas idosas um grupo populacional de intervenção prioritária na promoção da saúde mental. Alegam que o aumento da esperança de vida e o consequente envelhecimento da população poderá implicar alguns riscos para a saúde mental e bem-estar dos idosos, ficando estes mais vulneráveis. Este argumento valida-se pela possibilidade de perda de apoio social da família e amigos, do aparecimento de doenças físicas ou neuropsiquiátricas como a demência, não esquecendo ainda o facto das taxas de suicídio serem mais altas nesta faixa etária. Perante tal cenário, e enfatizando a saúde mental como um direito do ser humano, a União Europeia definiu como um dos objectivos políticos fundamentais a promoção de um envelhecimento activo e saudável. Envelhecer activamente pode ser definido como “um processo de optimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança, para melhorar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem” (WHO, 2002). Poderá estar associado à conjugação de três condições: reduzida probabilidade de ocorrência de doenças, à conservação de um elevado nível funcional nos planos físico e cognitivo e à manutenção da participação social (Fontaine, 2000).

COMO PROMOVER O ENVELHECIMENTO ACTIVO? QUAL O PAPEL DO ENFERMEIRO? O envelhecimento activo constitui um novo paradigma para a velhice, permite reconhecer as pessoas idosas como membros integrados na sociedade em que vivem, que contribuem

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plenamente para o seu desenvolvimento ao mesmo tempo que beneficiam dele com o passar do tempo (Raposo, 2005). Na promoção efectiva do envelhecimento activo é premente uma abordagem intersectorial, incluindo não só o sector da saúde mas também a segurança social, a educação, entre outros, tendo como principal objectivo melhorar a saúde e qualidade de vida das pessoas idosas. Estas coligações multidisciplinares são fundamentais, sendo de salientar o papel dos enfermeiros como catalisadores para a acção. A polivalência cada vez maior da prática de enfermagem torna a promoção/educação para a saúde à pessoa idosa um instrumento básico e eficaz ao serviço dos indivíduos e da comunidade, porque educar para o envelhecimento activo é também cuidar, e nós, enfermeiros, temos competências e o dever de maximizar as capacidades dos idosos, quer pela prevenção, quer pela promoção e adopção de comportamentos protectores que os ajudem a conservar e melhorar a sua saúde (Raposo, 2005). Para melhor promover o envelhecimento activo os enfermeiros têm que atender às determinantes implicadas no processo de envelhecimento. Pois, o idoso é um ser humano que passa por um desenvolvimento individual, (biológico, genético, psicológico) interage com outros e com o meio que o rodeia (comportamentais, ambientais, sociais) contribuindo assim para o modo como envelhece e para o aumento ou diminuição da susceptibilidade à doença. A compreensão destas condicionantes irá auxiliar o enfermeiro na elaboração do plano de cuidados e consequentemente na adopção de intervenções individualizadas e eficientes na promoção da saúde. Nesta promoção é urgente mudar mentalidades, minimizar estereótipos ligados ao envelhecimento e contrariar um dos mitos negativos que considera tarde de mais para modificar o estilo de vida. Há que capacitar o próprio idoso a aceitar as transformações que vão surgindo, quer a nível físico, psíquico e social. Ajudá-lo a encarar o envelhecimento como mais uma etapa do ciclo vital, que deve ser vivida de forma positiva, constituindo uma oportunidade para libertar energias e capacidades que não descobriram enquanto adultos, incorporando assim um estilo de vida mais activo. A própria passagem à reforma, sugere a criação de uma outra forma, uma outra incarnação funcional e, na verdade, os idosos mais felizes neste tempo são aqueles que de facto se re-formam, vivendo de forma saudável, autónoma e independente o maior tempo possível.

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Nesta perspectiva, consideramos as pessoas idosas o primeiro recurso na promoção do envelhecimento saudável, sendo necessário encorajá-las a participar neste processo. Promover o Envelhecimento activo é apelar à participação contínua dos idosos na vida comunitária, incentivar a adopção de comportamentos saudáveis (prática de actividade física; alimentação; não fumar; consumo moderado de álcool, gestão do ritmo sono-vigília, eliminação, etc) e oferecer oportunidades educacionais. Esta participação é essencial para a manutenção das qualidades mentais, estando estas directamente relacionadas com a actividade social, o convívio, o sentir-se útil a familiares e/ou comunidade, prevenindo desta forma o isolamento social, a solidão e a depressão. São inquestionáveis as vantagens da participação dos idosos em actividades de grupo, de preferência intergeracionais. Este intercâmbio permite às diferentes gerações envolverem-se em processos de aprendizagem, seja ela puramente cognitiva e/ou humanista. A UNESCO advoga como necessidade crucial enfatizar a pessoa idosa como transmissora de cultura, valores e conhecimentos aos mais jovens. Os centros de dia ou de convívio constituem também uma boa opção, possibilitam a integração em actividades variadas, desde artesanais, humanitárias, ambientais, permite visitar outras instituições (museus, escolas, parques temáticos, etc). Nestes espaços impera a discussão de assuntos do quotidiano, a realização de jogos que estimulam o convívio e o raciocínio. Pertencer a uma associação, a um movimento político partidário, fazer voluntariado, dignifica o seu papel de pertença na sociedade, muitas vezes o sentimento de ajuda, de se sentir útil tem efeitos positivos na auto-estima e auto-conceito e consequentemente na saúde. Nalguns casos é indispensável participar em grupos de suporte (pessoas com deficiência, etc) levando os idosos a se reverem como pessoas pertencente a uma sociedade. A realização de actividade física e exercício físico é de salutar, pois melhora a capacidade funcional quer física quer mental. Inclusive alguns estudos apontam que os idosos que frequentam programas de exercício físico diminuem significativamente os sintomas de depressão e evita a sua instalação. A fomentação das relações entre familiares é imprescindível, porque quando o idoso está integrado no seio familiar sente que desempenha um importante papel na manutenção da estrutura familiar, dando o seu contributo nas decisões familiares. A educação ao longo da vida tem como propósito prevenir o declínio prematuro das funções mentais e cognitivas, sendo estas importantes na manutenção da autonomia e dinamismo,

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factor importante numa sociedade em constante transformação e determinante na reafirmação social da pessoa idosa. A aprendizagem nesta etapa do ciclo vital, reveste-se de grande interesse, actualmente fala-se muito em escolas para seniores e universidades de terceira idade, estas impulsionam a intergeracionalidade, maximizam o capital intelectual do idoso, promovem a aquisição de conhecimentos, fomentam a participação em actividades desportivas e recreativas, fortalecem laços de amizade, estimulam a integração na sociedade, fazem o idoso sentir-se útil, diminuindo a solidão e fortalecendo a confiança em si próprio. Contudo, mesmo os idosos que não estejam inseridos nestas colectividades podem prevenir o enfraquecimento das suas capacidades mentais e intelectuais através da leitura regular, dos treinos de memória, da realização de jogos que estimulam o raciocínio, da participação activa em questões sociais, económicas, culturais, cívicas e espirituais. Outras medidas propostas para promover o envelhecimento activo são a adopção de estratégias flexíveis em relação à reforma (que permitam escolher trabalhar até mais tarde, quer a tempo inteiro, quer a tempo parcial), embora estas não dependam directamente do enfermeiro. E também disponibilizar medidas promotoras da saúde mental e bem-estar aos idosos que são alvo de cuidados em contexto institucional. As estratégias promotoras de um envelhecimento activo contribuem para a pessoa idosa envelhecer de forma saudável, não esquecendo a valorização da sua autonomia, do direito à autodeterminação, à dignidade, à liberdade de escolha, à aprendizagem ao longo da vida e ao manter-se activo. Seguidamente estão descritas intervenções de enfermagem que poderão constar do plano de cuidados à pessoa idosa na promoção de um envelhecimento activo. - Atender às determinantes do envelhecimento; - Identificar no idoso as determinantes internas (biológicas, genéticas, psicológicas) e externas (comportamentais, ambientais, sociais); - Atender à cultura, género e idade do idoso; - Proteger o idoso do estigma do envelhecimento; - Identificar no idoso, família e comunidade crenças erróneas sobre o envelhecimento; - Informar a família, comunidade e o idoso sobre o direito à autonomia e dignidade; - Educar o idoso, família e comunidade sobre envelhecimento activo; - Promover uma abordagem intersectorial na promoção do envelhecimento activo;

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- Colaborar/trabalhar em rede com diferentes sectores (educação, segurança social, média, autarquias entre outros); - Elaborar projectos multidisciplinares; - Promover o envelhecimento activo no idoso; - Apoiar e dar poder ao idoso; - Incentivar à participação comunitária (centro de dia intergeracional, centros de dia, voluntariado, associações, partido politico, etc); - Advogar e incentivar à aprendizagem cognitiva (leitura regular, treinos de memória, realização de jogos, participação em questões do quotidiano); - Providenciar material de leitura sobre “envelhecer activamente”; - Encorajar a ida à escola ou universidade; - Prevenir o isolamento social, incentivar a família a socializar com o idoso; - Envolver o idoso no processo familiar (tomadas de decisões; apoio na educação dos netos, etc); - Advogar para autocuidado (alimentação; sono e repouso; eliminação;medicação); - Incentivar o fazer exercício (bons resultados na prevenção da depressão); - Promover a saúde mental, a auto-estima, a auto-imagem do idoso (em contexto institucional e comunitário); - Apoiar o idoso na reforma (se possível permitir trabalhar até mais tarde);

C ON CL U S ÃO O envelhecimento activo é um desafio que diz respeito a todos os cidadãos e uma tarefa do curso de vida, cabendo ao Estado a responsabilidade, de adoptar politicas promotoras de saúde na velhice, não esquecendo o dever e o direito individual do idoso neste processo. O propósito do enfermeiro ao promover o envelhecimento activo é focalizar o potencial de saúde do idoso acentuando assim os aspectos positivos, e apoiando-o na mudança de comportamentos para que envelheça com saúde, autonomia e independência. Só assim os idosos poderão assegurar os seus contributos na sociedade, constituindo um recurso importante para as suas famílias, comunidade e até para a economia do país.

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS Conselho Internacional de Enfermeiros (2005); Classificação Internacional para a prática de Enfermagem, Versão 1.0; Geneva. Cordeiro, M. P. A. A. (1999). Avaliação do idoso em Gerontologia. In M.A.M. Costa e tal. Manual Sinais Vitais – O Idoso, Problemas e Realidades. (1ª ed) (p.53-61). Coimbra: Formasau.

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6 - ENFERMEIRO ESPECIALISTA EM SAÚDE MENTAL E PSIQUIATRIA: QUE CONTRIBUTOS?

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PAULA CAMPOS ; ELSA ALMEIDA ; ALICE GONÇALVES

RESUMO Perante a existência de diferentes especialidades em enfermagem e tendo por base o mesmo conceito de enfermeiro especialista importa saber o que de novo traz o enfermeiro especialista em saúde mental e psiquiatria, ou seja, o que faz a diferença entre esta especialidade e as restantes. Cada vez mais os enfermeiros são chamados a responder pela qualidade dos cuidados prestados, de forma a poderem dar resposta a solicitações diversas. Neste sentido, é necessário que estejam preparados para uma constante recriação do seu agir profissional e que dominem determinadas competências específicas Assim, é de extrema importância que o enfermeiro de Saúde Mental e Psiquiatria desenvolva principalmente as competências na área da relação interpessoal, uma vez que esta constitui a base para identificar eficazmente os problemas, direccionando o doente para a Saúde Mental. Os enfermeiros especialistas tendo por base uma perspectiva holística e bio psicossocial têm um grande contributo aos três níveis de prevenção, dado que articulam as diversas instituições dentro da comunidade.

PALAVRAS-CHAVE: Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria

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Enfermeira Graduada, Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Mestre em Bioética, Centro de Saúde da Maia paulaotcampos@gmail.com

16 Enfermeira Graduada, Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Mestranda em Bioética, Centro Hospitalar Povoa de Varzim/Vila do Conde, E.P.E. – Serviço de Medicina Homens, elsafalmeida@sapo.pt 17

Enfermeira Graduada, Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Mestre em Ciência de Educação, Centro Hospitalar do Porto, E.P.E – Serviço de Cardiologia, alice.maria.goncalves@hotmail.com

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ABSTRACT By the being in different specialities in Nursing and to have in base the same concept of specialist nurse remind to know what it is bring the new specified of specialist in Mental Health and Psychiatrist from the others specialities. In growing the nurses are called to respond by quality of nurse caring, in the way to give the answer for all solicitations. In this way, is necessary that they need to be prepared to recreate their professional performance and dominate certain knowledge and capacities. In this perspectives is the extreme importance that the specialist nurse in Mental Health e Psychiatric development capacities and knowledge in interpersonal relations, because is the base to identify efficacies the problems, give the direction for the patient to Health Mental. The specialist nurses have for base the holist perspective and bio-psychosocial; have the great contribution on three prevention stages, because they coordinate different institutions in the same community.

KEY-WORDS: Specialist Nurse in Mental Health and Psychiatrist

I N TROD U Ç ÃO As concepções da saúde/doença têm sofrido variações em função do contexto histórico e cultural, social e pessoal, científico e filosófico traduzindo a variedade de contextos e experiências humanas. Actualmente, o conceito de saúde tem incorporado a dimensão objectiva e subjectiva. A primeira relaciona-se com a sensação de bem-estar e a segunda está relacionada com a capacidade funcional do indivíduo. Quando se pensa no cuidar em enfermagem psiquiátrica, imensas questões se colocam: De que se vai cuidar? Quais os seus objectivos? Que postura deve assumir o enfermeiro? A enfermagem é a arte de cuidar e constitui uma ciência potenciadora da promoção de estilos de vida saudáveis nas pessoas, comunidades e população em geral (Freitas2006). A pessoa com a doença mental é o foco de actuação do enfermeiro especialista. Neste sentido, o profissional de saúde deve usar todos os saberes científicos e humanos para cuidar da pessoa de forma global, nomeadamente quando atinge níveis de vulnerabilidade e fragilidade como acontece a doença

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mental, com o objectivo da reabilitação tão rápida quanto possível, de forma a se integrar na sua comunidade (Freitas, 2006).

E N FE RM EIRO ES PE CI AL I S T A E M S AÚ D E M EN T AL E P SIQUI ATR I A Está explicito no Decreto-Lei nº 104/98 que “os enfermeiros constituem, actualmente, uma comunidade profissional e científica da maior relevância no funcionamento do sistema de saúde e na garantia do acesso da população a cuidados de saúde de qualidade, em especial em cuidados de enfermagem”. Entende-se por cuidados de enfermagem “as intervenções autónomas ou interdependentes a realizar pelo enfermeiro no âmbito das suas qualificações profissionais”. Assim, importa salientar, que “as intervenções de enfermagem são frequentemente optimizadas se toda a unidade familiar for tomada por alvo do processo de cuidados, nomeadamente quando as intervenções de enfermagem visam a alteração de comportamentos, tendo em vista a adopção de estilos de vida compatíveis com a promoção da saúde”. Segundo Taylor, o princípio da Enfermagem Psiquiátrica “deriva da crença e sentimento acerca da singularidade e valor inerente de cada ser humano”. A autora reforça ainda que o enfermeiro deve ver o comportamento do doente de uma forma não crítica, enquanto o ajuda a aprender adaptações mais efectivas. O Profissionalismo do Enfermeiro está “ na subtileza, nesta capacidade de ir ao encontro do outro e de dar sentido a esse encontro e, depois, de fazer o caminho com ele”. Assim, o papel do enfermeiro de Saúde Mental tem um carácter terapêutico e activo, pois, para além da satisfação das necessidades básicas dos utentes, tem que possuir habilidades em relações humanas e estabelecer uma comunicação eficaz, compreensão profunda das alterações comportamentais. Nos últimos anos, o campo de acção para a prática de enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria tem-se expandido de forma acentuada, pelo que os enfermeiros têm assumido uma responsabilidade cada vez maior no que respeita à prevenção, tratamento e reabilitação.

ARTICULAÇÃO DOS DIFERENTES NIVEIS DE PREVENÇÃO A psiquiatria comunitária assenta no modelo preventivo, uma vez que se baseia na detecção e intervenção precoce nas situações de risco para a saúde da pessoa e das populações. Desta forma é imprescindível a promoção da mudança de comportamentos, actuando no sentido de diminuir o estigma social. Veio finalmente propor uma nova forma de tratar os doentes mentais na comunidade sem os afastar da sua família e das suas redes sociais. Este modelo de tratamento implica várias alterações e princípios nomeadamente a existência de uma rede de cuidados

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diferenciados, desde a Consulta Externa, o Hospital com unidades de internamento de curta duração; serviços de cuidados continuados, em articulação estreita com as diversas equipam, que intervêm na situação do doente e família; em articulação com serviços da comunidade com vista a uma melhoria na qualidade de vida e adequada integração social e profissional. Promover Saúde Mental é potenciar o estado de equilíbrio que permite ao sujeito compreender, interpretar e adaptar-se ao meio que a cerca, estabelecer relação significativa com os outros e ser um membro criativo e produtivo da sociedade (Cepeda et al, 2005). Assim, implica que sejam desenvolvidas cuidados abrangentes ao nível físico, psíquico e sociais. Os enfermeiros especialistas têm um grande contributo nestas três prevenções, dado que articulam as diversas instituições dentro da comunidade, neste sentido os que exercem funções no Centro de Saúde poderão articular-se com o hospital de modo a monitorizar os doentes que tiveram alta. Este trabalho implica uma relação de proximidade entre o profissional e a família, em que a sua actuação é ao nível de reabilitação do doente e de promoção da saúde mental e prevenção da doença mental na família. Assim, permite uma diminuição de internamentos, numa articulação entre os serviços de especialidade e os serviços da comunidade, no reforço positivo junto da doente e família para a continuação de tratamento e na determinação dos grupos de risco e estudo das medidas preventivas a implementar (Loureiro 2006). É de salientar que a prevenção primária deve ter uma primazia dado que evita internamentos, custos para o Estado e custos pessoais, nomeadamente na alteração de qualidade de vida do indivíduo. Como tal, o enfermeiro especialista tem um papel relevante porque interfere na promoção da saúde e na prevenção da doença. Neste contexto, o enfermeiro especialista contribui essencialmente no que diz respeito à redução da incidência de um transtorno mental ou reduzir a taxa de desenvolvimento de novos casos. A estratégia de implementação de programas de saúde, passa por uma abordagem dos determinantes da saúde, desenvolvidos nos ambientes onde as pessoas vivem, trabalham e estudam, em colaboração com os múltiplos sectores que contribuem para a saúde. Esses programas visam reduzir a prevalência dos factores de risco das doenças e aumentar os factores de protecção relacionados com o estilo de vida. Nesta perspectiva o enfermeiro especialista poderá desenvolver um papel na prevenção de dificuldades do desenvolvimento e de saúde mental em crianças e adolescentes; problemas de saúde mental em adultos (como ex. detectar depressão, ansiedade ou potencial suicídio) e por último na educação para saúde aos indivíduos e famílias.

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A prevenção secundária compreende as medidas de diagnóstico precoce e tratamento imediato dos problemas de saúde, assim como as limitações das incapacidades. Neste sentido, o enfermeiro especialista tem um papel no tratamento da doença e no encaminhamento para a sua reabilitação, nomeadamente na identificação precoce dos casos, o rastreio e o tratamento imediato e eficaz. A sua intervenção reflecte através do desenvolvimento de acções adaptadas às necessidades da população infantil e juvenil, nomeadamente através dos serviços de saúde mental dirigidos a populações definidas e que possuam critérios de cuidados integrados com base comunitária. Desta forma, após a alta hospitalar o paciente, deverá ser encaminhado para um Programa de Saúde onde a Família pudesse estar envolvida, com um serviço de assistência domiciliária. Aí, o enfermeiro especialista em Saúde Mental em articulação com os enfermeiros de saúde pública, que actuam na comunidade vai levar a cabo as acções de enfermagem que estão de acordo com as necessidades de cada doente. A sua intervenção vai ser ao nível de apoio familiar (funcionamento do núcleo familiar e promoção da saúde e o bem-estar dos membros da família do utente), da dinâmica enfermeiro/utente/família (Cruz et al). Na prevenção terciária existe uma perspectiva de reabilitação e de integração do doente na sociedade. Neste sentido, pretende-se uma colaboração e empenho dos sectores da saúde, social e comunitário, promovendo a reabilitação dos doentes com perturbações prolongadas (Loureiro, 2006). As actividades dos enfermeiros destinam-se na redução a gravidade de um transtorno mental e as deficiências associadas por meio de actividades de Reabilitação. A reabilitação psicossocial é um aspecto importante, pois é um processo complexo em que intervêm várias técnicas com o objectivo da recuperação da pessoa doente, melhorando o seu auto-conceito, a sua função a nível social, passando por uma integração comunitária e pela promoção da sua qualidade de vida. A ter em conta que “no caso de doentes que fundamentalmente careçam de reabilitação psicossocial, a prestação de cuidados é assegurada, de preferência, em estruturas residenciais, centros de dia e unidades de treino e reinserção profissional inseridos na comunidade e adaptados ao grau específico de autonomia dos doentes” (ponto nº 1, art. 3º, Lei nº 36/98).

C ON CL U S ÃO As competências profissionais, encaradas como elementos basilares da qualidade prática, derivam de uma combinação entre vários recursos, que se identificam como saberes, nomeadamente, o saber-estar, saber-ser, saber-fazer, e o saber-agir. Para a satisfação de todos estes recursos, é fundamental que o enfermeiro possua competências específicas num

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determinado campo e que estas sejam reconhecidas como imprescindíveis pelo cidadão que procura os cuidados de saúde. São peças fundamentais na identificação precoce das possíveis situações de distúrbios mentais, contribuindo não só para a promoção da Saúde Mental, prevenção da Doença Mental, mas principalmente para desmistificar os preconceitos existentes, que muitas vezes são condicionantes graves ao tratamento e resolução precoce de certos distúrbios. Gostaríamos de referir que os enfermeiros especialistas na prevenção primária têm um papel preventivo de carácter geral e especifico nomeadamente no desenvolvimento da saúde em geral prevenindo a vulnerabilidade e promovendo a resistência à doença. Compete aos enfermeiros a sensibilização dos indivíduos para a importância de comportamentos saudáveis; a identificação de potenciais factores de stress, preparando o individuo para intervir nas crises da vida quotidiana. Devem ser portadores de competências profissionais e pessoais que lhe permitam ter disponibilidade afectiva, compreensão e respeito integral pela pessoa. Educar a opinião pública sobre questões da saúde mental e dos recursos da comunidade desfazendo o estigma que existe à volta da saúde mental e da doença psiquiátrica. O enfermeiro tem um papel fundamental na prevenção secundária na medida em que desenvolve acções que levam à redução da doença, quer ela detecção e tratamento precoce da doença. Ao nível da prevenção terciária o enfermeiro desenvolve esforços para possibilitar que as pessoas com doença mental alcancem o seu potencial máximo de independência. É essencial que o Enfermeiro Especialista contribua através do “seu olhar mais profundo” sobre a Pessoa numa situação específica, na implementação de intervenções de Enfermagem especializadas que promovam, estimulem e facilitem o suporte aos projectos de saúde dos indivíduos e à sua qualidade de vida (Leite, 2007).

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS CALLAGHAN, Patrick (1990). O enfermeiro especialista. Nursing, 31 (8), 24-27. Cepêda, T., et al (2005). Promoção da Saúde Mental na gravidez e Primeira Infância, Manual de Orientação para Profissionais de Saúde, Direcção de Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental. CONSELHO DE ENFERMAGEM (2001). Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem: Enquadramento Conceptual: Enunciados Descritivos. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros. CONSELHO NACIONAL DE SAÙDE MENTAL (CNSM) (2002). Propostas e Recomendações.Lisboa.

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7 - HISTÓRIAS DE VIDA

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LUÍSA JORGE ; MIGUEL NARIGÃO ; PATRÍCIA FIRMINO

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RESUMO Inicialmente o tema do artigo, seria o método autobiográfico, mas na pesquisa efectuada chegamos à conclusão que seria limitativo abordar apenas este método. A biografia enquanto método, porque apresenta fundamentação teórica mas também técnica, pode ser utilizada com diversas metodologias, sendo a base de intervenção a história de vida. Consideramos que as histórias de vida, e as suas diferentes formas de apresentação e de utilização, são pois, um exercício pedagógico e/ou terapêutico importante. Da mesma forma, é interessante, a relação entre história de vida e história das vidas, e o impacto destas nas actividades do ser humano, entre as quais se conta a enfermagem. Por outro lado, a sua utilização em saúde mental, permitirá, pensamos nós, ter em consideração a perspectiva cuidadora da enfermagem na sua plenitude, considerando o Homem enquanto “ser” que se define em função da sua história e na relação com o “outro”. Só nos projectamos no futuro, porque fomos e porque somos, e é na interpretação em cada momento dessa realidade, certamente transfigurada pela nossa sensibilidade, desenvolvimento, conhecimento, contexto social e cultural, que nos vamos construindo. Este artigo procura definir a importância da história pessoal na vida de cada pessoa, de que maneira esta preocupação pode servir o interesse da enfermagem em geral e da enfermagem em saúde mental, em particular.

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Enfermeira Graduada, Mestranda em Enfermagem, Área de Especialização em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria.

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Enfermeiro Graduado, Mestrando em Enfermagem, Área de Especialização em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria.

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Enfermeira Graduada, Mestranda em Enfermagem, Área de Especialização em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria.

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Foi igualmente pretensão nossa salientar a importância da construção de si próprio para a nossa prática. De como este conhecimento é determinante na intervenção junto das pessoas, na empatia, tolerância e disponibilidade para as ajudarmos a encontrar os seus caminhos. Apoiamo-nos, essencialmente, em dois autores: Demetrio (1995) e o método auto-biográfico e em textos de um grupo belga, que se tem dedicado há alguns anos, ao estudo da utilização de narrativas de vida. Essa equipa, liderada por Josso (2007), tem estudado principalmente a aplicação

desta

metodologia

em

contexto

formativo,

nomeadamente

com

a

participação/colaboração de escolas de enfermagem. Procurámos referências que, de acordo com os objectivos definidos para este trabalho, pudessem contribuir para o esclarecimento das dúvidas que nos foram surgindo. Nem sempre foi clara a resposta a todas as questões, pelo que reflectimos sobre a experiência de alguns anos para especularmos sobre algumas ideias relacionadas com o tema. A exploração das histórias de vida permitiu-nos outras possibilidades de intervenção, adaptadas aos contextos e às pessoas que temos diante de nós, com resultados, por vezes imediatos, nomeadamente na redução da ansiedade, aumento da auto-estima e na reestruturação do pensamento. Para nós, pessoal e profissionalmente, a utilização das histórias de vida na compreensão da pessoa, do seu percurso, do entendimento que tem de si próprio, são um recurso útil, seja como opção formativa e/ou como opção de vida. Representa uma preocupação com a pessoa, com a sua auto consciencialização e com a capacidade de decisão que lhe permite continuar a “ser”.

PALAVRAS-CHAVE: Histórias de Vida; Enfermagem; Intervenção; Saúde Mental.

ABSTRACT Initially, the subject of the article was supposed to have been the autobiographical method. But in the research made, we reached the conclusion that it would be a very narrow approach to focus only on this method. Biography as a method – with a theoretical foundation, and a theory itself can be used with different methodologies, and the life story is the background for intervention. We consider that life stories and the different ways they are presented and used are, therefore, an important pedagogical and/or therapeutic exercise.

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In the same way, the connection between the story of a life story and the other life stories, and the impact they have in different the activities of the human being (among which you can include nursing) is quite interesting. On the other hand, we believe that its use in mental health will allow us to take into account the caring side of nursing in its fullness and to view Man as a “being” marked by his own story and the relationship with the “other”. We only project ourselves in the future because we once were and we now are. And by interpreting each moment of that reality, transfigured surely by our own sensitivity, development, knowledge and cultural and social background, we build ourselves as we go along. This article aims to determine how important are personal stories in the lives of each person, and in which way this concern can be used in the best interest of nursing in general and nursing in mental health in particular. Our goal was also to underline the importance for our practice of building oneself and to stress how determinant is this knowledge when we approach people, and the empathy, tolerance and availability we must show to help them find their paths. We looked for support essentially from two authors: Duccio Demetrio(1995) and the autobiographical method and texts from a Belgian group, devoted for many years to studying the use of life narratives. This team, headed by Marie-Christine Josso (2007), has been mainly studying the application

of

this

methodology

in

a

training

environment,

namely

with

the

participation/collaboration of nursing schools. We also looked for references which, in accordance with the goals set for this assignment, might contribute to enlighten the doubts that occurred. But the answer to our questions was not always clear, and we had to take into account also the experience of several years to speculate about some ideas related to the subject. Discovering life stories gave us other possibilities of intervening, more adapted to the context and to the people we have before us, sometimes with immediate results, especially in what comes to reducing anxiety, increasing self esteem and restructuring thought. For us, personally and professionally, the use of life stories to understand someone, his path and the way he views himself is a useful resource, whether we use it as a training option and/or life option. It represents a concern with someone, his self conscience and his ability to make decisions which, in turn, allows him to keep on “being”.

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KEY-WORDS: Life Stories; Nursing; Intervention; Mental Health.

C ON C EI TOS E AP LI C AÇ Õ E S As histórias de vida, enquanto expressão oral, estarão certamente ligadas à história do próprio Homem e à sua necessidade de socialização. A sua expressão escrita, aquela que permite uma leitura da história mais próxima dos factos, terá certamente estado sujeita ao desenvolvimento desta ferramenta e à capacidade que foi adquirindo de dedicar parte do seu tempo à compreensão de si próprio e do que o rodeava e, não apenas, nas tarefas de sobrevivência. A primeira constatação terá sido a sensação de bem-estar que a narrativa pessoal provocava. Depois, a compreensão de que a memória ou pensamento autobiográfico sustenta a nossa vida na medida em que lhe atribui significado. A nossa identidade é determinada pela consolidação de recordações. Platão (séc. V a. C.), referia que recordar é reencontrar ideias, essências universais, e a memória seria a superfície mental sobre a qual surgem as noções imortais. Para Aristóteles (séc. IV a. C.) recordar é ir ao encontro do conhecimento sensível, das emoções, e a memória o texto onde se encontram escritas as próprias experiências. Mas o exercício de se contar não representa meramente o reencontro consigo próprio. Os valores pessoais surgem naturalmente na exposição autobiográfica, daí que o registo possa traduzir preocupação e até objectivos distintos: Deus, a comunidade, o próprio. Mais recente é o interesse jornalístico nas histórias de vida de personagens célebres. Durante o século XX as histórias de vida despertaram o interesse de diversas ciências sociais e humanas, que propuseram metodologias diversas para sua utilização. A antropologia investigou com base neste método, para saber mais sobre culturas diferentes, marginais ou em vias de desaparecimento, como aconteceu, por exemplo, nos EUA com os índios, ou mais tarde (início do séc. XX) com as minorias imigrantes. A aplicação das histórias de vida, com o objectivo de promover o insight e a tomada de decisão em relação ao futuro, através da reflexão, foi outra das utilizações desta metodologia em crianças e adolescentes em risco, nomeadamente por Clifford Shaw, citado por Tinoco (2008), nos anos vinte. Esta utilização das histórias de vida, ao contrário das anteriores, tinha como foco de intervenção o indivíduo e as suas particularidades.

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Na perspectiva psicológica, as mudanças no indivíduo podem surgir pela reflexão sobre a história de vida e com uma abordagem específica sobre o passado. O método autobiográfico e as narrativas de formação, na educação, têm sido adoptadas como forma de investigação-formação inicial ou continua de professores; e em formação profissional na orientação e aconselhamento, através da construção e reflexão das trajectórias profissionais. Assim as histórias de vida podem possibilitar o conhecimento da pessoa e compreender o seu comportamento ou, numa perspectiva sociológica, alargar-se ao entendimento das regras de funcionamento de um determinado grupo social. Durante parte do século XX, a pesquisa qualitativa foi desvalorizada perante a investigação quantitativa e perante uma visão do indivíduo e do seu papel, influenciada por Marx e pelas teorias deterministas. O método autobiográfico, ou biografia, ou história de vida enquanto investigação de carácter qualitativo, que estuda a pessoa e partindo dela, as relações interpessoais, ficou relegada para segundo plano. Por esta razão, a utilização desta metodologia só viria a ressurgir, por pressão das ciências sociais, no último terço daquele século. Josso (1999) atribui ao sucesso de Bertalanfy (1972) e à sua teoria dos sistemas, uma forte responsabilidade na mudança de paradigma da visão sobre a pessoa. No campo psicológico e da educação refere entre outros a influência de Carl Rogers. Por se tratar de uma abordagem de carácter compreensivo das peças biográficas, pode levantar questões quanto à representatividade das amostras. Mas a intenção é a análise profunda do material recolhido. Através da saturação desse material, ou seja, quando os diversos entrevistados começam a repetir ideias, podem-se inferir hipóteses à luz do quadro teórico que conduziu a pesquisa. Igualmente os esquecimentos colectivos, como os relatados por Digneffe e Becker (1997), citado por Tinoco (2008), num estudo na Alemanha, durante a segunda guerra mundial, podem ser significativos. As ciências sociais têm utilizado terminologias diferentes para os relatos orais, de acordo com os diferentes aspectos metodológicos e teóricos utilizados. Autobiografia, relato oral de vida, depoimento oral, narrativas de formação, história de vida ou história oral de vida são algumas das formas utilizadas, que derivam da história oral. Souza (2006), recorrendo a Pineau (1999: 22-39), distingue alguns conceitos:

Biografia, escrito da vida do outro.

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Autobiografia, escrito da própria vida, oposta à biografia na medida em que, o sujeito se torna actor e autor das suas próprias experiências sem intervenção externa nesse processo.

Relato de vida, semelhante à autobiografia mas sem privilegiar o escrito ou o oral.

Narrativa de formação, baseada na abordagem biográfica e autobiográfica das trajectórias de escolarização e formação, transforma-se num processo formativo e auto formativo através das experiências dos autores em formação. Baseado na reflexão de que ninguém forma ninguém e que a formação é, inevitavelmente, um trabalho de reflexão sobre os percursos da vida.

História de vida, conceito mais recente, corresponde a uma denominação genérica em formação ou investigação, na medida em que se revela pertinente para a compreensão do que somos, das aprendizagens ao longo da vida, das nossas experiências e do entendimento que fazemos dos fenómenos que acompanham a nossa vida individual e colectiva.

O pensamento autobiográfico, embora possa percorrer um passado pessoal, por vezes doloroso, cheio de erros e oportunidades perdidas, onde as histórias nem sempre acompanham a realidade dos factos, é sempre um reajustamento em relação ao que fomos, uma reconciliação, mais ou menos difícil, que pode proporcionar sentimentos diversos ao seu protagonista. Na melhor das hipóteses, esses sentimentos poderiam ser de paz e tranquilidade. De acordo com a convicção, cultura, educação de cada um a sensação de bem-estar pode ser comparada a um sentimento de libertação que é experimentado perante o reconhecimento das próprias falhas (perante Deus o Homem), e do pedido de perdão no sentido ético (justo) ou estético (belo). Infelizmente, a reconciliação nem sempre acontece e a exposição escrita ou oral da nossa vida ou episódios dela, pode ser muito dolorosa. Não raramente o relato se baseia em vivências superficiais e pouco invasivas que procuram evitar o reencontro com experiências negativas que ao contrário de alargar horizontes, de procurar o conforto do encontro consigo próprio, podem provocar ansiedade e diminuir auto-estima. A razão porque não abordamos certos episódios da nossa vida é a mesma porque Gabbard (1998) afirma que em certos momentos a pessoa com doença mental necessita de o continuar a ser. Porque o confronto com o que nos magoa pode ser ainda mais desestruturante e, todos nós precisamos do momento certo para abordar aquilo que nos magoa. Esse momento é determinado pelo próprio, nem sempre de modo consciente, como um momento securizante, acolhedor em que a pessoa se sente preparada para se reencontrar com o passado e daí preparar o futuro. A partilha nessa altura pode efectivamente criar uma nova oportunidade, na medida em que este exercício nos aproxima do outro, nos liberta da tensão e afasta os fantasmas que a nossa imaginação originou.

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Mesmo para quem pretende ter tido uma vida plenamente satisfatória, pode representar um exercício enriquecedor, retirando benefício interior deste exercício de reflexão. Em última análise o objectivo deste método seria encontrar um sentido para a própria vida. O passado é terapêutico pela promessa de futuro e por ser uma fonte de recursos. O regresso ao passado não tem como função apagar esse passado, tem como papel, ajudar a compreender o presente, dar-lhe um sentido integrador de experiências. “A autobiografia é uma viagem formativa e não um fechar de contas…” (Demetrio, 1995: 15). Demétrio (1995: 15) fala de um “EU Contextualizador” que congrega as várias versões da nossa existência, ou seja, as diferentes interpretações que ao longo da vida vamos dando às nossas memórias. O que inicialmente é uma “retrospecção” pelo passado torna-se uma “introspecção”, que permite num terceiro momento a “criação”. A maturidade permite a capacidade de escolha que marca o nosso trajecto de crescimento, a ligação entre as várias experiências e a interpretação dos diferentes fenómenos da nossa vida. “Maturidade …é saber fazer da nossa vida uma macedónia harmoniosa que nos seja conveniente” (Plutarco, citado por Demetrio 1995: 28). A revisitação da nossa vida é em cada momento uma descoberta à luz de diferentes experiências que vão transformando a nossa visão do mundo. “Quem se questiona sobre si próprio acaba sempre, quer o queira quer não, por se questionar sobre tudo o resto. Aprende a olhar para si próprio, mas só para o que tinha guardado honestamente e, de repente, tudo o resto lhe parece que não é menos rico que ele próprio, acabando, desta maneira, por ficar ele próprio ainda mais rico” (Canett, citado por Demétrio, 1995: 34). A autobiografia convida-nos a sermos sinceros connosco próprios, mesmo que toda a verdade não se escreva ou se divulgue. Tudo deve ser escrutinado mas nem tudo pode permanecer desenterrado sob pena de sofrermos demasiado. A ideia não é a absolvição pessoal mas o encaixar de peças, percorrer o caminho dos nossos diferentes “eus” ao longo da nossa vida e procurar-lhes um sentido.

HISTÓRIAS DE VIDA E ENFERMAGEM Os enfermeiros que elaboraram este artigo, sentiram necessidade de discutir em que paradigma se situavam quanto à sua prática. Estimulados pela pesquisa de Lopes (1999), avaliamos se a

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nossa prática coincidia com a concepção de enfermagem que defendíamos. Concluímos que para nós o ser humano “é” na totalidade, fruto da sua experiência e desenvolvimento e, que a consistência desse “ser”, resulta da construção individual e da sua dialéctica constante com o ambiente. Nós próprios não nos distinguimos da pessoa que cuidamos neste sentido. Por essa via os cuidados devem ser realizados tendo em consideração as referências da pessoa e a sua liberdade de decidir o que é importante para ela em cada momento, sendo o enfermeiro uma referência naquele momento concreto. Uma referência mais informada, com competências específicas na arte de cuidar, mas apenas mais uma referência. Deste modo, ao “sermos com” a pessoa, influenciamos a sua perspectiva, mas não determinamos o percurso que deve percorrer. Por esta razão faz-nos sentido o tema “Histórias de Vida”. Porque ele representa uma preocupação com a pessoa, com a sua auto consciencialização e com a capacidade de decisão que lhe permite continuar a “ser”. Na mesma linha, conceitos como empowerment e recovery têm significado semelhante quanto ao respeito pelo outro. Porquanto pressupõem por um lado, a liberdade de escolha do próprio e a responsabilidade que acompanha a decisão e por outro, a crença na pessoa, em que ela tem em si a capacidade para se sentir melhor consigo própria. Porque ela não é doente, tem uma doença. Capacidade e competência são aquilo que procuramos neste caminho em formação para uma intervenção que compreenda a totalidade da pessoa. Mas tal como com os colegas entrevistados por Lopes (1999), também nós por vezes somos tentados a “resolver” os problemas do doente, considerando-o em “partes”, considerando-o doente, porque nessa medida nos desresponsabiliza da preocupação com a sua liberdade e com o “trabalho” que nos dá e o tempo que demora acompanhá-lo na decisão. Esta reflexão serve apenas, como referimos no início deste capítulo, para nos recentrarmos naquilo que para nós deve ser o essencial; caminhar para uma prática onde se considera a pessoa como sendo capaz de escolher o seu caminho, resistindo o enfermeiro à tentação de o substituir nessa decisão. Para isso precisamos de novas competências, em áreas até agora pouco exploradas e que respondam às necessidades actuais dos enfermeiros para o seu atendimento aos utentes. Como constatado por Lopes (1999), também nós sentimos que nem sempre estamos preparados para as abordagens necessárias, e desse modo procuramos formação.

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As competências surgem fruto da formação, experiência profissional e características pessoais. À medida que o conhecimento científico evolui, a experiência se acumula e o desenvolvimento pessoal acontece, igualmente a nossa possibilidade de sermos melhores enfermeiros se concretiza. Aqui se vislumbra a questão principal para a enfermagem e para a formação, em particular. A formação deve acompanhar a mudança de paradigma e encontrar novas competências a desenvolver, seja na formação inicial ou na pós-graduada. “Sem competência pessoal tudo o resto continua sem fundamento.” (Phaneauf, 2002: 2). O auto conhecimento é condição indispensável para quem pretende cuidar do outro, e para este auto conhecimento a autobiografia pode permitir esse reencontro consigo próprio e a compreensão das motivações que estão por trás das opções em relação à profissão. É pertinente entender porque se reage de determinada forma perante uma situação concreta e de que modo somos influenciados por preconceitos e emoções. A reflexão sobre nós próprios é, simultaneamente, uma reflexão sobre o que nos rodeia. As mudanças ocorrem a ritmo vertiginoso nas sociedades em que vivemos, mudanças não apenas tecnológicas, económicas ou políticas, mas principalmente socioculturais, que nos obrigam a reposicionamentos frequentes face ao que nos rodeia. Colocam-se-nos pois, questões frequentes sobre o sentido da nossa existência ainda que no essencial, possamos não mudar muito. As histórias de vida possibilitam a constatação destas transformações em nós e evidenciam a capacidade que temos de nos adaptarmos. Esta compreensão do nosso próprio fenómeno, identifica-nos com o outro na fragilidade como na oportunidade de redefinição de si. De igual modo, verificar como tão diferentes dimensões interferem na nossa existência e construção de uma identidade ajuda-nos a perceber o que o outro tem de semelhante connosco neste processo. Josso (2007) refere que ao distinguirmos diferentes identidades na pessoa, identidade psicológica, social, cultural, politica, etc., anulamos a reflexão sobre a existencialidade, porque essa dimensão não é passível de fragmentação. A abordagem biográfica na formação de enfermagem não terá como prioridade a construção de identidade, mas torna-se inevitável o contributo que a reflexão dá para essa construção. Pela tomada de consciência das vivências formadoras e fundadoras. As primeiras pelo contributo para o desenvolvimento pessoal e profissional e as segundas pela intensidade capaz de transformações profundas na pessoa.

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Resumindo o modelo proposto por Josso (2007), poderemos dizer que parte da ideia de um projecto de formação a partir da história de vida, num processo de subjectividade e intersubjectividade. Ou seja, em etapas de trabalho individual e em grupo, que consiste num trabalho de pesquisa – formação, onde a pesquisa contribui para a formação através de “… aprendizagens reflexivas e interpretativas, e situa-se em seu percurso de vida como um momento de questionamento interactivo e prospectivo sobre seu (s) projecto (s) de vida e sua (s) demanda (s) de formação actual.” (Josso, 2007: 421). A sequência inclui ainda a partilha em pequenos grupos (3/4 elementos), de vivências consideradas formadoras e/ou fundadoras, sendo permitido pedidos de esclarecimentos sobre o narrado. Estes grupos, constatam que este exercício introduz processos de identificação e diferenciação que provoca interrogação sobre o percurso individual e o dos outros. Em seguida, os participantes elaboram individualmente a sua história escrita, que de novo é partilhada com os restantes elementos do grupo. Tenta-se perceber as alterações que surgem na passagem do registo oral para o escrito, quais os momentos significantes da história, o papel da pessoa nas suas opções e aprendizagens. As aquisições acumuladas são depois agrupadas em quatro categorias: aprendizagens existenciais ou constitutivas do conhecimento de si, aprendizagens instrumentais, aprendizagens relacionais e aprendizagens reflexivas. É identificado, desta maneira, pelo próprio (em subjectividade) e ampliado pelos colegas (em intersubjectividade), níveis de desenvolvimento (também através da análise das características do registo escrito), permite a confrontação entre os interesses individuais e as pressões colectivas, faz emergir potencialidades e possibilidades e possibilita a transferência do apropriado em si para a situação de exercício profissional. Aquilo que somos resulta principalmente da dialéctica que nos acompanha durante a vida entre: singularidade e conformação com as regras familiares e/ou sociais; entre responsabilidade e dependência; entre internidade (sonhos, projectos, desejos, imagens…)

e externidade

(perspectivas dos outros). A gestão destas dialécticas determina para cada um, uma tensão mais ou menos intensa, de acordo com o grau de coerência e satisfação atingido entre o desejado e o possível. Situação que pode necessitar de intervenção de profissionais de enfermagem. Podemos ainda salientar neste processo, as vantagens da partilha na consolidação dos grupos, num exercício de compreensão do outro através de mim próprio.

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Para Nussbaum, in Barre (2002), somos capazes de sentir compaixão na medida em que nos identificamos com o sofrimento do outro, e com a eventualidade de necessitarmos atenção semelhante. Na enfermagem esta metodologia permitiria, por exemplo, um processo evolutivo entre o saberpensar e o saber-fazer, dar sentido às aprendizagens, tomar consciência de si e das suas potencialidades, compreender o seu papel na profissão e o que representa o outro (utente) partindo de si próprio. Embora as histórias de vida se refiram a relatos orais ou escritos que tentam abranger a totalidade da vida, muitos vezes a história pode ser limitada a um período ou vivência/experiência específica, que pretende fornecer material para um projecto em concreto. Josso(1993) prefere designar esta abordagem como biográfica ou de experiência. A título de exemplo refere alguns projectos. Para avaliação de competências em professores de enfermagem, com abordagem baseada nas experiências individuais tendo como ponto de partida uma nova referência profissional. O projecto tem por base o percurso pessoal com a referência proposta e avalia se as competências individuais se ajustam ao programa proposto, retirando daí as necessidades formativas. Outra experiência de formação inicial para adultos em enfermagem, avalia a diferença entre as aquisições anteriores e as competências a adquirir ou desenvolver. A formação de formadores em enfermagem, através do método autobiográfico, centrado no campo da saúde, explora a formação no cuidado de si e dos outros, trabalhando seguidamente na transferência das verificações efectuadas durante o processo, tanto na formação inicial, como nos serviços de enfermagem. Em formação contínua de enfermeiros, através da “história dos meus projectos”, procura a ressignificação da escolha profissional. Para Josso (1999), estas experiências e derivações da história de vida original não devem ser desvalorizadas, pois continuam a representar registos biográficos sujeitos a um percurso de vida. Ou seja, a história de vida está sempre presente e confere um significado incomparável a cada episódio da nossa existência.

HISTÓRIAS DE VIDA E SAÚDE MENTAL Do mesmo modo que, no início do capítulo anterior nós pensámos como enfermeiros, também neste nos devemos confrontar com o significado que tem para nós sermos enfermeiros em saúde mental e psiquiatria.

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Neste sentido existe uma preocupação já referida com o outro, a sua perspectiva de si próprio e o seu projecto de vida, decidido em liberdade e em consideração, com a visão de si no momento em que o encontramos. E nem a presença de doença é impeditiva da aplicação deste princípio, simplesmente pode adiar um pouco a autonomia na decisão sobre o que será melhor para o próprio em relação ao seu presente e ao seu futuro. Adiamento determinado pela condição da pessoa doente, não pelo enfermeiro. A crise apresenta-se e impede a concretização plena do projecto individual, falamos em crise porque os enfermeiros que escrevem este texto trabalham em serviço de internamento. Embora numa fase inicial seja por vezes difícil uma intervenção psicológica muito eficaz, rapidamente o pudemos fazer e nessa altura, é exigido que devolvamos confiança e acompanhemos a pessoa na redescoberta de si e na reconstrução do seu projecto de futuro. Tendo esta intervenção de ser concretizada em tempo reduzido, necessitamos de ser pragmáticos na abordagem das situações, ou seja, focalizar a nossa atenção no que para a pessoa é o problema. Esta é uma perspectiva que pode ser de base fenomenológica porque se pretende compreender e não explicar, valorizando mais o consciente que o inconsciente. A fenomenologia pressupõe que “…o comportamento humano é determinado pelo modo como o indivíduo percebe a realidade em cada momento da sua vida e não pela realidade em si mesma, em termos objectivos” (Fonseca, 1997: 146). Outra referência importante é Rogers (1980). Acompanhar o outro na interpretação dos significados que atribui às suas sensações e aceitar a sua subjectividade e a sua singularidade. Tendo presente estas referências, devemos considerar outro ponto. Existe sempre manipulação das reminiscências, interpretações subjectivas dos acontecimentos por nós vivenciados. Mas este facto não deve ser visto como um obstáculo, antes como uma necessidade da pessoa em atribuir significado às suas experiências. O problema surge quando na nossa história os momentos de sofrimento predominam ou sobrepõem as realizações e os acontecimentos que evidenciam a nossa capacidade de realização e nos impedem de dar coerência à nossa existência. O enfermeiro compreende que a vida da pessoa tem o significado que ela própria lhe atribui e trabalha a partir daí na (re) descoberta de uma alternativa. As características do relato pessoal e da história assumida, podem ser significativos do ponto de vista psicopatológico, pela estrutura da narrativa, pela relação entre narrativa e contextos e pelos significados e sentidos evidenciados. É o narrador quem decide o que deve dizer e por isso tanto o que é dito como o que fica por dizer é relevante. O relato de vida é assim, uma procura de

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reorganização pelo próprio, mais ou menos ajustado à realidade e é nesta perspectiva que deve ser encarado e daí retirado o seu valor terapêutico. Este exercício, contribui para a reestruturação do pensamento, centra no próprio, confere significado às experiências/vivências construindo a identidade. A dimensão interrelacional encontra-se presente através da ligação entre quem narra e o enfermeiro ou os outros (se pensarmos em grupos terapêuticos). Esta dimensão é essencial pela sensação

de

acompanhamento,

para

aumentar

o

autoconhecimento,

para

reconhecer

semelhanças com o (s) outro (s), ter uma visão de si partir do (s) outro (s), confrontar o idealizado com o possível, pela descoberta em mim de recursos que não eram inicialmente evidentes. Como referíamos no início do trabalho, o passado só é terapêutico pela promessa de futuro e por ser uma fonte de recursos. A evidência entre determinados conteúdos narrativos e perfil psicopatológico, não determina uma inevitabilidade na correspondência a determinada personalidade, até porque outros factores como os ambientais interferem na sua dinâmica. São no entanto, valiosas referências na compreensão da pessoa, dificuldades previsíveis e para a definição de estratégias de intervenção. Uma das aplicações mais frequentes é a utilização das concretizações anteriores como exemplo de capacidade e competência experienciadas para o aumento da auto-estima. A biografia é um recurso na compreensão da pessoa. Podem, posteriormente, ser abordado períodos específicos, considerados fundadores

e que por

isso sejam sugestivos de

condicionamento positivo ou negativo na vida da pessoa. A metodologia mais utilizada é a oral, por condicionante de tempo disponível mas principalmente, pela proximidade entre os participantes que proporciona, fundamental na relação de ajuda que se pretende. Pode no entanto ser utilizada a autobiografia da vida ou de partes significativas que se pretendem explorar, para mobilizar recursos cognitivos ou como exercício reflexivo num tempo mais prolongado e menos condicionado. A grande diferença entre a narração da história de vida e a colheita de dados habitual está no aproveitamento não apenas para caracterização da pessoa e situação clínica, mas principalmente para utilização do exercício narrativo como função estruturante e mobilizador através da partilha. É certo que num internamento de psiquiatria existem algumas especificidades. Lidarmos com a crise em patologia grave e onde o insight é reduzido, limita a intervenção. Mas a utilização deste instrumento terapêutico é viável na maior parte das situações, ainda que com as limitações relacionadas com o tempo de utilização e direccionada muitas vezes para períodos específicos da vida da pessoa.

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C ON CL U S ÃO A autobiografia, começou por ser uma experiência individual de procura de bem-estar e prazer mas também, uma forma de partilha de reflexões com alguém ou com um grupo. No inicio do século XX alargou a sua utilização à pesquisa sociológica, antropológica e psicológica e mais tarde nesse século com as ciências sociais, perante nova perspectiva do Homem e da sua liberdade as histórias de vida transformaram-se numa ferramenta pedagógica e terapêutica. Com diferentes registos e nuances metodológicas, surge como um instrumento pedagógico que melhora o conhecimento de si, indispensável para a formação da pessoa que ingressa ou continua numa profissão baseada na arte de cuidar. A exploração das histórias de vida permitiu-nos outras possibilidades de intervenção, adaptadas aos contextos e às pessoas que temos diante de nós, com resultados, por vezes imediatos, nomeadamente na redução da ansiedade, aumento da auto-estima e na reestruturação do pensamento. Para nós, pessoal e profissionalmente, a utilização das histórias de vida na compreensão da pessoa, do seu percurso, do entendimento que tem de si próprio, são um recurso útil, seja como opção formativa e/ou como opção de vida. Representa uma preocupação com a pessoa, com a sua auto consciencialização e com a capacidade de decisão que lhe permite continuar a “ser”.

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8 - MUSICOTERAPIA E SEXUALIDADE: UMA QUESTÃO DE PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL

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VALÉRIA MARTA NONATO FERNANDES MOKWA ; FÁTIMA APARECIDA COELHO GONINI; SONIA MARIA VILLELA BUENO

RESUMO Este estudo é um recorte de um trabalho mais amplo desenvolvido pelas autoras.Trabalhar as questões da sexualidade não é tarefa fácil porque nos remete a comprender valores demandando dispir de tabus, preconceitos, mitos e crendices. É extremamente polêmico necessitando atenção especial na Educação para a Saúde. Em escolas têm sido trabalhado na transversalidade. Educadores têm demonstrado dificuldades em lidar com crianças e adolescentes sobre a temática, buscando métodos alternativos para conhecimentos e habilidades na área e para o enfrentamento dessas no cotidiano escolar. Refletindo sobre isto, objetivamos desenvolver pesquisa nesse sentido, visando levantar meios facilidadores de Educação para a Saúde na apreensão da sexualidade, através da músicoterapia. Para tanto, desenvolvemos uma metodologia qualitativa, mediatizada pela pesquisa-ação (levantando problemas e execultando intervenção). No primeiro momento, foram realizados entrevistas para contato. As dinâmicas musicoterápicas aconteceram em uma segunda fase do estudo, após o término das entrevistas. Os encontros foram filmados com autorização prévia dos participantes. A análise dos dados baseou-se na pesquisa qualitativa com imagem e som, pelo exame sistemático dos corpos na pesquisa, comparando os encontros, os comportamentos e as atitudes dos participantes. Para os achados nos apropriamos da análise de conteúdo. Os resultados obtidos nos evidenciaram que os participantes se entregaram totalmente as dinâmicas permitindo que às músicas resgatassem sua história de vida, momentos alegres e tristes identificando a sexualidade naquelas manifestações de suas emoções e seus significados em relação a sexualidade/sexo revelando preconceito, tabu, mito e crença, ligando ao sujo, feio e pecaminoso. Em geral, todos apresentaram timidez, conflitos, despreparo e desinformação em relação à

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valeriamokwa@gmail.com

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sexualidade, revelando inibição na abordagem do assunto em sala de aula. Notamos, também, alguns conflitos referentes às questões em relação a si e ao outro, à família, ao meio social e a profissão. Portanto, os professores pesquisados, demonstraram ter as representações inseridas nos papéis que eles desempenham. Evidenciam a música como expressão máxima do corpo e da mente. Todavia, apresentam visão simplista e ingênua sobre sexualidade revelando despreparo para lidar com o tema, mencionando há necessidade de acompanhamento e treinamento para lidar com essas questões no cotidiano escolar e na sua vida pessoal. A música evidenciou ser um estímulo relevante de lembranças para avivar fatos inconscientes que ampliam o significado do ser, fazendo relembrar passagens importantes da sua infância e juventude, resgatando a sua própria identidade. Estas reflexões, promove a saúde mental e sexual do professor.

PALAVRAS-CHAVE: Sexualidade, Música, Educação para a Saúde.

ABSTRACT Working with sexuality matters in not na easy task because it makes us understand values without taking taboos, prejudices, myths, and beliefs into consideration. Sexuality is extremely polemic and it needs special attention on Health Education. This theme has been dealth with on transversality at schools. Educators have shown difficulties while dealing with children and teenagers regarding this theme, and they have been looking for alternative methods to acquire knowledge and abilities on this area, to face them on school’s everyday life. Reflecting about it, our goal was to develop this research on this sense, trying to bring facilitator means to Health Education, on the understanding of sexuality, through mucic therapy. In order to do that, we have developed a qualitative methodology, mediated by research-action (evidentiating the problems and performing an intervention). On the first moment, a few interviews were made in order to establish contact. The music therapy dinamics took place on the second fase of the study, after the interviews ended. The meetings were recorded with previous authorization from the participants. The data analysis was based on a qualitative research with sound and image, through the systematic examination of the bodies on the research, comparing the meetings, the participants’ behaviours and actions. The results were analised through the content analysis. The obtained results have shown us that the participants gave themselves completely to the dinamics allowing the songs to bring back their life story, happy and sad moments, and to identify sexuality on those emotion manifestations and its meanings regardig sexuality/sex, which revealed prejudice, taboo, myth, and creeds, and were conected to dirty, ugly and sinful. Generaly, all of them presented shyness, conflicts, lack of preparation and information ragarding sexuality, revealing inibitions while discussin the subject at class. A few conflicts regarding questions related to themselves and other people, family, social environment and their profession, were also noticed. Therefore, the teachers who participated on

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the research have shown that muic is a great expression of mind and body. However, they present simplistic and naïve views on sexuality revealing lack of preparation to deal with the mentioned theme. There is a necessity of conseling and training to deal with these matters at school and on their personal lives. Music has proven to be a relevant memory stimulous that helps bringing unconcios facts back to life and that amplifies the meaning of being, making them remenber important moments of their childhood and youlth, retrieving their own identity. These reflections promote the teacher’s mental and sexual health.

KEYWORDS: Sexuality, Music, Health Education.

S E X U AL I D AD E E M USI CO TE R AP I A Um olhar para iniciar a reflexão a respeito da musicoterapia e apreender as questões da sexualidade humana, recorre-se a Bruscia (2000) o qual ressalta dizendo: “[...] quando o objetivo da musicoterapia é de natureza educacional, o cliente é engajado em experiências musicais que apresentam o desafio da aprendizagem e oferecem opções para o seu progresso. Isto é, o cliente experimenta “o que” deve ser aprendido através da música, ao mesmo tempo em que vivencia o processo do aprendizado propriamente dito, novamente com a música” (p.113). Há tempos a sexualidade humana é uma temática que gera discussão e interesse por estudiosos de diferentes áreas, devido às doenças sexualmente transmissíveis e a posicionamentos divergentes

quanto

à

abordagem

do

assunto,

gerando

uma

série

de

concepções,

comportamentos, preconceitos e estereótipos. O tema se refere às práticas e atitudes sexuais dos grupos, valores culturais e sentimentos e está relacionado à vida sexual do ser humano, constituindo-se em aspecto central de sua identidade. Louro (2002) a esse respeito salienta que a sexualidade é mais do que uma questão pessoal, pois se constitui num campo político, discutido e disputado. Na atribuição do que é certo ou errado, normal ou patológico, aceitável ou inadmissível está implícito a um amplo exercício de poder que socialmente discrimina, separa e classifica. A ausência de informações adequadas a esse respeito dificulta o indivíduo a assumir responsabilidades sobre seu corpo ou a forma de utilização do sexo, num contexto mais abrangente, que engendra a sexualidade. O profissional, seja ele da área da educação ou da saúde, deve entender a sexualidade humana como parte do processo de aprendizado dos sujeitos e que envolve as dimensões biopsicossociais (MOKWA, 2006).

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Por vez, a sexualidade poderá receber influência no tocante à música, a qual se tem verificado que pode desencadear lembranças e reações nas pessoas, visto que, a linguagem musical sempre esteve presente na vida dos seres humanos e faz parte da educação, da cultura, da sociedade e do cotidiano das pessoas. As disfunções emocionais, psicológicas ou mesmo culturais ou sociais, podem ser expressas através da música evidenciando a existência de problemas. O seu uso com prazer faz dela uma linguagem e pode contribuir para maior compreensão do mundo e de si mesmo, podendo assim, evitar a psicossomatização de patologias (BUENO, 2001). Portanto, ao discutir a Educação para a Saúde, vislumbrando o homem em sua totalidade, é importante ater-se às questões que reportam a musicalidade e os seus efeitos na apreensão da sexualidade humana. Deste modo, o presente estudo teve como objetivo buscar a importância da aplicabilidade da musica/musicoterapia, por um profissional da área, para apreender a sexualidade humana. Este trabalho trata-se de um estudo descritivo-exploratório, qualitativo, humanista, midiatizado pela pesquisa-ação, realizado em três momentos. Primeiramente, contatou-se os participantes e os interessados cumpriram os protocolos da pesquisa. Após, realizou-se as entrevistas individuais semi-diretivas e posteriormente a realização das três dinâmicas musicoterapias. Participaram da entrevista sete professores e destes, quatro realizaram as dinâmicas e foram identificados como: Zeus, Ariadne, Perséfone e Ártemis. As dinâmicas foram filmadas e a análise dos dados, baseouse na pesquisa qualitativa com imagem e som, pelo exame sistemático dos corpos na pesquisa, comparando os encontros, os comportamentos e as atitudes dos participantes (BAUER E GASKELL, 2002). Esse estudo fundamenta-se na Teoria das Representações Sociais (TRS) de Moscovici (2003) para analisar a representação sociais da sexualidade, bem como, no referencial teórico de Paulo Freire no desenvolvimento das ações educativas, relativo ao tema central, entre outros teóricos que fundamentam a musicoterapia como Bruschia, Ruud, Barcellos, entre outros. Musicoterapia: instrumento facilitador para a apreensão da sexualidade. A sexualidade ao ser trabalhada utilizando como subsídio a música pode evidenciar diversas formas de emoções e situações acerca do processo de sublimação. A arte é entendida como uma energia sexual primitiva em transformação e assim, a música é considerada como uma espécie de gratificação libidinal, podendo auxiliar a abordagem de diferentes estudos. A sexualidade como a música acompanha o ser humano desde sua concepção, e faz parte da constituição do sujeito. Assim, na busca de uma saúde biopsicossocial mais efetiva, o que se considera é o pensamento transdisciplinar, pois tudo o que é humano é psíquico, sociológico, econômico, histórico e

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demográfico e deve ser contextualizado. Benezon (1988) nesse sentido salienta a importância dessa atividade de forma a unir várias áreas de conhecimento, à integração de uma equipe multidisciplinar e interdisciplinar para se obter os resultados eficazes na construção do sujeito. A sensibilização em musicoterapia é um método grupal que utiliza a música para explorar as relações entre grupos de pessoas. “O objetivo pode ser entender e aceitar diferenças de raça, cultura, religião, gênero ou orientação sexual (BRUSCIA, 2000, p.244)”. O autor ressalta que a saúde de cada indivíduo, a sociedade e cultura estão completamente vinculadas ao meio ambiente. Neste sentido Barcellos (1996), explica que o corpo ocupa o espaço na natureza e as idéias e emoções é que fazem, junto com o corpo, o contato do ser-no-mundo. Nesta perspectiva, Moscovici (2003) relata a importância de se estudar a representação social evidenciando que devemos descobrir a característica não-familiar que a motivou, que esta observou. Mas é particularmente importante que o desenvolvimento de tal característica seja observado no momento exato em que ela surge na esfera social. Freire (1993) a esse respeito corrobora ao salientar que entende que, para o homem, o mundo é uma realidade objetiva, independente dele, possível de ser conhecida e é fundamental partirmos do princípio que o homem e ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Partindo destes referenciais, justifica-se a importância e a possibilidade da utilização da musicoterapia em oficinas, no presente estudo, para a apreensão da sexualidade e a promoção da saúde mental.

R E S UL T AD O S E DIS C U SS ÃO Entre os inúmeros resultados obtidos, nesse estudo, priorizou-se alguns encontros relevantes. O primeiro encontro teve como objetivo, o conhecimento mútuo dos professores e as representações sociais que esses têm em relação a si e ao outro, em relação à temática. O segundo objetivou reconhecer a representação social que a música expressa nas emoções, ao lembrar, cantar ou falar de uma música que marcou sua vida. O terceiro e último encontro objetivou levar o professor a se imaginar criança, adolescente, como a criança pensa, ressaltando o conhecimento trazido pela criança da cultura, família, sociedade, tabu, crença, religião, e conseqüentemente em relação à sexualidade, concluindo com uma reflexão de sua postura e o que o professor acredita que poderia mudar. No término do encontro, foi solicitado que os educadores estabelecessem semelhanças e diferenças entre sua postura frente à temática, em relação a sua concepção no final dos encontros. Foi de grande relevância as opiniões destes profissionais em relação ao trabalho realizado, suas propostas e sugestões de como melhor trabalhar a temática em sala de aula, ouvindo suas experiências e observando suas expressões e as reflexões conjuntas, ou seja, obtendo suas representações e a contribuição que a mesma trouxe para sua vida profissional e pessoal.

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Assim, a aplicação das dinâmicas musicoterápicas neste estudo, vislumbrou revelar subsídios que possam ser utilizados com os professores, para estabelecer reflexões a respeito das várias nuances da sexualidade, objetivando sensibilizar, mobilizar e analisar as representações sociais que os professores expressariam quando em contato com esses recursos, no intuito de abstrair valores e emoções. Sucintamente, todos nas dinâmicas abordaram apenas questões relativas à profissão e a vida familiar. Não houve menção de características enfatizando a sexualidade. Ariadne, ao se descrever, enfatiza a depressão pós-parto; conta que não gostava do filho, mas tinha obrigações para com o mesmo. Sua justificativa recai no médico psiquiatra que diz ser normal essa reação, já que o filho era uma pessoa estranha. Relata ainda, as fortes marcas de uma educação repressora impregnada de representações familiares e do senso comum e aponta estas como prováveis causas de suas dificuldades de lidar com a temática em sala de aula e de estabelecer uma relação mais completa com o marido. Na segunda parte da dinâmica, na qual os participantes descreveriam as impressões das características como estando o outro, não houve grandes avanços quanto à sexualidade. Nota-se que as representações sociais são uma série de opiniões, explicações e afirmações produzidas, de forma estruturada, a partir do cotidiano dos grupos, tendo a comunicação, um importante papel neste processo (MOSCOVICI, 2003). Ariadne nas escolhas dos instrumentos e de suas características reafirma trazer arraigado na suas representações, valores impostos pela sociedade, atribuindo características negativas e positivas de si: “[...] eu me sinto um trambolho difícil de carregar [...]”.

Já na mesma atividade Zeus fez a

seguinte colocação: “[...] falar das pessoas é fácil, [...]. Hoje com essa dinâmica eu to tendo oportunidade de ver que eu tenho de me mudar. Escutar de si é difícil; ouvir sobre si dos outros dói mais, [...]” (ZEUS). No conjunto de suas expressões Zeus que pediu para falar, antes de ser solicitado, ressalta sobre o retorno que a dinâmica lhe trouxe, principalmente, a escolha de seu instrumento, pois, passou verificar a partir dessa contribuição a representação que possui de si e do outro: “[...] Eu escolhi o violão, porque você pega mais, sente o corpo, e às vezes, eu sinto isso, eu não sou muito ligado com as pessoas, de ficar abraçando [...] não abraço, não beijo” (ZEUS). A dinâmica expressa através da identificação dos instrumentos musicais, revela a representação e incorporação dos papéis desempenhados e possibilitou o educador refletir o medo de se ver, de encontrar consigo mesmo. Não é necessário criar novos papéis artificiais para sobreviver e se sentir aceito pelo outro ou pelo grupo, ou precisar do outro para reconhecer a si mesmo. Quando o professor passa a se reconhecer, encontra sua forma genuína de ser, lidando com a sexualidade e com a afetividade, sem medo de sentir e de se expressar.

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A junção de várias qualificações sobre o corpo trazidas pela cultura social gera limites nas experiências e essas, podem ser observadas nas expressões corporais, que é fruto de uma identidade cultural, que domina e impõem normas, punições e recompensas para o indivíduo seguir e ser aceito na sociedade (MOKWA, 2006). Neste conjunto de valores, os indivíduos negam a sua sexualidade, o seu corpo, o relacionamento com o outro e Zeus ao dizer que tem uma grande dificuldade de se relacionar demonstra essa visão vergonhosa da sexualidade, da negação de sentir o prazer, de abraçar, afagar e de amar e ser amado. Revela que se esconde através do distanciamento, na agressividade inconsciente ao falar. Nesse sentido, o equilíbrio, a harmonia, a saúde, a consciência de si mesmo e do outro, propicia o resgate da sua própria identidade, a redescoberta de seu espaço no mundo, contribuindo, sobremaneira, para o desenvolvimento na vida. Perséfone, após algumas reflexões, libera as emoções e chorando, falou: “[...] eu precisava disso para mim, eu sou muito agitada, nervosa, ansiosa. Uma coisinha que eu faço eu questiono se estou certa”. Cruzou os braços na altura do estomago e disse ser muito presa justamente nessa região e começa a narrar à história vivida por ela: “[...] desde 2003 [...] eu quero ter um filho, [...] a gente não tem com quem conversar ninguém entende [...]” (PERSÉFONE). Perséfone mostra que tem uma representação arraigada em valores sociais repressivos, cobrando constantemente a maternidade, sem se dar conta que às vezes, essa conquista não é para sua satisfação, pois, mesmo querendo a maternidade, sofre em não conseguir, devido à cobrança da família. As representações sociais comumente fazem uma articulação de diferentes questões ou objetos, segundo uma lógica própria em sua estrutura abrangente de implicações, para a qual confirmam informações e julgamentos valorativos, colhidos das mais variadas fontes e experiências dos sujeitos e dos grupos nas relações interpessoais, especialmente nas marcadas pela interação face a face (MOSCOVICI, 2003). Observa-se a cobrança na questão da sexualidade da mulher e a expressão da sexualidade suscita a pessoa revelar a maneira como vive no mundo, as culpas que carrega e são expressas nas representações que são desvendadas nas expressões corporais. No último encontro nota-se que o professor tem dificuldade de visualizar todas as fases do desenvolvimento humano, e é característico o salto de uma fase para outra. Muitos fixaram na infância por mais tempo, talvez por ser uma fase ainda liberta de medo, tabus, preconceitos e receios. Zeus lembra: “[...] na infância você constrói, o som, [...] criança é curiosa e vai construindo”. Sua fala revela que o adulto possui bloqueios impedindo buscar o novo, ousando, enfrentando desafios, pois, constrói barreiras talvez inconscientes ao comportamento, a expressão e ao relacionamento, fazendo uma relação entre as vivências experimentadas na infância e o

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indivíduo no mundo adulto, que poderá influenciar a construção da personalidade do adulto em relação à sexualidade. As leituras dos relatos apresentados expõem que o professor se encontra alienado em relação à sexualidade devido aos processos de formação da representação social que nega a vivencia desse segmento do ser, nas várias dimensões, fragilizando e reforçando o medo e a insegurança para abordar e vivenciar as questões relacionadas a temática, constatando que, mesmo com os avanços da sociedade, os professores ainda s encontram arraigados a educação sexual repressora, gerando inseguranças, medos e tabus. Moscovici (2003) esclarece que uma série de concepções, as quais são transmitidas por sucessivas gerações, influenciam as condutas dos professores em sala de aula, sendo estas determinantes dos comportamentos e práticas dos indivíduos na sociedade, o que denota grande esforço para se tornar consciente das convenções impostas pela realidade social e escapar de algumas exigências que ela impõe em nossas percepções e pensamentos. A propósito deste contexto, os participantes revelaram distorções, despreparo e desinformação do tema sexualidade, gerando constrangimento quanto a sua abordagem em sala de aula. Além do despreparo, nota-se alguns conflitos com questões relacionadas à família, o meio social e o trabalho, visto que os docentes, apresentam questões conflitantes ligadas à infância e adolescência, colocando como pontos de bloqueios ao seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional. Assim, o grupo necessita de acompanhamento, estudos e reflexões, a fim de potencializar conceitos pertinentes e necessários para o desenvolvimento inter e intrapessoal, como autoestima, segurança pessoal e no trabalho, autoconhecimento e equilíbrio, tornando-os assim sereshumanos mais capazes de desempenharem seus papéis na vida e na sociedade, buscando consenso numa visão totalizadora, sadia e responsável, tendo em vista uma escola próspera, plena, ética, solidária e cidadã (FREIRE, 1993). É imprescindível, ampliar e aprofundar esses subsídios propostos na pesquisa, visando à dimensão da sexualidade em todos os segmentos sociais como Instituições de Ensino Superiores, Secretarias Estaduais e Municipais, em formação continuada de docentes. Espera-se que essa sugestão do presente estudo, auxilie no desafio para a obtenção de uma educação sexual emancipatória e efetiva.

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C ON SI DE R AÇ Õ ES Nesse esse estudo observa-se a necessidade de acompanhamento terapêutico e formação continuada para os educadores, para potencializar conceitos pertinentes ao desenvolvimento inter e intrapessoal, apresentando a música como estímulo para a evocação de lembranças, podendo avivar fatos inconscientes que ampliam o significado do ser, permitindo-se reconstruir e reviver passagens significativas de sua infância, mocidade e promovendo o resgate de sua identidade. Lembrar, não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar com as imagens e idéias de hoje e as experiências do passado. Esse trabalho que emerge através do fazer musical, além de prazeroso, nos leva a elaboração consciente de material inconsciente que vem à tona, impulsionado pela música. As possíveis releituras durante a vida são como um desabrochar de fatos que nos falam tantos poetas e escritores.

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS BARCELLOS, L.R.M. Cadernos de musicoterapia 1, 3 e 4. Rio de Janeiro, Enelivros, 1999. BAUER, M. W; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com textos: imagem e som: um manual prático. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. Petropolis, RJ: Vozes, 2002, 516 p. BENEZON, R. Teoria da musicoterapia; Tradução de Ana Sheila M. de Uricoecheal – São Paulo: Summus, 1988, 177p BRUSCHIA, K. E. Definindo musicoterapia: tradução Mariza Vellozo Fernandes Conde – 2 ed. – Rio de Janeiro; Enelivros, 2000 – 332p. BUENO, S.M.V. Educação preventiva em sexualidade, DST-AIDS e drogas nas escolas [tese de Livre docência]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2001. BUENO, S.M.V. Educação preventiva em sexualidade, DST-AIDS e drogas nas escolas [tese de Livre docência]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2001. FREIRE P. Pedagogia do Oprimido. 22ª ed Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1993, p.168. LOURO, G. L Sexualidade: lições de casa. In: MEYER, D.E.E. (org.) Saúde e sexualidade na escola. 2ª ed. Porto Alegre: Mediação, 2002, p. 85-96. MOKWA, Valéria M.N.F. Representações Sociais de professores de Ensino Fundamental sobre sexualidade: uma teia de Significados. Dissertação de Mestrado, 2006. Ribeirão Preto /SP. MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Trad. Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. 404p.

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9 - COMPREENDER O BULLYING: DOIS CASOS NO FEMININO

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BEATRIZ PEREIRA ; LELIO LOURENÇO

A Marta tem 13 anos e está no 8º ano de uma escola pública. É uma jovem alta, elegante, com um lindo sorriso. Os pais (família nuclear) são pessoas atentas e têm também o apoio dos avós da menina (família alargada), que são pessoas disponíveis para os netos no seu dia-a-dia, estabelecendo uma relação de grande proximidade. Esta jovem, que é interessada nos estudos e vive em ambientes culturais estimulantes, está em sofrimento, e este manifesta-se particularmente quando se aproxima a hora de ir para a escola, até que a entrada na escola se tornou impossível. A Rute, que tem 14 anos e frequenta uma escola particular em Lisboa, criou também fobia à escola, um caso que tem muito em comum com o anterior. É uma jovem encantadora, engraçada e criativa, profudamente feminina, sincera e gosta de ajudar os outros. Não se trata de uma jovem "chata" ou "nerd", para usar as expressões dos adolescentes, bem pelo contrário. A escola é uma instituição fundamental para o desenvolvimento de crianças e dos adolescentes. Na escola, o jovem tem oportunidade de formar a sua identidade, aprendendo o conteúdo de sala de aula, mas também desenvolvendo habilidades sociais que irão facilitar o seu convívio social e o seu desenvolvimento como adulto pleno. Muitas dessas habilidades são aprendidas na relação de convívio com os outros, principalmente no ambiente escolar, onde passa grande parte do seu tempo. Logo, distúrbios nessa relação podem interferir negativamente no processo de desenvolvimento, gerando problemas que podem aparecer durante o período escolar ou posteriormente, já na idade adulta, e que podem podem causar sequelas para toda a vida. O bullying pode ser considerado uma dessas situações, pois é uma forma de violência que se caracteriza pela intimidação física ou psicológica, repetida, efectuada contra alguém que não se consegue defender. A agressão/vitimação entre alunos começou a ser estudada nas últimas décadas. A mesma é descrita como a agressão entre pares de forma continuada e intencional, designada na literatura da especialidade por “bullying” (Olweus, 1993). Este termo foi adoptado nos países de expressão anglo-saxónica. Devido à dificuldade em encontrar um termo que identificasse a agressão/vitimação de acordo com as características descritas, o termo foi

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Universidade do Minho e Instituto de Estudos da Criança

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Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil

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apropriado por outros países. O bullying é um conceito que pode ser definido como a agressividade entre pares de forma continuada, intencional, em que existe diferença de poder (Smith, 2000) devido a factores externos dos quais um deles é uma constante: o predador ataca sempre de surpresa, elemento este que lhe dá maior poder, pois escolhe o lugar e o momento em que o seu par estaria indefeso. A criança vítima é apanhada de surpresa, o que determina um menor poder de reacção, facto suficiente para garantir mais poder ao atacante. Mesmo com as diferentes concepções que aparecem na literatura, Cleary (2003) aponta algumas características comuns: são comportamentos danosos e deliberados, geralmente repetidos durante um determinado período de tempo, sendo que, para os agredidos, é difícil defenderem-se, e para os que agridem é difícil aprender novos comportamentos socialmente aceites. Os agressores desenvolvem um poder impróprio que aplicam às vítimas. Estar exposto directa ou indirectamente a esse tipo de violência pode acarretar problemas físicos, psicológicos e emocionais, tais como stresse, diminuição da auto-estima, ansiedade, depressão e até mesmo pensamentos suicidas. Variações de humor, perda de motivação para o estudo e principalmente para encontros sociais (fobia social), também poderiam ser classificados como sintomas claros em jovens vítimas de bullying. Essas sequelas podem ser temporárias ou presentes em toda a vida adulta da vítima, o que agravaria a situação, dando um prognóstico ainda mais negativo ao indivíduo vitimado pelas acções dos agressores. No que diz respeito aos agressores, Oliveira e Votre (2006) afirmam que esses indivíduos executam acções com o objetivo de diversão e prazer, de modo a provocar o riso, a ironia e o sarcasmo. Tais acções, de acordo com Seixas (2005), são divididas em: agressividade física (bater, empurrar, dar pontapés, etc.); comportamentos verbais (chamar nomes ofensivos, etc.); comportamentos de manipulação social ou indirectos (excluir, ignorar, espalhar rumores, etc.); comportamentos de maus-tratos psicológicos (ameaças, gestos provocadores, expressões faciais ameaçadoras, etc.); e ataques à propriedade (furto, extorsão, destruição deliberada de materiais/objetos, etc.). É inegável que algumas teorias poderiam explicar ou tentar explicar a motivação desses jovens em relação ao bullying, no entanto ainda vivemos momentos nebulosos nesse sentido, como em quase todos os estudos que estejam envolvendo a agressividade ou mesmo a violência. O sistema causal em relação a agressividade, em particular, a encontrada no bullying, ainda é motivo de exaustivos estudos, que necessitam de uma melhor definição das causas do comportamento agressivo.

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Algumas pesquisas (Withney & Smith, 1993; Pereira et al., 2004; Pereira, 2006; Pereira, 2008) revelaram que o bullying ocorre principalmente nos anos escolares iniciais, que as crianças do sexo masculino têm maior envolvimento com essa forma de violência e utilizam agressões físicas e verbais enquanto as meninas adoptam mais as agressões indirectas. Contudo, é preciso produzir mais conhecimento sobre o problema de forma a estabelecer estratégias de prevenção. A agressão entre pares na escola pode ser estudada na perspectiva dos alunos, docentes ou funcionários. Há escolas onde estas relações interpessoais são causa de sofrimento de um grupo e parecem estar associadas a um mal-estar generalizado na escola ou seja ao clima escolar. Estes campos de estudo, a partir do contexto observado na perspectiva do ambiente relacional, ainda exigem uma cautelosa investigação para que a descrição destas realidades seja mais detalhada, de modo a contribuir para a melhor compreensão do problema e procura de soluções adequadas.

SINAIS DE ALERTA Retomando os dois casos apresentados, verificamos que as jovens revelam decréscimo no desempenho escolar, sendo anteriormente boas alunas. Demonstram tristeza e mal-estar. Apresentam dificuldades em pedir ajuda aos colegas ou aos adultos para resolver o problema. Sentem que as colegas estão a ser muito injustos com elas, o que dificulta a sua capacidade de relacionamento com os pares. Sofrem em silêncio e quando pedem ajuda falam com muita dificuldade das suas experiências. O que é que está a causar esse sofrimento? Onde é que tal acontece? São as amigas, por vezes aquelas em quem mais confiavam, as autoras dos maus-tratos e humilhações. Tal acontece em diversos locais da escola mas em particular nos recreios. Locais mais isolados são espaços mais propícios a situações de agressão de maior gravidade. Muitas jovens conhecem alguns casos de bullying que se passaram com as suas colegas. Há o caso de colegas que todos os dias ou todas as semanas são “gozados” pelos seus colegas por histórias que foram contadas só para as humilhar, só para lhe fazer mal. Um segredo é espalhado porque não se importaram com os danos psicológicos que está a causar ao outro e muitas vezes quando questionadas afirmam ter sido divertido, sentem prazer com o sofrimento causado.

RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO Uma das jovens desenvolveu um quadro de fobia escolar grave e, apesar de tudo (atendendo à gravidade da situação), o regresso não tem corrido mal.

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A jovem está a superar os momentos difíceis que tem vivido na escola. Tudo indicava que o fizesse, pois quando as crianças têm uma forte vinculação à família e a alguns amigos, acabam por superar e tornar-se adultos justos, tolerantes e com uma grande compreensão face à diferença. A situação tem vindo a resolver-se. Ela acabou por ficar na mesma escola e na mesma turma (por decisão própria), demonstrando assim ser possuidora de uma força que ela mesma desconhecia, de acordo com o relato da mãe. A proximidade de casa, aliada ao conhecimento da zona e ao facto de todo o suporte familiar se situar na mesma área, foram determinantes para a escolha dela. Passou a ir a quase todas as aulas, tendo maior dificuldade no horário da tarde, e passou a ter notas extraordinárias. Na Educação Física apresenta uma serie de limitações que lhe dificultam atingir níveis elevados de execução dos exercícios. A outra jovem sentiu-se injustiçada por ter de mudar para longe de casa mas acabou por fazê-lo, com grande esforço e apoio da família. O primeiro recurso foi procurar mudá-la para uma escola próxima mas, a resposta da escola, por vezes pouco sensível a estas situações que necessitam de tratamento especial, não foi positiva. A instituição escolar ao procurar cumprir as normas e ao não ter uma visão abrangente e diferenciada que permita uma resposta adequada às situações particulares está a excluir exactamente as crianças que necessitam de ser apoiadas. De facto, jovens com estas características são muitas vezes encantadoras, sensíveis, sensatas e atentas ao outro. O estudo do bullying e a necessidade de lidar com ele através de diversos casos ocorridos leva a um conhecimento do sofrimento que atinge estes jovens. É um problema que afecta todas as escolas e inúmeras famílias, ainda que em escolas com um clima positivo, identificado pelos professores e alunos, parece estar associado a níveis mais baixos de bullying, sendo os episódios muito graves praticamente inexistentes. As famílias e a escola ajudam na prevenção e na resolução dos problemas. Não são processos de solução imediata, tal como a educação são lentos, e neste caso causam grande sofrimento, de forma que temos que sensibilizar os pais e as escolas para o fenómeno e para não descurarem as primeiras indicações dos filhos de que estão a ser alvo de agressões continuadas pelos pares. De qualquer modo, todos devemos contribuir para corrigir estas situações injustas, professores, alunos, pais, directores das escolas, criando um ambiente que desincentive a proliferação das situações de bullying e que promova a resolução das situações identificadas, para que estas situações deixem de ser tratadas de forma simplista ou ignoradas. Há, certamente muito a fazer nesse sentido. Sabemos que diversos casos chegam aos consultórios de pedopsiquiatras e psicólogos. Por vezes, num só dia, aparecem na consulta diferentes situações de bullying ocorridas em escolas completamente diferentes e grupos etários diversos, com repercussões também elas bem diversas na vida das crianças e nas famílias.

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A prática de uma modalidade gímnica ou desportiva na escola ou no clube é importante pois, ao reunir no mesmo grupo crianças e jovens com o mesmo centro de interesse, criam um grupo de amigos que representa um bom factor de protecção. Os amigos que a criança ou jovem faz em actividades fora da escola, em práticas desportivas ou artísticas, e a melhoria da auto-estima, são factores de protecção. A vinculação familiar aos pais, irmãos e outros familiares são factores de protecção que ajudam a criança a superar a situação. Para os pais, a atitude da escola nos casos em que esta ignora a situação ou não implementa medidas que visem a solução do problema cria uma grande revolta devido ao sofrimento que observam nos filhos e ao sentimento de impotência para ajudar e acompanhar o processo na escola. Denunciar a situação representa já um momento de grande sofrimento e o esforço realizado na procura de soluções parece não ter efeitos imediatos. Denunciar é um primeiro passo para que se reponham os direitos da criança, se faça justiça para o seu caso mas também para que situações futuras sejam evitadas com esta e com muitas outras crianças e jovens. É necessário realizar mais pesquisas, sobretudo em contextos diferenciados onde o tema ainda é pouco estudado, como no Brasil, e este país engloba realidades muito diversas. Está a decorrer uma investigação intercultural em Portugal e no Brasil sobre o assunto, que tem como objetivo identificar a prevalência do bullying nos dois países, bem como diagnosticar, planear e implementar programas de prevenção na escola. Esse estudo permitirá estabelecer padrões de comportamento e compreender diferenças regionais, económicas e sociais, que servirão como base para definir acções de prevenção que sejam válidas e eficazes. Paralelamente a esse estudo, uma outra investigação aborda a importância dos directores nessa realidade e o quanto as acções ou mesmo a falta de acções dos mesmos pode influenciar as acções violentas na rotina escolar. Tendo em vista características organizacionais da rotina escolar, os gestores tornam-se relevantes para o estudo das crenças em relação à violência escolar. Isso porque, na realidade educacional brasileira e portuguesa, as actividades de tomada de decisões configuram-se como acções administrativas focadas no director, resultando em relações de poder mais centralizadas. Os directores destacam-se como uma “instância de poder”, sendo responsáveis pelos propósitos decisórios e assumindo possibilidades de promover mudanças ou legitimar situações dadas, impondo direccionalidade ao processo de trabalho em educação. Levando-se em consideração que tais directores desempenham um papel de liderança, as crenças dos mesmos em relação à violência escolar podem influenciar sobremaneira a configuração das práticas em educação e a mobilização dos profissionais diante da violência escolar. É de ressaltar que se entende por “crença” uma proposição que, na sua formulação mais simples, afirma ou nega uma relação entre dois aspectos concretos ou abstractos ou entre um

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objecto e um possível atributo deste (Krüger, 1995). As crenças seriam organizadas em sistemas ou conjuntos logicamente estruturados, sendo capazes de ativar motivações e, portanto, condutas sociais, influenciando por essa via processos colectivos. Nesse sentido, as crenças dos gestores das escolas a respeito do bullying/violência escolar, assumem fulcral importância na correlação desses factores. O facto de o director possuir um grande poder de decisão na realidade institucional significa que o mesmo pode desenvolver acções inatingíveis para outras pessoas nessa realidade. Sendo assim, as suas crenças sobre violência, sobre as causas dos actos violentos e sobre a influência de actos administrativos sobre os mesmos são fundamentais no que concerne ao desenvolvimento de atitudes preventivas e até interventivas em relação ao fenómeno e ao clima da escola.

R E FE R Ê NCI AS BIB LOG R ÁF I C AS Cleary, M., Sullivan, K. & Sullivan, G. (2003). Bullying in Secondary School. London, Sage Publications. p. 17. Krüger, H. R. (1995). Psicologia das crenças: Perspectivas teóricas. Tese (Concurso para professor titular de Psicologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ. Oliveira, F. F. & Votre, S. J. (2006, Maio/Agosto). Bullying nas aulas de educação física. Revista Movimento, Porto Alegre, 12(2), p. 173-197. Recuperado em 05 set. 2008: http://www.seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/viewFile/2900/1536 Pereira, B.O. (2006). Prevenção da violência em contexto escolar: Diagnóstico e programa de intervenção. In João Clemente de Souza Neto e Maria Letícia B. P. Nascimento. Infância: Violência,Instituições e Políticas Públicas. São Paulo, Expressão e Arte Editora, 43-51. http://hdl.handle.net/1822/7166 Pereira, B.O. (2008). Para uma escola sem violência. Estudo e prevenção das práticas agressivas entre crianças. (1ª edição, 2002). Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Ministério da Ciência e da Tecnologia. Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas. Pereira, B.O., Mendonça, D., Neto, C., Valente, L. & Smith, P. K. (2004) Bullying in Portuguese schools. School Psychology International, 25 (2) 207-222. http://hdl.handle.net/1822/6094 Seixas, S. R. (2005). Violência escolar: Metodologias de identificação dos alunos agressores e/ou vítimas. Análise Psicológica., 2 (23), 97-110. Recuperado em 5 mar. 2009, da SciELO (Scientific Eletrocnic Library On line): www.scielo.br Whitney, I. & Smith, P. K. (1993). A Survey of the nature and extent of bullying in junior/middle and secondary schools. Educational Research, 35, 17, 3-25.

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10 - A REINTEGRAÇÃO DO DOENTE MENTAL NA SOCIEDADE

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JOSÉ MANUEL MONTEIRO DIAS

RESUMO Neste estudo, pretendíamos saber: “De que forma os doentes mentais, a família e a comunidade onde estão inseridos vivenciam a reintegração na sociedade?” O objectivo fulcral era compreender de que forma os doentes mentais, a família e a comunidade onde estão inseridos vivenciam a reintegração do doente mental na sociedade. Recorremos à metodologia qualitativa, estudo de caso exploratório, utilizando a entrevista semiestruturada como instrumento de recolha de dados. A população era constituída por todos os DM do distrito de Bragança que não estavam internados, a amostra foi constituída por 5 indivíduos. Após a análise do conteúdo das entrevistas, podemos concluir que a desinstitucionalização tem efeitos muito benéficos, pois os doentes são cada vez mais aceites pela sociedade e a reintegração tem consequências positivas, a nível pessoal e terapêutico, para os próprios doentes. Mas há ainda uma lacuna muito grande ao nível dos apoios após a saída da instituição hospitalar, o que faz com que muitos doentes não se sintam ainda reintegrados na sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Reintegração social; Doentes Mentais e Vivências.

ABSTRACT In this study, we wanted to know: "How do mentally ill patient, his family and community where they fit, experience the reintegration into society?” The key objective was to see how the mentally ill patient, his family and community where they fit experience the reintegration of mentally ill patient in society. We used the qualitative method of exploratory case study, using semi-structured interview as a tool for data collection. The population was made up all the mentally ill patients of Bragança district who were not hospitalized, the sample consisted of 5 subjects. After analyzing the content of the 24

Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Vila Real – UTAD, josedias1962@hotmail.com

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interviews we can conclude that deinstitutionalization has very beneficial effects, because patients are increasingly accepted by society and reintegration has positive consequences, both personal and therapeutic, for their patients. But there is still a big gap at the level of support after leaving the hospital, which means that many patients still do not feel reintegrated into society.

KEYWORDS: Social reintegration; Mentally ill Patients and experiences.

I N TROD U Ç ÃO Segundo a OMS (2002), calcula-se que, actualmente, 450 milhões de pessoas sofrem de perturbações mentais ou neurológicas, ou então de problemas psicossociais, tendo os transtornos mentais grande impacto na sociedade, como os relacionados ao desemprego, à exclusão social e ao abuso de álcool e de drogas. Também Campos (2007) no Relatório da Comissão Nacional para a Reestruturação dos serviços de saúde Mental, recomenda a transição de um modelo de cuidados, de base institucional e asilar para um modelo comunitário que envolve mudanças institucionais, realocação de recursos, formação de profissionais e criação de novos serviços, como os de apoios aos doentes mentais na comunidade onde estão inseridos. Tudo isto implica a participação de profissionais, organizações privadas e não governamentais, utentes, famílias e comunidade. Vários autores (Bachrach, 2000; Guerra, 2002; Dias, 2004) defendem que o DM deve passar menos tempo internado nas instituições hospitalares, privilegiando-se a sua rápida reintegração na sociedade. Mas o que acontece a estes doentes quando regressam às suas comunidades? Quem os apoia? Quem prepara esta reintegração? Quem conhece a realidade do seu dia-a-dia? Desta forma, a pergunta de partida deste estudo foi: De que forma os DM, a família e a comunidade onde estão inseridos, vivenciam a reintegração na sociedade?

OBJECTIVOS: - Analisar as vivências do DM acerca da sua reintegração na sociedade; - Analisar as vivências dos familiares na reintegração social do DM; - Explicitar o papel da comunidade e da sociedade na reintegração social do DM.

METODOLOGIA Partimos, como refere Dias e Marcos (2007) de uma perspectiva fenomenológica, cujo propósito é descrever ”… um determinado fenómeno ou a aparência das coisas enquanto experiências

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vividas” (Streubert & Carpenter, 2002, p. 49). Pretendíamos descrever o fenómeno reintegração social na perspectiva do DM, família e comunidade onde estão inseridos, centrando-se o estudo no modelo qualitativo (estudo de caso exploratório). A população era constituída por todos os DM do distrito de Bragança que não estavam internados. A amostra não probabilística de cariz intencional de acordo com Haber (2001), era constituída por 5 indivíduos. A recolha de dados ocorreu no mês de Agosto de 2006, através de entrevista semiestruturada, que tiveram a duração máxima de 60 minutos e foram gravadas em suporte áudio, após esclarecimento e livre consentimento dos doentes.

R E S UL T AD O S As entrevistas foram submetidas a análise de conteúdo, emergindo assim os resultados apresentados na Tabela nº 1. Tabela nº 1 – Resultados da Análise de Conteúdo Categorias

Pessoal

Família Comunidade

Subcategorias Vivências ; Preconceitos; Acitvidade profissional; Reinserção social; Futuro. Apoio; Acompanhamento; Vivências. Apoios ; Preparação da reintegração.

CONCLUSÕES Concluímos que, por um lado, a desinstitucionalização tem efeitos muito benéficos, pois os doentes são cada vez mais aceites pela sociedade tendo a reintegração consequências positivas mas, por outro lado, há ainda uma lacuna muito grande ao nível de instituições de apoio. Relativamente à categoria pessoal: Os entrevistados sentiam estar integrados na sociedade, apesar das dificuldades sentidas: “Sim, eu sinto-me inserido na sociedade. Eu vou trabalhando aqui e ali, onde calha, trabalho no campo, tenho de sustentar a família”. (1A)

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A medicação é uma componente muito importante na sua recuperação: “A medicação ajudou-me a andar mais certo. As pessoas na aldeia achavam que eu já estava curado e até passaram a respeitar-me”. (4A) Ao nível das vivências pessoais, podemos perceber que o efeito da desinstitucionalização é bastante óbvio, para o doente que apresentava um maior número de anos de evolução da doença, bem explícito no discurso: “Quando era novo fui internado várias vezes, passava muito tempo lá na psiquiatria, agora mandam-nos depressa para casa.” 1A As doenças mentais ainda arrastam preconceitos, como afirmaram todos os entrevistados: “As pessoas olhavam para mim de lado, acho que até tinham medo.” 1A “Mas outras pessoas sentem-se intimidadas. No outro dia tive uma crise de choro e as pessoas olhavam para mim de lado, como se eu fosse maluca.” 2A “As pessoas na aldeia (...) antes olhavam-me de lado, tinham medo de mim.” 3A “As pessoas viravam-me a cara...” 3A “As pessoas não querem dar emprego a um ex-toxicodependente que tem esquizofrenia.” 3A “...pessoas que me olhavam como se eu fosse maluca...” 4A “…Têm medo que arranje problemas.” 5A É um facto que, alguns doentes desinstitucionalizados são capazes de realizar um trabalho positivo e ter uma vida independente, desde que sejam criadas as condições necessárias. Todos os doentes referiram a importância de ter um emprego, embora considerem que é muito difícil: “Estou à espera de trabalho. Gostava era de ter um trabalhinho certo.” 1A “...já é um apoio muito grande o emprego no restaurante.” 2B “...volto para o restaurante, ajuda-me a passar o tempo e esquecer os problemas...” 2B “Eu tenho um curso de cozinheiro, gostava muito de cozinhar mas não paro em lado nenhum. As pessoas dão-me emprego se não me conhecerem mas quando se apercebem da situação, tentam logo pôr-me na rua.” 3A “Haver há, mas é só até descobrirem o problema. (...) às vezes tinha recaídas e era internado. E a medicação deixa-me sem vontade de fazer as coisas. Os patrões não querem lá gente como eu.” 3C “Tenho o curso, (...) mantém-me ocupada, não tenho tempo para pensar em coisas que não devo.” 4C

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“Sim, eu tenho um trabalho mas às vezes sou internado e tenho de parar.” 5A Tudo o que esperam do futuro é ter um emprego e levar uma vida normal: “Pretendo acabar o curso e arranjar um emprego […] conseguir ter uma vida normal”. (4A) Relativamente à categoria Família: É inegável a importância da família no processo de reintegração, na grande maioria das vezes, é para o convívio familiar que o doente mental regressa após a alta da instituição psiquiátrica. Por unanimidade, referiram a importância do apoio e acompanhamento das suas famílias: “A minha mulher. É ela que trata de mim e dos filhos. Ela anda sempre a ver se tomo os comprimidos. Não sei o que teria sido da minha vida sem ela. É ela que me dá forças para continuar a trabalhar, porque eu às vezes não me sinto com vontade de trabalhar e ela ajuda-me.” 1B “...deram-me sempre forças para me curar. Se não fosse por eles, não sei o que seria de mim.” 1B “O meu marido e até os meus filhos têm tido muita paciência comigo. O meu marido compreende a situação (...). A minha mãe também me ajuda muito, cuida da minha casa quando eu ando mais deprimida e não me apetece fazer nada.” 2B “Os meus pais apoiaram-me muito. (...) A minha mãe ajuda-me muito, está sempre a ver se tomo bem os medicamentos e está sempre a tentar arranjar-me emprego.” 3B “Os meus pais. (...) E deram-me sempre muita força.” 4B Nas vivências dos familiares, todos os entrevistados afirmaram que as suas famílias sofreram com a sua doença em algum momento da evolução da doença ou foram alvo de preconceitos: “A minha família tinha vergonha de mim, não entendiam esta doença e sentiam-se mal por causa das outras pessoas.” 1A “Eles ficam tristes por eu ter esta doença mas tentam não demonstrar. Mas apoiam-me muito, entendem-me e fazem de tudo para eu me sentir bem.” 2B “A minha família (...) sofreram muito e foi uma vergonha muito grande quando se soube. As pessoas (...) tinham muita pena dos meus pais.” 3B “No princípio foi muito difícil para eles, não compreendiam. (...) Acho que até tinham vergonha. Mas depois (...) acabaram por compreender e deram-me muito apoio.” 4B “Os meus pais envergonham-se. O meu irmão sofre muito, tenta sempre proteger-me e ajudar. A minha mulher sempre me deu apoio mas diz que está cansada de viver assim, acho que ela também tem pena e vergonha de mim.” 5B Relativamente à categoria comunidade:

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A desinstitucionalização para Bachrach (2000) é mais que o simples mudar do local dos cuidados psiquiátricos, ela implica uma mudança social. Para que os doentes mentais sejam devolvidos à comunidade, é essencial criar nela os apoios necessários. Além disso, os programas de reintegração devem ser adequados à cultura e à realidade da comunidade, para serem eficazes. Acerca dos apoios comunitários, responderam ter uma pensão social, mas baixa, consideraram não ser suficiente, não se sentirem apoiados: “Recebo uma pensão mas é coisa pouca, não dá para viver, tenho de trabalhar para me governar.” 1C “O dinheiro que me dão é muito importante, ajuda na compra dos medicamentos mas não dá para muito mais.” 3C Referiram ainda que não recorriam a nenhuma instituição, por não precisarem ou por não conhecerem, sentindo-se também o claro abandono a que são expostos estes doentes quando deixam as instituições psiquiátricas: “Sei que existem mas nunca precisei de recorrer a nenhum (...) eu gostava de me encontrar com outras pessoas com o mesmo problema, para conversar.” 2C “Queria ter um sítio onde passar o tempo distraído. Era bom arranjar trabalho num sítio onde entendessem o meu problema.” 3C No que concerne a preparação da reintegração social, os entrevistados tinham uma opinião unânime: o médico e o enfermeiro são os veículos de condução da informação, no sentido em que “conversam muito com o doente” mas em termos práticos, o seu papel é limitado; a assistente social aparece neste contexto apenas quando os doentes têm um nível de vida precário, limitandose a proporcionar-lhes uma pensão social, um emprego que os doentes não têm condições de manter ou um lar, no caso dos doentes mentais mais idosos e incapacitados: “A assistente social arranjou-me a pensão porque eu não tinha trabalho. Fui muito bem tratado no Hospital mas depois uma pessoa tem de voltar à sua vida e ninguém pode fazer muito mais por nós.” 1C “Sou seguida pelo médico nas consultas, mais nada. Nunca falei com a assistente social.” 2C “A médica e os enfermeiros conversaram muito comigo quando estive internado. Mas eu venho cá para fora e é sempre a mesma coisa. (...) A assistente social arranjou-me a pensão. Já me tentou arranjar trabalho mas não deu.” 3C “Não me lembra de ver lá a assistente social, não sei. O meu médico conversou muito comigo e com os meus pais (...) Cá fora é mais difícil mas temos de enfrentar as coisas.” 4C

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“O médico já conversou muito comigo mas eu não me preocupo muito com isso. Os enfermeiros também me trataram lá muito bem...” 5C Em suma, os DM entrevistados foram unânimes ao referir não sentir a preparação da reintegração social, assim como o acompanhamento por parte dos técnicos.

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR AF I C AS Bachrach, L. L. (2000). Ensinamentos da experiência americana na prestação de serviços de base comunitária. In J. Leff, Cuidados na comunidade, ilusão ou realidade? (pp. 47-64). Lisboa: Climepsi Editores. Dias, F. N. (2004). Relações grupais e desenvolvimento humano. Lisboa: Instituto Piaget. Dias, J. M., & Marcos, L. J. (2007). A importância do desempenho dos enfermeiros na reabilitação dos doentes mentais. In III Encontro de Investigação e Iªs Jornadas de Saúde Materno-Infantil. Livro de Actas (pp. 153-160). Vila Real: ESEnfVR. Guerra, J. M. (2002). A formação histórica dos erros e preconceitos em saúde mental. In J. C. D. Cordeiro, Manual de psiquiatria clínica (pp. 13-20). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Haber, J. (2001). Amostragem. In G. LoBiondo-Wood & J. Haber, Pesquisa em enfermagem: Métodos de avaliação crítica e utilização (4ª ed., cap. 10, pp. 140-155). Rio de Janeiro: Guanabara koogan. Organização Mundial de Saúde (2002). Relatório Mundial de Saúde 2001. Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Lisboa: DGS. Campos A. C. (2007). Prefácio. In Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental. Relatório. Proposta de plano de acção para a reestruturação e desenvolvimento dos serviços de saúde mental em Portugal (p. 16). Lisboa: MS. Streubert, H. J., & Carpenter, D. R. (2002). Investigação qualitativa em enfermagem avançando o imperativo humanista (2ª ed.) Loures: Lusociência.

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11 - RESILÊNCIA: ABORDAGEM APRECIATIVA DA FAMÍLIA COMO SISTEMA SOCIAL

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MARIA HENRIQUETA DE JESUS SILVA FIGUEIREDO ; ANA ISABEL PINHO VILAR ; CLEMENTE NEVES SOUSA

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RESUMO A família, enquanto unidade social dinâmica, constitui-se como um sistema de interacção que incorpora uma organização complexa. Vista frequentemente como célula fundamental da sociedade, a sua estrutura e capacidade de adaptação funcional, determinam a qualidade da vida social. Ao sucesso perante as situações de adversidade, advém a resiliência familiar, associada às perspectivas positivas, que se expressam nas diversas dimensões familiares. Tivemos como propósito analisar os processos de estruturação da resiliência familiar, associados aos elementos de crescimento, de crise e de criatividade, característicos de uma auto-organização em contexto e em relação. Efectuamos uma revisão bibliográfica centrada no paradigma sistémico e ecológico. O sistema familiar, revela-se como uma organização de relações dinâmicas, contextuais e complexas em interacção com o meio, derivada de consequentes processos de transformações sociais, que foram por ela assimilados. O foco da resiliência familiar centra-se em áreas fundamentais, que permitem o fortalecimento familiar, face a situações de crise, evidenciando-se o sistema de crenças, os padrões de comunicação e a organização familiar.

A literatura deixa transparecer que a discussão sobre resiliência familiar emerge vinculada ao estudo da estrutura social, económica e política, que revela a reciprocidade processual e dinâmica entre o tempo e o meio ambiente global. A complexidade dos factores relacionais, sociais e históricos associados à estruturação da resiliência, tornam inegável o impacte relacional e 25

Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem do Porto, henriqueta@esenf.pt

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Assistente de 2º triénio, Escola Superior de Enfermagem do Porto, avilar@esenf.pt

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Assistente de 2º triénio, Escola Superior de Enfermagem do Porto, clementesousa@esenf.pt

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estrutural da família no desenvolvimento dos sistemas sociais. Na compreensão destes factores, emerge a necessidade de ampliar o foco para uma visão mais apreciativa dos potenciais e capacidades da família, enquanto unidade sistémica.

PALAVRAS-CHAVE: Família; Resiliência familiar

ABSTRACT Family, as a social dynamic unit, is as a system of interaction that incorporates a complex organization. Often seen as basic cell of society, its structure and capacity of functional adaptation, determine the quality of social life. Its success in situations of adversity, comes from family resilience, associated with a positive outlook, that are expressed in different family dimensions. We aim to examine the processes structuring family resilience, associated to the elements of growth, crisis and creativity, characteristic of self-organization in a context and relationship. A literature review wasmade focused on systemic and ecological paradigm. The family system, reveals itself as an organization of dynamic relations, contextual and complex in interaction with the environment, derived from consequent processes of social transformations, they were assimilated by it. The focus of family resilience focuses on key areas, allowing the family strengthening, during crisis situations, evidencing the system of beliefs, patterns of family communication and organization. The literature shows that the discussion on family resilience reveals linked to the study of social structure, economic and political, which shows the procedural and dynamic reciprocity between time and the global environment. The complexity of relational factors, associated with social and historical structure of resilience, make clear the impact of relational and structural family in the development of social systems. Understanding of these factors, the need arises to expand the focus to a more appreciative view of the potential and capabilities of the family as a unit system.

KEYWORDS: Family; Family resilience

I N TROD U Ç ÃO A família é vista como um sistema de inter-relações, cujos laços se desenvolvem em contextos específicos que a tornam um grupo com identidade própria (Figueiredo & Martins, in press). Revela-se como uma organização de relações dinâmicas e contextuais, cujos processos de autoorganização permitem a sua continuidade, como sistema transformativo.

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Enquanto unidade social, constitui-se como um sistema de interacção que supera e articula dentro dela os vários componentes individuais (Andolfi, 1988). Sistema relacional inserido e articulado em diversos contextos, agrega um sistema de valores, conhecimentos e práticas, num espaço relevante de socialização e humanização. Como sistema aberto, a família, organiza-se de acordo com as suas finalidades, num contexto a que subjaz uma história interaccional que implica “elementos de crescimento, de crise e de criatividade, elementos característicos de uma auto-organização na evolução” (Benoit, 2004:23). Incorpora uma organização complexa, inserida num contexto social mais amplo, que tem uma história e cria história, numa rede múltipla de relações de intercontextualidade (Slepoj, 2000; Burguiére et al, 1999; Engels, 2000). Vista frequentemente como célula fundamental da sociedade, a sua estrutura e capacidade de adaptação funcional, determinam a qualidade da vida social. Sujeita a pressões internas e externas que implicam variações e flutuações no seu equilíbrio, rege-se pelo princípio de acoplamento estrutural, que permite o processo mútuo de mudança entre o sistema e o ambiente (Bateson, 1987). A co-evolução da família, cimentada no equilíbrio dinâmico dos seus processos de mudança, requerer a constante mobilização de mecanismos adaptativos para criar um novo nível de equilíbrio. Ao sucesso perante as situações de adversidade, advém a resiliência familiar, associada às perspectivas positivas, que se expressam nas diversas dimensões familiares. Da discussão em torno do conceito de resiliência, enquanto fenómeno impulsionador de crescimento e desenvolvimento familiar, emerge o desafio para um entendimento mais amplo e apreciativo das motivações e das forças da família. Neste sentido, surgiu a intenção de analisar os processos de estruturação da resiliência familiar, associados aos seus elementos de crescimento, de crise e de criatividade.

METODOLOGIA Revisão bibliográfica centrada na resiliência familiar, enquanto constructo social, a partir do paradigma sistémico (Vasconcellos, 2002) e ecológico (Bronfenbrenner, 1996).

R E S UL T AD O S E DIS C U SS ÃO Numa abordagem ecossistémica da família, esta é perspectivada como um sistema de interrelações, que tende para o equilíbrio entre a coesão familiar e a individualização dos seus membros (Minuchin, 1990). Salienta-se, desta forma, a dualidade funcional, no sentido em que a

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família deverá tanto proteger psicologicamente e socialmente os seus membros, quanto promover a adaptação dos

mesmos

à cultura. Consequentemente, a família tem

uma dupla

responsabilidade, dando resposta às necessidades dos seus membros e da sociedade, incorporando um esquema relacional integrado no tempo, caracterizado pela co-evolução dos intervenientes e das suas relações. A família constitui-se então como espaço de transmissão de crenças, valores éticos, culturais, sociais e cívicos, assegurando a continuidade da cultura, através de um cenário quotidiano, com significados e significantes de rituais e mitos sociais (Minuchin, 1990; Segalen, 1999; Shorter, 1995). Este espaço interaccional assume também uma função de estabilidade normativa, visando a aceitação dos valores sociais pelos seus membros, ao que Dias (2001) associa ao papel de estabilização social da família, efectivado através da socialização. Como sistema autopoiético em que “os efeitos e produtos são necessários aos próprios produtos que os gera” (Vasconcellos, 2005, p. 116), caracteriza-se por processos evolutivos, intrínsecos às suas características organísmicas, que lhe conferem complexidade e muldimensionalidade (Capra, 1996). O conceito de adaptação familiar surge associado ao determinismo estrutural de Maturana & Varela (2005), como forma utilizada pela família, para prosseguir as suas finalidades, autoorganizando-se

face

às

transições

normativas

e/ou

não

normativas

(Hanson,

2005;

Bronfenbrenner, 1996; Walsh, 1998). Às estratégias, padrões e comportamentos familiares que o sistema familiar utiliza para se manter e fortalecer, face à necessidade de adaptação, os autores designam por coping familiar (McCubbin, 1993; Friedman, 1998; Walsh, 1998). A resiliência familiar entendida como uma qualidade sistémica, reporta-se aos “processos de adaptação e coping na família, enquanto unidade funcional” (Walsh, 1998:14). Desta forma, o foco da resiliência familiar centra-se em áreas fundamentais, que permitem o fortalecimento familiar, face a situações de crise, nomeadamente: atribuição de significado à adversidade; a esperança e optimismo; a espiritualidade, a flexibilidade, a coesão, a comunicação familiar, partilha do lazer, rotinas e rituais; redes de apoio e capacidade da família na sua manutenção (Walsh, 1998,1999; McCubbin, 1993; Anaut, 2005) evidenciando-se o sistema de crenças, os padrões de comunicação e a organização familiar. O sistema de crenças da família, considerado por Walsh (1998) como elemento fulcral da estruturação da resiliência, agrega um conjunto interactivo de disposições, que se constituem como oportunidades para formas mais efectivas de funcionamento. Na análise do conceito de

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espiritualidade, este surge associado à transcendência e ao domínio das relações interpessoais, estabelecidas a partir de uma matriz de crenças e valores que distinguem a família, como única e singular. Nesta visão apreciativa da família como unidade potencializadora do sucesso, as crises são perspectivadas como oportunidades de mudança, o que possibilita a evolução para um novo nível de funcionamento, mais diferenciado e complexo. Os padrões de comunicação, baseados na comunicação autêntica (Rogers, 1985), cimentada na congruência e na aceitação positiva, facilitam a tomada de decisão compartilhada, como condição para a mudança sustentada e auto-determinada. A comunicação circunscreve-se a um espaço, tempo e contexto, traduzindo-se na configuração do relacionamento entre os elementos do sistema, que lhe confere uma organização específica, veiculada pelos processos interaccionais (Dias, 2001; Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967; Littlejohn, 1982). Os padrões de organização representados por Walsh (1998) pela flexibilidade, coesão e recursos sociais da família, remetem para aspectos centrais do sistema familiar, associados à sua trajectória dinâmica co-evolutiva. Anaut (2005) descreve duas abordagens no âmbito da resiliência familiar, a primeira tem salienta o impacto relacional e estrutural da família no desenvolvimento de uma resiliência individual, enquanto a segunda considera a “família no seu todo”, emergindo tanto a relevância dos elementos, quanto a do todo familiar. Assim, a primeira incide no funcionamento familiar, nos padrões relacionais e na forma como estes favorecem a resiliência dos seus membros, tendo em conta o apoio familiar dado a cada um dos seus membros. A segunda abordagem, enfatizando o grupo familiar, enquanto resiliente, considera quer o seu nível de desenvolvimento, quer a reciprocidade entre os factores de risco e a percepção partilhada pela família, vista a partir das suas particularidades, recursos e padrões de funcionamento.

CONCLUSÕES A discussão sobre resiliência familiar emerge vinculada ao estudo da estrutura social, económica e política, que revela a reciprocidade processual e dinâmica entre o tempo e o meio ambiente global. A complexidade dos factores relacionais, sociais e históricos associados à estruturação da resiliência, tornam inegável o impacte relacional e estrutural da família no desenvolvimento dos sistemas sociais. Na compreensão destes factores, emerge a necessidade de conceptualizar a família como “um fenómeno culturalmente elaborado” (Slepoj, 2000: 71), ampliando o foco para uma visão mais apreciativa dos potenciais e capacidades da família, enquanto unidade sistémica.

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O entendimento da complexidade do sistema familiar, sustentada pela recursividade das relações intra-sistémicas e inter-sistémicas, a aceitação dos seus processos de auto-organização e o reconhecimento da sua participação no sistema social, possibilita conceptualizá-lo numa óptica ecológica, emergindo as suas forças como potencializadoras de resiliência.

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS Anaut, M. (2005). A resiliência: ultrapassar os traumatismos. Lisboa: Climepsi Andolfi, M. (1981). A Terapia Familiar. Lisboa: Editorial Vega Burguiére, A. Christianee, K., Segalen, M., Zonabend, F. (1999). História da Família: 4º volume - O Ocidente: Industrialização e Urbanização. Lisboa: Terramar. Engels, F. (2000). A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Bateson, G. (1987). Natureza e espírito. Lisboa: D. Quixote. Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas. Capra, F. (1996). A Teia da Vida. São Paulo: Editora Cultrix. Dias, F. (2001). Sistemas de Comunicação de Cultura e de Conhecimento. Um olhar Sociológico. Lisboa: Instituto Piaget. Figueiredo M., & Martins, M (In Press). Avaliação Familiar: Do Modelo de Calgary de Avaliação da Família aos focos da prática de enfermagem. Rev Esc Enferm USP. Friedman, M.(1998). Family nursing: Research, theory and practice. Stamford: Appleton&Lange. Hanson, S. (2005). Enfermagem de Cuidados de Saúde à Família: Teoria, Prática e Investigação. Camarate: Lusociência. Littlejohn, S. (1982). Fundamentos teóricos da Comunicação Humana. Rio de Janeiro: Zahar. Maturana; H., & Varela, F (2005). A árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano. São Paulo: Palas Athena. McCubbin, M.A. (1993). Family Stress Theory and the Development of Nursing Knowledge About Family Adaptation. In: Feetham, S.; Meister, B; Bell, M.; & Gillis, C.-The Nursing of Families. New Bury Park: Sage, pp. 46-58. Minuchin, S.(1990). Famílias. Funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas. Rogers, C. (1985). Tornar-se Pessoa. Lisboa: Moraes Editora. Segalen, M. (1999). Sociologia da Familia. Lisboa: Terramar. Slepoj, V. (2000). As Relações de Família. Lisboa: Editorial Presença Shorter, E. (1995). A Formação da família Moderna. Lisboa: Terramar. Vasconcellos, M. (2002). Pensamento Sistêmico: O Novo paradigma da Ciência. Campianas, SP: Papirus. Walsh, F. (1998). Strengthening Family Resilience. London: Guilford Press Walsh, F. (1999). Spiritual resources family resilience. London: Guilford Press Watzlawick, P., Beavin, J., Jackson, D. (1967)). Pragmática da comunicação humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interacção. São Paulo. Editora Cultrix.

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12 - SÍNDROME DE HIKIKOMORI: UMA ABORDAGEM DE ENFERMAGEM

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SOFIA VIEIRA DA SILVA ; FRANCISCO MANUEL PINHEIRO OLIVEIRA

RESUMO A Síndrome de Hikikomori é uma perturbação emergente na sociedade actual, que se associa aos estilos de vida cada vez mais solitários, num mundo cada vez mais marcado pelo desenvolvimento tecnológico e pelo isolamento. Neste trabalho apresentamos a definição da Síndrome, bem como a resenha histórica, resultados de alguns estudos e a abordagem feita a um doente. Reflectimos acerca dos benefícios da articulação entre o internamento e os enfermeiros de referência, bem como damos sugestões para algumas formas de intervenção comunitária. Para além disso referimos o caso que foi fonte de motivação para a realização deste trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Hikikomori; Isolamento; Articulação; Integração; Reabilitação; Comunidade.

ABSTRACT Hikikomori syndrome is an emerging disturbance in actual society, it’s associated to the lonely lifestyle, in a world marked by the technological development and for the social isolation. In this work we present the definition of this Syndrome, a historical review and results of some studies, as well as an approach to a patient. We reflect about the benefits of articulation between the hospital care and the reference nurses, as well as we make suggestions to some forms of community intervention.

28 Enfermeira Nível 1, Serviço de Internamento do Departamento de Pedopsiquitria, do C.H.P., a frequentar o Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria. 29

Enfermeiro Especialista de Saúde Infantil e Pediatria, Serviço de Internamento, do Departamento de Pedopsiquitria, do C.H.P.

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Besides that we refer the case that was the source of motivation to the accomplishment of this work.

KEY-WORDS: Hikikomori; Isolation; Articulation; Integration; Rehabilitation; Community.

I N TROD U Ç ÃO Na sociedade actual deparamo-nos com um aumento exponencial das novas tecnologias. Estes progressos tecnológicos, despertam-nos sentimentos ambivalentes, pois se por um lado contribuem para uma melhoria da qualidade de vida, por outro implicam muitas vezes consequências negativas (sedentarismo, isolamento, desemprego...). A síndrome de Hikikomori surge como uma das consequências nefastas do uso incorrecto das novas tecnologias. Para SOUKHANOV (2000, p.128) “…the use word hikikomori – in japanese “shutting oneself inside” – to describe a widespread social and psychiatric phenomenon...”. Embora tenha inicialmente sido descrita no Japão, esta síndrome já começa a ser referida por diversos países no mundo, e embora no nosso país não existam quase referências, esta têm vindo de forma insidiosa a aparecer na nossa sociedade. A actuação na comunidade é fundamental, no sentido de prevenir ou reabilitar os casos de Hikikomori. Como enfermeiros do internamento de Pedopsiquiatria lidamos com os mais diversos problemas de adolescência. Estes nunca são iguais e variam conforme o indivíduo, a sua idade, família e comunidade. Na qualidade de técnicos de um centro especializado de intervenção em adolescentes com patologia psiquiátrica, detemos um corpo de conhecimentos diferenciado. Pelo que consideramos que a articulação entre os enfermeiros de Pedopsiquiatria e os enfermeiros da comunidade é essencial para a continuidade dos cuidados. Este trabalho resulta da necessidade de obter mais conhecimentos sobre o tema, vontade de dar a conhecer o mesmo e propor algumas intervenções que se poderão realizar no sentido de prevenir o aparecimento deste problema ou quando já presente promover a sua reabilitação.

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Pretende-se com este trabalho contribuir para o aumento de conhecimento científico nesta área e dar a conhecer a abordagem de Enfermagem em Saúde Mental e Psiquiátrica com este tipo de doentes. A metodologia por nós utilizada consistiu numa revisão bibliográfica, com posterior reflexão sobre os cuidados prestados.

SÍNDROME HIKIKOMORI A Síndrome de Hikikomori foi inicialmente descrita no Japão, na década de 90 por Tamaki Saito (WATTS, 2002). Actualmente já existem casos descritos também noutros países do mundo como o Brasil, EUA, Reino Unido, Espanha, Itália, Omã, Coreia do Sul, entre outros. De acordo com OGINO (2004), o termo refere-se a indivíduos que habitualmente se isolam das actividades sociais e se restringem aos sítios aonde habitam ou mesmo ao seu quarto por longos períodos de tempo, sem que a família consiga explicar o facto. UHLHAAS e BIMBI (2007) referem que o governo japonês estipula como prazo mínimo de isolamento seis meses para que se possa considerar um indivíduo com Hikikomori. Segundo WATTS (2002), a síndrome de Hikikomori, não pode ser apresentada como um estilo de vida, com “reclusão” nos quartos e ocupação quase que exclusiva a computadores e videojogos, mas antes como uma patologia que afecta uma geração vulnerável aos avanços tecnológicos. KARY (2003) apresenta três visões distintas da síndrome de Hikikomori. Para alguns psiquiatras a Síndrome de Hikikomori é comparada à ansiedade social, agorafobia, medo de espaços abertos, à Síndrome de Asperger e perturbações do espectro autista; noutra perspectiva, esta é apresentada como uma consequência de negligência emocional da família; uma outra visão defende que a negligência emocional pelos familiares é apenas um dos factores que levam ao desenvolvimento desta perturbação. De acordo com WATTS (2002), o termo de Hikikomori, actualmente, é indubitavelmente mais utilizado pelos media do que pela comunidade médica. O mesmo autor refere que a definição da síndrome continua ainda imprecisa isto porque a pesquisa é recente e baseada essencialmente em suposições. O que pode justificar a escassez

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de artigos científicos com que nos deparamos ao longo da nossa pesquisa, sendo que a nível nacional não encontramos nenhum. Nos estudos do governo japonês, de Abril de 2001, citados por UHLHAAS e BIMBI (2007) e WATTS (2002) foram reportados aproximadamente seis mil casos, dos quais cerca de 40% dos indivíduos com Hikikomori tinham idades compreendidas entre os 16 e os 25 anos e cerca de 21% tinham entre os 25 e 30 anos. Para além disso um em cada quatro apresentava sintomas com pelo menos 5 anos de evolução e cerca de 8% com mais de 10 anos. OGINO (2004) referencia estudos mais recentes de 2003, em que foram reportados aproximadamente catorze mil casos; destes a média de idades era de cerca de 27 anos, 32% dos indivíduos tinham idade superior a 25 anos. Neste estudo 50% dos indivíduos apresentavam sintomas com pelo menos 5 anos de evolução e 23 % com mais de 10 anos. Segundo o autor supracitado, o mesmo estudo revelava que 76,4% dos indivíduos eram do sexo masculino. Outro dado relevante é que 18% dos indivíduos cometeram actos de violência contra os pais. Relativamente ao número de indivíduos com Hikikomori, nos estudos citados anteriormente, o autor Takami Saito, citado por UHLHAAS e BIMBI (2007), acrescenta que o número de indivíduos com a síndrome era bastante superior (rondando 1,2 milhões). De acordo com Hiromi Shiraishi, do Instituto de Psiquiatria de Tóquio (Cit. por WATTS, 2002), os indivíduos com esta síndrome apresentam habitualmente um comportamento adequado, a menos que colocados num ambiente stressante, pelo que não podemos relacionar com exactidão a perturbação com actos violentos. Não obstante disto, alguns media relacionaram com violência dirigida aos pais, professores, pares e, até mesmo, a actos criminosos. O autor de referência defende que a letargia é mais frequente, nos indivíduos com esta perturbação, do que a violência. SANTOS (2008) caracteriza a síndrome com o isolamento, o aprisionamento a si próprio, a imaturidade psíquica, a agressividade latente ou manifesta e a impotência psíquica. Os jovens com esta síndrome evitam o contacto físico com as outras pessoas e regra geral vivem com os pais ou sozinhos. Focalizam a sua atenção total em jogos de computador ou consolas, na Internet, “mangas” ou banda desenhada. Numa sociedade cada vez mais estandardizada, em que todos tentam seguir os modelos e os ícones vigentes; ser diferente é muitas vezes sinónimo de exclusão, com consequente isolamento

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e as suas sequelas. Este síndrome provoca isolamento social, prejudicando as interacções com os pares, com a família e consequentemente o estabelecimento das relações afectivas e sociais. Manfé (Cit. por UHLHAAS e BIMBI, 2007) defende que sem tratamento adequado a reinserção dos jovens com Hikikomori é quase impensável. Posto isto, podemos inferir que esta perturbação apresenta consequências nefastas quer no indivíduo, quer na sua família e em última instância na sociedade. A actuação deverá ser abrangente e multidisciplinar. Os enfermeiros apresentam uma posição privilegiada quer pela sua formação holística, quer pela presença contínua junto aos doentes, têm um papel fundamental no tratamento desta síndrome.

ABORDAGEM DE ENFERMAGEM Como já anteriormente referimos, o isolamento social é uma das consequências principais da Síndrome de Hikikomori. Consequentemente, as relações com o outro estarão necessariamente em risco. Outro lado a considerar é que devido ao tempo que passam junto destas novas tecnologias, os jovens acabam por descurar outros aspectos para além dos relacionais, perdendo outras competências sociais. Segundo MILHEIRO (2001), a saúde mental será a capacidade do ser humano se situar facilmente em três vertentes: na relação com o seu eu, na relação com os outros e na relação prática com a vida. TAYLOR (1992) refere que o enfermeiro em Saúde Mental e Psiquiatria desempenha o papel de “Terapeuta” quando se encontra com os indivíduos, famílias ou grupos, em horas estabelecidas, e os envolve num processo, com objectivo de os ajudar a ultrapassar alterações fundamentais. Para MANZOLLI (1996) trabalhar com um utente do foro psiquiátrico é trabalhar com a realidade onde ele vive, seja com a família, com os amigos, parentes, colegas e outros. Deste modo, embora consideremos que a nível do tratamento a intervenção hospitalar contribua favoravelmente, pensamos ser fundamental que em ambulatório se intervenha junto do meio em que o adolescente está inserido. Na nossa experiência contamos com um único caso de adolescente com Hikikomori, este que nos suscitou especial interesse e que expomos de seguida. O Roberto (nome fictício), género masculino, caucasiano, com 16 anos de idade, a frequentar o 11º ano de escolaridade, deu entrada no internamento por isolamento, irritabilidade,

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agressividade, não conseguia executar tarefas simples (p.exemplo ir passear o cão), não conseguia estar junto dos pares, contava agora com absentismo escolar (há cerca de uma ano). Passava os dias em frente ao computador, consultando a Internet; a ver televisão e a jogar videojogos. Grande dificuldade em separar-se dos seus aparelhos tecnológicos (telemóvel, consolas, computador) facto que o levou a resistir ao internamento, num período inicial. As intervenções de enfermagem neste caso ao longo do internamento foram:

Estabelecer relação terapêutica com o utente;

Gerir ambiente;

Executar escuta activa;

Promover suporte emocional;

Promover autocontrolo eficaz;

Disponibilizar presença;

Promover e supervisionar interacção social;

Incentivar actividades lúdico-terapêuticas;

Promover relação interpessoal;

Executar treino de competências.

No 4º dia de internamento o doente já participava nas actividades em grupo, conseguiu estabelecer relação com os pares e cuidava do arranjo da sua unidade. No final do internamento, o doente já projectava prosseguir os estudos, e frequentar um ginásio. A nível do ambulatório foram assegurados os cuidados pelo envio de uma carta de transferência, e pelo contacto com a unidade de saúde e discussão do plano de cuidados do doente com o enfermeiro responsável. Seguidamente apresentamos algumas das sugestões de intervenções a implementar: - No que diz respeito à prevenção:

Planear e executar ensinos aos pais e pessoas significativas para sinais de alerta: mudanças bruscas de comportamento; diminuição dos contactos sociais (isolamento); insucesso e/ou absentismo escolar; ansiedade ao permanecer junto de aglomerações de pessoas; letargia;

No caso de detectados os sinais de alerta o enfermeiro deverá reencaminhar para o médico de família (ou se já for utente para consulta de Pedopsiquiatria);

- Na reabilitação:

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Encorajar o utente a participar em actividades sócio-culturais;

Identificar grau de apoio familiar;

Levantar dados sobre os recursos comunitários;

Facilitar o envolvimento familiar e comunitário no processo de modificação de comportamento;

Oferecer feed-back através de visitas domiciliárias ou por telefone.

CONCLUSÕES Embora tenha sido inicialmente descrita no Japão, a síndrome de Hikikomori já começa a ser referida por diversos países no mundo, e embora no nosso país não existam quase referências, esta têm vindo a aparecer na nossa sociedade de forma insidiosa. Esta alteração tem como uma das principais manifestações o isolamento social, prejudicando as interacções com os pares, com a família e consequentemente o estabelecimento das relações afectivas e sociais. Têm implicações negativas quer no indivíduo, quer na sua família e em última instância na sociedade. A actuação deverá pois ser abrangente e multidisciplinar. O caso apresentado refere-se a um adolescente que deu entrada no serviço de internamento do Departamento de Pedopsiquiatria, do CHP, com o diagnóstico de Síndrome de Hikikomori. Num trabalho de equipa multidisciplinar, o utente recuperou parte das competências sociais, que estavam diminuídas. Das intervenções efectuadas, destacamos a referenciação para o enfermeiro de família, assegurando a continuidade dos cuidados. Na nossa perspectiva, a articulação entre os enfermeiros de Pedopsiquiatria e enfermeiros da comunidade é imprescindível. Estes últimos devido à sua proximidade com o meio em que o utente está inserido, poderão detectar precocemente os sinais de alerta e numa fase posterior ao tratamento mobilizar eficazmente os recursos comunitários necessários à sua reabilitação e reintegração social para além de monitorizarem constantemente a evolução do doente.

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13 - VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS: UMA REALIDADE ESQUECIDA

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NATÉRCIA MARLENE FERREIRA FREITAS ; SOFIA CRISTINA SILVA SPÍNOLA

RESUMO Perante o envelhecimento da população a nível mundial, a violência contra o idoso surge como um foco de atenção por parte das equipas de saúde, nomeadamente dos enfermeiros. Assim, a problemática do envelhecimento e a prevenção da violência no idoso sugere um audaz desafio e responsabilidade para os serviços de saúde, nomeadamente para os cuidados de saúde primários e para os profissionais que nele trabalham, implicando uma revisão e implementação de estratégias de intervenção de modo a satisfazer as necessidades da pessoa idosa. Através deste artigo de revisão de literatura pretende-se alertar os profissionais de saúde para o problema da violência no idoso, identificar quais os tipos de violência que o podem afectar, detectar sinais e sintomas que indiciem violência e enumerar intervenções de enfermagem que visem diminuir o risco para a violência. Assim, pretendemos focar a importância de promover a educação para a cidadania no âmbito do envelhecimento na sociedade em geral, mas, sobretudo, nos serviços de saúde, dando relevo à valorização, ao respeito e aos direitos da pessoa idosa.

PALAVRAS-CHAVE: Violência no idoso; Envelhecimento; Intervenções de Enfermagem.

ABSTRACT With an aging population worldwide, the violence against the elderly is a focus of attention from teams of health, particularly of nurses. Thus, the problem of aging and prevention of violence in the elderly suggests a bold challenge and responsibility for health care, particularly for primary health care and for professionals who work in it, involving a review and implementation of intervention strategies in order to meet the needs of the elderly. Through this article the literature review is intended to alert health professionals to the problem of violence in the elderly, to identify which types of violence that can affect, detecting signs and symptoms that suggest violence and list of 30 Licenciada em Enfermagem, Centro de Saúde do Jardim da Serra – Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM), nate.ff@hotmail.com 31

Licenciada em Enfermagem, Pós-graduada em Bioética, Centro de Saúde do Bom Jesus – Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM), sofiaspinola@hotmail.com

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nursing interventions aimed at reducing the risk for violence. We focus on the importance of promoting education for citizenship under the aging society in general, but particularly in health services, with emphasis on recovery, and to respect the rights of the elderly.

KEYWORDS: Violence in elderly; elderness; nursing interventions.

I N TROD U Ç ÃO Actualmente em Portugal, devido ao envelhecimento da população, temos vindo a sentir necessidade de dar especial atenção à população mais idosa, no sentido de promover o envelhecimento activo, dando relevo a hábitos de vida saudáveis e ao mesmo tempo prevenindo a violência contra o idoso, problema que tem aumentado nos nossos dias. A Declaração de Toronto, assinada pelos países membros da ONU em 2002 define “maus tratos

ao idoso” como sendo qualquer acto isolado ou repetido, ou a ausência de acção apropriada, que ocorre em qualquer relacionamento em que haja uma expectativa de confiança, e que cause dano, ou incómodo a uma pessoa idosa. Segundo Ambrósio (2008) o fenómeno de violência contra idosos tem vindo a crescer em Portugal, sendo que, nos últimos cinco anos, os registos deste tipo de violência triplicaram, dos mais de oito mil casos para os quase 25 mil, tendo a vítima idade superior a 64 anos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que o aumento do número de idosos agrave as situações de violência relacionadas principalmente com a ruptura dos laços familiares e com o empobrecimento dos sistemas de protecção social. Estima-se que o número de pessoas com mais de 60 anos duplique até 2025, passando de 542 milhões em 1995 para 1 200 milhões nessa data. Segundo a OMS, apenas 30% dos idosos a nível mundial estão a receber pensões de reforma ou subsídios de velhice e invalidez, o que torna muito complicada as condições de subsistência e acresce em larga escala os riscos de violência contra os mesmos. A partir do século XX, o problema da violência contra o idoso deixou de ser particular e familiar, para tornar-se responsabilidade dos governos, da sociedade e principalmente da saúde pública, uma vez que o aumento da doença e da mortalidade como consequência da violência tem ganho proporções alarmantes.

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Não nos podemos esquecer também, que o estatuto social do idoso tem vindo a mudar ao longo dos tempos, e os estigmas sobre a velhice pincelaram o idoso como um ser incapaz e inútil, mas actualmente a negação social do direito à existência é uma das formas mais graves de violência. Assim, tendo por base a valorização da qualidade de vida dos idosos, abordamos ao longo deste artigo o problema da violência, identificando quais os tipos de violência que o podem afectar, assinalando sinais e sintomas que indiciem violência contra o idoso e enumerando algumas intervenções de enfermagem que visem diminuir o risco para a violência.

TIPOS DE VIOLÊNCIA NO IDOSO O envelhecimento é um processo contínuo e inadiável onde existe um declínio progressivo de funções cognitivas, físicas e psíquicas, o que torna as pessoas idosas mais frágeis e vulneráveis à violência, pois têm uma menor capacidade para se auto-defenderem das agressões. Os maus tratos aos idosos são varíadíssimos, e apesar de pensarmos que estes são realizados por pessoas estranhas e alheias ao próprio idoso, enganamo-nos. Na sua grande maioria acontecem no próprio meio familiar do idoso e é efectuado pelos próprios membros da família. Minayo (2003) classifica as formas de violência contra o idoso de três modos distintos, a violência estrutural (ocorre pela desigualdade social), a violência interpessoal (refere-se às interacções e relações quotidianas) e a violência institucional (diz respeito à gestão incorrecta das políticas sociais e instituições de assistência). O comité nacional de abuso de idosos nos Estados Unidos (National Center on Elder Abuse, 1998), propõe 7 tipos de definição de violência contra idosos:

Abuso físico: o uso não acidental da força física que pode resultar em traumatismos, quer sejam lesões corporais, dor ou incapacidade física (ex.:equimoses, queimaduras, etc.);

Abuso emocional ou psicológico: trata-se da violência psicológica e emocional por meios verbais ou não verbais, desde a humilhação, a infantilização ou qualquer tipo de ameaça;

Exploração material ou financeira: uso ilegal ou inapropriado de bens ou propriedades do idoso;

Abuso sexual: contacto sexual não consensualizado com o idoso;

Negligência: recusa ou ineficácia em satisfazer qualquer parte das obrigações ou deveres para com o idoso;

Auto-negligência: comportamentos de uma pessoa idosa que ameaçam a sua própria saúde e integridade física;

Abandono: qualquer prestador de cuidados que abandone o idoso de forma negligente.

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Segundo Macedo (2003) há sinais de violência que devem ser valorizados. As alterações de peso sem causa patológica, a depressão ou confusão, insónias, comportamento regressivo, autodestrutivo ou de medo, o descontrole emocional, a agitação emocional ou mesmo um quadro de demência poderão ser manifestações das vítimas de violência.

Por isso, os profissionais de saúde devem estar alerta para as variadas e diferentes formas de violência contra o idoso, para que assim, se tenha uma intervenção o mais precoce possível.

FACTORES DE RISCO Segundo Gonçalves (2006) citando Swagerty et al (1999) para que se venha a diminuir o número de idosos vítimas de violência é necessário que os profissionais de saúde e os familiares estejam alerta para alguns factores de risco, nomeadamente:

Idade avançada; Escassos recursos económicos e sociais; Baixos rendimentos, condições de salubridade precárias; Isolamento Social; Nível sócio-económico reduzido; Reduzido nível educacional; Debilidade funcional; Abuso de substâncias pelo prestador de cuidados e/ou idoso; Alterações psicológicas e personalidade patológica; Frustração ou exaustão do prestador de cuidados; História anterior de violência; Limitação cognitiva.

S IN AI S E SI N TOMAS D E AL E R T A Devemos como profissionais de saúde estimular o idoso e/ou os familiares, dependendo de cada situação, a denunciarem os maus-tratos sofridos, para que assim possamos viabilizar a orientação e o apoio à prevenção de novos actos de violência, apoiando e orientando sobre a forma correcta de efectuar a denúncia. Assim, segundo Berger (1995) é dever de todos os profissionais que estão em permanente contacto com pessoas idosas, estarem atentos a possíveis indícios de vitimação, tais como:

Existência de feridas e/ou de hematomas inexplicáveis; Falta de assistência nos problemas de saúde; Falta de higiene; Insónias; Má nutrição e desidratação; Depressão; Aumento progressivo da vulnerabilidade física e psicológica; Isolamento social ou físico;

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Recusa de apoio; Inibição de tomada de decisão sobre si mesmo.

I N TE RV E NÇÕ ES DE E NF E RM AG E M Actualmente os profissionais de saúde, denominadamente os enfermeiros, têm vindo a desenvolver alguns trabalhos na área da violência no idoso, no sentido de alertar e sensibilizar a comunidade em geral, e os idosos em particular, sobre a problemática do envelhecimento populacional e as consequências inevitáveis dessa realidade social. Desta forma, é importante que os enfermeiros procurem diagnosticar e identificar os maus-tratos exercidos contra os idosos, procurando saber as suas causas e envolver outras instituições que possam intervir e contribuir com a assistência e o acompanhamento ao idoso e respectivas famílias (Gonçalves, 2006). O problema da violência contra os idosos é um problema da sociedade, sendo necessário revalorizar o papel do idoso na vida social, familiar, económica e política, e criar oportunidades para que utilizem as suas capacidades em actividades que dignifiquem a sua existência. Assim, o enfermeiro, deve procurar ter uma intervenção precoce e multidisciplinar, envolvendo outros técnicos de sáude que possam contribuir favoravelmente no desenvolvimento de respostas adequadas, tendo por base as seguintes recomendações:

Reforçar as capacidades da pessoas idosa, de modo a que esta possa agir por si própria na defesa dos seus direitos e interesses; Respeitar a individualidade de cada idoso; Evitar a infantilização ou o tratamento do idoso como doente e incapaz; Oferecer cuidados específicos para a sua faixa etária; Preservar a independência e a autonomia; Promover o desenvolvimento de aptidões físicas, psicológicas e sociais; Incentivar os idosos a participarem em actividades sociais, de lazer e recreação; Informar os familiares e amigos do idoso que a lentificação na realização de algumas actividades de vida diárias do idoso é normal; Ajudar o idoso a ultrapassar as suas perdas; Apoiar o idoso no processo de luto; Promover a estimulação bio-psico-social; Educar a população para a problemática da violência no idoso através de acções de sensibilização; Formar a população no sentido da valorização da pessoa idosa; Formar e educar os profissionais para que possam reconhecer sinais e sintomas que evidenciem possíveis situações de violência; Encorajar as relações intergeracionais que fomentem o respeito e a entre-ajuda, evitando o isolamento e a negligência; Incentivar o idoso a denunciar os maus tratos sofridos;

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Explicar todos os passos do processo de denúncia; Apoiar o idoso e referenciá-lo para outros técnicos de sáude (Psicólogo, Assistente Social, Médico) ou instituições (Associação de apoio à vítima, Polícia de Segurança Pública) sempre que necessário.

C ON CL U S ÃO Em virtude da complexidade do fenómeno que é a violência no idoso, e tendo em conta todos os problemas a ele inerentes, é necessária a elaboração de uma intervenção interdisciplinar e multidisciplinar, com a participação das equipas de saúde, do governo, dos grupos sociais, da comunidade e das famílias, utilizando estratégias de acção que assegurem uma melhor qualidade de vida e autonomia dos idosos. O problema da violência no idoso não pode ser solucionado se as suas necessidades humanas básicas não forem tidas em conta. Temos o dever de criar um ambiente favorável para que o envelhecimento seja aceite como um processo natural do ciclo de vida, onde o idoso tenha o direito de viver com dignidade, livre de violência e exploração, dando-lhes oportunidade de participarem plenamente nas actividades educacionais, culturais, espirituais e económicas. Esta atitude preventiva contribui assim, para a valorização da pessoa idosa, permitindo olhá-la como uma mais valia, cultivando o que com ela podemos aprender da vida, digamos que talvez seja salutar humanizar e inseri-la na vida diária da sociedade, porque nós, não nos podemos esquecer que a criança de ontem é o adulto de hoje e o avô ou avó de amanhã!

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS Ambrósio, F. – Maus-tratos a idosos triplicaram. In Diário de Noticias. 22 Janeiro 2008. APAV – Para o atendimento de pessoas vítimas de crime. Manual Títono. Lisboa: APAV; 2002. Berger, L. (1995). Evitar os Perigos. In Berger, L., Mailloux-Poirier, D., Pessoas Idosas – Uma abordagem global. 1ªedição. Lisboa:Lusodidacta. Declaración de Toronto para la Prevención Global del maltrato de las personas mayores (2002) Gonçalves, C. A. – Idosos: abuso e violência. In Cadernos de Saúde Pública. Novembro/ Dezembro 2006; 22(6). pp.739-745. Macedo, A. V. – Violência contra idosos. In Revista Portuguesa de Clínica Geral. Março/Abril 2003; (19) 2. pp. 175181. Minayo, C. - Violênica contra idosos: relevância para um velho problema. In Cadernos de Saúde Pública. MaioJunho 2003;19(3). pp.783-791 Silva, M. J., Oliveira, T. M., Joventino, E. S., Géridice Lorna Andrade de Moraes, G. L. A. M. - A violência na vida quotidiana do idoso: um olhar de quem a vivência. In Revista Electrónica de Enfermagem. 2008; 10(1). pp.124-136 Taylor, R. B. (2002). Malos tratos a ancianos. In Taylor, R. B.; Medicina e Família: Princípios y Pratica. 5ªedição. Espanha: Masson.

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14 - A VIOLÊNCIA NO IDOSO: RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL

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MARIA DE FÁTIMA PINTO RIBEIRO

RESUMO As transformações demográficas, especialmente as mudanças dos padrões de distribuição de idades, requerem uma atenção especial sobre os mais idosos, numa proporção que é nova na história da humanidade. O aumento do número de idosos levanta muitos desafios às sociedades contemporâneas mas este grupo concebe e novos problemas sociais, entre os quais o da “violência”. É fundamental que os profissionais juntem esforços no sentido de os minimizar. Ao debruçarmo-nos sobre a violência em contexto familiar, não temos dúvidas que estamos a encarar uma questão de direitos humanos. Pois, onde não houver respeito pela vida e pela integridade do ser humano, onde as condições para a dignidade não estiverem asseguradas, onde a intimidade e a identidade do indivíduo forem objecto de ingerência indevida, e onde a igualdade não for garantida, não se verificará espaço para a axiologia. A dignidade da pessoa humana, idosa, e o respeito que lhe é devido são independentes da idade e das consequências, que ela traga para a saúde física e / ou psíquica. Considera-se que o declínio funcional e a perda da qualidade de vida são características inerentes à velhice.

PALAVRAS-CHAVE: Idoso, violência, responsabilidade, dignidade

S UMM AR Y The social-demographic transformations, especially the standards changes of age’s distribution, are to be reason of a special focus to most elderly. Although the best conditions where today the aged lives, doesn`t always mean that everything is well. Thus the functional decline and the loss of life quality, that are characteristics inherent to the aging, associated to the increase of the number of aged, raise innumerable challenges to the contemporary societies and new social problems, one of which is violence. It is imperious that professionals join efforts to minimize them.

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Professora Adjunta na Escola Superior de Saúde Vale do Sousa, fribeirbranco@gmail.com

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When we talk about violence, there is no doubt that we are more close to human rights. Therefore, where doesn`t exists respect for life and for the integrity of the human being, where the conditions of dignity are not assured, where the privacy and the identity of the individual are object of improper mediation, and where the equality isn`t granted, the dignity of the human being is threatened . The dignity of the human being, of the elderly, and the respect that they deserve are independent to age and the consequences that it brings for the physical and or psychic health.

KEY WORDS: Aged, violence, responsibility, dignity

I N TROD U Ç ÃO As transformações demográficas, especialmente as mudanças dos padrões de distribuição de idades, conduzem a uma atenção especial sobre os mais idosos, numa proporção que é nova na história humana. O aumento do número de idosos levanta muitos desafios às sociedades contemporâneas e faz aparecer novos problemas sociais, entre os quais sobressai o tema da “violência”. É fundamental que os profissionais juntem esforços no sentido de os minimizar. Ao debruçarmo-nos sobre a violência em contexto familiar, não temos dúvidas que estamos a encarar uma questão de direitos humanos. Pois, onde não houver respeito pela vida e pela integridade do ser humano, onde as condições para a dignidade não estiverem asseguradas, onde a intimidade e a identidade do indivíduo forem objecto de ingerência indevida, e onde a igualdade não for garantida, não se verificará espaço para a axiologia. A dignidade da pessoa humana, idosa, e o respeito que lhe é devido são independentes da idade e das consequências que ela traga para a saúde física e/ou psíquica. Considera-se que o declínio funcional e a perda da qualidade de vida são características inerentes à velhice. O vasto conjunto de questões dirigidas à pessoa idosa, contextualizadas numa trajectória de ciclo vital familiar, é motivo de uma reflexão que melhor permitirá compreender a importância de alguns factores sociodemográficos na prestação de cuidados aos idosos. O avanço tecnológico, que proporciona melhorias na qualidade de vida em geral, e nos cuidados de saúde, em particular, está entre as causas mais citadas para o envelhecimento populacional em todo o mundo. O progresso inegável da Medicina e das ciências farmacêuticas, tem permitido que a população idosa alcance padrões de bem-estar, nunca vividos antes; novos medicamentos, novas tecnologias de diagnóstico, novos recursos de intervenção terapêutica, melhores condições de vida, permitem o prolongamento da saúde, a redução da doença e, com isso, menor comprometimento da autonomia física com o avançar da idade. Os 65 anos têm sido aceites, tanto pela OMS, como pelo código jurídico português, como padrão, a partir do qual uma pessoa pode ser definida como idosa. Sobre esse marco etário, são calculados 111


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vários índices de envelhecimento e de dependência, que têm repercussões económicas e sociais. A população idosa é crescente em todo o mundo. As estatísticas nacionais recentes indicam que também, em Portugal, o contingente de idosos tem crescido de forma considerável e hoje já é habitual falar-se nos idosos jovens (dos 65 aos 75 anos), dos idosos (dos 75 aos 85 anos) e dos grandes idosos ou de uma 4ª idade, constituída por pessoas idosas com mais de 85 anos, também ela crescente. Apesar das melhores condições, em que hoje se vive, o idoso nem sempre tem boa saúde, autonomia e independência. É natural que com o avançar da idade surjam, mais ou menos lentamente, algumas limitações, umas decorrentes do próprio envelhecimento, outras decorrentes de processos patológicos crónicos inerentes também ao próprio envelhecimento. Muitas são as dificuldades enfrentadas pelos idosos no decorrer da sua velhice, sendo várias delas decorrentes da fragilidade e vulnerabilidade próprias do estado fisiológico, mental e muitas vezes social, cultural, económico e familiar. Tais fragilidades podem torná-los vítimas, potencialmente, da crescente violência social observada nos nossos dias. Em muitas situações o facto dos familiares próximos deixarem de ser cuidadores principais das gerações precedentes, aliado à falta de preparação das instituições, dos sujeitos e dos profissionais para lidar com as questões particulares, que o processo do envelhecimento acarreta, tem feito crescer um conjunto de sofrimentos, que acabam por atingir os idosos. Entre eles, está a violência que aumenta consideravelmente em todo o mundo. Na opinião de Dias (2004) a emergência da questão da violência contra idosos, como um problema social, está ligada a quatro factores essenciais: o acentuado envelhecimento da população nas sociedades ocidentais; a inclusão desta forma de violência no espectro geral da violência doméstica, o que fez com que os idosos passassem a ser considerados como vítimas possíveis de uma forma particular de violência na família; sentimento ambivalente em relação à terceira idade, o que significa que a par de uma preocupação social com os idosos e com o seu bem-estar, existe um sentimento negativo relativamente a esta fase da vida (ou seja, os idosos são encarados, cada vez mais, como um peso em virtude de serem pessoas dependentes); e o último está ligado ao crescimento da preocupação social com os idosos, enquanto potenciais vítimas de crime (Dias, 2004, p.142). Assim, estando consciente desta situação, aliada às dificuldades que os idosos e a família vivenciam nesta fase da vida, torna-se importante reflectir nesta temática “a violência ao idoso: Qual responsabilidade dos Profissionais?”, tendo em consideração o novo conceito de “terceira idade/ quarta idade”, vida mais longa em sentido temporal, mas pondo tónica na qualidade durante os anos acrescentados à vida. Na opinião de Tortosa, a violência é “uma agressão em que vence o poderoso sobre o débil, o abuso deixa marca de assimetria de poder. Parece que são os mais fortes que têm o direito de anular e 112


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impor aos mais débeis e vulneráveis, pela força e de forma gratuita, as normas que orientam a convivência” (idem, 2004, p.13). Na opinião do mesmo autor são talvez os maus-tratos às pessoas idosas que têm sido o último fenómeno violento convertido em fenómeno social. “Há cada vez mais investigações que mostram a existência de maus-tratos e negligência a pessoas idosas. É um dado público que muitos idosos sofrem abandono, negligência, desprezo e maus-tratos, não só nas instituições que os acolhem, como também no seio das suas famílias das quais fazem parte” (idem). É um fenómeno que, longe de ser uma questão isolada, vai aumentando proporcionalmente ao aumento do número de idosos, praticado de várias formas em todos os grupos sociais. Na sociedade contemporânea, os dispositivos legais admitem, de forma consensual, que os cuidados dos idosos são de responsabilidade concomitante da família, da sociedade e do Estado. Assim, retoma-se a centralidade da família com auxílio e suporte do Estado. No entanto, a família de hoje é diferente da de outrora, quer na sua estrutura, quer na sua dinâmica, apesar de se esperar que desempenhe as mesmas funções do “antigamente”, de entre as quais cuidar dos seus elementos mais velhos. Tal facto, nem sempre é realizado pela família com vontade e disponibilidade. Pela falta de respostas sociais e de apoio da comunidade aos idosos, o lar é o lugar onde a violência mais ocorre, e, apesar disso não ser justificação, é preciso também reconhecer que a sociedade contemporânea colocou novas responsabilidades na vida familiar, que alteram os papéis sociais tradicionais e as estruturas que sustentam os modos de vida em família. Todos sabemos que até há poucas décadas, o papel de cuidadora atribuído à mulher podia ser desempenhado sem o acumular de tarefas que hoje, forçosamente, lhe é imposto. Assim, o que se verifica hoje é que grande parte das violências contra idosos ocorre em casos em que diferentes gerações convivem na mesma unidade doméstica; uma evidência de que o convívio multigeracional, nem sempre pode ser visto como garantia de velhice bem sucedida e nem mesmo como um sinal de relações mais amistosas entre as sucessivas gerações. O convívio entre as gerações tem sido imposto pelo empobrecimento da população, pela estrutura e crescimento desorganizado das cidades, factores que se associam à ausência de políticas públicas voltadas para a saúde e a assistência, contribuindo para que a população idosa fique à mercê da violência social, física e psicológica. Desse modo, a precariedade social e económica tem contribuído, de forma contundente, na construção e na constituição do fenómeno da violência. Por outras palavras, a violência estrutural pode ser o fio condutor da violência que atinge o idoso e a família. A esse contexto desfavorável soma-se o facto de que, no mundo actual, o idoso deixou de ser o depositário da experiência familiar e comunitária. Ao contrário, a sociedade contemporânea estimula o indivíduo a adoptar estratégias de combate à decadência. 113


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O prolongamento da vida fez surgir dificuldades próprias do envelhecimento: o prolongamento da existência torna mais frequente o convívio com portadores das muitas doenças degenerativas, que atingem os idosos, comummente caracterizadas pelo declínio cognitivo. Assim, o idoso tem a sua imagem associada à decadência, à perda de habilidades cognitivas e de controlos físicos e emocionais, fundamentos importantes da autonomia dos sujeitos; e as várias doenças crónicas, de que são portadores, colocam-nos em estado de dependência, que exige cuidados para os quais a família nem sempre está disponível, motivada e ou mesmo preparada (Nogueira, 2008). Poderão surgir muitas outras causas para explicar o fenómeno da violência, mas todo este contexto, por si só, poderá criar condições e situações que impulsiona a violência. Tortosa (2004) defende que um sector importante da nossa sociedade todavia não aceita que estes casos ocorram, na residência, porque considera que somente se dão nas instituições e parece impensável que os idosos possam ser mal tratados nos seus próprios lares. Sem dúvida, hoje, reconhece-se que os idosos sofrem maus-tratos e / ou abandono nas instituições, no seu próprio domicílio, e nas famílias que os cercam. Também Alves (2009) refere que, de acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA), as situações de maus-tratos não estão confinadas aos que vivem marginalizados pela sociedade ou estão institucionalizados, mas estão bem dentro do nosso meio de vida. A mesma associação (1999) menciona os seguintes factos: a) A maioria dos incidentes de abuso não se dá em lares ou instituições, é importante saber-se que apenas cerca de 4% (dados Norte-Americanos) dos idosos estão em instituições e que nestes a larga maioria tem as suas necessidades básicas satisfeitas sem a experiência de qualquer tipo de abuso e que b) a maioria dos casos de abuso passa-se em casa, visto que é aqui que a larga maioria de idosos vive. Quando se dá o abuso ele é perpetrado por familiares ou outros cuidadores pagos para exercerem essa função. Muitas vezes, o abuso é subtil, não sendo fácil discernir entre o stress de certas situações interpessoais e o abuso tipificado (Alves 2006) Refere ainda que não há um padrão único de abuso no lar. Muitas vezes, o abuso é a continuação de um longo padrão de abuso físico ou emocional naquela família. A forma mais comum de abuso será, talvez, derivada de mudanças relacionais e de situações de vida, advindas da progressiva fragilidade e da dependência, em que o idoso fica dos seus familiares. Assim nem só são os idosos, que estão frágeis ou doentes, que estão sujeitos ao abuso. Os que têm perturbações mentais ou estão deprimidos também estão. Mas mesmo que não estejam, em nenhuma destas condições, os idosos podem estar sujeitos ao abuso. Nesse cenário, os desafios que a violência contra o idoso levanta, merecem ser analisados.

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Cada vez mais somos confrontados com situações ou relatos de violência por vários meios. O aumento do número de idosos levanta diversos desafios às sociedades contemporâneas e cria novos problemas sociais, dos quais o tema dos maus-tratos é apenas um de muitos e que, entre nós, parece ainda não ser reconhecido como tal. Portugal não é excepção. Na comunicação social, a cada passo se lêem e ouvem histórias trágicas de violência familiar. Há relatos da imprensa que mostram a qualidade e a extensão desses conflitos. A APAV registou um aumento de 20,4 % num ano, tendo passado de 545 vítimas de crime, em 2006, para 656 em 2007. Das vítimas que recorreram às APAV, os idosos têm vindo a aumentar anualmente. Pelos dados disponíveis verificou-se que no 1.º semestre de 2008 atingiu 309 casos na faixa etária com mais de 65 anos, 8,4% dos registos totais. Segundo fonte oficial da PSP, em 2007, "a tendência é a de que se registe um aumento da criminalidade denunciada neste contexto". "Não necessariamente pelo aumento de crimes, mas antes pelo aumento das queixas", explicou a mesma fonte. (Jornal “O Público”, 2008) Apesar das notícias e das queixas, há quem defenda que a violência sempre existiu; no entanto, por medo e por falta de apoio e de incentivo, as denúncias não eram feitas. Porém, tem aumentado nos últimos anos, talvez porque há quem afirme que ela é uma verdade camuflada. Os idosos são vítimas silenciosas, já que não apresentam queixa por medo. o que indica ou leva apensar que a “violência conhecida” será a ponta de um iceberg, já que na sua maioria é desconhecida. Muitos idosos, vítimas de violência, provavelmente nem terão perfeita consciência de que estão a ser alvo de mau trato. A notificação da violência, exigida pela lei, tem um papel fundamental, nomeadamente, no combate à violência contra o idoso. No entanto, esse papel pode ser optimizado, se não se limitar a uma função meramente punitiva. A notificação pode ser um instrumento de protecção dos direitos do idoso e uma medida que permite articular acções e recursos públicos e privados, que somem esforços para promover acções solidárias e reconstruir relações afectivas. Se os saberes e as práticas institucionais, se valerem da notificação para ampliar a análise da dinâmica das relações intra e extra – familiares, então amplia-se a compreensão dos modos como as condições sociais, económicas e culturais afectam a dinâmica familiar. Se essa compreensão puder contribuir para criar alternativas de intervenção sobre os conflitos, então a notificação pode ser o primeiro passo na protecção do idoso e na defesa dos seus direitos. Ao debruçarmo-nos sobre a violência em família, não temos dúvidas que estamos cada vez mais ligados aos direitos humanos. Pois, onde não houver respeito pela vida e pela integridade do ser humano, onde as condições para a dignidade não estiverem asseguradas, onde a intimidade e a identidade do indivíduo forem objecto de ingerência indevida e onde a sua igualdade não for garantida, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana.

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Para a OMS, os maus-tratos na terceira idade podem ser definidos como “acto único ou repetido, ou ainda, ausência de acção apropriada que cause dano, sofrimento ou angústia e que ocorram dentro de um relacionamento de confiança” (OMS 2002). Enquanto profissionais de saúde, devermos reflectir sobre as questões ligadas á vulnerabilidade social, onde se insere a violência no idoso, cujas evidências deixam crer que cada vez mais é praticada, embora ainda não se conheça a sua total dimensão. É nossa opinião que este problema de grande sensibilidade merece muita atenção social, educativa e clínica, por parte de todos os profissionais de saúde, cuja missão passe pelo contacto com idosos. (Tortosa, 2004, p.18). Tarde ou cedo, muitos idosos vão acabar os seus últimos dias de vida num hospital. Muitos, talvez, se estivermos atentos, com sinais de maus-tratos. Toda esta problemática conduz-nos a algumas questões enquanto profissionais de enfermagem: o que temos feito para minimizar os efeitos de maus-tratos ao idoso? Que encaminhamento damos a estas situações?

R E S PON S AB I LID AD E É TI C A DO S PROFI S SION AI S D E S AÚ D E Falar sobre a responsabilidade dos profissionais de saúde, nesta matéria, é falar sobre uma realidade que assume contornos cada vez mais evidentes e em que os profissionais de saúde deverão encetar esforços no sentido de os minimizar. Será imprescindível dizer que cada profissão possui os seus próprios princípios éticos, as regras que regulam a conduta dos seus membros e as suas relações, não só entre si mas, igualmente, com os outros profissionais de saúde, as pessoas doentes, a sociedade em geral e, em particular, o idoso. O Código Deontológico dos Enfermeiros enumera um conjunto de princípios e deveres que devem nortear a prática dos profissionais. Além de abordar aspectos jurídicos, enuncia princípios éticos que são fundamentais, com destaque para a defesa da dignidade humana, a igualdade e a responsabilidade, entre outros. As regras deontológicas contribuem para a formação de uma consciência ética, orientada não só para a manutenção de valores actuais, mas reconhecendo a tensão dialéctica entre tais valores e emergência de novos desafios, a fim de se melhorar a actividade profissional. No entanto é preciso que os profissionais estejam sensíveis, despertos e abertos a esses novos desafios. Citando Brito “apesar das normas deontológicas assumirem uma natureza jurídica, fica um amplo espaço de intervenção para a consciência ética individual do profissional, que se defronta sempre com particularismos do caso concreto....” (2007, p.123). De facto, a dificuldade poderá surgir quando se trata de aplicar os princípios a uma realidade concreta.

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A ética tem a ver com a interioridade do sujeito que age, com o fundamento do agir. Descreve, fundamenta os princípios que estão na base e na orientação do agir humano. É imperativo ético (penso que ninguém questiona) que os profissionais de saúde devem, na sua prática quotidiana, fazer tudo o que estiver ao seu alcance para prestar cuidados mais seguros e de excelência à pessoa idosa. Assim da actuação do profissional de saúde exige-se compromisso e responsabilidade para analisar os princípios morais envolvidos e, também, o assumir das consequências das decisões tomadas.

QUAL DEVERÁ SER O PAPEL DOS PROFISSIONAIS? Considerando os princípios básicos da Gerontologia, busca-se a promoção da saúde das pessoas idosas; a diminuição da incidência de declínio funcional através da prevenção de doenças, sequelas e complicações; a manutenção da capacidade funcional do idoso de forma a preservar a sua independência e autonomia;

compete ainda, aos profissionais de saúde, a identificação da

ocorrência de violência e a elaboração de estratégias de intervenção, adequadas para manter a pessoa idosa protegida. A dignidade da pessoa humana e o respeito que lhe é devido são independentes da idade e das consequências que ela traga para a saúde física e ou psíquica. Deste modo, é preciso romper com o preconceito cultural existente contra o idoso que torna difícil o reconhecimento da violência. Considera-se que o declínio funcional e a perda da qualidade de vida são características inerentes à velhice. Muitas vezes, os profissionais não se querem envolver nas questões familiares, alegando que são de domínio privado e furtam-se à responsabilidade profissional de preservar e proteger a saúde daquele idoso. Assim, qualquer que seja a intervenção, ela deve promover o respeito dos direitos à privacidade e autodeterminação da pessoa idosa. Respeitar a autonomia do idoso é um valor supremo. A autonomia está ligada à liberdade individual e à oportunidade de desenvolvimento pessoal. As decisões individuais, porque são autónomas, tornam-se num bem essencial, desde que não venham a ferir o valor da dignidade humana e a sua expressão básica - a vida e o respeito que lhe é devido. Na prática profissional, a adopção deste princípio implica que os profissionais de saúde passem a ter, em linha de conta, a vontade dos idosos, nomeadamente no que diz a atender e a respeitar as suas escolhas. Devemos dar –lhe aoportunidade de escolher o seu próprio caminho. Na verdade, o cuidado deve ser orientado e contextualizado na vida de cada um, ajustando, de forma eficaz, as respostas de apoio, tendo como objectivo melhorar o bem-estar e a qualidade de vida de cada um. Se fôr esse o desejo do idoso, devem ser feitos esforços concentrados na manutenção da pessoa

idosa em ambiente domiciliar em segurança. Caso seja necessário

institucionalização, deve ser sempre considerada uma alternativa e não um fim.

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recorrer à


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Pelo princípio de não maleficência, não causar dano de forma intencional ou negligente, trata-se de respeitar a vontade do utente na óptica do seu melhor interesse e, preferencialmente, sem o prejudicar. Poderão existir, como já foi referido, inúmeras manifestações abusivas num contexto de fragilidade, motivado por situações diversas. Atrevo-me a dizer que todos nós somos potenciais maltratantes, por acção ou por omissão, ou por mera negligência, contribuindo para o agravamento da vulnerabilidade. Em vez de advogados ou agentes promocionais do idoso, zelando pelo escrupuloso respeito pelos seus direitos, somos antes cúmplices de uma tendência que privilegia os mais jovens, como se a juventude fosse, por si só, garantia da longevidade e de produtividade social. Cumpre-nos reconhecer que é inaceitável que o aumento da longevidade signifique, para muitos, solidão, tristeza e dependência. No caso de uma pessoa idosa vitimizada, o acompanhamento deve incluir a monitorização da eficácia das medidas de suporte e a revisão periódica do plano de intervenção. A justiça distributiva, ao relacionar-se com a afectação de recursos, é de difícil resolução sobretudo quando os meios são parcos, mas não poderá contribuir para aumentar ou agravar a violência. Assim, perante estes dilemas, é necessário juntar esforços de forma a que a violência possa ser minimizada através de um diagnóstio , prevenção ou tratamento eficazes. Todos os membros da equipa têm um papel fundamental. Outros profissionais podem ser chamados a dar o seu parecer. Compartilhar a tomada de decisões é fundamental para apoiar adequadamente os profissionais. Deve ser reforçada a ideia de que os procedimentos terão de ser feitos de maneira cuidadosa, para não expor o idoso a maior risco e explorar todos os recursos da comunidade, para ajudar na protecção da pessoa idosa O suporte familiar através da orientação para as questões relativas ao idoso, para tomada de decisões, para divisão de responsabilidades dos familiares e para informação, sobre a rede de apoio e suporte comunitário, são eficientes, para a manutenção do idoso na comunidade livre de riscos.

Assim, será necessário por parte dos Profissionais: - Competência profissional e sensibilidade humana, respondendo às necessidades com eficácia e eficiência. Logo a formação dos profissionais que actuam nesta área é essencial para identificação, tratamento e prevenção da violência; - Respeito pela privacidade, intimidade familiar e confidencialidade; - Compromisso com a defesa e protecção dos direitos dos idosos; - Estabelecimento de uma relação baseada na confiança; - Informação e consciencialização da sociedade sobre a questão da violência a pessoa idosa;

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- A pesquisa sobre a questão da violência, para conhecer melhor a extensão e a natureza da violência contra idosos, definindo necessidades e avaliando a eficácia de modelos de prevenção e de intervenção; - Desenvolver programas educativos para idosos, que possibilitem o desenvolvimento da sua capacidade de autocuidado, ajuda mútua, bem como a defesa do direito de autodeterminação; - Estimular políticas públicas de prevenção de violência que contemplem serviços adequados para dar apoio a adultos vulneráveis, promovendo a coesão familiar e a solidariedade intergeracional; -Incentivar a formulação de políticas públicas que contemplem o tema “envelhecer em casa”; - Cuidar de quem cuida.

C ON CL U S ÃO Por tudo o que foi referido e em jeito de conclusão, podemos afirmar que a dignidade da pessoa humana e o respeito que lhe é devido, são independentes da idade e das consequências que ela traga para a saúde física e psíquica. Desenvolver ensino e investigação em Gerontologia que poderá, em larga medida, levar à prevenção da perda da qualidade de vida das pessoas idosas, a manter por mais tempo a sua autonomia e a reforçar a consciência da sua dignificação pessoal. É imperativo ético que os problemas dos idosos, nomeadamente os que se traduzem numa injusta deturpação da sua condição de cidadãos, devem constituir uma preocupação de todos os cidadãos, nos quais os profissionais de saúde se incluem. Finalmente, parece-nos pertinente considerar que o envelhecimento e a condição do idoso, na sociedade contemporânea, colocam questões que devem ser abordadas e tratadas em termos científicos. Porém, a resposta a estas questões apela também a um juízo crítico que a reflexão ética traz consigo. Uma vez que as sociedades modernas criaram as condições para aumentar a esperança média de vida dos seus membros, mas não têm sido totalmente eficazes na busca de soluções adequadas para o enquadramento social do idoso.

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS BEAUCHAMP, T. L. – Princípios de ética Biomédica. Barcelona: Masson. 1999 BRITO, J. H. (coord.) - Ética das Profissões. Publicações da Faculdade de Filosofia – Braga: Universidade Católica Portuguesa.2007 DIAS, Isabel – Violência na Família. Uma Abordagem Sociológica. Santa Maria da Feira: Edições Afrontamento. 2004

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PAUL, Constança; FONSECA, António Manuel (Coordenadores) – Envelhecer em Portugal. Lisboa. Climepsi Editores. 2005 PINTO, Anabela Mota (Coord.) – Envelhecer Vivendo. Coimbra. Quarteto. 2001 TORTOSA, J.M.– Personas Mayores y Malos Tratos. Madrid: Edições Pirámide. 2004 GORDON, Robert M. ; BRILL Deborah – “ The abuse and neglect of the elderly”. In: Internacional of Law and Psychiartry 24 (20019 183-197 RONALD. A. Chez, – “Elder Abuse the continuum of family violence”. In: Preventive Care Update. Vume6, Number 4, 1999 JONES, Jeffrey S. ; HOLSTEGE, Cristopher; HOLSTEGE, Henry- “ Elder Abuse and Neglect: Understing the Causes and Potencial Risk Factores”. In: American Journal of Emergency Medicine, Volume 15, Number 6, October 1997 SINHOROTO, Maria José, - “ Experiências que propiciem a superação de Maus Tratos, Abuso e Violência contra a Pessoa Idosa”- EXPERIÊNCIAS EXECUTADAS POR ASSOCIAÇÃO MUNICIPAL DE APOIO COMUNITÁRIOTrabajo Nominado – Categoría Organizaciones sin fines de lucro . 2ª Ed. Concurso “UNA SOCIEDAD PARA TODAS LAS EDADES, Octubre 2006 ALVES, José Ferreira -“Avaliação do Abuso e Negligência de Pessoas Idosos: Contributos para a sistematização de uma visão forense dos maus-tratos In Press: In R. Abrunhosa e C. Machado (Eds). Psicologia Forense. Coimbra: Quarteto NOGUEIRA, A.(2008). Competências dos cuidadores principais: perspectiva dos enfermeiros comunitários. (Dissert. de Doutoramento policop.). Porto. Universidade Portucalense. http://tv1.rtp.pt/noticias/index.php - “Estudos mostram idosos portugueses com pensões baixas e vítimas de violência “ 2 de Outubro de 2008 http://www.google.pt/search?hl=ptPT&q=P%C3%BAblico+5+de+Abril+2008+APAV&meta= Violência Doméstica

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15 – VIOLÊNCIA NO LOCAL DE TRABALHO

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AMORIM GABRIEL SANTOS ROSA

I N TROD U Ç ÃO A violência no local de trabalho tem vindo a tornar-se num fenómeno alarmante em todo o mundo, sendo a sua dimensão real largamente desconhecida e o conhecimento actual, apenas a ponta do iceberg. Em alguns países o problema atingiu uma dimensão tal que se transformou numa “epidemia nacional” e num “problema ocupacional de dimensões significativas” (Fletcher et al., 2000), o que determinou que a partir dos finais dos anos 80 se tenha assistido a uma preocupação crescente com o problema da violência no local de trabalho (Chappell e Di Martino, 1998). A violência ocorre em todos os ambientes de trabalho. Contudo, alguns sectores estão particularmente expostos como é o caso dos serviços de saúde, onde os seus profissionais constituem um grupo particular de elevado risco de exposição à violência (Chappell e Di Martino, 1998; Arnetz et al., 1996; Hewitt e Levin, 1997), sendo hoje claro que, apesar de algumas discrepâncias nas estimativas de exposição, todos os trabalhadores dos serviços de saúde têm contacto com a violência ou com as suas sequelas, não só os que trabalham em serviços de maior vulnerabilidade, como os serviços de psiquiatria (Whittington et al., 1996; Sullivan, 1999). A incidência de episódios de violência dirigida aos enfermeiros é bem conhecida. De todos os profissionais de saúde, são estes, as principais vítimas de violência (Whittington, cit. in Shepherd e Lavender, 1999; Nabb, 2000; Ferrinho et al., 2003; Fottrell, 1980; Jansen, 2005), principalmente porque a natureza da sua profissão exige múltiplas interacções diárias com os doentes (Jansen, 2005). Há também um consenso recente de que existe uma associação entre violência, agressão e certas formas de doença mental (Palmestierna e Wistedt, 1988; Pearson et al., 1986; Wallace et al., 1998), apesar desta relação se mostrar complexa e a avaliação do risco ser difícil e pouco precisa.

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Assistente 2º triénio, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, amorim@esenfc.pt

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Assim, se os enfermeiros são a classe profissional mais exposta à violência nos serviços de saúde, este problema é substancialmente mais grave quando analisamos o que acontece nos serviços de Psiquiatria. A violência contra os profissionais de saúde acarreta importantes consequências ao nível individual, institucional e social (Di Martino et al., 2003; Arnetz, 2001), afectando directamente e de forma grave a saúde física e/ou mental dos profissionais atingidos, prejudicando o seu desempenho futuro e a qualidade dos cuidados, estando, ao nível do sector de enfermagem, directamente associada ao aumento do absentismo por doença, maiores níveis de mudança de local de trabalho, diminuição da satisfação profissional e quebra na produtividade.

D E FI NIÇ ÃO DO P RO BL EM A Estudos teóricos e empíricos sobre a violência em contexto psiquiátrico mostram-nos que a ocorrência de incidentes violentos e a forma como são geridos pelos profissionais, tem que ser entendida como o produto da interacção de diversas variáveis. Entre elas, as variáveis associadas ao próprio doente e.g. tipo de patologia (Swanson et al., 1990), características do ambiente e.g. tipo de serviço (Bradley et al., 2001) e variáveis da equipa, e.g. atitudes (Shanda e Taylor cit. in Jansen, 2005). O presente estudo foca uma das variáveis relacionadas com a equipa: as atitudes dos enfermeiros perante a violência e os seus preditores. Um dos factores conhecidos como estando directamente associado ao manejo da agressão, para além das competências técnicas, é a atitude dos profissionais de saúde perante o comportamento agressivo, constituindo um elemento importante e preditivo do tipo de cuidados prestados (Jansen et al., 2005). A investigação que tem sido feita procurando avaliar as atitudes dos profissionais de saúde perante a agressão tem focado a sua atenção principal nas cognições. Só alguns estudos utilizam a componente “atitude” no sentido da avaliação do comportamento agressivo. No modelo defendido por Jansen (2005), tendo por base a Teoria do Comportamento Planeado (Ajzen, 1991) e a Teoria da Aprendizagem Social (Bandura, 1999), a atitude perante um objecto (pessoa ou acontecimento) é um preditor do comportamento. Desta forma, o paciente agressivo deve ser considerado como o objecto e o manejo da agressão pelos enfermeiros, o comportamento a ser predito com base no tipo de atitude.

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METODOLOGIA Realizámos um estudo metodológico/observacional, descritivo do tipo transversal, no qual foram analisados alguns resultados obtidos através da EAPA (Escala de Atitudes Perante a Agressão), de modo a podermos responder à seguinte questão de investigação: Que factores poderão ser considerados como preditores dos diferentes tipos de atitudes perante a agressão? O trabalho que realizámos desenvolveu-se na Região Centro, sendo a população estudada composta pelos enfermeiros a prestar cuidados em unidades de Psiquiatria do Hospital de Sobral Cid; Hospital Psiquiátrico de Lorvão; Centro Psiquiátrico de Recuperação de Arnes e Clínicas Masculina e Feminina dos HUC. Para a compreensão da validade preditiva das variáveis independentes relacionadas com características pessoais da amostra e, de forma a responder à questão de investigação “Que factores poderão ser considerados como preditores dos diferentes tipos de atitudes perante a agressão?”, realizámos uma análise multivariada (análise de regressão, método stepwise), considerando-se como variáveis dependentes, os quatro factores da EAPA (Escala de Atitudes Perante a Agressão) e como variáveis independentes, o sexo, o tipo de horário, a experiência profissional, o tipo de serviço, o uso de medidas restritivas, a formação em técnicas para lidar com a agressão e a categoria profissional. As variáveis independentes que utilizámos foram escolhidas tendo por base alguns dos factores pessoais e do ambiente considerados por Jansen (2005) como possíveis determinantes das diferentes atitudes perante a violência. Os vários factores referidos por Jansen resultam de diversos estudos que identificaram variáveis relacionadas com a ocorrência de violência (e.g. Fottrell, 1980; Whittington et al., 1996; Katz e Kirkland, 1990; Nijman et al., 1997; Cunningham et al., 2003 etc.). Para podermos realizar a análise de regressão, as variáveis independentes ou preditivas foram codificadas em variáveis categoriais (qualitativas do tipo nominal) incluindo: “sexo” (1 – masculino; 2 – feminino); “tipo de horário” (1 – fixo; 2 – rotativo); “experiência profissional” (1 – ≤ 10 anos; 2 – > 10 anos); “tipo de serviço” (1 – internamento curto; 2 – internamento longo); “uso de medidas restritivas” (1 – uso; 2 – não uso); “formação em técnicas para lidar com a agressão” (1 – sim; 2 – não); “categoria profissional” (1 – Enf./Enf. Graduado; 2 – Especialista/Chefe)

A E S C AL A D E ATI TU D E S PE R AN TE A AG R E S S ÃO ( E AP A)

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A EAPA (Escala de Atitudes Perante a Agressão) é uma escala de autoavaliação capaz de avaliar as atitudes dos profissionais de saúde perante a violência. Consiste em 18 proposições que os enfermeiros identificam como definições relevantes de agressão, apresentadas sob a forma de escala de tipo Likert. As opções de resposta variam de “concordo totalmente”, opção à qual é atribuída uma pontuação 5, até “discordo totalmente”, com uma pontuação de 1. A escala foi validada por nos num estudo realizado em hospitais psiquiátricos e serviços de Psiquiatria da Região Centro e compreende 4 tipos diferentes de atitudes medidos pelas seguintes subescalas: 1 – Atitude ofensiva – agressão vista como comportamento nocivo, desagradável e inaceitável, incluindo a agressão verbal (10itens). 2 – Atitude destrutiva – agressão vista como indicador de ameaça, acto de violência ou dano físico (3 itens). 3 – Atitude comunicativa – agressão vista como um sinal resultante de um sentimento de inferioridade do doente visando aprofundar a relação terapêutica (3 itens). 4 – Atitude de protecção – agressão vista como forma de protecção ou defesa do espaço físico e emocional (2 itens). O formato das correlações entre os diferentes tipos de atitudes sugere a existência de dois domínios básicos divergentes. Os componentes “comunicação/protecção” por um lado, e os componentes “ofensa/destruição”, por outro.

C ON S TI TU IÇ ÃO DA AM O S TR A A amostra utilizada para este estudo é uma amostra não probabilística, composta por 158 enfermeiros de ambos os sexos, a trabalhar em serviços de internamento de psiquiatria, num dos quatro hospitais da região centro: - Hospital Sobral Cid; Hospital Psiquiátrico de Lorvão, Centro Psiquiátrico de Recuperação de Arnes e Clínicas Psiquiátricas dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Os dados foram recolhidos através de um questionário de auto preenchimento sendo a população elegível constituída por todos os enfermeiros a trabalhar nos hospitais/serviços definidos para a realização do estudo. Dos 247 questionários distribuídos, foram devolvidos 176, (70,45%), dos quais 18, (7,28%) foram eliminados por apresentarem incorrecções, sendo a nossa amostra constituída pelos restantes 158 questionários, (63,97%).

124


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

A tabela 1 descreve as características demográficas da amostra. Os sujeitos representam de forma semelhante ambos os sexos, repartindo-se de forma heterogénea pelas quatro instituições. Verificamos que do total da amostra, cerca de metade dos enfermeiros, (49,3%) trabalham no Hospital Sobral Cid. Destes, 21,5% em serviços de internamento de doentes agudos, 10,1% em serviços de doentes crónicos/residentes e 17,7% em serviços de inimputáveis. Os restantes 50,7% dos enfermeiros repartem-se pelas outras três instituições, pertencendo 12% aos Hospitais da Universidade de Coimbra, clínicas masculina e feminina; 26,7% ao Hospital Psiquiátrico de Lorvão e os restantes 12% ao Centro Psiquiátrico de Recuperação de Arnes. Do total da amostra, cerca de metade dos enfermeiros (54,4%) trabalham em serviços de doentes em fase aguda; (26,6%) trabalham em serviços de doentes crónicos/residentes e (19%) em serviços de doentes inimputáveis. Observamos que a grande maioria dos sujeitos tem como habilitações académicas a licenciatura (81%), a categoria profissional de enfermeiro ou enfermeiro graduado (74,7%), dez ou mais anos de experiência profissional (61,4%) e tem como tipo de horário, o horário rotativo (91,1%). T ABELA Nº 1 – FREQUÊNCIA E PERCENTAGENS DAS CARACTERÍSTICAS DEMOGRÁFICAS DA AMOSTRA

(n = 158) Variável

%

158

Sexo Masculino

82

51.9

Feminino

76

48.1

158

Habilitações académicas 9º ano ou inferior 11º ano

3

1.9

0

0

12º ano

0

0

Bacharelato

19

12.0

Licenciatura

128

81.0

8

5.1

Outro

158

Categoria profissional Enf./ Enf. Graduado Enf. Especialista Enf. Chefe

118

74.7

30

19.0

10

6.3

158

Experiência profissional 0 a 5 anos 6 a 10 anos Superior a 10 anos

42

26.6

19

12.0

97

61.4

158

Tipo de horário Horário rotativo Horário fixo

144

91.1

14

8.9

158

Serviço onde trabalha HSC – Clínicas M e F

125

34

21.5

16

10.1


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

HSC – Residentes

28

17.7

HSC – Inimputáveis

19

12.0

HUC – Psiquiatria H e M

24

15.2

HPL – Clínicas M e F

16

10.1

HPL – Residentes

2

1.3

HPL – Inimputáveis

9

5.7

CPRA – Agudos

10

6.3

CPRA – Crónicos

R E S UL T AD O S /CON C L USÕ ES R E L AC ION AD O S COM A Q U E S T ÃO D E I NV E S TIG AÇ ÃO Os valores obtidos, expressos no quadro 1, mostram que o factor I (atitude ofensiva) depende das variáveis “tipo de horário praticado”, “categoria profissional”, formação em técnicas de lidar com a agressão” e “uso de medidas restritivas”. As quatro variáveis explicam uma percentagem significativa da variância do factor (18,4%). O factor III (atitude comunicativa) depende da variável “experiência profissional”, sendo a percentagem de variância explicada de 2,6%. Finalmente, o factor IV (atitude de protecção) depende da variável “género”, sendo esta responsável por uma variância explicada de 3,3%. É de salientar ainda que a variável “tipo de serviço” não prediz qualquer das atitudes expressas nos quatro factores da EAPA e o factor II “Atitude destrutiva” não depende de nenhuma das variáveis independentes estudadas. Assim, para o universo estudado (n=158), as variáveis “tipo de horário praticado”, “categoria profissional”, formação em técnicas para lidar com a agressão” e “uso de medidas restritivas” determinam, de forma significativa, a dimensão “ofensa”; as dimensões “comunicação” e “protecção” são determinadas, também de forma pouco significativa, pela experiência profissional e pelo género, respectivamente. Desta forma ter um horário por turnos, usar regularmente medidas restritivas, ter menor categoria profissional e não ter formação em técnicas para lidar com a agressão, são factores preditivos da identificação com a “atitude ofensiva”; ter maior experiência profissional é factor preditivo da identificação com a “atitude comunicativa” e, finalmente, ser do género masculino prediz uma identificação com a “atitude de protecção”. Dito de outra forma, ser do sexo masculino e ter maior experiência profissional significa uma maior identificação com o fenómeno da violência entendido como comportamento ou energia humana positiva (Jansen et al., 2005); trabalhar por turnos, usar regularmente medidas restritivas, ter menor categoria profissional e não ter formação em técnicas para lidar com a agressão, significa uma maior probabilidade de identificação com atitudes negativas perante o comportamento agressivo (idem).

126


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

QUADRO Nº 1 – RESULTADOS DA ANÁLISE DE REGRESSÃO

V. Dependentes

Factor I

V. Independentes

R2

β

T

Sig.

Tipo de horário

.063

.251

3.235

.001

Formação em técnicas para lidar com agressão

.034

.185

2.354

.020

.059

-.243

-3.129

.002

.028

-.169

-2.146

.030

Uso de medidas restritivas Categoria profissional Factor II

-

-

-

-

-

Factor III

Experiência profissional

.026

.162

2.047

.042

Factor IV

Sexo

.033

-.183

-2.321

.022

Nota: As variáveis dependentes são constituídas pelos scores totais dos itens das quatro subescalas

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128


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

16 - SER FAMILIAR DO DOENTE MENTAL: ANSIEDADE DO CUIDADOR

34

35

BETO I.C. MARTINS , SÓNIA F.S. ALVES

RESUMO Este estudo tem como principal objectivo identificar o nível de ansiedade do familiar cuidador do doente mental internado nas Casas de Saúde da RAM. A sua finalidade passa pela sensibilização dos leitores, em particular dos profissionais de saúde, para a necessidade iminente de reconhecer a importância do cuidador informal, como entidade que concomitantemente cuida e necessita ser cuidada. A nossa amostra englobou um total de 60 prestadores de cuidados. Destes, a maioria pertence ao sexo feminino (73,3%), e o grupo etário dos 46-60 anos é o mais representativo (33,3%). Os familiares mais próximos (cônjuges e mães) são os que, maioritariamente, assumem o papel de cuidador. Da população estudada, 53,3% não recebe qualquer tipo de apoio, e 55% desconhece a patologia associada ao quadro clínico do seu familiar doente. O tratamento dos dados foi efectuado através da estatística descritiva. O instrumento de avaliação da ansiedade foi o Inventário STAI-Y de Spielberger, traduzido e adaptado para a população portuguesa em 2000, no estudo: Validação e Aferição do State Trait Anxiety Inventory Form Y para a população de adolescentes portugueses – Avaliação das características psicométricas, aplicado a 3771 indivíduos, por Ponciano et al. Segundo os autores supracitados (2000), os valores normativos de ansiedade para os sexos masculino e feminino, da população portuguesa em geral são, respectivamente, de 37,23 e 38,33 para a ansiedade traço e 40,01 e 41,67 para a ansiedade estado. No que se refere aos níveis de ansiedade manifestados pela população do presente estudo, pode constatar-se que são superiores comparativamente à média normativa, à excepção dos níveis de ansiedade traço para o sexo masculino. Assim, para os sexos masculino e feminino, os valores médios são, respectivamente, de 38,25 (menos 1,76) e 48,32 (mais 6,65) para a ansiedade traço, e 38,94 (mais 1,71) e 52,91 (mais 14,58) para a ansiedade estado. Inferiu-se, também, que os valores médios de ansiedade estado (49,18) identificados são superiores aos níveis médios de ansiedade traço (45,63). Estes resultados vêm corroborar com os resultados obtidos em estudos anteriores 34

Licenciado em enfermagem, SESARAM, EPE (Centro de Saúde de Santana)

35

Licenciada em enfermagem,SESARAM, EPE (Serviço de Medicina Hospital dos Marmeleiros 3º Piso Nascente)

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

(Santos, 2003), onde uma situação de doença mental na família origina um novo foco, e embora todos os elementos sofram de ansiedade, o cuidador será provavelmente o mais afectado.

PALAVRAS-CHAVE: Doente Mental, Família, Cuidador Informal, Ansiedade Estado, Ansiedade Traço.

I N TROD U Ç ÃO A primeira referência sobre o sofrimento dos familiares prestadores de cuidados surgiu em 1946 com Treudley, que introduziu o conceito de “burden” (sobrecarga do cuidador) na literatura psiquiátrica inglesa. Este refere-se às consequências negativas resultantes, especificamente, da existência do doente mental na família, e conceitua-se tendo em conta duas dimensões: a objectiva e a subjectiva, (Bandeira e Barroso, 2005). A sobrecarga objectiva refere-se às consequências negativas concretas e observáveis resultantes da presença do doente mental na família, (Maurin e Boyd, 1990; Tessler e Gamache, 2002; Martens e Addington, 2001 citado por Bandeira e Barroso, 2005). Por outro lado, a sobrecarga subjectiva refere-se à percepção ou avaliação pessoal do familiar cuidador sobre a situação, envolvendo ainda a sua reacção emocional e o seu sentimento de estar a sofrer uma sobrecarga, atribuída por si à presença do doente mental na família. (Maurin, Boyd, 1990; St. Onge, Lavoie, 1997 citado por Bandeira e Barroso, 2005). Tanto a sobrecarga objectiva como a subjectiva podem acarretar problemas físicos, psicológicos, emocionais, sociais e financeiros, que acabam por afectar não só o bem-estar do doente, mas também do familiar cuidador. Assim, verifica-se a existência de evidências de que a sobrecarga sentida pelos familiares cuidadores dos doentes mentais pode resultar em consequências negativas para a sua saúde mental, diminuindo assim a sua qualidade de vida, (Bandeira e Barroso, 2005). A ansiedade surge então como exemplo de uma manifestação da actividade emocional ou afectiva em que predominam os sentimentos desagradáveis, como o mal-estar, a apreensão, a preocupação, a expectativa, a intranquilidade e o desamparo. No entanto, como fenómeno psicológico representa um dos mecanismos de adaptação do organismo às circunstâncias de stress e de tensão, (Eibsfelt, 1971, citado por Fonseca, 1985). A ansiedade é, de entre as várias emoções humanas, a mais investigada e sobre a qual se têm debruçado vários teóricos com variadas perspectivas da sua génese e caracterização. Neste estudo, a ansiedade foi perspectivada de acordo com a teoria de ansiedade traço-estado de Spielberger, que comunga alguns dos princípios da teoria cognitivista da ansiedade.

130


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

A teoria elaborada por Spielberger, considera a ansiedade simultaneamente como fenómeno psicológico complexo que envolve tensão e ameaça, como estado emocional transitório e ainda como um traço de personalidade. De acordo com Spielberger (1981) os indivíduos quando interpretam uma situação como perigosa ou ameaçadora experimentam: tensão, apreensão e preocupação. Sofrem uma série de alterações fisiológicas e de comportamento resultantes da activação ou excitação do sistema nervoso autónomo. A intensidade da reacção decorre numa razão proporcional à magnitude do perigo ou da ameaça percebidos. Os dois constructos fundamentais da teoria de Spielberger são a ansiedade estado e ansiedade traço. Para Spielberger (1981), ansiedade estado é considerada um estado emocional temporário, transitório, ou uma condição do organismo humano em que surgem sentimentos desagradáveis de tensão de apreensão, nervosismo e preocupação, conscientemente percebidos e por um aumento da actividade do sistema nervoso autónomo, susceptíveis de variar quer de intensidade, quer ao longo do tempo, em detrimento do significado que o estímulo, ou tensão, exerce no indivíduo e na interpretação que esse indivíduo faz, como situação ameaçadora ou geradora de perigo. A ansiedade traço diz respeito às diferenças individuais na predisposição para desenvolver ansiedade, ou seja, para interpretar e gerir um conjunto de circunstâncias que são ameaçadoras, respondendo-lhes com reacções de ansiedade estado, que são variáveis.

METODOLOGIA Tendo em conta o problema de investigação “será que o nível de ansiedade dos familiares cuidadores do doente mental internado nas unidades de agudos das Casas de Saúde da RAM é mais elevado do que o da população portuguesa em geral?”, desenvolvemos um estudo quantitativo, descritivo simples de carácter transversal, tendo como principais objectivos: identificar o nível de ansiedade do familiar cuidador do doente mental internado nas unidades de agudos das Casas de Saúde da RAM (Casas de Saúde: Câmara Pestana e São João de Deus); e comparar o nível de ansiedade do cuidador do doente mental com os níveis de ansiedade da população portuguesa em geral. Neste estudo de investigação foram incluídos todos os familiares (principais prestadores de cuidados) que visitaram o seu familiar doente, nos dias 17, 18, 19, 26 de Março e 2 de Abril do ano 2006. Como tal, a nossa amostra foi aleatória por conveniência e englobou um total de 60 prestadores de cuidados. Utilizamos como instrumento de colheita de dados, um formulário constituído por duas partes: a primeira parte com catorze perguntas fechadas de descrição/caracterização da amostra e a segunda

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

parte formada por um inventário de ansiedade STAI-Y de Spielberger, traduzido e adaptado para a língua portuguesa, por Ponciano et al (2000). No formulário de descrição/caracterização abordámos as seguintes variáveis de atributo: idade, sexo, nacionalidade, estado civil, habilitações literárias, profissão/ocupação, grau de parentesco, relação com o familiar doente, aproximação dos familiares, acontecimentos vitais e diagnóstico do familiar doente. No tratamento dos dados utilizámos o programa SPSS 14.0, através do qual foram calculados valores de localização e de dispersão, entre outros dados descritivos que permitiram caracterizar a nossa população. No sentido de termos um instrumento de comparação, na análise dos dados, tivemos como referencia os valores normativos de ansiedade estado e traço da população portuguesa em geral (ver quadro 1). QUADRO Nº 1 – VALORES NORMATIVOS DA ANSIEDADE ESTADO E TRAÇO DA POPULAÇÃO PORTUGUESA EM GERAL

Ansiedade Estado

Ansiedade Traço

Sexo

Desvio

Média

Desvio Padrão

Média

Masculino

37,23

10,68

40,01

9,20

Feminino

38,33

10,79

41,67

9,21

Padrão

Fonte: Ponciano et al (2000), Validação e Aferição do State Trait Anxiety Inventory Form Y para a população de adolescentes portugueses – Avaliação das características psicométricas.

P RI N CIP AI S R E SUL T AD O S E DI SC U SS ÃO Cerca de 66.7% da nossa amostra evidenciou níveis de ansiedade estado superiores aos encontrados na população portuguesa em geral, este resultado confirma as nossas expectativas em que a situação de doença mental tem repercussões no sistema familiar e mais precisamente no familiar que assume o papel de principal prestador de cuidados.

IDADE E SEXO VERSUS ANSIEDADE ESTADO E ANSIEDADE TRAÇO A nossa amostra é constituída essencialmente por indivíduos do sexo feminino (73.3%) e heterogénea no que se refere à faixa etária, tendo o cuidador mais novo 15 anos e o mais velho 77 anos de idade, como tal agrupámos os indivíduos em 4 classes etárias. A classe etária com maior representatividade é a pertence aos indivíduos com idades compreendidas entre os 46 e os 60 anos de idade. 132


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Relativamente aos níveis de ansiedade expressos (ver gráfico n.º2) podemos observar que foram os indivíduos do sexo feminino que manifestaram maiores níveis de ansiedade quer estado (52,91) quer traço (48,32), tal resultado vem corroborar com os dados apresentados por Kaplan e Sadok, (1988), em que afirmam que cerca de 5% da população pode sofrer de ansiedade aguda ou crónica, porém a distribuição entre os sexos é de dois para um entre mulheres e homens, respectivamente. Relativamente à idade foram os indivíduos com idade igual ou superior a 61 anos que evidenciaram maiores níveis de ansiedade estado (53%). Este resultado poderá estar relacionado com o facto de estes cuidadores apresentarem uma menor disposição para desenvolver mecanismos de coping eficazes. Além do que, à medida que a idade avança, as preocupações com o destino do familiar doente tornam-se inevitáveis, pois como afirma (Freitas et al, 2000) com o passar dos anos e com a consciencialização da proximidade da morte, os pais acabam aprisionados por uma angústia insolúvel que é fruto das incertezas que cercam o futuro do seu filho. Relativamente à faixa etária dos 15-30 anos, pode observar-se que a diferença entre os dois tipos de ansiedade é superior aos valores registados nas outras faixas etárias, apresentando valores médios de ansiedade estado iguais a 48,15 e valores médios de ansiedade traço iguais a 41,69. Tais dados, suscitam-nos que o impacto da doença mental faz-se notar sob uma forma mais intensa nestes indivíduos, o que poderá dever-se às alterações de papéis que se exige a estes indivíduos. Segundo Helm (2001), os filhos devem assumir a responsabilidade adequada à idade e desfrutar dos privilégios próprios desta. GRÁFICO Nº 1 – IDADE VERSUS ANSIEDADE ESTADO E TRAÇO

60 40 20 0 15-30 31-45 46-60 61 e mais

Total de Estado

Total de Traço

GRÁFICO Nº 2 – SEXO VERSUS ANSIEDADE ESTADO E ANSIEDADE TRAÇO

60

50

52,91 48,32

40

30

Total de Estado

38,94 38,25

20

10

Total de Traço

0

Masculino

Feminino

133


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

GRAU DE PARENTESCO VERSUS ANSIEDADE ESTADO E TRAÇO Com base nos resultados obtidos e expressos no gráfico n.º3, pode verificar-se que os elementos do agregado familiar que assumem o papel de prestador de cuidados do doente mental são: em primeiro lugar o cônjuge com a maior percentagem (25%), seguido das mães (18,3%). Segundo Neri (1994), citado por Silveira (2000) embora possam haver variações no que diz respeito ao grau de parentesco, na maior parte das vezes, quem assume o papel de cuidador são os familiares mais próximos e mais comummente os indivíduos do sexo feminino. Freitas et al (2000), no seu estudo: Vivências dos Pais, enquanto Cuidadores de um Filho com Esquizofrenia, concluiram também que são as mães que maioritariamente assumem o papel de cuidadoras informais. Relacionando com os níveis de ansiedade manifestados verifica-se que são as mães que apresentam maiores níveis de ansiedade estado com um valor médio de 64,91. Este facto poderá ser justificado pelo estabelecimento de um vínculo entre a progenitora e o ser criado, que assume dimensões que estão para além da biológica. Além disto, habitualmente as mães constroem um conjunto de sonhos e expectativas em relação aos seus filhos, que quando impedidos de se realizar geram ansiedade. Isto acrescido do facto de serem indivíduos do sexo feminino, que só por si já constitui um factor de predisposição. GRÁFICO Nº 3 – GRAU DE PARENTESCO VERSUS ANSIEDADE ESTADO E ANSIEDADE TRAÇO

70 60 50

Ansiedade Estado

40 30

Ansiedade Traço

20 10

O ut ro

Fi lh os

s

Pr im os

ão

i Pa

M ãe

Irm

C

ôn j

ug e

0

APROXIMAÇÃO DOS FAMILIARES VERSUS ANSIEDADE ESTADO E TRAÇO Em relação à aproximação entre os elementos do agregado familiar, pode verificar-se que não houve um desfasamento significativo entre as respostas positivas e as negativas; ou seja; entre a “aproximação” (51,7%) e a “não aproximação” (48,3%). Porém pode constatar-se que, de um modo

134


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

global, os prestadores de cuidados que referiram que houve uma aproximação dos restantes familiares em relação a estes, manifestam níveis de ansiedade estado e de traço inferiores: 45,90 e 43,32, respectivamente (ver gráfico n.º4). Segundo Carter e McGoldrick (2001), citado por Alencar; et al (2004) em geral a doença mental exerce uma força centrípeta sobre o sistema familiar, esta atitude constitui uma força para a reorganização familiar e ajuda a superar as dificuldades sentidas. Pelos dados obtidos neste estudo, pode inferir-se que se os níveis de ansiedade foram mais baixos nos familiares que referiram uma aproximação da unidade familiar, então, este facto poderá ser encarado como uma força da família no sentido de solucionar/resolver o problema. GRÁFICO 4 – APROXIMAÇÃO DOS FAMILIARES VERSUS ANSIEDADE ESTADO E ANSIEDADE TRAÇO

60 50

Ansiedade Estado

40 30

52,69

45,9

48,1

Ansiedade Traço

43,32

20 10 0 Sim

Não

CONCLUSÕES/SUGESTÕES A teoria sistémica da família diz-nos que “a família, como um todo, é maior que a soma das partes” e acrescenta que “a mudança em um membro afecta a todos na família” (Wright e Leahey, 2002). Assim, o aparecimento de uma situação de doença mental num elemento do agregado familiar terá repercussões em todo o sistema familiar, gerando uma situação de desequilíbrio que desencadeia uma crise, obrigando a uma reorganização familiar. A par desta reorganização, ocorrem mudanças a nível comportamental, cognitivo e emocional. Assim, a família, e mais precisamente o familiar prestador de cuidados, poderá manifestar o impacto dessa situação de doença. Um dos sinais expressos resultantes desse impacto é precisamente a ansiedade. Desta forma, os familiares do doente mental e mais especificamente o elemento cuidador, deverão constituir um desafio e um foco de atenção importante, por parte dos profissionais de saúde, inclusive dos enfermeiros para que através da união de esforços entre uma equipa multidisciplinar sejam encontradas respostas perante as necessidades, quer reais quer potenciais, que advêm de quem vive esta problemática.

135


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Ao analisar declarações de alguns autores (Friedman, 1997 citado por Wright e Leahey, 2002; pp. 1415), corroboramos com a mesma ideia e podemos afirmar que apesar da abordagem centrada na família constituir a expressão de um ideal e não uma prática prevalente – não apenas no paciente internado, mas também na comunidade e situações clínicas, os enfermeiros têm o compromisso e obrigação de incluir as famílias nos cuidados de saúde prestados.

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17 - TOQUE TERAPÊUTICO NA SAÚDE MENTAL

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37

38

CARLA LOPES CARDOSO ; MARIA CONCEIÇÃO RODRIGUES ; MARIA CECÍLIA LONGARITO ; MARIA 39

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GUSTAVA MARTINS ; RICARDO FILIPE ROCHA

RESUMO O Toque Terapêutico pode constituir um instrumento de trabalho muito vantajoso para os enfermeiros, sobretudo para os enfermeiros especialistas em Saúde Mental e Psiquiatria, pois permite aliviar alguns sintomas presentes no doente mental. Com o presente artigo pretendemos analisar a implementação do Toque Terapêutico como meio de intervenção no contexto da Saúde Mental e Psiquiatria e contribuir para a aquisição de competências por parte dos enfermeiros no domínio do Toque Terapêutico, de modo a que o uso desta técnica se torne comum nos cuidados especializados. A análise efectuada neste artigo começa com uma abordagem relacional entre as terapias complementares e a saúde mental baseada em pesquisa bibliográfica. Posteriormente, são abordados conceitos acerca da referida terapia e apresentado o procedimento. São ainda apresentados alguns artigos recentes que permitem mostrar a eficácia da utilização destas terapias. A análise efectuada permitiu constatar que esta terapia pode contribuir para melhorar os cuidados prestados ao doente mental, pelo que há necessidade de realização de mais estudos sobre esta temática.

PALAVRAS-CHAVE: Toque Terapêutico; Saúde Mental; Enfermagem.

ABSTRACT Therapeutic Touch may be a precious work tool for nurses, especially for Mental Health and Psychiatry Specialists, since it enables the release of some of the symptoms usually found on patients suffering from psychological disease. In this article we wish to analyze the implementation

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Enfermeira, Instituto da Droga e Toxicodependência - Unidade de Desabituação do Norte, carlaloc@gmail.com

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Enfermeira, Centro de Terapêutica Combinada do Hospital Joaquim Urbano, mcrodrigues@hotmail.com

38

Enfermeira, Serviço de Medicina do Hospital S. João, cecília.longarito@gmail.com

39

Enfermeira, Unidade de Queimados do Hospital S. João, gustava.a.martins@gmail.com

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Enfermeiro, Centro de Terapêutica Combinada do Hospital Joaquim Urbano, ricardo_enfermeiro@hotmail.com

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of therapeutic touch as a form of intervention in a Psychiatric and Mental Health context and contribute to the acquisition of therapeutic touch skills by nurses, as a form of promoting the use of this technique. The analysis presented on this article starts with a relational approach between complementary therapies and Mental Health based on bibliographic research. Afterward, some concepts related to this therapy are presented, followed by the procedure and a reference to recent articles which show that the use of these techniques is efficient. Our analysis shows that this therapy may contribute to the improvement of health care provided to patients suffering from psychological diseases. Therefore, we believe that more studies should be carried out.

KEY WORDS: Therapeutic Touch; Mental Health; Nursing

I N TROD U Ç ÃO Nos últimos tempos ouvimos falar em terapias designadas por alternativas ou não convencionais ou ainda, como a maioria dos profissionais que as utiliza prefere, complementares, termo que tem menos conotações negativas e dá condições para o profissional as utilizar em conjunto com terapias convencionais. Na área da saúde, a nível mundial, há um enorme interesse por este tipo de terapias, demonstrado quer por profissionais quer por utentes. Um exemplo deste interesse pode ser observado no documento “Legal status of traditional medicine and complementary/alternative medicine: a world review” da OMS. Neste documento, a OMS refere que a medicina tradicional inclui […] a diversity of health practices, approaches, knowledge, and beliefs incorporating plant, animal, and/or mineral-based medicines; spiritual therapies; manual techniques; and exercises, applied singly or in combination to maintain well-being, as well as to treat, diagnose, or prevent illness.

41

No mesmo documento, refere-se ainda que: Traditional and complementary/alternative medicine has demonstrated efficacy in areas such as mental health, disease prevention, treatment of noncommunicable diseases, and improvement of the quality of life for persons living with chronic diseases as well as for the ageing population. Although further research, clinical trials, and evaluations are needed, traditional and complementary/alternative medicine has shown great potential to meet a broad spectrum of health care needs. […] The World Health Organization encourages and supports Member States to integrate traditional and

41

Legal Status of Traditional Medicine and Complementary/Alternative Medicine: A Worldwide Review, 2001, p.1

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complementary/alternative medicine into national health care systems and to 42 ensure their rational use. Nestas citações torna-se evidente que a OMS considera que as terapias complementares trazem grandes benefícios ao sistema de saúde, já que constituem uma abordagem mais humanista em detrimento do sistema biomédico, que na nossa opinião é despersonalizado e reducionista. De entre as várias terapias complementares existentes abordaremos o Toque Terapêutico. Florence Nightingale abordou as terapias alternativas que influem na interacção entre pessoa e meio ambiente, abordagem que seria mais tarde consolidada pela teoria de Martha Rogers. O Toque Terapêutico, trata-se de uma terapia que foi introduzida na enfermagem pela Dra. Dolores Krieger, professora de enfermagem na Universidade de Nova Iorque. Os princípios científicos que sustentam esta prática são o modelo teórico de Martha Rogers. Nesta fase, torna-se pertinente descrever os objectivos propostos para este artigo que serão analisar a implementação do Toque Terapêutico como meio de intervenção no contexto da saúde mental e psiquiatria e contribuir para a aquisição de competências por parte dos enfermeiros no domínio do Toque Terapêutico, de modo a que o uso desta técnica se torne comum nos cuidados especializados. A elaboração deste artigo foi apoiada na pesquisa bibliográfica e na reflexão. A metodologia utilizada baseia-se no método descritivo. Como partes constituintes deste documento poderemos encontrar, após a introdução, uma abordagem relacional entre as terapias complementares e a saúde mental. Posteriormente, serão abordados conceitos acerca da referida terapia e apresentado procedimento. Serão ainda analisados alguns artigos recentes que permitam mostrar a eficácia da utilização desta terapia. Finalmente, na última parte do artigo será apresentada a conclusão.

O TOQU E TE R AP Ê U TI CO NO CO NTE X TO D A E N F E R M AG E M EM S AÚ D E M E N T AL Nos dias que correm cada vez mais ouvimos falar em terapias complementares e exemplo disso é o facto de algumas já estarem integradas na Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE.), versão beta contemplada no eixo C – Recursos sendo considerada entidade 43

usada no desempenho da acção de enfermagem . Embora o Toque Terapêutico ainda não seja aqui mencionado, poderemos constatar que no livro “Diagnósticos, resultados e intervenções de

42 43

Legal Status of Traditional Medicine and Complementary/Alternative Medicine: A Worldwide Review, 2001 p.4

CONSELHO INTERNACIONAL DE ENFERMEIRAS, 2003, CIPE/ICNP Beta 2, p.171

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enfermagem – ligações entre NANDA, NOC e NIC” o mesmo é considerado como uma intervenção. Colliére no livro Promover a Vida refere: Em que é que procuramos inserir, a nível dos cuidados de enfermagem, técnicas tão variadas como sejam as de expressão do corpo: estética, relaxação, mímica, dança, arte, música, pintura, ou os grupos de expressão sobre a doença, sobre o medo de estar doente? Graças às correntes oriundas da psiquiatria e das medicinas paralelas, enfermeiros e enfermeiras começam a iniciar-se nestas 44 novas abordagens e a integrá-las na sua prática de cuidados. Na verdade existe na enfermagem uma crescente necessidade de ir buscar a toda a espécie de domínios tecnologias variadas e recriá-las, repensá-las, readaptá-las, com vista, a uma prática de cuidados.

45

Tendo em conta o apelo efectuado no Plano Nacional de Saúde Mental que aponta para uma maior participação de enfermeiros (…) e uma melhor preparação dos profissionais em aspectos 46

essenciais dos cuidados de saúde mental , parece imperioso a utilização desta técnica como um recurso na Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria. Para além de que é uma técnica não invasiva onde o doente é visto na sua individualidade melhorando a qualidade de vida e assistência. Tal como já foi referido, os princípios científicos que sustentam esta técnica é o modelo rogeriano que segundo Sequeira é centrado na pessoa, pretende ter do Homem uma visão holística e pressupõe que todo o individuo se encontra inserido num mundo de experiências em permanente mudança, valoriza o relacionamento entre o indivíduo e o mundo natural.

47

O TOQ UE TE R AP Ê U TI CO No final da década de 60, Oskar Estabany, coronel húngaro, utiliza o toque terapêutico na cura do bócio. Kunz, conhecedora do seu trabalho, convida Dolores Krieger, enfermeira nova-iorquina a observar o trabalho de Estabany. Esta aceita de imediato e acompanha de perto várias sessões. Ao chegar à conclusão que esta prática tinha resultados no alívio e promoção da cura, Krieger dedica-se ao seu estudo e aplicabilidade. Dolores Krieger, enfermeira e professora na escola de enfermagem de Nova Iorque, e Dora Kunz desenvolvem, na década de 70, o toque terapêutico como técnica contemporânea de terapia 44

COLLIÉRE, Marie-Françoise, 1999, p.271 COLLIÉRE, Marie-Françoise, 1999, p.271 PLANO NACIONAL DE SAÚDE MENTAL 47 SEQUEIRA, Carlos, 2006, p.37 45 46

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complementar e introduzem-na na prática da enfermagem com o intuito de promover a saúde física e emocional. Esta técnica fica também conhecida por técnica de imposição de mãos. As bases científicas desta terapia sustentam-se no princípio de que o ser humano possui um campo energético que se pode estender para além da pele. Neste campo energético flui uma energia abundante em padrões que se pretendem equilibrados. O Toque Terapêutico tem como referência teórica a “Ciência do Ser Humano Unitário” de Martha Rogers. O modelo conceptual de Rogers refere que o ser humano é unitário, continuo, evolutivo, indivisível, incerto e em interacção energética com o meio ambiente. Para Rogers, o homem é um todo unificado em constante relação com o meio com o qual troca incessantemente matéria e energia e que se diferencia dos outros seres vivos pela sua capacidade de trocar com este meio e de fazer interacções que lhe permitam desenvolver o seu potencial. É, portanto, objectivo deste modelo promover uma interacção harmoniosa entre o indivíduo e o seu meio de modo a fortalecer a consciência e integridade do ser humano bem como dirigir e redirigir os padrões de interacção existentes entre o ser humano e o seu meio para conseguir o máximo potencial de saúde. Assim, a linha rogeriana transforma a prática de enfermagem num sistema terapêutico independente, promovendo a saúde baseada na utilização da energia e em processos não invasivos. Diversas suposições científicas básicas orientaram os fundamentos lógicos do Toque Terapêutico:

Todas as ciências da vida concordam que, sob o aspecto físico, um ser humano é um sistema de energia aberto;

Sob o aspecto anatómico, o ser humano é bilateralmente simétrico. Essa simetria é aparente tanto no sistema circulatório como no sistema nervoso. (…) Essa simetria é a base racional para concluir que existe também um padrão no campo de energia humana subjacente. Essa suposição é o fundamento da avaliação do estado de energia do paciente feita por quem pratica o Toque Terapêutico.

A doença é um desequilíbrio do campo de energia do indivíduo;

Os seres humanos têm habilidades naturais para transformar e transcender suas 48 condições de vida.

Quanto à definição do Toque Terapêutico, propomos a definição de Krieger que o define como sendo um método de cura baseado no uso consciente das mãos para dirigir ou modular, para fins 49

terapêuticos, energias humanas não físicas seleccionadas que activam o corpo físico. para o aplicar é necessário que o enfermeiro tenha conhecimento destas energias.

48

KRIEGER, Dolores, 1993, p.29 KRIEGER, Dolores, 1993, p. 22

49

141

Assim,


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Tal como refere a mesma autora, o Toque Terapêutico só diz respeito às energias vitais. As 50

energias humanas básicas incluem vitalidade, emoção, pensamento, altruísmo e espiritualidade . Assim, convém distinguir os vários tipos de energia. Para tal, consideraremos três tradições de energia: Os campos de energia do homem da tradição de mistério ocidental; O sistema dos chakras das energias subtis dos indianos; O sistema de Chi (energia vital) e dos meridianos na medicina chinesa.

51

Segundo Williams, os campos de energia do homem têm vários níveis:

Cada nível de energia interactua com o seu vizinho e, sugere-se que o desenvolvimento e a organização do corpo físico são precedidos de energia. Assim, no desenvolvimento do corpo físico, o campo de organização começa no nível causal ou do puro espírito, que, então, cria uma matriz de organização a nível mental, que, por sua vez, faz o mesmo a nível astral, passando depois para o nível etérico e, finalmente, as matrizes de organização manifestam-se na forma física – o corpo humano. Assim, e é aqui que a perspectiva energética do corpo difere enormemente da perspectiva mecanicista, a organização energética precede a organização física, 52 não o contrário. Em relação ao sistema dos chakras, este pode ser definido como vórtices de energia ou centros de energia que existem nos nossos níveis ou corpos de energia subtil e que dão acesso directo à 53

estrutura celular do corpo físico . Isto é, os chakras são “portas de entrada de energia” que permitem o intercâmbio energético com o meio. Sempre que estejam bloqueadas surge a doença. Existem sete grandes centros chakra, nomeadamente: básico/de raiz, esplénico/sacral, plexo solar, cardíaco, laríngeo, frontal e coronal. Estes chakras estão ligados entre si e ao corpo por canais de energia subtil denominados “nadis”. Quanto ao sistema de Chi e dos meridianos, A energia Chi do universo penetra a nível da energia etérica, tendo acesso ao corpo através dos maiores e menores pontos de acupunctura e fluindo até às estruturas celulares por intermédio dos gradientes e das concentrações de energia que designamos por sistema de meridianos

54

(canais por onde circula a energia). Ou seja, no corpo

humano existem canais por onde circula a energia, denominados meridianos, sendo que doze são principais e oito extraordinários. No percurso dos meridianos existem portas de entrada, que são

50

KRIEGER, Dolores, 1996, p. 40 WILLIAMS, 1996, p.173 WILLIAMS, 1996, p. 174 53 WILLIAMS, 1996, p. 175 54 WILLIAMS, 1996, p. 177 51 52

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os pontos de acupunctura, que nos permitem comunicar com o interior. Sempre que o fluxo energético é desequilibrado surge a doença. Finalmente, uma referência à distinção feita por Williams entre a medicina ocidental e a medicina chinesa: A perspectiva mais mecanicista da medicina ocidental leva-nos continuamente a uma forma de pensar que equaciona a doença com algo que fez com que um determinado aspecto do nosso mecanismo biológico tivesse uma quebra no funcionamento. Esta inevitabilidade leva a concepções de tratamento que se centram principalmente na “peça” avariada. Há ocasiões em que esta perspectiva é apropriada e leva a tratamentos eficazes e de valor, mas cria situações psicológicas que por vezes se podem tornar contraproducentes. A medicina chinesa, por outro lado, começa por pensar na doença como uma situação que surge de influências que perturbam a harmonia e o equilíbrio de todo o sistema de energia e, apesar de se manifestarem como um sintoma específico, 55 somos encorajados a nunca perder de vista o “todo em equilíbrio. O Toque Terapêutico é, nos dias de hoje, praticado e ensinado em diversas escolas de enfermagem, nomeadamente do Canadá e do Reino Unido, países onde já existe legislação. Em 2004 esta terapia foi recomendada pelo Departamento de Saúde e Envelhecimento da Austrália, com o intuito de substituir a limitação e coarctação física em doentes agitados. Para além da Europa e Estados Unidos, é também utilizado noutros continentes mais pobres como é o caso da Ásia e de África. Como se pode ler no Legal Status of Traditional Medicine and Complementary/Alternative Medicine: A Worldwide Review da O.M.S: In fact, one-third of the world’s population and over half of the populations of the poorest parts of Asia and Africa do not have regular access to essential drugs. However, the most commonly reported reasons for using traditional and complementary/alternative medicine are that it is more affordable, more closely corresponds to the patient’s ideology, and is less paternalistic than allopathic medicine. Regardless of why an individual uses it, traditional and complementary/ alternative medicine provides an important health care service to persons both with and without geographic or financial access to allopathic 56 medicine. Seguidamente, passamos a identificar algumas vantagens que esta terapia pode trazer para a enfermagem e para o indivíduo. A primeira grande vantagem é o facto de ser barato e fácil de aplicar pois não é invasivo nem há necessidade de usar qualquer tipo de instrumento ou instalações próprias. Apesar do nome, não implica contacto físico, pelo que não há necessidade de o doente se despir. Por outro lado, é uma terapia com resultados comprovados em várias

55 56

WILLIAMS, 1996, p.85 Legal Status of Traditional Medicine and Complementary/Alternative Medicine: A Worldwide Review, 2001, p.3

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indicações terapêuticas. Finalmente, é uma terapia que pode e deve ser usada em complementaridade com outras. Krieger, por exemplo, propõe a combinação desta técnica com massagens, shiatsu, ioga e exercícios de imagens mentais. Com efeito, o Toque Terapêutico, como nos diz Krieger, não é uma cura milagrosa; é apenas uma oportunidade de aproveitar o potencial humano de ajudar ou curar a si mesmo ou aos outros.

57

Tendo em conta estas vantagens, surgem uma questão que merece resposta: Se o Toque Terapêutico é já uma prática de milhares de enfermeiros no Canadá e Estados Unidos da América, porque não ser uma prática de enfermagem em Portugal? Considerámos que o sistema de saúde português só tem a beneficiar com um maior investimento nesta terapia por parte dos enfermeiros portugueses. Apesar de tudo o Toque não tem só vantagens, pelo que há algumas questões que devem ser tidas em conta. A primeira é que a sua aplicação requer equilíbrio, concentração, disciplina e treino por parte do enfermeiro. Por outro lado, os resultados são por vezes lentos e difíceis de observar, até porque há algum preconceito associado a esta terapia, que é muitas vezes confundida com magia e misticismo. Por fim, requer tempo e disponibilidade e pode criar problemas físicos, nomeadamente posicionais, no enfermeiro. De facto, estão identificados na literatura alguns efeitos nocivos e sinais de alerta para a saúde do enfermeiro, designadamente, cefaleias, sonolência, letargia, astenia, mialgias, queda de cabelo, anemias, descalcificação óssea e artrite (punho). Contudo, quando bem aplicada, esta terapia pode trazer vários benefícios para a saúde. Segundo Krieger (1993), o Toque Terapêutico tem os seguintes efeitos:

57

Relaxamento. A primeira reacção do paciente é um relaxamento muito rápido que, em muitos casos, ocorre em dois a quatro minutos.

Redução da dor. Sob o aspecto clínico, há uma melhoria significativa ou o desaparecimento da dor. Muitas vezes, isso acontece quando os analgésicos já não fazem mais efeito para pessoas doentes.

Aceleração do processo de cura. De modo primário porque a reacção e o alivio da dor tem efeitos salutares sobre o sistema imunológico do paciente o Toque Terapêutico acelera o processo de cura.

Alívio de doenças psicossomáticas. Dos sistemas fisiológicos sensíveis ao Toque Terapêutico, o mais sensível, a meu ver, é o sistema nervoso vegetativo. O Toque

KRIEGER, Dolores, 1993, p. 28

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Terapêutico dá os melhores resultados na maior parte das disfunções desse sistema, que 58 estão no centro do que é conhecido como doenças psicossomáticas. A aplicação do Toque Terapêutico tem diversas indicações terapêuticas. Contudo, só serão abordadas neste artigo as que estão ligadas à saúde mental: controlo da intensidade de dor; controlo de estados de stresse; controlo da ansiedade; intolerância à actividade e distúrbios do sono.

PROCEDIMENTO Relativamente à aplicação do Toque Terapêutico é necessário ter em conta algumas recomendações. O enfermeiro só deve efectuar o Toque Terapêutico se se sentir bem. Para tal é fundamental viver com positividade e fazer um auto-tratamento diário, que consiste na realização de alguns exercícios de reequilíbrio energético. Antes de cada sessão, o mecanismo do Toque Terapêutico deve ser explicado ao doente para que seja eliminado o possível preconceito magia/misticismo e para que este se prepare e concentre no tratamento que vai receber. Algumas recomendações mais práticas incluem lavar as mãos no início e final do tratamento (com sal, para as desmagnetizar), manter-se descalço durante todo o tratamento e praticar esta terapia com acompanhamento. De

seguida

serão

apresentadas

as

diversas

fases

do

Toque

Terapêutico:

energização/concentração, diagnóstico/avaliação, tratamento e avaliação. A. Energização/Concentração: O ponto principal da entrada no processo do Toque Terapêutico é o acto de “centralizar” a própria consciência. Centralizar é investigar-se, é voltar-se para dentro de si mesmo para explorar seus níveis mais profundos. (…) compreender o 59 seu próprio ser e o seu relacionamento com o universo. Malta sugere que para efectuar a energização/concentração é necessário lavar as mãos; concentrar-se (não pensar em nada); mobilizar a energia; direccionar a energia; concentrar a energia nas mãos; criar um campo energético entre as mãos; impor as mãos (sem toque físico) na área seleccionada.60 B. Diagnóstico/Avaliação: A fase de avaliação do Toque Terapêutico fornece “dicas” acerca dos problemas do paciente. As “dicas” que você capta no campo de energia do paciente são subjectivas e, portanto, podem ser ou não as “dicas” percebidas por outra pessoa 58 59 60

KRIEGER, Dolores, 1993,p.30 KRIEGER, Dolores, 1993, p. 33 MALTA, 2008

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que esteja avaliando o mesmo campo de energia. (…) Nenhuma percepção de uma pessoa é mais certa do que a de outra. O importante é que cada um de nós esteja disposto a testar suas sensibilidades a fim de criar uma base de realidade 61 que sirva para ajudar ou para curar. Malta refere que para realizar o diagnóstico/avaliação é essencial percorrer o campo energético; “palpar” sem toque físico; deslocação das mãos no sentido crânio – extremidades; observar todas as sensações; o campo energético normal é harmónico e de padrão uniforme; estar atento às potenciais sensações.

62

As sensações que podem ser sentidas durante o diagnóstico podem ser uma ou mais das seguintes combinações:

Diferenças de temperatura, como uma sensação de calor ou frio;

Pressão ou senso de congestão no fluxo de energia;

Mudanças ou falta de sincronização na ritmicidade intrínseca do campo de energia do paciente;

Fracos choques eléctricos localizados ou sensação de formigamento, à medida que você move os centros de energia nas palmas de suas mãos pelo campo de energia do 63 paciente.

C. O tratamento, segundo o mesmo autor, deve seguir os seguintes passos: “alisar” o campo magnético; repadronizar as áreas desequilibradas; desbloquear chakras ou meridianos; balanceamento final; deixar fluxo homogéneo; direccionar fluxo;erminar na região lombar.

64

D. Seguindo a ideia de Malta a avaliação implica: efectuar registos; insistir nas áreas mais problemáticas; a repadronização pode levar várias sessões; reavaliar na consulta seguinte; dados objectivos; mudanças subjectivas.

65

E FI C ÁC I A DO P ROC E DIM EN TO Para comprovar a eficácia do Toque Terapêutico, foram realizadas pesquisas on-line, nomeadamente na base de dados B-on e Nursing Reference Center. Os documentos electrónicos foram publicados entre 1990 e 2008. Para efectuar a pesquisa foram utilizadas as seguintes palavras-chave: “therapeutic touch”, “mental disease”, “mental health” e “psychiatry disease”.

61

KRIEGER, Dolores, 1993, p.106 MALTA, José, 2008 KRIEGER, Dolores, 1993, p.60 64 MALTA, José, 2008 65 MALTA, José, 2008 62

63

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Os estudos encontrados foram os seguintes: O efeito do Toque Terapêutico sobre sintomas comportamentais das pessoas com demência de Woods, D.L.; Craven, R.F.; Whitney, J., 2005; O efeito do toque terapêutico na dor, ansiedade e alteração nas concentrações plasmáticas de linfócitos T em pacientes com queimaduras graves de Turner, J.G.; Clark, A.J.; Gauthier, D.K.; Williams, M., 1998; O toque terapêutico afecta a síntese de DNA e mineralização de osteoblastos humanos em cultura de Jhavier, A.; Walsh, S.J.; Wang, Y.; McCarthy, M.; Gronowicz, G.;

2008; O toque terapêutico na unidade de cuidados intensivos de Poulios, D., 2001; Comparação da eficácia do toque terapêutico e do toque casual na redução do stresse em crianças hospitalizadas de Kramer, N., 1990; O toque terapêutico em pessoas com cancro terminal em cuidados paliativos de Giasson, M; Bouchard, L., 1998 e Os efeitos do toque terapêutico na cefaleia de Keller, E.; Bzdek, V., 1996. Na maior parte dos estudos verificou-se que o Toque Terapêutico necessita de mais investigação pois os resultados apresentados são baseados em amostras demasiado pequenas para que possam ser extrapolados relativamente à população geral.

C ON CL U S ÃO Sintetizando a análise do Toque Terapêutico efectuada ao longo deste artigo, gostaríamos de destacar, entre as várias aplicações possíveis desta terapia, o controlo da dor, a diminuição da ansiedade e do stresse, a promoção da auto-estima e da relação, bem como a atenuação da tristeza e dos distúrbios de sono. Pretendemos também destacar as suas principais vantagens, que se prendem com o facto de ser não farmacológica e de ser fácil de aplicar, já que, na maior parte dos casos, não exige instalações próprias nem tem contra-indicações ou efeitos secundários, podendo ser utilizada em complementaridade com outras. Consideramos que os objectivos inicialmente propostos foram alcançados, já que nos parece que a análise da implementação do Toque Terapêutico efectuada ao longo deste artigo permitiu demonstrar a importância da aplicação desta terapia por parte dos enfermeiros especialistas em Saúde Mental e Psiquiatria. Por outro lado, julgamos ter contribuído para a aquisição de competências por parte dos enfermeiros no domínio do Toque Terapêutico, na medida em que são referidas várias fontes que poderão servir de base à aplicação desta terapia por parte destes profissionais. É de salientar as dificuldades que sentimos durante a recolha de bibliografia, já que em Portugal não abundam os livros dedicados a esta terapia, daí que muita da pesquisa se tenha baseado na internet e em autores estrangeiros. Por outro lado, também os estudos efectuados acerca desta temática são escassos. Para além dos estudos comprovados cientificamente serem raros, realçam

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

quase sempre a necessidade de mais investigação e com amostras mais significativas. Assim, parece-nos que a análise efectuada ao longo deste artigo foi eficaz, pois os objectivos propostos foram atingidos, e eficiente, já que foi realizada com base em recursos bastantes limitados. Com o presente artigo consideramos ter contribuído para o aumento de conhecimentos e competências dos enfermeiros especialistas em Saúde Mental e Psiquiatria e esperamos que o mesmo os sensibilize para a aplicação do Toque Terapêutico como terapia complementar em Portugal, de modo a que passe a ser prática comum na intervenção de enfermagem nos cuidados especializados. Para terminar, gostaríamos de expressar o nosso desejo de que sejam efectuados estudos sobre esta terapia por parte de enfermeiros especialistas portugueses, de modo a que seja definitivamente demonstrada a importância da mesma, o que, sem dúvida, contribuiria para estimular a sua aplicação no Sistema Nacional de Saúde.

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS Colliére, Marie-Françoise (1999). Promover a vida. 2ª Tiragem. Lidel: Edições Técnicas e Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. Conselho Internacional de Enfermeiras (2003). CIPE/ICNP Beta 2. Genebra: ICN, APE. Decreto-lei n.º 161/96, de 4 de Setembro. D.R. I Série A. Nº 205 (4-09-1996). Johnson, M.; Bulechek, G.; Mccloskey, J.; Mass, M.; Moorhead, S. (2005). Diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem – Ligação entre NANDA, NOC e NIC. S. Paulo: Editora Artemed. Krieger, D. (1993). Toque terapêutico – versão moderna da antiga técnica de imposição de mãos. São Paulo: Editora Cultrix. Malta, J. (2008). Apontamentos das aulas do 11º Curso de Massagem Terapêutica – IFE. Porto. Organização Mundial de Saúde (2001). Legal Status of Traditional Medicine and Complementary/Alternative Medicine: A Worldwide Review. GENEVA: OMS. Organização Mundial de Saúde (2001). Relatório Mundial da Saúde, Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Lisboa: Direcção Geral da Saúde. Sequeira, C. (2006). Introdução à prática clínica. Coimbra: Quarteto Editora. Williams, T. (1996). A medicina chinesa. Lisboa: Editorial Estampa, Lda. GIASSON, M; BOUCHARD, L. - Effect of Therapeutic Touch on the well-being of persons with terminal cancer. [Em linha] [Consult. 1 Dezembro 2008]. Journal of holistic Nursing, 1998 Setembro; 16(3): 383-98 (32ref). (ISSN 0898 0101). Disponível na Internet: <URL: http://web.ebscohost.com/ehost/detail?vid=4&hid=22&sid=bf71ffe2-5aff-4265-9000de1d6c5e3812%40SRCSM1&bdata=JnNpdGU9ZWhvc3QtbGl2ZQ%3d%3d#db=rzh&AN=1999003620> JHAVIER, A.; WALSH, S.J.; WANG, Y.; McCARTHY, M.; GRONOWICZ, G. – Therapeutic touch affects DNA synthesis and mineralization of human osteoblasts in culture. Department of Orthopaedics, University of Connecticut Health

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

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149


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

18- A AGRESSIVIDADE NA RELAÇÃO ENFERMEIRO/PESSOA INTERNADA NUM SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL E PSIQUIATRIA

66

67

LAUREANO GALVÃO ; SÍLVIA LOPES

RESUMO A agressividade é uma realidade do quotidiano do enfermeiro, como aliás de qualquer profissional que trabalhe na relação com o outro. No contexto da saúde mental, têm-se assistido a frequentes abordagens acerca deste tema, não só na procura de significados, mas também no que diz respeito a estratégias de abordagem e prevenção. Este estudo, concluído em Julho de 2008, surge da necessidade de olhar a agressividade em contexto de internamento, sob a perspectiva da relação enfermeiro/cliente, procurando perceber como o enfermeiro a entende e percepciona. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa com uma amostra constituída por dez enfermeiros. Estes exercem funções em serviços de internamento de pessoas com doenças do foro da saúde mental e psiquiátrica em fase aguda, em diferentes hospitais do concelho de Lisboa. Como método de colheita de dados, foi adoptada a entrevista semi-estruturada. A análise de conteúdo permitiu a identificação de dez diferentes categorias, várias sub-categorias e ainda algumas sub-sub-categorias no que diz respeito à agressividade na relação cliente-enfermeiro em contexto da saúde mental e psiquiatria. No geral, os entrevistados mostraram disponibilidade em abordar o tema, reconhecendo a sua pertinência. Descreveram episódios vários de agressividade, identificando alguns dos tipos, dimensões e consequências da agressividade. Referiram, no entanto, algumas dificuldades em lidar

com

a

agressividade

relacionadas

com

aspectos

pessoais,

institucionais

e/ou

organizacionais. A capacidade de reflexão sobre as práticas está presente, mas sem um espaço próprio ou apoiado que responda à evidente necessidade que os profissionais têm de abordarem de uma forma saudável estes episódios.

PALAVRAS-CHAVE: Agressividade; Saúde Mental; Relação. 66

Enfermeiro Graduado, Hosital de S. Franciso Xavier (C.H.L.O.), laureanogalvao@hotmail.com

67

Enfermeira, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL) -Unidade Comunitária de Psiquiatria e Saúde Mental de Torres Vedras, scostalopes@hotmail.com

150


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

ABSTRACT Aggression is a part of everyday life of the nursing staff and of every professional that works in a caring / therapeutic setting. In mental health settings frequent discussions have been held concerning aggression, its meaning and ways in which to approach aggression and prevent it. This study results from the need of approaching aggression on the psychiatric wards, considering the relationship between nurse and client and the way the nurse understands aggression. This is a qualitative study that was concluded in July, 2008. This study was conducted with ten nurses. All these nurses work on psychiatric wards for people in the acute stage of their illness in different Hospitals in the Lisbon area. A semi structured interview was applied and its analysis allowed the identification of ten different categories, several sub-categories and a few sub-sub-categories relating to aggression in the relationship between nurse / client in the mental health setting. The nurses were available to discuss this theme and recognised its importance. They were able to describe several episodes of aggression and identified some of its different types, dimensions and consequences. However, they identified difficulties in dealing with aggression, related to personal, institutional and organizational aspects. This study also allowed acknowledging that the nurses are able to reflect on their clinical experiences. However, there seems to be no formal opportunities for discussion and reflexion that meets the needs of the professionals.

KEY-WORDS: Aggression; Mental Health; Relationship.

I N TROD U Ç ÃO A agressividade é hoje um tema que evoca extensa discussão em diversos contextos, que desperta curiosidades e que suscita as mais variadas reacções e sentimentos. A decisão de considerar um estudo sobre a agressividade em contexto de internamento psiquiátrico, prende-se com o facto de esta ser uma problemática com que vivemos, e sobre a qual discutimos repetidamente no seio das equipas de saúde que integramos. Schwartz (1956) reconhece a importância de perceber que o cliente é agressivo por alguma razão. Essa razão pode estar relacionada primariamente com pensamentos fantásticos ou sentimentos irracionais; outras vezes relacionada com a sua interacção com os outros. Frequentemente envolve estas duas situações. O mesmo considera ainda possível que o comportamento agressivo seja resultado de um impulso que o cliente não consegue controlar, de haver um falso reconhecimento relativamente ao enfermeiro ou de ser desencadeado como resposta de defesa

151


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

(se o cliente se sente ameaçado). Acrescenta ainda que a intervenção de enferrmagem deve também ser no sentido de descobrir quais os aspectos da relação com o cliente que desencadeam a agressividade. Na

literatura

encontramos

recomendações

e

procedimentos

extensivamente

descritos

relativamente à agressividade. Resta-nos perceber de que forma os enfermeiros fazem uso e têm presente estes procedimentos, bem como de que forma vivenciam as situações. O comportamento agressivo pode ser gerador de diferentes reacções a nível emocional, podendo também ser catalizador de respostas igualmente agressivas. Johnson (2004) organiza os factores relacionados com violência e agressividade em serviços de saúde mental e psiquiatria em quatro categorias, sendo a primeira relacionada com a pessoa internada, a segunda com o pessoal da equipa de saúde, a terceira relacionada com a própria unidade/serviço e uma quarta categoria relacionada com variáveis interaccionais. Como reflexo da problemática que queremos abordar, algumas das questões que serviram como ponto de partida para este estudo foram: Porque se fala tanto em agressividade no contexto dos serviços de internamento de saúde mental e psiquiatria; Quais são as consequências da agressividade; Quais são as dimensões da agressividade; Qual o impacto que têm no funcionamento da equipa; Que estratégias utilizam os enfermeiros na sua prática quando lidam com situações agressivas; Quais os factores desencadeantes da agressividade.

METODOLOGIA TIPO DE ESTUDO E CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA Uma vez que este estudo se direcciona para os aspectos que envolvem as situações de agressividade na relação enfermeiro/cliente, o método de estudo adoptado foi o qualitativo. Pretendeu-se com esta metodologia a valorização da subjectividade, a exploração das múltiplas realidades e o conhecimento das reacções que os enfermeiros têm neste tipo de situações. Este estudo situa-se no primeiro nível de investigação, dado que os objectivos estão relacionados com a obtenção de mais informações, com a caracterização e descrição da situação actual do fenómeno em estudo. Para este estudo recorreu-se a uma amostragem com uma escolha intencional. Sendo assim, os sujeitos de estudo são 10 enfermeiros(as), a trabalhar em serviços de internamento de pessoas com doença mental/psiquiátrica, em fase aguda. Estes foram escolhidos dos hospitais existentes no Concelho de Lisboa, tendo mostrado disponibilidade e motivação para participar neste estudo.

152


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

INSTRUMENTO DE COLHEITA DE DADOS Tendo em conta o objectivo de estudo, foi aplicada a entrevista como Método de Colheita de Dados. A entrevista foi semi-estruturada, com questões predeterminadas para melhor orientação do discurso. O guião da entrevista contemplou os seguintes aspectos: a relação do enfermeiro com a pessoa internada; a descrição de uma situação de agressividade na relação; sentimentos relativamente à situação; as estratégias utilizadas em situação de agressividade; e os recursos para fazer face à agressividade.

AN ÁL I S E E DI SC US S ÃO D E RE S UL TAD O S Após a análise de conteúdo das entrevistas realizadas, foram identificadas 10 categorias relativamente ao tema. Estas categorias foram, por sua vez, subdivididas em sub-categorias e, em alguns casos, sub-sub-categorias, como representadas no quadro seguinte (Quadro 1). Quadro nº 1 - A agressividade na relação cliente-enfermeiro em contexto da saúde mental e psiquiatria. CATEGORIAS

SUB-CATEGORIAS

SUB-SUBCATEGORIAS

Percepção da agressividade Factores desencadeantes da agressividade

Episódio de agressividade

Internas (do cliente) Relacionais Exteriores Local Hora do dia Contexto / Circunstância Natureza

Consequências do episódio de agressividade

Enfermeiro Equipa Na relação terapêutica

Enfermeiro Dimensão emocional

Estratégias de intervenção

Cliente Prevenção Contenção física e química Verbais Recurso a outros profissionais

Dificuldades de intervenção Competências e habilidades Recursos para fazer face a episódios de agressividade Capacidade de reflexão

Física Verbal Outra

Físicos/materiais Institucionais Humanos

153

Medo Tristeza Ira Surpresa Aversão Indefinida


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Em relação à percepção da agressividade, sete dos entrevistados identificaram diferentes tipos de agressividade e diferentes tipos de manifestações, sendo que um enfermeiro referiu alguns exemplos específicos de situações de agressividade. Oito

dos

enfermeiros

entrevistados

identificaram

factores

internos

ao

cliente

como

desencadeantes de agressividade, que dizem sobretudo respeito ao seu diagnóstico. Destacam ainda, no que diz respeito aos factores internos, o facto do cliente estar internado contra a sua vontade, e de não ser voluntariamente activo e participativo no seu tratamento/internamento. Além disso, três dos enfermeiros aceitam e entendem a agressividade do cliente num contexto de autodefesa. Nestes casos, o comportamento agressivo é associado sobretudo a alterações da percepção da realidade, sendo que o cliente se defende contra alguma coisa e age agressivamente. Existem ainda dois enfermeiros que consideram a personalidade agressiva do cliente, que condiciona/provoca significativamente uma situação de agressividade. Alguns aspectos da relação, intencionais ou não, são também referidos como causadores de agressividade quando cinco dos enfermeiros descrevem o contexto das situações. Um enfermeiro apenas considera como causa da agressividade algo exterior ao cliente e exterior à relação do cliente com o enfermeiro, atribuindo a mesma a algo que se terá passado no espaço físico exterior ao serviço de internamento. Alguns dos locais mais referidos pelos entrevistados em que acontecem situações de agressividade são o quarto e a sala de trabalho/tratamentos. Os episódios descritos ocorrem também, na sua esmagadora maioria, a partir da tarde e com maior predominância no período da noite. Os entrevistados fazem ainda referências às situações de agressividade ocorridas aquando da prestação de cuidados directos. Referem igualmente episódios que estão relacionadas com a contenção física ou química, quer em situações em que tentam conter o cliente ou em que já se encontra contido. Um dos enfermeiros descreve uma situação em que o cliente se apercebe que vai ser internado e, um outro, descreve a exigência do cliente em ser atendido em primeiro lugar. Os entrevistados descrevem situações concretas e variadas de agressividade física e verbal. Um enfermeiro descreve ainda uma queixa apresentada por um cliente e que considera como uma situação de agressividade. Relativamente às consequências, são descritas consequências físicas com necessidade de tratamento. Um enfermeiro constata que o episódio de agressividade é causa de grande desconforto para toda a equipa, e outros dois referem que os episódios de agressividade influenciam negativamente a relação terapêutica. Um dos enfermeiros relata ainda que ameaça

154


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

fazer uma participação do cliente à polícia por aquele o ter agredido. Constatou-se que em nenhuma das entrevistas se apuram relatos que descrevem as consequências para o cliente. Relativamente à dimensão emocional do enfermeiro, os sentimentos e emoções foram agrupadas tendo por base a classificação de Goleman (1995). Os enfermeiros utilizaram vários termos para expressar o que sentem relativamente a um episódio de agressividade. Em casos pontuais os enfermeiros utilizaram o termo “marcar”, quer no sentido de se terem “sentido marcados”, quer no sentido de “não se terem sentido marcados”. Constatou-se ainda que alguns enfermeiros referiram não ter tido nenhum tipo de reacção emocional relativamente ao episódio de agressividade. Existe apenas um enfermeiro que descreve a “carga emocional” que percebeu existir num cliente. Foram identificadas algumas estratégias de intervenção em situações de agressividade, desde a prevenção, passando pela contenção física e química, recursos verbais, até ao recurso a outros profissionais. Um dos entrevistados refere a abordagem psicológica, comunicacional, de negociação, bem como a administração de terapêutica. É referida a importância do estabelecimento de relações terapêuticas como elemento facilitador da intervenção e a importância do reconhecimento da existência de indicadores da agressividade. Dois enfermeiros fazem referência a uma abordagem verbal calma e apaziguadora, enquanto outros três descrevem intervenções assertivas e autoritárias. Existem cinco enfermeiros que descrevem o acto da contenção física e química no episódio de agressividade, um dos quais identifica o isolamento como uma estratégia principal de intervenção. Constata-se que os enfermeiros recorrem a outros profissionais da equipa multidisciplinar. Foram referidas algumas dificuldades de intervenção, nomeadamente relacionadas com as situações em que a agressividade é dirigida ao próprio enfermeiro, relacionadas com a falta de preparação do enfermeiro e com o factor surpresa de algumas situações. Neste último caso, é referido que o imediatismo da resposta pode resultar numa resposta menos adequada. Foram apontados alguns factores e características importantes relativamente a competências e habilidades que têm influência na forma como o enfermeiro responde em episódios de agressividade, nomeadamente os anos de experiência profissional, a aprendizagem (na utilização de estratégias e capacidade de previsão de situações), a formação e a reflexão, e a própria compreensão da doença mental. Cinco enfermeiros referem ainda sentirem-se preparados para lidar com as situações de agressividade. Em termos de recursos foram identificados os físicos/materiais, os institucionais, e os humanos. Dois dos entrevistados fizeram alusão às deficientes infra-estruturas existentes, nomeadamente à falta de espaço e à falta de equipamento, apontando estes factores como determinantes no que

155


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

diz respeito à gestão de situações de agressividade. Existem cinco enfermeiros que fazem referência à sua equipa como sendo unida e coesa e salientando uma boa comunicação entre os colegas, e à existência de colaboração de outros serviços. Por outro lado, quatro enfermeiros, apontam a falta de reuniões de equipa, a falta de técnicos com formação específica e até mesmo o reduzido número de profissionais como problemas de recursos. Existe ainda um enfermeiro que refere a falta de serviços de apoio da instituição aos profissionais. Relativamente aos episódios/situações de agressividade descritas, a maior parte dos enfermeiros avaliam as suas intervenções como não tendo sido “as mais correctas”. Existe um que não mudaria a sua intervenção, e outro que se mostra ambivalente no que diz respeito às suas intervenções. Independentemente da avaliação que fazem das suas intervenções, seis referiram dificuldade em dar a resposta. Realça-se também a reflexão que alguns enfermeiros fazem acerca da adopção de certo tipo de posturas/comportamentos. Ao abordar estas situações, alguns enfermeiros questionam ainda a preparação e a influência da experiência profissional na capacidade para lidar com estas situações.

CONCLUSÕES A maior parte dos enfermeiros tem conhecimentos generalistas sobre a agressividade, embora não tenham formação específica. Todos os enfermeiros, no seu percurso profissional, já vivenciaram situações de agressividade na relação com a pessoa internada. Foi evidente a preocupação dos enfermeiros relativamente ao tema, percebendo-se inquietação e desconforto quando abordaram as emoções vividas, bem como quando abordaram as suas acções/respostas. No panorama actual, e de uma forma geral, as instituições ainda não adoptaram soluções e estratégias estruturadas que respondam adequadamente às necessidades sentidas pelos profissionais. Ficou clara a necessidade de desenvolver e estruturar processos de reflexão sobre as práticas. Regra geral, após o término da gravação das entrevistas, os enfermeiros mostraram desejo em continuar a partilhar algumas ideias acerca deste tema deixando assim a descoberto uma necessidade evidente de partilha e de reflexão de experiências.

156


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS Goleman, D. (1995). Inteligência Emocional.Temas e Debates. Johnson, M.. Violence on Inpatient Psychiatric Units: State of the Science. Journal of the American Psychiatric Nurses Association. Schwartz, M. & Shockley, E. (1956). The nurse and the mental patient – A study in interpersonal relations New York: Russel Sage Foundation.

157


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

19 - ESTUDO DOA AUTO-CONCEITO NUM GRUPO DE JOVENS

ELZA MARIA LEMOS68; ANA ROMANO69; JOSÉ MANUEL DIAS70

RESUMO Tendo em vista a promoção da saúde dos jovens, a proposta deste estudo baseou-se na identificação do nível de auto-conceito. O estudo decorreu em quatro escolas secundárias, do Distrito de Vila Real, duas da zona urbana (A e B) e duas da zona rural (B e C). Para a colheita de dados, foi utilizado um questionário de auto-preenchimento, contituído pela caracterização da amostra e pelo Inventário Clínico do auto-conceito. A amostra foi constituída por 576 adolescentes, 257 pertencentes ao sexo masculino e 319 ao sexo feminino. As principais conclusões do estudo são que a diferenciação do auto-conceito por sexos revelou-se estatisticamente significativa entre os alunos da escola urbana/A, sendo os rapazes a revelar maior auto-conceito que as raparigas; As diferenças do auto-conceito por escola de pertença revelaram que a média foi superior nos alunos da escola urbana/B e menor nos alunos da escola rural/C; Os sujeitos do nível sócio-económico baixo apresentaram uma média de auto-conceito inferior aos sujeitos do nível médio e alto.

PALAVRAS-CHAVE: Auto-conceito; Jovens; Promoção da saúde.

ABSTRACT These consequences significantly affect the life and health of young people, taking these factors into account and having as an objective the health of teenagers, the proposal of this study was based on the identifying the level of self-concept. The study was held in four secondary schools of the District of Vila Real, two of them in the urban area and two of them in rural. To obtain the data we used a questionnaire to be filled out by the

68

Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem de Vila Real - UTAD, elzalemos@hotmail.com

69

Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem de Vila Real – UTAD, aromano@utad.pt

70

Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Vila Real – UTAD, josedias962@hotmail.com

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

students themselves. The questionnaire had the sample characterisation and the Clinical Inventory of Self-Concept. The sample had 576 teenagers, 257 males and 319 females. The main conclusions of the study were that the differentiation in self-concept by gender was only statistically significant among students of urban/A school, with the boys having a higher selfconcept than the girls; The differences in self-concept between the different schools revealed that the highest medium was of students from urban/B school and the lowest of students from rural/C; The subjects of a low socio-economical level had a lower medium of self-concept than subjects of a medium or high level.

KEYWORDS: Self-concept, Young people, Promoting health.

I N TROD U Ç ÃO São vários os contextos de vida dos adolescentes que podem aumentar a sua exposição a riscos, podendo potenciar a vulnerabilidade individual a problemas de saúde. No entanto, muitos destes jovens perante circunstâncias adversas evidenciam capacidades para manter bons índices de saúde, alcançando competências que outros em meios favoráveis não conseguem atingir. Há então certamente, factores positivos e intrínsecos que incrementam a auto protecção em situações de adversidade dos quais se salienta o auto-conceito (Prazeres, 1998). O auto-conceito diz respeito ao conjunto de atitudes, crenças e convicções, que constituem o conhecimento individual e que influenciam as relações do indivíduo com outras pessoas (Wong, 1999; Morrison, 1999). O auto-conceito inclui então as interacções do indivíduo com o ambiente, com os valores, com as experiências, com os objectivos e ideais da pessoa, permitindo conhecer, descrever e mesmo predizer o comportamento dos sujeitos (Morrison, 1999). Para Vaz Serra, 1986, o auto-conceito define-se como a percepção que o indivíduo tem de si próprio, ao nível social, emocional, físico e académico. Deste modo, todos temos uma concepção de nós mesmos e do modo como realmente somos. Esta visão desenvolve-se desde a infância, em que a criança começa a ver-se a si própria através dos olhos das pessoas significativas do seu mundo, adquirindo assim a ideia de que é uma pessoa (Gleitman, 1999). As interacções sociais que se seguem, acrescentam mais detalhes a esta imagem de si. Na adolescência, o indivíduo vai ter que adaptar e integrar nesta imagem de si, as múltiplas mudanças internas e externas operadas nesta fase. A repercussão que a nova imagem tem ao nível do auto-conceito depende em muito da valorização que a sociedade lhe atribui e das respostas que o adolescente recebe por parte das pessoas significativas.

159


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Criar ambientes favoráveis à potenciação do auto-conceito não exige atitudes muito complexas e podem resultar em experiências de vida positivas que intensificam o auto-conceito determinando aprendizagem, êxito e crescimento (Papalia e Olds, 2000). Em contrapartida, se o auto-conceito é baixo, o indivíduo tende a ter uma ideia de si negativa e relacionada com incapacidade.

Cabe então referenciar que a capacidade do indivíduo em tomar decisões está relacionada com o seu auto-conceito. As pessoas com um auto-conceito positivo tendem a tomar decisões mais consistentes, mais favoráveis à sua saúde, a atribuir a si os resultados das suas escolhas, incluindo o assumir das respectivas consequências. Estas pessoas tendem a encar os fracassos de forma menos pessoal, a ter mais condições de se percepcionar de forma positiva e a terem menos queixas de saúde (Nanchoff-Glatt, 1998). Por isso, potenciar factores facilitadores do desenvolvimento saudável, ou protectores de comportamentos de risco, são aspectos a incluir no trabalho educativo a desenvolver com os jovens, de forma a possibilitar-lhes tomadas de decisão conscientes e a adopção de comportamentos protectores para a saúde.

OBJECTIVOS DO ESTUDO No intuito de potenciar o nível de saúde dos jovens, este estudo teve como objectivos identificar o nível de auto-conceito dos jovens em estudo e analisar eventuais diferenças entre os sexos, a proveniência, o ano de escolaridade e o nível sócio-económico, no que respeita ao auto-conceito;

METODOLOGIA A amostra foi composta por alunos do 10º, 11º e 12º anos de escolaridade, a frequentar quatro Escolas Secundárias do Distrito de Vila Real, duas de meio urbano (A e B) e duas de meio rural (C e D), num total de 576 adolescentes, 257 (44.6%) do sexo masculino e 319 (55.4%) do sexo feminino (tabela 1).

160


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

TABELA Nº 1: DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA TOTAL POR SEXO E ANO DE ESCOLARIDADE ANO DE ESCOLARIDADE SEXO

Masculino

Feminino Total

10º ano

11º ano

12º ano

Total

117

68

72

257

(20,3%)

(11,8)

(12,5%)

(44,6%)

104

105

110

319

(18,1%)

(18,2%)

(19,1%)

(55,4%)

221

173

182

576

(38,4%)

(30,0%)

(31,6%)

(100,0%)

As idades estão compreendidas entre os 14 e 22 anos, sendo a média de 16.84 anos, a moda situa-se nos 17 anos e o desvio padrão é de 1.40. Realçamos que as escolas que considerámos de meio rural são as que apresentam maior percentagem de sujeitos no nível socio-económico baixo como podemos verificar na tabela 2. Pelos resultados observamos que a diferenciação do nível socio-económico por escola de 2

pertença, é estatisticamente significativa (χ =20.765; gl=6; p=0.002). TABELA Nº 2 - CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA TOTAL POR NÍVEL SOCIO-ECONÓMICO E ESCOLA DE PERTENÇA

Escola

Urbana

Urbana

Rural

Rural

A

B

C

D

Total

NSE

%

%

%

%

%

Nível baixo

81

50,6

103

61,3

73

72,3

97

66,0

354

61,4

Nível médio

52

32,5

54

32,1

22

21,8

36

24,5

164

28,5

Nível alto

27

16,9

11

6,5

6

5,9

14

9,5

58

10,1

Total

160

100,0

168

100,0

101

100,0

147

100,0

576

100,0

INSTRUMENTOS Para a recolha de informação utilizamos um questionário de auto-preenchimento composto por duas secções:

161


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Questionário demográfico, com as variáveis de caracterização da amostra (idade, sexo, ano de escolaridade, escola de pertença, escolaridade e profissão dos pais).

Inventário Clínico do Auto-Conceito, de Vaz Serra, para avaliação do auto-conceito.

Para medir a variável do auto-conceito foi utilizado o inventário clínico de auto-conceito de Vaz Serra, construído em 1985. Esta escala é composta por 20 itens sensíveis para avaliação dos aspectos sociais e emocionais do auto-conceito. A resposta a cada questão é pontuada numa escala com cinco categorias diferentes, desde o “não concordo” ao “concordo muitíssimo”, sendo atribuída a cada categoria a pontuação de 1 a 5, respectivamente, excepto nos itens que constituem questões negativas e que por isso são pontuadas de forma inversa. A pontuação total obtida situa-se entre o mínimo de 20 e um máximo de 100, sendo que, quanto mais alto for o valor obtido melhor será o auto-conceito da pessoa (Vaz Serra, 1986).

PROCEDIMENTO Após marcação prévia com os Conselhos Executivos procedemos à colheita de dados. Em cada escola os questionários foram aplicados pelos investigadores no decorrer de uma sessão lectiva. Para este efeito contámos com o consentimento informado dos professores e respectivos alunos, bem como da sua colaboração. Em todas as aplicações foram fornecidas informações e instruções necessárias ao seu preenchimento e de seguida foram distribuídos pelo número de alunos presente na sala, sendo os questionários preenchidos e entregues de imediato.

AN ÁL I S E DOS RES U L T AD O S O tratamento estatístico dos resultados foi realizado no programa informático SPSS. O nível de significância utilizado foi de p ≤ 0.05. Para a caracterização dos dados da amostra em estudo procedeu-se à estatística descritiva através do cálculo de frequências, medidas de tendência central e medidas de dispersão. Para analisar diferenças entre valores médios no auto-conceito por grupos, utilizamos o teste t de Student.

AUTO-CONCEITO E SEXO DOS SUJEITOS Assim, quanto aos resultados que obtivemos verificamos que neste estudo os sujeitos do sexo masculino revelaram um auto-conceito mais elevado (Med=75,1181) que os sujeitos do sexo feminino (Med=73,8987). Contudo esta diferença foi estatisticamente significativa apenas entre os alunos da escola urbana/A (t=2,628; p=0,009).

AUTO-CONCEITO E ESCOLA DE PERTENÇA

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Os alunos que no geral apresentaram um auto-conceito mais elevado foram os da escola urbana/B (Med=75,4277). Os que apresentaram um auto-conceito mais baixo foram os da escola rural/C (Med=73,1386), a diferença entre estas duas escolas foi estatisticamente significativa (t=2,107; p=0,036).

AUTO-CONCEITO E NÍVEL SÓCIO-ECONÓMICO Os sujeitos do nível sócio-económico baixo foram aqueles que evidenciaram um auto-conceito mais baixo (Med=73,8775), sendo a diferença estatisticamente significativa entre o nível baixo e médio (t=-1,977; p=0,049).

AUTO-CONCEITO E ANO DE ESCOLARIDADE Na diferenciação do auto-conceito por ano de escolaridade, não se observaram diferenças com significado estatístico.

D IS C US S ÃO DO S R E S UL T AD O S No presente estudo, os valores médios do auto-conceito para ambos os sexos são superiores aos apresentados por Vaz Serra (1986), contudo tal como no estudo do autor, o sexo masculino evidencia valores de auto-conceito total superiores aos verificados no sexo feminino, embora nos nossos resultados as diferenças em função do sexo sejam significativas apenas numa escola. Os valores encontrados face ao nível sócio-económico revelam que a média de auto-conceito é inferior no nível sócio-económico baixo, as diferenças atingem valores de significância entre os níveis sócio-económicos baixo e médio. Também os resultados de outros estudos tendem a mostrar médias de auto-conceito superiores nos níveis sócio-económicos mais elevados, aliás Veiga (1996), observa médias de auto-conceito sucessivamente maiores à medida que os sujeitos se encontram nos níveis sócio-económicos baixo, médio e alto respectivamente. Quando

diferenciamos

o

auto-conceito

por

ano

de

escolaridade,

registamos

alguma

homogeneidade nos resultados neste nível de escolaridade, confirmando-se pela não existência de diferenças significativas.

CONCLUSÕES Assim sendo, no que respeita à identificação do nível de auto-conceito nos jovens em estudo concluímos que a diferenciação do auto-conceito por sexos revelou-se estatisticamente

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significativa entre os alunos da escola urbana/A, sendo os rapazes a revelar maior auto-conceito que as raparigas. As diferenças do auto-conceito por escola de pertença revelaram que a média foi superior nos alunos da escola urbana/B e menor nos alunos da escola rural/C. Os sujeitos do nível sócio-económico baixo apresentaram uma média de auto-conceito inferior aos sujeitos do nível médio e alto. Não se observaram diferenciações do auto-conceito em função do ano de escolaridade. Se atendermos a que o auto-conceito poderá funcionar como protector da saúde dos jovens, (Neves e Ribeiro, 2000), os resultados parecem estar consonantes com a necessidade de no âmbito da promoção da saúde criarmos condições para que os jovens desenvolvam competências que lhes permitam tomar decisões informadas e conscientes face à sua saúde reforçando as intervenções junto dos indivíduos oriundos de estratos sociais mais baixos. Enquadramos e realçamos o papel dos enfermeiros neste processo, tanto nas consultas de enfermagem nos Centros de Saúde, como na colaboração estreita com as escolas e comunidade. Pensamos que a posição estratégica do enfermeiro no Centro de Saúde está facilitada pela proximidade e conhecimento real das circunstâncias de vida da comunidade que serve, em particular das necessidades e características das famílias e dos jovens.

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20 - TERAPIA DAS REMINISCÊNCIAS: UMA PSICOTERAPIA DE ELEIÇÃO EM IDOSO

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ARMINDA CASTRO ; VIRGÍNIA COSTA ; JOÃO PAULO ESTRELA ;JOSÉ MANUEL FERRER ;ELSA 75

SANTOS

RESUMO Todos os tratamentos psicoterapêuticos integram-se no contexto de uma relação terapêutica entre o terapeuta e o doente. Esta interacção é uma determinante importante tanto na satisfação como na sua subsequente adesão ao tratamento. Segundo STRUPP (cit. por CORDIOLI 2008, p.21), “a psicoterapia é um método de tratamento mediante o qual um profissional treinado, valendo-se de meios psicológicos, especialmente a comunicação verbal e a relação terapêutica, realiza, deliberadamente, uma variedade de intervenções, com o intuito de influenciar um cliente ou paciente, auxiliando a modificar problemas de natureza emocional, cognitiva e comportamental, já que ele o procurou com essa finalidade”. A Terapia das Reminiscências/Histórias de Vida: “Uso da lembrança de eventos passados, sentimentos e pensamentos para facilitar o prazer; a qualidade de vida ou a adaptação as circunstâncias actuais”. (NIC) A terapia da reminiscência apresentou durante os últimos dez anos resultados convincentes no que concerne a sua aplicação em pessoas idosas. E mesmo observando a discrepância existente entre os investigadores, podemos afirmar que na globalidade o resultado é positivo, segundo LIN (2003, p.304), ”reminiscence teraphy may be helpful in maintaining or improving mood, cognitive functioning, life satisfaction, and self-esteem in the elderly”.

PALAVRAS-CHAVES: Reminiscências; Psicoterapias; Idosos; Memória 71

Serviço Oncohematologia do Hospital I.P.O. Porto;

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Serviço Oncohematologia do Hospital I.P.O. Porto

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Serviço Centro Hospitalar Lisboa CGLO, Hospital São Francisco Xavier

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Serviço Oncohematologia do Hospital I.P.O. Porto

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Serviço Oncohematologia do Hospital I.P.O. Porto

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ABSTRACT Every psychotherapeutic treatment integrates in the context of a therapeutic relation between the therapist and the patient. This interaction is important not only in the satisfaction but in the subsequent relation with the treatment. According to STRUPP (quote by CORDIOLI 2008, p. 21), means, mainly verbal communication and the therapeutic relation deliberately made in variety of interventions with the purpose to influence a client or patient, helping him to modify problems with emotional, behavior and cognitive nature, assuming he looked for him with that same purpose. The reminiscence/historic therapy of life: “I use memories of events past, feelings and thoughts to facilitate pleasure; the quality of life or the adaptation to the current circumstances”. (NIC). The therapy of reminiscence presented for the last ten years convincing results concerning in its application on elderly people. Observing the unbalance between the investigators, we can say that globally the result is positive, according to LIN (2003, p.304), “reminiscence therapy may be helpful in maintaining or improving mood, cognitive functioning, life satisfaction, and self-esteem in the elderly”.

KEYWORDS: Reminiscences; Psychotherapy; Old people; Memory.

I N TROD U Ç ÃO No término do século passado assistiu-se a rápidos avanços, no conhecimento científico subjacente, ao tratamento psiquiátrico. Na última década,”a década do cérebro”, surgiram cada vez mais evidências, detalhando os aspectos bio-fisiológicos e uma série de transtornos psiquiátricos. Os tratamentos psicofarmacológicos continuam a influenciar cada vez mais as perspectivas de tratamento. Psicoterapia foi definida por SULIVAN (1954) “como um intercâmbio primariamente verbal entre dois indivíduos, um deles é o especialista e o outro é alguém que procura ajuda”. Todas as Psicoterapias compartilham com outros tratamentos médicos, a importância de factores curativos não específicos, nos resultados previstos. Todas elas podem ser abordadas a partir dos seus objectivos globais, das técnicas utilizadas, e das categorias de diagnóstico, às quais a técnica pode ser aplicada. É extremamente importante diferenciar as entrevistas de diagnóstico do tratamento subsequente. O processo de avaliação é diferente da técnica psicoterapêutica, embora esteja relacionado com ela.

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Após avaliação e através das negociações com o doente, chega-se à decisão do tratamento e surge a terapia. A cooperação entre o terapeuta e o doente é sustentada numa aliança terapêutica que permite uma intervenção baseada na realidade, dirigido ao entendimento do doente. O terapeuta centra-se na análise da relação e respostas do doente com o fim de estabelecer estratégias e implementa-las de forma a minimizar os conflitos inerentes á interacção. A maioria das pessoas teme a possibilidade de perder as suas capacidades cognitivas (raciocínio, memória, julgamento, orientação, percepção e atenção). Estas funções permitem que a pessoa compreenda e interaja produtivamente com o ambiente. As respostas cognitivas desadaptadas deixam a pessoa afectada num estado de confusão, incapaz de compreender a experiência e de ligar os eventos do passado, aos eventos do presente.

DESENVOLVIMENTO A aplicação das reminiscências como forma terapêutica surge a partir dos anos 80, sendo um tipo de terapia de eleição baseada na abordagem da Estimulação Cognitiva. A Estimulação Cognitiva ou Psicoestimulação segundo RODRIGUEZ (2002,p.14) pode-se definir como ” el conjunto de actividades y estrategias de intervención neuropsicológica dirigidas a potenciar la neuroplasticidad de la persona con deterioro cognitivo o demencia, potenciando las capacidades y habilidades cognitivas todavía preservadas, así como enlenteciendo el proceso de deterioro”. O processo de recordar encontra-se cada vez mais presente na etapa da velhice (o que não quer dizer que seja exclusivo desta). (CAPPELIEZ, 2000) O facto de que a longevidade tenha aumentado fez com que esta etapa adquirisse uma nova realidade para a qual as pessoas não se encontram preparadas. Segundo WEISS (1995, p.158), “The increased longevity of other adults, within or transitional environment and culture, carries with it new life-span challenges and issues that were not typical or prior generations.” As pessoas idosas, diferenciam-se dos outros grupos etários porque avaliam as recordações de forma a poder dar-lhes um significado coerente. No entanto, existem dificuldades que podem impedir que esta transição seja feita adequadamente. Segundo COLETTE (1999, p.261),” The natural life review process involves emotional processing of events in the individual past. The occurrence of a life review is not necessarily easy to recognize. It can appear fragmentary, with key themes occurring in dreams, daydreams and more purposeful thinking.” Com o incremento crescente da população idosa a reminiscência tem-se tornado uma terapia de uso em hospitais, lares e outras instâncias. Segundo LIN (2003, p.297), “because reminiscence

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based activities might play a positive role in enhancing the quality of life for people as they face the difficulties that older age can bring, the extent of reminiscence activities may be a significant predictor of an older person´s ability to cope with difficulties.” No inicio a reminiscência era considerada um tipo de patologia associada as pessoas idosas que em muitas ocasiões optavam por isolar-se nas suas recordações. Esta situação aos olhos da sociedade dava a imagem de que o idoso sofria de problemas mentais, o que o levava a ser isolado, e a recomeçar o ciclo novamente. (BUTLER, 1963) Na actualidade existe uma grande disparidade de opiniões sobre o termo “reminiscência”, já que normalmente é usado inconscientemente e sem rigor. (PUENTES, 2004). A terapia da reminiscência é uma intervenção independente da enfermagem que pode ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas idosas. No entanto um dos grandes problemas que suscita à aplicação desta terapia é o facto de ser muito difícil de mesurar. (LIN, 2003) Segundo GONÇALVES (2008), “a reminiscência, utilizada como técnica de evocação guiada, pode perseguir diferentes propósitos, consoante as características da população a que se destina”. A terapia das reminiscências é principalmente indicada em doentes com défice cognitivo ligeiro ou demência. As doenças degenerativas apresentam um gradiente temporal de evolução. Consequentemente, as lembranças mais afastadas mantêm-se até as fases mais avançadas no processo patológico. (RODRIGUES, 2002) Apareceram novas estratégias terapêuticas estruturadas sustentadas na terapia da reminiscência, que permitiam alcançar a integridade do ego, as histórias de vida. (BUTLER, 2002). Segundo LIN (2003, p.298),” a person who achieves ego-integrity in old age believes his or her life as significance and meaning and is fulfilled and does not fear death”. Estas estratégias implicariam a existência de um terapeuta que guiasse as recordações de forma que estas tivessem efeitos positivos no idoso. Contudo uma estratégia mal utilizada poderia desenvolver também efeitos negativos, entre os que poderíamos destacar a ansiedade e a depressão. (MERRIAM, 1995). A terapia da reminiscência encontra-se orientada à recuperação do sentido de identidade no idoso actuando informalmente e procurando memórias antigas que aumentem a auto-estima sem tentar resolver conflitos passados. As histórias de vida tentam resolver conflitos do passado e restabelecer a integridade do ego. Sendo assim, é necessário que as pessoas tenham maior capacidade cognitiva na realização da

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terapia histórias de vida, do que as pessoas que efectuam reminiscências. Consequentemente a terapia da reminiscência está mais indicada em doentes com demência do que a terapia de histórias de vida. (FINNEMA, 2000) O propósito da história de vida é permitir a dinamização adequada das experiências da pessoa. Com o intuito de poder adaptar-se as mudanças decorrentes durante o tempo e poder dar um novo significado a sua vida pessoal. (BUTLER, 1963) O objectivo da história de vida é resolver problemas do passado, que propiciem uma reconciliação da pessoa com familiares e amigos, permitindo assim um aumento da dignidade e auto-estima pessoal. (BUTLER, 2002). A terapia da reminiscência apresentou durante os últimos dez anos resultados convincentes no que concerne a sua aplicação em pessoas idosas. E mesmo observando a discrepância existente entre os investigadores, podemos afirmar que na globalidade o resultado é positivo, segundo LIN (2003, p.304), ”reminiscence teraphy may be helpful in maintaining or improving mood, cognitive functioning, life satisfaction, and self-esteem in the elderly”.

C ON SI DE R AÇ Õ ES FI N AI S Nos dias de hoje os enfermeiros vêem a pessoa como um todo: uma criança fisicamente doente que luta para ter uma família segura perante uma família abusiva; um adolescente que enfrenta problemas alimentares e de auto-estima, ou um idoso com deficit de memória em que se apresenta ocasionalmente confuso e desorientado e que enfrenta o “terror” da família não o cuidar e coloca-lo no lar. Este é o mundo da enfermagem psiquiátrica nos dias de hoje. Ele integra as realidades biológicas, psicológica, sociocultural, ambiental e ético-legal da vida. A realidade actual evoluiu no sentido da valorização das intervenções não farmacológicas nomeadamente as que visam alterações cognitivas, emocionais e comportamentais. A terapia das reminiscências (uso de recordações) surge no sentido de dar resposta principalmente a pessoas com deficit cognitivo ligeiro, que podem ter alterações na sua identidade; assim como a pessoas cuja auto-estima se apresenta diminuída. As histórias de vida (uso de recordações guiadas) visam principalmente a resolução dos conflitos do passado e recuperar a integridade do Ego.

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Uma autêntica torre de babel, de linguagens e métodos, instalou-se na área, confundindo tanto os profissionais como as pessoas que necessitavam de tratamento. Actualmente existe um relativo consenso, de que boa parte dos seus efeitos se deve a um conjunto de factores que envolvem as técnicas específicas de cada modelo, e ainda um complexo conjunto de elementos que inclui alem das referidas técnicas, factores não específicos comuns a todas as psicoterapias. A terapia da reminiscência apresentou durante os últimos dez anos resultados convincentes no que concerne a sua aplicação em pessoas idosas. E mesmo observando a discrepância existente entre os investigadores, podemos afirmar que na globalidade o resultado é positivo, segundo LIN (2003, p.304), ”reminiscence teraphy may be helpful in maintaining or improving mood, cognitive functioning, life satisfaction, and self-esteem in the elderly”. Em contrapartida ainda existe muita controvérsia em aceitar resultados pouco claros e dependentes de muitos factores. Segundo LIN (2003, p.304), ”the inconsistent results in reminiscence research appear to be due to many factors, such as different types of reminiscence used, different outcomes measures, and the use of small convenience samples in local settings (nursing homes, hospitals, seniors centers)”

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21- ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO ESPECÍFICAS EM SAÚDE MENTAL E PSIQUIATRIA : PESSOAS SEM-ABRIGO

LUÍS SILVA76

RESUMO O presente artigo pretende ser um espaço de reflexão e apresentação sobre estratégias de intervenção em saúde mental e psiquiátrica com pessoas sem-abrigo. Por um lado, resume a condição das pessoas sem-abrigo e as políticas de saúde mental que lhe estão dirigidas e por outro procura definir estratégicas específicas de intervenção multidisciplinar, com ênfase na assistência de enfermagem. Tem na sua origem a experiência do autor junto da população semabrigo do Porto, como voluntário da organização Médicos do Mundo, com a qual também colabora, desde Abril de 2009, no pojecto Mensanus, como enfermeiro de saúde mental e psiquiátrica.

P A L A V R A S - C H A V E : Pessoa sem-abrigo; Saúde mental e psiquiatria; Enfermagem de saúde mental e psiquiátrica; Estratégias de intervenção

I N TROD U Ç ÃO A necessidade de intervenção em saúde mental junto da população sem-abrigo está bem documentada nos dias de hoje, nomeadamente, em documentos oficiais como se apresenta de seguida. Aí, podemos não só encontrar as razões que elegem esta realidade de intervenção como também as políticas orientadoras e as acções genéricas a implementar. Assim pode ler-se no Plano de Acção do Relatório da Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental - 2007-2016 (2007, p. 114), a propósito da assistência a grupos vulneráveis, pessoas sem-abrigo (PSA) incluídas:

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Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria, Hospital Magalhães Lemos, Voluntário e colaborador da Delegação Norte

de Médicos do Mundo, lmpsilva13@gmail.com

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“A necessidade de assegurar cuidados específicos de saúde mental a alguns grupos especialmente vulneráveis é hoje aceite em todo o mundo. Entre estes grupos destacam-se as crianças, os idosos, os sem abrigo (SA) e as vítimas de violência.(…) No que se refere às pessoas sem abrigo, trata-se de um grupo que comprovadamente apresenta uma elevada prevalência de doenças mentais e que requer programas especialmente desenhados para as suas necessidades específicas. Além de apresentarem uma morbilidade geral muito mais alta do que a população em geral, deparam em regra com inúmeras barreiras no acesso aos cuidados prestados pelos serviços de saúde habitualmente disponíveis, sendo ainda vítimas frequentes de violência e de abusos de vários tipos. Em Portugal, não foi ainda realizado nenhum estudo de morbilidade psiquiátrica com instrumentos estandardizados de diagnóstico, única forma de conhecer com rigor a verdadeira prevalência de doenças psiquiátricas. No entanto, um estudo realizado numa amostra de 511 SA da capital (Bento, 1999) com base numa avaliação clínica, aponta para valores elevados de prevalência (cerca de 90%). No que se refere especificamente aos cuidados de saúde mental, está abundantemente comprovada a incapacidade dos serviços psiquiátricos tradicionais em responder as necessidades de cuidados dos SA. A excelente revisão dos tratamentos para os SA publicada pela WHO (2005), mostra que tanto a literatura Europeia como a Norte Americana são unânimes quanto à necessidade de assegurar a existência de programas baseados num "case management" activo, que garanta continuidade de cuidados e uma articulação adequada entre os cuidados psiquiátricos e os serviços sociais. Em Portugal, deram-se já alguns passos importantes no desenvolvimento de respostas específicas às necessidades de cuidados de saúde mental dos SA. É o caso da experiência da "equipa de rua" pluridisciplinar (Psiquiatra, assistente social e psicólogo), da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que entre 1994 e 2002 observou mais de 1000 casos. Destacamse dos seus objectivos o apoio aos SA na resolução dos seus problemas de saúde, o apoio na prospecção e integração no alojamento, e a facilitação da ligação, articulação e cooperação com outros serviços (Bento,1992). A Comissão considera que importa aproveitar e desenvolver estas experiências, integrando nas equipas responsáveis pelas áreas onde vivem geralmente os SA programas mais sistematizados para estes doentes. Numa primeira fase, sugere-se o desenvolvimento de um projecto piloto, susceptível de extensão após avaliação.” No âmbito da intervenção com PSA, iniciamos, em 2003, a nossa experiência como enfermeiro voluntário da organização não-governamental (ONG) Médicos do Mundo – Delegação Norte (Porto).

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A Delegação Norte dos Médicos do Mundo (DN-MdM) deu início ao projecto “Porto Escondido” em 2002, destinado a apoiar as PSA do Porto, que se desenvolveu ao longo dos últimos anos e se transformou no “Programa Porto Escondido”, integrando hoje outros projectos de âmbito social e sanitário paralelos, como se segue: - (A)Risco Ser, assistência em saúde à população nas ruas da cidade do Porto, por uma equipa de rua; - CASSA (Centro de Apoio Sócio-Sanitário) – gabinete de atendimento aos utilizadores do programa, com sede em São Mamede de Infesta; - Terceira (C)idade - promoção dos determinantes de autonomia nos idosos, maioritariamente em Matosinhos. Até ao ano de 2007 os projectos deram apoio a cerca de 1300 pessoas, com uma média de 100 utilizadores contactados mensalmente. Em Abril de 2009, a DN-MdM iniciou o projecto Mensanus, com o objectivo de intervir no âmbito da saúde mental das populações alvo dos projectos do Programa Porto Escondido, concretamente, na redução de danos e reinserção. A iniciativa resultou da constatação da necessidade, há muito verificada, quer pela equipa quer pelos utilizadores, de assistência na área da saúde mental e psiquiatria, que também está profusamente documentada. A equipa do projecto Mensanus integra além do enfermeiro de saúde mental e psiquiátrica, uma enfermeira coordenadora, uma enfermeira de reabilitação, uma educadora social e uma contabilista. Estes têm; ainda, o apoio dos restantes operacionais da DN-MdM, que inclui uma médica de clínica geral, uma psicóloga e uma assistente social e, claro está, o corpo de voluntários. O projecto tem como população-alvo todos os beneficiários da Delegação Norte de Médicos do Mundo e tem como objectivos: Geral: Melhorar a qualidade de vida das pessoas com problemas mentais através da inclusão social e da protecção dos seus direitos e da sua dignidade; Específicos - até Abril de 2012: - aumentar em 40% o acesso dos utilizadores em processo de gestão de caso aos cuidados de saúde mental - % de utilizadores identificados com alterações mentais com acesso aos respectivos cuidados de saúde;

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- aumentar em 20% os níveis de autonomia e de independência dos utilizadores identificados com grau de dependência - % de utilizadores activos com incremento na escala de avaliação do grau de dependência (Índices de Katz; Índice de Lawton e Brody)

C ON C EI TO DE PES SO A S EM- AB R IGO O conceito proposto pela Federação Europeia de Organizações que trabalham com pessoas semabrigo (FEANTSA) visa a facilidade de aplicação e operacionalização no espaço europeu e foi o adoptado na Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo (2009). Este documento recomenda a sua utilização “a nível nacional por todas as entidades públicas e privadas para efeitos de contabilização e caracterização das pessoas sem-abrigo e como base para a apresentação de medidas inseridas nos planos de desenvolvimento social das redes sociais concelhias.” (p.16) Do conceito fazem parte diferentes categorias operacionais mas apresentamos de seguida, por economia de espaço a sua síntese.

“Considera-se pessoa sem-abrigo aquela que, independentemente da sua nacionalidade, idade, sexo, condição sócio-económica e condição de saúde física e mental, se encontre: • sem tecto – vivendo no espaço público, alojada em abrigo de emergência ou com paradeiro em local precário; • sem casa – encontrando-se em alojamento temporário destinado para o efeito.” (Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo, 2009, p. 16)

E S TR ATÉ GI AS

DE

I N TE RV E NÇ ÃO

DE

S AÚ D E

M EN T AL

E

PSIQUIÁTRICA Nas últimas décadas a orientação das políticas e práticas em Saúde Mental e Psiquiatria têm por base o modelo Comunitário, assente em valores humanitários que, como tal, preconiza a prevenção, por um lado, e o tratamento segundo padrões de integração social e a reabilitação psicossocial, por outro. A este nível, as últimas tendências elegem o envolvimento do utente e seus próximos no planeamento e avaliação da assistência. Tudo isto, com vista à capacitação (empowerment) dos utentes. Com as PSA as prioridades são de igual ordem mas, como facilmente se percebe, as dificuldades são acrescidas. À assistência sócio-sanitária há que acrescentar a perspectiva da cidadania.

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A Comissão Especializada para a Reabilitação Psicossocial (2005, p.14) refere no seu relatório a propósito da reabilitação de pessoas com doença mental: “III - Sugestões e Recomendações (…) 9. facultar maior individualização das intervenções através da renovação do conteúdo dos programas de reabilitação para ir de encontro aos interesses dos utentes (implica maior investimento nas equipas técnicas); 10. criar respostas não-hospitalares (comunitárias) de prevenção e intervenção na crise e apoio pós-crise que, contariam com uma equipa móvel e multidisciplinar; (…)”

E S TR ATÉ GI AS D E I N TE RV E NÇ ÃO E R E C UR SO S - EQUIPA O trabalho em equipa multidisciplinar é essencial no atendimento de PSA. Apenas em complementaridade e com sinergias entre as diferentes formas de saber e agir se poderão produzir verdadeiros resultados. A problemática da PSA envolve toda a ordem de necessidades do indivíduo, desde logo, as mais básicas, como são as de alimentação e de abrigo/segurança. Perante a PSA com patologia mental importa pois assegurar cuidados de saúde como também promover a sua reintegração social. Poderemos, por exemplo, esperar resultados efectivos de uma terapia psicofarmacológica quando o utente não tem o que comer e onde dormir em conforto?

- MODELOS DE INTERVENÇÃO A assistência em saúde à PSA exige, à semelhança de qualquer outro contexto, uma abordagem holística, mas que neste caso assume particular relevância, dada a sua condição social particular, nomeadamente, de exclusão. Tal abordagem deve ser de cariz pragmático e utilitário, sob pena de se estarem a envidar esforços em vão. Convém ter presente que a economia da relação está invertida, que é como quem diz, são os profissionais a levar a assistência a quem dela precisa e não os beneficiários a procurá-la; é essencial perceber as implicações desta circunstância. Genericamente, a intervenção do projecto Mensanus será de dois níveis: - encaminhamento e acompanhamento nas instituições competentes; - gestão de caso (acompanhamento dos pontos de vista clínico e social).

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O enquadramento da intervenção assenta nas premissas do modelo de intervenção centrado no utente, através de acções de proximidade que promovam a co-definição de um projecto de vida, entre a PSA e os profissionais. A gestão de caso é realizada, preferencialmente, por um técnico de referência. Em particular, a consulta de enfermagem de saúde mental e psiquiátrica orienta-se segundo o modelo terapêutico de Relação de Ajuda, acrescida da noções e intervenções específicas do modelo Cognitivo-comportamental. Destacam-se alguns aspectos fulcrais da Relação de Ajuda terapêutica, para o sucesso da intervenção neste contexto específico. Apresenta-se um resumo de conceitos profusamente difundidos, desenvolvidos por Carl Rogers e seus seguidores, que retiramos de um estudo realizado durante a nossa especialização (Silva et al, 2007). Podem organizar-se segundo o ponto de vista:

DO UTENTE : Confiança na pessoa: ela possui em si a capacidade para enfrentar de forma construtiva a sua própria existência sendo necessárias condições facilitadoras à actualização das suas potencialidades. Tendência actualizante: tendência inerente e operante em todos os organismos no sentido da actualização e desenvolvimento.

DO TERAPEUTA: Empatia: assunção e compreensão do outro na intersubjectividade; Respeito: aceitação positiva incondicional, dignificação do outro; Autenticidade: ser genuíno, sincero e disponível; Congruência: consistência de emoções, ideias e acções; Confrontação: referência objectiva ao comportamento/realidade e não à pessoa.

DA RELAÇÃO: A relação interpessoal é por excelência um espaço de crescimento e realização interpessoal; Resistência; Transferência; Contra-transferência.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

No âmbito do tratamento com psicofármacos a nossa actuação desenvolve-se aos mais diversos níveis como a sua implementação, administração, ensinos, gestão e monitorização.

AVALIAÇÃO A avaliação psicopatológica enfatiza os aspectos mais elementares – comportamento, consciência, pensamento, e emoções – sem descurar os de dimensão orgânica que complementam a informação e ajudam no diagnóstico diferencial, como o exame físico. Assenta pois nas acções complementares de observação e entrevista, nomeadamente, de enfermagem de saúde mental e psiquiátrica, para a qual se elaborou um questionário. Além deste, para o projecto Mensanus utilizamos e prevemos utilizar instrumentos padronizados de avaliação, tais como: o BSI (Brief Symptom Inventory), o mini-exame do estado mental, o teste do relógio, a Escala de Avaliação Global de Funcionamento (AGV) do DSM-IV; entre outras escalas psicométricas. A partir da conceptualização proposta pela Classificação Internacional para a Prática de ®

Enfermagem – Versão 1.0 (CIPE 1.0) elegem-se os principais focos da prática de enfermagem para a intervenção do enfermeiro de saúde mental e psiquiátrica face às PSA com psicopatologia:

Autonomia Atitude face ao cuidado/ Adesão ao regime terapêutico Actividade psicomotora Auto conceito/Auto-estima Auto cuidado Aprendizagem de capacidades Angústia/ Sofrimento/ Ansiedade Bem-estar(…) Consciêncialização Coping/ Adaptação Emoção/Humor Isolamento social Pensamento/ Memória/Orientação Processo familiar/Processo social Sem Abrigo Uso de substâncias/Uso de drogas/Uso de álcool (…)

AMBIENTE (SETTING) Outra das circunstâncias que condicionam a actuação com PSA diz respeito ao ambiente da assistência, que exige do profissional um esforço de adaptação da sua intervenção a circunstâncias muito próprias. Salientam-se os constrangimentos por falta de privacidade e recursos adequados.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

No contexto de rua a triagem e consultas do projecto Mensanus irão ser feitas numa Unidade Móvel de Saúde, devidamente equipada para o efeito. Esta encontra-se em fase final de preparação. Actualmente, as consultas acontecem no gabinete de atendimento do CASSA, situado nas instalações da DN-MdM ou nos locais de alojamento das PSA apoiadas pela Acção Social, maioritariamente, pensões.

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS Conselho Nacional de Saúde Mental - Comissão Especializada para a Reabilitação Psicossocial (2005)

Relatório.

Reabilitação

Psicossocial

em

Saúde

Mental:

Situação

Actual

e

Recomendações Lisboa, Lisboa, pp.14 ICN (2005). Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE) Versão 1.0 Geneve – ICN/ordem dos Enfermeiros. Portugal. Ministério da Saúde - Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental (2007) - Relatório Proposta de Plano de Acção para a Reestruturação e Desenvolvimento dos Serviços de Saúde Mental em Portugal 2007-2016; Lisboa, pp.114. Portugal. Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (2009) - Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo Prevenção, Intervenção e Acompanhamento, 2009-2015, pp.16. [Consult. Maio 2009] Disponível em: WWW:<http://habitacao.cmlisboa.pt/documentos/1237330134J8zYJ1cl6Xk55ZT6.pdf> SILVA, L., [et al] – Relação de Ajuda. (2007). Estudo realizado na disciplina “Metodologias de Intervenção em Saúde Mental e Psiquiátria II”, do Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica. Porto: Escola Superior de Enfermagem do Porto. [Consult. Maio de 2009].

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

22 - NECESSIDADE DE NOVAS RESPOSTAS PARA A POPULAÇÃO IDOSA: UM CONTRIBUTO

77

78

79

HELENA ESTEVES ; MANUEL JOÃO RIBEIRO GOMES MARTO ; ÓSCAR CARVALHO LOUÇÃO

RESUMO A assistência psiquiátrica aos idosos tem atraído uma atenção especial nas últimas décadas. A Doença mental em pessoas idosas é cada vez mais reconhecida como uma importante questão de saúde pública, numa ampla gama de contextos, que engloba um amplo espectro de perturbações e não apenas demências. Os serviços de saúde mental não estão organizados para dar respostas específicas à população idosa e existe deficiente formação específica da maioria dos técnicos formais e informais, o que se acentua face à complexidade da interacção entre problemas físicos, psiquiátricos e sociais, experienciados na velhice e que requer uma estreita colaboração interdisciplinar. Para caracterizarmos a população geriátrica admitida numa unidade de internamento de curta duração da margem sul do Tejo desenvolvemos um estudo prospectivo referente ao triénio 20062008, verificando que a percentagem de utentes geriatricos foi de 9,9% num universo de 1438 utentes. O destino pós-alta da maioria dos utentes foi o serviço de internamento (64%). Cerca de 30% tiveram como destino o domicílio. Apesar da baixa percentagem de idosos internados nesta unidade, o grande número de dias de internamento (409 dias) e o facto de mais de metade destes utentes (64%) transitar directamente para o internamento de agudos e não para o seu domicílio, representaram uma sobrecarga directa para os técnicos, maior taxa de ocupação de camas e custos acrescidos para a instituição cuja importância só agora começamos a avaliar. 77 Assistente Graduada de Psiquiatria no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Nossa Senhora do Rosário E.P.E., mhgesteves@sapo.pt 78 Enfermeiro Graduado no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Nossa Senhora do Rosário E.P.E., manoel.martto@gmail.com 79 Enfermeiro Graduado no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Nossa Senhora do Rosário E.P.E., oscarloucao@hotmail.com

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

PALAVRAS-CHAVE:

Gerontopsiquiatria;

necessidades

psiquiátricas;

população

idosa;

promoção de saúde mental; envelhecimento.

ABSTRACT Old age psychiatric care has attracted particular attention in recent decades. Mental illness in older people is increasingly recognized as an important public health issue, in a wide range of contexts, covering a wide spectrum of disorders, not only dementia. Mental health services are not organized to provide specific answers to the elderly population and formal and informal staff has not been trained in this issues, been specially difficult in the face of complex interactions of old age experiences between physical, psychiatric and social problems, therefore requiring a close interdisciplinary collaboration. We aimed in this article to characterize the old age population admitted in a short stay hospital unit in the Lisbon southern side of Tagus. We developed a prospective study concerning the years 2006-2008, noting that the proportion of elderly users was 9.9% in a universe of total 1,438 users. Most users post-discharge destination was the in-patient unit (64%). About 30% went home. Despite the low percentage of elderly users in this unit, the total hospitalization days (409 days) and the fact that more than half of these users (64%) mainted their stay in the in-patient unit, and didn’t go home, represents a direct burden to the staff, higher rate bed occupancy and increased institutional costs whose importance we are now beginning to assess.

KEYWORDS: Old Age Psychiatry; increasing psychiatric care needs; mental health promotion in aging years.

I N TROD U Ç ÃO O aumento da população idosa nos países industrializados, onde a esperança de vida cresceu consideravelmente, terá como consequência que, nos próximos 10 anos, a população europeia, com mais de 65 anos, irá aumentar cerca de 15 por cento, e a população com mais de 85 anos aproximadamente crescerá 27 por cento. Não é surpreendente que este perfil de crescimento demográfico, se traduza num aumento paralelo na procura de cuidados de saúde em geral e de saúde mental em particular.

181


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

No Reino Unido, um estudo epidemiológico de 2005 verificou que 2/3 das camas do SNC são ocupadas por pessoas com 65 anos ou mais e 2/3 destes doentes, internados, apresentavam problemas de saúde mental, ou iriam desenvolvê-los no futuro e não apenas demências, embora esta seja área significativa. A demência cresce exponencialmente com a idade, afecta 1 em cada 20 pessoas com mais de 65 anos, 1 em cada 5 pessoas com mais de 80 anos e 1 em cada 4 pessoas com mais de 85. Por outro lado, para além da demência, a prevalência de outras perturbações mentais na comunidade idosa é também muito elevada e constitui objecto frequente de atenção dos serviços de saúde mental. Citando o mesmo estudo, após os 65 anos, 1 em cada 6 pessoas desenvolvem uma depressão clinicamente significativa, subindo este valor para 1 em cada 3 nas pessoas que vivem em lares; 1/3 dos suicídios em Inglaterra ocorre em pessoas com mais de 55 anos. Ao mesmo tempo, a discriminação devido à idade é transversal ao SNS e é “(…) exactamente nos povos com maior esperança de vida que mais se encontra o conceito de qualidade de vida que faz do velho um ser desvalorizado” (RAMOS, 2001, p.225). É, por isso, compreensível, que a OMS, o Concelho Europeu para a Saúde, o Plano Nacional de Saúde, incluindo o Plano Nacional de Saúde Mental, considerem esta faixa populacional um grupo prioritário em relação à saúde mental. Ao mesmo tempo este grupo representa um desafio na prestação de cuidados de saúde, uma vez que a complexidade de problemas físicos, psiquiátricos e sociais coexistentes obrigam a uma estreita colaboração multidisciplinar, em terrenos do conhecimento sobreposto e mal conhecidos, sendo a abordagem, dificultada para deficiente formação específica da maioria dos técnicos formais e informais. Os serviços também não estão organizados para dar respostas específicas à população idosa, devendo, assim, ser organizadas políticas, programas e serviços que incluam novas respostas de atendimento especificamente destinados a esta população uma vez que “(…) apresenta características e necessidades que são lhe são peculiares, demandando programas terapêuticos específicos (...)” (TAMAI et al, 2006). Desta forma, com este trabalho, pretendemos conhecer: a) se ocorreu um aumento do número de internamentos, da população idosa admitida numa unidade de Psiquiatria na margem sul do Tejo, durante um período de 3 anos b) qual o tempo médio de internamento destes doentes c) outros indicadores de cuidados capazes de fornecer dados que clarifiquem a necessidade de implementar um projecto multidisciplinar futuro dirigida a esta população.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

METODOLOGIA A nossa experiência quotidiana como profissionais de saúde mental e a existência de poucos dados organizados e divulgados sobre o perfil dos utentes idosos que recorrem a unidades de psiquiatria em Portugal, motivou-nos a conhecer melhor esta problemática. Neste sentido elaborámos um estudo retrospectivo de 1438 utentes internados no triénio de 2006/2008 numa Unidade de Internamento de Curta duração de Psiquiatria na margem sul do Tejo. Procurámos responder a várias questões: 1) percentagem de utentes na faixa etária [65-74]; 2) percentagem de utentes na faixa etária> 74; 3) destino pós-alta dos utentes >64 anos. Foi considerado neste estudo um conjunto de itens tais como: género, Jovens-velhos [65-74] e Velhos-velhos >74 (designação da ONU) e destino pós-alta, nomeadamente a transferência para o serviço de internamento, no caso concreto do utente internado na Unidade de Internamento Curto de Psiquiatria (UICDP), a ida para o domicílio, lar, centro de dia, alta contra parecer médico, transferência para outro serviço ou hospital e morte. Pretendemos explorar a questão de saber se o serviço de psiquiatria geral será o mais adequado para estes utentes ou haverá necessidade de criar uma unidade específica de geriatria, não só pela melhor qualidade de cuidados e eficiência dos serviços, mas também pela melhor qualidade de vida e, até, de sobrevivência?

AN ÁL I S E S/DI S CU SS ÃO DOS R ES UL TAD O S De acordo com os dados colhidos, face ao triénio 2006:2008, de universo de 1438 utentes internados na UICDP, 142 apresentavam mais de 64 anos de idade, representando uma população geriátrica de 9,9 % (Gráfico nº1), distribuídos da seguinte forma: 85 utentes incluíramse no grupo de ≥65 a <74 anos, ou seja 5,9%; 57 utentes pertenciam ao grupo (> 74 anos), representando 4 %, maioritariamente do género masculino. (Quadro nº 1) QUADRO Nº 1 – DISTRIBUIÇÃO GERAL DE UTENTES INTERNADOS NA UICDP, POR GÉNERO POR FAIXA ETÁRIA NO TRIÉNIO 2006:2008

Total Internamentos 2006/7/8

1438

Unidade de Internamento de Curta Duração de Psiquiatria Homens %P H Mulheres %P M Total % (H+M) [65-74] Jovensvelhos 18 1,3% 67 4,7% 85 5,9% [> 74[Velhos-velhos 30 2,1% 27 1,9% 57 4,0% Totais 48 3,3% 94 6,5% 142 9,9% Legenda: %PH – Percentagem parcial de homens; %PM – Percentagem parcial de mulheres; % - Percentagem; % (H+M) – Percentagem parcial de homens e mulheres

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

De acordo com estes dados, se conclui que, nesta faixa etária, a maioria dos internamentos ocorreram em indivíduos no género masculino, representando 52% do total dos indivíduos internados (30 utentes), sendo de 48% a percentagem de mulheres internadas (27 utentes). (Gráfico nº1) GRÁFICO Nº1 – RELAÇÃO ENTRE A PERCENTAGEM DE UTENTES INTERNADOS NA UICDP, POR GÉNERO: FAIXA ETÁRIA [> A 74 ANOS] NO TRIÉNIO 2006:2008

Na faixa etária ≥65 a <74 anos verificou-se que existiram 85 internamentos, ou seja 5,9% da população total. (Quadro nº2)

QUADRO Nº 2 – DISTRIBUIÇÃO DE UTENTES INTERNADOS NA UICDP, POR GÉNERO: FAIXA ETÁRIA [65 – 74] NO TRIÉNIO 2006:2008

[65-74] Jovensvelhos

Homens (H)

% (H)

18

1,3%

Mulheres (M) % (M)

67

4,7%

Total (H + M)

% (H+M)

85

5,9%

O somatório do número total de idosos nas faixas etárias de ≥64 é cerca de 9,9 %. (Gráfico nº2) GRÁFICO Nº 2 – RELAÇÃO ENTRE A PERCENTAGEM DO TOTAL DE UTENTES INTERNADOS NA UICDP E A PERCENTAGEM DE UTENTES COM MAIS DE 64 ANOS DE AMBOS OS GÉNEROS, NO TRIÉNIO 2006:2008

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Em relação ao destino dos utentes pós-alta a maioria dos utentes tiveram como destino o serviço de internamento, num total de 92, representando 64 % dos utentes internados; 43 tiveram como destino o domicílio, representando 30 % dos utentes. Apurou-se simultaneamente que foi na faixa etária [65 – 74 anos] o maior número de utentes com alta da UICD tiveram como destino ora o internamento no serviço de psiquiatria, ora o domicílio. (Gráfico nº 3) GRÁFICO Nº 3 – PERCENTAGEM DE UTENTES INTERNADOS FACE AO DESTINO PÓS ALTA NO TRIÉNIO 2006:2008

Os utentes cujo destino foi o internamento de agudos pertenciam em maior número ao grupo [65 – 74 anos]. (Gráfico nº4)

GRÁFICO Nº 4 – DISTRIBUIÇÃO GERAL DE UTENTES INTERNADOS POR FAIXA ETÁRIA FACE AO DESTINO PÓS ALTA NO TRIÉNIO 2006:2008

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

CONCLUSÕES Apesar do número de indivíduos idosos se situar na ordem dos 9,9 % da população atendida estes utentes consumiram 696 dias de internamento no triénio 2006-2008. Ou seja a percentagem de apenas 9,9 % pode não ser muito expressiva, mas o facto de permanecerem muitos dias internados aumenta significativamente a sua real importância Outro dado significativo refere-se ao facto de mais de metade destes utentes (64%) transitar directamente para o internamento de agudos e não para o seu domicílio ou estruturas de apoio comunitário, o que reforça o exposto anteriormente. Numa 2ª fase tentaremos responder às seguintes perguntas: 1-Em relação à restante população psiquiátrica os internamentos foram mais, menos ou igualmente prolongados? 2-A percentagem de idosos internados aumentou nos últimos 3 anos? 3- Caso os internamentos forem mais prolongados, quais as causas possíveis? 4-Quais os motivos de ingresso no serviço? 5-Qual a patologia psiquiátrica predominante? 6-Houve mais patologia orgânica nesta faixa de doentes? 7-Estes internamentos foram mais caros devido aos custos com exames, antibióticos, etc? 9- A unidade de internamento de psiquiatria geral é a unidade adequada para tratar rápida e eficazmente estes doentes e devolve-los à sua casa, famílias e comunidade ou existe necessidade de unidades especializadas ou outras modalidades de tratamento, por exemplo, na comunidade, para cuidar estes doentes?

Desta forma cabe de facto aos profissionais a necessidade de reflectir acerca deste fenómeno, procurando estratégias que visem apoiar o doente, a família e a comunidade, cuja prioridade se foca na reabilitação psicossocial da pessoa, aliviando desta o agravamento das situações patológicas, a desagregação familiar e consequente sobrecarga para a sociedade. Torna-se fundamental que as pessoas se preparem para envelhecer bem. Do mesmo modo, as sociedades tem de se estruturar de forma mais articulada e saudável, no sentido de prevenir e evitar os fenómenos de exclusão física, psíquica e social que se reflectem na violência, na solidão e no abandono de que são, ainda particularmente, vítimas as pessoas idosas de modo a manterem a sua saúde mental com a melhor qualidade possível.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS RAMOS, H.Vilaça. (2001). Qualidade de vida e envelhecimento. In Novos desafios à bioética. Porto: Porto Editora. ISBN 972-0-0636-0. p.225-230. TAMAIL, Sérgio [et al]. (2006). Características clínicas de pacientes atendidos em uma enfermaria psicogeriátrica na idade de São Paulo – Brasil. Envelhecimento e Saúde. [Em linha] 12:4 527-534. [Consult. 2009-04-01]. Disponível em WWW: <URL: http://www.envelhecimentoesaude.com.br/uploaded/arquivo_pdf_1165323675_vol12n4artigo01.pdf>. 0102-311X.22.05.09: 15.07. http://www.mind.org.uk/News+policy+and+campaigns/Campaigns/ages. 23.05.07: 16.45. http://www.acs.min-saude.pt/wp-content/uploads/2008/10/pnsemfoco2.pdf.23.05.09: 22.04.

187

ISSN


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

23 - PROMOÇÃO E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL DOS FAMILIARES CUIDADORES

80

MANUEL JOSÉ MACHADINHO PAIVA BIDARRA

I N TROD U Ç ÃO Prestar cuidados a familiares dependentes, cuja dependência pode ser física ou mental, é desgastante e pode alterar a saúde dos cuidadores, que sofrem mais frequentemente do que as outras pessoas da sua idade, de depressão ou de outras perturbações emocionais. O número de doenças crónicas sofreu igualmente um aumento junto dos cuidadores, por causa das exigências de ordem física. Um dos exemplos é a perda de sono, que pode modificar o seu estado de saúde. A vida social dos cuidadores fica condicionada, e muitos deles sentem-se isolados e sós. A acumulação do desgaste mental, físico e social, pode esgotar os seus recursos, e alterar seriamente a qualidade de vida do cuidador, e consequentemente o bem-estar da pessoa dependente. Cuidar do familiar cuidador é actualmente um dos grandes desafios, pois só assim o cuidador, na ausência do enfermeiro, pode manter bons cuidados ao familiar. A promoção do bem-estar dos cuidadores e a prevenção de perturbações merece por parte dos enfermeiros uma especial atenção, pois deles dependem os familiares doentes ao seu cuidado, bem como a sua permanência na comunidade. Nos cuidados no domicílio, quando se verifica um desequilíbrio de um dos elementos da família, há uma alteração da dinâmica e rotinas diárias, surgindo situações que provocam stress e angústia relacionada com o cuidar. Com estas preocupações e atendendo ao contexto profissional (nos Cuidados Continuados do Centro de Saúde de Mafra), resultou a escolha do tema, que pretende compreender o fenómeno em causa: “promoção e reabilitação psicossocial dos familiares cuidadores”.

80

Elemento da Equipa dos Cuidados Continuados do Centro de Saúde de Mafra, Pós-Graduado em Saúde Mental.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

QUESTÃO DE INVESTIGAÇÃO: Quais as necessidades de Promoção e Reabilitação psicossocial dos familiares cuidadores?

OBJECTIVOS:

Identificar as necessidades de promoção e reabilitação psicossocial dos familiares cuidadores;

Avaliar as principais necessidades psicossociais dos cuidadores;

Descrever as necessidades de promoção e reabilitação dos familiares cuidadores;

Descrever um plano de intervenção no processo de promoção e reabilitação familiares cuidadores.

A atenção de saúde não se deve limitar ao indivíduo doente, já que a doença é um processo colectivo que afecta toda a unidade familiar. Assim, considerando a família/principal cuidador numa relação simbiótica, estes não devem ser alheios a um processo de “conforto”, acompanhamento, consciencialização, “reconstrução” e reorganização; sendo também eles, alvo de cuidados, sempre que o enfermeiro, pelas suas observações/avaliações considere necessário. Neste contexto, Collière (1989:295) descreve que " (…) são os utilizadores, os doentes e suas famílias que detêm o fio condutor que serve para nos guiar, pelo que cabe ao enfermeiro centrarse na flexibilidade, face aos processos de aproximação enfermeiro/família/cliente”.

METODOLOGIA Estudo qualitativo. O objectivo, propósito e método foi do tipo exploratório-descritivo. A população alvo do estudo, foram os familiares cuidadores cujos seus utentes se encontravam a ser seguidos pelo Programa de Cuidados Continuados do Centro de Saúde de Mafra, (extensão da Ericeira). O período de colheita de dados, decorreu durante o mês de Dezembro 2007. Tratando-se de um estudo exploratório - descritivo, foi utilizada a amostragem não probabilística, amostragem por selecção racional ou casos típicos utilizada quando existem grandes limitações em tempo e nos recursos disponíveis. Procedeu-se à realização de uma entrevista, no domicílio, aos participantes do estudo, através da colheita de dados. Para obtenção dos dados de caracterização dos sujeitos do estudo de caso aplicou-se um questionário estruturado, dividido em cinco partes, usando a escala de CANE (Camberwell Assessment of Need for the Elderly) adaptada, utilizando 11 itens, com suporte de gravação áudio para posterior análise de conteúdo das entrevistas aos familiares cuidadores.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

C AR AC TE R I Z AÇ ÃO

SÓCIO

DE MOGR ÁF I C A

DA

AMOSTRA

PO P UL AC IO N AL Relativamente à caracterização da amostra, recorreu-se ao tratamento dos dados referentes à mesma, através de uma abordagem quantitativa.

GRÁFICO Nº 1 – DISTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES POR GÉNERO

Partindo da análise das amostras os sujeitos são predominantemente do género feminino 87,5%, (7) para 12,5% (1) do género masculino.

GRÁFICO Nº 2– DISTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES POR GRUPO ETÁRIO

Constata-se que a incidência etária dos familiares cuidadores é tendencialmente idoso.

GRÁFICO Nº 3 – DISTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES PELA SITUAÇÃO LABORAL

Tendo em conta a idade dos familiares cuidadores, não se pode negligenciar o facto de dois (25%) dos cuidadores fazerem parte da população activa e que prestam cuidados. GRÁFICO Nº 4 - DISTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES POR GRAU DE PARENTESCO

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Em relação ao grau de parentesco verifica-se a existência de maior proporção de filhas/os cuidadores (50%), no domicílio, os cônjuges têm alguma expressão (37,5%), seguindo-se os genros/noras (12,5%).

GRÁFICO Nº 5 - DISTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES POR TEMPO DE CUIDADOR

Cerca de 37,5% (3) dos participantes são cuidadores há cerca de 3-5 anos, enquanto dois participantes (25%) são cuidadores há mais de 8 anos, assim como também, 25% (2) dos participantes são cuidadores entre 6 meses a 1 ano, e apenas 12,5% (1) dos participantes é cuidador entre 1 a 2 anos. GRÁFICO Nº 6 – DISTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES PELA OCUPAÇÃO DOS TEMPOS LIVRES

Só dois (25%) dos cuidadores têm acupação de tempos livres, os restantes limitam-se a cuidar do familiar.

GRÁFICO Nº 7 - CARACTERIZAÇÃO DOS CUIDADORES/AVALIAÇÃO DO ESTADO MENTAL

Na avaliaçao mental dos cuidadores verifica-se alguns comportamentos que pertubam o bem estar dos cuidadores. Dos oito cuidadores, cinco recorrem a medicação anti-depressiva, um está a tomar medicação anti-psicótica e estabilizador de humor, quatro estão a tomar ansiolítico, e um cuidador está a tomar indutores de sono.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Segundo Martins et al (2002) quase sempre o cuidador mergulha numa rotina extenuante de cuidados com o familiar, que começa cedo e pode alongar-se por noites mal dormidas, deixa por vezes de descansar, não se alimentando correctamente, desvalorizando os seus próprios problemas de saúde.

M É TO DO D E TR AT AM E N TO D E D AD OS A avaliação das necessidades dos cuidadores é crucial no planeamento, monitorização e avaliação de serviços de psiquiatria e saúde mental, bem como na investigação e na clínica. Este princípio é obviamente aplicável aos serviços responsáveis por populações de pessoas mais velhas. “O instrumento CANE — Camberwell Assessment of Need for the Elderly possibilita uma avaliação consistente das necessidades de utentes idosos, nomeadamente em situações de patologia neuropsiquiátrica.” Gonçalves – Pereira et al (2007:7)

QUADRO Nº 3 - RESUMO DA AVALIAÇÃO DA ESCALA DO CANE QUESTIONÁRIO A

B

C

D

NECESSIDADES

UTENTE

TÉCNICO

UTENTE

TÉCNICO

UTENTE

TÉCNICO

UTENTE

E

TÉCNICO

UTENTE

F

G

H

TÉCNICO

UTENTE

TÉCNICO

UTENTE

TÉCNICO

UTENTE

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ALOJAMENTO

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0

ALIMENTAÇÃO

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TAREFAS BÁSICAS

0

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CUIDADOS PESSOAIS

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0

ACTIVIDADES DIÁRIAS

2

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SAÚDE FISICA

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2

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INFORMAÇÃO DOENÇA

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SOFRIMENTO PSICOLÓGICO

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RISCOS/DANOS PRÓPRIOS

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DROGAS

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CONTACTOS SOCIAIS

2

2

2

2

2

2

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2

2

2

2

Codificação da escala: 0 = Sem problema; 1 = sem problema ou problema parcialmente resolvido, devido a intervenção continua; 2 = problema grave (e.g. Necessidade sem resposta); 9 = desconhecido

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As entrevistas foram efectuadas aquando da recolha de dados e avaliação da escala de CANE. Neste contexto, o método de colheita de dados que se utilizou neste estudo foi o auto-relato. Uma vez que se está perante um estudo de natureza qualitativa, no qual, através da interrogação directa de pessoas e do seu relato de experiências pessoais, pretende-se “(...) acumular a maior quantidade de informações possíveis, a fim de abarcar os diversos aspectos do fenómeno (...) ” Fortin (1999:240). Deste modo, recorreu-se à análise de conteúdo como técnica para tratar os dados obtidos no decorrer do estudo. Para iniciar a análise de conteúdo estabeleceu-se um conjunto de

condições de forma a facilitar a leitura dos dados apresentados.

R E S UL T AD O S - Necessidade de suporte psicológico: foram identificadas duas como subcategorias: diminuição da auto-estima e humor depressivo. Relativamente à diminuição da auto-estima, verifica-se que os familiares cuidadores não são valorizados no seu papel de cuidador no que resultam algumas consequências. Segundo Martins et al (2002), refere que em muitas circunstâncias toda a família, ou em particular a pessoa mais directamente envolvida na prestação de cuidados, entram em situação de crise e rotura manifestando entre outros sintomas, tensão, constrangimento, fadiga, stress, frustração, redução do convívio, depressão e alteração da auto-estima. Em relação ao humor depressivo, os familiares cuidadores verbalizam sentimentos de tristeza, défice de iniciativa resultante do envolvimento permanente de cuidar do familiar. Segundo Martins et al (2002), a sobrecarga ou tensão manifestada por estes cuidadores pode acarretar problemas físicos, psicológicos, emocionais, sociais e financeiros, o que em última instância afectam o bem-estar de ambos, doente e cuidador. - Necessidade de contactos sociais: foram identificadas duas como subcategorias: isolamento social e apoios sociais. Quanto ao isolamento social, para muitos cuidadores o seu principal objectivo é manter os seus familiares em casa ou na sua comunidade, o mais tempo possível, prestando-lhes cuidados de boa qualidade. Para conseguirem este objectivo, os cuidadores não têm tempo para si próprio o que provoca isolamento social.

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Segundo Martins et al (2002), o desempenho deste papel interfere com aspectos da vida pessoal, familiar, laboral, e social dos principais cuidadores predispondo-os a conflitos. Relativamente a apoios sociais, o familiar cuidador que não tem apoios ou contactos sociais, que se encontra isolado ficará sem vida própria para além dos seus compromissos como cuidador. Quanto mais tempo estiver nesta situação, mais dificilmente tornará a encontrar objectivos alternativos para a sua vida. “O suporte familiar, a rede social formal e informal constituída por instituições, serviços oficiais públicos ou privados, rede de amigos e voluntários, desempenham um papel importante, pois constituem factores facilitadores no controlo de situações problemáticas” Martins et al (2003)

- Necessidade de promoção de saúde: gestão de tempo e esforço físico - identificadas duas como subcategorias: ocupação de tempo e limitação física. Em relação à ocupação de tempo, os familiares cuidadores, com a preocupação de cuidar esquecem-se de si próprios, abdicam de cuidar de si, as actividades recreativas que desempenhavam anteriormente, deixam de tem tempo para as desenvolver. Segundo Martins et al (2002), os conflitos familiares e profissionais, os problemas económicos e a restrição das actividades sociais, decorrentes do papel de cuidador, constituem uma forma de stress secundário. Porém, resultante do desempenho do seu papel, o cuidador sofre um isolamento social, fruto da falta de tempo para si e para as suas actividades sociais habituais. Por vezes o cuidador é obrigado a abdicar da sua actividade profissional sendo também este facto motivo de angústia. Esta situação acentua-se quando o cuidador é o único responsável pelo cuidado prestado ao doente. Quanto à limitação física, o familiar cuidador, sem sistemas de apoio na forma de serviços, tais como Centro de Dia ou Apoio Domiciliário, poderá rapidamente, conforme for progredindo a dependência do seu familiar, ficar fisicamente exausto. Um cuidador que adoeça fisicamente corre o grave risco de ficar permanentemente incapaz de continuar a cuidar do seu familiar. “O cuidador poderá sofrer de vários problemas físicos, sendo os mais comuns: lombalgias, tendinites, cefaleias, entre outros. Quase sempre o cuidador mergulha numa rotina extenuante de cuidados com o doente, que começa cedo e pode alongar-se por noites mal dormidas. O cuidador informal deixa por vezes de descansar, não se alimentando correctamente, desvalorizando os próprios problemas de saúde.” Martins et al (2003)

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INTERVENÇÃO

TERAPÊUTICA

NAS

NECESSIDADES

DOS

FAMILIARES

CUIDADORES Para a compreensão das necessidades do familiar cuidador, é necessário ter em conta a teoria das necessidades humanas básicas de Maslow, teoria essa que pressupõe, que as necessidades humanas se encontram hierarquizadas, de acordo, com o seu grau de importância. As necessidades fisiológicas, de segurança e de protecção são necessidades primárias, seguindo-se as necessidades de afecto e pertença, de auto-estima e de auto-realização, que constituem as necessidades secundárias. Muitas vezes, as necessidades pessoais dos familiares cuidadores são postas, por estes, em segundo plano. É necessário que se esteja atento, de forma a chamar a atenção para a necessidade de satisfação destas mesmas necessidades, correndo-se o risco dos próprios entrarem em ruptura. Segundo Chalifour (2008:18) quando uma pessoa necessita de ajuda, estes processos deixam de funcionar de um modo harmonioso e não consegue fazer escolhas satisfatórias para si próprio.

PROCESSO DE ACONSELHAMENTO Neste processo de aconselhamento como demonstrado ao longo deste trabalho é sem dúvida uma forma terapêutica adequada na promoção e reabilitação dos familiares cuidadores, mas a reavaliação necessita efectivamente de mais tempo. Ela demonstra como os cuidadores que acompanham a fase terminal dos seus familiares o impacto no luto é menor, como se verificou nos cuidadores em causa. Após ter sido criada aliança terapeuta ao falarem dos seus sentimentos de perda, de angústia notou-se que há mais espontaneidade sem medos ou preconceitos conduzindo a uma fase de luto não patológica. O aconselhamento define-se como um processo de interacção pessoa-a-pessoa que estimula a mudança no comportamento e no pensamento. “O aconselhamento é um processo interactivo, caracterizado por uma relação única entre conselheiro e cliente, que leva este último a mudanças em uma ou mais das seguintes áreas: Patterson (1988: 20) 1- Comportamento 2- Construções pessoais (modos de elaborar a realidade, incluindo o eu) ou preocupações emocionais relacionadas em essas percepções.

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3- Capacidade para ser bem-sucedido nas situações da vida, de forma a aumentar ao máximo as oportunidades e reduzir ao mínimo ‘as condições ambientais adversas. 4- Conhecimento e habilidade para tomada de decisão.”

PSICOEDUCAÇÃO Há partilha de sentimentos, mas o que foi mais salientado foi a valorização do papel de cuidadores com a satisfação de estar a desempenhar esse papel. A psicoeducação permite à pessoa doente ter um papel activo no decorrer da intervenção, transformando-a num agente consciente e informado durante todo o seu processo terapêutico, ou seja, num ser mais sensibilizado sobre a realidade patológica que o envolve. Através da identificação das necessidades de cada cuidador foi definido um plano de intervenção visando a promoção e reabilitação ou readaptação dos mesmos, através essencialmente por aconselhamento, psicoeducação, acompanhamento dos familiares cuidadores, em fase terminal, e posteriormente no acompanhamento do luto em contexto domiciliário. “As intervenções de profissionais dirigidas às famílias, para que estas possam melhor conviver com a doença, para a sua formação e treino e assim, complementarmente, adquirirem reforçada competência para o seu papel de parceiros, podem sintetizar-se nos tópicos da informação, educação, psicoeducação, consultoria, aconselhamento, psicoterapia “CNRSSM (2007: 85)

C ON CL U S ÃO As famílias e em particular os familiares cuidadores vêem-se confrontadas perante tal facto, e pelas repercussões decorrentes, convergentes para a sua esfera psicológica, física e social muitas vezes com efeitos negativos, condicionando a prestação de cuidados e a sua qualidade de vida. Os familiares cuidadores têm necessidades de apoio psicossocial e ocupacional envolvendo os familiares e outros prestadores de cuidados, educação para a saúde aos doentes, familiares e cuidadores, apoio na satisfação das necessidades básicas; coordenação e gestão de casos com outros recursos de saúde e sociais.

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24 - REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENFERMEIRO DE SAÚDE MENTAL E PSIQUIATRIA – PERSPECTIVA DOS FAMILIARES DOS DOENTES COM DOENÇA MENTAL

81

JORGE CRAVIDÃO

RESUMO Este estudo é uma investigação das representações sociais que as famílias dos doentes com doença mental têm dos enfermeiros que trabalham em saúde mental e psiquiatria. Metodologicamente, enquanto pesquisa qualitativa, aplicou-se uma entrevista de levantamento de conceitos e opiniões, a 44 sujeitos, familiares dos doentes portadores de doença mental internados na Casa de Saúde do Telhal. Da amostra a maioria dos indivíduos vê os enfermeiros de saúde mental e psiquiatria como profissionais pacientes, que têm importância por catalizarem o tratamento dos doentes e ajudarem o psiquiatra, sendo a maior dificuldade quotidiana o relacionamento com doentes rebeldes e/ou violentos. Como tratamento da doença mental os entrevistados consideram que a medicação e a acompanhamento médico são as medidas mais importantes. Os familiares manifestam um sentimento de revolta por não conseguirem ajudar, pensam que a doença mental não tem cura e têm medo de adoecer com este tipo de patologia por acharem que é uma doença difícil.

PALAVRAS-CHAVE: Representações sociais; Doença mental; Enfermagem de saúde mental e psiquiatria; Família

ABSTRACT This study addressed an investigation about the social representations that insanity people relatives have about nurses who work with mental health disorders and psychiatry. Methodologically, while qualitative investigation, we performed a survey inquiring concepts and opinions over 44 individuals who were relatives of “Casa de Saúde do Telhal” sick people. 81 Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria,Casa jmn.cravidao@gmail.com. Nota editorial: ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA HOSPITALIDADE -. 277. pp. 22-27.

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de

Saúde

do

Telhal,


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The majority of the inquired individuals sees nurses of mental health and psychiatry as a patient professional, who have importance for motivating sick people treatment and helping the psychiatrist, being this the biggest daily difficulty with relationships with rebellious and/or violent sick people. As treatment for the mentally sick people, the inquired people considers that the medication and the medical accompaniment are the most important measures. The relatives reveal a revolt feeling for not being able to help, think that the illness could not be fixed and they fear for getting sick with this type of pathology as they consider this a difficult illness.

KEYWORDS: Social representations; Mental disease; Psychiatric nursing; Family

I N TROD U Ç ÃO Os seres humanos sempre se preocuparam com qualquer comportamento diferente daquele geralmente encontrado no seu meio. Às vezes, a origem dessa preocupação tem sido a compaixão, em outras ocasiões deriva do medo. Ao mesmo tempo, os rótulos aplicados às pessoas com transtornos de comportamento têm variado e incluem termos tais como pecador, lunático, insano e doente mental. Os sistemas elaborados pela sociedade para o atendimento a essas pessoas foram fortemente influenciados pelas crenças prevalentes acerca da causa e natureza dos transtornos do comportamento. Assim sendo, “a responsabilidade pela provisão do atendimento e a forma como este é realizado tem variado, incluindo os diferentes subsistemas da sociedade, desde a família até à comunidade como um todo e agentes especializados da sociedade”. (TAYLOR, 1992:1) E para nós, enfermeiros de saúde mental, como é que estes rótulos têm influenciado a prestação dos nossos cuidados? Como têm influenciado a forma como somos vistos pela sociedade? Este artigo assume, assim, a sua relevância como ponto de reflexão acerca da enfermagem que praticamos em saúde mental, da imagem que transmitimos dos nossos cuidados e das condicionantes que essa imagem social impõe ao nosso desempenho profissional. Nesse sentido, temos o objectivo de investigar as representações sociais do enfermeiro de saúde mental de forma a desconstruir estereótipos e analisar, no seu processo constitutivo, a influência das formações ideológicas.

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Para que esta apreciação possa ser realizada avaliámos a visão da família dado ser neste meio que, segundo DURHAM (1980), se concentram e são interpretadas as informações sobre a sociedade.

R E P RE S EN T AÇ Õ E S SO CI AI S A designação “representações sociais” deve-se ao psicólogo social francês Serge Moscovici e surgiu em torno da problemática por ele elaborada, sobre como se constrói um mundo significante. Podemos defini-las como “um conjunto de conceitos, proposições e explicações criado na vida no decurso da comunicação interdisciplinar. São o equivalente, na nossa sociedade, dos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais, podem ainda ser vistas como a versão contemporânea do senso comum” (VALA, 2000:458). As finalidades das representações sociais são para Moscovici, Jodelet e Doise, orientar comunicações e comportamentos, saber prático e organizar as relações simbólicas entre os actores sociais, respectivamente (VALA, 2000). As representações sociais referem-se ao individual, enquanto conceito e explicação e ao social enquanto comportamento e comunicação. Segundo VALA (1993), as representações sociais não são apenas enunciados sobre a realidade, mas teorias sociais práticas sobre objectos relevantes na vida dos grupos. O autor considera que enquanto teorias orientam crenças, atitudes e explicações, como sociais são produzidas no quadro das comunicações quotidianas, suscitadas pelas identidades sociais e como prática organizam as acções. As representações sociais podem ser entendidas como princípios organizadores de actividades cognitivas mais específicas como a atribuição causal e a percepção de pessoas e grupos. Nesta acepção está explicita a atribuição de sentido e a construção de significados pelos indivíduos, que não são meros receptores de informação mas que processam à luz dos seus valores e crenças e a narram com a sua própria gramática. A construção das representações pressupõe a relação entre o universo exterior e o universo interior do indivíduo.

MÉTODO Através do método de pesquisa quantitativo, aplicou-se 44 entrevistas estruturadas a familiares de doentes com doença mental internados nas unidades de longo internamento e clínica de agudos da Casa de Saúde do Telhal. Para selecção da amostra utilizou-se a técnica de amostragem não probabilística acidental. A participação neste estudo foi de cariz voluntário e anónimo, consistindo numa entrevista estruturada, escrita e não presencial. Posteriormente foram analisadas as unidades

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de significância de cada uma das respostas e tratadas estatisticamente através do programa informático SPSS.

D AD O S SO CIO-D EMOGR ÁF I CO S A amostra foi constituída por elementos com idades compreendidas entre os 24 e os 70 anos (moda=56anos; média=52anos), género masculino (41%) e feminino (59%), estado civil casado (73%), divorciado (9%), solteiro (14%) e viúvo (4%),

escolaridade entre o 1.º ciclo e o

bacharelato/licenciatura (1.º ciclo=41%, 2.º ciclo=4%, 3.º ciclo=14%, secundário=18%, bacharelato/licenciatura=23%) e profissão doméstica (14%), do sector secundário (4%), do sector terciário (64%) e reformado (18%)

R E S UL T AD O S Na pergunta 1, “O que é para si um enfermeiro de saúde mental?” procurou-se determinar qual a imagem que os familiares dos doentes com doença mental têm dos enfermeiros que trabalham em saúde mental e psiquiatria. Da análise efectuada verificou-se, na amostra, que estes profissionais representam alguém que: gosta da profissão (n=4), ajuda o doente na sua terapia (n=6), é especial (n=4), é responsável pela administração de medicação (n=2), é um pai/mãe para o doente (n=2), tem compaixão (n=2), é paciente (n=12) e; tem formação específica (n=12). Encontraram-se referências tais como “É uma pessoa com muita paciência para os doentes” E1; “É um profissional com formação especializada nesta área” E10, exemplos das unidades de significância com maior frequência. Estes dados são confirmados através da 2.ª pergunta, “Na sua opinião, qual a característica mais importante que se deve identificar num enfermeiro de saúde mental?”. A maioria dos entrevistados considera ser a paciência (n=22), seguido da humanidade (n=10), conhecimentos acerca de como tratar o doente (n=6), simpatia (n=2), serenidade (n=2) e compaixão (n=2). Estas respostas revelam-nos que, para as famílias, o enfermeiro não deve apenas possuir conhecimentos técnicos como também qualidades pessoais, essenciais ao cuidar. Esta noção de complementaridade entre o ser-pessoa e ser-profissional é-nos apresentado por PHANEUF (2004:3) ao nos referir que “A competência de enfermagem baseia-se em primeiro lugar nas qualidades pessoais da enfermeira, as que fazem dela uma pessoa à escuta, atenta ao que se passa com o doente e capaz de decisão, de acção e de empatia.”

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No que diz respeito à pergunta 3 “Qual a maior dificuldade que o enfermeiro em saúde mental enfrenta no seu quotidiano?”, verificamos que os familiares consideram que os enfermeiros enfrentam as maiores dificuldades no relacionamento com os doentes rebeldes e/ou violentos (n=20), na compreensão dos doentes (n=8), na gestão de situações que provoquem falta de paciência (n=6), na manutenção do cumprimento das regras (n=6) e devido às más condições do serviço nacional de saúde (n=4). “Doentes rebeldes” E41 “Quando o doente for um bocado violento” E5 são alguns dos exemplos de respostas da unidade de significância com maior frequência. VASCONCELLOS (2000:271) explica-nos estas respostas ao afirmar que “A doença mental também traz (…) o estigma da doença, já que é associada a imprevisibilidade de acções e a conduta perigosa, em decorrência disso o portador é discriminado socialmente”. A pergunta 4 “Que importância atribui ao enfermeiro no tratamento da doença mental?” surge no seguimento da entrevista e visa avaliar se, para as famílias, a acção do enfermeiro é importante ou não no tratamento da doença mental. A maioria dos entrevistados considera que a importância dos enfermeiros se deve ao facto de catalizarem o tratamento (n=12) e ajudarem o médico (n=12). São exemplos destes resultados as seguintes respostas: “Importância muito grande para a pessoa ter uma cura mais rápida” E2; “É importante na medida em que pode auxiliar o psiquiatra” E23 Os restantes indivíduos atribuem a importância destes profissionais à sua dedicação (n=2), à sua presença junto do doente, que é mais duradoura que a presença médica (n=10) e à sua presença junto do doente e da sua família (n=8). Em relação à 5.ª pergunta “Na sua opinião, o que é importante no tratamento da doença mental?”, visou-se testar as questões anteriores. Das respostas obtidas as que obtiveram maior relevância referem que seguir a terapêutica (n=12) e o acompanhamento médico (n=12) são as medidas mais importantes no tratamento da doença mental. As seguintes unidades de significância exemplificam as respostas da maioria da amostra: “Cumprir a medicação” E8; “Intervenção médica (óbvia) ” E11. As outras medidas indicadas dizem respeito ao acompanhamento médico e de enfermagem (n=10), acompanhamento psico-pedagógico (n=8) e à paciência que os profissionais têm de ter para abordar as patologias de foro mental (n=2). JORGE et al (1998) justifica-nos estes resultados ao afirmar que, com base num estudo efectuado, os enfermeiros mantêm as práticas tradicionais – triagem e controlo principalmente medicamentoso dos doentes em crise – embora o discurso aponte para actividades de relacionamento interpessoal e trabalho interdisciplinar. Outra explicação pode ser avançada se

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correlacionarmos a média de idades da amostra e o facto do saber, como dimensão da actuação do enfermeiro, ser resultante de dois modelos que norteiam a sua prática: o clássico, de execução das prescrições médicas, e o próprio, caracterizado por definição de funções próprias (GUIMELLI et al,, 1990). Será que para as pessoas mais velhas, apesar dos enfermeiros actuarem segundo o modelo próprio, continuam a partilhar um conceito de enfermagem que está de acordo com o modelo clássico e isso influencia a forma como perspectivam a nossa actuação? Ou será que, por outro lado, os enfermeiros proclamam um discurso de abordagem holística ao doente e na actuação continuam a ser meramente organicistas? Relativamente à pergunta 6 “Que sentimento é desencadeado em si pela doença mental”, as respostas estão marcadas pela ambivalência. Sentimentos contraditórios permeiam as atitudes dos sujeitos diante desta patologia. Prevaleceu a revolta por não conseguir ajudar (n=16), embora tenham sido referidos muitos outros sentimentos com menor frequência: respeito (n=2), tristeza (n=8), pena (n=4), incompreensão (n=6), caridade (n=2), compaixão (n=2) e medo (n=4). Esta panóplia de sentimentos, que por vezes coexistem e se influenciam entre si, é-nos apresentada por OLIVEIRA et al (1998) que nos refere que a família tem poucas respostas para as suas inquietações, por isso fica nervosa, ansiosa e com medo. “Sentimento de impotência, de “revolta” por não poder ajudar” E11; “Um sentimento de revolta, pela doença” E44, exemplificam as respostas em cima referidas. No seguimento da entrevista é formulada a 7.ª questão “Acha que a doença mental tem cura?” que funciona como pergunta de pausa. “Neste momento não tem, mas no futuro pode vir a ter” E3; “Penso que não mas pode suavizar-se” E26 são exemplos da maioria das respostas dos entrevistados, que consideram que a doença mental não tem cura (n=24). Da restante amostra 8 indivíduos acham que a doença mental tem cura e 12 acreditam que a cura depende do doente. Estes resultados estão de acordo com o facto do diagnóstico da doença ser muito valorizado pelo familiar, mas, na maioria das vezes, ele não possuir entendimento da patologia propriamente dita, entendendo o que sofrimento mental possui como característica a cronicidade e incurabilidade destas doenças (MORENO, 2000). Outra situação que pode ter condicionado a resposta a esta pergunta está relacionada com o facto da maioria da amostra ter sido seleccionada nas unidades de longo internamento. A pergunta seguinte “Que tratamento acha importante para a evolução da doença mental?” teve a intenção de captar dos sujeitos aspectos que pudessem correlacionar-se às opiniões e aos pontos de vista emitidos em relação às questões anteriores e verificar o grau de coerência no conjunto de ideias e concepções da amostra investigada. As respostas divergiram um pouco das anteriores sendo a boa equipa multidisciplinar apontada como a medida mais importante (n=14). De seguida

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ficaram a terapêutica prescrita (n=12), disponibilidade do enfermeiro para o doente (n=12), acompanhamento psicológico (n=2), acompanhamento clínico (n=2) e o sossego (n=2). A importância da equipa multidisciplinar é fundamental para o tratamento da patologia mental uma vez que “quando se considera que a doença não tem uma causa única, mas é determinada por diversos factores que o saber médico, da forma como é instituído, não consegue intervir de forma satisfastória, percebe-se a importância de se organizar uma equipe com diversos profissionais.” (KIRSCHBAUM et al, 2001:80). “…, sendo importante uma boa equipa multidisciplinar” E1 “…, é importante a colaboração de todos os técnicos” E18, exemplificam as respostas dos entrevistados. Na última pergunta “Tem ou já teve medo de adoecer com doença mental? Se sim, porquê?” 28 indivíduos assumem que sim e 16 dizem que não têm medo. Das pessoas que referiram ter medo 14 disseram que este sentimento se deve ao facto de acharem que as patologias mentais são doenças difíceis, 10 referiram o desconhecimento que têm acerca da sua origem, 2 têm medo de perder o gosto pela vida e 2 temem ficar com a mente fraca. BRITO et al (2004) afirma que o adoecimento psíquico pertence à ordem da diversidade, adquire significados individuais e suas consequências influenciam fortemente o comportamento e a vida dos sujeitos. O medo deste tipo de doença é então justificado, principalmente quando estas pessoas têm familiares que estão a atravessar uma situação de doença mental.

C ON SI DE R AÇ Õ ES FI N AI S Da análise dos dados obtidos verificamos que as representações sociais dos enfermeiros de saúde mental e psiquiatria caracterizam-se pela diversidade e multiplicidade. A análise apontou para o facto de não haver opinião consensual sobre o assunto, conceitos paradoxais convivem num mesmo sujeito e na amostra como um todo. De acordo com MOSCOVICI (1978), os dados de que a maioria das pessoas dispõe para responder a uma pergunta são, em geral, simultaneamente insuficientes e superabundantes. Os indivíduos podem conhecer pouco de determinado assunto, embora possam produzir referências abundantes sobre o mesmo em relação a outros assuntos. Ou seja, tal situação revelaria um desfasamento, segundo o autor citado, entre a informação efectivamente presente e aquela que teria sido necessária para dominar todos os elementos de que depende a sequência de raciocínios. Esse desfasamento constitutivo é indicativo de uma dissonância entre o acesso às informações e o nível de conhecimento do indivíduo, com relação à apropriação e à apreensão cognitiva de objectos sociais. Na amostra em questão, o campo das representações do enfermeiro de saúde mental e psiquiatria poderia, de acordo com o exposto pelo autor anteriormente referido, caracterizar-se por uma dispersão entre um saber não problematizado, como se não houvesse

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uma consciência intencional e um conhecimento advindo do mundo vivido, que em função do imediatismo, seria marcadamente paradoxal: um saber ao mesmo tempo intenso e deficiente. A maioria da amostra vê os enfermeiros de saúde mental e psiquiatria como profissionais pacientes, que têm importância por catalizarem o tratamento dos doentes e ajudarem o psiquiatra, sendo a maior dificuldade quotidiana o relacionamento com doentes rebeldes e/ou violentos. Como tratamento da doença mental os entrevistados consideram que a medicação e a acompanhamento médico são as medidas mais importantes, embora considerem que os enfermeiros também representam uma mais valia nomeadamente através do seu apoio e permanência junto do doente e da família. Os entrevistados, face à situação de doença pela qual o seu familiar está a atravessar, manifestam um sentimento de revolta por não conseguirem ajudar, pensam que a doença mental não tem cura e têm medo de adoecer com este tipo de patologia por acharem que é uma doença difícil. Sobressaem

deste

estudo

representações

sociais

polémicas

principalmente

quando

a

enfermagem de saúde mental continua a ser questionada quanto à sua eficácia clínica. Outras questões devem ser equacionadas nomeadamente o diminuto número de enfermeiros que decidem trabalhar em instituições de atendimento à saúde mental, apesar das necessidades de tratamento serem cada vez mais numerosas e complexas. Abre-se, então, espaço para novos estudos, a investigação da perspectiva dos enfermeiros de saúde mental e psiquiatria acerca das representações sociais da sua profissão e da doença mental.

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25 - REFLEXÃO E MINIMIZAÇÃO DO SOFRIMENTO DAS MORTES COTIDIANAS: SENSIBILIZAÇÃO ATRAVÉS DE FILMES

JANAINA LUIZA DOS SANTOS82; SONIA MARIA VILLELA BUENO83

RESUMO Tendo em vista a produção do cuidado em saúde e a preocupação essencial que recai sobre as condições de saúde mental do profissional, entende-se que seu papel e desempenho podem ser extremamente afetados pelas vicissitudes que ele enfrenta em seu trabalho cotidiano. Compreender os meandros que abarcam a temática Morte é um desafio tornando-se ainda maior, à medida que se busca sua interpretação e inserção na vida cotidiana dos profissionais de saúde. O cinema é uma das variadas maneiras da arte, ou seja, é uma forma de expressão e criação humana, pois que possui valores estéticos, no qual se podem resumir suas emoções, sua história, seus sentimentos e a sua cultura. O impacto da linguagem cinematográfica nos remete à análise após a exibição, levando-nos a pensamentos e reflexão sobre esse conteúdo, mobilizando muitas coisas internas em nós, com sua linguagem intensa e penetrante. OBJETIVO: levantar o que a literatura diz a respeito da morte, do sofrimento mental que esse tema traz para o profissional de saúde identificando quais os filmes que podem proporcionar uma reflexão sobre o assunto em questão. METODOLOGIA: Trabalhamos essa pesquisa bibliográfica realizada por meio de uma busca de filmes sobre a temática, que foram classificados, procurando verificar a real relevância dos mesmos, não sendo limitada a nenhum período específico. DISCUSSÃO: ao introjetarmos no mundo cinematográfico, percebemos as amplas possibilidades para abordar as várias fáceis como a morte se apresenta. Foi observado que utilizar deste meio para reflexão se faz de bom tom ser educativo e resultam em êxito, visto que a introspecção e o estar só diante das imagens mobilizam sentimentos. A vivacidade das imagens e sua reprodutibilidade facilitam sua aceitação como pura representação da realidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Apesar da imensa importância percebida pelo uso dos filmes, para possibilitar a sensibilização, reflexão e a educação de uma questão tão negada e de difícil diálogo, deveras, não se faz na cotidianidade, o seu uso. 82

Mestranda do Programa de Pós-graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade da São Paulo (EERP-USP), Membro efetivo do grupo de Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil. Membro efetivo do grupo de pesquisa CAESOS, janaina-luiza@usp.br;

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Psicopedagoga. Profª. Drª. Livre Docente do Departamento de Psiquiatria e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), Brasil. Presidente do grupo de pesquisa CAESOS, smvbueno@eerp.usp.br

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

PALAVRAS-CHAVE: Profissionais de saúde; Saúde mental; Cinema

ABSTRACT In view of the production of the care in health and the essential concern that it falls again on the conditions of mental health of the professional understands that its paper and performance can extremely be affected by the vicissitudes that it faces in its daily work. To understand the meandros that accumulate of stocks the thematic Death is a challenge becoming still bigger, to the measurethat if searchs its interpretation and insertion in the daily life of the health professionals. The cinema is one in the varied ways of the art, that is, is a form of expression and creation human being, therefore that it possesss aesthetic values, in which if they can summarize its emotions, its history, its feelings and its culture. The impact of the cinematographic language in after sends to the analysis the exhibition to them, take-in the a thoughts and reflection on this content, mobilizing many internal things in us, with its intense and penetrating language. OBJECTIVE: to raise what literature says regarding the death, of the mental suffering that this subject brings for the professional of health identifying which the films that can provide areflection on the subject in question. METHODOLOGY: We work this carried through bibliographical research by means of a search of films on the thematic one, that they had been classified, looking for to verify the real relevance of the same ones, not being limited to no specific period. QUARREL: when introjetarmos in the cinematographic world, we perceive the ample possibilities to approach the some easy ones as the death if it presents. It was observed that to use of this way for reflection if it makes of good tone to be educative and result in success, since the introspection and being only ahead of the images mobilize feelings. The vivacity of the images and its reprodutibilidade facilitate its acceptance as pure representation of the reality. LAST CONSIDERATION: Although the immense importance perceived for the use of the films, to make possible the sensitization, reflection and the education of a question so denied and difficult dialogue, indeed, does not become in the cotidianidade, its use.

WORD-KEY: Professionals of health; mental health; cine

I N TROD U Ç ÃO Em se tratando da morte, a literatura voltada para esse aspecto, ressalta a dificuldade do diálogo sobre esta questão, seja no âmbito nosocomial para os profissionais de saúde, seja para o familiar que perde seu ente, se mesmo para o próprio doente que imediatamente, perde o direito de opinar sobre o restante de vida que lhe cabe. Autores como ARIÈS e SANTOS remete-nos ao historiar da morte afirmando que o ser ocidental nega-a incondicionalmente, impedindo-se de uma elaboração

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ou reflexão para preparar-se, pois esta faz parte do ciclo vital, já que começa-se caminhar rumo à morte no momento em que há o gerar do feto no ventre materno. O ser é linear nasce-cresceenvelhece-morre, tendo em alguns momentos ciclos interrompidos, ou alterados pelo trilhar da vida. Adentrar o cotidiano hospitalar com suas nuances inóspitas, vislumbrando o sofrimento alheio, percebe-se o ser no seu mais desnudo momento de fragilidade e necessidades, atentando-se que apesar de estar na posição do cuidador, também é um ser igual aquele que cuida como refere KOVASC. Em outras palavras, o profissional da saúde é um ser que vivencia constantemente a dor, o sofrimento, as angústias e a morte de outros seres humanos. E quando apercebem-se, tentam criar mecanismos de defesa para não adoecerem mentalmente, pois é um ser ocidental com todas suas crenças e vivencias adquiridas ao longo do seu amadurecer enquanto pessoa, não dissociando-se do ser profissional da saúde. Por vez, a produção do cuidado em saúde e a preocupação essencial que recai sobre as condições de saúde mental do profissional, entende-se que seu papel e desempenho podem ser extremamente afetados pelas vicissitudes que ele enfrenta em seu trabalho cotidiano. Compreender os meandros que abarcam a temática Morte é um desafio tornando-se ainda maior, à medida que se busca sua interpretação e inserção na vida cotidiana dos profissionais de saúde. Neste sentido, há vários veículos de comunicação que a evidenciam de forma interessante, que vale destacar, como por exemplo, o cinema. Esse é uma das mais variadas maneiras de arte, ou seja, é uma forma de expressão e criação humana, pois que possui valores estéticos, no qual se podem resumir emoções, história, sentimentos e cultura. O impacto da linguagem cinematográfica nos remete à análise após a apresentação, levando-nos a analisar e refletir sobre o conteúdo exibido, mobilizando muitas coisas internas em nós, com sua linguagem intensa e penetrante. Então, encontra-se a morte é evidenciada em vários filmes. Baseando-se nisso o objetivo deste estudo foi levantar o que a literatura diz a respeito da morte, do sofrimento mental que esse tema traz para o profissional de saúde, bem como identificar quais os filmes que podem proporcionar possibilidades para travar reflexões e tecer considerações sobre o assunto em questão.

METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, com cunho analítico-documental, pois o método caracteriza-se como um conjunto de etapas ou passos que devem ser seguidos para produção da pesquisa. E então, todo método depende do objeto da investigação (CERVO& BERVIAN, 2002). O presente método tem como objetivo principal, o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. embora o planejamento desta pesquisa seja flexível, podendo assumir a forma de pesquisa bibliográfica (GIL, 2002)

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

A técnica utilizada é a documentação indireta, pois essa ocorre, diretamente, relacionada com a pesquisa bibliográfica. A técnica por vez, passa apropriar-se de um conjunto de normas de cada área da ciência onde é especificamente, usado. A coleta de dados relaciona-se diretamente, com a técnica, ou seja, com a parte prática da pesquisa, sendo a instrumentação específica de cada coleta de dados (ANDRADE, 2004). Deveras, a pesquisa se divide em várias tipologias, e a que iremos enfocar será a pesquisa quanto ao objeto que em consonância com o seu objeto, se subdivide em bibliográfica (ANDRADE, 2004). Para Minayo (2001), a pesquisa bibliográfica procura explicar um problema, a partir de referências teóricas publicadas em documentos. Busca conhecer e analisar as contribuições culturais e científicas do passado existente sobre um determinado assunto, tema ou problema. Sua importância está relacionada ao fato de que requer conhecimentos de termos técnicos e sinônimos, sendo imprescindível para qualquer pesquisa científica. Registrar e organizar os dados bibliográficos referentes, obtidos e empregados na pesquisa científica, possibilita descrever, recolher e analisar as principais contribuições sobre um determinado fato, assunto ou idéia.

AN ÁL I S E DOS RES U L T AD O S QUADRO nº 1 - REFERENTE A FILMES QUE RESGATAM O TEMA MORTE

NOME DO FILME

PROCEDENCIA

ANO

AS INVASÕES BÁRBARAS

Canadá

2003

DESDE QUE OTAR PARTIU

França

2003

Espanha

2003

Brasil

2004

Espanha

2004

MENINA DE OURO

EUA

2004

ANTES DE PARTIR

Espanha

2005

UM CERTO OLHAR

Canadá / Inglaterra

2006

VERMELHO COMO O CÉU

Itália

2006

A FAMÍLIA SAVAGE

EUA

2007

ANTES DE PARTIR

EUA

2007

EUA / Inglaterra

2007

Canadá

2007

França / EUA

2007

MINHA VIDA SEM MIM CAZUZA O TEMPO NÃO PÁRA MAR ADENTRO

COISAS QUE PERDEMOS PELO CAMINHO LONGE DELA O ESCAFANDRO E A BORBOLETA

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

O cinema, por ser produto de arte, revela forma de expressão significativa, através da beleza, do equilíbrio, da harmonia, da revolta, entre outros aspectos, destacando sentimentos, emoções, etc. A arte é o campo em que o ser humano pode colocar o seu inconsciente à tona sem que o regulador consciente censure o inconsciente. É o momento em que podemos sair do concreto e entrar no abstrato. O cinema nos projeta as emoções humanas através das histórias de ação, paixão, amores, guerras, reviravoltas de destinos, mundos fictícios e histórias verídicas, bem como vivências cotidianas, projetando na tela, para o nosso prazer e aprendizagem. O impacto da linguagem cinematográfica nos remete a valores, pois após a exibição, ficamos pensativos e reflexivos sobre o conteúdo assistido, mobilizando muitas coisas internas em nós, pois sua maneira de apresentar é intensa e penetrante. Por isso temos que ter discernimento do que assistimos, por que mesmo o filme sendo ruim, ele possui seu poder de persuasão e certo poder ilusório. Assim utilizamos recursos audiovisuais como mobilizador de sentimentos e reflexão, isso remete a esse papel dos filmes. Podemos revelar que dos filmes encontrados 23,1% fazem forte referência a aprovação jurídica da Eutanásia, no qual seus personagens apesar de não conseguirem juridicamente, o direito de tirar suas próprias vidas, mesmo estando completamente, consciente do ato, conseguem a ação com ajuda de terceiros e muitas vezes, com grande dificuldade. Essas pessoas eram ativas, viviam intensamente, suas vidas e devido algum acidente tornam-se totalmente dependentes tristes sem vontade de viver. 30,8% dos filmes encontrados demonstram as várias “Mortes”, no sentido de “Perdas” que o ser humano vivencia ao longo do processo de vida. Isto nos leva a refletir que precisamos ser flexíveis no ato de viver, pois temos várias perdas ao longo da vida. Mas podemos aprender com elas e sermos resilientes para com isso, vivermos intensamente e melhor. 23,1% vêm nos fazendo refletir o quanto deixamos todos nossos sonhos para depois, e quando deparamos com alguma doença que limitará nosso viver para um fim em alguns meses. Então temos pressa e vamos buscar tudo que deveríamos fazer ao longo do viver, e não o fizemos. Felizes daqueles que ainda encontram forças para ir à busca daquilo que desejam. E então, ter uma finitude, com dignidade e feliz. A proximidade da morte e da doença faz com que o ser humano apresente superações que nem nós mesmos sabemos que somos capazes de fazê-lo, isto vem sendo exposto em 15,4% dos filmes vistos. O ser humano é mais forte do queimagina e provindo de compaixão e humanidade,

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

fazendo com que se envolva profundamente nestes momentos de dor, também trazendo grande aprendizagem. Finalizando, cerca de 15,4% dos filmes, ressaltaram a grande dificuldade que se tem para dar a notícia, do adoecimento ou morte de alguém, referindo o quanto o ser ocidental reage dificilmente, com esse tema.

C ON SI DE R AÇ Õ ES FI N AI S Sentimos haver necessidade de maior investimento sobre o assunto morte, sendo ainda incipiente e tímida na literatura. E mais apesar da imensa importância percebida pelo uso dos filmes, para possibilitar a sensibilização, reflexão e a educação de uma questão tão negada e de difícil diálogo, que é a questão da morte, e depreendemos não se fazer na cotidianidade, o seu uso.

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS ANDRADE, M. M. Como Preparar Trabalhos para Cursos de Pós-Graduação: Noções Práticas. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 165p. ARIÈS, P. História da Morte no Ocidente: da Idade Média aos Nossos Dias (trad: Priscila V. de Siqueira) Rio de Janeiro, Editora Ediouro, 2003. 312 p. CERVO, A. L.; BERVAIN, P. A. Metodologia Científica. 5ª reimpressão São Paulo: Pearson, 2006. 242p. GIL, A. C. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. 175p. GOMES, Kleber L. Cuidados Paliativos E Terminalidade No Cinema. Itajubá – MG, 2009, 40 f (Texto digitado) KOVÁCS, M.J. Educação para a Morte: Desafio na Formação de Profissionais de Saúde e Educação. 1ª ed São Paulo: Casa do psicólogo; 2004 MINAYO, M.C.S. Pesquisa social: Teoria, método e criatividade. 19ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001. 80p. OLIVEIRA, B. J.: Cinema e imaginário científico.História, Ciências, Saúde – Manguinhos,v. 13 (suplemento), p. 133-50, outubro 2006. SANTOS, Franklin S. Perspectivas Histórico-Culturais da Morte In: INCONTRI, D. & SANTOS, F. S. A Arte de Morrer – Visões Plurais. Bragança Paulista, SP: Comenios, 2007. P. 13-25. SANTOS, Janaina L. et. al. O Uso da Arte na Educação em Saúde In: BUENO, S. M. V. O Lúdico, O Artístico e o Sócio Cultural na Educação para a Saúde. Ribeirão Preto, SP: FIERP, 2009. P.65-83 TAPAJOS, Ricardo. A comunicação de notícias ruins e a pragmática da comunicação humana: o uso do cinema em atividades de ensino/aprendizagem na educação médica. Interface (Botucatu) , Botucatu, v. 11, n. 21, 2007 .

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26 - AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE APOIO Á PRÁTICA DE ENFERMAGEM (SAPE)

84

SÉRGIO HUGO OLIVEIRA DE FARIA RICARDO

RESUMO Com o constante desenvolvimento científico e tecnológico, a tecnologia de informação e a informatização dos sistemas organizativos são uma presença inabalável. As organizações de saúde não são excepção. Nesta conjuntura evolutiva, em que a informatização dos cuidados de saúde assume papel fundamental, a enfermagem procura adaptar-se a esta nova realidade, promovendo o desenvolvimento de Sistemas de Informação em Enfermagem e criando bases de dados específicos para os cuidados. É neste sentido que pretendo reflectir sobre a implementação do Sistema de Apoio à prática de Enfermagem e efectuar uma avaliação retrospectiva deste processo, tendo por base a instituição hospitalar onde exerço funções (Hospital de Magalhães Lemos – Porto), atendendo às estratégias de implementação, principais dificuldades, quer na implementação, quer dificuldades presentes, assim como, reflectir sobre as etapas evolutivas desde o inicio do processo de implementação até à presente data e explanar perspectivas futuras. O Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem (SAPE) e a Classificação Internacional para a Prática Enfermagem (CIPE) constitui já um instrumento de referência na instituição onde exerço funções, suplantando as dificuldades existentes de definição de um Sistema de Informação em Enfermagem, permitindo documentar o processo de enfermagem na sua globalidade conjugandoo com outros sistemas de informação, nomeadamente o Sistema de Apoio Médico (SAM), o que se traduz numa mais-valia no standard de boas práticas, com ganhos significativos para os utilizadores, instituição hospitalar e principalmente para aqueles que usufruem da prestação dos serviços de saúde especializados na saúde mental e psiquiatria.

84

Enf. Esp. SMP, Hospital de Magalhães Lemos, se.tu.in@gmail.com

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação; SAPE/CIPE; Saúde Mental e Psiquiatria.

I N TROD U Ç ÃO As últimas décadas têm sido vividas como épocas de grande mudança social. A saúde tem sido uma

das

áreas

mais

afectadas

pelo

desenvolvimento

científico

e

tecnológico.

Este

desenvolvimento tem constituído um permanente desafio aos enfermeiros, no sentido de responderem adequadamente aos direitos e crescentes expectativas daqueles a quem prestam cuidados. A reformulação dos Sistemas de Informação, traduz cada vez mais a reflexão da prática clínica e contribui para a produção de sistemas de apoio à decisão do enfermeiro, orientando a prática e promovendo a utilização do pensamento crítico na tomada de decisão, potenciando assim, a autonomia e visibilidade da profissão de enfermagem. Numa época em que a informatização dos cuidados de saúde assume papel fundamental, a enfermagem procura adaptar-se a esta nova realidade, promovendo o desenvolvimento de Sistemas de Informação em Enfermagem e criando bases de dados específicos para os cuidados. A utilização de uma linguagem comum associada ao desenvolvimento de um sistema único de classificação da prática de enfermagem que utiliza terminologia internacionalmente reconhecida, capaz de descrever os cuidados de enfermagem prestados, demonstrar as tendências na prestação de cuidados de enfermagem e na alocação de recursos, baseadas nos diagnósticos de enfermagem, estimular a investigação em enfermagem através de dados disponíveis nos sistemas de informação e fornecer informação à tomada de decisão política, a fim de influenciar decisões na política de enfermagem e na política de saúde, são factores fundamentais e facilitadores da sistematização da informação produzida pelos enfermeiros. É neste sentido que, no âmbito do Fórum da SPSM 2009 – A Saúde Mental e Vulnerabilidade Social, pretendo reflectir sobre a implementação do Sistema de Apoio para a Prática de Enfermagem e a avaliação retrospectiva deste processo, tendo por base a instituição hospitalar onde exerço funções (Hospital de Magalhães Lemos – Porto). Para tal, utilizei a pesquisa bibliográfica, associada à minha prática profissional para dar consecução aos objectivos propostos.

DESENVOLVIMENTO De acordo com a evolução dos padrões de qualidade na prestação de cuidados, nomeadamente aos utentes na área da Saúde Mental e Psiquiatria, foi emergente a necessidade de romper com

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

alguns paradigmas no que concerne às práticas até então vigentes, no sentido da melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem prestados, bem como, da visibilidade dos mesmos. Tendo em conta a importância dos registos do ponto de vista funcional, no que concerne à comunicação entre os profissionais, manutenção da continuidade de cuidados, documentação e avaliação dos resultados sensíveis para ganhos em saúde e da assertividade do planeamento de cuidados, assim como do ponto de vista político e institucional, no que diz respeito ao carácter legal, auditorias, supervisão clínica, financiamento dos serviços de saúde, etc., revelava-se pertinente encontrar um novo modelo capaz de responder às necessidades prementes. Desta forma, aproveitando o crescente potencial dos sistemas de documentação/informação e informatização dos mesmos, também o Hospital de Magalhães Lemos aderiu ao projecto de implementação do Sistema de Apoio para a Prática de Enfermagem (SAPE), admitindo a Classificação Internacional da Prática de Enfermagem (CIPE), como linguagem usuária, constituindo um instrumento de referência. A documentação da informação era até então, manuscrita, de natureza pouco estruturada, efectuados registos em texto livre, com carências qualitativas e/ou quantitativas, centrados no bem-estar e intervenções e não nos problemas, com duplicação sistemática de dados e consequente elevado número de impressos para suportar a documentação. A falta de indicadores de resultado, que permitissem obter ganhos em saúde sensíveis aos cuidados e enfermagem, resistência ao registo de informação significativa, concisa e relativa aos cuidados de enfermagem, assim como, a ausência de conceptualização sobre a forma de definir as intervenções de enfermagem, formaram as razões essenciais para a mudança. O processo de implementação foi faseado por serviços, numa primeira fase albergou três serviços e noutra fase os restantes cinco. A formação dos enfermeiros foi uma das estratégias imperativas da implementação, tomando para tal, parcerias com a escola Superior de Enfermagem do São João no Porto, que se efectivou em dois módulos entre 2002 e 2003. A definição de grupos de trabalho, para efectuarem a parametrização e estabelecerem a definição de diagnósticos e intervenções na área da Saúde Mental e Psiquiatria foi determinante em todo o processo de implementação, dada a inexistência de explanação nesta área de intervenção. Com a implementação do novo Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem, conjuntamente com a Classificação

Internacional

para

a

prática

de

Enfermagem

SAPE/CIPE,

pretendia-se

essencialmente preencher as lacunas até então observadas no sentido de uma melhoria da comunicação entre os enfermeiros, bem como, entre estes e os outros profissionais, promover a

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

continuidade dos cuidados, descrever os cuidados de enfermagem, calcular com mais rigor a alocação de recursos de enfermagem de acordo com as necessidades dos doentes, dar visibilidade aos contributos dos cuidados para os ganhos em saúde nomeadamente na Saúde Mental e Psiquiátrica, promover os sistemas electrónicos de documentação clínica, melhorando a comunicação e a tomada de decisão em enfermagem. Durante este período as dificuldades foram de várias ordens que se prenderam com o facto de existir um sentimento de desmotivação e descrédito dos profissionais, próprio da resistência à mudança, de o sistema aplicativo se revelar por vezes ineficaz e ineficiente, com falhas na logística interna tendo sido necessárias adaptações correctivas de forma a viabilizar o processo e da dificuldade por parte dos enfermeiros em interiorizar uma linguagem nova com um conceito e concepção diferentes das utilizadas até então. Ao longo deste percurso foram várias as etapas ultrapassadas, características da dificuldade de adaptação a um sistema de documentação diferenciado, que não tem apenas como instrumento uma classificação diferente, mas sim uma estruturação de pensamento para acção distinto onde está intrinsecamente presente o processo de enfermagem na sua plenitude, requerendo o esforço de todos os enfermeiros para as superar. A falta de rotina do enfermeiro em estabelecer um diagnóstico de enfermagem, de prescrever as intervenções inerentes e efectuar uma avaliação das mesmas tomando medidas correctivas quando necessário, revelou na prática a prescrição e registo de um inúmero de intervenções dificilmente realizáveis, imperando o paradigma da quantidade versus efectividade e/ou quantidade versus qualidade, que nos últimos anos se tem vindo a esbater, denotando neste momento uma inversão no sentido da efectividade e qualidade das intervenções realizadas, com um maior cuidado no planeamento das intervenções e dos objectivos específicos das mesmas. Editada nova Versão 1.0 da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), com alterações significativas no que diz respeito à área de intervenção da Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, já tarda uma actualização da base presentemente utilizada e consequente revisão das intervenções face a novos fenómenos, que de alguma forma se traduziriam numa mais-valia, nomeadamente, no que diz respeito aos “comportamentos” mais explanados nesta versão. A possibilidade de aliar indicadores de qualidade, que nos permitam validar e avaliar ganhos em saúde sensíveis aos cuidados de enfermagem ao sistema informático, traduzir-se-ia num ganho importante que não se verifica, no entanto, na minha realidade profissional concreta, não deixamos de proceder a sua consecução em formato de papel.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Em fase final de reflexão, resta explanar as perspectivas futuras e que passam essencialmente por estabelecer procedimentos e protocolos de actuação, trabalho esse que já tem vindo a ser perscrutado e que necessitará de mais explanação, assim como a definição de indicadores de qualidade em saúde mental e psiquiatria. O alargamento do Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem (SAPE) e da Classificação Internacional da Prática Enfermagem (CIPE) ao regime de ambulatório, nomeadamente nos departamentos de consulta externa reveste-se da maior importância, principalmente no garante da continuidade dos cuidados, sistematização do processo de enfermagem e como facilitador da estruturação de mais e melhores consultas de enfermagem. A expectativa de manter a melhoria continua do processo que tem vindo a ser desenvolvido no Hospital de Magalhães Lemos, no que respeita a sistemas de informação e documentação, é augurado por todos os enfermeiros que de uma forma ou de outra, têm contribuído para o sucesso deste, desde o momento da sua implementação.

C ON CL U S ÃO A Enfermagem na sua vertente da Saúde Mental e Psiquiatria reveste-se de uma preponderância do ponto de vista da autonomia, difícil de alcançar noutras especialidades. Dificilmente tendemos a ver acções de enfermagem predominantemente independentes, como é a nossa realidade nesta área de intervenção, para tal, em muito contribuiu todo este processo de implementação do Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem (SAPE) e da Classificação Internacional da Prática Enfermagem (CIPE), que veio sistematizar e validar os pilares essenciais do processo de enfermagem, traduzindo maior autonomia e valorização profissional. O SAPE/CIPE constitui já um instrumento de referência na instituição onde exerço funções, suplantando as dificuldades existentes de definição de um Sistema de Informação em Enfermagem, permitindo documentar o processo de enfermagem na sua globalidade conjugandoo com outros sistemas de informação, nomeadamente o Sistema de Apoio Médico (SAM), o que se traduz numa mais-valia no standard de boas práticas, com ganhos significativos para os utilizadores, instituição hospitalar e principalmente para aqueles que usufruem da prestação dos serviços de saúde especializados de Saúde Mental e Psiquiatria. Consciente de que muito mais há a fazer, o percurso tem sido de uma forma geral favorável. É necessário manter um investimento firme tendo em conta o avanço científico e tecnológico, novos desafios estarão garantidos, como garantido está que a profissão de enfermagem terá que acompanhar essa evolução sob pena de ceder á teoria Darwinista dos mais fortemente adaptados.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR AF I C AS Ordem Enfermeiros (2006). CIPE na prática de Enfermagem.Entrevista a Carmen Pignatelli Secretária de Estado Adjunta e da Saúde. Revista Ordem dos Enfermeiros, nº21, Abril. Ordem Enfermeiros (2007). Sistemas de Informação em Enfermagem (SIE) Princípios básicos de arquitectura e principais requisitos técnico-funcionais. Acedido em 15 de Maio de 2009 de http://www.ordemenfermeiros.pt/images/contents/documents/94_OrdemEnfermeiros-SIEPrincipiosBasicosArq+RequisitosTecFunc-Abril2007.pdf Ordem Enfermeiros (2007). Sistemas de Informação e documentação de Enfermagem. Suporte à decisão politica e garantia da segurança e qualidade dos cuidados. Acedido em 15 de Maio de 2009 de http://www.ordemenfermeiros.pt/images/contents/uploaded/File/sedeforum/cuidadossaudeprimerios/9/9.pdf Santos S. (2005). Sistema de Informação em enfermagem: interacção do conhecimento tácitoexplicito.Revista Brasileira de Enfermagem. Acedido em 15 de Maio de 2009 de www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-716720050001000020&script=sci_arttext

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

27 - TERAPIA PELO MOVIMENTO: “A VIAGEM”

ANA MARIA OLIVEIRA COELHO85; CARLA SANDRA PEREIRA MENDES86; LUÍS FILIPE PINA GODINHO87; MARGARIDA ALEXANDRA RODRIGUES TOMÁS88; MARIA DULCE FERNANDES ANTUNES LOUSA89; NATÉRCIA MARIA MARTINS LOPES PINTO90;VÂNIA LÚCIA DOMINGUES MARTINS91

RESUMO Os enfermeiros podem proporcionar momentos de forma a estimular positivamente os doentes e facilitar o conhecimento que estes têm de si e do grupo em que estão inseridos. A terapia pelo movimento permite a ligação entre o corpo e a mente, reflectindo-se em todas as dimensões da vida humana. Assim, pretendemos implementar uma terapia pelo movimento no nosso serviço, para que, desta forma, todos os enfermeiros estivessem aptos para executá-la. Foi então necessário que os profissionais testassem esta actividade, seleccionando para o efeito 62 doentes internados, no serviço de Psiquiatria do Hospital Garcia de Orta. A actividade decorreu entre os meses de Fevereiro e de Abril de 2009, num total de oito sessões de 50 minutos cada. Este estudo visa avaliar o impacto desta actividade sobre os níveis de bem-estar e de ansiedade sentidos pelos doentes, no decurso da mesma. O grau de interesse dos doentes, durante as sessões, também foi tido em consideração, de forma a comparar resultados. Concluímos que a actividade é eficaz na diminuição da ansiedade dos doentes e na promoção do seu bem-estar, indicando uma clara relação entre o interesse com que os doentes participavam na actividade e uma maior amplitude de resultados, quer na ansiedade, quer no bem estar.

PALAVRAS-CHAVE: Terapia pelo movimento; Enfermagem; Ansiedade; Bem-estar.

ABSTRACT 85

Terapeuta Ocupacional Serviço de Psiquiatria HGO, aninhascoel@gmail.com; Enfermeira do Serviço Psiquiatria HGO, caldinhas@gmail.com; 87 Enfermeiro Serviço de Psiquiatria HGO, luispgod@gmail.com 88 Enfermeira Serviço Psiquiatria HGO, malextomas@gmail.com; 89 Enfermeira, Serviço Psiquiatria HGO, dlousa@sapo.pt 90 Enfermeira serviço Psiquiatria HGO, natie_pinto@hotmail.com; 91 Enfermeira Serviço Psiquiatria HGO, vania@arribaclub.com. 86

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Nurses can provide moments to stimulate their patients and to induce the knowledge that they have not only of themselves but also of the group in witch they’re included. Movement therapy allows the connection between body and mind, acting in all the dimensions of human life. So, it was proposed to implement a movement therapy in the psychiatric service of Garcia de Orta’s hospital, witch all nurses could perform. Therefore, a group of professionals of this service had to test this activity. With that purpose 62 patients interned were selected. This activity occurred between February and April 2009, in a total of 8 sessions of 50 minutes each. This study intends to evaluate the impact of this activity relatively to the anxiety and wellbeing of the patients. The degree of interest of patients during the sessions was also taken in consideration, in order to compare results. We concluded that this activity is efficient both diminishing the level of anxiety and promoting their wellbeing, and an obvious relation between the interest the patients showed in the activity and a greater amplitude of results, in anxiety or wellbeing of patients, was established.

KEYWORDS: movement therapy; nursing; anxiety; wellbeing.

I N TROD U Ç ÃO Como enfermeiros podemos proporcionar momentos para estimular alguma mudança nos doentes e facilitar o conhecimento que têm de si e do grupo em que estão inseridos. A terapia pelo movimento, tal como outras técnicas criativas como a Arte, a Música e a Expressão Dramática, permite a ligação entre o corpo e a mente, reflectindo-se nas Actividades de Vida Diária. O seu objectivo é promover e estimular a participação em actividades recreativas reduzindo a tensão, desenvolvendo a liberdade de expressão corporal, o desenvolvimento pessoal, o contacto e a comunicação entre os vários elementos do grupo. Quando se aplicam técnicas expressivas o doente é, acima de tudo, estimulado de forma a desenvolver competências que lhe permitirão viver com uma maior sensação de utilidade. Relativamente ao doente com perturbações mentais, o principal objectivo passa pela sua reabilitação psicossocial, pois o grande desafio, como refere Pires, “que todo o ser humano enfrenta em situação de crise é o desafio da transcendência comprometida ao seu poder do eu impessoal, para se libertar dos sentimentos de pena para com nós próprios, medo raiva que embora reais, são extremamente improdutivos” (2006, p. 7). A terapia pelo movimento é também um dos muitos domínios de intervenção da equipa de enfermagem num Serviço de Psiquiatria e, neste âmbito, o enfermeiro tem um papel de terapeuta e, acima de tudo, de dinamizador da relação do doente com ele próprio, com a sua família, e com

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a sociedade que o rodeia. Este papel de dinamizador assume uma importância fundamental no processo terapêutico do doente uma vez que se têm de mobilizar as competências adquiridas ao longo da sua vida, criando-se ainda um espaço onde se possam treinar essas mesmas competências. Pires sustém que “o enfermeiro não se centra na doença e ajuda a procurar nesse passado, presente e futuro, o sentido de energia para ultrapassar a situação” (2006, p. 9). Uma das principais problemáticas deste tipo de actividades é a escassa informação que existe no serviço sobre o seu impacto, uma vez que, muitas vezes, esse só é obtido empiricamente. No entanto, para uma melhoria e para uma optimização destas sessões é imperativo obter dados mais concretos sobre a actividade em causa. Foi nessa perspectiva que um grupo de enfermeiros e uma terapeuta ocupacional elaboraram este estudo, que passa não só pela explicação das “sessões de movimento”, pela reflexão do impacto dessa actividade nos níveis de ansiedade e de bem-estar dos doentes internados no serviço de Psiquiatria e, por fim, uma apresentação de todos estes dados e resultados obtidos.

OBJECTIVOS Geral: Divulgar a actividade de terapia pelo movimento desenvolvida no Serviço de Psiquiatria do Hospital Garcia de Orta.

Específicos: Apresentar a metodologia aplicada no desenvolvimento da actividade; Comunicar os resultados obtidos ao nível da ansiedade e bem-estar dos doentes; Dar a conhecer os benefícios deste tipo de actividades para os doentes psiquiátricos.

METODOLOGIA Consiste na aplicação de uma terapia pelo movimento, em 62 doentes do serviço de psiquiatria internados, no Hospital Garcia de Orta, entre Fevereiro e Abril de 2009. As sessões foram realizadas por dois dos profissionais autores, sendo que um dirigia a sessão e o outro observava-a para que pudesse avaliar o grau de interesse dos participantes, nas várias fases da sessão, registando-o numa ficha de avaliação da actividade. Esta ficha constituía-se pela enumeração das várias fases da sessão, avaliadas pelo profissional observador, numa escala tipo Likert de 5 pontos, que variava entre “Doente que não participa” e “Doente que participa com total interesse”. Foi introduzida uma escala visual analógica como instrumento de avaliação dos níveis de ansiedade e de bem-estar, que se adaptou a partir da escala visual analógica para avaliação da dor. Estas escalas foram aplicadas aos doentes, através de dois breves questionários, designados

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por: questionário inicial e questionário final. Estes foram aplicados, antes e depois da actividade, respectivamente, de forma a determinar a possível diferença entre os níveis de ansiedade e de bem-estar. É de salientar que, o questionário final, incluía ainda um questionário de satisfação com 3 questões, onde os utentes redigiam um breve comentário sobre: “O que mais gostou da sessão?”; “O que menos gostou da sessão?”; “Sente-se realmente mais calmo agora, do que no início da sessão? Porquê?”. Foram realizadas oito sessões, que tiveram uma duração de cerca de 50 minutos cada, efectuadas sempre por dois dos profissionais autores. Foram estabelecidos como critérios de inclusão a vontade manifestada pelos doentes em participar na actividade e a aptidão física para realizar os movimentos pedidos. Foi igualmente estabelecido como critério de exclusão os doentes com sintomatologia psicótica, em fase aguda, ou com agitação psicomotora. Toda esta actividade decorreu na sala de actividades do Serviço de Psiquiatria do Hospital Garcia de Orta.

D E S CRI Ç ÃO D A AC TI VID AD E A Sessão de Movimento, a que foi dado o nome de A VIAGEM, propõe a simulação de um dia de viagem, com um destino à escolha do grupo, onde se permaneceria pelo menos um fim-desemana. Esta simulação decorreria desde o acordar até à chegada ao destino da viagem. A actividade foi dividida em três fases: aquecimento, desenvolvimento da actividade e conclusão, reservando-se no final de cada sessão um breve momento para a avaliação e “feedback” dos doentes. É de salientar que, antes de cada uma das sessões, é realizada a avaliação inicial dos níveis de ansiedade e de bem-estar através das escalas supracitadas. A fase de aquecimento tem como objectivo criar um ambiente de interacção entre o grupo, estimulando aptidões corporais. Fizeram parte, desta primeira fase, alguns movimentos de ginástica que simulavam o acordar, o espreguiçar, o vestir, o abrir e fechar janelas, ou seja, todas as actividades que qualquer pessoa, quando acorda, realiza. A segunda fase, a do desenvolvimento começa quando já se tem uma ideia de destino para a viagem. Representa-se a deslocação para o local onde se encontra o autocarro/avião, incentivando-se o acelerar progressivo do ritmo dos passos, através de simulação de um atraso para o encontro, evitando o contacto físico e verbal entre os participantes. O contacto entre os diversos participantes só foi permitido no momento em que se cumprimentam os parceiros de

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viagem. Inicia-se uma nova fase, em que os participantes iniciam um diálogo, que vai sendo progressivamente alargado a outros participantes. Chega o momento de entrada no autocarro/avião onde inicialmente todos vão querer entrar ao mesmo tempo, promovendo um eventual contacto corporal entre os vários participantes. Estas actividades têm como objectivo criar alguma tensão, avaliar a destreza, os reflexos e a interacção do grupo. Deste modo, vai havendo um progressivo contacto físico entre os doentes, facilitando o desenvolvimento de competências sociais. Já que os participantes irão ficar numa casa de férias juntos, é agora importante estabelecer algumas regras de boa convivência, enquanto realizam a viagem no meio de transporte escolhido. Assim, pede-se a cada elemento do grupo que sugira duas regras a vigorar na casa de férias, tendo cada elemento de explicar a motivação para essa escolha. A introdução deste jogo teve como objectivo a interacção do grupo, sendo que apelou-se à imaginação, estimulou-se o desenvolvimento pessoal, e foi sempre fomentada a discussão no grupo A fase da conclusão dá-se com a chegada ao hipotético destino, sendo proporcionado um momento de relaxamento. A técnica utilizada foi a do relaxamento progressivo respiratório e muscular, utilizando-se o som do mar como instrumento indutor desse estado. Pretendeu-se com este exercício, facilitar o contacto consigo mesmo e estimular um estado de calma. Finalmente, é feita a avaliação da sessão por parte dos doentes. É pedido um comentário verbal à actividade e o preenchimento de um breve questionário, onde devem situar o nível de ansiedade e de bem-estar sentidos, após a actividade, e a sua satisfação relativamente a esta.

R E S UL T AD O S CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO Como já foi referido, este estudo envolveu 62 doentes, distribuídos por 8 sessões, com uma média por sessão de 7,7 doentes, número que se revelou ser adequado para a actividade em desenvolvimento e para as dimensões da sala. As idades da população oscilaram entre os 17 e os 85 anos, sendo as faixas etárias predominantes entre os 41 e os 50 anos e os 51 e os 60 anos, com 15 doentes respectivamente. Quanto ao género a distribuição foi equitativa, com 31 doentes do género feminino e 31 doentes do género masculino.

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Analisámos os doentes quanto ao seu diagnóstico médico, tal como o gráfico nº1 representa: GRÁFICO Nº 1 – DISTRIBUIÇÃO DOS DOENTES EM ESTUDO, SEGUNDO O DIAGNÓSTICO MÉDICO

16

16 13

14

13 12

12 10 8 6

Diagnósticos 3

4

2

2 1

S/ Diagnóstico

Demência

Mental

Debilidade

Esquizofrenia

Bipolar

Depressão

Perturbação

Personalidade

0

surto psicótico

2

Podemos observar quatro grandes grupos, onde se incluem as Perturbações da Personalidade, a Doença Bipolar, a Esquizofrenia e a Depressão, sendo este último o diagnóstico mais predominante. Os doentes com diagnóstico de Doença Bipolar apresentavam-se também eles, na maioria, na fase depressiva. Quanto à dinâmica ela foi também avaliada, pelo profissional observador, no que diz respeito ao interesse com que os doentes encaravam cada jogo. Assim sendo, percebeu-se que a média de participação quanto ao interesse foi de 3,7. No que concerne o desenrolar da sessão, verificou-se um aumento da adesão dos doentes à actividade, como mostra o gráfico nº 2. GRÁFICO Nº 2 – INTERESSE DEMONSTRADO PELOS DOENTES NO DECORRER DA DINÂMICA

3,9 3,8 3,7

3,7

Interesse na Dinâmica

3,7

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Relaxamento

Jogo da regras

Entrar no Autocarro

Cumprimentos

Ir para o Autocarro

3,6

Alongamentos

3,9 5 3,9 3,85 3,8 3,7 5 3,7 3,6 5 3,6 3,5 5 3,5 3,4 5


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Note-se que o aumento referido anteriormente sofreu uma ligeira quebra, quando foi proposto que os doentes determinassem regras de boa convivência na casa onde iriam passar férias. Determinaram-se neste jogo inúmeras regras de boa convivência, que foram agrupadas em três domínios: dinâmica da casa; relações e lazer, conforme o apresentado nos quadros seguintes. QUADRO Nº 1 – REGRAS DA CASA DO DOMÍNIO DA DINÂMICA DA CASA

COOPERAR NA HIGIENE DA CASA

DIVISÃO DE TAREFAS

DIVIDIR QUEM VAI ÀS COMPRAS

DIVIDIR TAREFAS DA COZINHA

CADA UM FAZ A SUA CAMA

DE MANHÃ FAZER A HIGIENE DA CASA

ADIANTAR O ALMOÇO DE VÉSPERA

TOMAR BANHO DIÁRIO

ELEGER O RESPONSÁVEL

TODOS DEVEM DESPEJAR O LIXO

HORÁRIOS DE HIGIENE PARA RESPEITAR

ARRUMAR O CALÇADO

GASTAR 15 EUROS POR DIA

NÃO TER SOM DA TV ALTO

RESPEITAR OS FUMADORES

RESPEITAR OS NÃO FUMADORES MOEDA AO AR PARA ESCOLHER CANAL DA TV DIVIDIR O DINHEIRO ENTRE CASA/COMIDA/DIVERSÃO

ACORDAR CEDO VER NOVELA ATÉ TARDE

Destacamos nestas regras a preocupação dos participantes em determinar regras individuais embora as regras para o grupo e consequentemente para os outros estejam sempre presente. Há uma preocupação constante em manter a ordem, com a preocupação inclusive, de eleger um responsável. QUADRO Nº 2 – REGRAS DA CASA DO DOMÍNIO DAS RELAÇÕES RESPEITAR OS OUTROS

COLOCAR OS MEMBROS À VONTADE

CONCILIAR OPINIÃO SOBRE OS PASSEIOS

NÃO INCOMODAR OS VIZINHOS

PROMOVER O AMOR E A AMIZADE

FAZER CUMPRIR AS REGRAS

SABER VIVER COM A DIFERENÇA DOS OUTROS

RESPEITAR O REPOUSO DOS OUTROS

NUNCA SAIR DE CASA SOZINHOS

PREOCUPAÇÃO COM A SAÚDE DOS OUTROS

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Este quadro revela a preocupação dos doentes que participaram na actividade em promover um ambiente harmonioso na casa de férias. Mais uma vez, está presente a preocupação do respeito pela individualidade, embora haja a preocupação com o bem-estar dos outros. QUADRO 3 – REGRAS DA CASA DO DOMÍNIO DO LAZER IR A FESTAS

GINÁSTICA MATINAL

PASSEIO DIÁRIO E IDA À PRAIA

PASSEIOS DE BICICLETA EM CONJUNTO

DESPORTO DIARIAMENTE

DANÇAR, JOGAR, PASSEAR

PASSEIOS PRÉ-ESTABELECIDOS

FAZER PRAIA COM SOL FRACO

CONHECER LOCAIS COM INTERESSE

DORMIR A SESTA

Aqui observa-se que, apesar de ter sido sugerido um passeio e de terem sido solicitados regras de boa convivência, é menor a preocupação dos doentes em estabelecer regras que implicassem lazer. Mesmo assim, ainda foi possível observar a preocupação dos participantes em alcançarem um acordo colectivo quanto às regras da casa. Na avaliação final, foi também aplicado um questionário de satisfação aos doentes. Obtivemos os resultados demonstrados nos quadros 4 e 5. QUADRO 4 – RESPOSTAS À PERGUNTA: O QUE MAIS GOSTOU NA ACTIVIDADE?

Relaxamento De Tudo Ginástica Interacção do Grupo Música Sensação de Paz Ouvir o Mar Da Roda (entrar no Autocarro) Jogo das Regras TOTAL

Asserções 23 11 8 6 4 4 2 1 1 60

Os resultados apontam para uma maior satisfação durante a fase de relaxamento, de ginástica e de interacção do grupo. Veja-se que 11 dos doentes mostraram-se satisfeitos com a totalidade da actividade.

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QUADRO 5 – RESPOSTAS À PERGUNTA: O QUE MENOS GOSTOU NA ACTIVIDADE?

Asserções 4 3 2 2 1 1 13

Jogo das Regras Ginástica Música Grupo Relaxamento Luz a Acender TOTAL

Apesar de apenas 13 doentes terem apontado algo de que não gostaram, o jogo das regras continua a ser aquele que menos “adeptos” atraiu. Estes dados entram em sintonia com os obtidos ao nível do interesse manifestado no decorrer da sessão, em que se verificava ligeira perda de interesse durante este jogo. No que concerne à avaliação dos níveis de ansiedade e de bem-estar utilizámos como instrumento de medida uma adaptação da escala visual analógica da dor. Esta escolha prendeuse com o facto de ser de fácil leitura e percepção, ao contrário de diversas escalas utilizadas na avaliação da ansiedade.

IMAGEM Nº 1 – ESCALA VISUAL ANALÓGICA PARA AVALIAÇÃO DOS NÍVEIS DE ANSIEDADE

Nada ansioso

moderadamente ansioso

muito ansioso

Esta escala foi apresentada aos doentes antes e depois da actividade. Notou-se, sem dúvida, uma redução significativa da ansiedade uma vez que a média da avaliação inicial foi de 5 e, na avaliação final, a média de respostas rondou o valor 3, sendo que esta actividade promoveu uma redução de ansiedade de 2 pontos, segundo esta escala. Quanto à escala de avaliação dos níveis de bem-estar pretendeu-se que os doentes se identificassem com uma das faces abaixo apresentadas.

IMAGEM Nº 2 – ESCALA VISUAL ANALÓGICA PARA AVALIAÇÃO DOS NÍVEIS DE BEM-ESTAR

Sinto-me muito bem

Não me sinto bem

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Os resultados, também, foram significativos no que diz respeito à influência desta actividade no bem-estar dos doentes em estudo, uma vez que a média da avaliação inicial foi de 4,3 enquanto a média da avaliação final foi de 3,2. Assim, os doentes apresentaram uma melhoria do seu bemestar quantificável em 1,1, segundo esta escala visual. Foi ainda construída uma questão de verificação e controle, questionando se os participantes se encontravam verdadeiramente menos ansiosos, que validou estas respostas. Embora tenham sido bastante satisfatórios e animadores estes resultados, tínhamos somente os dados directos obtidos com esta actividade. Pensámos que seria pertinente avaliarmos a influência do interesse demonstrado pelos doentes no decorrer da actividade. Assim, identificámos os 10 melhores resultados, no que diz respeito ao interesse demonstrado pelos doentes durante a actividade e comparámo-los com os 10 piores resultados. Percebemos, então, que os resultados eram muito mais esclarecedores. No que diz respeito à ansiedade, analisando os 10 doentes que manifestaram mais interesse, obteve-se uma média de 4,9 na avaliação inicial e de 2,5 na avaliação final, o que corresponde a uma diminuição de 2,4, segundo a escala utilizada. Enquanto que, em relação aos 10 doentes que manifestaram menos interesse, obtivemos na avaliação inicial 6,3 e na avaliação final 4,8, evidenciando somente uma redução de 1,3. No que diz respeito ao bem-estar, analisando os 10 mais interessados obtivemos uma média de 5,2 na avaliação inicial e de 3,6 na avaliação final, o que corresponde a uma variação de 1,6, segundo a escala utilizada. Enquanto que, em relação aos menos interessados, obtivemos na avaliação inicial de 4,8 e na avaliação final 4,2, o que corresponde a uma variação de somente 0,6. Podemos então concluir que a obtenção de melhores resultados, no que diz respeito aos níveis de ansiedade e de bem-estar, está directamente relacionada com o grau de interesse que os doentes apresentaram durante esta actividade de terapia pelo movimento. Somente quando os doentes realizam todos os jogos com interesse, esta dinâmica se apresenta verdadeiramente eficaz e apresenta resultados significativos.

C ON CL U S ÃO Como conclusão deste trabalho relembramos Elkonin (1998) que nos diz que o jogo assume assim o papel de uma ferramenta importante na reabilitação do doente, uma vez que se pode investigar também alguns problemas do movimento na esfera afectiva. Esta actividade assume um papel

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importante pois, como diz Manes pretende-se,” proporcionar aos participantes uma experiência particular de aprendizagem” e “ em grupo é possível, então, trabalhar e estimular, (…), três dimensões do funcionamento psicológico humano: a dimensão emotivo-afectiva, a dimensão cognitiva e a dimensão experiencial” (2008, p. 6). Este estudo além de relatar uma actividade que qualquer enfermeiro pode efectuar no seu serviço, torna possível a constatação da diminuição dos níveis de ansiedade (de 5 para 3) e de bem-estar (de 4,3 para 3,2) que, de acordo com as escalas utilizadas, significam um aumento do bem-estar por parte dos doentes. Deste modo, conclui-se que ser muito benéfico a inclusão deste tipo de actividades nos Serviços de internamento de Psiquiatria.

R E FE R Ê NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS Cordo, M. (2003) – Reabilitação de Pessoas com Doença Mental. Lisboa: Climepsi Editores; Elkonin (1998) – Psicologia do Jogo. São Paulo: Martins Fontes Gonçalves, Ó (2006) – Terapias Cognitivas: teorias e Práticas. Porto: Edições Afrontamento; Leal, Isabel (2005) – Iniciação às Psicoterapias. Lisboa: Fim de Século; Manes, S. (2008) – 83 Jogos Psicológicos para Dinâmicas de Grupos. Lisboa: Paulus; Willson, M (1994) – Occupational Therapy in short-Team Psychiatry. Churchill Livingstone; Vieira, F.(1999) – (Des) Dramatizar na doença Mental. Psicodrama e Psicopatologia. Lisboa: Edições Silabo.

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28 - VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS E SUAS FACES: IMPLICAÇÕES NOS NÍVEIS DE SAÚDE MENTAL

VALÉRIA MARTA NONATO FERNANDES MOKWA92; SONIA MARIA VILLELA BUENO93; FÁTIMA APARECIDA COELHO GONINI94

RESUMO Introdução: A cultura da violência na atualidade atingiu vários segmentos, inclusive a escola que se apresenta como um local que favorece o surgimento de novos tipos de violências, tal como o bullying. Objetivo: Este trabalho propõe levantar discussões acerca da temática violência e a saúde mental em um grupo de educadores. Metodologia: Trabalhamos com13 sujeitos, com idades entre vinte e cinco e quarenta anos de idade, professoras do ensino fundamental em escola pública do estado de São Paulo-Brasil. Para a realização desse estudo foi utilizado como referencial teórico a Teoria das Representações Sociais de Moscovici, para analisar a representação da violência e o referencial teórico de Paulo Freire no desenvolvimento das ações educativas, relativo ao tema central, entre outros teóricos que fundamentam a violência, como Morais. Essas discussões ocorreram de 15 em 15 dias, durante o horário de trabalho pedagógico conjunto, sendo parte de um projeto da escola intitulado violência e corpo-esse desconhecido. Trata-se de um estudo qualitativo utilizando como subsídio música e dinâmicas que possibilitaram as participantes ter contato consigo mesmas, expressando e refletindo corporalmente as representações que têm acerca da temática. Nesse estudo especificamente, foi distribuído às participantes recortes e fotos retratando a violência, para que as mesmas construíssem uma máscara de acordo com a reportagem sobre violência que mais as marcaram. Após essa construção de máscaras elas passearam por toda a sala ao som de músicas que revelavam fatos violentos, observando cada máscara construída. Após, se reuniram em grupos que assemelhavam o tipo de violência e refletiram a respeito das várias faces que a violência apresenta. Resultado: Os dados foram analisados e tabulados permitindo, apreender a representação que as participantes têm a respeito dessa temática e a influencia disto na sua saúde mental e na de seus alunos. Os resultados possibilitaram observar que essas possuíam poucos conhecimentos 92

valeriamokwa@gmail.com

93

smvbueno@eerp.usp.br

94

fatinini@yahoo.com.br

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científicos sobre as questões que envolvem a violência, se abstendo de conversar a respeito, devido ao medo, como se a violência ocorresse distante do seu universo, muitas vezes, não entendendo, ou não percebendo a dimensão que a violência possui e que a maioria das vezes inicia-se no círculo familiar. Conclusão: Disto denota-se, que as profissionais carecem de formação e informação em relação aos vários assuntos referentes à violência pessoal, coletiva, psicológica, física, emocional, social e consequentemente institucional, deveras podendo se constituir em um ciclo vicioso: aluno contra aluno e grupos (bullying), professor-aluno e vice-versa, aluno e instituição, professor e instituição, escola e família, escola e comunidade. Portanto, é preciso instrumentalizar o educador nesse sentido, para lidar no cotidiano da escola e de sua prática docente, tendo em vista a importância da melhoria da qualidade da vida e do trabalho, vislumbrando assim a saúde mental do indivíduo e de sua coletividade, para a construção de um mundo melhor. Esta pesquisa se revela, pois, como elemento considerável para a apreensão e a discussão das representações sociais das docentes, possibilitando que as mesmas avaliem seus conceitos e busquem mudanças nas concepções e práticas relacionadas à violência.

ABSTRACT Introduction: The violence culture on this present time has reached several segments, including the school which presents itself as a place that propitiates the rise of new types of violence, such as bullying. Objective: This paper aims to raise discussions regarding violence and mental health on a group of educators. Methodology: We have worked with 13 people, on the age group between twenty to forty five years old, all teachers of an elementary public school in Sao Paulo- Brazil. To the accomplishment of this study, Moscovici’s Theory of Social Representations was used as a theoretical reference to analyze violence representation, and the theoretical reference of the scholar Paulo Freire on the development of educational actions, regarding the main theme, among other scholars who write about violence, like Morais. These discussions took place from 15 to 15 days, during the pedagogical ensemble work schedule, being part of the school’s project named violence and body – this unknown. This is a qualitative study that uses as subsidy music and dynamics that enabled the participants to get in touch with themselves, expressing and reflecting through their bodies the representations they have regarding the theme. On this study specifically, press cuttings and pictures regarding violence were distributed to the participants, so that they could build a mask portraying the news piece that had scarred them the most. After building the masks they walked around the whole room listening to songs that revealed violent facts, observing each mask built. Afterwards, they gathered in groups, that had the same kind of violence portrayed, and reflected about the several facets that violence presents. Results: The data was analyzed and tabulated which allowed the participants to understand the representation they have regarding this theme, and its influence on their students’ and their own mental health. The results enabled the

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observation that they possessed little scientific knowledge about the matters regarding violence; they abstained from talking about it due to their fear, as if violence occurred distantly from their universe, several times failing to understand, or not realizing the dimension that violence possesses and that most times, it begins inside the family circle. Conclusion: From this study one can understand that the professionals lack formation and information related to the several subjects regarding personal, collective, psychological, physical, emotional, social and, consequently, institutional violence, which can become a vicious cycle: student against student and groups (bulying), teacher-student and vice-versa, student and institution, teacher and institution, school and family, school and community. Therefore capacitating the educator on this sense is a necessity, so they can deal with school’s everyday life and their teaching profession, looking for the importance of life and work’s quality improvement, focusing on the individual and collective mental health, for the construction of a better world. This research reveals itself as a considerable element on the understanding and the discussion of social representations of teachers, allowing them to evaluate their concepts and to look for changes of conceptions and practices regarding violence

KEYWORDS: Social representation; Violence at School; Continued Teacher Formation

I N TROD U Ç ÃO A cultura da violência na atualidade atingiu vários segmentos, inclusive a escola que hoje é um local que favorece o surgimento de novos tipos de violências, tal como o bullying. Discutir a respeito da violência em nossa sociedade nos remete a uma reflexão sobre as relações sociais, que constroem e estruturam o pensamento social. Lembrando que as relações sociais são permeadas por relações de poder que se estabelecem nas relações de classe, gênero, etnia e cultura, entre as diversas categorias e grupos sociais.

Assim, o poder estabelecido desencadeia

tensões sociais e interpessoais, culminando em atos violentos como recurso para resolução de conflitos, o que culmina em implicações na saúde mental dos sujeitos envolvidos. O que se observa nas sociedades ocidentais industrializadas em relação aos atos violentos, é que esses têm sido interpretados como o esgotamento do que se convencionou chamar de modernidade, tornados-se objeto de reflexões. Nesse sentido, Giddens (1996) adverte que uma das facetas que pode contribuir com algum desencadeamento da violência são os resultados da revolução tecnológica e a reestruturação do capitalismo, a globalização, a flexibilidade e diminuição das frentes de trabalho. Diante deste pressuposto, a globalização econômica que adentra o cotidiano atual causa malestar biopsicossocial, devido a vários fatores. De acordo com Bauman (1999) estamos vivendo

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

numa sociedade de consumo em que a liberdade, a adversidade e a tolerância se fazem presente e contribuem para o desencadeamento de algum tipo de violência. Assim, a violência permeia e se revela na sociedade por diversas faces e atingi as crianças, jovens, idosos, entre outros e segmentos sociais, sobretudo, a escola. Nesse contexto, nota-se que a violência pode ser manifestada de várias formas como: física, sexual, psicológica, simbólica, negligência, entre outras (GUERRA e BRUSCHINI,1998). Desta forma, nos compete indagar: é possível conviver em uma escola com não violência? Refletindo um pouco mais, percebe-se que não basta entender apenas a violência que ocorre na escola ou da escola, mas sim, encontrar medidas para diagnosticar e tratar as diferentes faces da violência de forma contextualizada, juntamente com profissionais de outras áreas e com a participação da família, criando uma via de mão dupla entre essas duas instituições de grande relevância na formação do indivíduo, mas que se encontram no momento em crise (BUENO, 2008). Wieviorka (1997) corrobora com esse aspecto revelando que novos paradigmas são criados e tomam a forma de crise gerando ambiente social político e econômico favorável as novas figuras de violência marcadas pelo individualismo.Considerando-se esse movimento, depreende-se que o indivíduo vivendo em um ambiente com algum tipo de violência não desfruta de uma saúde biopsicossocial efetiva, fragilizando-a e podendo desencadear problemas distintos, ameaçando tanto sua vida quanto dos seus pares o que possibilita a aparição de implicações nos níveis de saúde mental. Esse estudo teve o objetivo de suscitar discussões e reflexões acerca da temática violência e a saúde mental em um grupo de educadores. Trabalhamos 13 professoras, do ensino fundamental com idades entre vinte e cinco e quarenta anos de idade de uma escola pública do estado de São Paulo-Brasil. Os encontros, onde ocorreram às discussões, se deram de 15 em 15 dias, durante o horário de trabalho pedagógico coletivo. Cabe ressaltar que esses encontros são parte de um projeto desenvolvido na escola e intitulado violência e corpo-esse desconhecido.

Trata-se

de um estudo qualitativo que utiliza como subsídio a música e oficinas que possibilitam as participantes

ter

contato

consigo mesma, expressando

e refletindo corporalmente

as

representações que têm acerca dessa temática. Nesse estudo especificamente, foram distribuídos às participantes vários recortes e fotos retratando a violência na sociedade, e solicitado que as mesmas construíssem uma máscara reportando a violência que mais as marcaram. Posteriormente, elas passearam por toda a sala ao som de músicas que revelam fatos violentos, observando cada máscara construída pelas participantes e logo em seguida, formaram grupos que

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apresentavam tipos de violências que se assemelhavam e refletiram a respeito das várias faces que a violência apresenta. Esse estudo baseou-se no referencial teórico da Teoria das Representações Sociais (TRS) de Moscovici (2003) para analise da representação da violência, bem como, no referencial teórico de Paulo Freire no desenvolvimento das ações educativas, relativo ao tema central, entre outros teóricos que fundamentam a violência, como Velho, Saffioti, e Capra.

VIOLÊNCIA: QUEM VIOLA E QUEM É VIOLADO? A sociedade brasileira é marcada historicamente por situações de violência desde a época da colônia fazendo-se presente na sociedade atual e especificamente nos grandes centros. Os tipos de violências mais visíveis nos dias atuais são os que envolvem a agressão física decorrentes de assaltos, homicídios, seqüestros e pedofilia, explorados excessivamente pela mídia.

A violência nas inter-relações também é expressiva e provoca à desestruturação, visto que esta violência, geralmente é cometida contra as pessoas do convívio do indivíduo, acentuando a hierarquia do poder nesse contexto, pois aquele que é violento se julga superior ao outro que esta sofrendo o ato violento. Essa superioridade geralmente, esta relacionada às questões financeiras, culturais ou mesmo a hierarquia familiar. Seguindo esse pensamento Velho (2000), afirma que o predomínio do individualismo e da impessoalidade contribuiu para que as relações interpessoais se tornem violentas de tal forma que a violência foi se rotinizando, deixando de ser excepcional para torna-se uma marca do cotidiano. O autor ainda salienta que a violência não se limita o uso da força física, mas sim, a possibilidade ou a ameaça de usá-la, constitui dimensão fundamental de sua natureza. Associa a violência a uma idéia de poder, quando enfatiza a possibilidade de imposição de vontade, desejo ou projeto de um indivíduo sobre o outro. O aspecto da interiorização desta violência durante o desenvolvimento da vida do vitimizado pode se tornar questão de saúde. O indivíduo vitimizado quando não recebe assistência social, médica e psicológica eficaz, poderá causar e externar essa violência de diversas formas e gerando entraves para a sua saúde biopsicossocial e mental, desencadeando algum comportamento de violência, bem como, gerar mal estar para a sociedade. Capra (1982) a esse respeito ressalta que não se pode buscar entender as situações de violência individualmente, uma vez que o indivíduo está inserido em um contexto social, absorve suas influências e conseqüentemente a retratam. O autor complementa dizendo que “o reconhecimento

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da situação psicológica de um indivíduo não pode ser separada do seu meio social, cultural e emocional. (p.360)”. Saffioti (1989) exemplifica dizendo que: “Violência psicológica é quando o agressor se dirige a vítima com menosprezo, bloqueia seus esforços, provoca sua baixa estima, faz ameaças de abandono, destrata a vítima publicamente, enfim todo tipo de agressividade que provoque sofrimento mental” (p. 45). Assim o oprimido necessita de apoio multidisciplinar que garanta um bem estar biopsicossocial e principalmente um espaço onde ele possa externar suas angústias, dialogar e problematizar essa violência vivenciada. Freire (1987) adverte que: “a ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, "ação cultural” para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles. A sua dependência emocional, fruto da situação concreta de dominação em que se acham e que gera também a sua visão inautêntica do mundo, não pode ser aproveitada a não ser pelo opressor, Este é que se serve desta dependência para criar mais dependência “(p.30). A relevância de tal estudo reside na constatação de que o viver em sociedade sempre foi permeado por comportamentos violentos e esse aspecto é inerente à organização do ser humano na sociedade e depende de sua adaptação na mesma. Para tanto, buscamos trabalhar com esse grupo de professoras incitando discussões e reflexão a respeito dessas questões que permeiam a sociedade e adentra a escola, bem como, ressaltar a possibilidade de desconstrução das representações sociais da violência que cada participante traz na sua formação, no intuito de oferecer subsídios para trabalharem com os educandos buscando a superação das diferentes formas de violência que se manifestam e que convivem no cotidiano escolar com seus pares. Jodelet (2005) em seus estudos relata que as representações sociais constituem “uma forma de conhecimento social elaborado e partilhado, tendo uma visão prática e concorrendo para construção de uma realidade comum a um conjunto social” (p.36). Nesse sentido, as representações são construídas com o objetivo de orientar o comportamento do indivíduo em suas relações sociais, considerando que estes pensam, sentem, avaliam e transformam as interrelações. O sentido da ação do indivíduo é dado não apenas pela sua representação, mas também, pela representação que ele compartilha no grupo. Pode-se observar que no meio social os grupos não visualizam a violência simbólica que praticam, nem mesmo, a seqüela biopsicossocial que pode desencadear no outro, mas sim a retrata como sendo realidade que acontece na vida de um sujeito distante.

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Sendo assim, as discussões e a problematização, com base em diferentes posturas diante das situações de violência ofereceram suporte para a reflexão das práticas cotidianas, incluindo a escola. Freire (1990) diz ser importante perceber e considerar a saúde biopsicossocial do educando, e buscar construir o espaço escolar que propicie reconhecer o outro como participante desse espaço que é compartilhado entre iguais e entre iguais na diferença, transformando a escola, trabalhando as situações de violência na busca do bem estar comum. Assim, esta pesquisa se revela, como elemento considerável para a apreensão e a discussão das representações sociais das docentes frente às questões dos diferentes tipos de violências possibilitando que as mesmas, avaliem seus métodos, seus conceitos e busquem mudanças nas concepções e prática relacionadas a essa temática.

ALGUNS RESULTADOS E DISCUSSÕES Nesse estudo os dados foram analisados e tabulados permitindo apreender a representação que as professoras têm a respeito da temática e a influencia da mesma na sua saúde mental. Os resultados possibilitaram observar que as participantes possuíam poucos conhecimentos científicos sobre as questões que envolvem a violência, se abstendo de conversar a respeito, devido ao medo a insegurança. Observa-se nos resultados obtidos que as representações expressas pelas professoras em relação ao fenômeno da violência, como algo distante do seu cotidiano. As participantes, muitas vezes, não entendem, ou não percebem a dimensão que a violência possui, a qual na maioria das vezes, inicia-se no ambiente familiar, ou ainda que pode ser considerados atos violentos o simples fato do docente expor o aluno na frente dos demais. Rocha (2001) colabora com esse paradigma definindo violência como um fenômeno multicausal e um processo de vitimização que se expressa em: [...] Atos com intenção de prejudicar, subtrair, subestimar e subjugar, envolvendo sempre um conteúdo de poder, quer seja intelectual quer seja físico, econômico, político ou social. Atingem de forma mais hostil os seres mais indefesos da sociedade, como as crianças e adolescentes, e também as mulheres sem, contudo, poupar os demais [...] (p.96).

Portanto, abordar violência como uma questão social faz-se imprescindível principalmente para a educação e para a saúde, visto que essa não é evidente por si mesma em todas as suas manifestações, pois algumas são sutis e dissimuladas que podem passar despercebidas ou

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naturais no cotidiano do sujeito. Sendo assim, se faz importante trabalhar essas questões com as participantes para que possam re-construir suas representações em relação as próprias atitudes no espaço escolar.

CONCLUSÕES Depreende-se que as profissionais carecem de formação e informação que atrelam a violência individual, coletiva, psicológica, física, emocional, social e conseqüentemente institucional, deveras podendo se constituir em um ciclo vicioso: aluno contra aluno e grupos (bullying), professor-aluno e vice-versa, aluno e instituição, professor e instituição, escola e família, escola e comunidade, entre outros. Portanto, é preciso instrumentalizar o educador para que este possa lidar no cotidiano da escola, tendo em vista à importância e a melhoria da qualidade da vida de todos os envolvidos no processo escolar, vislumbrando assim a saúde biopsicossocial do indivíduo e da coletividade, para a construção de um mundo bem melhor. Esta pesquisa se revela, pois, como elemento considerável para a apreensão e a discussão das representações sociais das docentes, possibilitando que as mesmas avaliem seus conceitos e busquem mudanças nas concepções e práticas relacionadas à violência.

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-

INTERVENÇÕES

PSICOEDUCATIVAS

PARA

FAMILIARES

DE

PESSOAS COM ESQUIZOFRENIA

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ISABEL MARGARIDA FRANCO-FERREIRA LANDEIRO ; SANDRA CRISTINA F. F. SAMPAIO DE ANDRADE

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I N TROD U Ç ÃO A esquizofrenia sendo uma perturbação mental grave, crónica e muito incapacitante origina com frequência, nas pessoas por ela atingidas, uma diminuição das capacidades de relacionamento, de adaptação social e de desempenho profissional. É uma doença com impacto marcante no diaa-dia das pessoas, suas famílias e outros significativos. Sintomas tais como as alucinações e os delírios podem levar a um comportamento bizarro e desadaptado. Também a apatia e o retraimento limitam a qualidade de vida das pessoas e dos seus familiares, que deste modo se vêem privados de um pleno convívio com o seu ente querido (Mueser, 2006). Por fim, as alterações a nível da atenção e do pensamento provocam com frequência graves problemas de interacção e de comunicação no seio das famílias. É hoje consensual a necessidade de abordagens integradas para a esquizofrenia, que incluam tratamentos biológicos e estratégias psicossociais focalizadas tanto no doente como na família (Caldas de Almeida e Xavier, 1997; Gonçalves Pereira et al., 2006). Os organismos internacionais reconhecem as intervenções psicossociais, de que são exemplo as intervenções familiares e a psicoterapia de orientação cognitivo-comportamental, como um dos componentes da abordagem global e compreensiva do tratamento das pessoas com esquizofrenia (Silva Brito, 2005). Cabe às equipas comunitárias de saúde mental, nomeadamente aos enfermeiros, que contactam de forma privilegiada com a pessoa com esquizofrenia e sua família, implementarem intervenções psicoeducativas familiares com vista a melhorar o funcionamento psicossocial da pessoa e o bemestar da família, no sentido sistémico.

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E. C. de Psiquiatria e Saúde Mental do HSF Xavier – CHLO

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E. C. de Psiquiatria e Saúde Mental do HSF Xavier – CHLO

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INTERVENÇÕES

P S ICO ED U C AT I V AS

EM

GRUPO

PAR A

F AM I LI AR E S Em Portugal calcula-se que muitos doentes mentais graves vivam pelo menos com um familiar directo, sendo a família a principal rede de suporte natural. Para Gonçalves Pereira et al. (2006) seria de esperar que o sistema familiar estivesse incluído, por rotina, nos planos de tratamento e de reabilitação. A responsabilidade dos cuidados é, em grande parte transferida para as famílias, envolvidas enquanto cuidadores informais e na maioria dos casos sem qualquer preparação específica (Silva Brito, 2005). As famílias desempenham um papel determinante na gestão das actividades de vida diária, no suporte financeiro, na promoção do autocuidado, no ensino de novas competências, na gestão de medicação, no acompanhamento e adesão ao tratamento assim como na intervenção na recaída. A estigmatização a que estão sujeitas, a falta de informação e a sobrecarga que suportam no seu dia a dia justifica o desenvolvimento de um suporte familiar estruturado, em paralelo com os cuidados prestados à pessoa com doença mental grave. A psicoeducação familiar constitui-se como uma intervenção dirigida às famílias, cuidadores e amigos que representam o principal suporte das pessoas com doença mental. É um trabalho de parceria entre o profissional, a pessoa com doença mental e sua família e que consiste na informação sobre a doença mental, na melhoria das competências comunicacionais, no treino da resolução de problemas e desenvolvimento do suporte social. O objectivo consiste em desenvolver competências que permitam lidar melhor com a problemática da doença mental, promovendo uma melhor qualidade de vida, assim como, promover a redução do stress e da sobrecarga familiar existente. Existem diversas formas de intervenção familiar na doença mental grave. Aquelas que contemplam a família como um todo, incluindo a pessoa com doença, podem ser em grupos multifamiliares - modelo da equipa de McFarlane (Silva Brito, 2005), ou com cada família em separado – como no modelo de Kuipers, Leff e Lam (2002) ou de Falloon na terapia familiar comportamental (Gonçalves Pereira, Xavier & Fadden, 2007). As intervenções podem ter ainda lugar, com objectivos diferentes, sob a forma de grupos para familiares, aliás também usados no modelo de Leff e col. (Kuipers, Leff & Lam, 2002; Gonçalves Pereira et al., 2006). No seu exercício profissional o enfermeiro centra a relação interpessoal com a pessoa e ou um grupo de pessoas (família ou comunidades). Neste âmbito, a Ordem dos Enfermeiros no seu enquadramento conceptual caracteriza a relação terapêutica: pela parceria estabelecida com o cliente e no respeito pelas suas capacidades. Várias são as circunstâncias em que a parceria deve ser estabelecida envolvendo as pessoas significativas para o cliente individual (família, convivente

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significativo). No sentido de optimizar o exercício profissional, frequentemente os enfermeiros alargam o conceito de cliente, e portanto a relação de parceria, à família e à comunidade (Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem, 2002). O planeamento de intervenções junto das famílias constitui um foco de atenção dos cuidados de enfermagem e englobam entre outras, intervenções de aconselhamento e de suporte psicoterapêutico e educativo visando promover a saúde mental e a qualidade de vida das pessoas. As intervenções de enfermagem são frequentemente optimizadas se toda a unidade familiar for tomada por alvo do processo de cuidados, nomeadamente, quando estas visam a alteração de comportamentos, tendo em vista a adopção de estilos de vida compatíveis com a promoção da saúde. (Competências do enfermeiro de cuidados gerais, 2003). “A evidência de múltiplos estudos revela que o envolvimento adequado das famílias é de facto de extrema importância para a evolução mais favorável e facilitada do processo terapêutico e reabilitativo do seu familiar. Os estudos demonstram também que melhorias na gestão de caso, no cuidado e nos resultados gerais ocorrem quando as famílias recebem informação, educação, treino e outro apoio. (Relatório da Comissão Nacional para a Saúde Mental, 2007-2016, p. 88).

Como enfermeiras integradas em equipas comunitárias de psiquiatria e saúde mental, temos desenvolvido nos últimos anos um trabalho de intervenção psicoeducativa em grupos para familiares de pessoas com esquizofrenia. Este trabalho tem tido lugar numa perspectiva de estreita colaboração e de respeito pelas características de cada família, tendo em conta o seu contexto sócio cultural, as suas vivências e a sua identidade própria. Neste sentido procuramos criar um espaço de informação e de suporte onde as famílias sintam as suas necessidades compreendidas e as suas competências reconhecidas. Este trabalho teve como origem dois elementos principais. Em primeiro lugar, a participação de uma de nós (I. Landeiro) no estudo europeu multicêntrico Psychoedutraining, envolvendo formação específica em trabalho psicoeducativo com famílias na linha da “terapia familiar comportamental” (Magliano et al., 2005). Em segundo lugar, a nossa colaboração no Estudo FAPS - Famílias de Pessoas com Psicose: Estudo prospectivo e de intervenção (Gonçalves Pereira & Xavier – Fundo de Apoio à Investigação Fundação Astrazeneca, 2005). Este estudo contemplou um componente multicêntrico de intervenção em grupos para familiares de pessoas com esquizofrenia e perturbações esquizo-afectivas, que (no respeitante aos nossos dois centros em particular) conduzimos em co-terapia com o investigador principal. Alguns dados preliminares já

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foram publicados (ex: Gonçalves Pereira et al., 2008), embora os resultados finais de avaliação de efectividade aguardem divulgação próxima. Na sequência da intervenção do estudo FAPS, e tendo em conta as necessidades sentidas pelos familiares, decidimos manter o apoio a alguns dos familiares em questão e a outros recémchegados, num formato grupal idêntico, mas agora aberto. Neste sentido, foram formados dois grupos, com cada uma de nós como terapeuta responsável na respectiva equipa (Parede e 97

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Cascais, DPSM , HSFX , CHLO ). Foi decidida uma reestruturação do número de sessões, decorrendo a intervenção com periodicidade aproximadamente quinzenal a mensal, ao longo de 18 meses, com final em 2009. É apenas deste nosso trabalho directo, posterior à conclusão do estudo FAPS, que reportamos alguns dados eminentemente qualitativos, sobretudo a título de reflexão sobre a nossa prática e como reflexo do processo de aprendizagem em psicoeducação familiar. Note-se que o trabalho que aqui discutimos não foi planeado num contexto de investigação. Ambos os grupos eram maioritariamente constituídos por dezassete familiares do sexo feminino reformadas ou domésticas num total de dezanove pessoas e com idades compreendidas entre os 45 e os 84 anos. A maioria dos participantes tinha uma relação de parentesco de 1º grau (pais) e coabitavam com a pessoa com esquizofrenia. A nossa intervenção psicoeducativa no grupo para familiares de pessoas com psicose, manteve um componente “educativo”, mas agora sobretudo de apoio emocional, com elementos de entreajuda, em grande parte inspirado no modelo de Kuipers, Leff e Lam (2002) e no já usado, no estudo FAPS. A abordagem foi definida ao longo do tempo de acordo com as necessidades expressas dos familiares, incluindo a discussão aprofundada e dirigida aos novos elementos do grupo de: conteúdos gerais sobre saúde e doença mental, psicoses (sua sintomatologia, história natural e tratamento/cuidados). Assim como a gestão das crises, a comunicação interpessoal, a resolução de problemas no quotidiano, o manejo de problemas frequentes (recusa em tomar medicação; problemas relacionados com álcool ou drogas, gestão do dinheiro, etc.), a promoção da saúde dos próprios cuidadores e as relações com os serviços de saúde. Não apresentando dados formais de avaliação, limitamo-nos a apontar alguns indicadores. Constatámos que a assiduidade das famílias às sessões (80%) difere de muitos resultados 97

Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental.

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Hospital São Francisco Xavier.

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Centro Hospitalar Lisboa Ocidental.

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publicados, onde taxas de abandono elevadas são comuns. Para isso pode ter contribuído o facto de muitos destes familiares terem já criado um sentimento de pertença ao grupo, como rede social de suporte. No sentido de auto-monitorizar a nossa intervenção foi passado, na sessão final de cada um dos dois grupos, um questionário ad hoc de avaliação da satisfação, adaptado ao já utilizado no FAPS. Este questionário é composto numa primeira parte por questões pontuadas em escala de tipo Likert de 1 (pouco útil) a 7 (muito útil), e na segunda parte por aspectos relativos à avaliação da satisfação dos familiares. Relativamente às questões fechadas que abordavam a utilidade do grupo quanto à informação sobre a doença e tratamento, ajuda prática para lidar melhor com os problemas, alívio sentido por contactar com pessoas com a mesma problemática e ajuda a si próprio, as respostas situaram-se em média entre o 6 e 7. Na segunda parte do questionário os familiares valorizam os aspectos relacionados com: - Convívio e a partilha de problemas entre pares; - Informação transmitida sobre a doença e a ajuda prática para lidar com os problemas do quotidiano; - Continuidade de uma interacção entre os membros do grupo.

Para responder à necessidade expressa pelos familiares de continuidade das sessões de forma a manter a interacção e partilha entre pares, orientámos a nossa intervenção para uma reunião conjunta com os dois grupos e suas terapeutas no sentido de virem a desenvolver um projecto conjunto e autónomo.

C OME N T ÁR IO S FIN AI S O trabalho desenvolvido ao longo deste ano e meio foi muito gratificante para as enfermeiras envolvidas neste projecto devido à impressão subjectiva de termos contribuído para aliviar o desgaste, o isolamento e a estigmatização a que estão sujeitas as famílias. Estas encontraram no grupo psicoeducativo um espaço em que sentiram as suas necessidades compreendidas, as suas competências reconhecidas e em que foram procuradas soluções para muitos dos problemas e dificuldades do seu quotidiano. Não obstante, as limitações deste tipo de intervenção tornam premente a implementação, em mais larga escala, de formas diversificadas de trabalho com as famílias de pessoas com doença mental grave.

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AGRADECIMENTOS: Dr. Manuel Gonçalves Pereira (FCM, UNL), pelo convite para participar no projecto FAPS e pela supervisão ao nosso trabalho autónomo, de continuidade, aqui relatado. Drª Paula Duarte e Dr. António Moniz Botelho (coordenadores, respectivamente, das equipas da Parede e Cascais, HSFX, CHLO), e Dr. Luís Sardinha (Director do DPSM, HSFX, CHLO) pelo apoio recebido.

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30 - VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: OPINIÕES DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL

RESUMO A violência é uma das grandes preocupações para a saúde da população brasileira. E para o setor de saúde, provoca traumas físicos e emocionais, deixando um lastro de problemas afetando indivíduos, famílias, grupos e a sociedade. A escola tem como função implícita, ser um fator de prevenção institucional da violência. O sistema escolar brasileiro é notoriamente deficitário e tem se deteriorado a partir dos anos 80. No ensino público os professores, muitas vezes, são mal pagos e desmotivados. Um grande número de crianças vão para escola se alimentar pois lhes é assegurada uma refeição. Cada vez mais a violência aparece em diversas formas. Torna-se perceptível o fato de que a vida na escola vem se tornando cada vez mais difícil. A proporção que a violência se desenvolve no seu interior com relação aos alunos e próprios professores; até mesmo institucional e ao mesmo tempo incipiente, todavia tem havido tímidas medidas de proteção sobre prevenção contra a invasão de agressores externos. Os objectivos foram conhecer como escola e educadores lidam com a violência no contexto escolar, tendo em vista o assunto e estratégias utilizadas; identificando a opinião do educador sobre o significado deste fenômeno, dificuldades diante do cotidiano escolar e a posição da escola com o intuito de minimizar o problema.Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Como técnicas de coleta de dados, foram usadas observação participante e entrevista com questões norteadoras. A amostra foi constituída por 25 professores de 3 escolas municipais de ensino fundamental, localizada em Ribeirão Preto - Brasil. Este estudo atendeu o rigor científico e preceitos éticos. Nos achados referiram tratar-se de problema social grave a violência nas escolas, identificando como maiores problemas, drogas e questões sexuais. Revelaram despreparo e carência de projetos para reverter o quadro existente. Sugere-se investimento na área, demandando projetos reflexivos, em parceria com a família e demais segmentos sociais. Para eles, alternativas para se atingir os alunos poderiam ser criadas, com projetos em que alunos e professores participassem ativamente do processo, propondo atividades dinâmicas, integrativas e projetos que contribuam à uma melhor adaptação e integração ao meio escolar. É importante instruir o aluno em sua maneira cotidiana, em sua relação com os outros e na solução de situações de violência, estimulando o trabalho em equipe por parte dos docentes e dos diferentes membros da Comunidade Escolar. Verificamos que na prevenção à violência, faz-se mister que a escola cumpra seu papel social e formador, trabalhando projetos preventivos para garantir a melhoria da qualidade da saúde dos integrantes da escola e a saúde do escolar. Os professores precisam criar estratégias participativas, inovadoras, dinâmicas e alternativa, levando o escolar a analisar e refletir, mudando comportamento para hábitos mais

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responsáveis evitando a violência. É necessário construir possibilidades pedagógicas para o desenvolvimento de uma consciência crítica. Com isto, fortalecer-se-á o crescimento do escolar de forma positiva. A dimensão do diálogo passa a ter importância fundamental tanto na escola como na família e entre outros segmentos sociais exigindo parceria e responsabilidade de todos. Sobremaneira no trabalho preventivo.

PALAVRAS CHAVE: violência; escola; educação preventiva

ABSTRACT Violence is a major concern for the health of the population. And for the health sector, causing physical and emotional trauma, leaving a ballast of problems affecting individuals, families, groups and society. The school has as its implied, be a factor in prevention of institutional violence. The Brazilian education system is notoriously poor and has deteriorated from the early 80th In public education teachers are often poorly paid and discouraged. A large number of children going to school to eat because they are guaranteed a meal. Increasingly, the violence appears in different forms. It is noticeable the fact that life at school is becoming increasingly difficult. The proportion that violence is developed in its interior with respect to students and teachers themselves, even while institutional infancy, however there have been timid about prevention measures to protect against invasion by foreign aggressors. The targets were known as schools and educators deal with violence in the school context, in view of the issue and strategies used, identifying the educator's view on the significance of this phenomenon, difficulties facing the school routine and the position of school in order to minimize the problema.Trata is a qualitative research. As data collection techniques were used participant observation and interviews with guiding questions. The sample consisted of 25 teachers from 3 public schools in elementary school, located in Ribeirão Preto - Brazil. This study met the scientific rigor and ethical precepts. In findings reported this is a serious social problem of violence in schools, identified as major problems, drugs and sexual issues. Revealed unpreparedness and lack of projects to reverse the existing framework. It is suggested that investment in the area, demanding thoughtful projects, in partnership with the family and other social segments. For them, alternatives for achieving students could be created, with projects in which students and teachers participate actively in the process, proposing dynamic activities, integrative and projects that contribute to better integration and adaptation to school. It is important to instruct the student on his way daily in their relationship with others and resolve situations of violence, stimulating teamwork on the part of teachers and various members of the Community School. We find that the prevention of violence, it is mister that the school fulfills its social role and trainer, working to ensure preventive projects to improve the quality of health of members of the school and the health of school. Teachers need strategies to create participatory,

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innovative, dynamic and alternative, leading the school to review and reflect, changing behavior patterns more responsible for preventing violence. We must build educational opportunities for the development of a critical consciousness. With this, it will strengthen the growth of the school in a positive way. The size of the dialogue will have fundamental importance both in school and in families and among other social groups requiring partnership and responsibility of all. Particularly in the preventive work.

KEYWORDS: violence; school, preventive education

I N TROD U Ç ÃO A violência constitui hoje um tema cuja presença não pode ser ignorada. Longe de ser uma instigante preocupação teórica é, provavelmente, uma das questões que mais nos causa pânico e aflição, quando tentamos situá-la em relação à luta quotidiana pela sobrevivência, com a sua carga de dor, sofrimento e morte, conseguiu fazer parte de nosso dia-a-dia e avança sobre territórios físicos, mentais e sociais. (BIDERMAN, 2003). Para Teixeira (1998), a violência aumenta à proporção que a população jovem aumenta., tendo efeito evidente das condições de desemprego, marginalidade, exclusão dos direitos de cidadania, para aqueles que deveriam se constituir na força. A violência nas escolas não é um fenómeno novo. Todavia tem vindo a assumir proporções tais que a escola não sabe que medidas tomar para sanar este problema. De um modo geral, quando se analisa a violência, as questões que se colocam como fundamentais e sobre as quais se assentam medidas preventivas ou de promoção de caráter social e que se deslocam para todas as outras áreas, como educação e saúde trabalho em renovação de nossa sociedade. Uma frase retoma essa realidade; quando a sociedade renega seus jovens cidadãos o crime os adota. (SANTOS, 2001). Referem-se aos princípios éticos, de justiça e solidariedade como orientadores das ações humanas. (NBURN, 1998) A violência é uma das grandes preocupações para a saúde da população brasileira e para o setor de saúde, provoca lesões, traumas físicos e emocionais, deixando um lastro de problemas, alguns diagnosticáveis, outros difusos, todos de grande magnitude, afetando indivíduos, famílias, grupos e a sociedade como um todo.A escola tem como função implícita ser um fator de prevenção institucional da violência. O sistema escolar brasileiro é notoriamente deficitário e tem se deteriorado a partir dos anos 80. A pré-escola e a escola primária cada vez mais sofrem

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problemas de falta de vagas e evasão escolar. Muitas crianças acabam sendo negligenciadas, fora das escolas ou nas ruas. No ensino público os professores, muitas vezes, são mal pagos e desmotivados. Um grande número de crianças vão para escola se alimentar pois lhes é assegurada uma refeição.A escola parece não dar mais conta de transmitir os conhecimentos básicos , pois a instituição não conseguiu se adaptar ao ensino de massa, as aulas limitam-se a quatro horas por dia, vinte por semana; no resto do tempo muitos jovens ficam na rua, na casa de vizinhos ou diante da televisão. O senso comum mostra-nos que a relação entre aluno e escola apresenta múltiplas fases ao longo do caminho do indivíduo. Nos primeiros anos, nomeadamente creche e infantário, ou mesmo ensino básico, as crianças ficam ansiosas por ir para a escola: é lá que estão os seus colegas de brincadeiras, os educadores/professores são durante alguns anos os mesmos, pelo que as relações afectivas são intensificadas e todos os conceitos são apreendidos de forma agradável e lúdica.A desvalorização do lado afectivo, a introdução de maior formalidade no relacionamento e a constante troca de professores consoante as disciplinas, faz com que se registe um esmorecimento nesta relação entre alunos e escola.As drogas de alguma forma conseguiram infiltrar-se nas escolas públicas, os jovens começam a fumar, beber e se drogar muito cedo. Um corte tem se acentuado entre o ensino público e o privado; a segregação escolar amplia a segregação social. A insegurança no mundo moderno está cada vez mais ligada à ascensão da violência, que promove a base e o fortalecimento de um imaginário do medo. Essas questões - insegurança, violência, medo - vêm ganhando realce nas discussões e produções atuais, na mídia, nas universidades, nas escolas, no cotidiano das pessoas, em virtude das conseqüências que originam e da aparente falta de controle de que se revestem. No nível teórico, tais questões podem ser estudadas de diversos ângulos - social, econômico, político, psicológico, religioso, antropológico (GUIMARÃES, 2002). Qualquer indivíduo é passível de exercer actos de violência, uma vez registada uma ruptura com a normalidade. No entanto, num indivíduo que não tenha patologias associadas, após a ruptura, retorna ao estado de acalmia e é reposta a sua normalidade interior. A violência pode ser revestida de diversas formas, mas num sentido restrito, pode ser definida como uma ruptura brusca da harmonia num determinado contexto, podendo ser sob a forma de utilização da força

física, psíquica, moral, ameaçando ou atemorizando os outros. A violência pode igualmente ser considerada de âmbito público ou de âmbito privado. A primeira é mais visível, influi e distorce a imagem da sociedade. É a que mais preocupa o Estado, pois é geradora de polémica. A segunda é mais recôndita, como é o caso da violência familiar, com o cônjuge ou com os descendentes.

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Finalmente, tentaremos colocar esses temas no quadro do cotidiano escolar. Tendo em vista a situação das escolas de nível fundamental e médio e de seus professores, cada vez mais a violência aparece em diversas formas, o nível de violência vem transpondo os muros, do exterior para o interior da instituição escolar. Torna-se perceptível o fato de que a vida na escola vem se tornando cada vez mais difícil à proporção que a violência se desenvolve no seu interior e que, ao mesmo tempo, medidas de proteção são tomadas, mais e mais, contra a invasão de agressores externos, isolando-a paulatinamente do mundo que a cerca. As relações entre adolescência e violência, decorrente de imaturidade de alguns adolescentes podem ser tratadas em diversos níveis, pois há uma violência salutar - desafiadora, intempestiva, irresponsável, lúdica, provocadora, criativa e, frequentemente transgressora (FIGUEIREDO 1996) Hoje a violência se tornou banalizada funcionando como meio de expressão, especialmente de jovens. Surgindo sem motivo aparente, de forma gratuita, seja na família, na escola ou nas instituições públicas. Já a banalização da violência, em que imagens e informações chocantes se repetem sucessivamente no dia-a-dia, seja na rua ou dentro de casa e na mídia, legitima a violência física como forma de solução de conflitos, como um valor de afirmação. (BIDERMAN, 2003). Mediante o exposto, sentimos a necessidade de conhecer como a escola e seus educadores lidam com estes temas no contexto escolar, tendo em vista o assunto e as estratégias utilizadas neste processo; à opinião do educador sobre o significado deste fenômeno, dificuldades em relação a isto diante do cotidiano escolar junto aos alunos de ensino fundamental, e como vêem a posição da escola com o intuito de minimizar o problema.

METODOLOGIA Este estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa. Como técnicas de coleta de dados, foram usadas a observação participante e a entrevista. Foi importante incluir a observação participante, ajudando o pesquisador na interação com os sujeitos da pesquisa, no ambiente deles. Utilizou-se também, a entrevista juntamente com um questionário com questões norteadoras, para facilitar a compreensão e a interpretação das falas emitidas dos participantes da pesquisa. Amostra e Local: A amostra foi constituída por 25 professores efetivos/ regulares de 3 escolas municipais de ensino fundamental, localizada na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, que aceitaram participar desta investigação, após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. O critério de inclusão foi ser professor deste local, no nível de ensino (fundamental) e querer participar, voluntariamente, da pesquisa.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Este estudo atendeu o rigor científico e aos preceitos éticos exigidos pelo CONEP, na realização de Pesquisa com Seres Humanos. Estão garantidos: a privacidade, o anonimato, a participação voluntária dos professores e a utilização científica dos resultados.

AN ÁL I S E DOS RES U L T AD O S

Quadro A - Caracterização dos professores das escolas municipais A, B e C, segundo sexo, faixa etária, estado civil e formação complementar.

Todos os professores pesquisados tem o nível escolar superior completo, (5 com especialização na área). * Formação complementar, aparecem outros cursos, como inglês, etc.

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De acordo com o Quadro A, pesquisamos 25 professores do ensino fundamental, de escolas A, B e C, da rede municipal da cidade de Ribeirão Preto. A maioria é do sexo feminino. Enquadram-se predominantemente, acima de 31 anos.

Representação por categorização das questões 1: •

Desestrutura familiar (S: 11) “relacionamento familiares como péssimo exemplo” (S 7)

“falta de respeito aos pais” (S 9)

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Vê-se mais hoje que antigamente (S 5) “tornou-se parte da vida moderna” (12, 16)

Problema Social: “reflexo do desemprego” (S 2, 10, 14) “problemas sócio-econômicos” (17.

18, 22) •

Sofrem-se violência frequentemente: “Somos violentados o tempo todo com agressões”

(S12) “a cada minuto aumenta-se” (S 20) “esta ficando cada vez maior, sexual, física, psicológica” (S21) •

Outros: “falta de respeito” (S: 3,6) “em todos os lugares” (S 4) “Os seres humanos não

refletem ou pensam em seus atos” (S 6) “baseada na falta de amor a Deus, falta de respeito aos pais.” baseada na falta de amor a Deus, falta de respeito aos pai” (S 9)Decadência de valores humanos (S 10) “Assustada” (S 11) “Injusta” (S 15) “Problemas em cenas de filmes” (S 19) “ o educador deveria conhecimento sobre a violência, saber como lidar com esse tema e criar estratégias para cada caso.”(S 24) *S:sujeito Conforme pudemos depreender das falas principais dos sujeitos pesquisados citam que a violência vêm de desestrutura familiar, problema social, vem aumentando e citam também o problema da mídia. A violência tem sido banalizada e naturalizada na sociedade contemporânea, evidenciando como motivos sofrimento e a morte. Jogos de vídeo game premiam aqueles que cometem o maior número de infrações (crianças e adolescentes são os grandes usuários), os canais de televisão gastam somas altíssimas na veiculação de cenas de violência explícitas nos horários nobres de suas programações. Estas publicidades e banalizações podem funcionar como um obstáculo às ações de prevenção, já que é necessário o conhecimento real dos fatos, em toda a sua dimensão, para que se consiga prevenir os atos violentos (TEIXEIRA 1998; GUIMARÃES, 2002).

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Representação por categorização sobre a questão 2: •

Resgatar valores (S 2) “ensinando princípios básicos que deveriam ser transmitidos pela

família” (S 3) “Trabalhando a paz” (S 4) “mostrando a importância do respeito ao próximo, valores humanos” (S 9) “muito amor” (S 13) “ passar valores verdadeiros, alertar as crianças” (S17) “orientando o aluno sobre respeito ao próximo” (S 23) “De modo a não banalizar a vida pois a violência ocorre por motivos bobos (24) “importância da paz, antes as escolas eram mais punitivas” (S 25) •

Dialogo (S 1, 15, 16) “professores tem sido psicológos, pais, etc” (S 2) antes havia

punições” (S 5) “Muito dialogo” ( S 6,9,13,25).

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Outros: “Intervir junto da família” (1) “escolas se defendem, instalam equipamentos de

segurança” (S 2) •

Recursos: “aulas expositoras, vídeos, debates, palestras, leituras” (S 8) “comentários feitos

pelos próprios alunos dão margem à discussão” (S 7) “ palestras, trabalhos feitos pelos próprios alunos, conscientização” (S 10) “orientação” (S 13) “exemplos”(S 15) “forma dinâmica, palestras.” (S 16) “projetos” (S 14,15) •

Tem sido feito (S 19) “Hoje são feitos projetos, antes não se falava muito nisso, e todo dia

morre alguém.” (S11) “Através de um projeto com Valores Humanos.” (S12) “Tem trabalhado com campanhas e trabalho de pesquisa com os alunos.” •

Ainda não é trabalhado (S 20, 21) “Ainda é tabu que enfrentamos, somos filhos da

repressão política, social Ainda é tabu que enfrentamos, somos filhos da repressão política, social” (S 22)

Desta maneira, dada a complexidade do assunto em foco, os professores em geral, se vêem despreparados para lidar com estas questões. Da mesma forma, ocorre com a família. Conforme pudemos depreender, os próprios sujeitos pesquisados evidenciam

que os trabalhos

desenvolvidos sobre a informação e com os escolares, tem ocorrido através de várias estratégias e recursos didáticos, contudo ainda tornando-se incipientes, sugerindo ser preciso realizar projetos mais dinâmicos possíveis.

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Representação por categorização sobre a questão 3: •

Muita violência (S 16) “Brigas entre alunos, brincadeiras de lutinha” (S 19) “insegurança” (S

20, 22) “alunos desorientados” (S 21) “impunidade de menores” (S 22) “medo” (S 23) •

Gravidez precoce (S 7, 8)

Agridem os professores (S 4, 14)

Problemas decorrentes da família “ falta de respeito familiar” (S 6) “violência em casa” (S

10) “impunidade pelas famílias” (S12) “ falta de limites” (S 13, 15,18) “ violência dentro e fora de casa” (S 10) “histórico familiar” (S 21)

Desrespeito (S 10, 24, 25)

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Na instituição escolar, um problema de difícil solução, segundo opinião geral, é a questão de problemas em relação a família dos alunos escola. A insegurança atinge os professores de escolas de ensino básico . Nem muros, nem grades, nem vigias ou guardas parecem deter a violência externa; medidas disciplinares, igualmente, são inócuas para resolver atos cada vez mais violentos que eclodem em seu interior (TEIXEIRA, 1998).

Representação por categorização sobre a questão 4:

Trabalhar valores humanos “conscientizar” ( S 1), aumentar a auto-estima dos alunos com

carinho (S 5, 20)

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Parcerias “Ação conjunta com órgãos governamentais” (S 2) “ trabalhar escola – secretaria da educação, outros” (S 8) “comunidades, universidades” (S 13) Trabalho em equipe unida (S 14, 17, 23). Trabalhar a família: (S 3,6,9,15,17,21,22) Palestras e outros: “Trabalhar textos, letras de música sobre o tema” (S 4) “ recursos campanhas informativas, palestras, grupos (7, 10, 16) “campanhas, dialogo” (S 25) Trazer outros profissionais para trabalhar a violência com os alunos (S 17, 18) Outros: Difícil não se envolver( S 11) “ pressionar/ acionar autoridades” (S 11, 24)” propor até mesmo religião” (S 21) Disto, verificamos que na prevenção à violência, faz-se mister que a escola cumpra o seu papel social e sobremaneira, formador, pensando num processo educativo mais efetivo e consolidado. Não basta apenas passar a informação, isto é, conhecimento. Os professores precisam criar estratégias participativas, inovadoras, dinâmicas e alternativas para favorecer o exercício das habilidades, levando o escolar a analisar e refletir sobre esta questão, mudando comportamento para hábitos mais consentâneos e responsáveis. É necessário pois, construir possibilidades pedagógicas para o desenvolvimento de uma consciência critica do aluno, tanto no âmbito escolar quanto no coletivo. Com isto, fortalecer-se-á o crescimento do escolar de forma positiva, vislumbrando o verdadeiro sentido e qualidade de vida. Neste pressuposto, a dimensão do diálogo passa a ter importância fundamental tanto na escola como na família e entre outros segmentos sociais. Já o tema exige parceria e responsabilidade de todos para evitar danos maiores, possivelmente tentando reverter o quadro existente.

D IS C US S ÃO DO S R E S UL T AD O S Os professores pesquisados tem visão real, embora simplista, sobre o significado da violência; e das dificuldades que ela desencadeia na vida do escolar, colocando-as como problema sério, demandando projetos mais reflexivos, em parceria com a família, comunidade e demais segmentos sociais. Para eles, alternativas para se atingir os alunos poderiam ser criadas, como projetos em que alunos e professores participem ativamente do processo, propondo atividades funcionais dinâmicas e integrativas e projetos que contribuam à uma melhor adaptação e integração ao meio escolar e social. Dada a complexidade do assunto em foco, os professores em geral, se vêem despreparados para lidar com estas questões. Da mesma forma, ocorre com a família.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

Portanto, a escola é fundamental no processo educativo da criança e do adolescente no sentido de formação, tendem a influenciar no desenvolvimento da personalidade do indivíduo

em

crescimento;

inserindo

relações

grupais

e

sociais.As

relações

desequilibradas entre alunos e professores contribuem para criar um clima de desconfiança, receio e hostilidade. O desenvolvimento de aprendizagens pela escola são, se bem trabalhadas, significativas e marcantes, promovendo um clima de confiança, segurança e abertura. Neste sentido, o processo de educação é importante na construção e no fortalecimento de atitudes de auto-estima, valorização e formação em muitos segmentos na vida do individuo (BUENO, 2001)

CONCLUSÕES Neste contexto de violência escolar torna-se necessário trabalhar a Educação e Saúde, dentro de uma concepção pedagógica progressista, crítico-social fundamentada na importância de uma relação de horizontalidade entre educador/ educando. Esse espaço é socialização do saber e de troca, de forma construtivista, democrática, são favorecidos pelo dialogo aberto, possibilitando o processo de mudança e transformação. Através de um processo educativo crítico-reflexivo, agente ativo, transformando a própria realidade. Os professores precisam criar estratégias participativas, inovadoras, dinâmicas e alternativas para favorecer o exercício das habilidades, levando o escolar a analisar e refletir sobre esta questão, mudando comportamento para hábitos mais consentâneos e responsáveis. É necessário construir possibilidades pedagógicas para o desenvolvimento de uma consciência critica do aluno, tanto no âmbito escolar quanto no coletivo. Com isto, fortalecer-se-á o crescimento do escolar de forma positiva, vislumbrando o verdadeiro sentido e qualidade de vida. Neste pressuposto, a dimensão do diálogo passa a ter importância fundamental tanto na escola como na família e entre outros segmentos sociais. Depreendemos então, necessidade de ampliação de investimentos nesta área de pesquisa, procurando criar possibilidade de maior reflexão sobre o assunto, bem com atuação junto aos escolares neste sentido, para evitar a violência no cotidiano escolar.

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Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

R E FE R E NCI AS BIB LIOGR ÁF I C AS Biderman, I. (2003). Cultura do medo, gerada pela violência, determina vida do cidadão a Folha, (23)450. Bueno, S. M. V.(2001) Ribeirão Preto S-P. Educação Preventiva em Sexualidade, DST, Aids e drogas nas escolas. Tese de Livre-Docência EERP-USP. Figueiredo, L. C. (1996). "Adolescência e violência: Considerações sobre o caso brasileiro". Comunicação apresentada no II Encontro "Adolescência e violência. Conseqüências da realidade brasileira", São Paulo. Guimarães, A. M. Associados.

(2002) ,A dinâmica da violência escolar: Conflito e ambigüidade. Campinas: Autores

Nburn, T. (1998) "Youth, EW crime and justice". In: MAGUIRE, M.; MORGAN, R. e REINER, R. (eds.). The Oxford handbook of crimonology. 2 Oxford, Clarenton Press. Santos, J.V.(2001)T.. A violência na escola: conflitualidade social e ações civilizatórias. Educ Pesq, São Paulo, 27(1). Teixeira, M. C. S.; Porto, M. S. (1998) Violência, insegurança e imaginário do medo. Cad. CEDES. Campinas, 19(47).

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ENQUADRAMENTO Este evento insere-se no âmbito das actividades regulares da SPESM, no qual se pretende debater o “estado da arte” da Saúde Mental em Portugal. De modo a permitir a divulgação de um maior número de experiências/conhecimentos, a organização vai possibilitar um espaço de debate, através das Comunicações Livres e Posters, que complementem o programa científico.

Presidente Carlos Sequeira Comissão de Honra Presidente do Conselho Directivo da ESEL Bastonário da Ordem dos Enfermeiros Director de Enfermagem do Centro Hospital Psiquiátrico de Lisboa Director de Enfermagem do Hospital Magalhães Lemos

Comissão Cientifica OBJECTIVOS - Reflectir sobre estratégias promotoras de Saúde Mental, como pilar fundamental para a Qualidade de Vida das pessoas. - Divulgar práticas de cuidados numa perspectiva multidisciplinar, de modo a envolver as pessoas, famílias, cuidadores informais e comunidade, na prevenção da doença, tratamento, reabilitação, reinserção e promoção da Saúde Mental. - Partilhar experiências/projectos de intervenção, dirigidos a pessoas/grupos específicos e contextos, que estimulem/promovam as capacidades individuais de modo a melhorar a funcionalidade, a autonomia e a Saúde Mental.

Participe com Comunicações Livres e Posters

até 8 de Maio de 2009

Envie para o E-mail: congresso.spesm@gmail.com Regulamento em www.spesm.org e http://spesm-saudemental.blogspot.com/

Contactos Prof. Carlos Sequeira Escola Superior de Enfermagem do Porto Rua Dr. António Bernardino de Almeida, S/n - 4200-072 Porto dir.spesm@gmail.com, congresso.spesm@gmail.com

Telf. 922097145

Carlos Sequeira (ESE Porto) Luís Octávio de Sá (ESECVP Oliveira de Azeméis) Glória Toletti (ESE Lisboa) José Carlos Carvalho (ESE Porto) José António Pinho (CH Porto) Bruno Santos (CSBJ Braga) Ana Melo (ESE Lisboa)

Comissão Organizadora

Alexandre Costa (CHP Lisboa) Alice Monteiro (IPO Porto) António Carlos (HST Viseu) Bruno Santos (CSIHSCJ Braga) Graça Farelo (HPH Matosinhos) Luís Matias (CHP Lisboa) Maria do Carmo (HST Viseu) Maria José Nogueira (ESE Lisboa) Mário Teixeira (H de Setúbal) Olinda Carmo (HSJ Porto) Patrícia Pereira (ESE Lisboa) Rita Gonçalves (CSBJ Braga) Diana Freitas (CSIHSCJ Braga) Liliana Ferreira (IDT Norte) Lucília Vale (CSIHSCJ Braga) Delmina Afonso (HML) Carlos Osório

Organização SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL www.spesm.org // http://spesm-saudemental.blogspot.com/

Apoios Escola Superior de Enfermagem de Lisboa Jansen Cillag – Astrazeneca – Lusodidacta

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9:00 – Recepção aos Participantes 9:30 – SESSÃO DE ABERTURA Bastonária da Ordem dos Enfermeiros Presidente da ESEL Director de Enfermagem do Centro Hospital Psiquiátrico de Lisboa Presidente da SPESM 10:00 – A SAÚDE MENTAL E OS GRUPOS VULNERÁVEIS Moderador: Adelino Antunes (Escola Superior de Educação de Torres Novas) - Os grupos de risco (crianças, mulheres e idosos) Ana Sara Brito (Vereador da Câmara Municipal de Lisboa) - Consulta do Migrante – Uma Consulta de Saúde Mental Transcultural Irina António/Inês Silva Dias (APPPT) - Estratégias de intervenção específicas: a população sem-abrigo Luís Silva (Hospital Magalhães Lemos) 11:30 – Intervalo para Café 12:00 – CONFERÊNCIA: Da supervisão à intervisão em Enfermagem de Saúde Mental Salvatore Virgillito (Direcção dos Hospitais Universitários de Genebra) Suíça Moderador: Glória Toletti (Escola Superior de Enfermagem de Lisboa) Comentador: João Hipólito (Universidade Autónoma de Lisboa) 13:00 – Intervalo para Almoço 14:30 – CONTEXTOS EMERGENTES E VIOLÊNCIA Moderador: Luís Octávio de Sá (ESEnfCVPOA) - Estratégias de prevenção da violência nas escolas Beatriz Pereira (Universidade do Minho) - A violência doméstica: Estratégias de Intervenção António Costa (Centro Hospitalar Coimbra) Dulce Carvalho (Serviço de Violência Familiar do Centro Hospitalar Psiquiátrico

de Coimbra) - A violência no idoso: A responsabilidade dos profissionais de saúde Fátima Ribeiro (Escola Superior de Saúde de Vale do Sousa) 16:00 – Intervalo para Café 16.30 – COMUNICAÇÕES LIVRES - Moderadores/Posters: Ana Melo (ESE Lisboa) Gabriel Rodriguez (HC e CR Psicopedagógico da Sagrada Família - Funchal) Joaquim Pinto (CHTMAD.EPE) José Henrique Santos (CHP Lisboa) 5 Junho 2009 9:30 – Modalidades de intervenção em Saúde mental: Da teoria à prática Moderador: Maria Isabel Marques (Escola Superior de Enfermagem de Coimbra) 9:35 – Toque Terapêutico - Demonstração Carla Cardoso (Unidade de Desabituação do Norte) Ricardo Rocha (Hospital Joaquim Urbano) 10:00 – Técnica de Dessensibilização Sistemática Márcia Fernandes – Sofia Silva (Centro Hospitalar do Porto - Pedopsiquiatria) 10:25 – Histórias de Vida /Reminiscências José Martinez (Instituto Português de Oncologia do Porto) 10:50 – Psicodrama/Sociodrama João Paulo Estrela (Centro Hospitalar Lisboa Ocidental - Hospital S. Francisco - D. Psiquiatria)


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11:30 – Intervalo para Café 12:00 – Aconselhamento Luís Godinho (Hospital Garcia da Orta) 12:25 – Intervenções Psicoeducativas com Familiares de Pessoas com Esquizofrenia Isabel Landeiro – Sandra Andrade (E. C. de Psiquiatria e Saúde Mental do HSF Xavier – CHLO) 13:00 – Intervalo para Almoço 14:30 – DEBATE: Utilização da CIPE em contextos clínicos: Diagnóstico, intervenções e resultados Moderador: Carlos Sequeira (Escola Superior Enfermagem Porto) - Parametrização: Avaliação Inicial António Carlos Amaral (Hospital S. Teotónio - Viseu) - Articulação CIPE - NIC e NOC Alexandre Costa (Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa) - Processo de implementação: Manual de standards de cuidados Estratégias/dificuldades Paula Palmeira (Casa de Saúde das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus Braga) - Manual de standards de cuidados: Da formação à PrSaúde Mentalática Carlos Violante (Casa de Saúde de S. João de Deus - Barcelos) - Avaliação da implementação do SAPE Sérgio Ricardo (Hospital Magalhães Lemos) - Sistemas de Informação em Saúde Henrique Rocha (ALERT Life Sciences Computing) 14:30 – COMUNICAÇÕES LIVRES/POSTERS - Moderadores: Amadeu Gonçalves (Escola Superior de Saúde de Viseu) - Mário Teixeira (H de Setúbal) Nuno Borda de Água - CHON, UH (Caldas da Rainha) - Cristina Brito (CHP Lisboa) 17:00 – Sessão de encerramento/Principais conclusões José António Pinho (Centro Hospitalar do Porto)


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I Fórum da SPESM 2009 SAÚDE MENTAL E A VULNERABILIDADE SOCIAL 4 e 5 de Junho de 2009

Programa - Comunicações Livres DIA 04 DE JUNHO 1.

AVALIAÇÃO DO SELF-STIGMA EM PESSOAS COM ESQUIZOFRENIA. Isabel Ana Santos; Silva, A. A. ; Fitas, M.J. & Pedras, M.T.

2. OS NÚMEROS DA ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL Tânia Marlene Gonçalves Lourenço

3. PERTURBAÇÕES AFECTIVO-EMOCIONAIS - PREVALÊNCIA DA DEPRESSÃO, ANSIEDADE E STRESSE EM CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. João Luís Alves Apóstolo & Maria Henriqueta de Jesus Silva Figueiredo 4. CONHECER A CONVIVENCIA DA FAMILIA COM O DOENTE PSICÓTICO – Intervenções Psicoeducativas na Linha Comportamental de Falloon. Ana Reis Felicíssimo

5. ATITUDES PERANTE A VIOLÊNCIA - ESTUDO DE ALGUMAS VARIÁVEIS PREDITORAS. Amorim Gabriel Santos Rosa

6. RESILÊNCIA: ABORDAGEM APRECIATIVA DA FAMÍLIA COMO SISTEMA SOCIAL Maria Henriqueta de Jesus Silva Figueiredo; Ana Isabel Pinho Vilar &Clemente Neves Sousa

7. A REINTEGRAÇÃO DO DOENTE MENTAL (DM) NA SOCIEDADE. José Manuel Monteiro Dias

8. VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS Natércia Marlene Ferreira Freitas & Sofia Cristina Silva Spínola


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DIA 05 DE JUNHO 9. A PRESENÇA COMO CUIDADO DE ENFERMAGEM: DO CONCEITO AO ESTUDO DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA PRESENÇA EM CONTEXTO PSIQUIÁTRICO. Luís Miguel Salvador Machado Gomes

10. A VIVÊNCIA SOCIODRAMÁTICA – UMA POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA GRUPAL COM CRIANÇAS NA TRANSIÇÃO PARA A ADOLESCÊNCIA. António Jorge Soares A. Nabais & Ricardo Manuel Conceição Rodrigues

11. PSICOFÁRMACOS NA INFÂNCIA. Susana Maria dos Santos Tavares

12. MUSICOTERAPIA E SEXUALIDADE: uma questão de promoção de Saúde Mental. Valéria Marta Nonato Fernandes Mokwa; Sonia Maria Villela Bueno & Fátima Aparecida Coelho Gonini . 13. IGUAIS NA DIFERENÇA: VIVÊNCIAS ADOLESCENTES NUM LAR DE INFÂNCIA E JUVENTUDE Etã Sobal Costa; Anabela Albuquerque; Ana Paula Vieira; Ângela Fernandes; Filipa Ferreira; Joana Carvalho & Joana Santos

14. SUICÍDIO EM ADOLESCENTES E JOVENS ADULTOS Lara Raquel Varela Moreira Reina de Andrade

15. SÍNDROME DE HIKIKOMORI: UMA ABORDAGEM DE ENFERMAGEM A. Sofia Vieira da Silva & Francisco Manuel Oliveira 16. EDUCAR PARA A MORTE E A PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL Ermelinda de Fátima Dias Cunha Macedo; João Carlos Gama Martins Macedo; Maria Filomena Pereira Gomes & Paula Cristina Soares da Encarnação Peres


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I Fórum da SPESM 2009 SAÚDE MENTAL E A VULNERABILIDADE SOCIAL

PROGRAMA – POSTERS DISCUSSÃO DOS POSTERS DIA 04/JUNHO 1. A

MOTIVAÇÃO PARA A OCUPAÇÃO NA ESQUIZOFRENIA - CONTEXTO DE INTERNAMENTO DE LONGA DURAÇÃO. António Ferreira.

2. AGRESSIVIDADE.

Cláudio Costa, Barbara Cardoso, Cláudio Costa, Manuel Dias, Patrícia Firmino & Zélia Silva. 3. O ESTUDO PILOTO DO PROJECTO - A PRESENÇA COMO CUIDADO DE ENFERMAGEM:

ESTUDO DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA PRESENÇA EM CONTEXTO PSIQUIÁTRICO. Luís Miguel Gomes. 4. TRABALHANDO A EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA COMO PRÁTICA FAVORÁVEL PARA A

SAÚDE MENTAL: O CORPO, A SEXUALIDADE E A VIOLÊNCIA NA ADOLESCÊNCIA. Julieta Seixas Moizés & Sônia Maria Bueno 5. VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: OPINIÕES DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL.

Sônia Maria Bueno & Julieta Seixas Moizés. 6. VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS E SUAS FACES: IMPLICAÇÕES NOS NÍVEIS DE SAÚDE MENTAL.

Valéria Marta Nonato Fernandes Mokwa; Fátima Aparecida Coelho Gonini & Sonia Maria Villela Bueno. 7. SER FAMILIAR DO DOENTE MENTAL - ANSIEDADE DO CUIDADOR.

Beto Inácio Martins & Sónia Filipa Alves. 8. HISTÓRIAS DE VIDA..."

Patrícia Maria Firmino, Luisa Jorge & Miguel Narigão. 9. VIOLÊNCIA CONTRA OS MAIS VELHOS.

Ana Elisabete Silveira Graça; Carla Alexandra da Silva Custódio Rosa; Diana Sousa Pereira Gomes; Joana Carla Neto Guerra; Liliana Domingues de Jesus & Pedro Miguel da Silva Custódio. 10. SAÚDE MENTAL E RESILIÊNCIA.

Lina Oliveira Andrade & Maria José Valente.


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11. A agressividade na relação enfermeiro/pessoa internada num serviço de saúde mental

e psiquiatria”. Laureano Galvão & Sílvia Lopes. 12. MASSAGEM: UM EQUILIBRIO PARA A MENTE.

Plácida Silva, Iva Temtem, Letícia Belo & Ana Sofia Ventura 13. CRISE: QUEM-ME-QUER?

Carlos Fernandes, Plácida Silva, Letícia Belo, Ana Sofia Ventura, Tânia Jardim.

14. A ATIVIDADE FÍSICA E A VULNERABILIDADE DA MULHER ENCARCERADA: UMA

FERRAMENTA IMPORTANTE NA SAÚDE MENTAL E NA QUALIDADE DE VIDA. Elaine Mara Silva & Sônia Maria Bueno 15. ESTUDO DO AUTO-CONCEITO NUM GRUPO DE JOVENS.

Elza Maria Lemos, Ana Romano & José Manuel Dias. 16. A VIAGEM – TERAPIA PELO MOVIMENTO.

Luís Filipe Godinho, Margarida Tomás, Ana Maria Coelho, Carla Mendes, Luís Godinho, Maria Dulce Lousa, Natércia Pinto & Vânia Martins. 17. A MULHER DE QUEM GOSTO TEM CANCRO DA MAMA!

Mara Fernandes & Marília Ferreira. 18. A PERCEPÇÃO DO IDOSO SOBRE A VIOLÊNCIA: COMO ELA INTERFERE NO COTIDIANO E

NA SAÚDE MENTAL DESSES INDIVÍDUOS. Cynthia Daniela Souza & Sônia Maria Bueno. 19. MAUS TRATOS NO IDOSO

Rui Cavaleiro, Floripes Marques, Mónica Farinha, Ruben Ocha, Sérgio Rodrigues & Sandra Rodrigues. 20. EXPERIÊNCIAS TRAUMÁTICAS NA INFÂNCIA: ABUSO SEXUAL.

Susana Maria Tavares. 21. REFLEXÃO

E MINIMIZAÇÃO DO SOFRIMENTO SENSIBILIZAÇÃO ATRAVÉS DE FILMES. Janaina Luiza Santos & Sônia Maria Bueno.

DAS

MORTES

COTIDIANAS:

22. A ADOLESCÊNCIA NA CORDA BAMBA - SAÚDE MENTAL E CONSUMOS DE ÁLCOOL NOS

JOVENS DO DISTRITO DE ÉVORA. Sónia Rodrigues & Helder Marques. 23. INTERVENÇÃO EM ALCOOLOGIA.

Helder António Marques & Artur Mendes.


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

24. AUTOCONCEITO E CONSUMOS DE ÁLCOOL NOS JOVENS DO DISTRITO DE ÉVORA.

Barbara Cunha & Helder Marques. 25. AS HABILIDADES SOCIAIS EM DEPENDENTES DE ÁLCOOL.

Helder António Marques. 26. REABILITAÇÃO COGNITIVA – INTERVENÇÃO EM GRUPO PILOTO.

Maria de Fátima Cristóvão. 27. YOGA DO RISO

Albertina Gonçalves, Jorge Catarino, Pilar Garcia, Paula Gonçalves, Ana Filipa Guerra, Susana Costa & João Simões.

DISCUSSÃO DOS POSTERS DIA 05/JUNHO 1. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENFERMEIRO DE SAÚDE MENTAL E PSIQUIATRIA -

PERSPECTIVA DOS FAMILIARES DOS DOENTES COM DOENÇA MENTAL”. Jorge Miguel Cravidão & Mónica Félix.

2. PROMOÇÃO E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL DOS FAMILIARES CUIDADORES.

Manuel José Bidarra. 3. A DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR E A INSATISFAÇÃO NO TRABALHO: IMPLICAÇÕES

NA SAÚDE MENTAL. Sabrina Corral-Mulato & Sonia Maria Villela Bueno. 4. QUALIDADE DA SAÚDE FÍSICA E DIFICULTADORES DA PROMOÇÃO DE SAÚDE ENTRE

DOCENTES DE ENFERMAGEM DE UMA ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA. Sabrina Corral-Mulato & Sonia Maria Villela Bueno. 5. GESTAO DA AGRESSIVIDADE NO DOENTE MENTAL.

Maria de Lurdes Rodrigues Cardoso, Luís Miguel Ribeiro, Aurinda de Fátima Diegues & Maria de Fátima Vinhas 6. APLICAÇÃO DA CIPE NO PROCESSO DE ENFERMAGEM

Andrea Silva, Isabel Silva, Sofia Vilar & José Manuel Meira. 7. NECESSIDADE DE NOVAS RESPOSTAS PARA A POPULAÇÃO IDOSA: UM CONTRIBUTO.

Maria Helena Gonçalves Esteves, Manuel João Ribeiro Gomes Marto & Óscar Carvalho Loução


Saúde Mental e a Vulnerabilidade Social

8. ENVELHECER ACTIVAMENTE: UMA PRIORIDADE NA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Natércia Marlene Ferreira Freitas & Sofia Cristina Silva Spínola 9. UM POUCO É BOM… MUITO É UM DESASTRE... STRESS. COMO LIDAR EFICAZMENTE

COM O STRESS? QUAL O PAPEL DO ENFERMEIRO? Carla Ventura; Madalena Martins; Marta Gaspar & Maria do Céu Monteiro 10. ENFERMEIRO ESPECIALISTA EM SAÚDE MENTAL E PSIQUIATRIA: QUE CONTRIBUTOS

Elsa Almeida; Alice Gonçalves & Paula Campos 11. ESTIGMA E EXCLUSÃO SOCIAL DOS DOENTES PSIQUIÁTRICOS

Alice Gonçalves; Elsa Almeida & Paula Campos 12. IMPACTO DA SEXUALIDADE NO SER-ENFERMEIRA SOBRE O SER-MULHER NO CUIDADO DA MASTECTOMIZADA

Lilian Cláudia Ulian Junqueira; Janaína Luisa dos Santos; Sônia Maria Villela Bueno & Manoel Antônio dos Santos 13. RELATO DE EXPERIÊNCIA: A UTILIZAÇÃO DO BRINQUEDO NO AMBIENTE HOSPITALAR

NA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL Larissa Angélica da Silva Philbert & Sonia Maria Villela Bueno


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A Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (SPESM) é uma associação científica, sem fins lucrativos, que tem como finalidades promover a divulgação científica, a investigação, a formação, o ensino, a promoção da saúde e o apoio/prestação de cuidados a pessoas com alterações psíquicas e/ou risco de alterações psíquicas, de forma a dar o seu contributo na melhoria das respostas assistências de acordo com as necessidades em cuidados de Enfermagem em Saúde Mental e Psiquiatria. A SPESM considera essencial a divulgação de trabalhos, mesmo na sua limitada dimensão, e procura contribuir para o conhecimento da realidade da Saúde Mental em Portugal. Só através do conhecimento aprofundado do contexto em que nos inserimos, poderemos iniciar as transformações necessárias para acompanharmos o surgimento de novas realidades de saúde/doença.


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