Revista 12

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FICHA TÉCNICA

TÍTULO | TITLE Revista Portuguesa de Enfermagem em Saúde Mental | Portuguese Journal of Mental Health Nursing

PUBLICAÇÃO E PROPRIEDADE | PUBLISHING AND PROPERTY

Sociedade Portuguesa de Enfermagem em Saúde Mental | Portuguese Society of Mental Health Nursing

DIRETOR | MANAGING DIRECTOR

Carlos Sequeira, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal

COORDENADOR | COORDINATOR

Luís Sá, PhD - Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal

COORDENADOR DA COMISSÃO EDITORIAL | EDITORIAL BOARD COORDINATOR

Francisco Sampaio, MSc – Hospital de Braga, Portugal

COMISSÃO EDITORIAL | EDITORIAL BOARD

Amadeu Gonçalves, MSc - Escola Superior de Enfermagem, Instituto Politécnico de Viseu Analisa Candeias, MSc - Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho Bruno Santos, MSc – Casa de Sáude do Bom Jesus - Braga Carlos Vilela, MSc - Escola Superior de Enfermagem do Porto Lia Sousa, MSc - Centro Hospital de São João, Porto Lucília Vale de Nogueira, MSc – Centro Hospitalar do Porto Luís Silva, MSc - Hospital de Magalhães Lemos, Porto Odete Araújo, MSc - Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho Olga Cunha Rocha, MSc - Escola Superior de Enfermagem do Porto (Jubilada) Regina Pires, MSc – Escola Superior de Enfermagem do Porto Rita Costa, MSc - Unidade Local de Saúde de Matosinhos, Porto

COMISSÃO CIENTÍFICA | SCIENTIFIC REVIEWERS

Agustín Simónelli Muñoz, PhD - Universidad Católica San Antonio, Múrcia, Espanha Aida Mendes, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal Alexandre Marques Rodrigues, PhD - Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa de Oliveira de Azeméis Beatriz Araújo, PhD - Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal Carlos Sequeira, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Carme Ferré Grau, PhD - Universitat Rovira i Virgili. Tarragona, Espanha Elaine Antunes Cortez, PhD - Escola de Enfermagem AAC - Universidade Federal Fluminense Elizabete Borges, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Francisca Manso, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Portugal Geilsa Cavalcanti Valente, PhD - Escola de Enfermagem AAC - Universidade Federal Fluminense Guilherme Correa Barbosa, PhD – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Brasil Graça Pimenta, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Isilda Ribeiro, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Joaquim Passos, PhD - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Portugal José António Pinho, PhD - Centro Hospitalar do Porto, Portugal José Carlos Carvalho, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal José Carlos Gomes, PhD - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria, Portugal José Carlos Santos, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal Juan Roldan Merino, PhD - Escuela de Enfermería Sant Joan de Déu (adstrita a la UB), Espanha Júlia Martinho, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Luís Sá, PhD – Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal Margarida Sotto Mayor, PhD - Hospital de Magalhães Lemos, Porto, Portugal Mar Lleixà-Fortuny, PhD - Universitat Rovira i Virgili. Tarragona, Espanha Marluce Miguel de Siqueira, PhD - Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Michell Araújo, PhD - Faculdade Católica Rainha do Sertão - Fortaleza e Hospital de M., Brasil Odete Pereira, PhD - Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil Raul Cordeiro, PhD – Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Portalegre, Portugal Teresa Barroso, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal Teresa Lluch-Canut, PhD – Escola Universitària d’Infermeria - Universitat de Barcelona, Espanha Zeyne Scherer, PhD – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, Brasil Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 2


Público-alvo:

Enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e outras pessoas com interesse na área da saúde mental.

Objectivo:

Divulgação de evidências científicas sobre a promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento, reabilitação e reintegração das pessoas com doença mental ao longo da vida.

Âmbito:

Políticas e design dos cuidados de saúde; Avaliação, diagnóstico, intervenções e resultados de enfermagem; Sistemas de informação e indicadores em saúde mental; Direitos e deveres dos doentes mentais; Formação e investigação em enfermagem em saúde mental.

SUBSCRIÇÃO | SUBSCRIPTIONS

A Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde mental é publicada duas vezes por ano, Junho e Dezembro O preço por número é: - para instituições € 10.00; - para particulares € 8.00 Portuguese Journal of Mental Nursing is published twice a year, June and December The price of each number is: - for institutions € 10.00; - for private subscribers € 8.00

SECRETARIADO | SECRETARIAT

Bruno Santos; Francisco Sampaio; António Carlos Amaral

ISSN:

1647-2160

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Aviso:

Os artigos publicados são propriedade da Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental pelo que não podem ser reproduzidos, em parte ou no todo, sem a devida autorização da ASPESM, exceptuando o uso legal. A Responsabilidade pela idoneidade e conteúdo dos artigos é unica e exclusiva dos seus autores.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 3


Índice EDITORIAL 1

COMUNICAÇÃO TERAPÊUTICA EM SAÚDE MENTAL ...........................................................

ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO

2

O DOENTE COM ESQUIZOFRENIA E COM FILHOS ................................................................ 9

3

PROCESSO DE LUTO DOS FAMILIARES DE IDOSOS QUE SE SUICIDARAM

4

OS MUITO IDOSOS: AVALIAÇÃO DA FUNCIONALIDADE NA ÁREA DE SAÚDE MENTAL .... 25

5

SABERES E FAZERES QUE INTEGRAM O ENSINO DE ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA NA

PERSPECTIVA DE ENFERMEIROS DOCENTES

6

FACTORES QUE INFLUYEN EN LA CALIDAD DEL SUEÑO DE PACIENTES

6

.................. 17

................................................................. 34

INSTITUCIONALIZADOS .......................................................................................................... 43

7

A IMPORTÂNCIA DA QUANTIFICAÇÃO DA RESERVA COGNITIVA ...................................... 51

ARTIGO DE BOAS PRÁTICAS

8

(TRANS)FORMANDO E OUSANDO O MÉTODO DE ENSINO EM ENFERMAGEM NO

CUIDADO À SAÚDE MENTAL

ARTIGO DE REFLEXÃO

9

O PROCESSO DE TRABALHO NUM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

INFANTOJUVENIL

................................................................................................ 59

................................................................................................................... 65

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COMUNICAÇÃO TERAPÊUTICA EM SAÚDE MENTAL

Editorial

| Carlos Sequeira1 |

A comunicação é importante em qualquer contexto de saúde, no entanto, em saúde mental, assume uma importância acrescida quer pela natureza dos problemas, quer pelo potencial de impacte que tem. No campo da comunicação proliferam vários léxicos, por vezes, com semânticas similares. Por isso, encontramos termos como: comunicação, comunicação interpessoal, relacionamento interpessoal, comunicação em saúde, relacionamento terapêutico, comunicação clinica, comunicação terapêutica, (…), pelo que procuraremos fornecer alguns contributos para a clarificação dos conceitos e salientar a sua importância quer ao nível do rigor diagnóstico, quer ao nível da efetividade da clinica. A comunicação assume um papel fundamental na relação entre um profissional e uma pessoa, grupo, família ou comunidade, (vulnerável pela situação de saúde/doença) alvo de atenção e de cuidados, na medida em que, a comunicação é o contexto em que se desenvolve a relação e é, ou pode ser, uma ação terapêutica, por si só ou completar a ação terapêutica de outra intervenção. É a comunicação que permite o desenvolvimento da relação e por conseguinte, pode, criar um contexto favorável ou desfavorável, daí a sua importância. É através da comunicação que um profissional de saúde tem acesso ao outro, à sua história, ao seu contexto, e às suas necessidades. ` É através da comunicação que um profissional de saúde fornece orientações que possibilitam à pessoa, família ou comunidade, uma melhor gestão da sua situação de saúde/doença. É através da comunicação que se toma consciência do estado de saúde, se processa a tomada de decisão e se promove uma gestão adequada de um determinado regime terapêutico, muitas vezes complexo. É fundamental que os profissionais de saúde sejam detentores de conhecimentos, habilidades e recursos que lhes permitam utilizar a comunicação como estratégia de ajuda ao outro, de forma a maximizar os ganhos em saúde.

Existe uma significativa discrepância entre o que eu quero dizer; o que eu digo; o que o outro quer ouvir; o que o outro ouve e o que o outro compreende. Daí a importância da escolha das palavras, do contexto e da forma como são transmitidas. Por isso, é importante “trabalhar” a questão do léxico, do significado, do contexto, dos fatores promotores da eficiência da comunicação e dos ruídos/ barreiras na comunicação Nesse sentido abordam-se alguns conceitos que permitem compreender as diferenças entre a comunicação e a comunicação terapêutica. Comunicação - toda a interação que ocorre num determinado contexto, quer seja, intrapessoal, interpessoal, intergrupal e/ou comunicação pública. Esta interação rege-se por regras sociais e está dependente essencialmente do tipo de relação existente, do ”status” social, e das necessidades dos intervenientes. A comunicação em saúde, refere-se à comunicação que ocorre num contexto de prestação de cuidados de saúde e rege-se por regras próprias, em função dos profissionais em interação e do tipo de intervenção. Os profissionais tem a obrigação de conhecer diferentes modalidades de comunicação, tem códigos de ética e deontológicos, como o sigilo, a confidencialidade da informação, a necessidade de privacidade, etc. Os utentes e os profissionais de saúde, tem um conjunto de direitos e deveres que também se aplicam à comunicação. A comunicação clínica refere-se à comunicação contida num ato clinico, ou seja a comunicação que os profissionais utilizam para avaliarem uma situação, para efetuarem uma intervenção, para documentarem os cuidados prestados, para planearem os próximos contatos e para partilharem experiências clinicas entre os diferentes elementos da equipa de saúde. Utiliza habitualmente uma linguagem própria que facilita a comunicação entre os diferentes profissionais. Recorre a taxonomias para a uniformização dos léxicos e dos conceitos.

1 Doutor em Ciências de Enfermagem; Presidente d’ A Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental; Diretor da Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental; Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem do Porto, Rua Dr. António Bernardino de Almeida, Porto, Portugal, carlossequeira@esenf.pt Citação: Sequeira, C. (2014). Comunicação em saúde mental. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (12), 06-08. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 6


Comunicação clinica remete-nos para a utilização de estratégias de comunicação, que nos permitem avaliar as necessidades das pessoas; que facilitem a transmissão de informação sobre o estado de saúde das pessoas, de modo a promoverem a sua saúde e orienta para uma estratégia de intervenção que resolva ou minimize o seu problema. O Institute for Healthcare Communication (2011), faz referência a dados de investigação que indicam que há fortes relações positivas entre a capacidade de comunicação de um membro da equipa de saúde e a capacidade do utente seguir as recomendações médicas e adotar comportamentos preventivos em saúde. São igualmente diversos os estudos que evidenciam os benefícios de uma boa comunicação entre os profissionais de saúde e os doentes, que se traduzem numa melhoria do estado geral de saúde do doente, numa melhor capacidade de adaptação aos tratamentos e na recuperação mais rápida. A Comunicação clinica é um elemento chave de todo o processo de atuação em saúde, destacandose o seu potencial ao nível de: i) minimização do erro diagnóstico; ii) impacte terapêutico; iii) promoção de estilos de vida saudáveis – promoção da saúde/prevenção da doença. A comunicação terapêutica é um tipo singular de comunicação inserida na comunicação clinica e comunicação em saúde, utilizada por profissionais de saúde para apoiar, informar, educar e capacitar as pessoas no processos de transição de saúde doença, e/ou na adaptação a dificuldades. Refere-se ao conjunto de intervenções efetuadas pelos profissionais de saúde que de forma autónoma ou complementar tem um potencial “terapêutico no processo de recuperação das pessoas. Adicionalmente, na comunicação terapêutica, o profissional de saúde utiliza um conjunto de técnicas/habilidades para ajudar as pessoas a resolverem os seus problemas, a se relacionarem melhor consigo e com os outros, a adaptarem-se a sua condição de saúde e contexto de vida. Por isso a comunicação terapêutica, é orientada para um objetivo especifico, tem uma intencionalidade dirigida para a situação da pessoa, requere determinadas competências do profissional, como a capacidade de escuta, disponibilidade, aceitação, (..), necessita de um “setting” com características

especificas para a sua operacionalização e pressupõe a utilização de um conjunto de técnicas/habilidades de comunicação verbal e não verbal, nas quais a empatia e a assertividade desempenham um papel central. Podemos dizer que a comunicação terapêutica é uma meta comunicação na medida em que, implica a consciencialização de todas as componentes comunicativas e pressupõe a sua utilização com uma finalidade terapêutica, na relação com as pessoas. Salienta-se que a interação em saúde é sempre uma interação complexa e que, por vezes, os resultados não são lineares pelo que é necessário utilizar a “escuta ativa” para promover a consciencialização das variáveis que concorrem para a comunicação terapêutica e minimizar o impacte das variáveis dificultadoras. Principais técnicas de comunicação verbal e nãoverbal a utilizar na comunicação terapêutica:

• Escuta • O Toque • Distancia • O Posicionamento • O Olhar • A Informação • Aceitação • Silêncio • Parafraseamento ou acentuação • Questionamento/questões • Explicitação/clarificação • Focalização • Confrontação • Assertividade • Empatia • Humor • Validação • Sumarização/síntese • Anamnese associativa • A reformulação • A exploração • A interpretação • Orientação • Feedback Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 7


Uma comunicação adequada, centrada na pessoa e no seu contexto, deve ser considerada como um dever ético e uma responsabilidade de qualquer profissional de saúde que trabalhe em contato direto com pessoas, de forma a garantir que os cuidados prestados para além da competência técnica, também tenham uma competência relacional e humana.

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Por isso é necessário melhorar a formação e a consciencialização dos profissionais de saúde para a necessidade de promoverem a utilização e o potencial da comunicação terapêutica. Porto, 31 de Outubro de 2014 O Diretor da Revista d’ ASPESM


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O DOENTE COM ESQUIZOFRENIA E COM FILHOS

1

Artigo de Investigação

| José Carlos Carvalho2; Paula Freitas3; António Leuschner4 |

RESUMO CONTEXTO: A esquizofrenia, como entidade nosológica de carater crónico, afeta a capacidade do doente a diferentes níveis e, sendo associada à sobrecarga evidente para a família/sociedade, desperta grande preocupação. O relacionamento entre os pais com esquizofrenia e os seus filhos pode ser complexo e influenciar todo o seu desenvolvimento, para além das questões da hereditariedade. OBJETIVO: Estudar e caracterizar um grupo de doentes com esquizofrenia com filho(s) de idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos e que mantêm contacto regular com eles. METODOLOGIA: Abordagem de natureza quantitativa, analítica e descritiva. A amostra foi constituída por 38 doentes com esquizofrenia e com filhos, identificados num hospital psiquiátrico do grande Porto. O protocolo de colheita de dados incluiu a caracterização socioeconómica e clínica dos doentes e os instrumentos de avaliação da funcionalidade segundo o DSM IV e do funcionante familiar com o Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scales (FACES IV). Foram respeitados todos os princípios éticos consagrados na declaração de Helsínquia. RESULTADOS E CONCLUSÕES: Foram identificadas dificuldades como o baixo nível socioeconómico, baixa formação escolar/ académica e consequentes dificuldades laborais ou de acesso ao mercado do trabalho, sendo ainda referidas dificuldades ao nível do acesso aos serviços de saúde e no acesso à informação sobre a doença. No entanto os doentes apresentam bons índices de funcionalidade e revelam uma preocupação acrescida na proteção dos seus descendentes e apresentam famílias funcionais (flexíveis e unidas). PALAVRAS-CHAVE: Esquizofrenia; Família; Relações pai-filho

RESUMEN

ABSTRACT

“Los pacientes con esquizofrenia y con hijos”

“Patients with schizophrenia and children”

CONTEXTO: La esquizofrenia como un trastorno de carácter crónico, afecta a la capacidad del paciente en los diferentes niveles, está asociado con la carga obvio en la familia / sociedad suscita gran preocupación. La relación entre los padres y los niños con esquizofrenia puede ser complejo e influencia a lo largo de su desarrollo, más allá de las cuestiones de la herencia. OBJETIVO: Estudiar y caracterizar un grupo de pacientes con esquizofrenia con el hijo(s) de edad de 6 a 18 años y que mantienen un contacto regular con ellos. MATERIAL Y MÉTODOS: Enfoque cuantitativo y analítico para la naturaleza y descriptiva. La muestra consistió en 38 pacientes con esquizofrenia y los niños identificados en un hospital psiquiátrico en Oporto. El protocolo para la recogida de datos incluyó la caracterización socioeconómica y clínica de los pacientes y la funcionalidad de instrumentos de evaluación de acuerdo con el DSM IV y el funcionamiento con la Adaptabilidad Familiar y Evaluación de cohesión de la familia Escalas (FACES IV). Se siguieron todos los principios éticos consagrados en la Declaración de Helsinki. RESULTADOS Y CONCLUSIONES: Se identificaron dificultades tales como bajo nivel socio-económico, la formación educativa / académica baja y posterior empleo o el acceso a las dificultades del mercado de trabajo, se hace referencia también a las dificultades de acceso a nivel de los servicios de salud y el acceso a la información sobre la enfermedad, sin embargo, el los pacientes tienen un buen nivel de funcionalidad y revelan una mayor atención a la protección de sus hijos y tienen familias funcionales (flexible y solidario).

BACKGROUND: Schizophrenia as a chronic disease affects the patient’s ability at different levels and is associated to the overload of the family and society, arousing great concern in academic and professional contexts. The relationship between parents with schizophrenia and their children can be complex and influence the child development beyond heredity questions. AIMS: To study and characterize a group of patients with schizophrenia with sons aged between 6 and 18 years and still maintaining regular contact with them. METHODS: Based on a quantitative, analytical and descriptive study, the sample was composed of 38 patients with schizophrenia that lived with their children, identified in a large psychiatric hospital in Porto. The protocol data collection included socioeconomic and clinical characterization of patients and assessment tools functionality according to the DSM IV and family functioning with the Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scales (FACES IV). Ethical principles enshrined in the Declaration of Helsinki, were all respected. RESULTS AND CONCLUSIONS: Difficulties where identified regarding low socio-economic level, low educational / academic training and subsequent employment or access to the labor market. There were also referred difficulties of access to health services level and access to information about the disease, however the patients exhibit good levels of functionality and reveal an increased focus on protecting their offspring and have functional families (flexible and united) concern.

DESCRIPTORES: Esquizofrenia; La familia; Las relaciones entre padres e hijos

KEYWORDS: Schizophrenia; Family; Father-child relations Submetido em 28-12-2013 Aceite em 30-06-2014

1 Artigo resultante do trabalho de investigação “Esquizofrenia e família: Repercussões nos filhos e no cônjuge” para acesso ao grau de Doutor em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, 2012. 2 Doutor em Ciências de Enfermagem; Professor Adjunto na Escola Superior de Enfermagem do Porto, Rua Dr. António Bernardino de Almeida, zecarlos@esenf.pt 3 Doutora em Medicina; Professora Associada no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, Porto, Portugal, pmfreitas@icbas.up.pt 4 Licenciado em Medicina; Professor Catedrático Convidado no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, aleuschner@hmlemos.min-saude.pt Citação: Carvalho, J. C., Freitas, P. P., & Leuschner, A. (2014). O doente com esquizofrenia e com filhos. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (12), 09-16. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 9


INTRODUÇÃO Os estudos epidemiológicos demonstram que as perturbações psiquiátricas e os problemas de saúde mental tornaram-se uma das principais causas de morbilidade e de incapacidade e nas sociedades atuais, em que uma em cada quatro famílias tem pelo menos um elemento que sofre uma perturbação mental ou comportamental (World Health Organization, 2001; Xavier, M., Caldas de Almeida, J., Martins, E., Barahona, B. e Kovess, V., 2002; Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016, Resumo Executivo, 2008). A esquizofrenia, encontra-se entre os dez principais motivos de sobrecarga social a longo prazo, com taxas de prevalência na população mundial que não chegam, regra geral, a 1% (World Health Organization, 2001; Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016, Resumo Executivo, 2008; Sadock & Sadock, 2008). As pessoas com esquizofrenia requerem uma maior atenção psiquiátrica a longo prazo, ocupam cerca de 25% do total das camas psiquiátricas e representam 50% dos internamentos psiquiátricos (Mueser & McGurk, 2004). Objetivou-se estudar e caracterizar os doentes com o diagnóstico de esquizofrenia, que têm filhos e que mantêm contacto com eles, com vista a potenciar o reconhecimento das suas dificuldades e necessidades, contribuindo para a definição de estratégias de intervenção nestas famílias. A ausência de trabalhos portugueses sobre este tema e a falta de consensos nos trabalhos que têm sido publicados, nomeadamente quanto à prevalência de psicopatologia dos filhos de doentes com esquizofrenia, aliado ao interesse despertado pelo estudo da esquizofrenia e pela importância atribuída à família, motivou o presente estudo. Esquizofrenia Sendo considerada como a doença mental mais incapacitante (Marques-Teixeira et al., 2006), o conceito tem sofrido várias alterações ao longo dos tempos, não havendo unanimidade de conceptualização da patologia, pelo que contínua envolta de grande subjetividade, apesar dos esforços para a sua objetivação (Vaz-Serra et al., 2008). Considerada responsável por uma parte importante da morbilidade psiquiátrica, é transversal à geografia social (Sadock & Sadock, 2008), apresentando ainda pouco consenso quanto aos fatores que influenciam ou causam o seu aparecimento, apontando a evidência científica para uma etiologia multifatorial da doença (Dalery & D’Amato, 2001).

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Caracteriza-se por dois grupos de sintomas: • Positivos, que incluem essencialmente ideias delirantes, alucinações, transtorno formal do pensamento, comportamento extravagante e desorganizado que refletem uma distorção/exagero das funções que estão normalmente presentes na fase aguda da doença. Estes sintomas cognitivos, comuns nos doentes com esquizofrenia, têm efeito ao nível da memória, com défices de atenção, concentração, compreensão e abstração (Cardoso, 2002; Sadock & Sadock, 2008; American Psychiatric Association, 2011). • Negativos, que refletem uma perda ou diminuição de funções (diminuição da intensidade ao nível das emoções, das motivações, da vontade e da afetividade/relações interpessoais, o empobrecimento do pensamento e do discurso e o isolamento social) que, em condições normais se encontram presentes (Sadock & Sadock, 2008; American Psychiatric Association, 2011). Enquanto os sintomas positivos da esquizofrenia são, muitas vezes, exuberantes e atraem a atenção, os sintomas negativos tendem a prejudicar a capacidade da pessoa em ter uma vida quotidiana dita normal, impedindo ou limitando a manutenção de relacionamentos familiares estáveis. Não há sintomas patognomónicos, apenas um quadro prodrómico, que se caracteriza, em grande parte, pelos sintomas negativos: alteração do ciclo de sono/repouso, apatia, isolamento, descuido na higiene pessoal, comportamentos poucos habituais/ideias bizarras, dificuldades escolares e profissionais, entre outros. Esta sintomatologia tem uma relação muito importante e direta com as possíveis repercussões da doença na família e nos filhos. Os efeitos dos sintomas negativos no funcionamento do indivíduo são, habitualmente, o primeiro sinal para a família de que algo está errado, sendo também a principal preocupação da família, que muitas vezes vêm esse indivíduo como “preguiçoso” ou “desmotivado” (Carvalho, 2012a). A sintomatologia característica da esquizofrenia podese agrupar de uma outra forma, em função das áreas atingidas, sendo a aparência e conduta (um aspeto descuidado ou um importante abandono da sua higiene pessoal); transtornos percetivos e sensoriais (aparecimento das alucinações: auditivas, visuais, olfativas, gustativas e cinestésicas); transtornos do pensamento (conteúdo - delírios; controlo - roubo do pensamento; controlo do pensamento, imposição do pensamento entre outros; curso - bloqueio do pensamento;


forma - desagregação do pensamento, pobreza do pensamento, tangencialidade entre outros); alterações do humor e da afetividade (apático e indiferente, com sintomas depressivos e manifestações de ansiedade, irritabilidade e euforia e com manifestações típicas de embotamento afetivo/ambivalência afetiva); alterações da psicomotricidade (manifestações de agitação psicomotora, maneirismos, estereótipos motores entre outros; alterações cognitivas (o tipo e a gravidade da sintomatologia variam consideravelmente no decurso da doença e o aparecimento pode ser, de uma forma insidiosa e gradual ou de uma forma explosiva e instantânea) (Carvalho, 2012a). Em Portugal, a esquizofrenia representa a primeira entidade responsável pela doença mental (21,2%), seguida da depressão (14,9%), valores de referência que incluem os serviços de internamento, consultas e urgências de todo o país, sendo a região Norte a que apresenta os valores mais elevados, para a esquizofrenia e para as psicoses afetivas (Rede de Referenciação de Psiquiatria e Saúde Mental, 2004). A esquizofrenia é a principal causa de procura de cuidados de saúde (36,5%), sendo o 3.º motivo de procura de consulta médica em consultas externas (12,4%) (Rede de Referenciação de Psiquiatria e Saúde Mental, 2004), responsável pelo aumento do número médio de dias de internamento nos serviços de Psiquiatria (x ̅=35,4 vs 20,0 dias no internamento de Psiquiatria), é uma das doenças com maior prevalência, afetando cerca de 60-100 mil pessoas, em que 60-70% dos doentes não se casa e mantêm contactos sociais muito limitados (Ministério da Saúde – Direcção Geral Saúde, 2004). No estudo Schizophrenia Outpatient Health Outcomes (SOHO), que incluiu 10 países, entre os quais Portugal, verificou-se que 64,4% vivem dependentes da família, 18,6% referem ter uma relação com um cônjuge/companheiro, a maioria está desempregada (35%), em situação de reforma (33,7%) e 41,5% referiram não ter atividades sociais com os amigos ou familiares. No que se refere à qualidade de vida, 70,5% dos doentes sentem dificuldade em executar as suas atividades diárias, 76,5% apresentam comorbilidade de ansiedade/depressão, cerca de metade referem sentir desconforto ou dor, 25% não são capazes de realizar tarefas ligadas a cuidados pessoais e 60% sofrem de disfunção sexual (Marques-Teixeira et al., 2006).

Os familiares mais próximos à pessoa com esquizofrenia são os primeiros a percecionar diferenças na personalidade e/ou nos comportamentos desse membro da família, processando-se a diferentes níveis: alterações do comportamento social, desinteresse por atividades e passatempos; negligência no autocuidado; desconfiança; existência de ideias delirantes, aliados à falta de motivação, à má gestão financeira, à dificuldade para completar as tarefas e à não adesão ao regime terapêutico (Silva e Carvalho, 2011). Esta falta de interesse manifesta-se também pelo isolamento social e pela maior dificuldade em entrar/continuar no mercado de trabalho, devido aos deficits provocados pela doença, pela presença do estigma social, pelos comportamentos não adequados e imprevisíveis), assim como pela perda de autonomia. Culturalmente o doente com esquizofrenia ainda representa o estereótipo do “louco”. A imprevisibilidade que ocorre na relação com o doente com esquizofrenia tem um efeito profundo nos membros da família. A presença de um doente com esquizofrenia na família alterará a dinâmica familiar e irá pôr em evidência algumas das dificuldades e fragilidades do doente e de toda a família, potenciando a descompensação de um ou mais dos seus membros (Hanson, 2001). A avaliação da dinâmica familiar é um fator importante para a percepção da coesão eflexibilidade familiar, assim como a importância da comunicação e da satisfação familiar no núcleo familiar (Carvalho et al., 2014), em que o modelo circumplexo de Olson é um recurso interessante e permite classificar as famílias com base na sua pontuação no que respeita à coesão e flexibilidade ou adaptabilidade (Olson, 2011).

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OBJETIVOS

PROCEDIMENTO

O estudo pretende estudar e caracterizar um grupo de doentes com esquizofrenia com filho(s) de idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos e que mantêm contacto regular com eles.

A seleção da amostra foi constituída por indivíduos adultos de ambos os sexos, com o diagnóstico de esquizofrenia e que têm filhos com idades compreendidas entre os 6-18 anos, com contacto frequente e que aceitaram participar no estudo, a partir da população de doentes com o diagnóstico de esquizofrenia, seguidos num hospital especializado do norte de Portugal. Foram explicados os objetivos e a finalidade do estudo e solicitada a participação e o consentimento informado dos doentes, assim como o consentimento expresso da Comissão de Ética da instituição. A colheita de dados decorreu de março de 2008 a dezembro de 2009 no domicílio dos doentes selecionados. Foram utilizadas estratégias para referenciação dos doentes: 1. Solicitado apoio ao pessoal de Enfermagem da consulta externa que ajudou a referenciar o maior número de doentes (melhor conhecimento) com filhos. 2. Colaboração de outros profissionais de saúde mental pelo conhecimento que encerram quanto aos doentes e às suas famílias. 3. Consulta dos processos clínicos para deteção de referências à existência de filhos. Dos 3.056 doentes com o diagnóstico de esquizofrenia, seguidos no hospital especializado, referenciaram-se 213 (6,9%) doentes com filhos, sendo possível contactar 155 famílias (72,8%) e sinalizar a existência de 274 filhos. A amostra foi constituída por 38 doentes, correspondentes a 38 famílias com filhos (50 filhos). As variáveis quantitativas contínuas foram analisadas através de medidas de tendência central e de dispersão e as do tipo nominal foram analisadas de acordo com as frequências relativas e absolutas, com recurso ao Software Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics 19). Neste estudo apresenta-se uma parte da investigação “Esquizofrenia e família: repercussões nos filhos e no cônjuge” apenas centrada nos progenitores com esquizofrenia.

METODOLOGIA Estudo transversal, quantitativo, de cariz descritivo e exploratório. A amostra foi constituída por 38 doentes, correspondentes a 38 famílias com filhos (50 filhos), referenciados num total de 3.056 doentes com o diagnóstico de esquizofrenia, seguidos no hospital especializado. O protocolo de colheita de dados incluiu uma entrevista estruturada e instrumentos de avaliação. Na entrevista foram privilegiados os dados relativos à caracterização socioeconómica e clínica dos doentes. Foi utilizada a escala de funcionalidade (DSM IV) com as subescalas de avaliação do funcionamento (AGF); de avaliação global da atividade relacional (EAGAR) e de avaliação da atividade social e laboral (EAASL), em que pontuam de 1-100 (American Psychiatric Association, 2011). Para a caracterização social da família foi utilizada a Escala de Graffar, que permitiu avaliar aspetos sociais importantes como: profissão, instrução, fontes de rendimento familiar, conforto do alojamento e os aspetos da habitação/ bairro, com uma pontuação entre 5 e 25 pontos, categoriza a família em 5 classes, em que a classe mais baixa (I) revela melhor índice social. Utilizou-se ainda o Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scales (FACES IV), de Gorall, Tiesel e Olson, (2006), na versão portuguesa de Rolim, Rodrigues e Lopes, composto por 62 questões, com duas dimensões centrais (a coesão e a adaptabilidade/ flexibilidade), e que permitiu caraterizar as perspetivas individuais, face à família quanto aos níveis de coesão e de flexibilidade/adaptabilidade, assim como os níveis de satisfação e de comunicação familiar.

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RESULTADOS A amostra foi constituída por 38 indivíduos dos quais 52,6% do sexo feminino e 47,4% do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 31-51 anos, com Média=40,87 (±4,82). Os indivíduos casados representam 60,5% da amostra e os solteiros e divorciados representam 15,8% do total da amostra. Apresentam baixa escolaridade (84,2% têm estudos inferiores ao ensino obrigatório). O 1.º ciclo representa 42,1% dos doentes, seguindo-se o 2.º ciclo (26,3%) e o 3.º ciclo (15,8%). Apenas 10,5% tem o ensino secundário e 5,3% ensino superior. No que respeita à situação profissional e laboral, 47,4% mantêm-se ativos ainda que com profissões não qualificadas segundo a classificação nacional de profissões. Na situação de reforma encontram-se 34,2%. O contacto permanente com os filhos é uma realidade para 76,3% progenitores doentes, sendo que em 23,7% esse contacto faz-se apenas ao fim de semana (Tabela 1). Tabela 1 - Resumo das variáveis sociodemográficas e clínicas do doente

Variáveis Sexo Feminino Masculino Estado Civil Casados Solteiros Escolaridade 1ºCiclo 2ºCiclo Situação Profissional No ativo Na reforma Agregados (nº pessoas) 2 3 4 Contacto com os filhos Permanente Fim-de-semana Consumo Substâncias Tabaco

f

fr

20 18

52,6% 47,4%

23 6

60,5% 15,8%

16 10

42,1% 26,3%

18 3

47,4% 34,2%

9 16 9

23,7% 42,1% 23,7%

29 9

76,3% 23,7%

24

63,2%

Os agregados familiares são maioritariamente compostos por agregados reduzidos com dois elementos (23,7%) e com 3 pessoas (42,1%). Quanto às famílias dos doentes, 47,4% correspondem a classe média baixa de acordo com a Escala de Graffar. Todos os doentes tiveram acompanhamento em consulta de Psiquiatria e 92,1% estiveram internados em serviços de Psiquiatria. O tempo de doença (esquizofrenia) apresenta amplitude de 30 anos [2-32], com M=11,95 ±8,32 anos. Foram aplicadas as subescalas de funcionalidade de acordo com o DSM IV: avaliação global do funcionamento (AGF), avaliação global da atividade relacional (EAGAR) e avaliação da atividade social e laboral (EAASL). A EAGAR apresenta amplitude de [60-90] com M=75,39±9,32, tal como a AGF com valores entre os [65-90] e com M=77,45±8,59. A EAASL apresenta amplitude entre [61-95] com M=75,58±11,67, revelando bons índices de funcionalidade por parte dos doentes. Relativamente às reações dos familiares à sua doença, 55,5% dos doentes referiram aceitação pelo aparecimento de a doença e compreensão/apoio a reações de choque, enquanto 44,4% manifestaram-se profundamente preocupados com o futuro, referindo ter reagido mal ou mesmo muito mal. Sendo a convivência com os filhos um aspeto central do estudo, importava perceber quando ocorreu o nascimento do 1.º filho: antes ou após manifestações da doença. Em 61,8% dos casos o nascimento do 1.º filho foi anterior ao processo de doença. Ao contrário, em 38,2% das famílias as manifestações da esquizofrenia apareceram antes do nascimento dos filhos. O relacionamento conjugal ou marital foi anterior à sintomatologia em 66,7% dos doentes e 33,3% ocorreu depois das manifestações da doença. Pela análise das frequências do FACES IV verificouse que os doentes percecionam a sua família como unida (58,6%) e muito flexível (69%), com um nível de comunicação familiar moderado (51,7%). Referem, no entanto, um baixo nível de satisfação familiar (55,2%) ou mesmo muito baixo (20,6%). Os doentes apresentam resultados compatíveis com 10 tipos de família diferentes, no entanto, 55,2% dos doentes consideram a sua família como flexível e unida. Das famílias dos doentes estudadas apenas duas foram classificadas como caóticas e emaranhadas.

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DISCUSSÃO A questão do género é um dos aspetos mais abordados quando se fala da esquizofrenia, motivado pelas diferenças que estão associadas, desde o início da doença, à sintomatologia e às consequentes repercussões. Na população em estudo verificou-se a existência de maior prevalência da doença em homens (61%) tal como em evidenciado em outros estudos (Dalery & D’Amato, 2001; Sadock & Sadock, 2008). Relativamente a doentes com filhos, este valor alterase sendo que 52,6% dos doentes são do sexo feminino. Este facto é justificado pelo início tardio da doença e sintomatologia menos exacerbada na mulher (Dalery & D’Amato, 2001). Apresentam uma média (idade) próxima dos 40 anos, mas apesar do início precoce da doença, estes doentes apresentam um tempo longo de doença aliado ao facto de os filhos mais novos terem pelo menos 6 anos, pelo que está coerente com o que seria de esperar. Seria expectável que os doentes que vivem maritalmente fossem em maior número que os solteiros, o que se verifica, com a condição de casado/união facto a representar mais de 65% da amostra. Quando analisamos a população em estudo, verificamos que 59,1% dos doentes eram solteiros. Os doentes que têm filhos têm ou tiveram uma relação marital (casados, divorciados/separados e viúvos) apresentando valores próximos dos 80%. As dificuldades na convivência marital podem ser um dos fatores importantes para justificar estes resultados. Dalery & D’Amato (2001) referem que 61% dos homens não viviam em casal (depois dos 25 anos) contra 40% das mulheres. Os mesmos autores referem que 42% das mulheres têm capacidade para manter uma relação conjugal estável, contra apenas 12% dos homens. As mulheres jovens pré-esquizofrénicas encontram-se melhor adaptadas que os homens, antes da descompensação clínica da doença, sendo que 40% das mulheres são casadas no momento do primeiro internamento, versus 30% dos homens, o mesmo se verificando com o desenvolvimento psicossexual em que 16% das mulheres nunca tiveram relações sexuais antes do início da doença, contra 40% dos homens (Dalery & D’Amato, 2001). A sintomatologia é percecionada de forma diferente. Existe uma maior tendência dos homens para comportamentos antissociais e comportamentos de hiper-reactividade, maior sintomatologia negativa nos homens e uma maior prevalência de sintomatologia positiva nas mulheres (Dalery & D’Amato, 2001, p.32). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 14

Relativamente ao nível de ensino e de escolaridade verifica-se que os doentes apresentam baixa escolaridade - 84,2%, possuindo a escolaridade obrigatória ou nível inferior, sendo que 42,1% têm o 1.º ciclo de estudos. Os baixos índices de escolaridade, associados às dificuldades impostas pela doença, assim com a presença de algum estigma social, levam a maior dificuldade no acesso a profissões mais qualificadas e melhor remuneradas. Cerca de metade dos doentes encontra-se no ativo, demonstrando que, apesar de todas as dificuldades impostas pela doença, apresentam funcionalidade suficiente que lhes permite exercer as suas profissões. Os agregados familiares são constituídos na sua maioria por famílias nucleares com filho(s) e cônjuge. Alguns contam com a presença dos ascendentes dos doentes, no entanto, em muito menor escala do que acontece com os doentes que não constituíram família e que vivem dependentes dos pais ou de familiares. A utilização da classificação social da família de Graffar confirmou que as famílias pertencem maioritariamente à classe média baixa, estando de acordo com a baixa escolaridade, baixo acesso ao emprego/ empregos melhor remunerados, dificultando, consequentemente, condições de habitação. O contacto com os filhos era um fator fundamental na seleção da amostra sendo que 76,3% das crianças vivem permanentemente com o progenitor doente. Pela realidade profissional e pelo acompanhamento de doentes nos serviços de internamento de Psiquiatria, muitas vezes tem-se a perceção que os doentes com esquizofrenia não têm contacto com os descendentes, sendo a custódia dos filhos entregue a terceiros - institucional ou familiares (Carvalho, 2012a). A constituição da família e a opção de ter filhos foi maioritariamente anterior à doença. O nascimento do 1.º filho ocorreu, em 61,8% dos casos, antes do processo de doença, pelo que as crianças passaram por um processo de adaptação e de alterações do ambiente familiar. O mesmo se verificou com as relações conjugais em que 66,7% iniciaram o seu relacionamento antes da ocorrência de manifestações da sintomatologia própria da esquizofrenia. O FACES IV permite dar resposta ao modelo Circumplexo de Olson, importante para o diagnóstico das relações familiares, uma vez que que se centra em dimensões que são relevantes nos modelos de abordagem familiar e da terapia familiar, em que se foca no sistema relacional e integra as 4 dimensões: a coesão; a flexibilidade; a comunicação e a satisfação familiar


(Olson, 2011), sendo que a coesão reflete o grau de ligação emocional que os membros da família partilham uns com os outros e a adaptabilidade, podem ser definidas como o grau de flexibilidade, capacidade do sistema familiar para mudar a sua estrutura do poder, as regras do funcionamento e os papéis relacionais em resposta a uma situação de stress situacional (Olson, 2011). Em função dos resultados destas dimensões do instrumento de avaliação, podemos inferir um conjunto de potenciais problemas/diagnósticos de enfermagem, dos quais a focos de atenção como a comunicação, a satisfação familiar, a coesão e a flexibilidade familiar (FACES IV), podendo ser englobados nos processos familiares (Carvalho, 2102b) Todos os doentes inquiridos têm acompanhamento psiquiátrico com média de 12 anos de acompanhamento em serviços de Psiquiatria. O tempo de duração do acompanhamento psiquiátrico, no sexo masculino, é praticamente o dobro do sexo feminino (15,94±9,45 / 8,35±5,12), sendo que as mulheres apresentam uma evolução menos grave, menos recidivas, menos hospitalizações e internamentos mais curtos (Dalery & D’Amato, 2001). A evolução mais benigna na mulher permite melhor manutenção das capacidades de viver em casal e menores repercussões sociais da doença, quer na autonomia, quer na capacidade de trabalho (Dalery & D’Amato, 2001). O despiste de comorbilidade psiquiátrica, associado ao consumo de substâncias como indicador de comportamentos aditivos, muitas vezes atribuídos aos doentes com esquizofrenia, não se revelou um forte atributo. A funcionalidade do doente foi um dos aspetos equacionados como podendo ter alguma relação com as alterações produzidas no seio familiar (Carvalho et al., 2014). Embora possa ser difícil comparar ou tirar ilações, uma vez que os doentes estudados são, talvez, daqueles que dentro da população com o diagnóstico com esquizofrenia, possam ter maior grau ou maior índice de funcionalidade global, uma vez que, em algum momento da sua vida, constituíram família, tiveram um ou mais descendentes e mantêm contacto com eles. Os índices obtidos demonstram que os doentes apresentam globalmente uma boa capacidade funcional. Uma criança com sintomas ou problemas próprios da idade, ainda que transitórios, constituiu um problema adicional e a incapacidade por parte do progenitor doente para desempenhar adequadamente o seu papel parental implica um esforço suplementar para os restantes membros da família (Somers, 2007; Clarke, 2008).

CONCLUSÕES Constata-se que o grupo de doentes estudados apresentava bons índices de funcionalidade, também confirmada pelo número significativo de doentes profissionalmente ativos. Admite-se que o bom nível de funcionalidade das suas famílias possa relacionar-se com a constituição, manutenção e funcionamento das famílias, embora o desenho utilizado não tenha permitido apurar se a limitação imposta pelo presente estudo em analisar os doentes com filhos e que mantinham contacto com eles, não tenha acarretado a seleção dos mais funcionais. Este grupo de doentes não evidenciou comportamentos aditivos ou comorbilidade psiquiátrica associada. A existência da doença por si não foi motivo identificado para que as famílias não pudessem funcionar. Os doentes apresentam uma perceção da sua família como funcional e a maioria das famílias são caracterizadas como flexíveis e unidas. Foram identificadas dificuldades como o baixo nível socioeconómico, baixa formação escolar/académica e consequentes dificuldades laborais ou de acesso ao mercado do trabalho. Foram referidas dificuldades no acesso aos serviços de saúde e no acesso à informação sobre a doença. Globalmente representam famílias funcionais com bons níveis de satisfação e comunicação familiar sendo, na sua maioria, consideradas como famílias flexiveis e unidas.

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IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Estes resultados, podem ser importantes no combate ao estigma da doença mental, como fator de exclusão social, a que estes doentes e família ainda estão sujeitos, desmistificando a ideia de que a família do doente com esquizofrenia podem ser “mais” problemáticas. Este estudo é um pequeno contributo para uma área ainda pouco estudada, uma vez que os estudos centram-se mais nos doentes e nos cuidadores e não tanto, no doente como integrado na família e com os descendentes a seu cargo, pelo que são necessários novos trabalhos que incluam estes sub-grupos e em que a família seja estudada como um todo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS American Psychiatric Association (2011). DSM-IVTR: Manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais (2ª reimpressão). Lisboa: Climepsi. Cardoso, C. (2002). Os caminhos da esquizofrenia. (1ª ed.). Lisboa: Climepsi. Carvalho, J. C. (2012a). Esquizofrenia e família: Repercussões nos filhos e cônjuge. (Tese de Doutoramento, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar - Universidade do Porto, 2012). Carvalho, J. C. (2012b). Diagnósticos e intervenções de enfermagem centradas no processo familiar, da pessoa com esquizofrenia. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, (8), 52-57. Carvalho, J. C, Freitas, P. P., Leuschner, A., & Olson, D. H. (2014) Healthy functioning in families with a schizophrenic parent. Journal of Family Psychotherapy, 25(1), 1-11. doi: 10.1080/08975353.2014.881685 Clarke, L. (2008). Child and youth mental health services - children of parents with mental illness (COPMI) - best practice guide (draft document). Acedido em 24 de março de 2009 em http://www.parentalmentalillness.org/CYMH%20Best%20Practice%20 Guide%20with%20COPMI-%20web%20version.pdf Dalery, J., & D’amato, T. (2001). A esquizofrenia: Investigações actuais e perspectivas. Lisboa: Climepsi. Direcção Geral Saúde. Direcção de Serviços de Planeamento. Direcção de Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental (2004). Rede de Referenciação de Psiquiatria e Saúde Mental. Lisboa: Direcção-Geral da Saúde. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 16

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Artigo de Investigação

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PROCESSO DE LUTO DOS FAMILIARES DE IDOSOS QUE SE SUICIDARAM | Patrícia Batista1; José Carlos Santos2 |

RESUMO O suicídio retrata uma situação, na qual o sujeito decide acabar com a própria vida, tentando assim livrar-se de uma situação de dor psíquica insuportável. É um ato que gera repercussões importantes em todos os contextos, desde o familiar até ao contexto social. O suicídio na faixa etária dos idosos é um problema real, pelo que foi realizado um estudo de natureza exploratório-descritiva que teve como objetivo responder à seguinte questão de investigação: quais são as vivências sentidas pelos familiares no processo de luto dos idosos que se suicidaram. Foram entrevistados 17 familiares enlutados de idosos que se suicidaram. A amostra constituída foi maioritariamente de idosos (10), tendo a idade variado dos 35 anos aos 72 anos. A amostra em estudo revelou ter alguns fatores de risco, nomeadamente o isolamento, a solidão, a angústia e a noção de abandono. Além disso, apresentou níveis elevados de luto complicado e depressão. Revelou também a importância dos laços, da estrutura e do suporte social e familiar nas famílias enlutadas. Urge compreender como os familiares lidam com o problema do suicídio sendo fundamental ter conhecimento destas alterações profundas para que se atenue o impacto negativo das mesmas e se potencie o seu impacto positivo. PALAVRAS-CHAVE: Luto; Suicídio; Idoso; Família de suicidas

RESUMEN

ABSTRACT

“La familia en el proceso de duelo de los ancianos suicidas”

“The family in the grieving process of the suicida elderly”

El suicidio representa una situación, en la que el sujeto decide quitarse la vida, tratando de librarse de una situación de dolor psíquico insoportable. Es un acto que genera efectos sustanciales en todos los ámbitos, desde el familiar al contexto social. El suicidio en el grupo de edad de personas mayores es un problema real, por lo que se realizó un estudio de carácter exploratorio y descriptivo que tuvo como objetivo responder a la siguiente pregunta de investigación: Cuáles son las experiencias sentidas por la familia en el proceso de duelo de los ancianos que se suicidaron? Se entrevistó a 17 deudos de ancianos que se suicidaron. La muestra se compone principalmente de personas mayores (10), y la edad miscelánea de 35 a 72 años. Se encontró que la muestra del estudio tiene ciertos factores de riesgo, como el aislamiento, la soledad, la angustia y la sensación de abandono. También encontró altos niveles de duelo complicado y de depresión. Aún revela la importancia de los lazos, y la estructura de apoyo social y familiar en las familias en duelo. Es esencial entender cómo los miembros de la familia reaccionan al problema del suicidio así como tener conocimiento de estos cambios profundos para reducir su impacto negativo y mejorar su impacto positivo.

Suicide portrays a situation, in which the subject decides to take his own life, trying to get rid of a situation of unbearable psychic pain. It is an act that generates substantial effects in all contexts, from the familiar to social context. Suicide in the elderly age group is a real problem, so a study of exploratory and descriptive nature that aimed to answer the following research question was made: What are the experiences felt by the family in the grieving process of the elderly who committed suicide? Seventeen bereaved relatives of elderly who committed suicide were interviewed. The sample was comprised mostly of elderly (10), in an age range of 35 to 72 years. The study sample revealed certain risk factors including isolation, loneliness, anguish and sense of abandonment, and also high levels of complicated grief and depression. It has shown yet the importance of the bonds, and the structure of social and family support in bereaved families. Understand how families deal with the problem of suicide is essential and also crucial to be aware of these profound changes in order to reduce the negative impact of these and improve their positive impact. KEYWORDS: Mourning; Suicide; Elderly; Family of suicidal

DESCRIPTORES: Duelo; El suicidio; Ancianos; Familia dos suicidas

Submetido em 30-03-2014 Aceite em 30-10-2014

1 Mestre em Gerontologia; Enfermeira no Centro Hospitalar Cova da Beira, EPE, Serviço de Psiquiatria, Quinta do Pinheiro, Covilhã, Portugal, patricia_xavier@hotmail.com 2 Doutor em Saúde Mental; Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra – UCP de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, 3046-851 Coimbra, Portugal, jcsantos@esenfc.pt Citação: Batista, P., & Santos, J. C. (2014). Processo de luto dos familiares de idosos que se suicidaram. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (12), 17-24. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 17


INTRODUÇÃO A população acima dos 65 anos é a que mais cresce em Portugal e na maior parte do mundo, o que justifica um olhar atento para os problemas sociais e de saúde que a afetam. É importante destacar que o suicídio é um fenómeno complexo e é uma das dimensões do comportamento suicidário que inclui um continuum de comportamentos que vão desde, pensamentos de autolesão, passando por ameaças, gestos, tentativas de suicídio até, ao desfecho fatal, qualquer que seja o grau de intenção letal e de conhecimento do verdadeiro motivo desse ato (Werlang e Botega, 2004). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2003), o suicídio é definido como um ato de pôr termo à própria vida, com um resultado fatal, que foi deliberadamente iniciado e preparado, com o prévio conhecimento do seu resultado final e através do qual o indivíduo pensou fazer o que desejava. O suicídio afeta todos os grupos etários mas alguns estão em maior risco do que outros, tais como, pessoas com histórico de tentativas de suicídio ou automutilação, com distúrbios psiquiátricos, assim como, o próprio medo das doenças, constituem nas camadas mais envelhecidas fatores de risco. Por sua vez, o isolamento e os próprios eventos de vida, também condicionam a suicidalidade nos idosos (International Association for Suicide Prevention [IASP], 2012). A OMS (2001) estima que em 2020, aproximadamente 1.53 milhões de pessoas morrerão por suicídio no mundo. O suicídio é, atualmente, uma das três principais causas de morte entre os jovens e adultos dos 15 aos 34 anos, embora a maioria dos casos aconteça entre pessoas com mais de 60 anos. Ainda segundo a OMS, a média de suicídios aumentou 60% nos últimos 50 anos, em particular nos países em desenvolvimento. O que se observa é que, com o aumento da idade, aumenta também o risco depressivo e a tendência para o suicídio (OMS, 2001; Werlang e Botega, 2004). O objetivo geral do trabalho de investigação foi conhecer as vivências sentidas pelos familiares no processo de luto dos idosos que se suicidaram e centrou-se ao nível da pósvenção – postvention. A pósvenção é uma estratégia onde as ações são realizadas após um suicídio naqueles que foram afetados por este fato (familiares, amigos, colegas, entre outros). Elas estão direcionadas para a informação, o apoio, a assistência imediata e o acompanhamento das pessoas que devem ser consideradas em risco.

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Este risco deve ser entendido nas suas diversas graduações, onde o óbito por suicídio é entendido como um fator precipitante de outros eventos deste tipo. O suicídio tem repercussões a diversos níveis, na sociedade, nos familiares, nos amigos, nos colegas, entre outras pessoas, causando um impacto psicológico que permanece bastante intenso mesmo para aqueles que não têm ligação direta com a pessoa que se suicidou. Suicídio O estudo do suicídio envolve e implica múltiplos aspetos, a nível individual, familiar, social ou ideológico e exige o esforço e a cooperação entre especialistas de diversas disciplinas e ramos científicos, de modo a que seja alcançada uma visão ampla e não meramente parcelar da realidade (Sampaio, 1991). Shneidman (1985) afirma ser fundamental a combinação dos seguintes elementos para haver um suicídio: sentimento de dor intolerável - diretamente relacionada com a frustração pelas necessidades psicológicas básicas não terem sido satisfeitas; atitude de se autodesvalorizar (autodenegrir) - autoimagem que não consegue aguentar a dor psicológica intensa; constrição marcada da mente e um prejuízo das tarefas do dia-a-dia; sensação de isolamento – um sentimento de deserção e perda de suporte de pessoas significativas; intenso e desesperado sentimento de desesperança – a sensação de que já nada pode ser feito; decisão consciente de fuga – abandono, desaparecimento ou interrupção (cessação ou paragem) da vida – como a única (ou pelo menos a melhor possível) solução para resolver o problema da dor intolerável. No que diz respeito à epidemiologia do suicídio tornase importante destacar que as estatísticas oficiais são bastante subestimadas, uma vez que, ocorrem subnotificações decorrentes, muitas vezes, de falhas na identificação e classificação da causa de morte. Em Portugal, é ainda um fenómeno que atinge maioritariamente os idosos, mas o aumento dos anos de vida potencialmente perdidos diz-nos que algo está a mudar e que, cada vez mais, suicidam-se mais pessoas em idade ativa (Ordem dos Enfermeiros, 2012). As taxas de suicídio, por 100.000 habitantes, em 2010, no grupo etário dos 65-74 anos, e mais de 75 anos, são de 28.4 e 67.4 respetivamente, no género masculino. Em relação ao género feminino e, falando do mesmo ano e dos mesmos grupos etários, apresentam-se valores de 8.2 e 11.5 respetivamente, o que traduzem diferenças significativas (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2013). Portugal, encontra-se na 35.º posição com uma taxa de 10.4 suicídios, por 100.000 habitantes, ou seja, quase o dobro do que ocorreu na última década do século XX (Sociedade Portuguesa de Suicidologia [SPS], 2010).


No caso particular da Cova da Beira, trata-se de uma sub-região bastante envelhecida, cujo índice de envelhecimento da Covilhã, Belmonte e Fundão são, em 2011, de 195.0, 227.2 e 237.6, respetivamente. Importa salientar que o índice de envelhecimento em Portugal, em 2011, é de 129.6 (INE, 2011; PORDATA, 2012). O suicídio entre as pessoas idosas constitui-se um grave problema para as sociedades das mais diversas partes do mundo (Minayo e Cavalcante, 2010). Tal fato torna-se mais grave, se se considerar que as taxas de suicídio em países industrializados têm aumentado com a idade, sobretudo em homens idosos, além disso, o comportamento suicidário em pessoas idosas é mais efetivo, com maior taxa de mortalidade do que em pessoas mais jovens (Cattell, 2000). O mesmo autor acrescenta ainda que, apesar do suicídio e a sua prevenção serem uma área de prioridade de assistência na Europa, o suicídio nas pessoas idosas permanece um assunto negligenciado em todo o mundo, recebendo pouca atenção profilática e interesse científico. Pires et al. (2009) sumarizam os fatores que podem justificar o padrão de suicidalidade no geral e, em particular, nos idosos, nomeadamente, a depressão como um aspeto predisponente ao comportamento suicidário, a presença de doenças físicas, sobretudo as doenças crónicas e incapacitantes como o cancro. Foram citados ainda, como relevantes, o isolamento social, outras doenças psiquiátricas (além da depressão), a viuvez, o divórcio ou nunca ter tido um relacionamento marital, aspetos étnicos (como ser branco), fatores económicos (como o desemprego e o nível de renda média/alta) e o falecimento de pessoas significativas. O comportamento suicidário nos idosos, a demência, o consumo de álcool ou o alcoolismo, as doenças cardíacas, a hipertensão arterial, a disponibilidade de benzodiazepinas, os antidepressivos, os barbitúricos, os antipsicóticos, os ansiolíticos ou tranquilizantes, ser do sexo masculino e ter mais de 75 anos, morar em países industrializados, ter problemas de relacionamento, perder o seu domicilio ou sociedade, possuir alguns traços de personalidade (orgulho, rigidez, pessimismo, sentimento de desesperança, negação do envelhecimento, comportamentos obsessivos), a perda de habilidades, a diminuição da possibilidade de escolhas, a diminuição da qualidade de sono, a ausência de alguém em que se possa confiar, a perda do papel tradicional na família, a redução do número de cuidadores, a dependência de outras pessoas, o histórico de internamento e a ocorrência de alguma tentativa de suicídio anterior, também foram realçados como fatores de risco para o suicídio na faixa etária de idosos.

Vivências dos Familiares no Processo de Luto As perdas significativas ou traumáticas podem nunca chegar a ser totalmente resolvidas. Para além disso, a adaptação não é equivalente a uma resolução no sentido de ultrapassar completamente e, de uma vez por todas, a perda. O luto e a adaptação não têm um tempo fixo ou uma sequência linear. A perda é um acontecimento de vida universal podendo ser vivida de modo traumático especialmente, quando os indivíduos se focam em aspetos ameaçadores da sua experiência, revelando prejuízos funcionais a longo prazo, inerentes a dificuldades de adaptação e de restabelecimento do estado pré-perda (Kristjanson, Lobb, Aorun e Monterosso, 2006). O luto é definido como um conjunto de reações emocionais, físicas, comportamentais e sociais que aparecem como resposta a uma perda, seja real ou imaginativa (perda de um ideal, de uma expetativa), seja uma perda por morte ou pela cessação/diminuição de uma função, possibilidade ou oportunidade. O luto é uma resposta natural à perda de um ente querido, sendo este um acontecimento stressante que, a maioria das pessoas, terá que enfrentar ao longo da vida. Uma grande perda é um processo de transição que obriga as pessoas a adaptarem às suas conceções sobre o mundo e sobre si próprias (Parkes, 1998). Por vezes, os casos de luto podem evoluir desfavoravelmente, resultando em consequências severas que afetam a saúde mental e física dos enlutados. São as formas de Luto Complicado (LC) em que a maior associação diz respeito a problemas de saúde como depressão, ansiedade, abuso de álcool e/ou medicamentos, risco de doenças e suicídios. Os sintomas de LC predizem, a longo prazo, uma incapacidade funcional de adaptação (Prigerson et al. 1995). Jordan e McIntosh (2011) propuseram vários níveis de reação ao luto por suicídio, tais como: a tristeza e o desejo de se reunir com o falecido (caraterísticas após mortes inesperadas), o choque, nomeadamente a sensação de irrealidade sobre a morte e o trauma de encontrar um corpo mutilado e destruído. Para além destas reações comuns, os sobreviventes de suicídio vivenciam caraterísticas que parecem ser únicas do luto por suicídio como, a raiva do falecido em “escolher” a morte sobreposta à vida e o sentimento de abandono. Sveen e Walby (2008) acrescentam ainda que as reações dos sobreviventes diferem em consequência da história anterior de suicídio do falecido e a expetativa de morte, ou seja, podem vivenciar depois do suicídio o sentimento de alívio (muitas vezes, subjetivamente percebido como inaceitável e juntamente com culpa), Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 19


assim como, podem reagir com um choque acompanhado por entorpecimento e descrença (naqueles para quem a morte do falecido aconteceu inesperadamente). De fato, uma morte por suicídio pode afetar as pessoas nos mais variados tipos de relacionamento e, alterar as relações entre os membros da família para com os parentes mais distantes, amigos, vizinhos e empregadores. Já foram feitas várias tentativas em avaliar o número de sobreviventes de suicídio. Por exemplo, Shneidman sugeriu uma média de seis sobreviventes enlutados por suicídio, por outro lado Wrobleski (2002), sugeriu que havia dez sobreviventes deixados após a morte por suicídio. A primeira estimativa sistemática do número de sobreviventes de suicídio foi feita numa pesquisa entre os membros de grupos de apoio de sobrevivente de suicídio e, de acordo com Berman (2011), descobriu que o número varia consideravelmente, dependendo do tipo da relação, da frequência de contacto entre o falecido e os enlutados e da idade do falecido. É importante consciencializar que o luto é um processo dinâmico, ativo, que varia de pessoa para pessoa e que os sobreviventes experienciam inúmeras vivências de luto. ESTUDO EMPÍRICO: METODOLOGIA O estudo foi desenhado com a intenção de responder à seguinte questão de investigação: Quais são as vivências sentidas pelos familiares no processo de luto dos idosos que se suicidaram, na Cova da Beira? No presente estudo, foi utilizada uma amostra não probabilística por acessibilidade em sintonia com os critérios de inclusão, nomeadamente, familiares de idosos residentes na Cova da Beira, que se suicidaram no período compreendido entre 2005 a 2011. A recolha da amostra foi feita através das seguintes formas: • Contacto com os Presidentes de Junta de Freguesia e população residente nas freguesias, no sentido de referenciarem casos que se incluíssem no estudo; • Pedido de autorização ao Comando Territorial de Castelo Branco no sentido de referenciar casos que integrassem o estudo. As respetivas autoridades entraram em contacto com os familiares, solicitando autorização para a participação no estudo. Após ter sido dada autorização por parte dos familiares foi feito contacto prévio, pelo entrevistador, para agendamento da entrevista. O período de colheita de dados realizou-se entre os meses de agosto e setembro de 2012.

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Como instrumento de colheita de dados foi utilizada a entrevista semiestruturada, face a face, dada a sensibilidade da temática. O guião da entrevista semiestruturada seguiu a seguinte estruturação: Partes A e B referem-se aos dados de identificação que permitem fazer uma caraterização pessoal e sociodemográfica do familiar do idoso que se suicidou. Integraram também perguntas abertas, nomeadamente, a descrição de um dia tipo e de que forma o suicídio o/a afetou. Para a análise destas duas perguntas foi realizada análise de conteúdo. Utilizaram-se como instrumentos de investigação de suporte ao estudo: o Inventário de Luto Complicado de Prigerson et al. (1995) traduzido por Frade (2010); a Escala de Depressão Geriátrica, GDS-30 de Yesavage et al.(1983) traduzida por Barreto, Leuschner, Santos e Sobral (2008); a Escala de Satisfação Social (ESSS) de Ribeiro (1999) e a Escala de Apgar Familiar de Smilkstein (1978) versão portuguesa de Agostinho e Rebelo (1988).


RESULTADOS Nas tabelas seguintes são apresentados os dados do estudo no que diz respeito à identificação e caraterização da amostra (Tabela 1), ao ano de ocorrência do suicidio (Tabela 2) e às vivências dos familiares dos suicidas (Tabela 3). Tabela 1 - Distribuição da Amostra Segundo os Dados de Identificação e Caraterização da Amostra Frequência Percentagem Género

Feminino

12

70.6

Estado civil

Viúvo

8

47.1

Hábitos Alcoólicos e/ou outros consumos

Não

16

94.1

Doenças Crónicas (Físicas e/ou Mentais)

Sim

Nível de escolaridade

Ensino primário

6

35.3

A quem recorre quando precisa de ajuda

Filho(a)

6

35.3

Religiosidade

Sim

15

88.2

12

70.6

10

Método do Suicídio Enforcamento

Frequência

Vivências dos familiares dos suicidas

58.8

Local do Suicídio

Fora de casa

11

64.7

Familiares em Luto Complicado

Sim

12

70.6

Familiares com depressão ligeira e grave

Sim

4

23.5

Relação familiar

Altamente funcional

9

52.9

Tabela 2 - Distribuição da Amostra Segundo o Ano de Ocorrência do Suicidio Frequência Percentagem

Ano do Suicidio

Tabela 3 - Distribuição da Amostra Segundo as Vivências dos Familiares Enlutados

2011

3

17.6

2010

5

29.4

2009

3

17.6

2007

1

5.9

2006

1

5.9

2005

4

23.5

Saudade

17

Tristeza

15

Choque

14

Abandono

13

Angústia

12

Desamparo

11

Solidão

10

Evitamento

9

Revolta

7

Incredibilidade

6

Aceitação

5

Ansiedade

4

Dúvida

1

Impotência

1

DISCUSSÃO No que diz respeito à caraterização da amostra, é constituída por 17 familiares enlutados de idosos que se suicidaram, no período compreendido entre 2005 a 2011. O ano com mais casos notificados foi 2010, com cinco casos, seguidamente de 2005 com quatro casos, 2009 e 2011 com três casos, respetivamente, e 2006 e 2007 com um caso notificado. Em termos da variável idade dos familiares enlutados, esta variou dos 35 aos 72 anos, cuja idade média foi de 59 anos. É uma amostra com predominância do género feminino e do estado civil viúvo. Dos familiares viúvos, seis vivem sozinhos, tendo ajuda do(s) filho(s) que, na maioria dos casos vive distante, noutro distrito ou mesmo país. Ainda dos familiares viúvos, sete são mulheres, ou seja, esposas do suicida. A idade, o género e o estado civil são considerados fatores sociais e demográficos precipitantes dos comportamentos suicidários (SPS, 2008). No que se refere ao género, como fator de vulnerabilidade para o suicídio em idosos, os estudos identificam o sexo masculino como tendo maior probabilidade para a manifestação desse comportamento (Cattell, 2000; Quan, Arboleda-Flórez, Flick, Stuart, Love, 2002; Lamprecht, Pakrasi; Gash; Swann, 2005). Pode-se referir que, na amostra da Cova da Beira, houve uma maior representatividade do meio rural com 11 familiares. De acordo com os dados obtidos na revisão teórica a respeito da epidemiologia, verifica-se que na Cova da Beira existe um predomínio do meio rural.

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Quanto ao nível de escolaridade da amostra, o ensino primário é predominante em seis casos, seguindo-se o nível secundário e universitário em três casos e, dois casos cujo ensino é o preparatório. Duas pessoas não frequentaram a escola e uma não completou o ensino primário. No que se refere à presença de doenças, 10 familiares de suicidas têm doenças crónicas. As doenças crónicas mais referidas foram a depressão, os problemas osteoarticulares e cardíacos. Pires et al. (2009) consideram a depressão como um aspeto predisponente ao comportamento suicidário, na faixa etária dos idosos. No que diz respeito à religiosidade, 15 familiares responderam ter religião, sendo a religião católica a que predomina. Apenas um familiar é testemunha de Jeová. Destaca-se a religião como fator protetor da amostra. Na amostra, o método mais utilizado pelo idoso suicida foi o enforcamento, ocorrendo em 12 casos, dos quais cinco ocorreram em casa. Em relação aos restantes, houve dois casos por afogamento fora de casa e dois casos de atropelamento na linha férrea. Estes dados vêm ao encontro do registado para a população portuguesa onde o enforcamento é o método mais comum. No que diz respeito à figura de referência quando os familiares dos suicidas precisam de ajuda são os filhos os mais procurados (seis casos) contudo, outras pessoas foram referidas tais como, o padre, linha de atendimento Saúde 24, o psicólogo. Salienta-se aqui o papel preponderante da família na pósvenção. Os técnicos de saúde são pouco referenciados pelos familiares que constituem a amostra, o que enfatiza a importância da rede de suporte social. Pode-se visualizar a importância de que se reveste cada variável para o familiar enlutado num comportamento suicida. Verifica-se a predominância de alguns fatores de proteção, nesta amostra, nomeadamente o suporte social e familiar, crenças culturais e religiosas (Department of Health and Human Services [DHHS], 1999). Ainda no que diz respeito à caraterização da amostra, em termos de resultados obtidos através dos instrumentos de investigação aplicados, chega-se à conclusão que em relação ao LC existem 12 familiares num processo de LC, cujas dificuldades mais sentidas são as dificuldades de separação, seguidas das dificuldades de negação e revolta e das dificuldades traumáticas. As restantes dimensões (depressivas e psicótica) estão presentes, contudo em menor percentagem. Apesar das suas particulares caraterísticas vinculativas, laços afetivos inatos criados unidirecionalmente, pela familiaridade e proximidade com as figuras parentais é perante uma perda que um desequilíbrio pode, de fato, acontecer (Bowlby 1980; Sanders, 1999). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 22

Encontramos as respostas para este possível desequilíbrio na reação individual de cada membro, no seu modo particular de reagir e lidar com a perda. Assim, não é só o impacto da perda, normalmente intenso e prolongado, mas também as suas consequências não reconhecidas pelo sistema familiar que podem levar à rutura no equilíbrio familiar (Brown, 1989). Prigerson et al., (1995) salientam que os sintomas de LC predizem, a longo prazo, uma incapacidade funcional de adaptação. Existe um conjunto de fatores que fazem com que o luto seja mais duradouro do que seria de esperar. No caso da GDS-30, verifica-se a presença de depressão grave em quatro familiares, e depressão ligeira noutros 4 familiares e nos restantes verifica-se ausência de depressão. Contrapondo com a literatura os resultados obtidos na amostra, há perdas tão significativas ou traumáticas que podem nunca chegar a ser totalmente resolvidas, resultando em processos de depressão grave (Prigerson et al., 1995). Os resultados mostram, concomitantemente que, quanto maior é a sintomatologia depressiva, maior era também a autoperceção de solidão e menor era a autoperceção de saúde. No que diz respeito à ESSS, ou seja, ao suporte social percebido para a saúde, bemestar, qualidade de vida e mal-estar, com várias dimensões SA (satisfação com os amigos), IN (intimidade), SF (satisfação com a família), e AS (atividades sociais), apenas cinco familiares apresentam uma perceção mais baixa de suporte social, cujo resultado mínimo é de 31, apresentando as restantes famílias maior suporte social, cujo resultado máximo é de 68. Fica a dúvida se é devido ao meio rural, o que necessitaria de um estudo para se poder correlacionar variáveis.No que se refere à Escala de Apgar, ou seja, a funcionalidade familiar, nove famílias apresentam-se altamente funcionais, seis com uma disfunção leve e duas com uma disfunção severa. Os dados nesta escala encontram-se em consonância com os dados obtidos através da aplicação da escala ESSS, pelo que pode-se afirmar que não houve falsas respostas. Também se pode salientar, tal como é referido na revisão teórica, a importância dos laços, da estrutura e do suporte social e familiar. No que diz respeito ao estudo qualitativo do agregado familiar, mais particularmente em relação às vivências por parte dos familiares de idosos que se suicidaram, verificou-se que a saudade foi a vivência referida pela totalidade dos familiares suicidas. Seguidamente foram referidas vivências como a tristeza, o choque, o abandono, a angústia, o desamparo, a solidão, o evitamento, a revolta, a incredibilidade, a aceitação, a ansiedade, a dúvida e a impotência.


Estas vivências podem ser salientadas pelos seguintes relatos dos familiares suicidas: “no geral afetou tudo, há momentos em que não acredito e estou à espera que ele chegue”; “sinto-me cada vez pior, fiquei mais nervosa, sinto-me angustiada, fiquei com a imagem dele enforcado, tenho pesadelos durante a noite, não consegui ir ao funeral, não consigo ir a casa”; “não há palavras que expliquem”; “reagi com tristeza”; “sinto muito a falta dele, foi uma grande perda”; senti-me e sinto-me como se tivesse perdido muitos anos da minha vida”; “o mundo parece que tinha desabado para mim”; “é algo que fica para o resto da vida e que nunca se esquece, é uma revolta”. Os resultados da amostra focalizam alguns dos resultados pesquisados na revisão teórica, nomeadamente em que, Jordan e McIntosh (2011), propuseram vários níveis de reação ao luto, tais como a tristeza e o desejo de se reunir com o falecido, o choque e a sensação de irrealidade sobre a morte. Para além destas reações comuns, os sobreviventes de suicídio vivenciam caraterísticas que parecem ser únicas do luto por suicídio como, a raiva do falecido em “escolher” a morte sobreposta à vida (que na amostra traduziu-se pela vivência de revolta) e o sentimento de abandono. A análise de conteúdo realizada também vai ao encontro dos estudos que Boelen, Bout e Hout (2003) realizaram a respeito da relação entre cognições negativas e os problemas emocionais após o luto, com o intuito de adquirirem um maior conhecimento acerca dos mecanismos psicológicos subjacentes que estão envolvidos no desenvolvimento e persistência dos problemas emocionais em que, apesar da perda de uma pessoa amada ser geralmente considerada como um dos acontecimentos de vida mais stressantes que a pessoa pode experimentar, a maioria dos indivíduos recuperam da perda sem ajuda profissional. Porém, algumas pessoas não recuperam e experimentam alterações constantes na saúde mental. Os problemas comummente observados incluem depressão, sintomas da perturbação de pós-stresse traumático e outras perturbações ansiosas e sentimentos de culpa. CONCLUSÕES (Implicações para a Prática Clínica) Indo ao encontro do objetivo inicialmente proposto, conhecer as vivências sentidas pelos familiares no processo de luto dos idosos que se suicidaram, pode-se referir que os familiares enlutados da amostra estudada vivenciaram sentimentos de solidão, desamparo, incredibilidade, abandono, angústia, tristeza, choque e saudade do falecido.

A amostra apresentou alguns fatores de proteção, nomeadamente o meio rural, a religião, a rede de suporte familiar e social, a ausência de hábitos alcoólicos e outros consumos. Contudo, a amostra, revelou também ter alguns fatores de risco, nomeadamente o isolamento, a solidão, a angústia, a noção de abandono, assim como, apresentou níveis elevados de LC e depressão. O acompanhamento desta população de forma sistematizada, com proximidade e promovendo a sua acessibilidade aos cuidados de saúde poderia prevenir comportamentos suicidários no futuro. O reforço da rede de suporte social, fator protetor identificado, poderia também ser ajustado para esta população. Desta forma, é importante pensar e agir na promoção, intervenção e pósvenção e, somente será possível, com um conhecimento profundo da sociedade e dos seus eventos de vida. O papel dos técnicos de saúde na identificação precoce de sinais de risco, encaminhamento e intervenção terapêutica nos contextos comunitários e hospitalares é determinante para a redução de suicídios. Assim, a resposta a este problema implica interações multissetoriais, multiculturais e multiprofissionais onde deve mobilizar técnicos a trabalhar em contextos de saúde pública e hospitalar, com ações direcionadas para o indivíduo, família e comunidade. Torna-se fundamental definir um plano de prevenção do suicídio para cada região de acordo com o padrão de suicidalidade, adequar os planos de intervenção, nomeadamente na identificação de casos de risco, da desesperança, a formulação de protocolos com as forças de segurança, assim como, se evidencia a necessidade de existirem meios de diagnóstico adequados à faixa etária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Berman, A. L. (2011). Estimating the population of survivors of suicide: Seeking an evidence base. Suicide and Life-Threatening Behavior (41), 110-116. Boelen, P. A., Bout J., & Hout, M. A. (2003). The role of cognitive variables. In psychological functioning after the death of a first degree relative. Behaviour Research and Therapy (41), 1123-1136. Bowlby, J. (1980). Attachment and loss, vol. 3: Loss, sadness and depression. New York: Basic Books. Brown, F. H. (1989). The Impact of Death and Serious Illness on the Family Life Cycle. In Carter & MacGoldrick (Eds.), The Changing Family Life Cycle (2nd ed.). Boston: Allyn and Bacon. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 23


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Artigo de Investigação

OS MUITO IDOSOS: AVALIAÇÃO DA FUNCIONALIDADE NA ÁREA DE SAÚDE MENTAL | Rogério Rodrigues1; Luís Loureiro2; Sandrina Crespo3; Cristiana da Silva4; |

RESUMO CONTEXTO: A abordagem da saúde mental no contexto do envelhecimento é complexa, pois a sua manutenção resulta de fatores socioeconómicos, habilitações literárias, género, idade e saúde física. É essencial reconhecer a sua importância para a qualidade de vida do idoso e integrar este aspeto na avaliação geriátrica. OBJETIVO: Avaliar a capacidade funcional na área de saúde mental dos indivíduos com idade ≥75 anos do concelho de Coimbra. METODOLOGIA: Estudo quantitativo e descritivo, com uma amostra aleatória estratificada por sexo, ano de nascimento e área de residência, de 1153 indivíduos com idade ≥75 anos. O instrumento de recolha de dados foi o Questionário de Avaliação Funcional Multidimensional para Idosos. RESULTADOS: Verifica-se que os homens do grupo etário 75-84 anos apresentam melhores resultados no Short Portable Mental Status Questionnaire e no Short Psychiatric Evaluation Schedule. As mulheres e os indivíduos com idade ≥85 anos referiram pior autoavaliação e maior perceção de agravamento do seu estado mental. CONCLUSÃO: Na área de saúde mental destaca-se que as mulheres e os indivíduos mais idosos (≥85 anos) apresentam, tendencialmente, piores classificações. Face aos resultados descritos torna-se evidente a necessidade de uma avaliação multidimensional da pessoa idosa, englobando também a área da saúde mental, e a integração de serviços de saúde mental no âmbito dos cuidados de saúde primários. PALAVRAS-CHAVE: Envelhecimento; Saúde mental; Avaliação geriátrica

RESUMEN

ABSTRACT

“Los muy ancianos: Evaluación funcional en el área de salud mental”

“The oldest old: Functional evaluation in mental health area”

MARCO CONTEXTUAL: El enfoque en salud mental en el contexto del envejecimiento es complejo porque depende de factores socioeconómicos, nivel educativo, género, edad y salud física. Es esencial reconocer su importancia para la calidad de vida de las personas mayores e integrar este aspecto en la evaluación geriátrica. OBJETIVO: Evaluar la capacidad funcional en la salud mental de la población ≥75 años de Coimbra. METODOLOGÍA: Estudio cuantitativo y descriptivo, con muestra aleatoria estratificada por género, edad y lugar de residencia, de 1153 individuos. Se utilizó el Questionário de Avaliação Funcional Multidimensional para Idosos. RESULTADOS: Se denota que los hombres en el grupo de edad de 75-84 años tienen mejores resultados en el Short Portable Mental Status Questionnaire y Short Psychiatric Evaluation Schedule. Las mujeres y las personas de edad ≥ 85 años reportaron peor autoevaluación y una mayor percepción de deterioro de su estado mental. CONCLUSIÓN: En la salud mental se resalta que las mujeres y los sujetos de edad avanzada (≥ 85 años) presentan, tendenciosamente, calificaciones peores. Teniendo en cuenta los resultados descritos, es evidente la necesidad de una evaluación multidimensional de la persona mayor que también abarque el ámbito de la salud mental y la integración de los servicios de salud mental en la atención primaria de salud.

THEORETHICAL FRAMEWORK: The approach to mental health in the context of ageing is complex because its maintenance results of socio-economic factors, qualifications, gender, age and physical health. It is essential to recognize its importance to elderly’s quality of life and integrate that aspect in geriatric evaluation. OBJECTIVE: To assess the functional status in mental health of individuals aged 75 years old or more of Coimbra. METHODOLOGY: Quantitative and descriptive study. The randomized sample was stratified by gender, age and place of residence and it is composed by 1153 individuals. The questionnaire used was Questionário de Avaliação Funcional Multidimensional para Idosos. RESULTS: Men of the age group 75-84 have better results in the Short Portable Mental Status Questionnaire and in the Short Psychiatric Evaluation Schedule. Women and individuals aged ≥ 85 years old reported worse self-assessment and greater perception of deterioration in their mental state. CONCLUSION: In mental health, it is emphasized that women and older individuals (≥ 85 years) have, tendentiously, worse ratings. Given the results described the need of a multidimensional assessment of the elderly is evident. Mental health area and the integration of mental health services within primary health care are to be encompassed too.

DESCRIPTORES: Envejecimento; Salud mental; Evaluación geriátrica

KEYWORDS: Aging; Mental health; Geriatric assessment Submetido em 23-09-2014 Aceite em 30-11-2014

1 Doutor em Ciências de Enfermagem; Investigador na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem; Professor Adjunto na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade Científico-Pedagógica de Enfermagem de Saúde Pública, Familiar e Comunitária, Avenida Bissaya Barreto, Coimbra, Portugal, rogerio@esenfc.pt 2 Doutor em Saúde Mental; Professor Adjunto na ESEC, Unidade Científico-Pedagógica de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, Coimbra, luisloureiro@esenfc.pt 3 Licenciada em Enfermagem; Bolseira de Investigação na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Coimbra, Portugal, sandrina@esenfc.pt 4 Licenciada em Enfermagem; Bolseira de Investigação na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Coimbra, Portugal, cfribeiro@esenfc.pt Citação: Rodrigues, R. M. C., Loureiro, L. M. J., Crespo, S. S. S., & Silva, C. F. R. (2014). Os muito idosos: Avaliação da funcionalidade na área de saúde mental. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (12), 25-33. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 25


INTRODUÇÃO O envelhecimento populacional é um fenómeno global que assenta no aumento da esperança média de vida e na diminuição das taxas de fertilidade (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2011). Em Portugal, o número de idosos também tem vindo a aumentar, quer em termos absolutos quer em termos relativos (Ferreira, Rodrigues, e Nogueira, 2006), refletindo a diminuição da natalidade, o aumento da longevidade e, mais recentemente, o crescimento dos fluxos emigratórios da população ativa (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2013). O índice de envelhecimento é, atualmente, de 131 pessoas idosas (≥65 anos) por cada 100 jovens (0-14 anos), sendo a esperança média de vida de 79,8 anos (INE, 2013). Este fenómeno é mais acentuado nas mulheres, refletindo a sua maior longevidade (INE, 2013). O número e proporção dos muitos idosos (≥85 anos) tem vindo a aumentar, constituindo cerca de 12,0% da população nos países desenvolvidos e sendo, em alguns países, a faixa etária com crescimento mais rápido (OMS, 2011). Estes indivíduos apresentarão maior risco de incapacidade na área de saúde mental sendo um foco relevante de estudo e intervenção. A saúde mental pode ser definida como um “estado de bem-estar em que o indivíduo tem perceção do seu próprio potencial, consegue lidar com o stresse diário, trabalhar produtivamente e contribuir para a sua comunidade” (OMS, 2014, p. 2). A saúde mental da pessoa idosa relaciona-se tanto com as suas experiências passadas, como com o contexto específico do envelhecimento e o período pós-reforma e está intimamente relacionada com fatores como o estatuto socioeconómico, habilitações literárias, género, etnia, idade e saúde física (OMS & Fundação Calouste Gulbenkian [FCG], 2014). Cerca de 20,0% dos adultos com mais de 60 anos sofrem de um problema de saúde mental, ou neurológico, sendo os mais prevalentes a depressão e a demência (OMS, 2013). A depressão é uma doença que se pode tornar muito incapacitante, impossibilitando os idosos de realizar as suas atividades de vida diária (AVD) e é frequentemente subdiagnosticada. A sua deteção precoce, com tratamento eficaz e personalizado, otimizaria os ganhos em saúde na população idosa (Lima, Silva, e Ramos, 2009).

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A demência é uma síndrome caraterizada por declínio na memória, pensamento e comportamento, concomitante com a incapacidade para realizar as AVD de forma autónoma, e afeta sobretudo a população idosa (OMS, 2013). Deve dar-se especial atenção ao declínio cognitivo ligeiro, com uma prevalência estimada de 3,0 a 17,0%, que constitui um estágio de transição entre as alterações cognitivas normais do envelhecimento e um estágio inicial de demência, pelo que poderá ser um foco relevante de intervenção precoce, prevenindo situações de declínio cognitivo mais graves (Costa e Sequeira, 2013). A depressão e o declínio cognitivo estão muito frequentemente interrelacionados. No estudo de Lima et al. (2009), a prevalência de depressão foi significativamente maior nos idosos com função cognitiva alterada e naqueles mais dependentes fisicamente. Estes problemas estão subidentificados, especialmente nos idosos, pois o estigma permanentemente associado à doença mental funciona como um obstáculo à procura de ajuda (OMS, 2013). Ao analisar as diferenças de género os estudos demonstram que as mulheres apresentam pior saúde mental do que os homens. Sendo que, os problemas de saúde mental nos homens estão mais relacionados com doenças crónicas, enquanto nas mulheres estão mais relacionados com os fatores sociais (OMS & FCG, 2014). Nas diferenças entre grupo etário, observa-se que há um aumento do risco de incidência de depressão com o avançar da idade tanto para homens como para mulheres (OMS & FCG, 2014). Os problemas relacionados com a saúde mental, particularmente a depressão, estão associados a um maior risco de morbilidade, negligência no autocuidado e, inclusivamente, maior risco de suicídio. A depressão pode, ainda, funcionar como impulsionadora de doenças crónicas, tal como inversamente, as doenças crónicas podem agravar os sintomas depressivos (Cavaleiro, Queirós, Azeredo, Apóstolo, e Cardoso, 2013). Similarmente, a disfunção cognitiva poderá levar a dificuldades na tomada de decisão e na realização de tarefas, traduzindo-se numa redução das relações sociais e aumentando a propensão para o isolamento e depressão (Figueiredo, Assis, Silva, Dias, e Mancini, 2013). Neste contexto, desenvolveu-se em Coimbra um projeto com o intuito de avaliar as áreas funcionais de recursos sociais, recursos económicos, saúde mental, saúde física e AVD, e a utilização e necessidade sentida de serviços de saúde e de apoio social, pelos indivíduos com idade igual ou superior a 75 anos.


METODOLOGIA Tipo de Estudo Trata-se de um estudo quantitativo de tipo descritivo e correlacional, realizado no concelho de Coimbra, no âmbito do projeto de investigação Os muito idosos: estudo do envelhecimento em Coimbra (PTDC/CSSOC/114895/2009). População e Amostra A população alvo é constituída pelos utentes com idade ≥75 anos (a 31 de dezembro de 2011) inscritos e residentes na área geográfica dos seis centros de saúde do concelho de Coimbra, pertencentes ao Agrupamento de Centros de Saúde Baixo Mondego. Englobava 16474 indivíduos tendo sido obtida uma amostra (aleatória simples, estratificada por sexo, ano de nascimento e área de residência) de 1153 participantes, correspondendo a 7,0% da população. Procedimento para a Recolha de Dados O primeiro contacto com os participantes foi realizado pelo seu Enfermeiro. Caso este se mostrasse disponível, era contactado pelo investigador e agendada a entrevista. A fase de recolha de dados decorreu de junho de 2012 a outubro de 2013. As entrevistas ocorreram, preferencialmente, no domicílio mas também no centro de saúde de acordo com a preferência do entrevistado, com uma duração média de 47 minutos. Caraterização da Amostra A amostra é constituída por 422 participantes do sexo masculino e 731 do feminino. Quanto ao grupo etário é constituída por 814 indivíduos de 75-84 anos e 339 com ≥85 anos. O estado de solteiro foi referido maioritariamente por mulheres (10,1% do sexo feminino e 1,4% do sexo masculino), enquanto a percentagem de homens casados é superior (76,1% e 33,9%, respetivamente). A situação de viúvo é mais frequente nas mulheres (52,5% e 20,6%, respetivamente). Não sabiam ler nem escrever 8,8% dos homens e 26,0% das mulheres. Detinham o ensino básico primário, 51,4% dos homens e 45,6% das mulheres, e o ensino superior 9,5% dos homens e 6,0% das mulheres. Para estas variáveis, a diferença entre sexo, e grupo etário, são significativas (p<0,001).

Instrumento de Recolha de Dados O instrumento utilizado foi o Questionário de Avaliação Funcional Multidimensional para Idosos (QAFMI), versão portuguesa do Older Americans Resources and Services (OARS). O QAFMI é composto por duas partes: a A avalia a funcionalidade nas áreas de recursos sociais, recursos económicos, saúde mental, saúde física e AVD; a B recolhe informação sobre a utilização e necessidade sentida, nos últimos seis meses, de 23 serviços. A avaliação da saúde mental inclui: o Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ) que avalia o défice da função cognitiva, determinando se o idoso é idóneo para responder ou se é necessário recorrer a um informante; o Short Psychiatric Evaluation Schedule (SPES) para identificação de sintomas psiquiátricos; e a autoavaliação da saúde mental. O SPES é composto por 15 perguntas (resposta sim ou não) e avalia quatro fatores (satisfação com a vida; perturbação do sono; energia; e paranoia). O modelo QAFMI/OARS de pontuação permite a agregação desta informação, sintetizando-a numa escala que classifica o indivíduo em função da existência de sintomas psiquiátricos desde não significativos a sintomas psiquiátricos graves. A partir destes parâmetros é definido o padrão de funcionalidade de cada participante, pontuando-o de 1 a 6, que corresponderá a excelente, boa, limitação pequena, limitação moderada, limitação grave e limitação total (Ferreira et al., 2006). Tratamento Estatístico dos Dados Os dados obtidos foram processados no programa informático SPSS® versão 22.0 (Statistical Package for the Social Sciences) do Windows, tendo-se recorrido à estatística descritiva e inferencial. Considerações Ético-legais O estudo foi autorizado pela Administração Regional de Saúde do Centro, e obteve parecer positivo da Comissão Nacional de Proteção de Dados (autorização Nº1713/2012) e da Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (parecer Nº 90-05/2012). Foi obtido o consentimento informado dos participantes.

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RESULTADOS Para a análise às respostas ao SPMSQ calculou-se o número de erros, criando-se dois grupos (<5 erros; ≥ 5 erros). A análise foi efetuada por grupo etário e sexo recorrendo ao teste de qui-quadrado (opção three-way). Para avaliar o sentido da relação, nos casos em que os testes apresentavam significância estatística (p<0,05), calcularam-se os resíduos ajustados estandardizados, assim como, a medida de associação correspondente (ϕ), para caracterizar a “força” da associação na tabela de 2x2. Como se pode observar na tabela 1, relativamente à distribuição dos erros por sexo e grupo etário, as diferenças encontradas nos três testes realizados são estatisticamente significativas (p<0,001), sendo o valor das medidas de associação modestos. A leitura da tabela mostra, recorrendo aos resíduos ajustados estandardizados por célula que as maiores diferenças entre frequências observadas e esperadas se situam a nível do género masculino do seguinte modo: idade de 75-84 anos e <5 erros, e idade ≥85 anos com um nível ≥5 erros. Este sentido da relação mantem-se nas tabelas seguintes, querendo significar que é mais provável encontrar a ocorrência de menos de cinco erros nas idades de 75-84 anos. Tabela 1 - Distribuição absoluta e percentual dos erros em função do grupo etário por sexo dos participantes. Inclui testes de diferença de proporções do qui-quadrado (opção three-way)

Como se pode observar na tabela 2, no grupo 75-84 anos encontramos diferenças estatisticamente significativas (p<0,001), em termos de distribuição do grau de sintomatologia em função do sexo, sendo o valor da medida de associação modesto (VC=0,28). Uma leitura mais atenta permite-nos verificar que os sintomas graves, evidentes e ligeiros estão mais presentes nas mulheres, comparativamente aos homens cuja sintomatologia não é significativa. Diferenças significativas (p<0,001) são também encontradas ao nível da distribuição conjunta das duas variáveis, mas tendo agora em análise apenas o grupo etário com idade ≥85 anos. Neste caso, os homens voltam a manifestar sintomas não significativos, enquanto nas mulheres são mais preponderantes os sintomas evidentes. Quando analisada a distribuição dos sintomas e sexo dos participantes, mas tomando a amostra global (não dividindo em termos de grupos etários), o padrão da distribuição é idêntico ao grupo 75-84 anos, sendo que as mulheres apresentam sintomas leves, evidentes e graves, enquanto os homens sintomas não significativos. O valor da medida de associação também é modesto. Tabela 2 - Distribuição da categorização dos sintomas psiquiátricos em função do sexo, por grupo etário. Inclui resultados do teste de diferença de proporções do qui-quadrado (χ2) e medida de associação V de Cramer (VC) Sintomas

Erros Sexo por grupo etário

< 5 erros

≥ 5 erros

Total

χ

Masculino 75-84 307 (78,5)* ≥85 84 (21,5) Total 391

13 (41,9) 18 (58,1)* 31

320 (75,8) 20,971 (p<,001) 102 (24,2) (ϕ=,223) 422

Feminino 75-84 ≥85 Total

441 (72,5)* 167 (27,5) 608

53 (43,1) 70 (56,9)* 123

494 (67,6) 40,479 (p<,001) 237 (32,4) (ϕ=,235) 731

748 (74,9)* 251 (25,1) 999

66 (42,9) 88 (57,1)* 154

814 (70,6) 65,898 (p<,001) 339 (29,4) (ϕ=,239) 1153

Total 75-84 ≥85

*Célula com valor de resíduo ajustado estandardizado ≥1.96

Para avaliar a distribuição das respostas ao SPES os sintomas psiquiátricos foram categorizados em quatro grupos (sintomas graves, evidentes, leves e não significativos), em função do sexo e grupos etários. Procedeuse ao cálculo do teste do qui-quadrado para comparação de proporções (χ2), incluindo a medida de associação V de Cramer (VC). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 28

Graves

Evidentes

Leves

Não significativos

Total

75-84 anos[A]

Masculino Feminino Total

9 (2,9) 56 (11,8)* 65 (8,2)

26 (8,3) 90 (18,9)* 116 (14,7)

52 (16,7) 115 (24,2)* 167 (21,2)

225 (72,1)* 215 (45,2) 440 (55,8)

312 476 788

≥85 anos[B]

Masculino Feminino Total

5 (5,6) 20 (9,4) 25 (8,3)

3 (3,3) 48 (22,5)* 51 (16,8)

25 (27,8) 68 (31,9) 93 (30,7)

57 (63,3)* 77 (36,2) 134 (44,2)

90 213 303

Global[C]

Masculino Feminino Total

14 (3,5) 76 (11,0)* 90 (8,2)

29 (7,2) 138 (20,0)* 167 (15,3)

77 (19,2) 183 (26,6)* 260 (23,8)

282 (70,1)* 292 (42,4) 574 (52,6)

402 689 1091

* Resíduos ajustados estandardizados >1,96; [A]χ2(3)= 61,835;p=0,000; VC =0,28; [B] χ2(3)= 87,823;p=0,000; VC =0,29; [C]χ2(3)=87,823;p=0,000; VC =0,28 Nota: por questões de apresentação gráfica, a variável dependente (sintomas psiquiátricos) surge apresentada em coluna.

No sentido de verificar como se distribuem as respostas às dimensões paranoia, energia, perturbação do sono, satisfação com a vida e não integrado, em função do sexo e incluindo na análise os grupos etários em separado e no total, procedeu-se ao cálculo do teste de comparação de proporções (teste z) com correção de Bonferroni, a partir do procedimento multiple response table do SPSS.


Da leitura da tabela 3 podemos verificar que nos itens relativos ao fator paranoia, apenas no item vontade de fugir de casa, as mulheres apresentam uma frequência maior, comparativamente aos homens, e esta diferença observa-se apenas no grupo 75-84 anos. No fator energia as diferenças significativas (p<0,05) observam-se nos seguintes itens: período em que não podia mais (tanto no grupo 75-84 anos, como no grupo ≥85 anos, sendo comparativamente superior nas mulheres); sente que não serve para nada (no grupo ≥85 anos); sente-se muitas vezes fraco (sendo em ambos os grupos superior nas mulheres); dificuldade em manter o equilíbrio (superior para ambos os grupos nas mulheres); palpitações e falta de ar (superior nas mulheres no grupo 75-84 anos); e bem a maior parte do tempo (item de interesse com contagem não, sendo em ambos os grupos superior nas mulheres). No fator perturbações do sono, apenas se observam diferenças significativas no item acordar fresco e descansado (item de interesse com contagem não) no grupo 75-84 anos, sendo superior nas mulheres. No fator satisfação com a vida, não se observam diferenças com significado estatístico em nenhum dos itens. No item não integrado, podemos verificar que as dores de cabeça surgem com maior frequência nas mulheres para ambos os grupos.

No que respeita à autoavaliação feita pelos idosos relativamente à sua saúde mental, podemos observar a partir da tabela 4, diferenças estatisticamente significativas nos três testes realizados, quer analisando a associação entre autoavaliação da saúde mental e sexo, diferenciando o grupo etário, quer ainda no global da amostra. Os valores das medidas de associação obtidas revelamse modestos nos três casos. Da análise do sentido das relações obtidas, podemos constatar que no grupo 75-84 anos, a autoavaliação da saúde como ótima e boa surge, mais do que o expectável, nos homens, enquanto nas mulheres a autoavaliação recai nas categorias razoável e má. No grupo etário com idade ≥85 anos observamos que os homens se autoavaliam mais do que o expectável na ótima e as mulheres na má. Quando analisados o global da amostra em termos de sexo e autoavaliação, a perceção da saúde mental dos homens tende a estar associada à ótima e boa e as mulheres à razoável e má.

Tabela 3 - Distribuição absoluta e percentual das respostas aos itens da saúde mental em função do sexo dos participantes (por grupo etário). Inclui teste z de comparação de proporções ajustado para comparações múltiplas pelo procedimento de Bonferroni

Grupo etário (anos) Itens Vontade de fugir de casa (sim) - PAR Ninguém o compreende (sim) - PAR Período em que não podia mais (sim) - ENE Sono irregular e inquieto (sim) – PER-S Trama contra si (sim) - PAR Sente que não serve para nada (sim) - ENE Muitas vezes fraco (sim) - ENE Dores de cabeça (sim) – N-INT Dificuldade em manter o equilíbrio (sim) - ENE Palpitações e falta de ar (sim) - ENE Só a maior parte das vezes (sim) – S-VID Acorda fresco e descansado (não) – PER-S Vida interessante (não) - S-VID Feliz maior parte do tempo (não) - S-VID Bem a maior parte do tempo (não) - ENE

75-84 Masculino (A) Feminino (B) 11 (19.0) 47 (81,0)A 53 (31.2) 117 (68,8) 25 (27.1) 90 (78,3)A 126 (31.8) 270 (68,2) 14 (35.0) 26 (65,0) 76 (30.8) 171 (69,2) 71 (27,1) 191 (72,9)A 74 (24,3) 230 (75,7)A 90 (29,8) 212 (70,2)A 35 (18,0) 159 (82,0)A 3 (15,8) 16 (84,2) 69 (25,7) 199 (74,3)A 71 (30,7) 160 (69,3) 46 (26,9) 125 (73,1) 67 (26,8) 183 (73,2)A

≥85 Masculino (A) Feminino (B) 1 (12,5) 7 (87,5) 16 (23,2) 53 (76,8) 5 (10,2) 44 (89,8)A 43 (29,5) 103 (70,5) --- (0,0)# 2 (100,0) 35 (21,1) 131 (78,9)A 21 (15,2) 117 (84,8)A 20 (17,9) 92 (82,1)A 46 (23,4) 151 (76,6)A 8 (16,0) 42 (84,0) --- (0,0)# 1 (100,0) 22 (21,8) 79 (78,2) 27 (21,3) 100 (78,7) 15 (20,5) 58 (79,5) 19 (17,1) 92 (82,9)A

Legenda: PAR (Paranoia); ENE (Energia); PER-S (Perturbação do sono); N-INT (Não integrado); S-VID (satisfação com a vida) #teste não realizado por não existência de casos em um dos grupos Nota: nos casos em que as diferenças são estatisticamente significativas, estas são assinaladas com uma letra que aparece sobreposta na célula com maior valor percentual

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 29


Tabela 4 - Distribuição das respostas da perceção da saúde mental em função do sexo, por grupo etário. Inclui resultados do teste de diferença de proporções do qui-quadrado (χ2) e medida de associação V de Cramer (VC)

75-84 anos[A]

≥85 anos[B]

Global[C]

Masculino Feminino Total Masculino Feminino Total Masculino Feminino Total

Ótima 54 (16,9)* 42 (8,5) 96 (11,8) 16 (15,7)* 18 (7,6) 34 (10,0) 70 (16,6)* 60 (8,2) 130 (11,3)

Autoavaliação da saúde mental Boa Razoável Má 146 (45,6)* 109(34,1) 5 (1,6) 172 (34,8) 232 (47,0)* 29 (5,9)* 318 (39,1) 341 (41,9) 34 (4,2) 35 (34,3) 35 (34,3) 3 (2,9) 69 (29,1) 107 (45,1) 22 (9,3)* 104 (30,7) 142 (41,9) 25 (7,4) 181 (42,9)* 144 (34,1) 8 (1,9) 241 (33,0) 339 (46,4)* 51 (7,0)* 422 (36,6) 483 (41,9) 59 (5,1)

NS/NR 6 (1,9) 19 (3,8) 25 (3,1) 13 (12,7) 21 (8,9) 34 (10,0) 19 (4,5) 40 (5,5) 59 (5,1)

Total 320 494 814 102 237 339 422 731 1153

* Resíduos ajustados estandardizados >1,96 [A]χ2(4)= 36,151;p=0,000;VC=0,21; [B]χ2(4)= 12,243;p=0,016; VC =0,19; [C]χ2(4)= 47,436;p=0,000; VC =0,20 Nota: por questões de apresentação gráfica, a variável dependente (sintomas psiquiátricos) surge apresentada em coluna.

No que concerne à perceção da saúde mental comparativamente com há cinco anos atrás (tabela 5), os resultados dos testes revelam diferenças significativas nos diferentes grupos etários e no total da amostra, sendo que o sentido da relação é semelhante nos três casos, isto é, os homens a considerarem-na igual, enquanto as mulheres pior. Também neste caso os valores das medidas de associação são modestos, ainda que os testes apresentem significado estatístico. Tabela 5- Distribuição das respostas da autoavaliação da saúde mental retrospetivamente (há cinco anos) em função do sexo, por grupo etário. Inclui resultados do teste de diferença de proporções do qui-quadrado (χ2) e medida de associação V de Cramer (VC) Autoavaliação da saúde mental (comparado com há 5 anos) Melhor

Igual

Pior

NS/NR

Total

75-84 anos[A]

Masculino Feminino Total

3 (0,9) 7 (1,4) 10 (1,2)

179 (55,9)* 153 (31,0) 332 (40,8)

131 (40,9) 315 (63,8)* 446 (54,8)

7 (2,2) 19 (3,8) 26 (3,2)

320 494 814

≥85 anos[B]

Masculino Feminino Total

1 (1,0) 2 (0,8) 3 (0,9)

47 (46,1)* 71 (30,0) 118 (34,8)

42 (41,2) 142 (59,9)* 184 (54,3)

12 (11,8) 22 (9,3) 34 (10,0)

102 237 339

Global[C]

Masculino Feminino Total

4 (0,9) 9 (1,2) 13 (1,1)

226 (53,6)* 224 (30,6) 450 (39,0)

173 (41,0) 457 (62,5)* 630 (54,6)

19 (4,5) 41 (5,6) 60 (5,2)

422 731 1153

* Resíduos ajustados estandardizados >1,96 [A]χ2(3)=50,184;p=0,000; VC=0,25; [B]χ2(3)=10,390;p=0,016; VC=0,18; [C]χ2(3)= 59,485;p=0,000; VC=0,23 Nota: por questões de apresentação gráfica, a variável dependente (sintomas psiquiátricos) surge apresentada em coluna.

Relativamente ao estudo da relação entre os sintomas psiquiátricos e a autoavaliação da saúde mental procedeu-se, tal como previamente, ao cálculo do teste de χ2. Como se pode observar na tabela 6, a relação encontrada entre as variáveis é estatisticamente significativa, com um valor da medida de associação moderado. A análise dos resíduos, permitiu-nos verificar que, tendencialmente, os idosos que apresentam sintomas graves e evidentes percecionam a sua saúde mental como razoável e má, enquanto os que apresentam sintomas leves e não significativos, tendem a avaliar-se como tendo uma saúde mental ótima ou boa. Tabela 6 - Distribuição conjunta da avaliação dos sintomas psiquiátricos em função das respostas da autoavaliação da saúde mental. Inclui resultados do teste de diferença de proporções do qui-quadrado (χ2) e medida de associação V de Cramer (VC) Autoavaliação saúde mental Ótima Boa Razoável Má NS/NR Total

Sintomas Graves

Evidentes

Leves

Não significativos

Total

2 (1,5) 13 (3,1) 53 (11,0)* 21 (38,2)* 1 (25,0) 90 (8,2)

3 (2,3) 33 (7,8) 105 (21,8)* 24 (43,6)* 2 (50,0) 167 (15,3)

17 (13,1) 80 (19,0) 153 (31,8)* 9 (16,4) 1 (25,0) 260 (23,8)

108 (83,1)* 295 (70,1)* 170 (35,3) 1 (1,8) --- (0,0) 574 (52,6)

130 421 481 55 4 1091

χ2(12)= 289,530;p=0,000; VC=0,30; Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 30


Por último, os resultados obtidos nas respostas relativas à preocupação com as coisas em geral e o que acha da sua vida. Relativamente à preocupação dos idosos com as coisas (de um modo geral), a preocupação é evidente, sendo que o valor conjunto das opções sempre/quase sempre e algumas vezes representa 71,9% das respostas. Ainda assim é de salientar que 23,1% consideram nunca/quase nunca se preocupar. Quanto à perceção que os idosos têm da sua vida, 39,7% consideram-na interessante, 32,2% monótona e 22,1% aborrecida. DISCUSSÃO Ressalvamos que os dados obtidos não revelam um diagnóstico mas poderão auxiliar na identificação de sinais e sintomas psiquiátricos úteis no encaminhamento para cuidados especializados. De acordo com os autores da versão original do questionário, se o indivíduo errar mais de 5 perguntas no SPMSQ deverá ser um informante a responder ao questionário, o que implica a perda das respostas subjetivas. Contudo, de acordo com Rodrigues (2009), poderá ser necessária uma maior flexibilização tendo em conta que o número de respostas incorretas poderá resultar de outros fatores, como o baixo nível de escolaridade, e não de uma incapacidade do indivíduo para responder ao questionário, por outro lado, pode ocorrer o fenómeno contrário com a pessoa com nível de escolaridade mais elevado (Malhotra, Chan, Matchar, Seow, & Chuo, 2013). No presente estudo este aspeto foi tido em conta de forma a promover, dentro do possível, a resposta pelo próprio indivíduo e não por um informante. As mulheres, independentemente do grupo etário a que pertencem, parecem apresentar piores resultados (sintomas graves a evidentes). A referência na literatura de que as mulheres idosas apresentam um declínio cognitivo mais acentuado é uma constante, podendo ser devido à sua maior longevidade o que favorece a prevalência de problemas de saúde mental (Macedo, Cerchiari, Alvarenga, e Oliveira, 2012). Quando questionadas sobre a sua saúde mental, as mulheres voltam a avaliar-se mais negativamente do que os homens. Em termos comparativos, utilizando um horizonte temporal anterior de cinco anos, referem estar pior, comparativamente aos homens, fenómeno também observado por Silva (2014) e que poderá ser explicado pelos fatores supracitados.

Ao analisarmos as diferenças entre grupos etários observamos que os indivíduos de idade ≥85 anos apresentam piores resultados, com mais sintomatologia psiquiátrica e classificando-se pior do que os indivíduos do grupo etário mais jovem, como verificado em estudos anteriores (Lima et al., 2009; Oliveira et al., 2010; Rodrigues, 2012; Silva, 2014) e evidenciando um declínio na área de saúde mental (Rodrigues, 2009). De igual modo, o sexo, as habilitações literárias, o grupo etário, as condições habitacionais e morar acompanhado são fatores fortemente associados com o declínio cognitivo (Alvarenga, Oliveira, Faccenda, e Souza, 2011; Macedo et al. 2012). É, assim, notório que com o envelhecimento diminui a capacidade funcional na área de saúde mental e aumenta a prevalência de demências. O investimento na manutenção da saúde cognitiva, através da estimulação cognitiva é fulcral na prevenção do compromisso cognitivo e da incapacidade funcional do idoso (Apóstolo, Cardoso, Marta, e Amaral, 2011; Costa e Sequeira, 2013). CONCLUSÃO Da avaliação da saúde mental da população com mais de 75 anos do Concelho de Coimbra ressalta uma diferença significativa entre géneros, e entre grupos etários, apresentando as mulheres e os indivíduos com mais de 85 anos as piores classificações, revelando uma feminização do processo de envelhecimento e um declínio da capacidade nesta área com o avançar da idade. Face aos resultados descritos torna-se evidente a necessidade de uma avaliação multidimensional da pessoa idosa englobando a área da saúde mental e a integração de serviços de saúde mental no âmbito dos cuidados de saúde primários e das intervenções comunitárias já que a incapacidade nesta área combinada com limitações nas AVD apontam para a institucionalização ou para o intenso apoio domiciliário. Neste contexto, a promoção da saúde mental na população idosa apresenta-se como um desafio no âmbito dos cuidados de saúde e de apoio social, sendo crucial uma intervenção integrada destes setores de forma a responder às necessidades emergentes deste grupo populacional.

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IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Os resultados apresentados remetem-nos para a necessidade de desenhar intervenções que potenciem os aspetos positivos e promovam ativamente o envelhecimento. Algumas pistas para a ação passam pelo estabelecimento de programas conducentes à promoção do envelhecimento ativo. Assim, qualquer estratégia deve assentar na promoção do bem-estar físico, social e mental, com a participação e integração das pessoas idosas, para que estas possam beneficiar da proteção, segurança e de cuidados adequados. É regularmente referenciado na literatura o prejuízo e declínio cognitivo associados ao envelhecimento. Contudo, em Portugal, existe um número reduzido de estratégias e programas, para a estimulação cognitiva, fundamentais para aumentar a proteção contra a demência (podendo atrasar o seu início), prevenir a dependência e incapacidade do autocuidado (Apóstolo e Cardoso, 2014), como o caso dos programas The Meeting of the Minds programme e o The Upstream Healthy Living Centre já implementados na Nova Zelândia e em Inglaterra, respetivamente (OMS, 2004). Estes resultados poderão contribuir para o planeamento das intervenções de Enfermagem na promoção do envelhecimento ativo e saudável das comunidades, centradas nas exigências decorrentes do Plano Nacional de Saúde Mental: 2007-2016. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alvarenga, M., Oliveira, M., Faccenda O., & Souza, R. (2011). Perfil social e funcional de idosos assistidos pela estratégia da saúde da família. Cogitare Enfermagem, 16(3), 478-485. Acedido em http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/ index.php/cogitare/article/view/20944 Apóstolo, J., & Cardoso, D. (2014). Estimulação cognitiva em idosos: síntese da evidência e intervenção. In L. Loureiro (coord.), Literacia em Saúde Mental – Capacitar as pessoas e as comunidades para agir (pp. 157183). Coimbra: Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem. Apóstolo, J., Cardoso, D., Marta, L., & Amaral, T. (2011). Efeito da estimulação cognitiva em idosos. Revista de Enfermagem Referência, 3(5), 193-201.

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Fontes de Financiamento Projeto financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do Programa Operacional Factores de Competitividade (COMPETE) e por Fundos Nacionais através da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito do projeto PTDC/CSSOC/114895/2009.

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Artigo de Investigação

SABERES E FAZERES QUE INTEGRAM O ENSINO DE ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA NA PERSPECTIVA DE ENFERMEIROS DOCENTES | Jandro Cortes1; Luciane Kantorski2; Sônia Barros3; Milena Antonacci4; Fabieli Chiavagatti5; Janaina Willrich6 |

RESUMO CONTEXTO: Atualmente a prática do ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental e a própria assistência passa por grandes transformações, no contexto brasileiro. OBJETIVO: Compreender as tecnologias de cuidado e inclusão que os docentes utilizam para o ensino do cuidado em liberdade, na perspectiva da reforma psiquiátrica brasileira. METODOLOGIA: Tendo por cenário uma tradicional faculdade de enfermagem, foram sujeitos sete professores enfermeiros da área de enfermagem psiquiátrica e saúde mental, que trabalharam na perspectiva da atenção psicossocial. Trata-se de um estudo qualitativo, de caráter descritivo e exploratório, realizado a partir de entrevista semi-estruturada. RESULTADOS: Tecnologias de cuidado e conteúdos e estratégias que os docentes utilizam para o ensino do cuidado em liberdade. CONCLUSÕES: Formas de cuidado valorizando as potencialidades do território, o acolhimento, a ambiência, a formação de vínculo, a escuta, a atenção à família, tem sido objeto de estudo e de prática de ensino dos enfermeiros. PALAVRAS-CHAVE: Enfermagem; Ensino; Saúde mental; Enfermagem psiquiátrica

RESUMEN

ABSTRACT

“Conocimientos y prácticas que integran la enseñanza de la enfermería psiquiátrica en la perspectiva de los docentes de enfermeira”

“Knowledge and practices that integrate the teaching psychiatric nursing from the perspective of faculty nurses”

CONTEXTO: Actualmente la enseñanza práctica de la enfermería psiquiátrica y la propia atención de salud mental pasa por grandes transformaciones, en el contexto brasileño. OBJETIVO: Entender las tecnologías de la atención y que los profesores utilizan para enseñar el cuidado en la libertad, en la perspectiva de la reforma psiquiátrica brasileña. METODOLOGÍA: Como escenario tenía una escuela de enfermería, con siete enfermeros profesores en el área de la enfermería psiquiátrica y salud mental, trabajando desde en la perspectiva de la atención psicosocial. Se trata de un estudio cualitativo exploratorio y descriptivo, creado a partir de entrevistas semi-estructuradas. RESULTADOS: Tecnologías de cuidado y el contenido y estrategias que los profesores utilizan para el cuidado de la enseñanza del cuidado en la libertad. CONCLUSIONES: Las formas de atención con énfasis en el potencial del territorio, la acogida, el ambiente, la formación del enlace, la escucha, la atención a la familia, ha sido el objeto de estudio y de práctica docente de enfermería.

CONTEXT: Currently the practice of teaching psychiatric nursing and mental health and their own assistance in the area is going through major changes. AIM: The aim is to understand the care and inclusion technologies that teachers use to teach care in freedom, in the perspective of psychiatric reform in Brazil. METHODOLOGY: The setting for this study consisted of a traditional nursing school; the participants were seven Psychiatric Nursing and Mental Health teachers, who worked in the perspective of psychosocial care. This is a qualitative, descriptive and exploratory study that used a semi-structured interview for each subject. RESULTS: The results include care technologies, content and strategies that teachers use to teach the care into freedom. CONCLUSION: Forms of care that value the potential of the territory and the lives of people, the user embracement, the ambience, the link formation, the therapeutic listening, the attention to family, which have been the object of study and of the nurse’s practice.

DESCRIPTORES: Enfermería; Enseñanza; Salud mental; Enfermería psiquiátrica

KEYWORDS: Nursing; Teaching; Mental health; Psychiatric nursing Submetido em 18-03-2014 – Aceite em 30-09-2014

1 Enfermeiro; Doutorando em Ciências na Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem, Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica, Rua Artur Prado 75 apt. 51, 01322-000 Bela Vista, São Paulo (SP), Brasil, jandrocortes@usp.br 2 Doutora em Enfermagem; Professora Associada da Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Enfermagem, Departamento de Enfermagem, Brasil, kantorski@uol.com.br 3 Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Professora Titular na Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem, Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica, São Paulo (SP), Brasil, sobarros@usp.br 4 Enfermeira; Doutoranda em Ciências na Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Departamento de Enfermagem Psiquiátrica, antonacci@usp.br 5 Enfermeira; Mestre em Ciências pela Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Enfermagem, Departamento de Enfermagem, Brasil, fabichiavagatti@yahoo.com.br 6 Enfermeira; Doutoranda em Ciências na Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Enfermagem, Departamento de Enfermagem, Brasil, janainaqwill@yahoo.com.br Citação: Cortes, J. M., Kantorski, L. P., Barros, S., Antonacci, M. H., Chiavagatti, F. G., & Willrich, J. Q. (2014). Saberes e fazeres que integram o ensino de enfermagem psiquiátrica na perspectiva de enfermeiros docentes. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (12), 34-42. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 34


INTRODUÇÃO O ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental, no Brasil, tem sido objeto de estudo de muitos enfermeiros. Surgem neste contexto, autores que dedicam-se a discutir a temática, os quais muito têm contribuído para as reflexões teóricas e consequentemente interferências diretas na prática da assistência psiquiátrica, embora tenham leituras diferentes, de acordo com o percurso teórico e analítico de cada um dos autores (Rodrigues, Pinho, Spricigo, e Santos, 2008). Atualmente, a prática do ensino de enfermagem psiquiátrica bem como a própria assistência na área da saúde mental brasileira, passa por grandes transformações, do cuidado asilar, hierárquico e segredador do manicômio, para um cuidado na comunidade, no espaço habitado pelas pessoas, de forma horizontal e cidadã, utilizando-se as mais variadas tecnologias de cuidado e inclusão. Os estudos mostram que o ensino de enfermagem psiquiátrica era pautado na disciplina e no controle do espaço e dos corpos. No entanto, com a transição do ensino para os serviços substitutivos de saúde mental como os Centros de Atenção Psicossocial, por exemplo, estas tecnologias de cuidado e inclusão tem mudado substancialmente (Cortes, Kantorski, Willrich e Chiavagatti, 2010). Neste sentido, a imperiosa necessidade de modificar o modelo psiquiátrico vigente, muitas das vezes, reduziuse a mera reestruturação dos serviços, muito embora seja evidente que estes tenham que ser modificados e os manicômios superados. Mas essa transformação não deve ser o objetivo em si do movimento de reforma, outrossim, a consequência de princípios e estratégias. Urge pensar no campo da saúde mental e atenção psicossocial não como um sistema fechado, mas sim como um processo social complexo. Esta é a proposta de Franco Rotelli, sucessor de Basaglia, ícone da reforma psiquiátrica italiana. Esse constante movimento social sugere que existam novos atores, novas situações, com novos e certamente conflitantes interesses, ideologias, visões de mundo, concepções teóricas, crenças, que se retroalimentam, produzindo paradoxos, contradições, consensos, tensões (Amarante, 2008). Recusando os conceitos arcaicos, o modelo de atenção psicossocial privilegia a visão dos sujeitos e não da patologia em si, em espaços terapêuticos que enfocam a escuta e o acolhimento do indivíduo em sofrimento mental, além de produção das subjetividades individuais e de sociabilidades (Amarante, 2008).

A vitalidade das relações entre os serviços de saúde mental de base comunitária, que precisam ser investidos em vínculos estabelecidos em relações de afeto que se constroem a cada momento sem a prática de uma clínica – unicamente – ou de conhecimentos pré-concebidos, enfatiza o ouvir antes do intervir. Estes espaços de cuidado vão se construindo entre técnicos e usuários, investindo-se nos encontros, nas atividades grupais que propiciam estes contatos, permitindo a convivência com as experiências e percepções de mundo e de realidade de outros indivíduos, funcionando desta maneira como forma de validação da experiência própria de cada um. O “afeto como recurso”, envolve desta maneira, como um eixo norteador nas modalidades terapêuticas que perpassam pelas atividades grupais, como as oficinas, que dão vazão às subjetividades e outra forma de experienciar os sintomas cristalizados, grupos de acolhimento, atendimentos individuais e grupal, grupo operativo, grupo de medicação, grupos de familiares, de convivência, festas, atividades culturais (Távora, 2005). Peplau escreveu um livro que revolucionou o ensino e a prática da enfermagem psiquiátrica nos Estados Unidos, tendo como enfoque o potencial terapêutico do relacionamento interpessoal. Desde então, a enfermagem psiquiátrica e de saúde mental vem ampliando sua visão, e galgando novos espaços de atuação, como a intervenção psicoterapêutica, utilizando os conceitos originalmente propostos pela autora (Sampaio, Sequeira, e Lluch-Canut, 2014). Nestes espaços que permitem que os sujeitos sejam atendidos dentro de seu território de abrangência, surgem novos conceitos que precisam ser compreendidos, apreendidos e constantemente repensados, como o acolhimento, como uma ferramenta importante que diminui as filas de espera, evitando a distribuição de fichas, sendo o usuário atendido no mesmo dia em que procura o serviço, saindo com o devido encaminhamento que visa responder as necessidades por ele apresentadas naquele momento (Coimbra et al., 2011). Segundo o Ministério da Saúde do Brasil (2011) o acolhimento precisa ser compreendido no campo da saúde como importante ferramenta tecnológica de constituição de vínculo, responsabilização na garantia do acesso e como intervenção na qualificação da escuta.

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Todos esses conhecimentos permitem atender o indivíduo em sofrimento psíquico a partir de uma visão abrangente da família, tendo o afeto como recurso permeando as relações e intervenções, utilizando-se dos dispositivos grupais e as oficinas amplamente utilizadas nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), a valorização a territorialidade em que o indivíduo está inserido. Este atendimento se operacionaliza através das equipes da estratégia de saúde da família, dos manejos nas crises, dos conhecimentos relativos às emergências psiquiátricas, o acolhimento e a escuta qualificados, do conhecimento das políticas nacionais de saúde mental, do relacionamento terapêutico. Conhecimentos que podem ser privilegiados no processo de ensinoaprendizagem do cuidado de enfermagem, sob a luz da reforma psiquiátrica e da reabilitação psicossocial dos indivíduos em sofrimento psíquico, num clima didático em que os papéis de educador e educando se intercambeiam. Desta forma, este estudo tem por objetivo compreender as tecnologias de cuidado e inclusão que os docentes utilizam para o ensino do cuidado em liberdade, na perspectiva da reforma psiquiátrica brasileira, em uma faculdade de enfermagem do extremo sul do Brasil. METODOLOGIA Trata-se de um estudo qualitativo, de caráter descritivo e exploratório. Após aprovação do Comitê em Ética e Pesquisa da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas (Brasil), através do parecer nº 08/2009 de 19/05/2009, deu-se início a coleta dos dados utilizando-se entrevista semi-estruturada. Este estudo é um recorte de uma pesquisa maior intitulada “O ensino de enfermagem sob a lógica da atenção psicossocial”, que resultou em três categorias empíricas, a saber: trajetória histórica dos docentes de enfermagem psiquiátrica e saúde mental, sob a lógica da atenção psicossocial na Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia; dificuldades e nós que permeiam o ensino cuidado em liberdade; e as tecnologias de cuidado e inclusão. Neste estudo, privilegiou-se somente a categoria relativa às tecnologias de cuidado e inclusão. Adotou-se a técnica de análise temática de conteúdo, para analisar e interpretar os resultados obtidos, seguindo os seguintes passos (Minayo, 2010): 1. Fase de exploração do material com leituras flutuantes; 2. Seleção das unidades de análise (significados); 3. Processo de subcategorização e categorização. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 36

Os dados foram coletados no segundo semestre de 2009. As sete entrevistas foram gravadas, transcritas e os dados resultaram nas três categorias empíricas citadas. A faculdade que é pano de fundo do cenário deste estudo, tem seu percurso histórico iniciado com a criação do curso de enfermagem e obstetrícia tendo sua aprovação no Conselho Universitário em 24/08/76, por portaria n° 01/76 da Universidade Federal de Pelotas, sendo reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura pela portaria n° 402 de 24/06/80, tendo por base o sistema Nightingale. No período de 1984, o departamento de enfermagem desvincula-se da Faculdade de Medicina, ficando agregado ao Curso de Enfermagem e Obstetrícia, continuando independente, porém mais autônomo. Dando continuidade a sua política de fortalecimento, o curso transforma-se em Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia, em 28 de novembro de 1988, através da portaria do Ministério da Educação e Cultura nº 581. Até o ano de 2011, as práticas de ensino-aprendizagem em enfermagem psiquiátrica e saúde mental aconteciam da seguinte maneira: as aulas teóricas ocorriam, em um semestre, concomitantemente com os períodos de estágios práticos, que por sua vez dividiam-se em dois blocos de 15 dias; entre um hospital psiquiátrico e um serviço de base territorial de saúde mental, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Até este período, a estratégia de ensino era o contato direto do aluno com os utentes. Após 2011, extinguiu-se por completo os estágios práticos no hospital psiquiátrico, sendo os estágios práticos realizados somente nos CAPS. Cabe dizer que as metodologias utilizadas após este período incluíam simulações em sala de aula, dramatização, prática de escuta e acolhimento em sala de aula e laboratório, antes do contato do aluno com os utentes nos CAPS. Os sujeitos foram selecionados após um levantamento realizado junto aos registros do departamento de enfermagem. Os sujeitos participantes deste estudo constituem-se em sete professores enfermeiros da área de enfermagem de saúde mental, que trabalharam ou ainda trabalham na referida faculdade na perspectiva da atenção psicossocial. Foram respeitados os princípios éticos envolvendo seres humanos em todos os momentos desta pesquisa.


RESULTADOS E DISCUSSÃO Neste estudo, a categoria empírica a ser analisada denomina-se “tecnologias de cuidado e inclusão”, as quais os docentes utilizavam para o ensino do cuidado em liberdade, na perspectiva da reforma psiquiátrica. As tecnologias de cuidado e inclusão identificadas no discursos dos sujeitos foram: - o ensino dos conceitos de acolhimento, formação de vínculos e escuta; - a comunicação terapêutica; - o conceito de ambiência; - o modelo Calgary de avaliação de famílias (MCAF); - o conceito de território; - O CAPS como integrante da rede de cuidados em saúde mental; O ensino dos conceitos de acolhimento, a formação de vínculos e a escuta terapêutica são tecnologias de cuidado largamente utilizadas pelos enfermeiros no processo de ensino-aprendizagem, como evidenciamos na fala a seguir: agora a gente está tentando trabalhar na lógica das tecnologias de inclusão principalmente a questão da escuta, a comunicação terapêutica, não é manejo, é comunicar com o outro que ele diz coisas que às vezes estão nas entrelinhas. (P2) A comunicação é instrumento básico da enfermagem, podendo estar presente em todos os momentos junto ao usuário, seja para orientar, confortar, informar, apoiar ou atendê-lo em suas emoções e necessidades (O’Hagan et al., 2014). Neste sentido, e no contexto dos serviços substitutivos de saúde mental, concordamos com P2 quando salienta que a comunicação com o usuário se torna imprescindível, para que entendamos muitas vezes, o que o usuário quer nos relatar “nas entrelinhas” de seu discurso, momento e local em que o manejo psiquiátrico exclusivamente sintomatológico, não tem sentido de ser. E é neste sentido que, as tecnologias de cuidado e inclusão são trabalhadas com os estudantes de enfermagem, entendendo que o serviço de saúde mental comunitário requer uma abordagem mais amplas do que o manejo verbal, por si só com os usuários (utentes). Cabe dizer que, os passos da comunicação e escuta terapêutica, o processo de formação de vínculos e o acolhimento realizado pelos alunos com os usuários são discutidos ao fim do dia de estágio prático junto ao docente, momento em que ocorre a supervisão do estágio.

No contexto do CAPS, as consultas para os profissionais são marcadas o mais breve possível, propiciando desta maneira que o vínculo que começou a ser construído “concretamente” entre aluno-usuário seja consistente, para demonstrar a responsabilização da equipe/serviço com a saúde do usuário. Um problema relatado por um professor, refere-se à dificuldade de o aluno entender a eficácia do momento terapêutico, em que o usuário parece não fazer nada, quando este não está incluso em nenhuma atividade ou oficina. Todavia, faz uma relação interessante da disposição física do serviço, como tendo a estrutura arquitetônica de uma casa. Tem que ter esses momentos de conversas informais, mas que são momentos muito importantes, porque às vezes tu assimilas uma informação, nesses momentos. Tu precisas estar atento, não pode ficar esperando que só o usuário venha te procurar, tens que procurar te inserir nos espaços e dentro do CAPS. Eles procuram os espaços deles. Tem aquele espaço, o fumódromo [local para fumadores], um espaço que eles conversam, se ajudam, tem amizade. Não acho que eles não estão fazendo nada, acho que eles estão fazendo muita coisa, e a gente também enquanto profissional, enquanto aluno, tem que estar atento a isso (P6) Neste contexto, emerge o conceito de ambiência, adotado pelo Ministério da Saúde do Brasil (2011) que na saúde compreende o espaço social, físico e de relações interpessoais que deve estar em sintonia com um projeto de saúde humano, acolhedor e resolutivo. Os eixos que norteiam a ambiência são: o espaço que visa a confortabilidade, o espaço como ferramenta facilitadora do processo de trabalho e a ambiência como espaço de encontros entre os sujeitos. Estes espaços saudáveis que privilegiam a luz, as cores, o som, as texturas, dão oportunidade para que a arte se expresse nas suas mais diversas formas, como em oficinas, rodas de conversação, espaços que permitem que as relações entre usuários e profissionais aconteçam de forma agradável e resolutiva. Desta forma, percebemos tal dificuldade de os alunos compreenderem a forma física e o trânsito dos usuários dentro do CAPS, pois a maior parte destes vinha do hospital psiquiátrico, onde as condições são totalmente adversas, com o odor característico destas instituições, com rotinas rígidas, as quais as pessoas são submetidas e ainda, tendo a obrigatoriedade de verbalizarem suas histórias de vida, seus conflitos e suas problemáticas.

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E o CAPS, que privilegia a ambiência em sua dinâmica de trabalho, assemelha-se a uma casa, a um lar, no intuito de favorecer ao indivíduo em sofrimento mental, um espaço aonde podem se reconstituir terapeuticamente as atividades de seu cotidiano, que muitas vezes foram perdidas. Entendemos desta maneira, que em nossas vidas, por vezes, precisamos de momentos sem nenhuma atividade específica, sem nenhuma atividade em específico para cumprir alguma tarefa. Acreditamos que estes momentos em que o usuário “não está fazendo nada”, também pode ser terapêutico. A vida acontece nesses pequenos momentos e nos espaços que escolhemos prioritariamente, como os cumprimentos ao nos encontrarmos com as pessoas na rua logo cedo, a fila da padaria que parece não andar, o jogar bola com os colegas do futebol, tomar chimarrão (bebida típica do sul do Brasil) na praça ou, simplesmente estando sem quaisquer atividades. Neste aspecto, são trabalhados dois pontos básicos com o aluno, a discussão do ócio dos usuários nos serviços de saúde mental e o conceito de ambiência. Assim, são desenvolvidas habilidades com os alunos que lhes permitam compreender que estes usuários estão num outro momento de suas vidas, em que a rigidez e qualquer imposição a estas pessoas não tem mais sentido de ser. O usuário não precisa ser obrigado a desempenhar uma atividade, ou participar de uma terapia necessariamente, e o cuidado de enfermagem pode se estabelecer por meio de uma comunicação terapêutica, num momento em que este usuário parece não estar fazendo nada, por sua própria escolha. O aluno aprende ainda que, o CAPS precisa ter o aspecto arquitetônico de uma casa, e que esta precisa estar limpa, aconchegante, com respeito à privacidade do outro, o que se contrapõe totalmente ao ambiente espaço do manicômio, que tem seus odores típicos e em nada assemelha-se a uma casa. Priorizando o ser humano como um indivíduo integral, os professores observam que a família é um fator importante de cuidado dos indivíduos. Relatam que estão utilizando como ferramenta, o modelo Calgary de avaliação de famílias (MCAF), em suas práticas de ensino nos serviços substitutivos de saúde mental: conhecer aquele sujeito que está sofrendo naquele momento, conhecer a história, tentando incluir também a avaliação de famílias, o calgary, como um instrumento importante para o cuidado, na atenção psicossocial. (P2)

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O modelo Calgary de avaliação de famílias (MCAF) é utilizado como uma ferramenta que contribui com o trabalho em equipe de modo multiprofissional, espraiando-se para além da enfermagem, pois valoriza o cotidiano do usuário e possibilita uma compreensão ampliada das relações e recursos que poderão ser utilizados para a reabilitação psicossocial do doente e de sua família (Wright, & Leahey, 2012). Entendemos que, o MCAF constitui-se numa ferramenta importante para inclusão da família ao tratamento do indivíduo em sofrimento mental, convergindo com as diretrizes e princípios do Sistema Único de Saúde do Brasil. Os alunos empregam o MCAF durante o estágio prático no CAPS, utilizando-se do genograma e do ecomapa, a fim de compreenderem a árvore genealógica daquela família e, a constituição dos vínculos e suas intensidades com as pessoas e entidades que fazem parte do território daquele paciente, permitindo a partir desta avaliação uma intervenção mais segura e assertiva. Outro conteúdo, que é desenvolvido pelos professores, explicitado pelos sujeitos, são as questões relativas ao território e suas potencialidades, ou seja, em campo de aulas práticas é priorizado com os alunos a valorização das potencialidades que o território possa oferecer, o conhecimento da comunidade, das instituições que possam se articular com o serviço, o conhecimento das micro-áreas e áreas de abrangência, e de instrumentos de gestão. olhar um pouco para o território onde está o CAPS, a atenção básica faz muito bem isso. Os fixos que tem naquele território, e quais são os fluxos que acontecem. O que é fixo? É a escola, a inserção do usuário. E como é que é essa vinculação? Como é que é o fluxo também? Como é que é o cotidiano da vida das pessoas? É o usuário que mora longe, que precisa vir sempre acompanhado? Até onde o usuário consegue autonomia? (P2) Na perspectiva integradora observa-se o território como revelador de parte ou de todas as dimensões sociais: política, cultural, econômica, naturalista. Buscase entender esse território como surgido de forma articulada, conectada, integrada com outros territórios. Na perspectiva relacional é considerado que as relações social-históricas ocorrem no espaço em um determinado tempo, sendo o território fruto de uma relação complexa entre os processos sociais e o espaço material, transcendendo a uma conceitualística puramente geográfica (Faria, 2013).


O reconhecimento do território é realizado desde o início do período de estágio em saúde mental. Os alunos fazem este reconhecimento mapeando, concretamente, a área de abrangência do CAPS e da morada da família, identificando o que chamamos de recursos do território. Estes recursos são entendidos como entidades que podem potencializar e integrarem a reabilitação psicossocial das pessoas em sofrimento psíquico, como por exemplo, igrejas, escolas, associação de moradores, clubes, cinemas, supermercados, praças de esportes, agências. Neste cenário, onde o território assume supremacia, os serviços de saúde se desdobram e se inserem em sua geografia, assumindo muitas modalidades de atendimento como a estratégia de saúde da família - ESF, a atenção básica, o Pronto-Socorro e a rede como um todo. As articulações do CAPS com estas, e os desafios de se ensinar neste novo contexto, são relatados pelos sujeitos deste estudo. A questão da saúde mental que permeia todos os campos. Se a gente mostrar a política, agora não é o CAPS, que está se contrapondo ao hospital, que está querendo substituir o hospital, que é toda uma rede, o pronto socorro, a atenção básica, a estratégia de saúde da família, tem que se responsabilizar... é toda uma rede. Esse enfermeiro precisa saber que vai receber questões de saúde mental, também se tu parares para pensar a saúde mental ampliada, a violência é saúde mental, o uso de drogas é saúde mental e permeia tudo. (P6) Acreditamos que neste momento os professores apontam muito entusiasmo e algumas angústias, ao abordarem as potencialidades que o território oportuniza para o aprendizado do cuidado “de portas abertas”. Percebemos que os professores são entusiasmados e motivados pela concretização do ensino do cuidado de enfermagem em saúde mental no CAPS, sob uma perspectiva de rede, de reabilitação psicossocial, com vistas a valorização das potencialidades, convergindo para os preceitos das reformas sanitária e psiquiátrica, onde o hospital psiquiátrico não tem razão de ser espaço de cuidado e, muito menos de ensino. E angústias, que parecem adequadas e propícias a este momento de ensino, no sentido de almejarem que os alunos aprendam e apreendam a lógica, visualizem os nós que a rede ainda tem, e compreendam afinal como é essa forma de cuidado que realmente acreditamos para a efetivação do cuidado em liberdade, além de sua complexa constituição.

O cuidado de saúde mental em rede é abordado pelos professores com os alunos, desde as aulas teóricas e desenvolvido de forma aprofundada, nos estágios práticos no CAPS. O aluno pode ter a possibilidade de vivenciar como se dão os encaminhamentos dos usuários (utentes) do CAPS para o hospital geral no caso de uma emergência, ou então a chegada de um usuário que foi encaminhado pela Estratégia de Saúde da família. Desta maneira, o estudante pode visualizar como o usuário transita na rede de cuidados no território, e propor a melhor maneira de ancorar o cuidado de enfermagem em saúde mental para cada caso específico. Outro conteúdo estratégico que os professores enfermeiros fazem alusão é a necessidade de se ensinar a história da loucura, no sentido de desenvolverem junto aos alunos, através do conhecimento histórico-conceitual das estruturas do manicômio, um olhar crítico e reflexivo. Justaposto a isto, um dos sujeitos narra que somente em 2008 o ensino da história da loucura e da reforma psiquiátrica foi trabalhado desde o início do semestre letivo. Antes desta época era ensinado somente nas últimas aulas do semestre. não adianta a gente enfiar na cabeça dele, que o hospital não funciona. Então ele precisa conhecer a história, pouco este processo até para hoje compreenderem, este olhar mais crítico e reflexivo que é esta proposta nova do currículo. Eu priorizo a história. Então uma das primeiras aulas que dou é história da loucura. (P1) A obra “História da loucura na idade clássica” retrata a loucura sob diferentes prismas, destacando ainda neste clássico da filosofia moderna, o poder médico que rotulou a loucura de doença mental desde o século XIX (Foucault, 2013). Ainda no tocante a práticas dentro das instituições totais, o manicômio e as instituições fechadas, atuam sobre a dinâmica de vida do indivíduo, comprometendo sobremaneira e de forma conjugada os problemas de saúde mental e a vida comunitária dos indivíduos, dentro de uma perspectiva sociológica (Goffman, 2001). No contexto do ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental, nesta faculdade em sua pesquisa sobre o ensino de enfermagem e a reforma psiquiátrica no Rio Grande do Sul, é observado um traço que parece comum na formação de 15 enfermeiros professores, referindo-se a passagem deles como significativa em instituições asilares como hospital psiquiátrico ou a Clínica Pinel (clínica psiquiátrica), quando por ocasião de sua realização de especialização em enfermagem psiquiátrica (Kantorski, e Pinho, 2008). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 39


Ensinar a história da loucura, ou seja do processo saúdedoença mental, é uma necessidade assinalada pelos professores, no sentido de proporcionarem ao estudante, o discernimento necessário para se compreender o fenômeno da loucura, e como a sociedade tem lidado com ela no decorrer do tempo, evidenciando suas múltiplas tecnologias de cuidado.Foi observado o ensino de enfermagem na área em quatro universidades públicas do estado do Rio Grande do Sul, considerando a reforma psiquiátrica, apontando as amarras no discurso dos sujeitos envolvidos e o comprometimento de mudança, permeada pela rigidez dos currículos e pelos programas de disciplinas da área em questão, esclarecendo que a adesão ao processo de reforma não partiu das instituições de ensino, mas sim dos sujeitos e atores sociais envolvidos mobilizados pelo inconformismo e pela resistência dos saberes e das práticas dominantes (Luchese e Barros, 2009). Alguns autores referenciam que embora o curso de enfermagem enquanto curso acadêmico tem procurado contemplar as práticas e teorias que privilegiam o ser humano como um todo, ou seja, um indivíduo não fragmentado pela doença relatam que a tendência da formação é centrada nos procedimentos técnicos e nas necessidades do paciente, sem contemplar a pessoa do aluno em formação (Esperidião, Barbosa, Silva e Munari, 2012). Desta forma, a visão integral do usuário já seria ofuscada dentro da própria academia. Consideramos as conclusões das autoras interessantes, visto que a maioria dos professores explicitaram de maneira acentuada em suas falas que a prioridade de sua prática de ensino é também ver o ser humano não compartimentalizado. Outrossim, como um indivíduo integral. O que eu quero? Resgatar pessoas, que o resto tudo seja instrumento para isso, tu conhecer psicopatologias, tu conhecer psicofármacos, seja instrumento para tratar a pessoa e não contrário. (P7) A não fragmentação seria interessante que já fosse cultivada dentro da própria formação do aluno, o vendo como um ser humano que está em formação, repleto de anseios, expectativas, medos (Esperidião, Barbosa, Silva, e Munari, 2012). Acreditamos ser neste importante processo, de formação, que o estudante de enfermagem precisa encontrar espaço e momentos para trabalhar suas dúvidas e seus sentimentos, para que desta forma trabalhe as do outro. Neste contexto, quando e onde emergem sentimentos, medos, saberes e práticas, entre professor e aluno, a subjetividade emerge, solicitando uma compreensão mais ampliada, visto que é referida como uma estratégia de ensino que é trabalhada na prática. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 40

Percebemos a dificuldade do professor em trabalhar as interfaces da subjetividade, que nos parecem um tanto “obnubiladas”, fugindo totalmente do concreto, em relação a valorização de uma prática pautada na subjetividade do usuário, considerando a realização de pequenas tarefas, a dificuldade de compreensão do lúdico e as mais variadas formas de expressão humana. Descobrir dentro destas pequenas coisas talvez mais sutis, e talvez que alguns possam chamar de subjetivas, e eu acho que a nossa vida ela é construída de subjetividades, a vida da gente é esta coisa cotidiana, essa coisa de estar construindo e desconstruindo idéias. (P7) Questões ainda como compreensão de cidadania do usuário, reinserção social, valorização de seu contexto social e a liberdade, são evidenciados pelos professores como conteúdos e enfoques de ensino, que também são prioritários no processo de ensino-aprendizagem. No campo prático, sempre procurei priorizar a questão de perceberem a reinserção psicossocial e, o usuário como um cidadão e que tem direitos e deveres como qualquer outro cidadão, e a gente tem que contribuir para a reinserção dele na sociedade e não somente no CAPS. Ajudar ele a recuperar coisas que fazia, a frequentar coisas que ele frequentava, as atividades familiares que fazia. (P4) A reabilitação psicossocial é a tônica do ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental desta faculdade. Entretanto nem sempre foi assim, pois quando os estágios práticos eram bipartidos entre hospital psiquiátrico e serviços territoriais de saúde mental, a compreensão de cidadania, de reinserção social, valorização do contexto social e liberdade ficava prejudicadas, pois não é possível se entender tais concepções, num lugar como o hospital psiquiátrico, que aprisiona e subtrai o cotidiano do outro. Para Mezzina (2014) se pensamos em liberdade como sendo terapêutica, cada ato em liberdade (num serviço de portas abertas) pode ser terapêutico. E desta forma, se visamos desinstituir a doença como experiência que não é separada da existência, trata-se de valorizar mais que o sintoma, o conjunto de recursos positivos, do serviço e da demanda. A reforma psiquiátrica tem como objetivo a revisão e transformação de diversos conceitos, posturas e ações terapêuticas, ultrapassando a assistência centrada na linearidade da doença, a partir da inserção de práticas que promovam vida, liberdade e cidadania. O trabalho em saúde mental, embasado nos preceitos da reforma psiquiátrica, precisa proporcionar a reinserção social dos sujeitos no mundo da vida, adotando práticas que fortaleçam o laço social do sujeito, numa perspectiva que o torne uma pessoa ativa e protagonista de seu tratamento no processo saúde-doença mental (Cortes, 2011).


Desta maneira, procuramos elencar alguns nortes interessantes, os quais os sujeitos relataram no sentido de que se possam visualizar tecnologias de cuidado e inclusão, conteúdos e estratégias de ensino priorizadas no campo da atenção psicossocial, que emolduram o ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental, nesta experiência brasileira. CONCLUSÕES O objetivo deste estudo foi buscar compreender os saberes e práticas que fundamentam o cuidado de enfermagem no campo da atenção psicossocial, em uma faculdade de enfermagem, no contexto brasileiro, identificando os conteúdos prioritários e estratégias utilizadas no ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental. Assim, no cenário deste estudo alguns conhecimentos foram elencados, muito embora entendemos que não existe uma fórmula, no sentido rígido do termo, para o ensino do cuidado em liberdade, mas que estes saberes e práticas tem permeado o processo educativo desta faculdade, no sentido de formar enfermeiros muito mais que profissionais treinados, mas sim pessoas que compreendam que o sujeito diferente se faz integrante do meio social no qual está inserido. Formas estas de cuidado que podem ser visualizadas através da percepção do indivíduo inserido dentro da própria comunidade, valorizando as potencialidades do território e das vidas das pessoas, o acolhimento, a ambiência e suas múltiplas nuances, a formação de vínculo, a escuta. Recursos que são utilizados privilegiando um cuidado centrado no modo de atenção psicossocial, pois atribuem ao usuário valores biopsicossocioculturais, e que procuram vê-lo de uma forma não-linear, deixando de lado a patologia em si e entendendo que existe sim um sofrimento, mas que este não é e nem deve ser a essência daquele sujeito. Tanto os aspectos subjetivos como os aspectos objetivos da vida da pessoa estão ou estarão sendo trabalhados a partir de um prisma multifacetado de aspectos. Por fim, consideramos que esta pesquisa traz significativas contribuições para a enfermagem e para as demais áreas do cuidado humano, além de possibilitar para outras faculdades que estão em processo de mudança curricular visualizarem exemplos e formas da construção do cuidado em liberdade, privilegiando o contexto do indivíduo em sofrimento mental, sem excluí-lo ou segregá-lo da sociedade.

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA No que tange o ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental, a experiência brasileira aponta algumas estratégias e conhecimentos que devem se assomar à clínica da enfermagem, seja na área da docência ou na área clínico-assistencial. Do ponto de vista do processo de ensino-aprendizagem dos alunos de enfermagem, cabe destacar que somente um ensino executado e pautado nos serviços comunitários de saúde mental, é que é possível um cuidado de enfermagem que privilegia a reabilitação psicossocial aproximada do que entendemos ser o ideal. A experiência evidenciada neste estudo, mostra que o ensino aprisionado nos muros do hospital psiquiátrico não tem sua razão de ser, pois não entendemos ser possível um cuidado de enfermagem adequado, num ambiente iatrogênico que segrega e excluí o outro do convívio social. Podemos afirmar que há uma mudança de comportamento significativa em relação ao cuidado prestado ao usuário dos serviços de saúde mental comunitário. A própria reabilitação psicossocial entende que é necessário compreender o outro numa relação horizontal, o percebendo como um sujeito de direitos e deveres, exigindo do aluno, futuro enfermeiro, a prestação de um cuidado livre das amarras hierarquizadas, que a instituição manicomial impõe. Este estudo qualitativo propõe que os enfermeiros agreguem à sua prática clínica no cuidado à pessoa em sofrimento psíquico, além dos conteúdos teóricos clássicos - como a relação de ajuda, o relacionamento terapêutico, a comunicação terapêutica – as tecnologias de cuidado e inclusão social, que têm sido amplamente utilizados na prática da enfermagem psiquiátrica no Brasil, como o fortalecimento do vínculo, a escuta, a valorização da ambiência, o trabalho do enfermeiro com as potencialidades que os recursos do território possam oferecer, de modo a fortalecer a clínica e a prática do profissional enfermeiro.

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Artigo de Investigação

FACTORES QUE INFLUYEN EN LA CALIDAD DEL SUEÑO DE PACIENTES INSTITUCIONALIZADOS | Tomás Catalán1; Juana Gallego-Gómez2; María González-Moro3; Agustín Simonelli-Muñoz4 |

RESUMEN INTRODUCCIÓN: El sueño es indicador de calidad de vida, en él se producen procesos restaurativos. Sin embargo la institucionalización hospitalaria favorece las alteraciones del sueño que afectan a estos procesos restaurativos. Debido a la necesidad de investigaciones en este campo planteamos como objetivo del estudio, analizar la calidad del sueño, somnolencia, ritmo circadiano y el grado de confort, así como los factores asociados de pacientes institucionalizados en 2 centros hospitalarios de Murcia (España). METODOLOGÍA: Estudio cuantitativo, transversal y descriptivo. Se ha elaborado un cuestionario para pacientes institucionalizados. Se han analizado, entre otras variables, el índice de masa corporal (IMC), el consumo de cigarrillos, calidad del sueño (índice Pittsburgh) y la somnolencia diurna (escala Epworth) mediante estadísticos descriptivos básicos y bivariados utilizando la correlación de Pearson. RESULTADOS: El 100% de los pacientes presentan mala calidad del sueño. Por otro lado, los pacientes con más obesidad tienen un mayor hábito tabáquico (R=0.634 con p<0.001) y tienen peor calidad del sueño (R=0.339 con p=0.04). Un 70.3% presenta somnolencia diurna de moderada a grave. DISCUSIÓN: La adicción tabáquica en sujetos hospitalizados aumenta el disconfort. La hospitalización provoca alteraciones del sueño y aumenta la somnolencia diurna. CONCLUSIONES: La hospitalización, así como el IMC y el hábito tabáquico, tienen relación con la aparición de una mala calidad del sueño. El mantenimiento de un buen sueño a nivel hospitalario es uno de los desafíos sanitarios del futuro. DESCRIPTORES: Sueño; Institucionalización; Atención de enfermería

RESUMO

ABSTRACT

“Fatores influentes na qualidade de sono em pacientes internados”

“Influential factors in the sleep quality of institutionalized patients ”

INTRODUÇÃO: O sono é um indicador de qualidade de vida no qual se produzem os processos restaurativos. Entretanto, a hospitalização favorece as alterações do sono que afetam estes processos restaurativos. Devido à necessidade de investigação neste campo, definimos como objetivo do estudo analisar a qualidade do sono, sonolência, ritmo circadiano e grau de conforto, bem como os fatores associados de pacientes hospitalizados em dois hospitais de Murcia (Espanha). METODOLOGIA: Quantitativa, transversal e descritiva. Foi elaborado um questionário para os pacientes internados. Foram analisadas, entre outras variáveis, o índice de massa corporal (IMC), o consumo de tabaco, a qualidade do sono (Índice de Pittsburgh) e a sonolência diurna (escala de Epworth) através de estatísticas descritivas básicas e bivariadas através da correlação de Pearson. RESULTADOS: Dos pacientes, 100% apresentaram má qualidade do sono. Por outro lado, os pacientes mais obesos apresentaram um maior consumo de tabaco (R=0,634 com p<0,001) e uma pior qualidade de sono (R=0,339 com p=0,04). 70,3% dos pacientes apresentaram sonolência diurna moderada a grave. DISCUSSÃO: A dependência do consumo de tabaco em pacientes aumenta o desconforto. A hospitalização provoca distúrbios do sono e aumento da sonolência diurna. CONCLUSÕES: A hospitalização, assim como o IMC e o tabagismo, tem relação com o aparecimento da má qualidade do sono. A manutenção de uma boa qualidade de sono a nivel de hospital é um dos desafios sanitários do futuro.

INTRODUCTION: Sleep is a quality-of-life indicator, when restorative processes occur. Institutionalization hospital procedures disturb sleep processes. Due to the need for research in this field, the aim of the study is to analyze sleep quality, sleepiness, circadian rhythm and comfort level, as well as associated factors in institutionalized patients in two hospitals in Murcia (Spain). METHODOLOGY: Quantitative, transversal and descriptive study. A patient questionnaire was created, analyzing body mass index (BMI), smoking habit, sleep quality (Pittsburgh Index) and daytime sleepiness (Epworth scale) using basic descriptive statistics and bivariate analysis with Pearson’s correlation. RESULTS: 100% of patients have poor sleep quality. Furthermore, patients with obesity are harder smokers (R = 0.634 with p <0.001) and have poorer sleep quality (R = 0.339 with p = 0.04). 70.3% have daytime sleepiness from moderate to severe. DISCUSSION: The smoking habit in hospitalized subjects increases discomfort. Hospitalization disturbs sleep and increases daytime sleepiness. CONCLUSIONS: Hospitalization, as well as BMI and smoking, are related to the appearance of a poor sleep quality. Maintaining a good sleep quality in hospitals is one of the health challenges of the future.

PALAVRAS-CHAVE: Sono; Institucionalização; Cuidados de enfermagem

KEYWORDS: Sleep; Institutionalization; Nursing care Submetido em 28-09-2014 Aceite em 28-11-2014

1 Investigador; Enfermero Docente en la Universidad Católica de Murcia, Facultad de Enfermería, Departamento de Enfermería, Murcia, España, tvera@ucam.edu 2 Doctor; Investigador; Enfermera Docente en la Universidad Católica de Murcia, Facultad de Enfermería, Departamento de Enfermería, Murcia, España, jigallego@ucam.edu 3 Investigador; Enfermera Docente en la Universidad Católica de Murcia, Facultad de Enfermería, Departamento de Enfermería, Murcia, España, mtrodriguez@ucam.edu 4 Doctor; Investigador; Secretario e Enfermero Docente en la Universidad Católica de Murcia, Facultad de Enfermería, Departamento de Enfermería, agsimonelli@ucam.edu Citação: Vera Catalán, T., Gallego-Gómez, J. I., Rodríguez González-Moro, M. T., & Simonelli-Muñoz, A. J. (2014). Factores que influyen en la calidad del sueño de pacientes institucionalizados. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (12), 43-50.

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INTRODUCCIÓN El concepto de sueño ha ido evolucionando en el tiempo y es diferente según la cultura y el desarrollo de esta misma. Es una de las condiciones fisiológicas que ha recibido mayor atención por la humanidad, tanto en las artes como en las ciencias. El hecho de que sea imprescindible para la vida, que ocupe un tercio de nuestras vidas (Santamaría, 2003), que represente ser uno de los momentos de mayor vulnerabilidad ante el medio externo y que tenga una íntima relación con el estado de vigilia, lo convierte en atrayente para su análisis. En una primera etapa, el sueño llamó la atención exclusivamente por el significado mágico que presuntamente encerraba, sufrió una evolución y en la actualidad se analiza como fenómeno neurológico con un origen filogenético y con un desarrollo ontogénico. Hoy en día la investigación científica ha producido una ingente cantidad de información sobre la fisiología y fisiopatología del sueño. El sueño es muy importante para el ser humano ya que interviene en muchos procesos inmunológicos y cognitivos, incluso en funciones musculares, cumpliendo una función reparadora o restauradora a nivel fisiológico. A nivel psicológico es esencial para el bienestar mental, la función cognitiva, memoria y esperanza de vida (Hunter, 2008). Un estrés sostenido junto a una interrupción del sueño aumenta la concentración de cortisol en sangre, hasta un 50% con una noche en blanco (Russell & Wulff, 2005). Estos niveles tan elevados de cortisol inhiben el sistema inmune, hace que la persona se encuentre más cansada y es más susceptible a la enfermedad. Conocer los elementos que influyen negativamente en el sueño de las personas nos sirve para establecer predictores y factores de riesgo de trastornos del sueño. A nivel hospitalario, el mantenimiento de un buen sueño acelera la recuperación y el restablecimiento de la salud de los pacientes (Monas et al., 2012), reduciendo así el tiempo medio de la estancia del paciente en un centro hospitalario. Los factores de riesgo que pueden intervenir con la hospitalización son muy diversos y es conveniente agruparlos en diversas categorías con el fin de evaluar el efecto de cada grupo en la calidad del sueño de los pacientes o usuarios (Young, Bourgeois, Hilty & Hardin, 2008). Por estas razones es importante conocer la influencia de los factores que acompañan a la hospitalización, sobre todo los ambientales, en los que se sitúa la actividad enfermera. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 44

El hospital en su proceso de institucionalización produce efectos fisiológicos y psicológicos claves para el deterioro del sueño. El estudio de Bakr, Elaziz, Ezz & Fahim (2012) concluyó que un 36% de institucionalizados sufrían de insomnio. En esta situación los pacientes están sometidos a un retraso en su recuperación, se encuentran más fatigados y son más vulnerables a ciertas patologías. La hospitalización puede producir desadaptación en el paciente, y conlleva, implícitamente, una pérdida de intimidad en las actividades diarias. No hay que olvidar que conocer la opinión del paciente hospitalizado es importante; ciertos procedimientos durante la estancia hospitalaria pueden influir en su comodidad, y esta, a su vez, influir sobre el sueño. Cuanto más confort y satisfacción obtenga durante su estancia en el hospital, mayor será la calidad del sueño (Thomas et al., 2012), por este motivo nos planteamos desarrollar y analizar una escala que valore el confort de los pacientes institucionalizados y comprobar los factores que influyen en dicho confort. Debido a la necesidad de estudios en este campo se plantea como objetivo en esta investigación analizar la calidad del sueño, somnolencia, ritmo circadiano y el grado de confort, así como los factores asociados de pacientes institucionalizados en dos centros hospitalarios de Murcia (España). METODOLOGÍA Se trata de un estudio cuantitativo, descriptivo-observacional y transversal. La población diana a la que se dirige el presente estudio la forman los pacientes hospitalizados de la Región de Murcia. La población de estudio se centró en las personas institucionalizadas de 2 hospitales de la región de Murcia. Para formar parte del estudio tuvieron que estar ingresados al menos un día, quedando excluidos de la investigación los que presentaban alteraciones cognitivas y/o neurológicas que les impedían comprender la temática o cumplimentar el cuestionario. La muestra está compuesta por pacientes que estuvieron ingresados en los servicios de medicina interna y cirugía del hospital de Molina y del Hospital Universitario Reina Sofía, durante los meses de Septiembre a Diciembre de 2013, resultando una muestra final de 37 pacientes. Al no tratarse de un estudio de prevalencia no se ha precisado del cálculo del tamaño muestral. Debido a que la muestra de sujetos es pequeña, no pretendemos extrapolar los resultados al total de la población, la importancia del estudio reside en la significación clínica de los resultados, haciendo una aproximación al problema de salud identificado.


Variables En el estudio resultaron como variables dependientes la somnolencia (Escala Epworth), calidad del sueño (Índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh), confort en entorno hospitalario y tipo circadiano (Escala reducida de matutinidad-vespertinidad de Adan y Almirall). Como variables independientes, los aspectos biomédicos como el motivo de ingreso, tratamiento hipnótico, días de hospitalización y antecedentes clínicos, los factores sociodemográficos como la edad, sexo, nivel de estudios y estado civil, los hábitos de consumo como excitantes, alcohol y consumo de tabaco y datos antropométricos como la talla, el peso y el Índice de Masa Corporal (IMC), siendo este el resultado que obtenemos de dividir el peso del paciente en kg por la altura al cuadrado en metros, considerando obesidad los valores ≥ 25 kg/m2, normopeso los valores comprendidos entre 18,5 y 24,9, sobrepeso de 25 - 29,9, obesidad tipo I de 30 – 34,9, obesidad tipo II, de 35 – 39,9, y grado de obesidad tipo III si es ≥ 40 kg/m2. Método de Recogida de Datos El proyecto de investigación sigue los criterios promulgados para la investigación médica en seres humanos de la declaración de Helsinki (1964) por la Asociación Médica Mundial. Además ha sido aprobado por la Comisión de Investigación del Hospital General Universitario Reina Sofía y del Hospital de Molina de Segura (Región de Murcia, España). Como método de recogida de datos se utiliza un cuestionario autoadministrado que incluyen preguntas sobre datos antropométricos y sociodemográficos, hábitos tóxicos, la escala de confort en entorno hospitalario, el índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh (Buysse, Reynolds, Monk, Berman & Kupper, 1989), la escala de somnolencia de Epworth y la escala de matutinosvespertinos (Adan & Almirall, 1991). También contiene datos que cumplimenta el investigador como son el motivo de ingreso, días de hospitalización y antecedentes clínicos existentes. A los pacientes más independientes se facilita el cuestionario con una hoja informativa para que ellos mismos lo cumplimenten. En cambio a los pacientes con más dificultades para escribir y leer correctamente se les informa verbalmente sobre el estudio y se lee cada una de la preguntas de manera oral, siendo en este caso el investigador el que rellena el cuestionario. Así mismo, se garantiza la total confidencialidad de todos los datos e información relativa a los participantes, tal y como se observa en la Ley Orgánica 15/1999, de 13 de diciembre, de Protección de Datos de Carácter Personal.

En pos de dicha confidencialidad no se ha escrito ninguna información en los cuestionarios que pueda servir para identificar a los encuestados (nombres, apellidos, dirección, teléfono, etc.). Se les identifica solamente por códigos preestablecidos. Los pacientes fueron informados del estudio previamente, firmando un consentimiento informado para participar. Se consigue el consentimiento informado de la informante y se les comunica que su participación es voluntaria, pudiendo terminar la encuesta y salir del estudio en cualquier momento. Escalas de Medida Usadas en el Cuestionario Escala de Epworth. La somnolencia ha sido medida con la Escala de Epworth (ESE), que examina la tendencia a quedarse dormido en ocho situaciones distintas de la vida diaria, diferenciando somnolencia de fatiga. La puntuación global tiene un rango de 0 a 24. De esta manera, si la persona puntúa entre 0 y 6, se considerará que no padece somnolencia diurna; entre 7 y 13, tiene ligera somnolencia diurna; entre 14-19 puntos, se considera que la persona tiene moderada somnolencia diurna; y finalmente, quién alcance puntuaciones entre 20 y 24 padece somnolencia diurna grave (Johns, 1991). Índice de calidad del sueño de Pittsburgh. El Índice de Calidad del sueño de Pittsburgh proporciona una puntuación global de su calidad con un rango entre 0 (ninguna dificultad) y 21 puntos (dificultades en todas las áreas). Un resultado mayor a 5 en la puntuación global nos indicará que el encuestado tiene mala calidad del sueño. Además una puntuación de 5 es el punto de corte para diferenciar a sujetos buenos dormidores de malos dormidores (Buysse et al. 1989). Escala reducida de matutinidad-vespertinidad de Adan y Almirall (rCMV). Las diferencias individuales en los ritmos circadianos parecen tener un papel importante en la adaptación al trabajo por turnos. En nuestro estudio hemos utilizado la escala reducida de matutinidad-vespertinidad de Adan y Almirall (1991) que se compone de 5 ítems cuya puntuación global nos determina los siguientes tipos resultantes: Tipo claramente matutino (22-25 puntos). Tipo moderadamente matutino (18-21 puntos). Ningún tipo (12-17 puntos). Tipo moderadamente vespertino (8-11 puntos).Tipo claramente vespertino (4-7 puntos). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 45


Escala de confort hospitalario. Incluimos una escala de elaboración propia sobre el confort del paciente en entorno hospitalario con la intención de analizarla (tabla 1). Esta escala contiene 11 preguntas y puede presentar valores entre 11 y 49 puntos, entendiéndose que a más puntuación menos confort tendrá el sujeto. Consideraremos a fin de discernir si el institucionalizado tiene confort o disconfort, el percentil 75, con lo que los valores iguales o superiores a dicho valor nos conforman el grupo con disconfort dentro de la muestra de estudio. Tabla 1 - Escala de Confort Hospitalario ITEMS

1

2

3

1. ¿Cómo valora la relación con su compañero/a de habitación?

Muy buena

Buena

Regular Mala

Muy mala

2. ¿Cómo valora las instalaciones y aparataje?

Muy bien

Bien

Regular Mal

Muy mal

3. ¿Cómo valora su habitación?

Muy bien

Bien

Regular Mal

Muy mal

4. ¿Cómo considera de ruidosa la habitación?

Nada

Poco

Regular Bastante

Mucho

5. ¿Cómo considera de confortable la cama en el hospital?

Mucho

Bastante

Regular Poco

Nada

6. ¿Qué nivel de confort le proporciona el personal sanitario a la hora de dormir?

Muy bueno

Bueno

Regular Malo

Muy malo

7. Considera que Mucho el tiempo que le dedican los sanitarios para que Ud. este cómodo es…

Bastante

Regular Poco

Nada

8. ¿Recibe información sobre pruebas que le realizan?

No

Regular Bastante

Mucho

Regular Bastante

Mucho

Si

9. Si no recibiera falta Nada de información sobre las pruebas que le realizan, ¿cuánto le incomodaría?

Poco

10. ¿Recibe información sobre su tratamiento?

Si

No

11. Si percibiera falta de información sobre su tratamiento, ¿cuánto le incomodaría?

Nada

Poco

4

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5

Análisis Estadístico Los datos se procesaron en una base de datos de Microsoft Excel y posteriormente se exportaron al programa estadístico SPSS para Windows, versión 21.0. Se analizaron las distintas variables del estudio mediante el cálculo de estadísticos descriptivos básicos, frecuencias, media aritmética y desviación típica. Para analizar la distribución de las variables cuantitativas en función de variables categóricas, de dos categorías, se utilizó la prueba T de Student para muestras independientes, comprobando previamente la distribución normal de las variables cuantitativas con el test de Kolmogorov Smirnov. A la hora de comprobar la asociación existente entre variables cualitativas se utilizó una prueba basada en la distribución chi cuadrado. En los contrastes de hipótesis se aceptaron como significativos los resultados obtenidos para p <0,05. RESULTADOS Características Sociodemográficas y Antropométricas De los sujetos de estudio, 21 (56.8%) son hombres y la edad media global es de 50.57 ± 18.05 años (IC 95% 44.45-56.59). La edad mínima es de 19 años mientras que la máxima es de 87 años. Del total de los sujetos, 10 (27%) son solteros, 20 (54.1%) están casados o con pareja, 4 son viudos (10.8%) y 3 (8.1%) están divorciados. Respecto al total de la muestra, 3 (8.1%) no tienen ningún estudio, 20 (54.1%) tienen completados estudios de primaria o secundaria, 9 (24.3%) han realizado BUP, bachillerato o FP y 5 (13.5%) tienen estudios universitarios. La talla media obtenida es de 1.67 ± 0,11 m (IC 95% 1.63-1.70) resultando que la talla mínima es de 1.26 m y la máxima de 1.84 m. Al analizar el IMC encontramos un valor medio de 26.88 ± 6.24 Kg/m2 (IC 95% 24.80-28.96) resultando el valor mínimo obtenido 14.20 Kg/m2 y el valor máximo 51.65 Kg/m2. Un 40% del conjunto de la muestra (según la OMS) presentan normopeso, tienen sobrepeso el 35.1%, un 18.9% presenta algún grado de obesidad y únicamente un 5.4% entra dentro del bajopeso. Aspectos Biomédicos Del total de pacientes, 17 (45.9%) han tenido un motivo de ingreso médico frente a 20 (54.1%) que han tenido una causa quirúrgica. De los sujetos hay 20 (54.1%) que toman algún fármaco psicoactivo o hipnótico y 17 (45.9%) que no toman ninguna medicación con este efecto. El valor medio de estancia hospitalaria es de 4.65 ± 4.7 días (IC 95% 3.08-6.21).


Como mínimo llevan 1 día ingresados y como valor máximo 20 días. El valor del percentil 50 es 3 días, el valor del percentil 75 es de 4 días y por último el valor del percentil 25 es de 2 días. Escala de Somnolencia de Epworth La puntuación media obtenida es de 15.41 ± 3.17 puntos (IC 95% 14.35 – 16.46) con un valor de máximo de 8 puntos y un valor mínimo de 21 puntos. El valor del percentil 25 es de 13 puntos, el que corresponde al percentil 50 es de 15 puntos y finalmente el del percentil 75 es de 18.5 puntos. Un 29.7% (11 institucionalizados) tiene somnolencia leve o ligera, un 59.5% presenta somnolencia moderada y tenemos a un 10.8% que presentan una grave somnolencia. Escala de Confort Hospitalario Como hemos explicado anteriormente, a mayor puntuación en la escala menor confort tendrá el sujeto. Se consideró el percentil 75 (28 puntos) a fin de discernir si el institucionalizado tiene confort o disconfort, con lo que los valores iguales o superiores a 28 nos conforman el grupo con disconfort. La media de puntuación resultó de 25.49 ± 3.83 (IC 95% 24.21-26.76). La puntuación mínima ha sido de 16 puntos mientras que la máxima ha sido de 33 puntos. Con ello, hemos obtenido un 70.3% (26 sujetos) del total de pacientes con Confort frente a un 29.7% (11 sujetos) con Disconfort. Escala Reducida de Matutinidad-Vespertinidad La puntuación media obtenida en el cuestionario fue de 14.76 ± 1.4 puntos (IC 95% 14.29 – 15.22). El valor de 12 puntos es el mínimo obtenido, y el de 18 el máximo. Sólo un sujeto (2.7%) tiene un ritmo marcadamente matutino, el grupo restante, que es prácticamente toda la muestra, lo forman 36 personas (97.3%) y tienen un ritmo intermedio. Valoración de la escala de confort en función de otras variables de estudio. En cuanto al grupo que obtuvo confort, la duración media de su estancia hospitalaria de 5.46 ± 5.32 días, superior a la media de 2.73 ± 1.68 días del grupo sin confort, con p=0.106. Analizando el grado de obesidad según el confort vemos que un 34.6% de los que perciben confort tienen normopeso según el IMC, los que tienen alguna alteración representan el 65.4% de este grupo. Dentro de los expresan una falta de confort, un 54.5% (6 sujetos) tienen normopeso y un 45.5% bajopeso, sobrepeso u obesidad, con p=0.259.

La media de cigarrillos semanales es de 0.69 ± 2.46 en los pacientes con confort, y en cambio, los institucionalizados con disconfort son fumadores de una media de 18.64 ± 40.99 cigarrillos a la semana, con p=0.03. Dentro de los pacientes con confort vemos que los fumadores y exfumadores son el 46.2%, y los no fumadores se representan con un 53.8%. Hay influencia del tabaquismo en la aparición del disconfort, un 90.9% de este grupo ha sido o es fumadora con p=0.011. Valoración de la escala de somnolencia de Epworth en función de otras variables de estudio. En función de la duración de la estancia expresada en días en el momento de cumplimentar el cuestionario, observamos que la media del grupo que posee ligera somnolencia es de 5.55 ± 5.79 días. En cambio para el grupo que posee somnolencia moderada o grave, la media de hospitalización es de 4.27 ± 4.23 días, algo inferior, con p=0.519. En cuanto a la representación por sexo, en los que sufren de somnolencia leve, hay 5 hombres (45.5%) y 6 mujeres (54.5%). En el caso del grupo de somnolencias más graves, notamos que hay 16 hombres (61.5%) respecto a 10 mujeres (38.5%), con p= 0.367. Con respecto a la edad, tenemos una media de 49.82 ± 20.85 años para los que sufren de somnolencia ligera mientras que para los tienen un grado de somnolencia moderada o grave la media es de 50.88 ± 17.17 años, ninguna diferencia apreciable, con p= 0.883 En cuanto al IMC, obtenemos una media para los sujetos con somnolencia ligera de 27.7 ± 5.56 Kg/m2. La diferencia con el grupo que padecen de somnolencia moderada-grave es pequeña, la media en este caso es de 26.53 ± 6.57 Kg/ m2, con p=0.586. Para los que se han categorizado como leves tenemos una mayoría de pacientes que sufren de alguna alteración en su IMC, obteniendo bajopeso, sobrepeso u obesidad. Esta mayoría es un 72.7% (8 sujetos) frente al 27.3% (3 sujetos) que tiene normopeso. En los somnolientes moderados o graves hay más igualdad, un 46.2% (12 individuos) tienen normopeso y un 53.8% poseen alguna alteración por encima o por debajo del intervalo correspondiente al peso normal, con p=0.285. En cuanto al número de cigarrillos sí apreciamos diferencias según el grado de somnolencia, en el caso de las personas con afectación ligera tenemos una media de 2.27 ± 6.07 cigarrillos consumidos a la semana. Es significativa la diferencia respecto la media del consumo en el grupo con somnolencia moderada-grave, un valor de 7.62 ± 27.46 cigarrillos a la semana, con p=0.355. En el caso de los que tienen un grado de somnolencia moderada o grave, un 61.5% (16) son exfumadores o fuman frente al 38.5% (10) que nunca han tenido este hábito, con p=0.692. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 47


Análisis de la Correlación de Pearson. En cuanto a la escala de confort vemos una correlación significativa con el consumo de cigarrillos R=0.403 con p=0.013, el disconfort (a más puntuación en la escala) aparece cuanto más se fuma. También existe una baja relación entre esta escala y la calidad del sueño de Pittsburgh R=0.260 con p=0.121, a más puntuación, más disconfort y peor calidad del sueño. La somnolencia diurna esta correlacionada significativamente con la mala calidad del sueño R=0.374 con p=0.023, a peor sueño aumenta la somnolencia durante el día. La escala referente al tipo circadiano está correlacionada negativamente con la escala de somnolencia: R= -0.271 con p= 0.104, a ritmo circadiano más matutino menos somnolencia diurna. A mayor edad de los pacientes, más larga la estancia hospitalaria con R=0.297 con p=0.075. El ritmo circadiano se correlaciona de manera estadísticamente significativa con la edad de los sujetos R=0.371 con p=0.024, o sea, las personas con más edad tienen un ritmo más matutino. Hay una alta correlación estadísticamente significativa entre el IMC y el consumo semanal de cigarrillos con R=0.634 con p<0.001, lo que significa que las personas que fuman más suelen estar más obesos. Podemos apreciar una relación entre el IMC y la escala de calidad del sueño con R=0.339 con p=0.04; esta correlación es significativa, a más obesidad aparece un peor sueño. DISCUSIÓN Existen múltiples factores que producen somnolencia diurna y la mala calidad del sueño se revela como uno de ellos. La totalidad de nuestros pacientes sufre algún grado de somnolencia, y en más de la mitad de ellos se presenta una gravedad moderada (59.5%). En un segundo escalón tenemos a sujetos con somnolencia leve (29.7%) y en último lugar a personas en la categoría de grave (10.8%). El hecho de que la hospitalización produzca un encamamiento prolongado en las personas institucionalizadas hace que la somnolencia diurna aumente por un mal descanso nocturno. En un estudio realizado en hospitalizados de medicina interna (Freire, Torres & Ramírez, 2013) un 58% de sujetos que no hacían siestas, al ingresar en el hospital un 78% la hacían de una a cuatro veces cada día. Es síntoma inequívoco que los trastornos de sueño provocados en el hospital aumenta la somnolencia diurna. El índice Pittsburgh nos revela que la muestra sufre de una mala calidad general objetiva del sueño. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 48

Teniendo en cuenta que la puntuación de 5 es el punto de corte para separar “buenos dormidores” de “malos dormidores” el 100% de los sujetos analizados son considerados como malos dormidores. Los resultados obtenidos nos viene a confirmar datos previos en otros estudios parecidos realizados en otros hospitales (Young et al., 2008; Young, Bourgeois, Hilty & Hardin, 2009). Estudios pasados demuestran que los pacientes que están en servicios quirúrgicos tienen un peor sueño que los situados en medicina interna (Young et al., 2008; Young et al. 2009; Ünsal & Demir, 2012). La razón principal seguramente radica en la fuerte asociación entre el dolor y la disrupción del sueño; una revisión sistemática reciente (Finan, Goodin & Smith, 2013) aporta numerosos estudios que confirman su relación recíproca. En nuestro estudio no hemos encontrado diferencias significativas entre el sueño de unidades hospitalarias quirúrgicas y médicas. El entorno hospitalario hace cambiar las rutinas que afectan al ciclo-vigilia. Las normas del hospital marcan cuando se puede dormir, tenemos a las extracciones tempranas de sangre, la medicación administrada sobre las 00:00h y las 06:00h, tomas de temperatura y control de diuresis, etc. Estas alteraciones favorecen a que nuestros pacientes presenten trastornos del sueño y aumente la somnolencia diurna. El cronotipo encontrado en nuestro grupo es muy homogéneo, un solo paciente no es de cronotipo intermedio, siendo moderadamente matutino. Se podría pensar que el confort de los pacientes va disminuyendo con los días ingresados pero conforme va avanzando la estancia los sujetos institucionalizados se van encontrando mejor en su nuevo entorno. Acorde con nuestros resultados, en el estudio del Hospital Erasmo Meoz (Uribe, Torrado & Acevedo, 2012) se puede observar que a medida de que pasan los días de estancia la comodidad del paciente aumenta, seguramente debido a procesos adaptativos. En nuestro estudio no hemos encontrado diferencias significativas en la calidad del sueño según las variables sociodemográficas. Basándonos en el estudio de Park et al. (2010) las personas que duermen 5 horas o menos tienen una peor calidad del sueño y se correlacionan con una edad avanzada y estar viudo/a, separado/a o divorciado/a. Está constatada la relación de múltiples trastornos del sueño, especialmente el insomnio, en personas institucionalizadas mayores de 60 años (Bakr et al., 2012). Con el análisis de correlación de Pearson hemos observado una asociación entre el IMC de las personas encuestadas y su consumo de cigarrillos, de manera que los que fuman más cantidad de cigarrillos son más obesos (R=0.634 con p<0.001).


Sería lógico pensar que en el grupo de pacientes que se dé por un lado el tabaquismo como hábito tóxico y por otro un IMC elevado, tenga un alto riesgo de sufrir alguna enfermedad cardiovascular y/o respiratoria. El IMC se correlaciona con la calidad del sueño de manera que los pacientes con IMC más elevados tienen un sueño de peor calidad. Así mismo la pérdida de sueño en adultos jóvenes se ha relacionado con una alteración de la proporción grasa-musculo tendiendo a producir un sobrepeso (van Cauter et al., 2000). La relación entre el tabaquismo y el efecto negativo sobre la calidad del sueño no ha sido significativa, en cambio un factor que si se ha asociado con un “mal sueño” como es el índice de masa corporal, se relaciona de manera clara con el consumo de cigarrillos, con lo que podríamos hablar que la relación entre este hábito tóxico y el sueño es indirecta. Otros estudios realizados en adultos nos evidencia que los fumadores de más de 20 cigarrillos al día tienen dificultad para quedarse dormidos (Allison, 2012). Hemos podido constatar una correlación positiva significativa (R=0.374 con p=0.013) entre la somnolencia (medida con la ESE) y la calidad objetiva del sueño (medida con el PSQI) de manera que cuando aumenta la puntuación del PSQI hay peor calidad del sueño, aumentando de forma patológica la somnolencia que padece el paciente durante el día. En las personas mayores es común la aparición de un sueño fragmentado, con una percepción de mala calidad de este y el aumento de la somnolencia diurna. Otros estudios también corroboran el aumento de la somnolencia diurna con la edad (Bakr et al., 2012; Braun, Cines & Gooneratne, 2012). Existe una correlación positiva entre la escala de confort con el índice de Pittsburgh y la escala de somnolencia de Epworth, de manera que los pacientes que manifiestan un mayor índice de disconfort tienen peor calidad del sueño y mayor somnolencia diurna. Existe una asociación negativa en la escala de confort y la escala de reducida de matutinidad-vespertinidad no significativa; R=-0.234 con p=0.162. Los sujetos con tipo circadiano vespertino los que mayor disconfort manifiestan. El hábito tabáquico influye de manera significativa en una persona que es hospitalizada. Por la normativa vigente, tiene que dejar de fumar durante su estancia en el hospital. Esta situación le genera ansiedad, según el consumo de cigarrillos los que están incómodos con la hospitalización fumaban antes de su ingreso 18.64 cigarrillos de media, frente al consumo medio de 0.69 cigarrillos de los que se muestran cómodos en el centro.

El ritmo circadiano se correlaciona significativamente con la edad, R=0.371 con p=0.024, las personas con más edad tienen un ritmo más matutino, mientras que las más jóvenes tienden a tener un ritmo más vespertino y a estar más activo a horas más nocturnas. Esto puede estar influido por el estilo de vida de los jóvenes que tienden a más a trasnochar y usualmente tienen menos cargas laborales y familiares. Estudios como el de Gallego (2013) con adultos jóvenes refrendan la relación de la edad con el ciclo circadiano, con este conjunto de sujetos de media más joven que la analizada en nuestro estudio se consiguió una mayoría de ritmo vespertino. CONCLUSIONES La totalidad de los pacientes analizados presentan una mala calidad del sueño. El 100% de la muestra estudiada sufre algún grado de somnolencia, siendo en un 70.3% de moderada a grave. La excesiva somnolencia diurna en los pacientes institucionalizados está relacionada con la mala calidad del sueño. Un 97,3% presenta un cronotipo intermedio, si bien el ritmo circadiano analizado presenta una clara asociación con la edad, a más edad mayor es la tendencia a presentar un cronotipo matutino. El IMC elevado y el tabaquismo favorecen la mala calidad del sueño. Un 29,7% de los pacientes presentan disconfort, destacando la representación de hombres con un 81.8% y los fumadores con un 90.9%. Por el contrario, el confort de los pacientes mejora conforme aumenta la estancia hospitalaria. Existe una correlación positiva entre la escala de confort y el índice de calidad del sueño de Pittsburgh y la escala de somnolencia de Epworth, de manera que los pacientes que manifiestan un mayor índice de disconfort son también los que peor calidad del sueño y mayor somnolencia diurna presentan. Concurre una asociación negativa en la escala de confort y la escala de reducida de matutinidad-vespertinidad, siendo los sujetos con tipo circadiano vespertino los que mayor disconfort manifiestan. Conseguir el mantenimiento de un buen sueño a nivel hospitalario es uno de los desafíos sanitarios en aras de aumentar el confort y acelerar la recuperación de los pacientes institucionalizados. IMPLICACIONES PARA LA PRÁCTICA CLÍNICA Y FUTURAS INVESTIGACIONES Es fundamental que los profesionales de enfermería tomen conciencia de la importancia de una buena calidad del sueño, poniendo a disposición de los pacientes los recursos educacionales y materiales necesarios para conseguir mejorar el sueño. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 49


Con este propósito, haría falta una formación específica que habilite a dichos profesionales en estas competencias, centrada en conocer los hábitos y conductas perjudiciales para conseguir modificarlas mediante educación para la salud, así también como en la influencia que tienen determinadas actividades enfermeras y la forma de modularlas para el beneficio del paciente. Por ello proponemos seguir investigando todos estos aspectos ya que conseguir una mejora en el sueño podría reducir la estancia hospitalaria, y mejorar el bienestar de las personas institucionalizadas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adan, A., & Almirall, H. (1991). Horne & Östebrg Morningness - Eveningness Questionnaire: a reduced scale. Personality and Individual Differences, 12(3), 241-253. Allison, M. (2012). Evaluation of Insomnia in the adult client. Journal for Nurse Practitioner, 8(4), 330-331. doi:10.1016/j.nurpra.2012.02.009 Bakr, I. M., Elaziz, K. M. A., Ezz, N. F. A. E., & Fahim, H. I. (2012). Insomnia in institutionalized older people in Cairo, Egypt: Prevalence and risk factors associated. European Geriatric Medicine, 3(2), 92-96. doi:http:// dx.doi.org/10.1016/j.eurger.2012.02.002 Buysse, D. J., Reynolds, C. F., Monk, T. H., Berman, S. R., & Kupper, D. J. (1989). The Pittsburgh Sleep Quality Index: A new instrument for psychiatric practice and research. Psychiatric Research, 28, 193-213. Braun, M. E., Cines, P., & Gooneratne, N. S. (2012). Hypersomnia in older patients. Sleep Medicine Clinics, 7(2), 365-378. doi:http://dx.doi.org/10.1016/j. jsmc.2012.03.011 Finan, P. H., Goodin, B. R., & Smith, M. T. (2013). The association of Sleep and Pain: an update and a path forward. Journal of Pain, 14(12), 1539-1552. Freire, A., Torres, A., & Ramírez, G. G. (2013). Factores hospitalarios que inciden en las alteraciones y hábitos del sueño en pacientes hospitalizados en el servicio de medicina interna del hospital San Luis de Otavalo en el periodo de Noviembre del 2010 a julio del 2011. Trabajo fin de grado, Universidad Técnica del Norte, Ecuador. Gallego, J. I. (2013). Calidad del sueño y somnolencia diurna en estudiantes de enfermería: estudio de prevalencia. Tesis doctoral, Universidad Católica de Murcia, España. Hunter, P. (2008). To sleep, perchance to live sleeping is vital for health, cognitive function, memory and long life. EMBO Reports, 9(11), 1070-U5. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 50

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Artigo de Investigação

A IMPORTÂNCIA DA QUANTIFICAÇÃO DA RESERVA COGNITIVA | Margarida Sobral1; Maria Helena Pestana2; Constança Paúl3 |

RESUMO CONTEXTO: A Reserva Cognitiva (RC) é um constructo hipotético usado para informar sobre o envelhecimento cognitivo, que descreve a capacidade do cérebro adulto em lidar com os efeitos de processos neurodegenerativos e é concebida como uma construção dinâmica. OBJETIVOS: (a) Comparar o desempenho da RC (avaliada com Questionário de RC) de um grupo de doentes com Doença de Alzheimer (DA) e de um grupo de pessoas em idade avançada saudáveis; (b) Realizar a avaliação cognitiva e funcional de doentes com DA e de pessoas em idade avançada saudáveis com diferentes níveis de RC; (c) Identificar as variáveis preditoras de RC. METODOLOGIA: Este estudo foi transversal e os dados recolhidos incluíram dados sociodemográficos, variáveis relacionadas com a RC e variáveis clínicas. As competências neuropsicológicas e funcionais de um grupo de 50 doentes com o diagnóstico de DA e de 30 pessoas em idade avançada saudáveis foram avaliadas. Todos os participantes responderam ao QRC. RESULTADOS: Os participantes com um nível médio/alto de RC obtiveram melhores resultados no MMSE comparativamente com os participantes com um nível baixo de RC. A análise de variância (ANOVA) não mostrou diferenças significativas no QRC nas pontuações entre grupos. Os resultados da regressão logística nos dois grupos indicaram que as pontuações no QRC foram influenciadas significativamente pela escolaridade (p<0,000) e pela ocupação (p<0,000). CONCLUSÃO: Os participantes com níveis mais elevados de RC obtiveram pontuações mais elevadas nos testes cognitivos relativamente aos com níveis mais baixos de RC. A escolaridade e a ocupação são preditoras dos níveis de RC. PALAVRAS-CHAVE: Reserva cognitiva; Doença de Alzheimer

RESUMEN

ABSTRACT

“La importancia de la cuantificación de la reserva cognitiva”

“The importance of quantification of cognitive reserve”

CONTEXTO: Reserva cognitiva (RC) es un constructo hipotético utilizado para obtener información sobre el envejecimiento cognitivo, que describe la capacidad del cerebro adulto para hacer frente a los efectos de los procesos neurodegenerativos y se concibe como una construcción dinámica. OBJETIVOS: (a) Comparar el rendimiento de la RC (evaluado por Cuestionario RC) de un grupo de pacientes con Enfermedad de Alzheimer (EA) y un grupo de edad avanzada sanas adulta; (b) Realizar la evaluación cognitiva y funcional de los pacientes con EA y personas sanas de edad avanzada con diferentes niveles de RC; (c) Identificar predictores de RC. METODOLOGÍA: Este estudio fue transversal y los datos recogidos incluyeron datos demográficos, variables relacionadas con la RC y variables clínicas. Se evaluaron las habilidades funcionales y neuropsicológicas de un grupo de 50 pacientes con diagnóstico de EA probable y de 30 sujetos sanos de edad avanzada. Todos los participantes respondieron al CRC. RESULTADOS: Los participantes con un nivel medio/alto de RC obtuvieron un mejor desempeño en el MMSE en comparación con los participantes con un nivel bajo de RC. El análisis de la varianza (ANOVA) no mostró diferencias significativas en las puntuaciones en el CRC en las puntuaciones entre los grupos. Los resultados de la regresión logística de ambos grupos indicaron que las puntuaciones en el CRC influyó significativamente en la educación (p <0,000) y la ocupación (p <0,000). CONCLUSIÓN: Los participantes con los niveles más altos de RC obtuvieron puntuaciones más altas en las pruebas cognitivas en comparación con aquellos con niveles más bajos de RC. La educación y la ocupación a lo largo de la vida son predictivos de los niveles de la RC.

BACKGROUND: Cognitive Reserve (CR) is a hypothetical construct used to obtain information about cognitive aging, which describes the capacity of the adult brain to cope with the effects of neurodegenerative processes and it is conceived as a dynamic construction. AIMS: (a) Compare the performance of the CR (assessed with CR Questionnaire) of a group of Alzheimer Disease (AD) patients and a group of healthy elderly (b) Conduct cognitive and functional evaluation of AD patients and healthy elderly with different levels of CR; (c) Identify predictors of CR. METHODS: This study was cross-sectional and the data collected included demographic data, CR variables and clinical variables. The neuropsychological and functional abilities of 50 AD and of 30 healthy elderly were evaluated. All participants answered the CRQ. RESULTS: The participants with a medium/high CR level achieved better results on MMSE than the participants with low CR level. Analysis of variance (ANOVA) showed no significant differences on CRQ scores between the two groups. Logistic regression results for both groups indicated that the CRQ scores were significantly influenced by education (p<0.000) and occupation (p< 0.000). CONCLUSION: Participants with higher levels of CR obtained higher scores on cognitive tests comparatively to older people with lower levels of CR. The education and occupation throughout life are predictive of levels of CR.

DESCRIPTORES: Reserva cognitiva; Enfermedad de Alzheimer

KEYWORDS: Cognitive reserve; Alzheimer’s disease Submetido em 16-09-2014 Aceite em 30-11-2014

1 Mestre em Psicologia; Doutoranda em Gerontologia e Geriatria no ICBAS; Psicóloga Clínica no Hospital Magalhães Lemos, margaridasobral@hmlemos.min-saude.pt 2 Doutora em Métodos Quantitativos de Gestão; Professora Auxiliar no Instituto Universitário de Lisboa, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa,mhpp@iscte.pt 3 Doutora em Ciências Biomédicas; Professora Catedrática na Escola de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, ICBAS; Porto, paul@icbas.up.pt Citação: Sobral, M., Pestana, M. H., & Paúl, C. (2014). A importância da quantificação da reserva cognitiva. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (12), 51-58. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 51


INTRODUÇÃO O fenómeno do envelhecimento demográfico em Portugal tem ocorrido em todo o país, com 19,1% da população com mais de 65 anos (Instituto Nacional de Estatística, 2011). O risco de doença, incapacidade e morte aumenta com a idade e as previsões sobre a projeção da mortalidade causada por doenças de carácter neurodegenerativo nas próximas décadas indicam um aumento marcado do número de casos, sendo as demências nas suas diversas manifestações as que mais afetarão as pessoas em idade mais avançada (Prince et al., 2013). A Doença de Alzheimer (DA) é uma desordem neurodegenerativa crónica, acompanhada por disfunção cerebral complexa, manifestando-se clinicamente por um declínio cognitivo e funcional, com progressão gradual e por frequentes perturbações psicológicas e do comportamento (Jalbert, Daiello, & Lapane, 2008). O construto da Reserva Cognitiva (RC) é definido como a capacidade de ativação progressiva das redes neuronais em resposta das necessidades crescentes e define a capacidade do cérebro adulto minimizar as manifestações clínicas de um processo neurodegenerativo (Stern, 2013). As pessoas experienciam desafios intelectuais ao longo da vida que contribuem para acumular Reserva, o que permite que as competências cognitivas se mantenham em idades mais tardias (Staff, Murray, Deary, & Whalley, 2004). A RC está concebida como uma construção dinâmica e o seu estado deve-se um conjunto de fatores, que incluem os fatores genéticos (Lee, 2007), os fatores socioeconómicos (Bisckel, & Cooper, 1994), escolaridade (Stern, 2006; Sobral & Paúl, 2013a), o tipo de trabalho que desempenhamos ao longo da vida (Qui et al., 2003) e participação em atividades de lazer (Sobral & Paúl, 2013a, 2013b). Nos fatores associados com os benefícios cognitivos durante a idade adulta, incluemse a atividade física (Larson et al., 2006), o compromisso social (Scarmeas & Stern, 2003) e intelectual (Valenzuela, & Sachdev, 2006). O conceito de RC é muito complexo, o que leva ao aparecimento de diferentes propostas de avaliação. Nos últimos anos, investigadores têm elaborado questionários e escalas que procuram avaliar a RC através da participação em diferentes atividades de lazer a nível cognitivo, físico e social (Sobral, Pestana, & Paúl, 2014). Os objetivos deste estudo: (a) Comparar o desempenho da RC (avaliada com QRC) de um grupo de doentes com Doença de Alzheimer (DA) e de um grupo de pessoas adultas em idade avançada saudáveis (controlo); (b) Realizar a avaliação cognitiva e funcional de doentes com DA e de pessoas em idade avançada saudáveis com diferentes níveis de RC; (c) Identificar as variáveis preditoras de RC. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 52

MÉTODO Participantes O estudo incluiu um grupo de 50 doentes, acompanhados em consulta externa, com o diagnóstico de DA, recrutados no Hospital de Magalhães Lemos (HML), num serviço de psicogeriatria. Este estudo faz parte de um projeto de investigação intitulado “A pessoa com demência e a sua RC” e a sua realização foi autorizada pelo Conselho de Administração do HML. O Serviço de Psicogeriatria (SPG) acompanha doentes com demência, usando uma abordagem multidisciplinar para o diagnóstico e intervenção na demência. Todos os doentes preenchiam os critérios do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5ª edição (DSM-5) (American Psychiatric Association, 2013) e do Alzheimer´s Association and the Nacional Institute on Aging (McKhann et al., 2011). Nenhum doente sofria de doença grave e todos mantinham normais ou corrigidas condições de audição e visão. O grupo de controlo foi formado por 30 pessoas, com mais de 65 anos, seleccionados entre os cuidadores/familiares de doentes do SPG, saudáveis, sem défices cognitivos e sem antecedentes de doença neurológica. Foi adotado como critério de exclusão ter doença psiquiátrica aguda. Foram cumpridos todos os princípios éticos, tendo todos os participantes ou seu representante legal assinado o consentimento informado. Instrumentos Os dados sociodemográficos (idade, sexo, estado civil, nacionalidade, condição profissional) foram recolhidos através de uma entrevista estruturada e foram fornecidos pelos doentes com DA ou/e pelos cuidadores e pelas pessoas saudáveis do grupo de controlo. O Questionário da Reserva Cognitiva (QRC) (Rami et al., 2011) foi usado para avaliar a RC. Sobral, Pestana, & Paul (2014) validaram para a população portuguesa este instrumento, que consideraram ser um instrumento adequado para a avaliação da RC na população portuguesa. Na validação do questionário, a dimensão subjacente ao QRC foi analisada através da análise factorial das componentes principais (AFCP), enquanto que a consistência interna foi dada pelo alfa de Cronbach. A AFCP com rotação varimax adaptou-se bem aos dados conforme os bons indicadores da qualidade do ajustamento obtidos quer pelo Goodness of fit índex = 0,99, como pelo Root Mean Square Residual= 0,048, os quais se baseiam na matriz das correlações residuais.


A existência de um valor próprio>1(critério de Kaiser) e a maior inclinação do scree plot mostraram a existência de uma única dimensão no QRC. As respostas foram consistentes, pois existe uma boa correlação entre os itens, conforme medida de adequação amostral Keiser-Meyer-Olkin=0,761 e teste de esfericidade de Bartlett=204,159; df = 28; p<0,01. O QRC com 8 itens (1. Escolaridade; 2. Escolaridade dos pais; 3. Cursos de formação; 4. Ocupação laboral; 5. Formação musical; 6. Línguas (mantém uma conversa); 7. Atividade de leitura; 8. Jogos intelectuais (xadrez, puzzles, palavras cruzadas)) mostrou uma boa consistência interna (Alfa de Cronbach=0,795). A grande proximidade entre os valores dos alfas com e sem um qualquer item, mostrou que o QRC não dependente de nenhum em especial, demostrando que todas as questões pertencentes ao RC são relevantes. Mini Mental State Examination (MMSE) (Folstein et al., 1975) é constituído por 30 questões e é uma escala de avaliação das capacidades cognitivas, como a orientação, memória, cálculo, atenção, linguagem e capacidade visuo-construtiva. O máximo de pontos que a pessoa poderá obter são 30. A versão usada foi adaptada e validada para a população portuguesa por Guerreiro (1998). O MMSE é extremamente fácil de aplicar e a sua administração ronda aproximadamente 10 a 15 minutos. Neste estudo foram utilizados os valores de corte normativos ajustadas ao nível de escolaridade para a população portuguesa. Os pontos de corte para o diagnóstico de demência foram os seguintes: abaixo de 27 para >11 anos de escolaridade, ≤22 para 1-11 anos de escolaridade e ≤15 para os analfabetos. O Clinical Dementia Rating (CDR) (Hughes, Berg, Danziger, Coben, & Martin, 1982) avalia o grau de deterioração, tendo sido usada a tradução e adaptação de Garret et al. (2008).Os domínios avaliados incluem: memória, orientação, juízo e resolução de problemas, atividades na comunidade, atividades em casa, passatempos e cuidado pessoal. O nível do grau de severidade da demência é avaliado de acordo com as seguintes categorias: 0 (sem demência); 0,5 (demência questionável); 1 (demência ligeira); 2 (demência moderada); e 3 (demência grave). Para a avaliação funcional foi usado o Índice Barthel e o Índice de Lawton e Brody. O Índice Barthel (Mahoney & Barthel,1965) é uma medida que avalia o nível de dependência da pessoa, relativamente à realização de 10 atividades básicas de vida diária. Os resultados variam de 0 a 100% em grau de dependência na realização das diferentes atividades.

O Índice de Lawton e Brody (Lawton & Brody, 1969) foi usado para avaliar as atividades instrumentais de vida diária e valoriza a capacidade da realização de utensílios habituais e atividades sociais, através de 8 itens: cuidar da casa, lavar a roupa, prepara as refeições, ir às compras, usar o telefone, usar os transportes, usar o dinheiro e ser responsável pela toma da medicação. Neste índice pontuamos se a pessoa consegue realizar a tarefa e pontua-se 8 pontos quando a pessoa é completamente independente e com mais de 20 pontos quando necessita de muita ajuda para a realização de tarefas. O Índice de Graffar (Graffar, 1996) foi o instrumento utilizado para a caracterização social. Este índice tem cinco categorias de I (classe alta), II classe (média alta), III (classe média), IV (classe média baixa) e V (classe baixa). A Classificação Portuguesa das Profissões 2010 (INE, 2011) foi usada para classificar os participantes de acordo com a ocupação laboral. Desenho e Procedimento Este estudo foi transversal e os dados recolhidos incluíram dados sociodemográficos (idade, sexo, estado civil, condição profissional), variáveis relacionadas com a RC (nível de escolaridade, ocupação ao longo da vida e participação em atividades de lazer) e variáveis clínicas. Os doentes foram submetidos a uma primeira avaliação com o MMSE e CDR com o objetivo de recrutamento e, num segundo momento, todos os participantes foram sujeitos a uma entrevista na qual se recolheram dados sociodemográficos e a uma avaliação do nível social (Índice de Graffar), uma avaliação funcional (Índice de Barthel e o Índice de Lawton e Brody), uma avaliação neuropsicológica (MMSE e CDR) e avaliação da RC (QRC). Este estudo explorou os dados através da estatística descritiva. Em termos inferenciais, na relação entre variáveis métricas e categóricas com duas ou mais categorias usou-se os testes t de Student e F de Snedecor do One-Way Anova; a relação entre variáveis categóricas sempre que não existiam efeitos interativos, recorreu aos modelos das tabelas de contingência através dos testes do Qui-Quadrado de Pearson, ou do rácio da verosimilhança (LR), consoante o tipo e o número de categorias das variáveis; a relação entre variáveis categóricas com efeitos interativos recorreu-se aos modelos de regressão logística. O suporte utlizado para a análise de dados foi o programa IBM SPSS Statistics 22 e foi seguido o manual de Pestana e Gageiro (2008).

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RESULTADOS A média de idade dos 50 doentes com DA foi de 77,54 anos (DP=4,82 anos; idades entre 61-91 anos) e dos anos de escolaridade foi de 5,68, enquanto os 30 participantes do grupo de controlo apresentaram uma média de idade de 75,90 anos (DP=5,05 anos; idades entre 66-87 anos) e uma média de anos de escolaridade de 4,90. No Quadro 1 apresenta-se a caracterização sociodemográfica da amostra de doentes com DA e de pessoas adultas em idade avançada saudáveis (controlo). Não existiam diferenças significativas entre os grupos, segundo a idade, conforme teste F do One-Way Anova = 2,091, df = (1;78), sig = 0,152. Não se encontraram diferenças significativas entre grupos relativamente aos anos de escolaridade (teste F do One-Way Anova = 0,671, df = (1;78), sig = 0,415) e especificamente, analisando os participantes analfabetos também não se encontraram diferenças significativas entre grupos, conforme teste F do One-Way Anova = 0,310, df=(1;8), sig = 0,593. No grupo “DA”, a maioria dos pacientes eram trabalhadores não qualificados (58%). Os trabalhadores não se distinguiam na profissão ao longo da vida entre grupos. A maioria dos pacientes era da classe III, classe média (46 %) e da IV, classe média baixa (46%). Não existiam diferenças significativas entre grupos, segundo as classes sociais, conforme teste do rácio da verosimilhança (LR) = 4,907, df=3, sig = 0,179. Quadro 1 - Caracterização Sociodemográfica e Clínica

Características sociodemográficas

Doentes DA (n=50)

Controlo (n=30)

p

Homens (n)(%) < Mulheres (n)(%)

13(26,00) <37(74,00)

8(26,66) < 22(73,33)

0,94 8

Idade (média) (DP) (Min/Max)

77,54 (4,82)(61/91)

75,90 (5,05)(66/87)

0,15 2

46 (23) 38 (19) 12 (6) 4 (2)

53,33 (16) 36,66 (11) 3,33 (1) 6,66 (2)

5,68 (4,13) (0/17)

4,90 (4,11) (0/16)

Escolaridade Analfabetos (%) (n) Sabe ler e escrever (%) (n) 4 anos (%) (n) >4 - 9 anos (%) (n) =>11 anos (%) (n) Ensino Superior (%) (n)

8 (4) 22 (11) 38 (19) 20 (10) 4 (2) 8 (4)

20 (6) 3,33 (1) 56,66 (17) 6,66 (2) 3,33 (1) 10 (3)

Nacionalidade portuguesa (%) (n)

100 (50)

100 (30)

58 (29) 10 (5) 26 (13)

80 (24) 3,33 (1) 10 (3)

6 (3)

6,66 (2)

8 (4) 46 (23) 46 (23)

0 (0) 50 (15) 50 (15)

Estado Civil Casados (%) (n) Viúvos (%) (n) Solteiros (%) (n) Divorciados (%) (n) Anos de escolaridade (Média)(DP) (Min/Max)

Profissão ao longo da vida Trabalho não qualificado (%) (n) Trabalhadores qualificados Trabalhadores dos serviços, pessoais, de proteção, segurança, vendedores e pessoal administrativo Técnicos e profissões de nível intermédio e especialista de atividade intelectuais e científicas Classe Social (Graffar) (%)(n) II (médio/alto) III (médio) IV (médio/baixo) e V (baixo)

0,506

0,415 0,520 0,593

0,153

0,179

No grupo de doentes com DA, 52% dos doentes sofriam de uma demência num estadio ligeiro (CDR=1), 28% de uma demência num estadio moderado (CDR=2) e 20% de uma demência num estadio grave (CDR=3). O grupo de doentes com DA obteve uma pontuação média no MMSE de 17,44, com um desvio padrão de 4,669. Enquanto, que o grupo de controlo obteve uma média no MMSE de 27,30, com um desvio padrão de 12,42. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 54


Os doentes com DA têm 2,397 vezes pontuação menos elevada MMSE do que os participantes do grupo de controlo e com 95% de confiança têm pontuações inferiores no MMSE entre 1,52 vezes a 3,769 vezes, tendo estes resultados sido obtidos pelo modelo de regressão logística (testes do Qui-Quadrado significativos para p = 0,05: -2LL, da diferença do rácio da verosimilhança e de Wald), que para um corte de 0,5 tem uma especificidade de 96%, sensibilidade de 86,7%, classifica 92,5% dos casos. O pseudo R Square de McFadden = 0,78 (ie, o MMSE permite redução da incerteza na diferenciação dos grupos em 78%). Os pacientes com DA têm 1,236 vezes menos pontuação (ou 23,6% menos) no Índice de Barthel do que os participantes do grupo de controlo e com 95% de confiança têm pontuações inferiores entre 1,05 vezes a 1,45 vezes (ou entre 5% a 45%). A elevada amplitude do intervalo mostra a grande associação entre as variáveis, tendo estes resultados foram obtidos pelo modelo de regressão logística (testes do Qui-Quadrado significativos para p = 0,05: -2LL, da diferença do rácio da verosimilhança e de Wald), que para um cut value=0,5 tem uma especificidade de 58%, sensibilidade de 96,7%, classifica bem 72,5% dos casos. O pseudo R Square de McFadden = 0,303. Os participantes do grupo DA têm 0,375 vezes mais pontuação (ou 62,5% mais) no Índice de Lawton do que os participantes do grupo de controlo e com 95% de confiança têm mais pontuação entre 0,21 vezes a 0,67 vezes (ou mais 33% a 79%). Os resultados foram obtidos pelo modelo de regressão logística (testes do Qui-Quadrado significativos para p = 0,05: -2LL, da diferença do rácio da verosimilhança e de Wald), que para um corte de 0,5 tem uma especificidade de 94%, sensibilidade de 96,7%, classifica bem 95% dos casos. O pseudo R Square de McFadden = 0,938. Relativamente ao grupo de doentes com DA existe uma associação linear negativa (R de Pearson= -0,400) e estatisticamente significativa entre o QRC e o MMSE, e entre o QRC e o Índice de Graffar (r=-0,321). Relativamente ao grupo de controlo existia uma associação linear negativa (R de Pearson=-,350) e estatisticamente significativa entre o QRC e o Índice de Graffar. No Quadro 2 apresentam-se as médias obtidas no MMSE, Índice de Barthel e do Índice de Lawton nos diferentes níveis de RC para os participantes com DA e para os controlos. Salienta-se que no grupo de doentes com DA aqueles que mantinham níveis de RC mais elevados obtiveram pontuações mais elevadas no MMSE, com uma diferença significativa entre as pontuações no MMSE dos pacientes com um nível de RC baixo e os pacientes com um nível de RC médio ou alto.

Quadro 2 - Médias de MMSE, Barthel e Lawton nos Diferentes Níveis de RC Instrumentos

MMSE Índice Barthel Índice de Lawton

Controlo

Doentes com DA

RC Baixa

RC média/ alta

P

RC Baixa

RC média/ alta

P

21,05 92,54 16,85

21,53 90,00 18,67

0,787 0,574 0,432

16,71 87,76 22,68

19,75 87,50 21,33

0,048 0,966 0,462

p: t-test for Equality of Means, Sig. (2-tailed)

No quadro 3 apresentam-se os dados de todos os itens obtidos no QRC. Apenas foi encontrada uma diferença significativa entre os dois grupos no item atividade de leitura (p=0,016). Quadro 3 - Itens do Questionário de Reserva Cognitiva Itens do Questionário de Reserva Cognitiva

Doentes com DA

Controlo

N

%

n

%

Escolaridade Sem Lê e escreve autodidacta Básica (<6anos) Primária (6 a 8 anos) Secundária (9+anos) Superior

3 5 26 2 9 5

6,00 10,00 52,00 4,00 18,00 10,00

5 0 19 1 2 3

16,7 0 63,3 3,3 6,7 10,00

Escolaridade dos pais Sem escolaridade Básica ou primária Secundária ou superior

9 38 3

18,00 76,00 6,00

3 26 1

10,00 86,7 3,3

Cursos de formação Nenhum 1 ou 2 2a5 >=6

44 4 0 2

88 8 0 4

24 4 2

80,00 13,3 6,7

34 6 5 4

68,00 12,00 10,00 8,00

18 7 2 4

60,00 23,3 6,7 10,0

1

2,00

0

0

50 0

100 0

30 0

100 0

0

0

0

0

Línguas Apenas língua materna 2 línguas >=3 línguas

41 9 0

82,00 18,00 0

25 5 0

83,3 17,7 0

Leitura Nunca Ocasionalmente 2 a 5 livros por ano Mais de 10 livros por ano

23 27 0 0

46,00 54,00 0 0

7 21 2 0

23,3 70,0 6,7 0

Jogos intelectuais Nunca ou alguma vez 1 a 5 vezes por mês >=6 vezes por mês

43 7 0

86,00 14,00 0

28 1 1

93,3 3,3 3,3

Ocupação Laboral Não qualificado Qualificado manual Qualificado não manual Profissional (estudos superiores) Direção Formação Musical Não toca nem ouve Toca pouco/ escuta frequentemente Formação formal

P* 0,273

0,602

0,666

0,913

-------

0,881

0,016

0,642

p* Sig. (2-tailed)

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 55


A Figura 1 mostra os padrões de MMSE obtidos pelos doentes com DA para os diferentes níveis de RC e ao longo dos diferentes estadio de demência. Todos os participantes com uma RC mais alta obtiveram valores mais elevados de MMSE. O grupo de doentes com DA num estadio ligeiro e com um nível baixo de RC (igual ou menor que 6 pontos no QRC) obteve uma média de 19,83 no MMSE, enquanto que aqueles num estadio moderado e com um nível baixo de RC obtiveram uma média de 15,33 no MMSE e os doentes num estadio grave e com um nível baixo de RC obtiveram uma média de 11,75 no MMSE. O grupo de doentes com DA num nível médio/alto de RC (mais ou igual a 7 pontos no QRC) e num estadio ligeiro obteve uma média de 20,75 no MMSE, os doentes com um nível de RC médio/alto e um estadiamento moderado obtiveram uma média de 19,50 no MMSE e ainda os doentes com um nível de RC médio/alto e num estadio de demência grave obtiveram uma média de 16,00. Os doentes com níveis mais elevados de RC obtiveram pontuações mais elevadas nos testes cognitivos relativamente aos doentes níveis mais baixos de RC.

A análise de variância (ANOVA) não mostrou diferenças significativas no QRC nas pontuações entre grupos, conforme o teste F do One-Way ANOVA=0,233, df=(1,78), sig=0,631. Os resultados da regressão logística mostraram que a pontuação dos doentes com DA no QRC foi influenciada significativamente pela escolaridade, de acordo com teste rácio da verosimilhança (LR) (p<0.000) e pela ocupação (LR, p<0.000), variáveis preditoras dos níveis de RC. O mesmo ocorreu nos participantes saudáveis em que os resultados da regressão logística mostraram que a pontuação dos participantes do grupo de controlo no QRC foi influenciada significativamente pela escolaridade, de acordo com o LR (p<0.000) e pela ocupação (LR, p<0.000). Os resultados da regressão logística de todos os participantes (doentes e controlo) evidenciaram que a pontuação no QRC foi influenciada significativamente pela escolaridade (LR, Qui-quadrado=49,461, df=17, sig=0,000) e ocupação (LR, Qui-quadrado=46,005, df=17, sig=0,000).

Figura 1. MMSE e RC do grupo de doentes relativamente aos diferentes níveis de estadiamento da doença

Figura 2. MMSE e RC relativamente ao grupo de controlo

A Figura 2 mostra os padrões de MMSE obtidos pelos participantes do grupo de controlo para diferentes níveis de RC. O grupo de controlo com “alto/médio nível de RC” obteve as pontuações mais elevadas no MMSE do que os participantes saudáveis com “baixo nível de RC”. As pessoas do grupo de controlo com níveis mais elevados de RC obtiveram pontuações mais elevadas nos testes cognitivos relativamente aos participantes do mesmo grupo com níveis mais baixos de RC.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 56

DISCUSSÃO Como esperávamos os doentes obtiveram piores resultados nas provas cognitivas e nas provas funcionais comparativamente com os participantes saudáveis pertencentes ao grupo de controlo, o que vem de encontro aos critérios para o diagnóstico de DA, que enfatizam o declínio cognitivo e funcional que é característico nesta síndrome demencial (Mckhann et al., 2011; Albert et al., 2011; Jack et al., 2011).


O nosso primeiro objetivo foi comparar o desempenho da RC de um grupo de doentes com DA e de um grupo de pessoas em idade avançada saudáveis e neste estudo não se encontraram diferenças significativas entre os dois grupos, apenas se encontrou uma diferença significativa no item atividade de leitura. O QRC demonstrou ser capaz de quantificar o nível da RC tanto em doentes com DA em curso como em pessoas com idade avançada saudáveis, o que vem no mesmo sentido do estudo desenvolvido por Rami e colegas (2011) que concluiu que QRC era um questionário útil para avaliar o grau de RC em pessoas saudáveis e em o doentes com DA num estadio inicial. Relativamente ao segundo objetivo, realizar uma avaliação cognitiva e funcional de doentes com DA e participantes saudáveis com diferentes níveis de RC, verificou-se que todos os participantes com uma RC mais alta obtiveram melhores resultados na avaliação cognitiva. No grupo de doentes com DA aqueles que mantinham níveis de RC mais elevados obtiveram pontuações mais elevadas no MMSE, com uma diferença significativa entre as pontuações no MMSE dos pacientes com um nível de RC baixo e os pacientes com um nível de RC médio ou alto. As pessoas com DA com um nível baixo de RC obtiveram piores resultados no MMSE do que aquelas pessoas também com DA num mesmo estadiamento de demência, mas com um nível médio/ alto de RC. Neste estudo, com o uso do QRC, permitu confirmar que os beneficios da RC após o inicio de uma demência neurodegenerativa de acordo com estudos anteriores (Sobral & Paúl, 2013a). Quanto ao último objetivo, identificar as variáveis preditoras de RC, as pessoas com DA e as pessoas em idade avançada saudáveis apresentaram pontuações no QRC que foram influenciadas pela escolaridade e pela ocupação ao longo da vida, o que vem confirmar que a escolaridade e ocupação são fatores que contribuem para RC, o que corrobora os estudos anteriormente realizados (Sobral & Paúl, 2013a, 2014, Stern, 2006, Qui et al., 2003).

Os doentes com DA com níveis mais elevados de RC obtiveram níveis superiores do desempenho cognitivo comparativamente com o desempenho de doentes num mesmo estadio de demência, mas com níveis mais baixos de RC. O QRC é um instrumento que possibilitou a quantificação do nível da RC tanto em doentes com DA como em pessoas com idade avançada saudáveis. As pessoas com níveis de RC mais elevados poderão evidenciar sintomatologia de demência, em situação de início de doença, mais tarde do que as pessoas com níveis de RC mais baixos. As variáveis de RC como a escolaridade e a ocupação têm um papel fulcral no aparecimento de sintomatologia no curso de uma demência neurodegenerativa. Sendo a escolaridade e a ocupação ao longo da vida preditoras dos níveis de RC, consideramos importante investir na melhoria do nível de escolaridade em Portugal e a implementação de mudanças nos estilos de vida das pessoas em todas as idades, que incluam a manutenção de uma vida ativa. A principal limitação deste estudo foi o tamanho da amostra ser pequeno e o facto de alguns testes usados não se encontrarem validados para a população portuguesa. Em futuros estudos o uso de amostras maiores será necessário para resolver esta limitação.

CONCLUSÕES

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Neste estudo os doentes com DA evidenciaram um declínio cognitivo e funcional, com a obtenção de resultados nas provas cognitivas e funcionais inferiores comparativamente com os resultados obtidos pelos participantes saudáveis. Os doentes com DA e as pessoas saudáveis com níveis mais elevados de RC obtiveram pontuações mais elevadas nos testes cognitivos relativamente aos participantes com níveis mais baixos de RC.

Albert, M. S., DeKosky, S. T., Dickson, D., Dubois, B., Feldman, H. H., Fox, N. C., Gamst, A., Holtzman, D. M., Jagust, W. J., Petersen, R. C., Snyder, P. J., Carrillo, M. C., Thies, B., & Phelps, C. H. (2011). The diagnosis of mild cognitive impairment due to Alzheimer’s disease: recommendations from the National Institute on Aging-Alzheimer’s Association workgroups on diagnostic guidelines for Alzheimer’s disease. Alzheimers Dementia, 7(3), 270-279. doi: 10.1016/j.jalz.2011.03.008

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA A RC não é fixa e continua a evoluir ao longo da vida. Ao constatarmos os benefícios da RC, nomeadamente, da escolaridade, da ocupação e da participação em atividades de lazer na vida adulta, concordamos que esta deverá ser avaliada e quantificada de uma forma sistemática na prática clínica através de um questionário como o QRC. Acreditamos que a intervenção precoce junto de pessoas com demência deve passar pelo investimento na reabilitação cognitiva, de forma a proporcionar uma evolução benigna da doença, assim como consideramos de grande interesse a continuação da pesquisa sobre RC.

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8

Artigo de Boas Práticas

(TRANS)FORMANDO E OUSANDO O MÉTODO DE ENSINO EM ENFERMAGEM NO CUIDADO À SAÚDE MENTAL | Mariana Aragão1; Isabella Soares2 |

RESUMO CONTEXTO: A acelerada transformação da sociedade contemporânea tem trazido à tona perspectivas relacionadas à formação profissional, com realce na promoção de uma visão sistêmica e ecológica do indivíduo. Nessa conjuntura, são utilizadas como estratégias de ensino-aprendizagem as metodologias ativas de problematização, que visam práticas educacionais crítico-reflexivas, debruçadas sobre um problema, examinando-o e relacionando-o com a sua história, ressignificando suas descobertas e se (trans)formando. Atentos a este desafio e almejando (trans)formar a práxis docente-discente, ousou-se a construção e apropriação de um método de ensino baseado no compartilhamento de afetos, angústias, anseios e dúvidas, concentrado nas emoções do outro, como forma inteligível de perceber a sua própria existência e (re)pensar paradigmas antes edificados. OBJETIVO: Portanto, tem-se como objetivo deste estudo socializar reflexivamente o método de ensino em Enfermagem no Cuidado à Saúde Mental experienciado pelo grupo docente-discente, a partir da lógica de (trans)formação do paradigma psicossocial. METODOLOGIA: Percebendo o processo de (trans)formação do método de ensino como uma ferramenta balizadora do processo metamorfósico do vir a ser enfermeiro, orientou-se o percurso de ensino-aprendizagem a partir da reflexão da própria existência, além da reflexão das idiossincrasias do “ser louco”, tornando esse espaço um importante laboratório promotor de (trans)formações. RESULTADOS E CONCLUSÕES: Essa ruptura adaptativa do ser ontológico que está se formando favoreceu o reposicionamento do sujeito enquanto agente transformador e transformado, consoante aos princípios da ética e do respeito, entendendo a pessoa com transtorno mental na sua singularidade, a partir de uma existência global, complexa e concreta de todos os atores envolvidos, sem distinção, nem tampouco rotulação. PALAVRAS-CHAVE: Saúde mental; Educação em enfermagem; Ensino; Docentes de enfermagem

RESUMEN

ABSTRACT

“‘(Trans) formación y atreverse método de enseñanza de la enfermería en la atención de la Salud Mental”

“‘(Trans)forming and daring teaching method in nursing in mental health care”

CONTEXTO: La acelerada transformación de la sociedad contemporánea ha sacado a la luz las perspectivas relativas a la formación profesional, con énfasis en la promoción de una visión individuo sistémica y ecológica de una persona. Atentos a este desafío y focalizando la (trans)formación de la praxis docente-alumno, se atrevió a la construcción y la propiedad de uno método de enseñanza basado en el intercambio de sentimientos, miedos, preocupaciones y dudas, concentrado en las emociones del otro, como forma inteligible de percibir su propia existencia y (re)piensar paradigmas antes edificado. OBJETIVO: Por lo tanto, tiene como objetivo del este estudio socializar reflexivamente teniendo el método de enseñanza en Atención de Enfermería en Salud Mental experimentado por el grupo de docente-alumno, de la lógica de (trans)formación del paradigma psicosocial. METODOLOGÍA: Notando el proceso de (trans)formación del método de enseñanza como una herramienta mediadora del proceso metamorfico de llegar a se tornar un enfermero, dirigió el curso de enseñanza-aprendizaje de la reflexión de su propia existencia, además de la reflexión de idiosincrasia de “ser loco”, haciendo de este espacio un importante laboratorio promotor de (trans)formaciones. RESULTADOS Y CONCLUSIONES: Esta ruptura de adaptación del ser ontológico que está se formando ha favorecido el cambio de posición del sujeto transformador y transformado tema a la vez que agente transformador y transformado, según los principios de la ética y el respeto, la comprensión de la persona con trastorno mental en su singularidad, de una existencia global, complejas y concretas de todos los agentes implicados, sin distinción, ni etiquetado.

CONTEXT: The rapid transformation of contemporary society has brought to the fore perspectives related to vocational training, with emphasis on the promotion of a systemic and ecological individual. At this juncture, are used as teaching-learning methodologies active questioning, aimed at critical-reflective educational practices, poring over a problem, examining it and relating it to their story, giving new meaning to their findings and (trans)forming. Aware of this challenge and longing (trans) form the praxis teacher-student, dared the construction and ownership of a teaching method based on the sharing of feelings, fears, anxieties and doubts, concentrating on the emotions of the other, as a form intelligible realize its own existence and (re)built before thinking paradigms. OBJECTIVE: Therefore, it has been the objective of this study socializing reflexively teaching method in nursing in Mental Health Care by experienced teacher-student group from the logic (trans)formation of psychosocial paradigm. METHODOLOGY: Realizing the process (trans) formation of the teaching method as a tool guiding the metamorphosis process of becoming a nurse, guided the course of teaching and learning from the reflection of his own existence, beyond the reflection of the idiosyncrasies “be crazy”, making this space an important laboratory promoter (trans)formations. RESULTS AND CONCLUSION: This rupture adaptive ontological being that is forming favored the repositioning of the subject as an agent of change and transformed, according to the principles of ethics and respect, understanding person with a mental disorder in their uniqueness, from a global existence, complex and concrete of all stakeholders, without distinction, nor labeling.

DESCRIPTORES: Salud mental; Educación en enfermería; Enseñanza; Docentes de enfermería

KEYWORDS: Mental health; Education nursing; Teaching; Faculty nursing

1 Enfermeira; Mestranda no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia; Professora Substituta da componente curricular “Enfermagem no cuidado à Saúde Mental” na Universidade Federal da Bahia, Escola de Enfermagem, Campus Universitário de Canela, Avenida Dr. Augusto Viana, Bahia, Brasil, mariana.nossa@ufba.br 2 Enfermeira Voluntária no Ambulatório de Saúde do CETAD; Professora Substituta da componente curricular “Enfermagem no cuidado à Saúde Mental” na Universidade Federal da Bahia, Escola de Enfermagem, Campus Universitário de Canela, Canela, Salvador, Bahia, Brasil, igstmm@gmail.com Submetido em 15-03-2014 – Aceite em 18-10-2014 Citação: Aragão, M. N., & Soares, I. G. (2014). (Trans)formando e ousando o método de ensino em enfermagem no cuidado à saúde mental. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (12), 59-64. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 59


INTRODUÇÃO A acelerada transformação da sociedade contemporânea tem trazido à tona, de modo eloquente, perspectivas relacionadas à formação profissional, com realce na promoção de uma visão sistêmica e ecológica do indivíduo (Cotta, Silva, e Lopes, 2012). A despeito dessa tendência atual, historicamente, os profissionais de saúde foram alvo de uma formação baseada em metodologias de ensino-aprendizagem conservadoras, fragmentadas e reducionistas, reduzindo o processo à mera reprodução do conhecimento, isentando a crítica e a reflexão desse percurso metodológico, em detrimento de uma aprendizagem significativa (Mitre et al., 2008). Do ponto de vista Freireano, essa educação vertical, calcada em uma postura hierárquica e autoritária no qual o docente é aquele que tudo sabe e o discente nada tem a acrescentar, intitula-se educação bancária. É retirado, portanto, o espírito crítico, a liberdade, a autonomia e a responsabilidade do indivíduo (Freire, 1970). Todavia, no contexto do recente modelo de ensinoaprendizagem instilado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos da área da Saúde no Brasil, é objetivado deslocar o foco do ensino tradicional da figura do educador, para um ensino focado no processo de aprendizagem, atribuindo autonomia ao educando (Brasil, 2001). Doravante, a tendência contemporânea é a demanda por métodos inovadores de aprendizado, orientados por uma prática pedagógica, reflexiva, crítica e transformadora, centrada no sujeito educando, proativo na construção do conhecimento, uma vez que não é possível ensinar sem aprender, nem tampouco aprender sem ensinar, e por isso o processo de aprendizado é uma prática diária, (re)construída a partir dos sujeitos que dela fazem parte (Freire, 1970). Nessa conjuntura, são utilizadas como estratégias de ensino-aprendizagem as metodologias ativas de problematização, que visam práticas educacionais crítico-reflexivas, debruçadas sobre um problema, examinandoo e relacionando-o com a sua história, ressignificando suas descobertas e se (trans)formando. Por conseguinte, propõe-se o permitir-se a aprender a aprender em contextos dialógicos e construtivos de aprendizagem e em situações reais da prática (Cotta et al., 2012; Feuerwerker & Sena, 2002). Norteado pelo pressuposto teórico do ‘aprender fazendo’, a indução de mudanças no contexto de formação dos profissionais de saúde pleiteia a articulação de saberes e práticas traçados por orientações sociais que visam respeitar a formação humanística e ética e a diversidade (Cotta et al., 2012). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 60

Porém, no contexto histórico das décadas de 1980 e 1990 a disciplina de Enfermagem Psiquiátrica priorizava o estudo das psicopatologias, de forma fragmentada e centrada em modelos asilares de tratamento (Kantorski, 2000). Dessa forma, a prática era centralizada na doença, na loucura, na estigmatização do doente mental, sem perspectiva de inclusão desse indivíduo no contexto social. Em contrapartida, a utilização do novo paradigma psicossocial se configura como ensejo a se pensar na formação do enfermeiro sob os preceitos socioculturais e subjetivos, além de estar em consonância com os princípios do Sistema Único de Saúde Brasileiro. Nessa perspectiva, na compreensão de Amarante (2005), o movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, principiado na década de 1970, se estabeleceu como um novo paradigma à loucura, compreendendo a pessoa em sua maior singularidade, corporificando seu bem estar biopsico-sócio-cultural-espiritual. Por se configurar um processo social, político, cultural e ideológico, as transformações, fruto desse movimento, têm acontecido de forma processual, repercutindo diretamente no ensino e mais precisamente na formação do ser enfermeiro em Saúde Mental. A partir do modelo psicossocial de atenção em Saúde Mental, prioriza-se o cuidado destacado no usuário, compactuando com os preceitos da Reforma Psiquiátrica, no desenvolvimento das atividades práticas da graduação em enfermagem em serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico. Por conseguinte, a proposta corrente de ensino deve estar implicada no desafio de rompimento de barreiras, conceitos pré concebidos e posturas estigmatizantes. Atentos a este desafio e almejando (trans)formar a práxis docente-discente, na Universidade Federal da Bahia – Escola de Enfermagem, no componente curricular “Enfermagem no Cuidado à Saúde Mental”, ousou-se a construção e apropriação de um método de ensino baseados no compartilhamento de afetos, angústias, anseios e dúvidas, concentrado nas emoções do outro, como forma inteligível de perceber a sua própria existência e (re)pensar paradigmas antes edificados. Portanto, tem-se como objetivo deste estudo socializar reflexivamente o método de ensino em Enfermagem no Cuidado à Saúde Mental experienciado pelo grupo docente-discente, a partir da lógica de (trans)formação do paradigma psicossocial.


METODOLOGIA A (Trans)formação da Loucura em Método Reinteramos que a descoberta do método surgiu como uma experiência do inovar. Partimos da necessidade de convocar no discente a sua expressividade maior, colocá-lo frente à necessidade quase impulsiva de sair do casulo e representar as suas ideias ao mundo, como forma de reafirmar que somos atores natos, somos corpos imitando comportamentos dos nossos pais, da nossa sociedade e da nossa cultura, apenas distintos pela singularidade e personificação dos nossos gestos e gostos. À vista disso, conjecturando na seara da inovação do método de ensino, toma-se como entendimento que os métodos de ensino-aprendizagem se configuram como expressões educacionais, assim como também, uma resposta pedagógica às necessidades de apropriação sistematizada do conhecimento científico em certo momento histórico, se conformando em um processo dialético de produção. Assim sendo, ao abordar métodos de ensino-aprendizagem, traça-se um caminho para se chegar ao objetivo proposto. Nessa empreitada inovacional, é preciso destacar, porém, que para instalar uma nova teoria, é necessário que se desestabilize o que já está instituído, não bastando reconhecer o novo como uma verdade, para que esse fato altere a forma de pensar (SAVIANI, 2005). Tomaremos como ponto de partida, os princípios engendrados por Eugênio Barba, teatrólogo italiano, nascido em 1936, autor, pesquisador, doutor e diretor em teatro, que criou em 1979 o International School of Theatre Anthropology (ISTA), os métodos e princípios do Teatro Antropológico. O percurso de Barba para se tornar o criador da Antropologia Teatral, foi deveras curioso, uma vez que ele tentou ainda jovem inserir-se na Escola de Teatro do Estado, em Oslo (Noruega), mas foi rejeitado como estrangeiro que o é, pois não foi encontrado no jovem ator o dom ou talento para representar seguindo os métodos tradicionais da escola. Em 1964, Barba criou o Odin Teatret, reunindo alunos que haviam sido rejeitados da Escola de Teatro do Estado. E o método, ainda em teste piloto, através da pratica de exercícios, fazia os atores descobrirem a sua forma préexpressiva de se colocar frente às adversidades da representação (Barba, 1994). A metodologia do Teatro Antropológico ultrapassa os permeios das salas de teatro e estuda o comportamento humano quando o indivíduo utiliza a sua presença física e mental em situações de representação, porém de acordo com princípios de indicações úteis, diferentes dos princípios usados na vida cotidiana (Barba, 1999).

Além de pressupostos que indicam a utilização do exercício do ofício para a busca pela própria identidade, bem como exercícios formulados e realizados em grupo. Da busca do “quem sou eu” como célula, para “quem somos nós” como grupo. “É um estudo do comportamento cênico pré-expressivo que se encontra na base dos diferentes gêneros, estilos e papéis e das tradições pessoais e coletivas” (Barba, 1994, p. 23). É através da antropologia e da representação pré-expressiva que um corpo em ação, se torna crível, vivo, iluminado, energizado e pronto para se colocar frente às adversidades do mundo. É buscando o controle figurado do corpo/mente que encontramos os meios de formular regras de comportamento perante a família, as tradições culturais e as diferenças sociais. Fazendo uma prospecção das diferenças e rejeições enfrentadas pela pessoa com transtorno mental dentro das sociedades, percebemos a necessidade de criar o método de aproximar o discente do usuário da rede de Saúde Mental, respeitando às invocações emocionais durante esses encontros. Tornando hábil a forma de enfrentamento dos preconceitos e prejulgamentos antes formalizados hoje reconstituídos em princípios de indicações úteis para refletir no profissional, (trans)formando a sua figura em representação legal e ética diante do que são os novos paradigmas da Saúde Mental. Na perspectiva da (trans)formação do método em exposição, refletiu-se também acerca do modelo de prática “cênico-pedagógica” do Teatro do Oprimido (TO), criado na década de 1970, por Augusto Boal (19312009), brasileiro, autor, diretor, considerado um homem do teatro. O TO carreia na sua bagagem metodológica, os princípios necessários que mobilizam grupos rumo à revolução dos tempos e que transforma o teatro em ação política, ética, filosófica, social e artística. O TO fomenta a reflexão e motiva o espectador a agir em prol da solidariedade e de mudanças significativas para alcançar a libertação dos oprimidos (Boal, 2006). Portanto, utilizar o teatro como ferramenta de ensinoaprendizagem na disciplina de saúde mental, incentiva o educando a perceber qual o papel político-social do enfermeiro na contextualização do que é primordial para a melhoria da rede de cuidados em saúde para o indivíduo com transtorno mental. Os conceitos do TO circundam a resolução de questões sociais através de movimentos que nascem internamente no indivíduo enquanto expectar os acontecimentos do próprio cotidiano, principalmente quando a sociedade o coloca diante de questões opressoras. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 61


É através dos métodos de Barba e Boal que se pretende recolocar o discente no contexto histórico, como atorespectador para comunicar a opressão ainda marcante e absurdamente ineficaz na saúde mental e fazer desenvolver a libertação revolucionando a forma de atuar-refletir sobre o individuo, suas fraquezas e potencialidades. RESULTADOS Dos Meandros do Caminho à Luz da (Trans)formação Percorrendo os caminhos do conhecimento no processo do aprender-ensinar, a impressão primeira é que todos estão amedrontados, receosos e o mais instigante é a curiosidade nos olhares lagrimados dos discentes. São observados um a um, no intuito maior de acolhêlos, checar os seus medos e tentar prepará-los para inserção nos campos de prática. Tomamos como espaços/ momentos empíricos para realização das práticas do componente curricular de Enfermagem no cuidado à Saúde Mental diversos cenários que compõe a rede de serviços disponíveis aos usuários em transtorno mental. Fundamentalmente, privilegiou-se a imersão nos serviços preconizados pela desospitalização a partir da Reforma Psiquiátrica. Para tanto, os discentes foram oportunizados a permear os espaços dos Centros de Atenção Psicossocial para pessoas com transtorno mental grave e persistente, Centro de Atenção Psicossocial especializado no cuidado a pessoas em situação de abuso de álcool e drogas, Clínica de Reabilitação/Internação para transtornos mentais e abuso de álcool e drogas e ala psiquiátrica de hospital geral. Em todos os espaços, houve o acompanhamento da prática por parte das docentes, favorecendo uma dialética reflexiva acerca do que ia sendo encontrado na prática, dialogando o arquétipo idealizado. Na prática, são levados em consideração todos os relatos e impressões preconcebidas que os discentes expressam sobre a pessoa com transtorno mental estigmatizado. Passamos a compreender que é fundamental fazer uma análise sobre o “si”, antes de se colocar em frente à pessoa em crise. A questão maior é o impacto que o saber da possibilidade da proximidade com a doença causa no aprendiz de enfermeiro. Como sofrem com a descoberta de que podem fazer parte dessa incidência hereditária, biológica, orgânica e até mesmo social. Seus pais, irmãos, seus antecedentes, amigos, vizinhos e até mesmo colegas de sala passam a ser criteriosamente analisados, pesquisados, avaliados e categorizados em quadros, sintomas, sinais e indicadores da saúde mental. Mas o despreparo pode causar danos psicológicos sérios aos jovens acadêmicos e, portanto pensar a prática em mental tornou-se um desafio psicopedagógico, de reestruturação da linguística corporal Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 62

do docente e da metodologia em sala de aula. Os valores foram traçados com sensibilidade, com cautela e com cuidado, para que o sentimento pela pessoa com transtorno mental chegasse ao sublime, ao que torna o ser humano a pessoa mais humilde e sã. Partindo da premissa que o corpo e a mente devem estar em suspenso no ato da prática, entendemos que o aluno deve encontrar um meio individual, singular ou personalizado de participar integralmente da dinâmica do campo prático, sem sofrer com as inquietudes comportamentais que acontecem com frequência com alguns pacientes em crise no ambiente de internação. Surpreendentemente o usuário propõe no contato direto com o aluno o aconselhamento, é comum ouvir frases do tipo: “Não precisa ter medo da gente”, “A gente é como vocês”, “Esse pessoal olha pra gente como se a gente fosse anormal”, “Não usem drogas, porque as drogas me trouxeram pra aqui”, “Olhem para mim, eu tinha família, trabalho, casa, tudo, hoje eu sou um viciado e vivo me internando, não usem drogas”. Assim como entendemos que a terapêutica proposta para uma pessoa com transtorno mental é fundamentalmente personalizada, cada discente deve encontrar a sua forma própria de fazer a prática tornar-se proveitosa, tanto no nível de aprofundamento do conhecimento teórico, quanto prazerosa como forma de autoconhecimento, pois a partir desse ponto, afloram-se as emoções e a sensibilidade para conceber o novo, o diferente, o adverso e o patológico. Os docentes ao fazerem da prática em campo, um momento de reformulação dos conceitos acerca da pessoa com transtorno mental, e principalmente sobre os seus sentimentos, suas expectativas, seus anseios, sua perspectiva acerca de si sobre o mundo, compreenderam que os discentes descobriram um modo de refletir sobre todas as questões que se põem como dúvida deles próprios, entendendo a sua representação como personalidade diante da expectativa do vir a ser um profissional. Portanto, em sala de aula descobriu-se uma “inovadora” maneira de formular questões individuais trazendo-as para a discussão em grupo, e o que embora tivesse uma conotação ampla, na verdade possibilitou responder as questões mais intimas e pessoais de muitos. Pode ser paradoxal, mas a magnitude das dinâmicas tornaram o campo prático, com suas inseguranças e incertezas, um lugar seguro para fazer desencadear e aflorar no discente, a necessidade de empenhar-se como aprendiz e a descobrir qual a posição adequada e menos subjulgada do enfermeiro e do usuário no contexto atual da Saúde Mental.


A partir do estímulo produzido pela ousada arte de inovar por parte das docentes, ecoou-se nos discentes a iniciativa de buscar o “novo”, o “inédito” e o “original”. Durante o caminhar pela Saúde Mental, as diversas atividades propostas pelo componente curricular, como seminários, estudos de caso, discussões, debates a partir de filmes, foram auferindo especiais significados. Os discentes resolveram então incrementar e arriscar nas apresentações em sala de aula, inserindo um ar de performance, de cena teatral e de instalação, repaginados em caráter da arte de cuidar para não parecer pejorativo falar da loucura, com um cuidado rebuscado em pintar ou esculpir essa história com tons e mãos de harmonia contribuindo para os novos hábitos ao pensar em saúde mental para que de fato seja mais saudável para todos. Os docentes faziam o papel de espectador e ao mesmo tempo de doseador dessa energia vivaz que prosseguia num rumo certo do descobrimento afável do modo de vir a ser enfermeiro. O estado de loucura passou a ser o terreno mais sereno em que descobriu-se o modo necessário de externar as sensações mais intimas em que a alma humana possa perceber a liberdade. No tocante à Enfermagem em Saúde Mental, a posição do enfermeiro atual nas instituições de internamento, ainda é compatível com o antigo modelo, muito mais administrativo-burocrática e asilada, do que filosófico-reflexiva e transdimensionada ou ampliada. Existem fronteiras sem rompimentos na enfermagem em Saúde Mental, existe ainda algo envelhecido e inútil na enfermagem que cuida da pessoa com transtorno mental. Os muros ainda não escalados percorrem o asilo mental em que se encontra o profissional da enfermagem. Cabe aos docentes transmutar esses questionamentos e transcender essa óptica fazendo com que o discente possa prover de saber, aprendendo a aprender a derrubar os muros que circundam a mentalidade que ficou no ostracismo dos tempos da Saúde Mental que mesmo reformada, tem algo de destruído. DISCUSSÃO Implicação da Práxis na Vida Pessoal e Profissional Percebendo o processo de (trans)formação do método de ensino como uma ferramenta balizadora do processo metamorfósico do vir a ser enfermeiro, orientou-se o percurso de ensino-aprendizagem a partir do conceito de práxis, tomando-o como um processo pelo qual uma teoria é executada ou praticada, se transmutando em parte da experiência vivida, de modo coletivo e dinâmico, conforme enfatizado por Tosquelles (1984, p. 74) ao afirmar que “A práxis não é uma prática. Convém não se enganar a esse respeito.

A práxis é elaboração coletiva, num grupo, das práticas vividas no quotidiano. A prática pode se situar no plano das elaborações primárias do pensamento, a práxis não. Ela pressupõe um coletivo: um coletivo articulado, nunca massificado ou aglutinado”. A experiência vivenciada pelo coletivo de discentes, traduzida em contos, poesias, verbalizações, e revelada em histórias pessoais, se configurou como um espaço coletivo concreto e legítimo, destinado à circulação da palavra. Essa circulação da palavra possibilitou ao grupo o pensar sobre a sua própria existência, o sofrimento do outro, além da reflexão das idiossincrasias do “ser louco”, tornando esse espaço um importante laboratório promotor de (trans)formações. Essa ruptura adaptativa do ser ontológico que está se formando favoreceu o reposicionamento do sujeito enquanto agente transformador e transformado, consoante aos princípios da ética e do respeito, entendendo a pessoa com transtorno mental na sua singularidade, a partir de uma existência global, complexa e concreta de todos os atores envolvidos, sem distinção, nem tampouco rotulação. CONCLUSÃO A partir desses registros mnêmicos, resgatados a partir de um manancial de recordações materializados em textos, buscou-se um minucioso exercício retrospectivoreflexivo do método de ensino-aprendizagem em curso. Através do incentivo dos discentes, pensando e pesando a necessidade de não ser repetitivo como docente, de manter a experiência do inovar, de manter a qualidade do ensino-aprendizado no âmbito da criação artística, a proposta é fazer experimentos que envolvam o sujeito educando no espaço político refletindo saúde mental para o contexto psicossocial e atribuir ao individuo com transtorno mental a capacidade de reinserir-se na sociedade. Num futuro próximo frisamos que serão necessários implementarmos métodos que norteiam a dinamicidade do ensino, mesmo que nos apropriemos de pressupostos pré-existentes que estabeleçam priorizar o indivíduo como fenômeno que representa o corpo/mente, numa sociedade atroz que enxerga o indivíduo apenas como o que ele tem e do que é capaz de produzir. Mensurar essa capacidade devolve a todos sem distinção o papel como ser humano dentro do contexto social requerendo que seja útil e capaz de desempenhar alguma função, seja ela manual, intelectiva ou artística.

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IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Baseado nos conceitos de mediação didática (D’Ávila, 2008), o docente torna-se parte do processo de ensino aprendizagem como mediador entre o sujeito aprendiz e o objeto de conhecimento. Essa mediação através de um método de ensino ludo-artístico ou lúdica sensível, colocaria o sujeito frente a uma atitude de mudança da prática social na saúde mental, pois a educação atuaria como mediadora da mudança de um comportamento, através de um processo cognitivo em que implicariam numa maior compreensão, entendimento e por consequência de aprendizagem. Trata-se de utilizar as teorias da antropologia teatral (Barba, 1999) como um saber pedagógico (Tardif, 2002) sendo este de apropriação do docente como forma de autoavaliar o processo para o ensino e utilizar os exercícios do teatro do oprimido como um saber didático para alcançar o objetivo da aprendizagem de forma lúdica, transformando nos discentes a visão estigmatizada da loucura e trazendo sensibilidade para o entorno da saúde mental. Portando, faz-se necessário atravessar fronteiras e intercambiar os nossos valores tradicionais, culturais e sociais no intuito de criar nos jovens acadêmicos motivações criativas para dinamizar a figura do enfermeiro na saúde mental e firmar a condição de que é imprescindível enxergar a saúde mental como fonte promissora de reflexões e de mudanças de comportamentos capazes de (trans)formar a humanidade. As possíveis reflexões sobre as atitudes frente à saúde mental só seriam possíveis se o professor fosse capaz de compreender a própria identidade profissional docente (D’Ávila, 2007) e se tal identidade possuísse na prática de ensino-aprendizagem uma estrutura na ludicidade teatral como forma de auto conhecimento e sensibilidade humana. Para tanto, ensinar é muito mais do que transmitir conhecimento, é fazer aprender, é, pois, uma ação mediadora, generosa e reflexiva capaz de promover compreensão, investigação, mudanças de paradigmas estruturais e históricos e principalmente sociais. Como alcançar esse objetivo em um componente curricular muito pouco sedutor aos olhos dos discentes? Faz-se necessário avaliar essa prática pedagógica constantemente detectando os indicadores dos êxitos e dos desacertos, a fim de gerir mudanças apropriadas no ensinoaprendizagem de modo permanente e continuadas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Amarante P. D. C. (1995). Loucos pela vida: A trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 64

Barba, E. (1999). A arte secreta do ator. Campinas/SP: UNICAMP. Barba, E. (1994). A canoa de papel: Tratado de antropologia teatral. São Paulo: Hucitec. Boal, A. (2006). Jogos para atores e não-atores (9ª ed.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Brasil. Conselho Nacional de Educação (2001). Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem, Medicina e Nutrição. Parecer CNE/ CES 1.133/2001. Diário Oficial da União de 03/10/2001. Acedido em http://portal.mec.gov.br/cne Cotta, R. M. M, Silva, L. S., e Lopes, L. L. (2012). Construção de portfólios coletivos em currículos tradicionais: uma proposta inovadora de ensino-aprendizagem. Revista Ciências e Saúde Coletiva, 17(3). D’Avila, C. M. (2007). Universidade e formação de professores: Qual o peso da formação inicial sobre a construção da identidade docente? In A. D. Nascimento, & T. M. Hetkowski (Orgs.), Memória e formação de professores. Salvador: EDUFBA. D’Avila, C. M. (2008). Decifra-me ou te devorarei: O que pode o professor frente ao livro didático?. Salvador: EDUNEB – EDUFBA. Feuerwerker, L. C. M., e Sena, R. R. (2002). A contribuição ao movimento de mu¬dança na formação profissional em saúde: Uma avaliação das experiências UNI. Interface – Comunicação, Saúde e Educação, 10(6), p. 37-50. Freire, P. (1970). Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra. Kantorski, L. P., e Silva, G. B. (2000). O ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental - um olhar a partir dos programas das disciplinas. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 8(6), p. 27-34. Mitre, S. M., Siqueira-Batista, R., Giardi-de-Mendonça, J. M., Morais-Pinto, N. M., Meirelle, C. A. B., e PortoPinto, C. (2008). Metodolo¬gias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: Debates atuais. Ciência e Saúde Coletiva, 13(Supl. 2), 2133-2144. Saviani, D. (2005). Educação socialista, pedagogia histórico-crítica e os desafios da sociedade de classes. In J. C. Lombardi, e D. Saviani (Orgs.), Marxismo e educação: Debates contemporâneos. Campinas: Autores Associados. Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes. Tosquelles, F. (1984). Éducation et psychothérapie institutionelle. Mantes-la-Ville: Matrice Eds.


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O PROCESSO DE TRABALHO NUM PSICOSSOCIAL INFANTOJUVENIL

CENTRO

DE

Artigo de Reflexão

ATENÇÃO

| Cristiane Nunes1; Daiane Demarco2; Elitiele dos Santos3; Luciane Kantorski4; Vanda Jardim5; Valéria Coimbra6 |

RESUMO CONTEXTO: O trabalho em Saúde Mental se estabelece a partir de uma ação inclusiva, de um modelo assistencial mais integral, com vistas à promoção, proteção e reabilitação dos sujeitos em sofrimento psíquico. OBJETIVO: Refletir a cerca do processo de trabalho no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil. METODOLOGIA: Trata-se de um artigo de reflexão. RESULTADOS: A atenção à Saúde Mental no Brasil, ao longo dos anos, vem se modificando e sendo substituída por serviços comunitários, com intuito de transformar a assistência visando à inserção dos sujeitos em sofrimento psíquico na família e no território. O Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil é um serviço de atenção diário que compõe a rede de atenção, voltado para crianças e adolescentes. Compreender o trabalho em Saúde Mental é considerar o indivíduo em sofrimento psíquico como um sujeito ativo e participativo. O processo de trabalho em Saúde Mental exige muito mais do que atender a demanda e gerenciar questões administrativas, pois é necessário cuidar de modo integral, planejar ações, inventar e reinventar novas formas de cuidado e comprometer-se com este cuidado. CONCLUSÕES: O trabalho no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil configura-se um grande desafio para a consolidação da atenção em Saúde Mental, sendo assim, é necessário estabelecer parcerias com outros serviços e amparo nas políticas públicas. PALAVRAS-CHAVE: Saúde mental; Criança; Adolescente; Trabalho

RESUMEN

ABSTRACT

“El proceso de trabajo en centro de atención psicosocial infantojuvenil”

“The process of work in infant juvenile center of psychosocial attention”

CONTEXTO: El trabajo en Salud Mental se establece a partir de una acción inclusiva, modelo de atención más integral, con miras a la promoción, protección y rehabilitación de los individuos en la angustia psicológica. OBJETIVO: Reflejar sobre el proceso de trabajo en el Centro de Atención Psicosocial Infantojuvenil. METODOLOGÍA: Este es un artículo de reflexión. RESULTADOS: La atención a la Salud Mental en el Brasil, al longo de los años, viene modificándose y siendo substituida por servicios comunitarios, con intuito de transformar la asistencia, visando la inserción de los sujetos en sufrimiento psíquico en la familia en el territorio. Lo Centro de Atención Psicosocial Infantojuvenil es un servicio de atención diario que compone la red de atención, convertido para niños y adolescentes. Entender el trabajo en salud mental es considerar el individuo en sufrimiento psíquico como un sujeto activo y participativo. El proceso de trabajo en Salud Mental exige mucho más do que atender la demanda y gestionar cuestiones administrativas, mas cuidar integralmente, planear acciones, inventar y reinventar nuevas formas de cuidado y comprometerse con este cuidado. CONCLUSIONES: El trabajo en el Centro de Atención Psicosocial Infantojuvenil se configura un grande desafío para la consolidación de atención en Salud Mental, por lo tanto, es necesario establecer alianzas con otros servicios y apoyo en las políticas públicas.

CONTEXT: The work in Mental Health if establishes from an inclusive action, a more unabridged care model, with a view to the promotion, protection and rehabilitation of individuals in psycho suffering. OBJECTIVE: Reflect about the process of work in the infant juvenile Center of Psychosocial Attention. METHODOLOGY: This is an article of reflection. RESULTS: The attention to Mental Health in Brazil, over the years, comes changing itself, being substituted by communitarians services, intuiting transform the assistance, aiming the insertion of subjects in psycho suffering in family and in territory. Infant juvenile Center of Psychosocial Attention is service of daily attention which composes the attention network, focuses to children and adolescents. To comprehend the work in mental health is consider the individual in psycho suffering as an active and participant subject. The process of work in Mental Health requires more than answer to demand and manage administrative issues, but care integrally, to plan actions, to create and recreate new ways of care and commitment with this care. CONCLUSION: The work in Infant Juvenile Center of Psychosocial Attention configures itself as a huge challenge to the consolidation of attention in Mental Health, therefore, is necessary establishes partnerships with other services and support in public politics.

DESCRIPTORES: Salud mental; Niño; Adolescente; Trabajo

KEYWORDS: Mental health; Child; Adolescent; Work Submetido em 10-03-2014 Aceite em 20-09-2014

1 Enfermeira; Mestranda na Universidade Federal de Pelotas, Rua Giuseppe Garibaldi nº 230, Apto 225 Bloco G, Pelotas (Rio Grande do Sul), Brasil, cris_kenes@hotmail.com 2 Enfermeira; Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; Mestranda na Universidade Federal de Pelotas, Brasil, daianearg@hotmail.com 3 Enfermeira; Mestranda na Universidade Federal de Pelotas, 96010-610 Pelotas (Rio Grande do Sul), Brasil, elitiele_ortiz@hotmail.com 4 Doutora; Professora Adjunta na Universidade Federal de Pelotas, Departamento de Enfermagem, 96010-610 Pelotas (Rio Grande do Sul), Brasil, kantorski@uol.com.br 5 Doutora; Professora Adjunta na Universidade Federal de Pelotas, Departamento de Enfermagem, Pelotas (Rio Grande do Sul), Brasil, vandamrjardim@gmail.com 6 Doutora; Professora Adjunta na Universidade Federal de Pelotas, Departamento de Enfermagem, Pelotas (Rio Grande do Sul), Brasil, valeriacoimbra@hotmail.com Citação: Nunes, C. K., Demarco, D. A., Santos, E. O., Kantorski, L. P., Jardim, V. M. R., & Coimbra, V. C. C. (2014). O Processo de trabalho num centro de atenção psicossocial infantojuvenil. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (12), 65-72. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 65


INTRODUÇÃO O presente trabalho destina-se a refletir sobre o processo de trabalho em Saúde Mental no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), visando o cuidado às crianças e adolescentes com transtorno mental. Em se tratando de serviços de Saúde Mental, torna-se importante discutir como se dá o processo de trabalho, já que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) oferecem um novo modo de assistir, que requer além de intervenções medicamentosas e de terapia, uma intervenção social, baseada na reinserção do sujeito em sofrimento psíquico na família e sociedade. Nesta perspectiva, o entendimento de trabalho como um processo vai além da noção de estrutura e funcionamento do serviço de saúde. Entende-se que o trabalho em Saúde Mental, conforme os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) se estabelece a partir de uma ação inclusiva, de um modelo assistencial mais integral, com vistas à promoção, proteção e reabilitação dos sujeitos em sofrimento psíquico. Para Marx (1994) o trabalho é defendido como a transformação da matéria. Desta forma, o trabalho surgiu a partir das necessidades do ser humano e com o intuito de produzir alguma ação que pudesse ter valor para si próprio. Neste sentido, a realização de uma atividade desenvolvida pelo homem, acarretará na transformação do objeto, utilizando-se para isso instrumentos de trabalho. É importante ressaltar que esta transformação do objeto está intimamente ligada a um determinado fim. Segundo Sanna (2007), no processo de trabalho em saúde os seguintes componentes devem ser observados: o objeto do trabalho, os agentes que atuam, os instrumentos ou meios utilizados, finalidades, métodos e produtos. Objeto é aquilo sobre o que se trabalha; Agentes são os seres humanos que transformam a natureza; Para alterar a natureza, o ser humano emprega instrumentos; A finalidade do trabalho é a razão pela qual ele é feito; Os métodos de trabalho são ações organizadas de maneira a atender à finalidade; os produtos de um trabalho podem ser bens tangíveis, ou seja, artefatos, elementos materiais que se pode apreciar com os órgãos dos sentidos, ou serviços, que não têm a concretude de um bem, mas são percebidos pelo efeito que causam. (Sanna, 2007, p. 222) É pertinente destacar que esses elementos carecem ser explorados de forma articulada e não individualmente. Assim, Sanna (2007) descreve cada componente do processo de trabalho, partindo do objeto de trabalho, o qual figura-se sobre o que será transformado, neste caso, as necessidades humanas (indivíduos, família, comunidade). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 66

Ao mencionar os agentes, classifica como aqueles que realizam o trabalho, (profissionais da saúde em geral) e os quais transformarão o objeto de trabalho realizando intervenções; já ao nomear os meios ou instrumentos de trabalho, estes podem se decompor em elementos materiais e não materiais, sendo que o primeiro se utiliza de materiais físicos (utensílios clínicos, cirúrgicos, etc.). Assim como podem-se empregar os materiais não físicos, como conhecimentos, habilidades e atitudes, destinados a intervir de acordo com a necessidade singular de cada individuo (Sanna, 2007). Em relação à finalidade do trabalho a autora define como o motivo para realizar o trabalho, os métodos executados pelos agentes sobre os objetos de trabalho, que são identificados como ações organizadas para atender à finalidade desejada, e por fim o produto final de um trabalho, visto como o resultado que causam (indivíduo saudável, morte com dignidade) (Sanna, 2007). Ao pensar na Saúde Mental dentro do processo de trabalho espera-se que os profissionais de saúde operem de maneira integrada, articulando todos os elementos acima mencionados, refletindo positivamente no modelo de atenção, preconizado e articulado conforme os princípios e diretrizes do SUS. E pensar que o produto vai além da cura, mas sim está focado no cuidado, na possibilidade dos sujeitos gerirem sua vida com autonomia de acordo com suas limitações. Compreender o trabalho em Saúde Mental é seguir a lógica da interação de saberes e práticas, considerando o indivíduo em sofrimento psíquico como um sujeito ativo e participativo. Vale destacar que o processo de trabalho em Saúde Mental deve ser pautado no cuidado singular, na produção de acolhimento, no fortalecimento do vínculo, na corresponsabilização e resolubilidade das necessidades (Vasconcelos, Jorge, Pinto, Pinto, Simões e Neto, 2012). Ainda nesta perspectiva, salienta-se que o processo de trabalho em Saúde Mental requer muito mais do que acolher a demanda e gerenciar questões administrativas, mas cuidar de forma integral, planejar ações, inventar e reinventar novas formas de ofertar cuidado e comprometendo-se com este cuidado, atentando para a subjetividade e singularidade dos sujeitos e gerando reflexões sobre as práticas diárias (Zerbetto, Efigênio, Santos e Martins, 2011). Diante do exposto, objetivou-se neste trabalho refletir acerca do processo de trabalho no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil.


RESULTADOS E DISCUSSÃO Surgimento dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil e o seu Papel na Rede de Atenção A atenção à Saúde Mental no Brasil, ao longo dos anos, e através da Reforma Psiquiátrica vem se modificando. O atendimento nos hospitais psiquiátricos foi substituído por serviços comunitários, os quais são denominados de Centros de Atenção Psicossocial, etc, com o intuito de transformar a assistência, que anteriormente funcionava a partir da lógica da exclusão dos sujeitos em sofrimento psíquico, e atualmente visa à inserção social no território e próximo da família. Essa transformação implicou na construção de um novo modelo de atenção, deslocando as ações focadas na doença para a promoção da saúde e qualidade de vida, produzindo atividades diversificadas de cuidado em saúde, com novas estratégias que incluem a singularidade de cada um e as necessidades coletivas (Yasui, 2007). Esta concretização se dá através de serviços de atenção psicossocial que possibilitam o acolhimento das pessoas, proporcionando escuta, por meio da qual os sujeitos podem expressar suas dificuldades, temores e expectativas (Amarante, 2007). De acordo com o Ministério da Saúde (2004), a Portaria 336/GM/2002 regulamenta os CAPS e os institui como principal estratégia utilizada no processo de Reforma Psiquiátrica, criados para ser substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos. Define também como um equipamento de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, em especial, os transtornos severos e persistentes, no território de abrangência, realizando o acompanhamento clínico, a reinserção social pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Apresentan-se divididos nas seguintes modalidades: CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS infantojuvenil e CAPS álcool e drogas. Nesta direção, o CAPSi se apresenta como um equipamento substitutivo que compõe a rede de atenção diária, voltado para crianças e adolescentes, com grave comprometimento psíquico, incluindo ainda nessa categoria os portadores de autismo, psicoses, neuroses graves e todos aqueles que, por sua condição psíquica, estão impossibilitados de manter ou estabelecer laços sociais. Este serviço foi proposto a partir de 2002, sob os mesmos princípios dos demais CAPS, sendo planejados inicialmente para as cidades com 200.000 habitantes ou mais (Ministério da Saúde, 2004). A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera criança adolescente o indivíduo entre os 10 e os 19 anos.

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera criança, a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e como adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade (Ministério da Saúde, 2008). Ao se observar a estrutura política voltada para esta faixa etária, percebe-se que é atual a preocupação com as políticas públicas na área da Saúde Mental Infantojuvenil. Historicamente as crianças e adolescentes não eram tratadas como sujeitos em desenvolvimento, sendo tratados como adultos em miniatura, tanto nos aspectos físicos como mentais. Esse fator impediu o cuidado dessa população, porém, a criança não era tratada pelo fato de que a concepção cultural histórica da infância não reconhecia a doença mental para esta faixa etária (Costa, Cadore, Lewis e Perrone, 2013). Neste contexto tem-se a importância da Reforma Psiquiátrica. O novo modelo de atenção à Saúde Mental materializado nos CAPS sinaliza novas formas de cuidado, uma vez que permite desenvolver novas estratégias de intervenção, considera a singularidade dos indivíduos em sofrimento psíquico e respeita suas diferenças. Estes serviços devem apresentar uma composição multiprofissional, incluindo um psiquiatra, um enfermeiro, quatro profissionais de nível superior entre as categorias de psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico, neurologista ou pediatra com formação em Saúde Mental Infantil, cinco profissionais de nível médio técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão para o atendimento de 15 crianças e/ou adolescentes por turno, tendo como limite máximo 25 pacientes/dia (Ministério da Saúde, 2004). Fazem parte das atribuições desses serviços se responsabilizar pelo atendimento regular de um número limitado de pacientes e de suas famílias, em regimes diferenciados de tratamento, segundo as necessidades de cada caso (intensivo, semi-intensivo e não intensivo), desenvolvendo atividades terapêuticas diversificadas, com um horário de funcionamento integral, de segunda a sexta feira, das 7h às 18h, pode ter um terceiro período, funcionando até 21 horas (Ministério da Saúde, 2004). Espera-se que estes serviços consolidem a mudança do modelo assistencial, ou seja, disponibilizem em seu cotidiano uma gama de atividades terapêuticas, como psicoterapia individual ou em grupo, oficinas terapêuticas, atividades comunitárias e artísticas, orientação e acompanhamento do uso de medicações, bem como atendimentos domiciliar e familiar organizado a partir de um projeto terapêutico individualizado que vise o tratamento e a reabilitação (Milhomem e Oliveira, 2007). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 67


Nos dias atuais, ainda se observa que a infância e adolescência se constituem um objeto de ação, cujo cuidado e desenvolvimento físico e mental demanda uma equipe de profissionais que unam seus esforços num mesmo propósito (Peixoto, 2011). Diante disso, é importante investir no processo de trabalho na Saúde Mental voltada para criança e o adolescente com a intenção de construir uma política sólida, de tal modo que se possa traçar diretrizes que promovam um desenvolvimento saudável desta população. Nesta ótica é essencial que o processo de trabalho permita que profissional de saúde tenha clareza de que um trabalho eficaz de promoção de saúde pressupõem além do cuidar, escutar, resolver, permita uma atuação com outras áreas, uma estratégia de articulação em rede, desenvolvendo e fortalecendo laços de solidariedade, cidadania e democracia (Meirelles e Ruzany, 2008). Os serviços de Saúde Mental Infantojuvenis devem estar de portas abertas, assim como precisam extrapolar o fazer/tratar, o acolher, o escutar, cuidar e possibilitar ações emancipatórias. Os serviços precisam assumir uma função social, melhorar a qualidade de vida da criança em sofrimento psíquico, tendo-a como um ser integral com direito a plena participação e inclusão em sua comunidade, partindo de uma rede de cuidados que leve em conta as singularidade de cada um (Machado, 2012). A atenção à saúde da criança e do adolescente necessita ter como premissa um enfoque na atenção integral pautado nas necessidades de cada sujeito. Do mesmo modo que necessita sustentar um processo de trabalho qualificado com respeito à saúde/bem estar propiciando um espaço reflexivo para um encontro harmônico entre as diversas alternativas de conhecimento, para que as condutas sejam fruto de um novo saber (Ruzany, 2008). Não é novidade que nas últimas décadas, a atenção à saúde direcionada à criança e ao adolescente vem se tornando uma prioridade em muitos países, e tem representado um desafio para os profissionais de saúde que se dedicam a esta população. Esta mudança de postura em relação às crianças e adolescentes se deve à constatação de que a formação desta população menor é fundamental. No entanto, no que se refere à organização dos serviços que oferecem atendimento a este grupo etário, nota-se esforços para alcançar programas de qualidade. Embora se tenha atingido consideráveis sucessos através de programas dedicados a atenção integral à criança, ainda falta muito para que os programas nacionais deem cobertura adequada a toda esta clientela (Ruzany, 2008). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 68

Também é consenso que a partir da promulgação da Constituição de 1988, bem como nos anos posteriores a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os quais conferem direitos à infância e juventude reconhecendo-as como sujeitos de direito e pessoas em condições peculiares de desenvolvimento com prioridades absolutas, implicando na construção de propostas e projetos direcionados a este grupo (Ministério da Saúde, 2008). A partir da sua regulamentação, ficou determinado a necessidade de políticas públicas no âmbito da saúde, educação e cultura, objetivando oferecer às crianças e adolescentes um tratamento digno e de direitos (Peixoto, 2011). Ao retomar os elementos que compreendem o processo de trabalho, mais precisamente da atenção psicossocial, voltadas ao cuidado à criança, o objeto do trabalho defende a ideia das necessidades de saúde, o que implica assumir uma postura que leve em conta, muito mais que a doença, mas as necessidades sociais, econômicas, culturais. Já no que tange aos instrumentos, incidem os saberes adquiridos na formação acadêmica e ao longo da prática profissional, fundamentais para conduzir as atividades e demandas dos serviços. E tendo por finalidade a qualidade de vida da população infantojuvenil, e que se contemplem todos os aspectos de vida dessa população, sendo eles, seres de particularidade e singularidades, carecem de intervenções aos agravos e tratamento prioritário. A atenção à saúde da criança voltada para um processo de trabalho na perspectiva intersetorial, requer práticas pensadas e praticadas em conjunto, contemplando todos os aspectos de vida e de saúde, e ainda comprometida com a qualidade de vida. Considerando a relevância desta temática, mas sem a pretensão de chegar ao estado da arte no tema, anseia-se apenas por trazer reflexões acerca do processo de trabalho enquanto meio de instrumentalizar os profissionais para atuarem numa rede que propicie não apenas cuidados e proteção efetiva, mas que fundamente seu cotidiano no diálogo, respeito, compromisso, solidariedade, comprometimento e corresponsabilização.


CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Este estudo pretende contribuir para a reflexão do processo de trabalho, a fim de reorientar a organização dos serviços de Saúde Mental, para estabelecer um atendimento centrado no usuário, de forma integral e que possibilite a uma resposta mais resolutiva de acordo com a necessidade do usuário. E que a prática profissional não se sustente apenas na assistência, mesmo que acolhedora e humanizada, mas que escute as necessidades do sujeito, se necessário encaminhe, e se articule com todos os serviços disponíveis, construa espaços e permita que estes sujeitos transitem na rede. Pensar nas práticas cotidianas do processo de trabalho do CAPS é fundamentá-las na subjetividade do sujeito, voltadas para a compreensão da saúde integral, no resgate ao sujeito em sofrimento, no respeito às diferenças. A proposta de cuidado a este grupo etário em sofrimento psíquico precisa ser baseada em ações que visem a sua reinserção social, e possibilite que estes sujeitos possam desfrutar de uma infância e adolescência mais saudável, garantindo seus direitos conforme as políticas. Desta maneira, as formas de cuidado em Saúde Mental, nas quais os profissionais conduzem suas ações, proporcionando as crianças e adolescentes um atendimento que respeita sua cidadania, autonomia, incentiva e estimula que este pequeno ser em desenvolvimento físico e mental seja o protagonista de uma história que nem sempre permitiu esta atuação. O trabalho nos CAPSi configura-se um grande desafio para a consolidação da atenção em Saúde Mental, bem como estabelecer parcerias com outros serviços promovendo a integração intersetorial. Esta população merece e necessita de uma atenção integral em todos os âmbitos, e precisa ser considerada como prioridade para as políticas públicas.

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10 NORMAS

DE PUBLICAÇÃO DA ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL

REVISTA

PORTUGUESA

DE

A Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental é publicada duas vezes por ano, em junho e dezembro, tratando-se de uma revista indexada em bases de dados nacionais e internacionais. A Revista apresenta, atualmente, as seguintes secções: Artigos de Investigação; Artigos de Revisão (Narrativa, Sistemática e Integrativa) da Literatura; Artigos de Boas Práticas/Reflexão. 1 – Procedimentos de Submissão do Artigo: 1.1 – Submissão eletrónica: os artigos devem ser sempre submetidos eletronicamente no sítio da Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental: http://www.aspesm.org/. 1.2 – Para a submissão dos artigos, deverão sempre ser enviados os seguintes documentos: a) Artigo integral, obedecendo às normas da revista; b) Checklist de autoverificação, preenchida na totalidade c) Declaração de Cedência de Direitos de Autor e de Observação dos Princípios Éticos da Investigação, provando que os autores concordam que o artigo, uma vez aceite, fique da propriedade d’ ASPESM, não podendo, por isso, ser publicado noutra fonte, e que foram cumpridos todos os princípios éticos inerentes a um trabalho de investigação. Nota: a Direção da Revista reserva-se o direito de retirar um artigo do processo de revisão ou das bases de dados (no caso dos artigos publicados), sempre que se verifique que os autores publicaram uma versão idêntica noutra Revista. 2 – Processo de Revisão: Os artigos propostos são apreciados num processo Double Blinded (duplamente cego). Neste processo, o artigo é enviado por dois Peer Reviewers (Pares Revisores), os quais o examinam e arbitram sobre a sua qualidade, dando as recomendações que julgarem convenientes. Sempre que não se verifique acordo entre os dois revisores, o Diretor da Revista reserva-se o direito de indicar um terceiro revisor. A Direção da Revista enviará ao autor informação sobre a eventual aceitação definitiva, aceitação com alterações, ou não aceitação. No caso da aceitação com alterações, os autores receberão os pareceres e recomendações sugeridas pelos Peer Reviewers. O autor deve efetuar as alterações e reenviar o documento, via eletrónica, no tempo regulamentado. Nota: caso não se verifique o cumprimento rigoroso do tempo estipulado para correção do artigo, este pode ser excluído do processo de revisão. Cada artigo será, posteriormente, verificado pelo Diretor e Coordenador da Revista, que analisam a primeira versão do artigo e a versão corrigida, em função das recomendações dos Peer Reviewers. O processo de revisão será efetuado online. As fases do processo de revisão e recomendações encontram-se descritos no quadro abaixo: Fase Receção do Artigo Revisão Reformulação do Autor Verificação Redatorial Publicação

Procedimento Após o envio do artigo, este será submetido a um processo de revisão técnica (revisão dos aspetos formais e de normalização, de acordo com as normas de publicação da Revista). O artigo é enviado para 2 Peer Reviewers, que o examinam e arbitram sobre a sua qualidade, dando as recomendações convenientes. A Direção da Revista enviará ao autor informação sobre a aceitação definitiva, aceitação com alterações, ou não aceitação, bem como os pareceres e recomendações dos Peer Reviewers. As alterações a efetuar pelo autor deverão ir, rigorosamente, de acordo com as recomendações dos Peer Reviewers. Cada artigo deverá ser verificado pelo Diretor e pelo Coordenador da Revista, que analisam a primeira versão do artigo e a versão corrigida, em função das recomendações dos Peer Reviewers. A oportunidade de publicação é da inteira responsabilidade da Direção da Revista.

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3 – A decisão final acerca da oportunidade de publicação dos artigos é da responsabilidade do Diretor da Revista. 4 – O artigo: 4.1 – Tipo de artigo: devem ser artigos científicos originais e versarem temas de saúde mental, Enfermagem de saúde mental ou educação em saúde mental. O conteúdo dos artigos é da exclusiva responsabilidade dos seus autores, aos quais compete respeitar os princípios éticos da investigação e cumprir as normas da edição da Revista. A Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental poderá incluir artigos em língua portuguesa, espanhola, inglesa ou francesa, consoante a origem dos artigos. 4.2 – Estrutura do artigo 4.2.1 - Título: o artigo deverá incluir um título informativo (que vá de encontro ao âmbito do trabalho) e sucinto (em português, espanhol e inglês); máximo de 16 palavras, sem abreviaturas e sem a indicação da localização geográfica da investigação. 4.2.2 - Autores: os autores devem estar devidamente identificados, com o nome, habilitações académicas, categoria profissional, instituição onde exercem funções, contactos (morada, e-mail e telefone institucionais) e informação no caso de o artigo ser extraído de Dissertação ou Tese (indicando o título, ano e instituição onde foi apresentada). O nome e afiliação dos autores deve surgir imediatamente após o título em português. As afiliações devem estar por extenso (ex.: Local de Trabalho – Escola Superior de Enfermagem do Porto). Os endereços de correio eletrónico dos autores dos artigos devem estar com hiperligação (com link disponível). 4.2.3 - Resumo: o resumo do trabalho deve ser apresentado em português, espanhol e inglês, e não deve exceder as 250 palavras, devendo incluir a descrição do contexto, objetivo(s), metodologia, resultados e conclusões. 4.2.4 - Palavras-Chave: o artigo deve apresentar, no máximo, 4 palavras-chave, transcritas de acordo com os descritores MeSH (em português, ver DeCS), em português, espanhol e inglês. 4.2.5 - Corpo do artigo: O artigo (tratando-se de um trabalho de investigação) deve ser estruturado em secções, devendo incluir os seguintes capítulos: Introdução, Metodologia, Resultados, Discussão, Conclusão, e Implicações para a Prática Clínica). Os artigos de revisão e de boas práticas/reflexão não têm que obedecer, necessariamente, a esta divisão. 4.3 - Formato: • O texto deve ser apresentado em formato Word, letra Arial, tamanho 11, espaçamento 1,5, páginas em formato A4, em coluna única, evitando negritos e sublinhados, variação do tipo de letra, fundos de cor, etc.; • Todas as margens devem ter 2,5 cm.; • Não devem ser incluídas notas de rodapé. • O artigo não deve ultrapassar as 15 páginas incluindo resumo (em português, espanhol e inglês), referências, tabelas, quadro e figuras. • O artigo não deverá ser paginado. • Os parágrafos não devem ser indentados. • O artigo deve ser redigido de acordo com o Novo Acordo Ortográfico (caso não o seja, a Comissão Editorial reserva-se o direito de realizar a conversão). Nota: caso o(s) autor(es) se recuse(m) a redigir o artigo segundo o Novo Acordo Ortográfico devem, aquando do seu envio, manifestar essa posição de forma clara e inequívoca. • Na primeira utilização de uma sigla esta deve estar, primeiramente, por extenso, por exemplo: Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). • Quando se realizarem citações de três a cinco autores, todos os nomes devem ser mencionados na primeira vez que a citação é feita (ex.: Bradley, Ramirez, & Soo, 1999). Nas vezes seguintes, deve utilizar-se apenas o nome do primeiro autor seguido de “et al.” (ex.: Bradley et al., 1999). Caso a citação seja de seis ou mais autores, logo na primeira vez em que a citação é feita deve utilizar-se apenas o nome do primeiro autor seguido de “et al.”. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 72


• No corpo do artigo, ao citar autores coletivos, na primeira vez que a citação é feita, deve ser mencionado o nome por extenso (ex.: National Institute of Mental Health [NIMH], 2003). Nas vezes seguintes, pode ser utilizada a abreviatura (ex.: NIMH, 2003). • Os títulos dos capítulos devem seguir a seguinte estrutura: Nível do Título Formato 1 Centrado, Negrito, com Maiúsculas e Minúsculas 2 Alinhado à Esquerda, Negrito, com Maiúsculas e Minúsculas 3 Indentado, negrito, em minúsculas terminando com ponto final. 4 Indentado, negrito, itálico, em minúsculas terminando com ponto final. 5 Indentado, itálico, em minúsculas terminando com ponto final. 4.3.1 - Tabelas, quadros, gráficos e figuras: devem ser incluídos apenas os que sejam absolutamente essenciais para a compreensão do artigo e numerados por ordem de inclusão no texto, em função de cada tipo. As tabelas e quadros devem apresentar o título em cabeçalho e os gráficos e figuras devem apresentar o título por baixo. Para tabelas e quadros o tamanho da letra pode ser reduzido até um mínimo de 9 e sem espaçamentos. As tabelas, quadros, gráficos e figuras devem surgir imediatamente após o parágrafo em que é feita referência às mesmas. 4.3.2 - Citações: todos os autores citados no artigo devem constar da lista de referências bibliográficas. Exemplo: Sequeira (2006), (Sequeira, 2006), ou “Em 2006, Sequeira (...)”. Deve indicar-se o número de página, no caso de citação textual, tal como nos exemplos: Sequeira (2006, p. 32) ou (Sequeira, 2006, p. 32). Quando citar dois ou mais autores numa mesma paráfrase, deve ordená-los por ordem alfabética, tal como no exemplo: (Miller, 1999; Shafranske & Mahoney, 1998). Nota: utilizar o símbolo “&” apenas nas paráfrases em que os autores citados sejam de países em que o português não é uma língua oficial (ex.: EUA, Reino Unido, etc.). 4.3.3 - Referências Bibliográficas: • As referências selecionadas devem permitir evidenciar as publicações mais representativas do “estado da arte” da problemática em estudo (últimos 5 anos, extensíveis a 10 anos para problemáticas que tenham sido pouco estudadas), resultando da pesquisa de bases de dados de revistas indexadas nacionais e internacionais. • As referências bibliográficas devem estar elaboradas de acordo com as normas da 6ª Edição da American Psychological Association (APA). Todas elas deverão estar citadas no artigo. • Nas referências bibliográficas, independentemente do número de autores, estes devem ser todos referidos, não sendo permitido o uso de “et al.”. • O título das revistas nunca deve ser abreviado nas referências bibliográficas. Por exemplo, não se deve escrever “RPESM”, mas sim “Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental”. • Sempre que se inclua um site nas referências bibliográficas, a sua hiperligação deve estar presente e funcionante. Nota: as fontes devem ser alvo de seleção criteriosa, em função da sua pertinência, e não devem ultrapassar um total de 20 referências, organizadas por apelido do autor e ordenadas por ordem alfabética. APA 6ª Edição (Exemplos – consultar http://www.apastyle.org/) 4.3.3.1 Modelo de referências (indicar o nome de todos os autores – não usar “et al.”): Livros Shotton, M. A. (1989). Computer addiction? A study of computer dependency. London, England: Taylor & Francis. Trabalho académico (Dissertação/Tese) Healey, D. (2005). Attention deficit/hyperactivity disorder and creativity: An investigation into their relationship. Tese de Doutoramento, University of Canterbury, Christchurch, New Zealand. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 73


Trabalho académico (Dissertação/Tese) Healey, D. (2005). Attention deficit/hyperactivity disorder and creativity: An investigation into their relationship. Tese de Doutoramento, University of Canterbury, Christchurch, New Zealand. Editor literário Barkley, R. A. (Ed.) (2008). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: Manual para diagnóstico e tratamento (3ª ed.). Porto Alegre: Artmed. Capítulos de livros Haybron, D. M. (2008). Philosofy and the science of subjective well-being. In M. Eid & R. J. Larsen (Eds.), The Science of subjective well-being (pp. 17-43). New York, NY: Guilford Press. Autor coletivo American Psychological Association. (2010). Publication manual of the American Psychological Association (6ª ed.). Washington, DC: Author. Artigos de publicações periódicas Com DOI Herbst-Damm, K. L. & Kulik, J. A. (2005). Volunteer support, marital status, and the survival times of terminally ill patients. Health Psychology, 24, 225-229. doi: 10.1037/0278-6133.24.2.225 Sem DOI Light, M. A. & Light, I. H. (2008). The geographic expansion of Mexican immigration in the United States and its implications for local law enforcement. Law Enforcement Executive Forum Journal, 8(1), 73-82. Documentos eletrónicos Livros Schiraldi, G. R. (2001). The post-traumatic stress disorder sourcebook: A guide to healing, recovery, and growth [Adobe Digital Editions version]. doi: 10.1036/10071393722 Artigos de publicações periódicas Wheeler, D. P. & Bragin, M. (2007). Bringing it all back home: Social work and the challenge of returning veterans. Health and Social Work, 32(1), 297-300. Acedido em http://www.naswpressonline.org Outros (póster, comunicação livre, etc.) Leclerc, C. M. & Hess, T. M. (2005, agosto). Age diferences in processing of affectively primed information. Póster apresentado na 113ª Annual Convention of the American Psychological Association, Washington, DC. Nota: no caso de os autores serem de países de língua oficial portuguesa, nas referências bibliográficas o “&” deve ser substituído por “e”. 5 – Formato Padrão do Artigo a submeter: Primeira Página • Título (em português, espanhol e inglês) • Nome dos autores (separados por ponto e vírgula); • Afiliações dos autores (uma afiliação por linha); • Indicação caso o artigo seja extraído de Dissertação/Tese. Nota: esta página, posteriormente, é retirada pelo Coordenador da Comissão Editorial, sendo atribuído um número codificado que identifica o artigo junto dos revisores Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 12 (DEZ.,2014) | 74


Segunda Página • Titulo (em português); • Resumo (em português); • Palavras-Chave (em português); • Título (em espanhol); • Resumen; • Descriptores; • Titulo (em inglês); • Abstract; • Keywords. Páginas Seguintes: • Introdução; • Metodologia; • Resultados; • Discussão; • Conclusões; • Referências bibliográficas; • Apêndices (se existentes), agradecimentos (se existentes), conflitos de interesses (se existentes), fontes de financiamento (se existentes), e contribuições dos autores (se aplicável).

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