Revista RPESM N19

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FICHA TÉCNICA

TÍTULO | TITLE

Revista Portuguesa de Enfermagem em Saúde Mental | Portuguese Journal of Mental Health Nursing

PUBLICAÇÃO E PROPRIEDADE | PUBLISHING AND PROPERTY

A Sociedade Portuguesa de Enfermagem em Saúde Mental | The Portuguese Society of Mental Health Nursing

DIRETOR | MANAGING DIRECTOR

Carlos Sequeira, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal

COORDENADOR | COORDINATOR

Luís Sá, PhD - Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal

COORDENADOR DA COMISSÃO EDITORIAL | EDITORIAL BOARD COORDINATOR

Francisco Sampaio, MSc – Hospital de Braga, Portugal

COMISSÃO EDITORIAL | EDITORIAL BOARD

Analisa Candeias, MSc - Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho Bruno Santos, MSc - Irmãs Hospitaleiras, Braga Carlos Vilela, MSc - Escola Superior de Enfermagem do Porto Joana Coelho, MSc - Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho Lia Sousa, MSc - Centro Hospital de São João, Porto Lucília Vale de Nogueira, MSc – Centro Hospitalar do Porto Luís Silva, MSc - Hospital de Magalhães Lemos, Porto Regina Pires, MSc – Escola Superior de Enfermagem do Porto Rita Costa, MSc - Unidade Local de Saúde de Matosinhos, Porto Rosa Silva, MSc - Instituto de Ciências da Saúde – Universidade Católica Portuguesa, Porto Sónia Teixeira, MSc - Centro Hospitalar Conde de Ferreira

COMISSÃO CIENTÍFICA | SCIENTIFIC REVIEWERS

Agustín Simónelli Muñoz, PhD - Universidad Católica San Antonio, Múrcia, Espanha Aida Mendes, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal Alexandre Marques Rodrigues, PhD - Escola Superior de Saúde de Aveiro, Aveiro, Portugal Amadeu Gonçalves, PhD - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viseu Ana Querido, PhD - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria Beatriz Araújo, PhD - Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal Carlos Sequeira, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Carme Ferré Grau, PhD - Universitat Rovira i Virgili. Tarragona, Espanha Catarina Tomás, PhD - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria Elaine Antunes Cortez, PhD - Escola de Enfermagem AAC - Universidade Federal Fluminense Elizabete Borges, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Francisca Manso, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Portugal Geilsa Cavalcanti Valente, PhD - Escola de Enfermagem AAC - Universidade Federal Fluminense Guilherme Correa Barbosa, PhD – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Brasil Graça Pimenta, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Isilda Ribeiro, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal José Carlos Carvalho, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal José Carlos Gomes, PhD - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria, Portugal José Carlos Santos, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal Juan Roldan Merino, PhD - Escuela de Enfermería Sant Joan de Déu (adstrita a la UB), Espanha Júlia Martinho, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Luís Sá, PhD – Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal Margarida Sotto Mayor, PhD - Hospital de Magalhães Lemos, Porto, Portugal Maria José Nogueira, PhD - Escola Superior de Saúde Atlântica Mar Lleixà-Fortuno, PhD - Universitat Rovira i Virgili. Tarragona, Espanha Marluce Miguel de Siqueira, PhD - Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Michell Araújo, PhD - Faculdade Católica Rainha do Sertão - Fortaleza e Hospital de M., Brasil Odete Araújo, PhD - Escola de Enfermagem da Universidade do Minho, Portugal Odete Pereira, PhD - Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil Olga Sousa Valentim, PhD - Escola Superior de Saúde Atlântica Paulo Seabra, PhD - Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa Raul Cordeiro, PhD – Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Portalegre, Portugal Teresa Barroso, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal Teresa Lluch-Canut, PhD – Escola Universitària d’Infermeria - Universitat de Barcelona, Espanha Zeyne Scherer, PhD – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, Brasil

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 2


Público-alvo:

Enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e outras pessoas com interesse na área da saúde mental.

Objectivo:

Divulgação de evidências científicas sobre a promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento, reabilitação e reintegração das pessoas com doença mental ao longo da vida.

Âmbito:

Políticas e design dos cuidados de saúde; Avaliação, diagnóstico, intervenções e resultados de enfermagem; Sistemas de informação e indicadores em saúde mental; Direitos e deveres dos doentes mentais; Formação e investigação em enfermagem em saúde mental.

SUBSCRIÇÃO | SUBSCRIPTIONS

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ISSN:

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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 3


Índice

EDITORIAL CONVIDADO

1

PREVENÇÃO DO SUICÍDIO: UMA TAREFA DE TODOS!

ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO

2

PROBLEMAS DOS CUIDADORES DE DOENTES COM ESQUIZOFRENIA:

A SOBRECARGA FAMILIAR

3

FATORES ASSOCIADOS À ANSIEDADE ENTRE PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA ... 17

4

A LOUCURA E SUA VERDADE EM QUESTÃO: DISCURSOS DE PROFISSIONAIS DE

ENFERMAGEM DA ATENÇÃO HOSPITALAR .......................................................................... 27

5

ANÁLISIS DE LA TRANSICIÓN DE LOS POSTCUIDADORES FAMILIARES DESDE LA TEORÍA

DE LAS TRANSICIONES DE MELEIS: UNA APROXIMACIÓN CUALITATIVA

ARTIGOS DE REVISÃO

6

A FELICIDADE EM PESSOAS COM DOENÇA MENTAL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA

LITERATURA

7

EFICÁCIA DOS PROGRAMAS PSICOEDUCACIONAIS NA SOBRECARGA NOS FAMILIARES

CUIDADORES DE PESSOAS COM DEMÊNCIA: REVISÃO INTEGRATIVA

8

REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE COMO PRODUTORAS DE CUIDADO EM SAÚDE MENTAL:

UMA ANÁLISE REFLEXIVA .......................................................................................................... 61

........................................................

6

.................................................................................................... 8

........................ 37

............................................................................................................................ 45

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 4

.......................... 54


ARTIGOS DE BOAS PRÁTICAS

9

A TERAPIA COMUNITÁRIA - CRIANDO REDES SOLIDÁRIAS EM UM CENTRO DE SAÚDE

DA FAMÍLIA .................................................................................................................................. 71

10

MODELO DE INTERVENÇÃO PSICOTERAPÊUTICA EM ENFERMAGEM: PRINCÍPIOS ORIEN-

TADORES PARA A IMPLEMENTAÇÃO NA PRÁTICA CLÍNICA

.......................................................... 77

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 5


Editorial Convidado

1

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0196

PREVENÇÃO DO SUICÍDIO: UMA TAREFA DE TODOS! | José Carlos Santos1 |

Anualmente estima-se que morram por suicídio mais de 800 000 pessoas, com uma taxa global de cerca de 11,6 por 100000 habitantes (WHO, 2014). Com assimetrias a nível global, na Europa é possível marcar uma linha entre os países de leste, com taxas superiores a 30, os países escandinavos com taxas inferiores, a rondar os 20 mas superiores à média europeia e depois dos países do sul com taxas inferiores a 10 (WHO, 2018). Portugal tem tido, nos últimos anos taxas globais superiores a 10, sendo de 10,9 para 2015 enquanto a taxa padronizada foi de 8,2, com uma oscilação entre 3,3 nos adolescentes a 30,8 nos idosos com 75 e mais anos, chegando a 59,7 nos homens nesta faixa etária. As mulheres, em Portugal, morrem por suicídio cerca de 4 vezes menos que os homens (INE, 2018). Prevenir os comportamentos suicidários é uma das prioridades da Organização Mundial de Saúde e um compromisso assumido pelos países que a integram, visando reduzir as taxas em 10% no ano de 2020 (WHO, 2014). Contudo, uma análise dos números disponíveis demonstra que essa não tem sido a tendência na maior parte dos países, Portugal incluído (embora registe uma diminuição no número total de suicídios no ano de 2016). Fenómeno inquietante, se atendermos à redução conseguida noutras áreas da saúde, tradicionalmente líderes em número de óbitos. Os dados referentes à tuberculose, cancro, doença cardíaca e acidentes vasculares cerebrais têm registado um declínio acentuado, nas últimas décadas, nas taxas de óbitos, paralelamente a um aumento da esperança de vida de cerca de 30 anos (Remington & Brownson, 2016). Esta diminuição no número de mortes não se deveu, em nenhum caso relatado, a uma única dimensão nem tão pouco a fatores exclusivamente de saúde mas também (sobretudo?) de ordem social e estilos de vida. Talvez fosse importante refletir porque não se tem conseguido reduzir, ao nível global, substancialmente, os comportamentos suicidários e analisar algumas experiências de sucesso.

Sendo o comportamento suicidário um fenómeno complexo e multifacetado uma intervenção individual poderá, eventualmente, adiar o comportamento mas terá maiores dificuldades de sucesso dadas as variáveis envolvidas onde emergem as determinantes de saúde. Assim, uma abordagem ecológica consciente da presença de vários níveis de influência em que estes são interactivos e se relacionam (Golden & Earp, 2012) terá maiores probabilidades de sucesso na diminuição do número de comportamentos suicidários. De resto, alguns exemplos com o foco na população e uma abordagem ecológica que promova o bem-estar mental e a resiliência para toda a comunidade parecem ser mais efectivos que os programas centrados no risco (Cutcliffe, Wylie, Links & Santos, 2017). Para isso, a produção da melhor evidência necessita de ser incentivada, validada, partilhada para que possamos utilizá-la de forma eficaz. A investigação em suicidologia tem conhecido maior atenção dada a diversidade de estudos e disciplinas envolvidas. Apesar disso ainda é necessário reforçar a colocação da investigação em suicidologia na agenda quando falamos de prioridades nacionais e planos de financiamento. Têm sido registados avanços importantes, particularmente na área das neurociências, mas a procura continua incompleta na busca de respostas a duas questões básicas: como se desenvolve o processo suicida e o que podemos fazer para a sua prevenção. Na procura de respostas a estas duas questões todas as disciplinas do conhecimento, onde a enfermagem está obviamente incluída, são chamadas a contribuir para uma resposta global. Mas de pouco adiantará haver respostas ao nível da investigação e produção de conhecimento se, na prática, continuarmos afastados das melhores evidências disponíveis.

1 Doutor em Saúde Mental; Mestre em Sociopsicologia da Saúde; Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Rua 5 de Outubro, 3046-851 Coimbra, Portugal. E-mail: jcsantos@esenfc.pt Citação: Santos, J. C. (2018). Prevenção do suicídio: Uma tarefa de todos!. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (19), 06-07. doi: 10.19131/rpesm.0196 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 6


Assim, a translação do conhecimento assume-se como uma prioridade, o que implica maior acessibilidade, maior consciencialização dos políticos e/ou gestores, maior responsabilidade dos profissionais de saúde e/ou cuidadores e, por último, maior exigência de qualidade por parte de todos os cidadãos. Porquê? Porque o comportamento suicida, apesar de permanecer em muitas nuances, o ato mais misterioso do ser humano, é possível evitá-lo quando se aposta, de uma forma multidisciplinar e multissectorial, na sua prevenção. E os enfermeiros de saúde mental? Talvez, sempre que incorporam uma filosofia humanista dos cuidados, uma visão sistémica e uma intervenção ecológica se constituam como elementos fundamentais, num contexto multidisciplinar, para a prevenção de comportamentos suicidários. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Cutcliffe, J., Wylie, L., Links, P., & Santos, J. (2017). Adopting an ecological public health approach to suicide prevention - the cases of Turkey and Canada: Why can’t we get there?. Journal of Psychiatric Nursing, 8(3), 172-178. doi: 10.14744/phd.2017.40327

Golden, S., & Earp, J. (2012). Social ecological approaches to individuals and their contexts: Twenty years of health education & behavior health promotion interventions. Health Education & Behavior, 39(3), 364-372. doi: 10.1177/1090198111418634 Instituto Nacional de Estatística. (2018). Taxa de mortalidade por lesões autoprovocadas intencionalmente (suicídio) por 100000 habitantes. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística. Remington, P. L., & Brownson, R. C. (2016). Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR): Fifty years of progress in chronic disease epidemiology and control. Center for Disease Control and Prevention, 60(4), 70-77. World Health Organization. (2014). Preventing suicide: A global imperative. Geneva: World Health Organization. World Health Organization. (2018). World Health Statistics data visualization dashboard. Geneva: World Health Organization.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 7


Artigo de Investigação

2

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0197

PROBLEMAS DOS CUIDADORES DE DOENTES COM ESQUIZOFRENIA: A SOBRECARGA FAMILIAR | Joana Morgado Alves1; Assunção Laranjeira Almeida2; Maria Augusta Pereira da Mata3; Maria Helena Pimentel4 |

RESUMO CONTEXTO: A esquizofrenia é uma doença mental grave. Pelas suas características leva a um aumento tanto da sobrecarga objetiva como subjetiva dos familiares da pessoa que a suporta. OBJETIVO: Avaliar os problemas dos cuidadores de doentes com esquizofrenia em termos de sobrecarga objetiva e subjetiva, ajuda recebida, atitudes positivas e criticismo, bem como a sua relação com as variáveis de caracterização sociodemográfica e anos de contacto do cuidador com o doente. MÉTODOS: Estudo quantitativo, transversal, descritivo correlacional numa amostra não probabilística, por conveniência, constituída por 35 familiares de doentes com o diagnóstico de esquizofrenia. Recolha de dados de junho a setembro de 2016 a familiares na consulta externa ou hospital de dia do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental dum hospital da Zona Centro de Portugal. Instrumento de recolha com questões de caracterização sociodemográfica, anos de contacto enquanto cuidador e Questionário de Problemas Familiares (FPQ) na sua versão original de Morosini et al., (1991), validado para a população portuguesa por Xavier et al., (2002). RESULTADOS: Amostra constituída maioritariamente por familiares do género feminino (54,3%), casados (68,6%), grau de parentesco pai/mãe (60%), habilitações literárias 2º ciclo (40%), empregados (40%) e contato com o doente após diagnóstico de esquizofrenia há mais de 10 anos (57,1%). No FPQ a média mais elevada foi obtida na sobrecarga subjetiva (M=2,35) com diferenças estatisticamente significativas segundo o grau de escolaridade (KW=6,747; p=0,034), seguida de perto pelas atitudes positivas (M=2,34) e ajuda recebida (M=2,33). CONCLUSÃO: Existe sobrecarga familiar na amostra em estudo. O apoio dos enfermeiros reflete-se na ajuda recebida. Assim, nas intervenções que reduzam a sobrecarga familiar o enfermeiro especialista em sáude mental dos cuidados de saúde primários tem um papel primordial.

PALAVRAS-CHAVE: Burnout; Cuidadores; Esquizofrenia; Relações familiares

RESUMEN

ABSTRACT

“Problemas de los cuidadores de pacientes con esquizofrenia: La sobrecarga familiar”

“Problems of caregivers of patients with schizophrenia: The family burden”

CONTEXTO: La esquizofrenia es una enfermedad mental grave. Debido a sus características conduce a un aumento tanto de la sobrecarga objetiva como subjetiva en los familiares de la persona que la soporta . OBJETIVO: Evaluar los problemas de los cuidadores de pacientes con esquizofrenia en términos de sobrecarga objetiva y subjetiva, ayuda recibida, actitudes positivas y criticismo, así como su relación con las variables de caracterización sociodemográfica y años de contacto del cuidador con el enfermo. MÉTODOS: Estudio cuantitativo, descriptivo, correlacional, transversal , una muestra no aleatoria, por conveniencia, que consiste en 35 miembros de la familia de los pacientes con el diagnostico de esquizofrenia. La recogida de datos se llevó a cabo entre junio y septiembre de 2016 para la familia en el ambulatorio o de hospital de día del Departamento de Psiquiatría y Salud Mental CHBV. El instrumento de recolección de datos se compone de temas de caracterización socio-demográficos, años de contacto y Cuestionario de Problemas de la familia (PPQ) en su versión original de Morosini et al., (1991), validado para la población portuguesa por Xavier et al., (2002). RESULTADOS: La muestra que consiste principalmente de mujeres de la familia (54,3%), que están casados (68,6%), relación padre / madre (60%), con titulación de 2º ciclo (40%), empleados (40%) y tienen contacto con el paciente después del diagnóstico de la esquizofrenia durante más de 10 años (57,1%). En PPQ se obtuvo el promedio más alto de carga subjetiva (M = 2,35) con diferencias estadísticamente significativas según el nivel de la escolarización (KW = 6,747; p = 0,034), seguido de cerca por una actitud positiva (M = 2.34) y la asistencia recibida (M = 2,33). CONCLUSIÓN: Los resultados indican que hay carga familiar en la muestra en estudio. El apoyo de las enfermeras se refleja en la ayuda recibida. Por lo tanto, en las intervenciones que reducen la carga familiar, la enfermera especialista en salud mental de la atención primaria tiene un papel clave.

BACKGROUND: Schizophrenia is a serious mental disease. By its characteristics it leads to an increase of both objective and subjective burden of relatives. AIM: To assess the problems of caregivers of patients with schizophrenia in terms of objective and subjective burden, received help, positive atitudes and criticism as well as their connection with social and demographic characterization variables and caregiver’s contact time with the patient. METHODS: Quantitative, cross-sectional, descriptive and correlational study with a convenient non-random sample of 35 family members of patients diagnosed with schizophrenia. Data collection was carried out with family members at the consultation or Day Hospital of Psychiatry and Mental Health Department at a Hospital of the Central Zone of Portugal from June to September 2016. Data collection tool included social and demographic questions, contact years with the patient and the original version of Family Problems Questionnaire (FPQ) by Morosini et al., (1991), validated to the Portuguese population by Xavier et al., (2002). RESULTS: The sample consisted mainly of female family members (54,3%), married (68,6%), patient’s father/mother (60%), holding 5 years of schooling (2nd cycle of basic scholarship) 40%), employed (40%) and with 10 or more years of contact with the patient (57,1%). The highest average in FPQ was obtained in subjective overload (M=2,35) with statistically significant differences according to scholarship level (KW=6,747; p=0,034), followed by the positive attitudes (M=2,34) and received help (M=2,33). CONCLUSION: There is family burden in the studied sample. Nurses’ support is reflected on the received help. Thus, specialist nurse in mental health within primary health care performs a major role in the interventions aiming at the reduction of family overload.

DESCRIPTORES: Burnout; Cuidadores; Esquizofrenia; Relaciones familiares

KEYWORDS: Burnout; Caregivers; Schizophrenia; Family relationships Submetido em 30-03-2017 Aceite em 22-11-2017

1 Mestre; Enfermeira no Centro Hospitalar do Baixo Vouga, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, 3810-501 Aveiro, Portugal, joanaalves83@hotmail.com 2 Doutora; Professora Adjunta na Universidade de Aveiro, Escola Superior de Saúde, Membro colaborador da UICISA e IBIMED, Aveiro, Portugal, laranjeira.almeida@ua.pt 3 Doutora; Professora Adjunta na Escola Superior de Saúde de Bragança, UICISA:E, 5300-146 Bragança, Portugal, augustamata@ipb.pt 4 Doutora; Professora Coordenadora na Escola Superior de Saúde de Bragança, UICISA:E, Avenida D. Afonso V, 5300-146 Bragança, Portugal, hpimentel@ipb.pt Citação: Alves, J. F. M., Almeida, A. L., Mata, M. A. P., & Pimentel, M. H. (2018). Problemas dos cuidadores de doentes com esquizofrenia: A sobrecarga familiar. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (19), 08-16. doi: 10.19131/rpesm.0197 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 8


INTRODUÇÃO O diagnóstico de Esquizofrenia sofreu alterações significativas na versão do DSM-V, 2014). Abandonou a divisão da esquizofrenia em subtipos. O critério que define a sintomatologia característica (Critério A) continua a requerer a presença, no mínimo, de dois dos cinco sintomas mas a atual versão exige que pelo menos um deles seja positivo. Carateriza-se por uma perturbação mental grave que apresenta curso e prognóstico variáveis. A sintomatologia engloba a presença de disfunções cognitivas, emocionais e comportamentais que alteram a perceção, o raciocínio lógico, a linguagem e a comunicação, o afeto, a fluência, conteúdo do pensamento e do discurso, a capacidade hedónica, a vontade, o impulso e a atenção. Este conjunto de sinais e sintomas surge associado a uma disfunção social e ocupacional (American Psychiatric Association, 2013), habitualmente com recorrentes recaídas, com sintomas residuais e recuperação social muito deficiente. Parte da gravidade da doença diz respeito, precisamente, ao facto de raramente o doente conseguir voltar ao funcionamento pré-mórbido (Silva, 2006). Em 2001 a Organização Mundial de Saúde, no Relatório Mundial de Saúde dedicado à saúde mental, definiu metas para o início da desinstitucionalização e criação de serviços na comunidade com cuidados individualizados para doentes mentais graves. Na Declaração Europeia de Saúde Mental (Helsínquia, 2005), os Ministros da Saúde da União Europeia comprometeram-se a assegurar cuidados aos doentes mentais graves a partir da comunidade (Resolução do Conselho de Ministros, 2008). Em conformidade, o Plano Nacional de Saúde Mental de 2007-2016 reconhece as perturbações psiquiátricas e os problemas de saúde mental como a principal causa de incapacidade e uma das principais causas de morbilidade, nas sociedades atuais, traçando como prioridade o desenvolvimento de equipas de saúde mental comunitária. Esta prioridade é ainda mais relevante se considerarmos que 22,9% da população portuguesa tem perturbações psiquiátricas e 14,3% recebe tratamentos em saúde mental (Caldas de Almeida et al., 2013). Com efeito, desde que a desinstitucionalização psiquiátrica se tornou emergente a inserção efetiva da família no novo paradigma de assistência em saúde mental ganhou acuidade.

No entanto, é necessário que os profissionais de saúde estejam atentos à saúde mental de todos os membros da família para que a desinstitucionalização psiquiátrica não passe a ter um efeito negativo, contrário ao esperado (Borba, Schwartz & Kantorski, 2008; Gomes, 2015; Stephanie, 2012). A desinstitucionalização só pode ser bem-sucedida se os doentes encontrarem na coletividade recursos organizados que promovam suporte e orientação. Vários estudos comprovam a sobrecarga familiar perante doentes mentais graves (Borba et al., 2008; Pinho e Pereira, 2015; Stephanie, 2012; Tenório de Albuquerque, Oliveira Cintra e Bandeira, 2010; Xavier, Pereira, Corrêa e Caldas de Almeida, 2002). A sobrecarga familiar segundo Tenório de Albuquerque et al., (2010) e Xavier et al., (2002), pode dividir-se fundamentalmente em duas componentes: sobrecarga objetiva e sobrecarga subjetiva. A sobrecarga objetiva diz respeito ao impacto direto das modificações e limitações determinadas pela doença de um indivíduo nos seus familiares. Já a sobrecarga subjetiva relaciona-se com o conjunto de sentimentos decorrente da vivência intrapsíquica destas limitações, refletiva em termos de impacto psicológico. Por sua vez, Borba et al., (2008) classificam a sobrecarga familiar como sobrecarga física e emocional, sobrecarga do cuidado e sobrecarga financeira. A sobrecarga física e emocional identifica-se pelo aparecimento de doenças relacionadas ao sistema nervoso (como gastrite e problemas gastrointestinais), evidenciando como os problemas de ordem emocional se repercutem na saúde física. Emocionalmente os familiares podem encontrar-se vulneráveis pela privação do sono ou por não suportarem a convivência. Neste contexto cuidar pode tornarse uma tarefa difícil, quer seja pela falta de apoio e comprometimento dos demais membros da família, quer seja pelas exigências ou solicitações do familiar doente. Em termos de sobrecarga financeira, os mesmos autores, salientam a situação económica desfavorável de muitas famílias, agravando o problema e a necessidade de reorganizar o orçamento familiar. Ainda, prever faltas ao trabalho para acompanhar e atender as necessidades de cuidados do familiar portador de doença mental podendo, não raras vezes, comprometer a única fonte de rendimento da família. Em Portugal, regra geral, a família constitui-se como rede de suporte natural e muitos doentes vivem com pelo menos um familiar direto. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 9


É, portanto, natural que a família deva ser incluída nos planos de tratamento e reabilitação (Gomes, 2015; Gonçalves-Pereira, Xavier, Neves, Barahona-Correa & Fadden 2006).De acordo com Pinho e Pereira (2015: 16) George Brown “(…)comprovou-se maior percentagem de recaídas nos doentes que viviam em casa de familiares do que naqueles que viviam sozinhos ou com outros doentes”. Assim, o envolvimento ativo da família no processo de tratamento considera-se de extrema importância, pelo que as intervenções educativas poderão constituir-se uma prioridade de ação. A educação em saúde pretende reduzir o stresse familiar, providenciar suporte social e promoção do empoderamento (Gonçalves-Pereira et al., 2006; Lucksted, McFarlane, Downing & Dixon, 2012; Pfammatter, Andres & Brenner, 2012). A implementação de intervenções familiares no tratamento de doentes com perturbações psicóticas surge da necessidade de dar resposta efetiva às necessidades da família e minimizar as dificuldades, assente na perceção de que a sua integração nos cuidados representa um benefício em termos de prognóstico e de indicadores de bem-estar (Pharoah, Mari, Rathbone & Wong, 2010). Também o Relatório da Primavera (2015) vem afirmar idênticos propósitos. Em suma para que a desinstitucionalização tenha êxito é necessário proporcionar aos familiares cuidadores estratégias e ferramentas que minimizem o impacto negativo da doença tornando-os resilientes, capacitando-os e promovendo o seu empoderamento (Almeida, Dimenstein e Severo, 2010; Carvalho, 2012). Ainda, cuidados domiciliários necessários à sua recuperação (Tomás, 2013). Assim, este estudo tem como objetivo avaliar os problemas dos familiares/cuidadores de doentes com esquizofrenia, bem como a sua relação com as variáveis de caracterização sociodemográfica e tempo de contacto com o doente mental.

A recolha de dados ocorreu no período de junho a setembro de 2016, aos familiares que se encontravam a acompanhar o utente na consulta externa ou no hospital de dia do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar do Baixo Vouga (CHBV, E.P.E). O instrumento de colheita de dados contempla questões de caracterização sociodemográfica e número de anos de contacto com o doente mental ao qual juntámos o Questionário de Problemas Familiares (FPQ), desenvolvido na sua versão original na língua inglesa pelo Instituto de Saúde Pública de Roma e pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de Nápoles (Morosini, Roncone, & Casacchia, 1991), validado para a população portuguesa por Xavier et al., (2002). Estruturalmente o FPQ é um instrumento de autopreenchimento constituído por 29 itens avaliados de 1 a 4, em escala de tipo Likert, composto por cinco subescalas: sobrecarga objetiva, sobrecarga subjetiva, ajuda recebida de profissionais e/ou rede social, atitudes positivas e criticismo. Ainda, por três secções adicionais: sobrecarga em crianças, custos diretos e indiretos (Tabela 1). Apresentou, segundo os autores, na validação para a população portuguesa características psicométricas satisfatórias.

MÉTODOS

Tendo em conta os objetivos delineados para a presente investigação foram avaliadas somente as subescalas referentes à sobrecarga objetiva, sobrecarga subjetiva, ajuda recebida, atitudes positivas e criticismo não sendo avaliadas as secções adicionais. Foi obtida autorização à Comissão de Ética do Centro Hospitalar Baixo Vouga, E.P.E. e solicitada autorização ao Conselho de Administração desse Centro Hospitalar. Procedemos ao estudo da consistência interna do FPQ para a presente investigação e obtivemos valores de Alfa de Cronbach de 0,948 para o total dos 29 itens.

Realizámos um estudo quantitativo, transversal, descritivo correlacional numa amostra não probabilística, por conveniência, constituída por 35 familiares de doentes com o diagnóstico de esquizofrenia. Como critérios de inclusão foram considerados: familiares/cuidadores de doente mental com esquizofrenia e com diagnóstico há mais de um ano; com capacidade para ler, compreender e completar com sucesso os instrumentos de colheita de dados.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 10

Tabela 1 - FPQ e Suas Subescalas Fator

Subescalas

1

Sobrecarga objetiva

14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21

2

Sobrecarga subjetiva

29, 30, 34, 35, 37, 38, 47

3

Ajuda recebida

4

Atitudes positivas

5

Criticismo

54, 63, 64*

Secções Sobrecarga em crianças adicionais Custos diretos

67, 75, 83

Custos indiretos

Itens

3*, 4*, 5*, 6*, 9, 10, 58 48, 55, 60, 62 39, 41 22, 23

* Escala inversa


Para a análise estatística utilizámos o nível de significância de 5% (p=0,05). Recorremos aos testes não paramétricos de Mann-Whitney e Teste de Kruskal Wallis tendo em conta o reduzido tamanho da amostra e a não distribuição normal das variáveis. RESULTADOS A amostra em estudo é constituída maioritariamente por indivíduos do sexo feminino (54,3%), casados (68,6%) e progenitores (pai e/ou mãe) como grau de parentesco com o doente (60,0%). Têm idades compreendidas entre os 17 e os 77 anos, com uma média de idade de 53,1 anos (DP=14,18). Quanto à escolaridade e situação ocupacional a maioria tem o 2º ciclo (40%) e emprego (40%). No que diz respeito ao contacto com o doente mental mais de metade (57,1%) tem contacto há mais de 10 anos (Tabela 2). Tabela 2 - Caracterização Sociodemográfica dos Inquiridos (n=35) e Tempo de Contacto com o Doente Mental n Sexo Idade

Masculino

14

40,0

Feminino

19

54,3

Média=53,1 anos

Estado civil

Parentesco c/ doente

Grau de escolaridade

Situação ocupacional

Contacto c/doente

%

Dp= 14,18 anos

Casado

24

68,6

Solteiro

4

11,4

Separado/divorciado

5

14,3

Viúvo

2

5,7

Pai/mãe

21

60,0

Cônjuge

6

17,1

Irmão/irmã

2

5,7

Outros

6

17,1

1º ciclo

12

34,3

2ºciclo

14

40,0

Superior

9

25,7

Empregado

14

40,0

Desempregado

5

14,3

Aposentado

12

34,3

Outro

4

11,4

1-3 anos

9

25,7

4-6 anos

2

5,7

7-10 anos

4

11,4

>10 anos

20

57,1

Tabela 3 - Subescalas do FPQ Média e Desvio-Padrão Subescalas

nº itens

M

DP

Sobrecarga objetiva

8

1,99

0,702

Sobrecarga subjetiva

7

2,35

0,847

Ajuda recebida

7

2,33

0,785

Atitudes positivas

4

2,34

0,637

Criticismo

3

1,71

0,497

O índice total de sobrecarga objetiva foi de 1,99±0,702, com pontuações mais elevadas nos itens: problemas com o sono (2,31±0,900); negligenciar outros familiares (2,28±1,137); limitação dos períodos de lazer (2,18±1,103); dificuldade em fazer férias (2,06±1,027). O valor do índice total de sobrecarga subjetiva foi de 2,35±0,847, o mais alto de todas as subescalas avaliadas, os itens mais pontuados são: desapontamento pela evolução do doente (2,89±1,051); responsabilização do doente (2,57±1,267); preocupação com o futuro dos familiares (2,54±1,094). Na subescala ajuda recebida o índice global foi de 2,33±0,785, com as pontuações mais elevadas a verificarem-se nos itens: ajuda por parte dos enfermeiros (2,97±0,918); informação dada por profissionais de saúde (2,58±1,062); emergência/ajuda de profissionais de saúde (2,53±1,016). Na subescala atitudes positivas encontrou-se um índice de 2,34±0,637, com todos os itens a pontuar, em média, em valores muito próximos e superiores a 2. Finalmente o criticismo cujo valor global médio (1,71±0,497) é o mais baixo de todas as subescalas avaliadas, particularmente, nos itens: vontade de se separar o doente (1,43±0,739) e ideia de que o doente tenta estorvar (1,47±0,788) (Tabela 4).

As análises efetuadas centraram-se no estudo das cinco subescalas do Questionário de Problemas Familiares, conforme Tabela 3. A mais representativa corresponde à sobrecarga subjetiva (M=2,35), seguida de perto pelas atitudes positivas (M=2,34) e apoio recebido (M=2,33). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 11


Tabela 4 - Estatísticas Descritivas dos Itens de cada Subescala do FPQ Sobrecarga Objetiva

N

Média

Mediana

Moda

DP

14

Problemas com o sono

35

2,31

2

2

0,900

15

Limitação dos períodos de lazer

33

2,18

2

1

1,103

16

Dificuldade de sair ao fim-de-semana

35

1,77

1

1

1,087

17

Limitação em receber convidados

35

1,77

1

1

1,003

18

Restrição da vida social

35

1,86

2

2

0,733

19

Problemas de assiduidade no trabalho

32

1,69

1,5

1

0,859

20

Negligenciar de outros familiares

25

2,28

2

1

1,137

21

Dificuldade em fazer férias

35

2,06

2

1

1,027

Sobrecarga Subjetiva 29

Sensação de esgotamento iminente

35

2,06

2

1

1,027

30

Sentimentos de depressão e choro

35

2,37

2

2

0,877

34

Preocupação com o futuro dos familiares

35

2,54

2

2

1,094

35

Sensação de ser observado (com o doente)

33

2,03

2

1

1,159

38

Responsabilização do doente

35

2,57

3

4

1,267

47

Desapontamento pela evolução do doente

35

2,89

3

4

1,051

37

Culpa por transmissão da doença

35

2,00

2

1

0,939

Ajuda Recebida 3*

Ajuda de familiares ou amigos

33

2,30

2

2

0,984

4*

Informação dada por profissionais de saúde

33

2,58

3

2

1,062

5*

Emergência, ajuda de família/amigos

33

2,45

2

2

0,938

6*

Emergência,ajuda de profissionais de saúde

32

2,53

3

3

1,016

9

Ajuda por parte dos médicos

33

2,48

3

3

1,064

10

Ajuda por parte dos enfermeiros

33

2,97

3

3

0,918

58

Ajuda por parte de outras entidades

35

1,51

1

1

0,887

Atitudes Positivas 48

Satisfação com a ajuda dada pelo doente

29

2,03

2

2

0,865

55

Satisfação pela cooperação do doente

35

2,43

2

2

1,119

60

Elogio da sensibilidade do doente

35

2,43

2

2

0,884

62

Elogio de qualidades do doente

32

2,44

2

2

1,076

Criticismo 54

Ideia de que o doente tenta estorvar

34

1,47

1

1

0,788

63

Vontade de se separar do doente

35

1,43

1

1

0,739

64*

Extrair algo de positivo da situação

34

2,24

2

2

0,923

Nota: os resultados de cada iten variam entre 1 e 4.

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No Quadro 1 estão representados os valores médios das cinco subescalas do FPQ segundo as variáveis de caracterização dos inquiridos e o tempo de contacto com o doente mental. Em relação à sobrecarga objetiva os cuidadores do sexo feminino (2,09), com idades iguais ou superiores a 65 anos (1,89), viúvos (1,82), irmãos do doente (2,24), com o 1º ciclo de formação literária (2,21) e cuidadores há mais de dez anos (2,14) são os que evidenciam médias mais elevadas. No entanto, a aplicação dos testes U de Mann-Whitney e de Kruskal-Wallis não confirmou a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. Quadro 1 - Valores Médios das Cinco Subscalas do FPQ Segundo as Variáveis de Caraterização e Tempo de Contacto com o Doente Sob. Objetiva ¯X Sexo G. Etário Estado civil

Parentesco c/ doente

Escolaridade

Situação ocupacional

Tempo de contacto c/ doente

p

Sob. Subjetiva ¯X

p

¯X

p

¯X

p

¯X

Feminino

2,09

<65 anos

1,89

≥65 anos

2,36

Casado

1,86

Solteiro

2,67

Sep/divor

1,82

Viúvo

3,11

3,42

1,67

2,79

2,33

Pai/mãe

1,93

2,39

2,30

2,49

1,78

Cônjuge

2,09

Irmão/irmã

2,24

Outros

1,95

1º ciclo

2,21

2ºciclo

1,99

Superior

1,65

2.02

2.42

2.20

1,44

Empregado

1,74

2,00

2,45

2,37

1,70

Desemprego

2,15

Aposentado

2,11

Outro

2,25

2,79

2,07

2,69

1,50

1-3 anos

1,83

2,20

2,17

2,31

1,78

4-6 anos

1,64

7-10 anos

1,69

>10 anos

2,14

0,077*

2,29 2,28

0,788* 0,084*

2,47 0,1871

0,8131

2,21 1,88

2,42 3,00

0,1311

0,7091

0,1891

0,5091

2,23

2,53 2,71

1,92 3,04 2,43

2,78

0,984*

2,52 2,22

2,52 2,00

0,6381

0,8441

0,034

0,1021

0,3591

2,23

1,87 2,36

3,50 2,00 2,29

2,30 2,48

0,212* 0,537*

2,17 2,67

2,39 1,67

0,6321

0,0991

0,782

0,5411

0,2351

2,26

2,33 2,22

2,63 2,44 2,29

1,79 1,62 1,88

p 0,123* 0,141*

1,25 1,60

1,61 1,33

0,0541

0,3611

1,44

2,58 1

1,50

1,69

1,94

2,27 1

2,43

0,537*

2,13

2,92 2,59

2,91

1,000*

2,32

2,28 1

2,31

2,18

Criticismo

1,84

2,48

2,33

Atit. Positivas

Masculino

0,418*

2,36

Ajuda Recebida

1,92 0,431

1

0,7241

0,8981

1,59

1,70 1,67

1,58 1,50

0,0941

0,8671

0,7441

1,66

Teste de Kruskal_Wallis; *teste U de Mann-Whitney

1

Quanto aos valores médios de sobrecarga subjetiva o sexo masculino, viúvos, irmãos da pessoa doente, com o 1º ciclo de formação literária e com um tempo de cuidado entre 7 a 10 anos evidenciam médias de sobrecarga subjetiva mais elevada (2,36; 3,42; 3; 2,92 e 3,04 respetivamente). Porém, só se verificaram diferenças estatisticamente significativas segundo o grau de escolaridade (KW=6,747; p=0,034), quanto mais elevada a escolaridade menor a perceção de sobrecarga. Na ajuda recebida os cuidadores com idades inferiores a 65 anos, os solteiros, os cônjuges, os que possuem o ensino superior, os empregados e os que cuidam entre 4 a 6 anos e mais de 10 anos parecem receber mais ajuda. Também neste caso nem o teste U d Mann-Whitney nem o de Kruskal-Wallis demonstraram evidência estatística para as diferenças entre os diversos grupos. Os cuidadores do sexo feminino, com mais de 65 anos, os viúvos, os pais/mães, os que possuem o 1º ciclo e com tempo de cuidado entre 4 a 6 anos são os que revelam médias mais elevadas de atitudes positivas. No entanto, a aplicação dos testes estatísticos não revelaram a existência de diferenças significativas entre os diferentes grupos. Familiares do sexo feminino, com mais de 65 anos, viúvos, pais ou mães do paciente, que possuem o 1º ciclo, empregados/desempregados e com um tempo de cuidado entre 1 e 3 anos, são os que evidenciam níveis mais elevados de criticismo. A aplicação dos testes estatísticos não revelaram significâncias estatísticas nos diferentes grupos estudados. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 13


DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A maioria dos familiares de referência/cuidadores do doente mental com esquizofrenia são do género feminino (54,3%) e são progenitores (60%). Resultados semelhantes foram encontrados em três estudos realizados em Portugal (Guedes, 2008; Pinho e Pereira, 2015; Xavier et al., 2002). Durante milhares de anos a prática dos cuidados correntes, os cuidados que suportam a vida, ligou-se fundamentalmente à atividade dos diversos papeis que foram sendo atribuídos à mulher ao longo do desenvolvimento das sociedades, fruto da divisão social do trabalho. Assim, desde os tempos mais recuados da história da humanidade até ao fim da Idade Média, passando pelo período da Revolução Industrial, da descoberta da Célula e mais tarde da Bactéria tem havido uma identificação da prática dos cuidados com a mulher, papel modelado em torno da fecundidade e de todas as formas simbólicas que gera. Também, na atualidade, a prática dos cuidados quer cultural quer socialmente tem sido assumida pela mulher, a quem tem cabido a responsabilidade de cuidar das crianças, dos velhos e dos doentes (Pimentel, Mata & Pereira, 2011). Nesta linha de análise, Mata & Veja Rodrigues (2012) aludem à maior prevalência de enfermidades crónicas e incapacitantes associadas ao envelhecimento e deste modo o maior número de dependências e a necessária presença de um cuidador. Esta função, segundo as autoras, tem sido habitualmente assumida pela família, resultados em concordância com os do nosso estudo e corroborados pelo INE (2011) e Tobio, Agulló, Gómez & Martín (2010). Também Afonso (2010); Pereira e Almeida (1999) e Torrey (2006) salientam a dependência familiar e a necessidade de ajuda constante destes doentes mentais em inúmeras atividades da sua vida diária. São vários os estudos que indicam que a presença de um doente mental na família provoca uma elevada sobrecarga para os seus elementos (Brito, 2006; Borba et al., 2008; Guedes 2008; Pinho & Pereira, 2015; Xavier et al., 2002). Analisando os resultados obtidos verificou-se a existência de sobrecarga objetiva (1,99) e subjetiva (2,35) na amostra em estudo, embora os valores não sejam demasiado elevados, sendo a sobrecarga subjetiva superior. Nos três estudos realizados em Portugal (Guedes 2008; Pinho & Pereira, 2015; Xavier et al., 2002) obtiveram-se resultados semelhantes mas somente no estudo de Xavier et al., (2002), ao contrário dos outros dois, a sobrecarga subjetiva foi superior. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 14

No que respeita à sobrecarga objetiva observaram-se pontuações mais elevadas nos problemas com o sono (2,31) e negligênciar outros familiares (2,28), ao contrário do observado no estudo de Xavier et al., (2002) com valores mais elevados para a dificuldade em fazer férias (2,31) e limitação dos períodos de lazer (2,02). O índice global de sobrecarga subjetiva foi o mais elevado do FPQ com pontuações superiores no desapontamento pela evolução do doente (2,89); responsabilização do doente (2,57) e preocupação com o futuro dos familiares (2,54). Também no estudo de Xavier et al., (2002) o desapontamento pela evolução do doente foi o item com pontuação mais elevada (2,82), seguindose a responsabilização do doente (2,58) e a preocupação com o futuro dos familiares (2,26). Observaram-se diferenças com significado estatístico entre o grau de escolaridade e os valores médios da subescala de sobrecarga subjetiva (KW=6,747; p=0,034). Xavier et al., (2002) chegaram a idêntica conclusão. Estes resultados parecem evidenciar que à medida que a escolaridade aumenta, diminui a sobrecarga subjetiva o que nos leva a pensar que a resolução de problemas parece mais desenvolvida nos familiares com mais escolaridade. Porventura, maior facilidade no acesso à informação e por consequência maior capacidade para lidarem com as limitações decorrentes da doença mental e maior capacidade para gerir as emoções e sentimentos face ao problema. Relativamente à ajuda recebida a média do índice global foi de 2,33 com as pontuações mais elevadas nos itens: ajuda por parte dos enfermeiros (2,97); informação por profissionais de saúde (2,58) e emergência/ ajuda de profissionais de saúde (2,53). Tendo em conta que a pontuação mais elevada se revelou na ajuda por parte dos enfermeiros podemos inferir que os familiares se sentem apoiados por estes profissionais. Já a ajuda por parte de outras entidades obteve a pontuação mais baixa (1,51) refletindo a escassez de recursos na comunidade para apoiar estas famílias. Além disso, a ajuda de familiares e amigos foi o segundo item com uma média mais baixa (2,30) o que reflete a dificuldade sentida relativamente a este tão importante e cada vez menos disponível apoio de outros familiares ou de amigos, numa rede de suporte mais alargada. As atitudes positivas obtiveram uma média de 2,34 sendo o item mais pontuado o elogio das qualidades do doente (2,44). Também neste item, o estudo de Xavier et al., (2002), revelou resultado inverso ao aqui verificado.


O departamento onde decorreu o estudo criou recentemente uma rede de suporte à família no pós internamento, com equipas comunitárias e serviços para proporcionarem apoio no cuidado e informação/educação em saúde, o que poderá ajudar a compreender os resultados observados nesta subescala. Com esta rede de suporte o sentimento de desalento pós alta pode ser, em parte, colmatado. Relativamente ao criticismo a média da subescala foi de 1,71, a mais baixa de todas as subescalas avaliadas. A vontade de se separar do doente (1,43) foi um dos itens de menor pontuação sugerindo que apesar da sobrecarga identificada os familiares não pretendem deixar de cuidar dos seus doentes. Igualmente no estudo de Xavier et al., (2002) este foi o item menos pontuado. Quanto ao tempo de contacto com o doente, atendendo aos resultados obtidos, questionamo-nos se o número de anos de convivência com o doente resultará num aumento da sobrecarga, sendo necessários mais estudos para podermos chegar a alguma conclusão. CONCLUSÕES Como principais resultados destacamos a sobrecarga familiar objetiva e subjetiva dos familiares de doentes com esquizofrenia enquanto realidade à qual os profissionais de saúde não podem ficar indiferentes. Estes profissionais devem fazer parte integrante das intervenções educativas ao nível dos cuidados de saúde primários, se possível no meio envolvente do doente, nomeadamente, seguindo a recomendação da Resolução do Conselho de Ministros (2008), não apenas pelo conhecimento que detêm da família mas também pela relação terapêutica pré-estabelecida e pela continuidade dos cuidados após a alta hospitalar. Assim, é importante dotar os profissionais de saúde em geral, e os enfermeiros em particularmente, de competências específicas para trabalhar com a problemática da doença mental grave. A atuação do enfermeiro de cuidados de saúde primários, especialista de saúde mental e psiquiátrica, no planeamento das intervenções ao doente mental e suas famílias, per si ou integrado em equipas multidisciplinares, será uma mais-valia não só no que diz respeito à avaliação do contexto familiar, como também na participação da reabilitação psicossocial e continuidade de cuidados.

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLINICA Este estudo permite perceber que a sobrecarga, sobretudo a subjetiva, bem como a necessidade de apoio por parte dos familiares de doentes com esquizofrenia, pelo que é importante delinear intervenções de enfermagem que ajudem a minimizar o problema. Sugere-se a participação ativa do enfermeiro, especialista em saúde mental e psiquiátrica, na capacitação dos familiares e nas intervenções que reduzam a sobrecarga na família e comunidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Afonso, P. (2010). Esquizofrenia – para além dos mitos, descobrir a doença. Cascais: Princípia. Almeida, K. S., Dimenstein, M., e Severo, A. K. (2010). Empoderamento e atenção psicossocial: Notas sobre uma associação de saúde mental. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, 14(34). American Psychiatric Association. (2014). DSM 5 - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (5ª ed.). Washington: American Psychiatric Association. Borba, L. O., Schwartz, E., & Kantorski, L. P. (2008). A sobrecarga da família que convive com a realidade do transtorno mental. Acta Paulista de Enfermagem, 21(4), 588-594. Caldas de Almeida, J. M., Xavier, M., Cardoso, G., Pereira, M. G., Gusmão, R., Corrêa, B., ... e Silva, J. (2013). Estudo epidemiológico nacional de saúde mental - 1º relatório. Lisboa: Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Carvalho, J. C. (2012). Diagnósticos e intervenções de enfermagem centradas no processo familiar da pessoa com esquizofrenia. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (8), 52-57. Gomes, R. M. T. (2015). Psicoeducação unifamiliar em famílias de pessoas com doença mental grave (Tese de Doutoramento) Setúbal: Instituto Politécnico de Setúbal, Escola Superior de Saúde. Gonçalves-Pereira, M., Xavier, M., Neves, A., Barahona-Correa, B., e Fadden, G. (2006). Intervenções familiares na esquizofrenia: Dos aspectos teóricos à situação em Portugal. Acta Médica Portuguesa, 19(1), 1-8.

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Artigo de Investigação

3

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0198

FATORES ASSOCIADOS À ANSIEDADE ENTRE PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA | Adaene Moura1; Rosaline Lunardi2; Rosa Volpato3; Vagner Nascimento4; Tayla Bassos5; Alisséia Lemes6 |

RESUMO CONTEXTO: O transtorno de ansiedade, acomete cerca de 3,6% da população em algum momento da vida, sendo mais comum em mulheres, incluindo transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais. OBJETIVO: A pesquisa teve como objetivo avaliar a presença de ansiedade entre profissionais da Estratégia de Saúde da Família e os fatores associados com a presença da ansiedade. MÉTODOS: Pesquisa de campo, descritiva, exploratória, quantitativa, realizada com 50 trabalhadores de seis unidades de atenção básica em saúde. Para coleta de dados foi utilizado um questionário semiestruturado e o uso do Inventário de Ansiedade de Beck. Os dados foram analisados e apresentados por meio do uso da estatística descritiva e por meio da análise de correlação por coeficiente de contingência C. A pesquisa teve aprovação ética com número 515/705. RESULTADOS: O perfil dos profissionais caracterizou-se pelo sexo feminino (94%), casados (54%), com idade média de 39 anos. A ansiedade esteve presente entre 30% dos trabalhadores. Os fatores associados com a ansiedade foram a dificuldade para dormir (C=0,410; p=0,004), pressão no trabalho (C=0.422; p=0,004) e já ter realizado tratamento para ansiedade nos últimos 12 meses (C=0.638; p=0,000). CONCLUSÕES: Verificou-se que os trabalhadores das unidades de saúde participantes, estão expostos a fatores que contribuíram para o surgimento da ansiedade. Esses resultados contribuem para a necessidade de se desenvolver estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento deste transtorno em busca de melhorar a saúde mental destes trabalhadores, contribuindo para um melhor desempenho profissional e êxito em sua vida pessoal e social.

PALAVRAS-CHAVE: Transtorno de ansiedade; Atenção primária à saúde; Profissional de saúde; Saúde mental

RESUMEN

ABSTRACT

“Los factores asociados con la ansiedad entre los profesionales de atención primaria”

“Factors associated with anxiety between basic attention professionals”

CONTEXTO: O transtorno de respuesta, cerca del 3,6% de la población en el momento actual de la vida, sendo más vendido en varias partes, incluye transtornos que compartan características de medo y ansiedade excessivos e perturbações comportamentais. OBJETIVO: Una pregunta clave como objetivo sobre la presencia de ansiedad entre los empleados de la Estrategia de salud de la familia y los asociados de Faculty Associate con una presença de ansiedade. METODOLOGÍA: Investigación de campo, descriptiva, exploratoria, cuantitativa, realizada con 50 trabajadores de seis unidades de atención básica en salud. Para la recolección de datos se utilizó un cuestionario semiestructurado y el uso del Inventario de Ansiedad de Beck. Los datos fueron analizados y presentados por medio del uso de la estadística descriptiva y por medio del análisis de correlación por coeficiente de contingencia C. La investigación tuvo aprobación ética con número 515/705. RESULTADOS: O perfil de las características es el sexo femenino (94%), casados (54%), promedio de 39 años. A ansiedade esteve presente entre 30% dos trabalhadores. Os fatores associados com a ansiedade foram a dificuldade para dormir (C = 0,410; p = 0,004), pressão no trabalho (C = 0,422; p = 0,004) e já ter realizado tratamento para ansiedade los últimos 12 meses (C = 0,638; p = 0,000). CONCLUSIONES: Se verificó que los trabajadores de las unidades de salud participantes, están expuestos a factores que contribuyeron al surgimiento de la ansiedad. Estos resultados contribuyen a la necesidad de desarrollar estrategias de prevención, diagnóstico y tratamiento de este trastorno en busca de mejorar la salud mental de estos trabajadores, contribuyendo a un mejor desempeño profesional y éxito en su vida personal y social.

BACKGROUND: Anxiety disorder affects about 3.6% of the population at some point in life, being more common in women, including disorders that share characteristics of excessive fear and anxiety and behavioral disorders. AIM: The aim of this research was to evaluate the presence of anxiety among professionals in the Family Health Strategy and the factors associated with the presence of anxiety. METHODS: Field research, descriptive, exploratory, quantitative, performed with 50 workers from six basic health care units. A semi-structured questionnaire and the use of the Beck Anxiety Inventory were used for data collection. The data were analyzed and presented through the use of descriptive statistics and through correlation analysis by contingency coefficient C. The research was ethically approved with number 515/705. RESULTS: The profile of the professionals was characterized by the female gender (94%), married (54%), with a mean age of 39 years. Anxiety was present among 30% of the workers. The factors associated with anxiety were difficulty in sleeping (C = 0.410, p = 0.004), work pressure (C = 0.422, p = 0.004) and anxiety in the last 12 months (C = 0.638; = 0.000). CONCLUSIONS: It was verified that the workers of the participating health units are exposed to factors that contributed to the emergence of anxiety. These results contribute to the need to develop strategies for the prevention, diagnosis and treatment of this disorder in order to improve the mental health of these workers, contributing to a better professional performance and success in their personal and social life.

DESCRIPTORES: Trastorno de ansiedad; Atención primaria de salud; Personal de salud; Salud mental

KEYWORDS: Anxiety disorders; Primary health care; Health personnel; Mental health Submetido em 30-03-2017 Aceite em 15-12-2017

1 Enfermeira; Mestranda em Ciências da Saúde na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Aragarças-GO, Brasil, adaene_moura@hotmail.com 2 Enfermeira; Doutora em Ciências; Professora Adjunta na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Barra do Garças-MT, Brasil, rosaline@terra.com.br 3 Enfermeira; Mestre em Ciências da Saúde, Barra do Garças-MT, Brasil, rosamjacinto@hotmail.com 4 Enfermeiro; Doutor em Bioética; Professor Adjunto na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Barra do Garças-MT, Brasil, vagnerschon@hotmail.com 5 Acadêmica em Enfermagem pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Universitário do Araguaia (CUA), Aragarças-GO, Brasil, tayla-queren@liive.com 6 Enfermeira; Doutoranda em Enfermagem Psiquiátrica pela Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; Docente Assistente na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Universitário do Araguaia (CUA), Barra do Garças-MT, Brasil, alisseia@hotmail.com Citação: Moura, A., Lunardi, R., Volpato, R., Nascimento V., Basso, T., & Lemes, A. (2018). Fatores associados à ansiedade entre profissionais da atenção básica. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (19), 17-26. doi:10.19131/rpesm.0198 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 17


INTRODUÇÃO A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou que, em 2015, 264 milhões (3,6%) de pessoas em todo o mundo apresentavam algum transtorno de ansiedade, sendo mais comum entre as mulheres. No Brasil, cerca de 9,3% da população é afetada por este transtorno (World Health Organization [WHO], 2017). A ansiedade tem sido considerada como um sentimento comum a qualquer ser humano, mas, dependendo da intensidade dos sintomas e prejuízos causados na vida do indivíduo, ela poderá ser considerada como ansiedade patológica, podendo manifestar preocupação excessiva com circunstâncias diárias da rotina da vida, tais como: trabalho, saúde, finanças, ou até mesmo em questões menores (American Psychiatric Association, 2013). Situações de vulnerabilidade favorecem o desenvolvimento do transtorno em determinados grupos, como os trabalhadores que atuam em serviço de saúde, pois constantemente passam por eventos estressores e se deparam com sofrimento, medo, conflitos, tensões, disputa pelo poder, ansiedade, estresse, convivência com a morte, longas jornadas de trabalho, entre tantos outros fatores inerentes ao cotidiano desses trabalhadores (Braga, Carvalho, e Binder, 2010). Além das situações de vulnerabilidade, o trabalho exige dos profissionais que atuam em serviços de saúde, alguns domínios para lidar com a prática diária voltada a assistência de sua população de abrangência, tais como: pensamento acelerado, ser ágil, ter capacidade de liderar, resolver situações problemáticas, pressão do tempo, dentre outros domínios, porém, quando o trabalhador não consegue desempenhar esses domínios, poderá causar-lhe tensão e sofrimento no trabalho (Martins, Robazzi, e Bobroff, 2010; Carvalho, Araújo, e Bernades, 2016). Sobre o serviço de saúde brasileiro, destaca-se que no ano de 1988 houve a regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS) e anos após, houve a aprovação da Política Nacional de Atenção Básica por meio da portaria nº648 de 2006, o que regulamentou a atenção a saúde a nível primário. Os serviços de Atenção Básica surgiram como um conjunto de ações de saúde voltados a abranger a toda comunidade com ações de promoção e proteção da saúde, de prevenção de agravos, de diagnóstico, de tratamento, de reabilitação e de manutenção da saúde, visando ainda o respeito do sujeito em sua singularidade, complexidade, integralidade e inserção sociocultural e faz parte deste nível de atenção a ESF e o Núcleo de Atenção à Saúde da Família (NASF) (Ministério da Saúde, 2012). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 18

Destacaremos neste estudo a Estratégia de Saúde da Família (ESF), por ter sido local de coleta de dados e por ser uma instituição criada para reorganizar da atenção básica em todo o país, de acordo com os preceitos do SUS. A ESF existe no Brasil desde o ano de 2004 e no ano de 2012, registrou-se que 95% dos municípios constavam com 33.404 unidades implantadas, abrangendo 55% da população. Cada ESF é responsável por uma população de até 4.000 pessoas, sendo a média recomendada de 3.000, respeitando critérios de equidade. Os profissionais que atuam nesta unidade são compostos por uma equipe multiprofissional (médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde), profissionais de saúde bucal (cirurgião-dentista, auxiliar e/ou técnico em saúde bucal) e de apoio (auxiliar administrativo e/ou recepcionista e serviço geral), responsáveis por ações que inclui a identificação da população exposta a riscos; realização de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde e prevenção de injúrias; atendimento humanizado, busca ativa e notificação de patologias (Ministério da Saúde, 2012). Diante da importância do serviço de atenção básica a qual a ESF está inserida, justifica-se a necessidade de identificar os principais fatores que podem contribuir para o surgimento de ansiedade entre profissionais que atuam em ESF, já que esta patologia interfere de modo negativo no desempenho profissional, no convívio familiar e social, na saúde física e psíquica dos mesmos. Os resultados poderão contribuir com o desenvolvimento de ações preventivas voltadas à saúde mental dos trabalhadores. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo avaliar a presença de ansiedade entre profissionais que atuam em ESF e os fatores associados com a presença da ansiedade. MÉTODOS Trata-se de uma pesquisa de campo, exploratório, descritiva com abordagem quantitativa, realizada com os profissionais Enfermeiros(as), Técnicos em Enfermagem (TE), Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Auxiliares Administrativos (AA), que atuam em seis ESF localizadas em um município na região CentroOeste no interior de Goiás, Brasil. A escolha das unidades de saúde deu-se pela proximidade dos pesquisadores com os coordenadores dos serviços do Sistema Único de Saúde e pelo reconhecimento da importância que essas unidades têm por atender a população de sua comunidade através de ações preventivas, de promoção e de recuperação da saúde.


Os critérios de inclusão foram: ser Enfermeiro(a), Médico(a), dentista, Técnico(a) em Enfermagem, Agente Comunitário de Saúde ou Auxiliar Administrativo; atuarem em uma das ESF participantes no estudo e serem maiores de dezoito anos, concordando em participar da pesquisa, por meio de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os critérios de exclusão foram: profissionais de atestado médico, licença prêmio ou férias no período da coleta de dados; e aqueles que não foram encontrados em até três tentativas para coleta de dados. Para definição da amostra, utilizou-se uma amostragem não probabilística, por conveniência, dos 60 profissionais pertencentes as seis unidades de ESF existentes neste município. Destes, 50 profissionais estavam aptos de acordo com os critérios definidos, sendo: 06 Enfermeiros, 06 Técnicos de Enfermagem, 33 Agentes Comunitários de Saúde e 05 Auxiliares Administrativos. É importante ressaltar que foram convidados todos os profissionais que atuavam nas ESF, porém, não houve a participação de profissionais médicos e dentistas, pelo fato de não serem encontrados nos momentos de visita dos pesquisadores e/ou por recusarem a participar do estudo, conforme critérios de exclusão. A pesquisa foi realizada, nos períodos matutinos e vespertinos, entre os meses de agosto a novembro de 2016, por meio da aplicação de dois instrumentos. O primeiro, um questionário semiestruturado, contendo questões objetivas, sobre dados sociodemográfico (faixa etária, sexo, estado civil, escolaridade, religião, renda individual), perfil da profissão e hábitos de vida. O segundo instrumento, o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), é um questionário validado no Brasil, autoaplicável que avalia sintomas característicos de ansiedade em busca de determinar a tendência à ansiedade, possuindo 21 itens, apresentados em uma escala de Likert de quatro pontos, variando de 0 a 3. Os itens somados resultam em escore total que pode variar de 0 a 63, onde de acordo com o manual de aplicação do instrumento, os pontos de corte para ansiedade são: 0 a 10 (ausência de sintomas ansiosos); 11 a 19 (ansiedade leve); 20 a 30 (ansiedade moderada); e 31 a 63 (ansiedade grave), sendo considerado o escore ≥ 21 pontos como indicativo da existência de ansiedade clinicamente significativa (Cunha, 2016). Os participantes responderam os instrumentos da pesquisa na própria instituição de trabalho, em local calmo e seguro. O preenchimento teve a duração média de 30 minutos.

Os dados foram processados e analisados no programa Epi info versão 3.5.2 e Bioestat versão 5.0. A estatística descritiva com utilização do programa Epi Info versão 3.5.2, foi aplicada nas variáveis sociodemográficas, perfil da profissão, presença de ansiedade. Para avaliar as possíveis associações da ansiedade com as demais variáveis (dificuldade para dormir, consumo de álcool, tabaco e sedentarismo; afastamento médico, tratamento para ansiedade e falta no trabalho decorrente de problemas mentais; agressão decorrente ao trabalho, considera o trabalho como estressor, estrutura física do trabalho e pressão no trabalho), foi utilizado o programa BioEstat versão 5.0, por meio da análise de correlação “Coeficiente de Contingência C” (resultado de C=0, determina que não há associação entre as variáveis, quando C≠0, há correlação entre duas variáveis (0.1 fraca, 0.1 a 0.3 moderada e 0.3 forte)), sendo nível de significância adotado de 5% (p0,05). Todas as providências em relação à dimensão ética do estudo foram tomadas de acordo com a Resolução de ética 466/2012. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso/Campus Universitário do Araguaia, sob o protocolo número 515/705.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO Caracterização Sociodemográfica dos Profissionais Os participantes do estudo apresentaram idades entre 22 e 64 anos, com média de 39 anos, predominantemente indivíduos com idade entre 32 a 46 anos (62%), do sexo feminino (94%), casados (54%), com ensino médio completo (34%) e superior completo (30%), com renda individual mensal de 1 a 3 salários mínimo (74%) e com algum tipo de religião (98%) (Tabela 1). Tabela 1 - Dados Sociodemográficos dos Profissionais das ESF. Agosto a novembro de 2016. Região Centro-Oeste no Interior de Goiás, Brasil (n=50) Descrição

Enfermeiro N (%)

Téc. Enfermagem N (%)

Aux. Administrativo N (%)

Agente Comunitário de Saúde N (%)

Total N(%)

22 a 36 anos

6 (100)

3 (50)

3 (60)

9 (27)

21 (42)

37 a 51 anos

0 (0)

2 (33)

1 (20)

23 (70)

26 (52)

52 a 64 anos

0 (0)

1 (17)

1 (20)

1 (3)

3 (6)

Feminino

6 (100)

6 (100)

5 (100)

31 (94)

48 (96)

Masculino

0 (0)

0 (0)

0 (0)

2 (6)

2 (4)

Casado

1 (17)

5 (83)

1 (20)

20 (61)

27 (54)

Solteiro

4 (67)

1 (17)

4 (80)

8 (24)

17 (34)

Separado

1 (17)

0 (0)

0 (0)

2 (6)

3 (6)

União estável

0 (0)

0 (0)

0 (0)

3 (9)

3 (6)

Fund. Incompleto

0 (0)

0 (0)

0 (0)

1 (3)

1 (2)

Fund. Completo

0 (0)

0 (0)

1 (20)

1 (3)

2 (4)

Médio Incompleto

0 (0)

0 (0)

0 (0)

3 (9)

3 (6)

Médio Completo

0 (0)

4 (67)

1 (20)

13 (39)

18 (36)

Superior Incompleto

0 (0)

1 (17)

3 (60)

4 (12)

8 (16)

Superior Completo

3 (50)

1 (17)

0 (0)

10 (30)

14 (28)

Esp. Completa

3 (50)

0 (0)

0 (0)

1 (3)

4 (8)

Até 1 salário*

0 (0)

2 (33)

4 (80)

6 (18)

12 (24)

1 a 3 salários

5 (83)

4 (67)

1 (20)

27 (82)

37 (74)

> de 3 salários

1 (17)

0 (0)

0 (0)

0 (0)

1 (2)

Sim

6 (10)

5 (83)

5 (100)

33 (100)

49 (98)

Não

0 (0)

1 (17)

0 (0)

0 (0)

1 (2)

Faixa Etária

Sexo

Estado Civil

Escolaridade

Renda individual

Possui Religião

*Salário mínimo vigente

Estes resultados são semelhantes a outros estudos realizados com trabalhadores da Atenção Básica, como apresentados por Pascoal (2008) no município de João Pessoa-PB (Brasil) em que 88,8% dos participantes eram do sexo feminino e 78,8% tinham idade acima de 30 anos. Já em 2016 no estado da Bahia (Brasil), encontrou-se que 84,5% dos participantes eram do sexo feminino e 58% tinham idade ≤40 anos (Carvalho et al., 2016). A predominância de mulheres no mercado de trabalho vem crescendo a cada dia, principalmente ao serviço de saúde, estando relacionado a questões históricas e culturais, onde a mulher aparece em maior proporção ocupando funções voltadas ao cuidado da comunidade (Gavin, 2013). Neste estudo predominou pessoas casadas e com escolaridade de ensino médio completo e superior. Dados semelhantes foram encontrados em dois estudos. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 20


O primeiro descritivo exploratório realizado no interior de Goiás (Brasil) com 36 profissionais de ESF, destacou 48% dos profissionais eram casados e 53% concluíram o ensino médio completo (Entreportes et al., 2017). O segundo um estudo transversal realizado no sul da região nordeste brasileira com 762 trabalhadores da Atenção Básica, identificou que 16,5% tinham ensino superior e 64,4% possuíam companheiros (Carvalho et al., 2016). A continuidade dos estudos dos profissionais que atuam em serviços de saúde pode ser devido ao crescimento dos incentivos e fomentos oferecidos pelos órgãos governamentais para educação como: fornecendo programas de seleção unificados, bolsas de estudos e financiamentos estudantis. Outro fator a ser considerado é também possibilidade de progressão profissional (Borges, Lemes, Volpato, Nascimento, e Rocha, 2015). Os trabalhadores de saúde deste estudo recebem entre 1 a 3 salários mínimo mensais, dados semelhantes ao estudo seccional realizado no ano de 2010, em Campo Grande-MS (Brasil), com 134 profissionais da equipe de saúde de nove unidades públicas, que apontou 87,5% dos participantes possuíam renda familiar menor que 3,4 salários mínimos (Filha, Costa, e Guilam, 2013). A maioria dos profissionais declararam possuir algum tipo de religião, é importante destacar que a religião tem sido considerada um fator protetor ao surgimento de doenças mentais em vários estudos, que apontam que a religião auxilia as pessoas a enfrentarem sua realidade e buscarem compreender a si próprio, sendo capaz de contribuir na redução dos índices de ansiedade, pelo fato de proporcionar alivio, consolo, conforto, bem-estar e esperança (Werner, Siqueira, e Lemes, 2015). Caracterização do Perfil Profissional dos Trabalhadores Os 50 participantes no estudo pertencem as seis ESF em funcionamento no município, sendo, seis enfermeiros (12%), seis técnicos em enfermagem (12%), trinta e três agentes comunitários de saúde (66%) e cinco auxiliares administrativos (10%). Quanto ao tempo de trabalho na área de saúde, 66% dos profissionais atuam a mais de 10 anos na área de formação, 64% atuam mais de 10 anos em ESF e 42% atuam mais de 10 anos na mesma ESF (Gráfico 1). Um estudo apontou resultados semelhantes ao desta pesquisa, onde 37,4% dos servidores trabalham a mais de 10 anos na mesma instituição (Filha et al., 2013).

Gráfico 1 - Tempo de atuação dos profissionais do estudo na sua área de atuação, em ESF e na atual ESF em que trabalham. Agosto a novembro de 2016. Região Centro-Oeste no interior de Goiás, Brasil (n=50).

Anos de trabalho podem ser considerados como fator de risco para o desenvolvimento de doenças psíquicas laborais. Assim como apontado em um estudo, que o tempo de trabalho proporciona um cotidiano intenso e prolongado com os usuários, o que pode provocar no trabalhador um forte impacto psicológico, que se expressa na impotência vivenciada frente a situações de extrema penúria material (Lancman, Ghirardi, Castro, e Tuacek, 2009). Todos os participantes declaram trabalhar na ESF 8h/ dia, cumprindo uma jornada de 40 horas semanais, dentre esses 18% referiram trabalhar em um segundo emprego remunerado (duplo vínculo). Quanto as horas trabalhadas, é necessário que a carga horária permita que os trabalhadores tenham momentos de lazer e descanso associados a uma vida social saudável, caso contrário, a falta de lazer poderá contribuir para o surgimento de sintomas negativos, tais como de estresse e o adoecimento mental (Dalri, 2013). Anos de trabalho podem ser considerados como fator de risco para o desenvolvimento de doenças psíquicas laborais. Assim como apontado em um estudo, que o tempo de trabalho proporciona um cotidiano intenso e prolongado com os usuários, o que pode provocar no trabalhador um forte impacto psicológico, que se expressa na impotência vivenciada frente a situações de extrema penúria material (Lancman, Ghirardi, Castro, e Tuacek, 2009). Todos os participantes declaram trabalhar na ESF 8h/ dia, cumprindo uma jornada de 40 horas semanais, dentre esses 18% referiram trabalhar em um segundo emprego remunerado (duplo vínculo). Quanto as horas trabalhadas, é necessário que a carga horária permita que os trabalhadores tenham momentos de lazer e descanso associados a uma vida social saudável, caso contrário, a falta de lazer poderá contribuir para o surgimento de sintomas negativos, tais como de estresse e o adoecimento mental (Dalri, 2013).

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Neste estudo, parte dos profissionais relataram não se sentirem realizados profissionalmente (36%) e a maioria (64%) sentiu-se realizados. No estudo de Vieira (2017), 42% dos profissionais entrevistados demonstraram insatisfação com o trabalho, mas especificamente com a estrutura física, conforto, segurança e salário. Ao contrário, no estudo de Pascoal (2008), apenas 39,88% dos entrevistados estavam realizados profissionalmente. Souza e Maria (2016) apontam que a baixa realização profissional pode prejudicar a prática dos profissionais, interferindo no modo de atender a população e a organização do serviço, enquanto que uma boa realização profissional torna-se fundamental para a execução do trabalho com melhor qualidade. Ansiedade entre os Profissionais das ESF Este estudo apontou que 30% dos profissionais apresentaram algum grau de ansiedade, destes, 20% apresentaram ansiedade leve, 2% moderado e 8% grave (Gráfico 2). É importante ressaltar que cinco participantes (10%) apresentaram sintomas clínicos significativos, com escores iguais ou maiores que 21 pontos, na Escala BAI. Gráfico 2 - Níveis de ansiedade entre profissionais das ESF, segundo classificação da Escala BAI. Agosto a novembro. Região Centro-Oeste no interior de Goiás, Brasil (n=50).

A literatura aponta para o adoecimento mental entre os trabalhadores de ESF, porém não destaca o tipo de adoecimento, nem se apresentam sintomas ansiosos. Como o estudo realizado em João Pessoa-PB (Brasil), que apontou que 19,40% dos profissionais de ESF apresentaram risco de adoecimento mental (Pascoal, 2008). É importante destacar, que os profissionais que atuam em unidades de saúde da família são responsáveis por realizar vários tipos de atendimentos voltados à saúde dos moradores de sua área de abrangência e, ainda, precisam conviver diariamente com condições de trabalhos diversas e conflitos pessoais entre trabalhadores e gestão. Não se pode anular os fatores genéticos, sociais, ambientais que também influenciam o surgimento dos sintomas de ansiedade. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 22

Todos estes fatores podem contribuir para o surgimento de sentimentos do tipo angustia, medo, tristeza, irritação, fadiga, impotência e frustações, que afeta diretamente a saúde emocional dos trabalhadores (Pereira, 2011). Fatores Associados com a Presença de Ansiedade entre os Trabalhadores de ESF Trabalhadores que atuam em serviços na área de saúde estão expostos a fatores laborais que provocam fadiga crônica, baixos índices de saúde e a altos níveis de estresse (Martins, Campos, Duarte, Chaves, e Silva, 2016). Destacando-se aqueles relacionados aos hábitos de vida, como exemplo o sono e repouso. Neste estudo, 24% dos entrevistados apresentaram dificuldade para dormir e 2% declararam fazer o uso de medicações para induzir ou melhorar a qualidade o sono. Quanto ao número de horas dormidas por dia, 66% dos profissionais dormem ≥8h/dia e 34% dormem <8h/dia. Corroborando com nosso estudo, e apontando uma maior ocorrência do uso de medicamentos para dormir entre os profissionais de enfermagem (17,7%) foi relatada por Da Rocha e De Martino (2009) mostrando a ocorrência da associação entre sintomas ansiosos, qualidade do sono dos trabalhadores, e uso de medicamentos. Outro estudo também apontou o sono como um fator de risco para o adoecimento mental, onde cerca de 30% dos trabalhadores da ESF reconheceram que dormiam mal (Pascoal, 2008). Os níveis de ansiedade e estresse pode ser um fator diretamente proporcional, ao sono, visto que quanto maior o nível de estresse entre os profissionais que atuam em serviços de saúde, maior será a pontuação global do índice de sono, indicativo de qualidade de sono ruim, ou seja, efeito do estresse sobre o sono causa repercussões negativas para a saúde do trabalhador (Da Rocha e De Martino, 2009). Quanto a associação da ansiedade aos hábitos de vida dos participantes, destaca-se uma forte associação entre a dificuldade para dormir e a presença de ansiedade entre os profissionais (C=0,410; p=0,004), associação essa não identificada entre as variáveis de consumo de bebidas alcoólicas, tabagismo e sedentarismo (Tabela 2).


Tabela 2 - Associação de Ansiedade com Consumo de Bebidas Alcoólicas e Tabaco e a Pratica de Atividade Física. Agosto a novembro de 2016. Região Centro-Oeste no Interior de Goiás, Brasil (N=50). Variáveis

Presença de Ansiedade SIM N (%)

NÃO N (%)

Teste de Contingência

Valor p

0,410

0,004*

0,159

0.506

0,073

0,881

0,139

0,494

Dificuldade para dormir Sim

8 (53%)

4 (11%)

Não

7 (47%)

31 (89%)

Consumo de bebidas alcoólicas (abuso) Sim

3 (20%)

3 (9%)

Não

12 (80%)

32 (91%)

Consumo de cigarros Sim

4 (27%)

7 (20%)

Não

11 (73%)

28 (80%)

Prática atividade física Sim

5 (33%)

17 (49%)

Não

10 (67%)

18 (51%)

*p=<0,05

Este estudo ainda apontou para uma forte associação entre ansiedade e a pressão no trabalho (C=0.422; p=0,004) e, ao contrário, não houve associação da ansiedade com a violência no trabalho, consideração do trabalho como estressor e a estrutura física da unidade (Tabela 3). Tabela 3 - Associação de Ansiedade com Violência no Trabalho, Trabalho Estressante, Estrutura Física e Pressão no Trabalho. Agosto a novembro de 2016. Região Centro-Oeste no Interior de Goiás, Brasil (N=50). Variáveis

Presença de Ansiedade SIM N (%)

NÃO N (%)

Teste de Contingência

Valor p

Agressão decorrente ao trabalho nos últimos 12 meses Sim

2 (13)

6 (17)

Não

13 (87)

29 (83)

0,047

0,932

Considera o trabalho estressante Sim

9 (60)

17 (48)

Não

6 (40)

18 (52)

0,104

0,665

A estrutura física do trabalho está de acordo com as necessidades da equipe para desenvolver um bom trabalho Sim

5 (33)

14 (40)

Não

10 (67)

21 (60)

0,062

0,898

Pressão no trabalho para dar conta da demanda de atendimento na ESF Sim

10 (67)

7 (20)

Não

5 (33)

28 (80)

*p=<0,05

0,411

0,004*

Um estudo transversal realizado no estado de Minas Gerais (Brasil), apontou que 25% dos trabalhadores revelaram sobrecarga decorrente do trabalho, ressaltado por medo de agressão e cansaço físico ao final do trabalho (Vieira, 2017). Outro estudo apresentou que 18,7% dos trabalhadores sofriam alto desgaste decorrente do trabalho, fato que pode gerar doenças ocupacionais, prejudicando a saúde do trabalhador, podendo contribuir para o surgimento de alterações psíquicas, tais como, estresse, ansiedade, entre outras (Gavin, 2013). Este estudo também revelou uma forte associação entre ansiedade, no momento da pesquisa, e realização de tratamento para ansiedade nos últimos 12 meses (C=0.638; p=0,000) e, ao contrário, não houve associação da ansiedade com o fato de afastamento médico por doenças crônicas ou agudas e/ou profissionais que já faltaram ao trabalho em decorrência de problemas mentais (Tabela 4). Tabela 4 - Associação da Ansiedade com Afastamento Médico, Tratamento para Ansiedade e Falta no Trabalho. Agosto a novembro de 2016. Região Centro-Oeste no Interior de Goiás, Brasil (N=50). Variáveis

Presença de Ansiedade SIM N (%)

NÃO N (%)

Teste de Contingência

Valor p

Afastamento médico nos últimos 12 meses Sim

4 (27)

4 (12)

Não

11 (73)

31 (88)

0,187

0,354

Tratamento para ansiedade nos últimos 12 meses Sim

6 (40)

1 (3)

Não

9 (60)

34 (97)

0.638

0,000*

Falta no trabalho decorrente de problemas mentais após atuar em ESF Sim

3 (20)

1 (3)

Não

12 (80)

34 (97)

0,278

0,139

*p=<0,05

Entre os profissionais que já buscaram algum tipo de tratamento para ansiedade, destaca-se os ACS (58%), enfermagem (28%) e auxiliares administrativos (14%). O tratamento adotado pelos entrevistados foi medicamentoso (42%), seguido do psicológico (29%) e como uma alternativa o apoio espiritual (29%). O estudo de Paschoa, Zanei e Whitaker (2007) apontou que é necessário investimento voltado a melhorar a qualidade de vida dos profissionais que atuam na área da saúde, em específico da enfermagem, pois, assim a própria instituição teria benefícios e contaria com profissionais mais satisfeitos, melhorando assim a produtividade e qualidade da assistência prestada. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 23


Além disso, Carvalho, Araújo e Bernades (2016) apontaram que o trabalho em excesso contém grande carga emocional, pois, lida com enfermidade e morte de indivíduos. Desse modo, os profissionais podem ter uma reação de incapacidade, o que favorece sofrimento. Foram apontadas algumas medidas que os profissionais realizam como forma de aliviar a ansiedade como: ouvir música (34%) e a prática de caminhada (26%) (Gráfico 3). Gráfico 3 - Atividades que os profissionais realizam como medida de aliviar os sintomas ansiosos. Agosto a novembro de 2016. Região Centro-Oeste no interior de Goiás, Brasil (n=50).

O estudo sugere que a partir da identificação de fatores causadores de doenças mentais, como a perda da qualidade do sono associado a ansiedade, pode permitir o planejamento de atividades que contribuam na prevenção destas doenças entre os trabalhadores, bem como de promoção e recuperação de sua saúde, em busca de resgatar a qualidade de vida dos profissionais, o que implicará em melhores desempenhos na vida pessoal, social e no cuidado prestado a saúde da população. Este estudo chama a atenção para a necessidade de repensar as condições de trabalho vivenciadas por estes profissionais e desta forma, recomenda-se que novos estudos que abranjam diferentes regiões geográficas, novas categorias de trabalhadores e de outros setores, de forma que se possam compreender melhor os fatores que podem desencadear os transtornos mentais entre os profissionais que atuam em serviços de saúde devido à exposição ao trabalho. IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA CLÍNICA

A música pode ser utilizada no contexto psicoterapêutico, importante no auxílio para redução da ansiedade e do estresse, além de proporcionar conforto e prazer, propiciando maior equilíbrio para a saúde do indivíduo. Constata-se, portanto, que ao favorecer a indução de relaxamento e redução de ansiedade e estresse, a música pode ser utilizada como um importante recurso para potencializar os processos de saúde, promovendo o bem-estar dos trabalhadores, pacientes, tornando o ambiente mais tranquilo (Nunes-Silva, Moreira, Moraes, Rosa, e Marra, 2012). CONCLUSÃO Os resultados permitiram identificar que os enfermeiros, técnicos de enfermagem, ACS e auxiliares administrativos que atuam em ESF, que participaram deste estudo apresentaram um percentual expressivo de ansiedade, com destaque para o tipo leve deste transtorno mental. A presença da ansiedade entre os trabalhadores mostrou-se diretamente associada a alguns fatores, tais como, dificuldades para dormir, pressão exercida no trabalho e já ter realizado tratamento para ansiedade nos últimos 12 meses.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 24

O presente estudo poderá contribuir com a sensibilização de gestores e demais profissionais responsáveis por elaborar estratégias que visem a prevenção (palestras sobre os transtornos mentais comuns decorrente do trabalho, rodas de conversa para discutir os problemas do ambiente de trabalho, atividades complementares integrativas que visem acolher os trabalhadores – ex.: Reiki, Mindfulness, Terapia Comunitária, massoterapia), o diagnóstico (rastreio dos transtornos mentais, a partir do uso de instrumentos validados, tais como, a escala usada neste estudo e a facilidade no acesso ao atendimento clinico e/ou especializado em saúde mental) e o tratamento (garantia de um acompanhamento pelo tempo necessário que atenda às necessidades do trabalhador (médicos, enfermeiros, psicológicos, assistentes sociais), oferta de tratamento farmacológico (medicamentos) quando necessário e a oferta de tratamentos não farmacológico (atendimento psicológico e oferecimento de práticas alternativas e complementares) que visem acolher o sofrimento deste trabalhador. Desta forma, percebe-se que sendo possível atender o trabalhador quer seja na fase de prevenção ou tratamento, no que diz respeito ao transtorno mental aqui verificado e de outros transtornos mentais que podem acometer a sua saúde, será possível diminuir o preconceito frente o adoecimento mental entre esta população, proporcionando assim, a melhora da qualidade de vida, a manutenção da qualidade da saúde física e mental, bem como a melhora do desempenho profissional e êxito em sua vida pessoal e social.


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Nota: Também integra a equipe de elaboração deste artigo os seguintes autores: Elias Rocha (Enfermeiro; Mestre em Ciências da Saúde; Docente Assistente na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Barra do Garças-MT, Brasil. E-mail: eliasufmt@yahoo.com. br) e Eduardo Vieira (Psicólogo; Especialista em Dependência Química. Coordenador Municipal de Saúde Mental na Prefeitura Municipal de Barra do Garças/ MT, Brasil. E-mail: eduardo.psicologo@outlook.com).

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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 26


Artigo de Investigação

4

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0199

A LOUCURA E SUA VERDADE EM QUESTÃO: DISCURSOS DE PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM DA ATENÇÃO HOSPITALAR | Ludmila de Moraes1; Edirlei dos Santos2; Helca Reis3; Marianna Silva4; Paula Vianna5; Teresa Kurimoto6 |

RESUMO Tomou-se por objetivo analisar os discursos de profissionais de enfermagem de uma instituição hospitalar acerca da loucura e do cuidado de enfermagem voltado a pessoas com sofrimento mental. Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa, de caráter exploratório, tomando o Modo Psicossocial por arcabouço teórico sendo entrevistados 17 profissionais de Enfermagem da atenção hospitalar especializada em psiquiatria. Os dados foram analisados pela Análise de Conteúdo sendo usadas as técnicas de Análise Temática e Análise de Enunciação. Emergiram duas categorias: (1) Concepções e causalidades: entre o concreto da teoria e o abstrato da experiência; na qual discute-se o silenciamento da experiência diante da teoria que acaba por prevalecer quando se busca saber o que é a loucura. (2) A (in)visibilidade revisitada ou a exclusão como regra na qual a invisibilidade da loucura reaparece na forma da loucura falsa. A presença de discursos destoantes do preconizado pela política nacional de saúde mental incita à reflexão acerca da formação de profissionais de enfermagem no contexto atual, bem como da atenção em rede de base comunitária. PALAVRAS-CHAVE: Saúde mental; Enfermagem psiquiátrica; Cuidados de enfermagem; Doença mental

RESUMEN

ABSTRACT

“La locura y su verdad en cuestión: Discursos de profesionales de enfermería del hospital“

“Madness and its truth in question: Discourses of hospital nursing professionals”

El objetivo de este artículo es analizar los discursos de profesionales de enfermería de una institución hospitalaria acerca de la locura y del cuidado de enfermería dirigido a personas con sufrimiento mental. Se trata de una investigación de abordaje cualitativo, de carácter exploratorio, tomando el Modo Psicosocial por marco teórico siendo entrevistados 17 profesionales de Enfermería de la atención hospitalaria especializada en psiquiatría. Los datos fueron analizados por el Análisis de Contenidos siendo utilizadas las técnicas de Análisis Temática y Análisis de Enunciación. Surgido dos categorías: (1) Concepciones y causalidad: entre la concreción de la teoría y el abstracto de la experiencia; en la que se discute el silenciamiento de la experiencia ante la teoría que acaba por prevalecer cuando se busca saber lo que es la locura. La (in) visibilidad revisitada o la exclusión como regla en la cual la invisibilidad de la locura reaparece en la forma de la falsa locura. La presencia de discursos similares a los de los primordios de la atención psiquiátrica incita a la reflexión acerca del cuidado y la formación de profesionales de enfermería en el contexto actual así como de la atención en red de base comunitaria

The objective of this study was to analyze the discourses of nursing professionals from a hospital about mental illness and nursing care for people with mental suffering. This is a qualitative, exploratory research, with the Psychosocial Mode by theoretical framework being interviewed 17 Nursing professionals of the psychiatric hospital. The data were analyzed by Content Analysis using the techniques of Thematic Analysis and Analysis of Enunciation. Two categories were extracted: (1) Conceptions and causalities: between the concrete of theory and the abstract of experience; which discusses the silencing of the experience before the theory that ends up prevailing when one seeks to know what mental illness. (2) Invisibility revisited or exclusion as a rule in which the invisibility of madness reappears in the form of false madness. The presence of speeches similar to those of the early days of mental health care encourages reflection on the care and training of nursing professionals in the current context as well as community-based network care

DESCRIPTORES: Salud mental; Enfermería psiquiátrica; Atención de enfermería; Transtornos mentales

KEYWORDS: Mental health; Psychiatric nursing; Nursing care; Mental disorders Submetido em 30-09-2017 Aceite em 18-12-2017

1 Bacharel em Enfermagem; Enfermeira no Hospital Sofia Feldman, 31844-130 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, milanunes2004@yahoo.com.br 2 Enfermeiro; Doutor em Enfermagem; Professor Adjunto na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Curso de Enfermagem, Brasil, edirlei.machado@ufms.br 3 Enfermeira; Doutoranda em Enfermagem; Professora Assistente na Universidade Federal da Bahia, Instituto Multidisciplinar em Saúde, Bahia, Brasil, helcareis@gmail.com 4 Aluna na Universidade Federal de Minas Gerais, Curso de Graduação em Enfermagem, 31270-901 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, mari_roberta3005@hotmail.com 5 Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Professora Associada aposentada Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Enfermagem, Brasil, paulacmv@gmail.com 6 Enfermeira; Psicóloga; Doutora em Enfermagem; Professora Adjunta na Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Enfermagem, Brasil, teresac@ufmg.br Citação: Moraes, L., Dos-Santos, E., Reis, H., Silva, M., Vianna, P., & Kurimoto, T. (2018). A loucura e a sua verdade em questão: Discursos de profissionais de enfermagem da atenção hospitalar. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (19), 27-36. doi: 10.19131/rpesm.0199 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 27


INTRODUÇÃO O campo da saúde mental no Brasil vem passando por diversas mudanças e, a despeito de trazer a marca de uma ousada, complexa e desafiadora política de saúde mental, sabe-se que é fundamental a perspectiva de construção permanente de práticas inovadoras de cuidado (Ministério da Saúde, 2015). Com a Reforma Psiquiátrica Brasileira empreende-se um conjunto de transformações, das quais destaca-se a exigência de a sociedade em geral repensar as concepções acerca da relação saúde e doença mental, o que implica numa mudança das relações entre cultura e loucura (Fonseca e Jaeger, 2015). Depreende-se, assim, “que a luta por um atendimento resolutivo, integral e humanizado para a população que padece de sofrimento psíquico passa pelo reconhecimento desses sujeitos como cidadãos que gozam do direito de buscar ajuda dispondo de uma rede de atenção com diferentes serviços a serem acessados em diferentes circunstâncias de suas vidas, quando julgarem necessário” (Ministério da Saúde, 2015, p. 8). Para além do acesso aos serviços, luta-se nos diferentes espaços e movimentos sociais por uma cidadania que se distancia da submissão ou sujeição a um modelo predefinido de cidadão, para reencontrá-lo na perspectiva do respeito às diferenças e à autonomia (Macedo, Abreu, Fontenele e Dimenstein, 2017). A Política Nacional de Saúde Mental investe na criação de uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) contando com serviços abertos de base comunitária. Uma rede integrada e diversificada composta por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), ações de saúde mental na atenção primária a saúde e programas intersetoriais que fomentam a arte, cultura e renda, como recurso terapêutico. (Ministério da Saúde, 2011) Nesse cenário, coexistem avanços e desafios. Incluise como desafio a atenção às pessoas em situação de abuso de álcool e outras drogas. “As teses defendidas por muitos, e também promulgadas pelos meios de comunicação, revelam concepções e crenças de que essas pessoas precisam de internação para se reorganizar, ou ‘se recuperar’, apanágio do discurso de muitas clínicas de ‘recuperação de dependentes químicos’” (Assis, Barreiros, e Conceição, 2013, p. 585-6). Nesse contexto, segundo Estrela e Loyola (2014), a enfermagem que atua nos serviços de saúde mental, considerando seu perfil de trabalho baseado em plantões e na permanência, tem grande papel na promoção da reabilitação. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 28

Sabe-se, entretanto, que o cuidado ao sujeito que sofre está diretamente relacionado com as concepções que o profissional constrói para si. Sabe-se ainda que: “A consolidação da reforma psiquiátrica brasileira implica em transformar saberes e práticas em relação à loucura, perceber a complexidade do objeto de intervenção, (re)compreender o sofrimento psíquico, e efetivamente destruir manicômios externos e internos que têm permitido a constituição de determinadas formas de pensar e agir e, fundamentalmente, reinventar modos de se lidar com a realidade” (Kantorski, 2012, p. 10). Nesse cenário, pode-se dizer que os serviços hospitalares de atenção psiquiátrica, serviços cuja existência precede a lei que regulamenta a política nacional de saúde mental, acompanharam esses movimentos de inovação de práticas de atenção em saúde mental? Tomou-se por objetivo desse estudo compreender a(s) concepção(ões) de loucura construídas por profissionais de enfermagem de uma instituição hospitalar psiquiátrica. Acredita-se que, conhecendo tais discursos, possa-se compreender os princípios que norteiam as práticas de enfermagem nas instituições hospitalares psiquiátricas, em especial, em suas condutas e decisões sobre o cuidado de enfermagem a pessoa em sofrimento mental. Essa compreensão pode trazer contribuições importantes para as propostas de educação permanente, para a formação dos profissionais de enfermagem e para as práticas de enfermagem no contexto atual. MÉTODOS Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa, de caráter exploratório, tomando o Modo Psicossocial por arcabouço teórico. O presente estudo foi realizado em um serviço hospitalar especializado, público e estadual, situado em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais – Brasil. Participaram da presente pesquisa 17 profissionais de enfermagem, constituindo uma Amostragem Intencional (Creswell, 2014). Intencional, por serem aqueles que teriam as informações consoantes ao objeto de estudo da presente pesquisa. Adotou-se como critério de inclusão os profissionais de enfermagem que trabalhavam há mais de um ano no cuidado direto ao usuário com sofrimento mental, sendo excluídos os que não possuíam esse tempo de experiência.


A partir desse critério, foram entrevistados sete Técnicos de Enfermagem (profissionais de enfermagem de nível médio) e dez Enfermeiros do mesmo hospital especializado (hospital psiquiátrico) que atuam em unidades de internação (duas masculinas e duas femininas), unidade de urgência e unidade de cuidados clínicos (voltada a pessoas com sofrimento mental grave e em crise que apresentam comorbilidades clínicas). Esses profissionais serão identificados no presente artigo pelas siglas TE e E seguidas por número ordinal de acordo com a ordem de realização da entrevista. A coleta de dados foi realizada no período outubronovembro de 2016, consistindo em entrevista semiestruturada. As entrevistas foram gravadas, transcritas na íntegra. Os dados foram analisados pela Análise de Conteúdo, com as técnicas de Análise Temática e Análise de Enunciação segundo Bardin (1977). Dessa análise emergiram duas categorias: (1) - Concepções e causalidades: entre o concreto da teoria e o abstrato da experiência. (2) A (in)visibilidade revisitada ou a exclusão como regra. Os participantes, devidamente informados, após concordarem, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Todos os aspectos éticos foram respeitados, conforme a resolução CNS 466/2012. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, CAAE n. 46301615.1.0000.5149 e pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição pesquisada.

A visão multicausal é algo que se encontra na literatura científica, uma vez que se entende a loucura como um fenômeno complexo, embora passível de explicação. Observa-se que essas falas buscam na lógica da causa e efeito seu modo de conceber a loucura, tal como se observa em estudos voltados para a lógica psiquiátrica (Araújo e Banzato, 2014) . Ainda que complexa, as diferentes concepções de loucura foram organizadas em um clássico estudo. De acordo com Pessotti (1994) as concepções de loucura se organizam em três modelos: mitológico, psicológico-passional e organicista. “De Homero até a tragédia grega, predomina a primeira perspectiva: temos um enfoque mitológico-religioso da loucura. Entre os trágicos, principalmente na obra de Eurípides, instaura-se a concepção passional, psicológica dos desvarios. De Hipócrates a Galeno consolida-se uma doutrina rigidamente organicista da insensatez ou da des-razão.” (Pessotti, 1994, p. 78) Pessotti (1994) afirma que esses três modelos explicativos da loucura vêm, ao longo da história sendo recorrentes, estando presentes, inclusive, nas concepções mais atuais. Nas concepções dos entrevistados observa-se que ideias desses três modelos se encontram presentes. No enfoque mitológico-religioso o homem é passivo diante da vontade divina. O homem, submetido a vontade dos deuses, torna-se louco. Alguns entrevistados apresentam concepções próximas a essa:

RESULTADOS E DISCUSSÃO

“Acredito - é pensamento meu - que é uma doença bem espiritual. Espiritual com relação a obsessão. Acho que 80% da doença mental ela é obsessiva. Aí no caso, cada um pensa e age como quiser, mas eu tenho muito exemplo e muito como confirmar isso.” TE2

Concepções e Causalidades: Entre o Concreto da Teoria e o Abstrato da Experiência Foucault (1961) afirma que a origem da loucura é bem remota. Tão remota quanto o surgimento da loucura, são as concepções sobre ela. Para responder ao questionamento sobre a concepção de loucura, observa-se que os profissionais encaminham suas respostas na direção da etiologia, muitas delas contraditórias entre si. Os entrevistados associaram às suas concepções de loucura, ideias de suas possíveis causas, sendo estas múltiplas e com vários significados. “Então, a loucura pode vir de uma série de coisas.” TE3 “Pessoas que já vem com aquela carga hereditária e um evento traumático faz com que ela surte.” E4 “Bom, cientificamente, os transtornos mentais, tem algo de hereditário e também eu acho que pode ser desencadeado pelo uso de substância psicoativa e por problemas ambientais, emocionais.” E1

É interessante observar que, se a loucura é vontade dos deuses, o homem não pode fazer nada para modificar tal fato. Essa ideia, segundo Pessotti (1994), acaba gerando na sociedade uma maior tolerância com as ‘incoerências e instabilidades’ do doente, mas, ao mesmo tempo, reforça outra ideia: a de submissão do sujeito à um poder maior, consequentemente, as possíveis saídas para lidar com o sofrimento são também externas ao sujeito. Tal lógica, pode embasar práticas de cuidado em que o sujeito, fragilizado ou anulado, nada pode fazer em prol de si mesmo, posto que, se a loucura advém de fontes externas à ele, o tratamento assim também deve ser. Já a vertente psicológica-passional, de acordo com o pensamento de Eurípides, propõe que a loucura não advém somente dos deuses. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 29


Pessotti (1994) afirma que Eurípides não teorizou o termo loucura, mas os personagens de suas obras sempre trouxeram mudanças emocionais, alienações, desajustamento emocional, dentre outras formas de loucura, que vemos nos dias de hoje. A loucura, nessa perspectiva é entendida como “produto de conflitos, mas trata-se de conflitos interiores, entre paixões e a norma, a razão e o instinto, entre amores conflitantes, entre ódios e afetos ou entre desejo e vergonha” (Pessotti, 1994, p. 30). Tal vertente está presente nos fragmentos de algumas entrevistas, tais como: “Assim, às vezes, a pessoa... ela só precisa da chave pra abrir o cadeado. Então, às vezes, alguns [ficam loucos] por desilusões amorosas, outros por perda de alguém, de algum parente.” TE3 “Surge do nada. A linha da razão e da loucura é muito tênue. Qualquer pessoa pode ficar doente [...] Eu acho que loucura é quando a gente perde esse equilíbrio [...] as vezes, falta de controle mesmo.” TE4. A terceira vertente chamada vertente organicista foi pensada por Hipócrates. A doutrina hipocrática propõe que a loucura seja entendida como desordem corporal e orgânica. Tal desordem, vem dos processos de perda de razão e perda de controle emocional. “A loucura, como doença que é, resulta de crise no sistema dos humores. É uma doença orgânica.” (Pessotti, 1994, p. 48) Tal pensamento é disseminado no ramo da medicina desde o século XVIII e muito presente nos dias de hoje, embora, com o passar do tempo e a produção de saberes, surge numa mistura de visão orgânica ou genética associada à algum fator, subjetivo ou externo ao sujeito, que coloca o ‘mecanismo orgânico’ previamente existente, para funcionar (Pessotti, 1994). Essa forma de pensar a loucura ficou evidenciada, com frequência, nos discursos dos entrevistados, como se pode ver nas falas seguintes: “A loucura é uma doença muito subjetiva e de difícil acerto do tratamento, porque, muitas vezes, depois do diagnóstico o médico vai testando as drogas (...) Tem umas que (...) vem da genética e tem outras que são desencadeadas pelo uso de droga” TE2 “Eu acho que loucura é quando a gente perde esse equilíbrio ou é alguma coisa hereditária...” TE3 “A loucura, hummm, ela vem pelo vicio, né, de algum, de algum, vício, de crack ou da bebida alcoólica. Mas já tem as pré-existentes que eu acredito que seja hereditário.” TE5 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 30

“Todos nós estamos sujeitos a ela (à loucura). Claro que umas pessoas mais e outras menos. Pessoas que já vem com aquela carga hereditária e um evento traumático faz com que ela surte” E4 Curiosamente, a ideia de que loucura se inscreve como algo humano, a qual ‘todos nós estamos sujeitos’, é logo exorcizada por determinantes concretos provenientes dos genes ou das drogas. Nessa condição, a loucura torna-se, novamente, limitada à uns poucos. Nesse movimento pendular de democratização da loucura – para todos – e delimitação de um público alvo – quem tem carga genética - surge como um elemento a mais, o fator social. Assim, aspectos que se articulam a fatores sociais inerentes ao meio em que a pessoa vive e convive emergiram como fatores contributivos para a o aparecimento do sofrimento mental. Além disso, apenas um participante propõe que a loucura, para além dos determinantes sociais ou biológicos, traga em si algo da particularidade como uma determinada pessoa significa um acontecimento. “Eu não penso que é hereditário, ‘a, na sua família tem várias pessoas doentes.’ Eu penso que não é assim. Eu penso que qualquer pessoa pode ficar doente. Essa régua aqui pode cair no chão e pra mim ela tem um efeito, pra você ela tem outro. Pode ter um acidente bravo na rua, um acidente grave, o seu olhar, seu olhar, pra ele é um, o meu é outro. O meu entender é um, o seu é outro. Eu penso que pessoas que são normais, né, entre aspas, vê as coisas e não consegue lidar com aquilo. E isso pode desencadear.” TE4 Paralelamente ou como um desdobramento dessas concepções, encontram-se outras que trazem marcadamente a influência do discurso da saúde, representado pelo discurso preventivista ou por seu correlato, o discurso do risco. “Olha, eu acho que é uma doença que qualquer um está sujeito a ela e que a gente tem que está bem atenta, principalmente a prevenção, a forma de viver para tentar minimizar esse risco desse adoecimento.” E1 Novamente, se a loucura aparece como uma condição que não poupa a ninguém e, ainda que seja enigmática, ela exige que algo possa ser feito.


Nessa direção, o discurso da prevenção e do risco acenam para a possibilidade de que ‘qualquer um’ pode vir a ser louco e esse fato pode trazer em si a exigência de enfrentamento: descobrir uma forma de viver melhor para evitar esse risco. Sabe-se que foi no século passado que a noção de risco se torna presente e importante no discurso médico. Para Baságlia (2010), entretanto, esse discurso aparece mais na direção de dilatar o campo da doença do que de reduzi-lo. Compreende-se que esse discurso sobre a prevenção traz em si mais do que a ideia de se defender da doença. O ato de prevenir, nesse contexto, resulta da ideia de que estejamos diante de um mal que não se volta à uns poucos, mas que pode atingir a qualquer um. Contra essa fragilidade que assombra, encontrar formas de proteção acaba sendo um modo de lidar com a realidade. Em especial, quando se entende que “A loucura é um mal incurável! É o mal do século!” TE4 A questão que se coloca é que o discurso da prevenção, em outros tempos, embasou propostas, de que a atenção a doença mental deveria ir além dos muros dos hospitais chegando à comunidade. Isso implicou, à época, propostas de uma identificação precoce de indivíduos propensos a desenvolver doenças mentais para que se pudesse precocemente diagnosticar e reabilitar. Entretanto, dessa iniciativa, a princípio considerada inovadora, sobreveio a lógica de um cuidado que se pautava na adaptação das pessoas em sofrimento à um padrão normativo preexistente e, aos não acometidos pela loucura, um convite ao controle de si (Jeferino, Rodrigues e Assis, 2015). Perspectivas essas que trazem em si uma impossibilidade, quando pensadas de forma completa ou total, ou seja, há uma impossibilidade concreta na proposta de se adaptar um cidadão a todos os padrões de uma dada sociedade ou mesmo quando se propõe que a pessoa tenha controle absoluto sobre si. Retomando as concepções de loucura, identificou-se que, ao elucidar suas concepções de loucura, os participantes recorreram aos sentimentos que a loucura desperta neles: “Olha, na minha cabeça é uma coisa muito triste. Ainda mais pelo que a gente vê aqui, o que os pacientes passam, o que a gente passa com eles (...) Eu resumiria em tristeza. Eu acho muito triste, essa questão do paciente louco.” TE1 “Mas realmente é triste a pessoa perder a capacidade de discernimento, de autocuidado, de dizer sim ou não, a capacidade de ir e vir. Realmente, a loucura, de todas as doenças que a gente vê aí, sejam elas clinicas, eu acho que a loucura é das piores.” E10

Os participantes, para falar de suas concepções de loucura, usam termos: triste, difícil, mal. Essa forma de pensar a loucura relaciona-se, em parte, com o estigma que ela sempre carregou. Sabe-se que esse estigma figura para a pessoa com sofrimento mental como fontes de sofrimento, criando barreiras para realização de projetos pessoais e obstáculos no acesso ao cuidado a saúde. (Ministério da Saúde, 2015). É interessante observar que o estigma reaparece na forma de uma tristeza, compartilhada pelo profissional (‘o que a gente passa com eles’), por vezes conectada à desrazão e ausência de autonomia, o que a coloca como o pior dos males. Nos dizeres de Foucault (1961) esse é um legado que a psiquiatria clássica nos deixa: a oscilação entre dois domínios, a saber, o do concreto da teoria e o do abstrato da experiência da loucura. Assim: “Não é o conflito entre experiência e teoria, entre a familiaridade e o saber abstrato, o bem conhecido e o conhecido; de um modo mais secreto, é um dilaceramento na experiência, que tivemos e talvez tenhamos sempre, da loucura — dilaceramento que separa a loucura considerada por nossa ciência como doença mental daquilo que ela pode entregar de si mesma no espaço em que nossa cultura a alienou” (Foucault, 1961, p.431).Tantos anos decorridos dessa análise foucaultiana e podemos encontrar nela a atualidade comprovada pelos discursos de trabalhadores de uma instituição hospitalar a qual acorrem pessoas em sofrimento mental grave em crise. Atualidade essa não sem consequência para as práticas de cuidado que ali tem lugar. A (In)visibilidade Revisitada ou a Exclusão como Regra A construção de concepções acerca da loucura por profissionais de enfermagem, a partir das falas desses mesmos profissionais, é um trabalho que parece se dar, marcadamente, por fragmentos de teorias estudadas ou apreendidas nas discussões clínicas cotidianas. Durante a análise das entrevistas, emergiu, outra forma muito peculiar desses profissionais pensarem loucura. “O doente mental em si, a doença mesmo, ela é até prazerosa trabalhar com ela.” TE6 Corroborando achados de outro estudo (Guimarães, Borba, Maftum, Larocca, e Nimtz, 2015), identifica-se essa percepção de ser fácil cuidar de uma pessoa com uma doença mental, ainda que em crise e internada. Entretanto, chama a atenção, o enfoque dado na fala ao doente e sua ‘doença mesmo’. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 31


Enfocando essa ideia - de uma ‘doença mesmo’ - resgata-se Foucault (1961, p. 430), quando compreende que a apropriação da loucura como matéria médica acaba por produzir, a despeito de exclusões, um espaço em que a loucura fala por si mesma: “Mas, de um lado, com a medicina, temos o trabalho do conhecimento que trata as formas da loucura como outras tantas espécies naturais; do outro, um esforço de reconhecimento com o qual, de certa forma, se deixa a loucura falar, ela mesma, e fazer ouvir vozes que, pela primeira vez na história do Ocidente cristão, não serão nem as da profecia, nem as do transe ou da possessão, nem as da bufonaria; vozes nas quais a loucura não fala nem por outra coisa, nem por outra pessoa, mas por si mesma. No silêncio do internamento, a loucura conquistou estranhamente uma linguagem que é a sua”. (Foucault, 1961, p. 430) É então desse lugar que se revisita a loucura e o louco em sua verdade, em sua essência: uma loucura mesmo, uma doença mesmo. Ou, melhor dizendo, em seu ofício de cuidar o profissional constrói para si uma essência da loucura que ele espera, a despeito das diferenças individuais reconhecidas, reencontrar em cada paciente de quem ele cuida. Tomando o trabalho, aqui entendido como cuidar de usuários com sofrimento mental em crise, pelo viés do prazer, transparece na fala o trabalho com a doença. Doença entendida como sinônimo do doente, uma vez que o cuidado volta-se a ela. Ao reforçar a qual doença se refere – a doença mesmo - entrevê-se, ainda, nessa fala uma outra visão das formas de adoecer que não se configura ou não merece o status de doença. Essa ideia é reencontrada e melhor explicada em falas de outros participantes: “Pacientes “loucos” a gente não está tendo. Os loucos mesmo a gente não está tendo. A maioria está sendo pacientes judiciários que são dependentes químicos, que estão tomando... eu diria que eles estão tomando o lugar deles [dos loucos mesmo]” TE3 “Loucura, loucura, loucura mesmo, eu acredito que eu vi poucas aqui. Eu vi muitas simulações, muitos pacientes que, no caso, usuários de droga, simulam muuuuito.” TE6 ‘Isso’ que não faz jus ao status de doença, aparece como algo para além (ou aquém) da loucura.

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Ao se tornarem ‘dependentes químicos’, ‘usuários de drogas’ essas pessoas deixam de serem vistas como doentes, tornando-se simuladores, pessoas que falseiam o que sentem. Nessa concepção, as pessoas que ali estão em função de sua condição de abuso de drogas, passam a não merecer crédito em suas queixas e, possivelmente, por dedução, não merecerem o cuidado. A invisibilidade do sofrimento acaba por ser um elemento decisivo para esse julgamento. “O paciente dependente químico não. Ele usou a droga ali, ele tá louco naquele momento. A partir do momento que passou o efeito da droga ele tá no efeito da lucidez. [...] Apesar deles terem entrado com CID (Código da Classificação Internacional de Doenças) da saúde mental, [...] quando eles saem dessa crise, né, da loucura da dependência química, devida a, como diz, a droga que ele, que, usou ali...” TE3 Os profissionais, assumindo a condição de juízes, embasados em suas experiências e conhecimentos, sentenciam o que é loucura mesmo ou loucura simulada. Ou ainda, criam a classificação de uma loucura da dependência química. Tal prática entreabre a possibilidade de uma concepção moral do cuidado a qual baseia-se no julgamento tácito definindo quem merece ou não. Situações dessa natureza, por vezes, “correspondem a práticas clínicas, ofertadas muitas vezes de maneira compulsória por alguns trabalhadores de saúde, que envolvem descasos, incapacidade de escuta ou até negligência...” (Ministério da Saúde, 2015, p. 292). Tais práticas clínicas, podem ter como pano de fundo o medo e a insegurança do profissional: “... porque hoje o drogadito ele se torna um doente mental por causa do uso da droga. E lidar com esse tipo de paciente não é muito fácil. Porque eles tentam, eles te ameaçam o tempo todo, eles te manipulam o tempo todo. Então você tem que ter muito jogo de cintura pra não te influenciar em nada e saber lidar com esse tipo de paciente pra poder realmente fazer todos os cuidados necessários com eles.” TE7 Diante dessas concepções de loucura, os autores da presente pesquisa, cunharam a denominação de ‘loucura verdadeira’ (“Loucura mesmo”) e outra, que por ser seu oposto, poderia ser chamada de “loucura falsa ou loucura da dependência química”.


Essa distinção tem como sustentação lógica o discurso médico psiquiátrico. A loucura, denominada como verdadeira, é aquela que os profissionais reconhecem em seu caráter patológico, traduzido por diagnósticos psiquiátricos, tais como: esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão, entre outros. Pesquisadores críticos dessa prática clínica norteada pelo diagnóstico psiquiátrico problematizam a “prática clínica centrada no diagnóstico de entidades mórbidas – distintas ou dimensionais – do qual decorrem, de maneira quase automática, uma árvore de decisões técnicas e terapêuticas preestabelecidas, sem que a dimensão da singularidade e a escuta do paciente em sua dimensão específica de sujeito desempenhem de fato algum papel efetivo na compreensão e no manejo do fenômeno psicopatológico enquanto tal (Costa Pereira, 2014, p. 1036). “O esquizofrênico, por exemplo, ele conversa com você, alguns pacientes conversam com você. De repente [...], eles ficam completamente agressivos, como se nada tivesse acontecendo e começa a se agitar de uma forma (...). Já o bipolar, ele é bem diferente. Ele pensa primeiro pra fazer. Já o esquizofrênico, não. E, e, ele rapidamente, como num surto, ele esquece completamente o que ele fez. O bipolar ele não esquece. TE6 Essa lógica de conceber a doença como entidade autônoma data do século XVIII. Assim, “a nosologia passaria a conceber a “doença” como entidade autônoma, independente do sujeito que dela padece, encarnando um mal exterior e com determinações próprias” (Costa Pereira, 2014, p. 1040). Restaria à pessoa que sofre, nessa lógica, o lugar de assujeitamento e total submissão à essa condição externa que o acomete. Ao vitimado e não sujeito é concedido o cuidado. Se, por um lado, há uma garantia de crédito em suas queixas, por outro, institui-se um cuidado centrado no profissional e em seus conhecimentos teóricos, sobre o qual as perspectivas de quem é cuidado, suas percepções, pouco contam. Dessa forma, o sujeito, ainda que reconhecido em sua condição de doente verdadeiro (doente mesmo), pode acabar por ser alvo de práticas de cuidado pouco voltadas à autonomia, sendo-lhe negada sua condição de cidadania, de protagonismo no seu tratamento.

Por sua vez, uma “loucura falsa ou da dependência química” instala-se em decorrência do fato dos profissionais não identificarem algum tipo de sofrimento mental ou sintoma cientificamente reconhecido. Podese pensar que, para eles, o usuário de drogas configura-se um tipo de paciente que “procurou a doença” ou então que, como dizem os participantes, está simplesmente simulando o estado de loucura, roubando, com isso, um lugar que não é seu. Mas o fato é que a ausência de padrões já conhecidos como doença mental, faz com que ele seja pensado e cuidado a partir dessa condição de negação. Trata-se de uma discussão revisitada. Foucault (1961, p. 210) problematizava essa questão da verdade presente na loucura. O mundo patológico era reconhecido por suas normas, ou seja, por sinais reconhecidos externamente que denunciavam a presença de uma doença. Assim, “Como poderia a loucura ocupar lugar nesse mundo das doenças cuja verdade se enuncia por si mesma nos fenômenos observáveis, enquanto no mundo concreto, ela só se oferece sob seu perfil mais aguçado, o menos suscetível de ser apreendido, isto é, a presença instantânea de um louco, tanto mais percebido como louco na medida em que menos deixa transparecer a verdade aberta da loucura?” (Foucault, 1961, p. 210) Essa realidade parece se repetir quando, diante de uma pessoa que se encontra numa condição de abuso de drogas, estando sem os efeitos da substância, não exibe os clássicos sintomas que o enquadrariam em algum diagnóstico psiquiátrico já conhecido. Assim como os loucos do século XVII e XVIII, essas pessoas são excluídas, mas, agora o são exatamente porque não mais trazem mais a marca familiar da loucura. Pode-se também dizer que a concepção de ‘loucura falsa’ associada a condição de uso ou abuso de drogas, remete à um processo histórico de estigmatização dos usuários. Esse estigma está fortemente relacionado com o proibicionismo, constituído como um fator social e a demonização, criando o estigma de que o dependente químico está transgredindo os padrões da sociedade. A associação que envolve a ilegalidade ao uso dessas substâncias, faz com que esses usuários sejam vistos como criminosos e, portanto, não portadores de problemas de saúde (Paiva, Ferreira, Martins, Barros, e Ronzani, 2014). Outro estudo aponta que essas pessoas acabam sendo vistas como incapazes de um autocontrole tornando-se, assim, “pessoas fracas” sendo-lhes atribuída uma culpabilidade por sua condição (Soares, Vargas e Formigoni, 2013). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 33


Tais concepções, aproximam-se dos discursos morais e estigmatizantes, gerando descontentamento ou estranhamento aos profissionais: “Uma das coisas que mudou e eu não tenho gostado é o perfil do paciente. No caso do estou falando do paciente usuário de droga.” TE1 “Mas depende muito do perfil do paciente, né, porque o paciente psiquiátrico crônico é uma coisa, já o paciente com doenças secundárias do vício ai já é outra coisa...” TE5 Tal descontentamento pode interferir na forma como o cuidado é pensado ao usuário, pois contem nesse contexto, julgamentos não baseados no conhecimento científico. Assim, a invenção de práticas de cuidado e a construção de saberes acerca desse sujeito ficam comprometidas, na medida em que não há sequer o reconhecimento desse sofrimento e, consequentemente, não há a aposta de que esse sujeito tenha saberes capazes de construir saídas para seu próprio sofrimento. Chama a atenção, ainda, o fato de que toda a discussão apresentada nessa categoria advém dos discursos produzidos pelos profissionais de enfermagem de nível médio. Sendo eles todos trabalhadores da mesma instituição pode-se inferir a existência de um discurso coletivo consolidado que repercute no cuidado às pessoas em condição de abuso de drogas. Tal fato exige que se repense a formação dos profissionais de nível médio da enfermagem, sabidamente frágil (Fabri e Loyola, 2014) bem como denota a urgência de programas de educação continuada na instituição. E mais, a inclusão desse profissional nas discussões e práticas clínicas interdisciplinares surgem como exigência ética. CONCLUSÕES A análise dos discursos de profissionais de enfermagem identificou concepções individuais e coletivas consolidadas observando-se que tais discursos são conformados a partir de uma construção sócio-histórica, permeada por experiências ao longo da vida profissional e pessoal. Identificou-se, como contribuição específica desse estudo, a presença de um discurso de negação. Se no século XVIII percebia-se o louco deduzido de sua loucura, agora, percebe-se o objeto droga e deduz-se dele o sujeito e seu sofrimento.

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Percebe-se que, a despeito de terem decorrido muitos anos, os avanços alcançados pela luta antimanicomial, consolidados pela política nacional de saúde mental, parecem ter incidido timidamente sobre o discurso e práticas de alguns profissionais. A coexistência de uma atenção baseada na lógica de uma rede assistencial de base comunitária com uma atenção hospitalar psiquiátrica fragilmente articulada com essa rede possibilitam discursos e práticas distintas do que é preconizado. Em busca de compreender concepções para se compreender práticas, identificou-se que não se pode descontextualizar os discursos dos participantes. Observou-se nos participantes e em seus discursos uma busca genuína por compreender o que se passa com aquelas pessoas sob seus cuidados. Assim, para além da realidade específica dos profissionais de nível médio, depreende-se desse estudo que enfermeiros, enquanto responsáveis técnicos pela equipe de enfermagem; demais profissionais de saúde mental, enquanto membros da equipe multiprofissional que atuam na perspectiva interdisciplinar; gestores da instituição e das políticas de saúde mental no Brasil, devem ler esses discursos como de fragilidades de nossas práticas, que devem ser alvo de políticas de formação e de educação permanente mais consistentes. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Os discursos dos entrevistados têm fortes influências sobre a concepção de cuidado e a assistência dispensada as pessoas com sofrimento mental. Tais concepções são elaboradas e transmitidas a partir das experiências vividas no ambiente de trabalho e são determinantes para compreender o que esses profissionais entendem sobre reabilitação psicossocial e ideais pós Reforma Psiquiátrica. Como o cuidado é realizado quando se cuida de alguém que traz algo triste, incurável ou moralmente condenável? Como o cuidado de enfermagem pode se instituir numa situação em que o sujeito e seu sofrimento está ofuscado pelo objeto droga? O presente estudo reforça a urgente necessidade de desconstrução dos manicômios internos, a atualidade da luta pela (re) compreensão do sujeito e seu sofrimento psíquico sem a supremacia do objeto droga, algo que os programas de formação e educação permanente devem enfatizar e priorizar, problematizando as concepções que os alunos trazem consigo.


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Artigo de Investigação

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Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0200

ANÁLISIS DE LA TRANSICIÓN DE LOS POSTCUIDADORES FAMILIARES DESDE LA TEORÍA DE LAS TRANSICIONES DE MELEIS: UNA APROXIMACIÓN CUALITATIVA | Gerard Mora-López1; Carmen Berbis-Morelló 2; Pilar Montesó-Curto3; Estrella Martinez-Segura4; Isabel Font-Jimenez5; Carme Ferré-Grau6 |

RESUMEN CONTEXTO: Los cuidadores familiares construyen su vida en base su familiar. Una vez este que este se muere deben reconstruir su vida. OBJETIVO: Comprender la experiencia vivida de los postcuidadores familiares en la reconstrucción de su vida cotidiana desde la teoría de Afaf Meleis. MÉTODO: un estudio cualitativo basado en la Teoría fundamentada. El método de recogida de datos fue mediante entrevistas en profundidad a 14 postcuidadores familiares, durante el periodo entre junio de 2014 y diciembre de 2015 en la región de Cataluña (España). RESULTADOS: En el análisis de las entrevistas surgieron las categorías: rememorando la vida de cuidador, la transición del postcuidar y la nueva vida como postcuidador. Al profundizar en el análisis de los discursos se observó que los elementos que estructuraban la transición de los postcuidadores familiares coincidían con las bases teóricas de la Teoría de las Transiciones de Meleis. Se presenta un análisis de todos los elementos que componen la transición del postcuidar desde la Teoria de las Transiciones. CONCLUSIÓN: La teoría de las Transiciones posee un cuerpo de conocimientos que nos hacen comprensibles las situaciones que viven los postcuidadores y nos permiten comprender la diversidad de sus experiencias. DESCRIPTORES: Cuidadores; Cuidado de transición; Relaciones familiares; Pesar

RESUMO

ABSTRACT

“Análise da transição dos pós-cuidadores familiares a partir da Teoria das Transições de Meleis: Uma abordagem qualitativa”

“Analysis of the transition of the family postcarers from the theory of transitions of Meleis: A qualitative approach”

CONTEXTO: Os cuidadores familiares constroem as suas vidas com base no seu familiar. Uma vez que este morre, estes devem reconstruir as suas vidas. OBJETIVO: Compreender a experiência vivida pelos pós-cuidadores familiares na reconstrução da sua vida quotidiana a partir da teoria de Afaf Meleis. MÉTODOS: Estudo qualitativo assente na teoria fundamentada. A colheita de dados foi realizada através de entrevistas em profundidade com 14 pós-cuidadores familiares, durante o período entre junho de 2014 e dezembro de 2015, na região da Catalunha (Espanha). RESULTADOS: A partir da análise das entrevistas emergiram as seguintes categorias: relembrando a vida de cuidador, a transição do pós-cuidar e a nova vida como pós-cuidador. Ao aprofundar a análise dos discursos verificou-se que os elementos que estruturavam a transição dos pós-cuidadores familiares coincidiam com as bases teóricas da Teoria das Transições de Meleis. Assim, apresenta-se uma análise de todos os elementos que compõem a transição do pós-cuidar a partir da Teoria das Transições. CONCLUSÃO: A Teoria das Transições apresenta um corpo de conhecimento que torna compreensíveis as situações vivenciadas pelos pós-cuidadores e permite compreender a diversidade das suas experiências.

BACKGROUND: Family caregivers build their lives based on their relative. When he dies, they must rebuild their lives. AIM: To understand the experience of post-caregivers family in the reconstruction of their daily lives from the theory of Afaf Meleis. METHODS: A qualitative study based on grounded theory. The method of data collection was through in-depth interviews with 14 family post-caregivers during the period between June 2014 and December 2015, the region of Catalonia (Spain). RESULTS: When analyzing interview 3 categories emerged: remembering the life of the caregiver, the transition from post-care and new life as a post-caregiver. To deepen the analysis of discourses it was observed that the elements that structured the transition of postcaregivers family coincided with the theoretical basis of the Theory of Transitions Meleis. An analysis of all the elements that make the transition from post-care to the Transitions theory is presented. CONCLUSION: Transitions theory has a body of knowledge that makes us understandable situations experienced by post-caregivers and allows us to understand the diversity of their experiences.

PALAVRAS-CHAVE: Cuidadores; Cuidados em transição; Relações familiares; Luto

KEYWORDS: Caregivers; Transitional care; Family relations; Grief Submetido em 19-06-2017 Aceite em 08-11-2017

1 Graduado en Enfermería; Doctor en Ciencias de la Enfermería; Profesor Asociado en la Universitat Rovira i Virgili, Tarragona, Espanha, gerardml@gmail.com 2 Graduada en Enfermería; Doctora en Ciencias de la Enfermería; Profesora Asociada en la Universitat Rovira i Virgili. Tarragona, Espanha, cberbis.hj23.ics@gencat.cat 3 Graduada en Enfermería; Doctora en Ciencias Sociales; Profesora Titular de la Enfermería en la Universitat Rovira i Virgili. Tortosa, Espanha, mariapilar.monteso@urv.cat 4 Graduada en Enfermería; Doctora en Ciencias de la Enfermería; Profesora Asociada en la Universitat Rovira i Virgili. Tortosa, Espanha, esmartinez.ebre.ics@gencat.cat 5 Graduada en Enfermería; Doctora en Ciencias de la Enfermería; Profesora Asociada en la Universitat Rovira i Virgili, Tarragona, Espanha, mariaisabel.font@urv.cat 6 Graduada en Enfermería; Doctora en Ciencias Sociales; Directora del Curso de Doctorado en Ciencia de la Enfermería en la Universitat Rovira i Virgili, carme.ferre@urv.cat Citação: Mora-López, G., Morelló, C. B., Montesó-Curto, P., Martinez-Segura, E., Jimenez, I. F., & Ferré-Grau, C. (2018). Análisis de la transición de los postcuidadores familiares desde la teoría de las transiciones de Meleis: Una aproximación cualitativa. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (19), 37-45. doi: 10.19131/rpesm.0200 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 37


INTRODUCCIÓN El incremento del envejecimiento de la población y la mejora en la atención sanitaria ha generado un aumento de la población con enfermedades crónicas y de personas dependientes. De esta manera el cuidado a las personas dependientes es proporcionado en un 88% por un sistema informal de cuidados prestado por un familiar cercano, sin capacitación específica para el cuidar, sin remuneración económica y con una gran dedicación los 365 días del año durante 24 horas (Ferré-Grau, Rodero-Sánchez, Vives-Relats, y Cid-Buera, 2008). Entre la cuidadora y el familiar se establece un vínculo que deriva hacia un compromiso absoluto donde la cuidadora abandona sus expectativas vitales para dedicarse “cuasi en exclusiva” a cuidar de su familiar. La cuidadora va sumergiéndose paulatinamente en la vida y las rutinas del familiar cuidado, estableciéndose un fuerte vínculo existencial entre la persona que cuida y el familiar cuidado (Pereira e Botelho, 2011). En los últimos años han aumentado, los estudios referentes a cuidadoras familiares de enfermos crónicos y/o dependientes, así como lo producción científica a nivel nacional e internacional, especialmente en el ámbito de la atención primaria y/o domiciliaria. No obstante, existe muy poca evidencia sobre la experiencia de los postcuidadores familiares en la reconstrucción de su vida cotidiana.La mayoría de las publicaciones se centran en estudiar el duelo en los postcuidadores familiares que describen dos modelos opuestos McGartland, Berg-Weger, Tebb, Susan y Parnell (2001) defienden el modelo de alivio después del fallecimiento del familiar cuidado y argumentan que una vez muere la persona cuidada el cuidador se libera de la carga del cuidar y así mejora su bienestar. Opuesto a este modelo Ling, Chen, Li, Chang, Shen y Tang (2013) describen que los postcuidadores presentan un aumento de los niveles de depresión un año después de la muerte de su familiar, debido al gran vacío existencial que experimentan. Dos de los estudios de carácter cualitativo se centran en describir las experiencias y sentimientos de los postcuidadores familiares después de la muerte de su familiar. Larkin (2009) definió tres fases por las que pasa el postcuidador y que se interrelacionan entre sí: 1) fase del vacío de la tarea de postcuidar, en la que el postcuidador debe hacer frente a los cambios en su vida, en particular en su rutina del día a día, para conseguir hacer frente al dolor o al vacío que supone la finalización de la etapa de cuidador. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 38

2) fase de cierre del tiempo de cuidar, que implica que el cuidador haga un balance crítico de su experiencia de cuidar y que la acepte como una experiencia de vida positiva. 3) fase de reconstrucción de la vida como postcuidador, en la que el postcuidador ve la luz e intenta reconstruir su vida cotidiana. Estas fases comprenden transiciones complicadas y difíciles, que exigen del postcuidador un esfuerzo eficaz y continuo. En el trabajo realizado por Cronin et al. (2015) se definen tres mundos: el mundo de precuidar, el mundo de cuidar y el mundo de postcuidar. Una de las conclusiones comunes de la gran mayoría de autores es que una vez que el familiar dependiente muere, el postcuidador familiar se ve inmerso en un proceso de transición en el que debe reconstruir su vida cotidiana y su identidad personal. Este artículo tiene como objetivo comprender la experiencia vivida de los postcuidadores familiares en la reconstrucción de su vida cotidiana desde la teoría de las transiciones (Meleis, Sawyer, Im, Messias, & Schumacher, 2000) para identificar los resultados del proceso transicional, determinar la terapéutica enfermera y minimizar o resolver las condiciones inhibidoras del proceso. METODOLOGÍA Estudio cualitativo, basado en la Teoría Fundamentada, de la experiencia vivida de los postcuidadores familiares en la reconstrucción de su vida cuotidiana. El objetivo del estudio radica en conocer el significado, experiencias y sentimientos de los postcuidadores familiares en la transición que se inicia con la muerte del familiar. Participaron 14 postcuidadores familiares atendiendo a los siguientes criterios de inclusión: ser mayor de 18 años, haber dado el consentimiento informado para participar en el estudio, haber sido cuidador familiar durante al menos dos años, hacer dos años, como mínimo, que haya dejado de ser cuidador. Cabe destacar que el último criterio se ha establecido para poder captar las experiencias de las diferentes fases por las que pasan los postcuidadores, y para no interferir en el proceso de duelo. En la selección de la muestra se ha tenido también en cuenta el criterio de la riqueza informativa, el de la accesibilidad y el de la posibilidad. Se ha velado para buscar informantes que más se ajusten y que nos puedan aportar una información más rica y precisa de acuerdo con los objetivos de la investigación.


Las personas informantes han obtenido a partir de fuentes propias, de profesionales expertos, de profesionales sanitarios que desarrollan su actividad en centros de atención primaria y a partir de diferentes asociaciones de enfermos y familiares en el área de Cataluña (España). Las principales características de los informantes se resumen en la Tabla 1. Tabla 1 - Características de los Informantes Código

Genero

Edad Estado No. Nivel estudios Situación Persona a la Enfermedad Civil Hijos laboral que cuidaron

Años como cuidador

Años finalización etapa cuidador

PC1

Femenino

74

Viuda

3

Primarios

Jubilada

Marido

Cáncer

5

3

PC2

Femenino

76

Viuda

2

Primarios

Jubilada

Marido

Cáncer

7

3

PC3

Femenino

83

Viuda

4

Analfabeta

Jubilada

Marido

Parkinson

7

3

PC4

Femenino

55

Divorciado

1

Secundarios

Empleado

Padre/madre

Esquizofrenia/Alzheimer

20

3

PC5

Masculino

71

Divorciado

2

Universitarios

Jubilado

Madre

Alzheimer

13

15

PC6

Masculino

87

Viudo

2

Universitarios

Jubilado

Esposa

Accidente de trafico

30

2

PC7

Masculino

40

Soltero

0

Universitarios

Empleado

Madre

Alzheimer

5

2

PC8

Femenino

62

Casado

1

Universitarios

Empleada

Hija

Parálisis cerebral

14

5

PC9

Femenino

76

Soltero

0

Universitarios

Jubilada

Madre

Alzheimer

20

4

PC10

Femenino

64

Soltero

1

Universitarios

Empleado

Madre/padre

P. Movilidad

2

9

PC11

Femenino

66

Viuda

3

Universitarios

Jubilada

Marido

Cáncer

7

5

PC12

Femenino

72

Viuda

2

Universitarios

Jubilada

Marido

Cáncer

3

2

PC13

Masculino

53

Casado

1

Secundarios

Desempleado

Hijo

Enfermedad rara

11

2

PC14

Masculino

53

Casado

1

Universitarios

Empleado

Hijo

Encefalopatía

9

5

El método de recogida de datos fue mediante una entrevista en profundidad con una duración aproximada de una hora para cada uno de las participantes, que fueron grabadas para su posterior transcripción y análisis cualitativo. Para la realización de las entrevistas se elaboró un guion, basado en la revisión bibliográfica que fue modificado durante el transcurso de la investigación. Las entrevistas se realizaron entre los meses de junio de 2014 y diciembre de 2015. El proceso de análisis de la información se realizó mediante la lectura en profundidad de las entrevistas, se analizó el contenido, línea a línea, frase por frase, de forma manual, siguiendo el método de Glaser y Strauss (1967) de las comparaciones constantes. Se pusieron en común las categorías temáticas resultantes. Se analizaron las categorías teniendo como marco de referencia la Teoría de Afaf Meleis (2010). Para asegurar el grado de validez de lo estudiado, los datos y los resultados sufrieron un proceso de triangulación. Por un lado, se ha contó con las aportaciones realizadas por un grupo de expertos multidisciplinar, compuesto por enfermeros, psicólogos y trabajadores sociales de las diferentes asociaciones participantes en el estudio. Y, por otro lado, se ha realizado una validación solicitada, es decir, los actores han tenido acceso a la interpretación que el investigador principal ha hecho en base a los datos recogidos, y han podido corroborar la lectura del contexto e interpretación que se ha hecho. Además de que todos los investigadores han leído y analizado los datos de manera independiente. El presente estudio cuenta con la aprobación del Comité de Ética de Investigación Clínica del IDIAP Jordi Gol (Barcelona) y se mantuvieron los principios éticos de información, anonimato y confidencialidad. A las participantes en el estudio se les informo del estudio y firmaron un documento de consentimiento informado. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 39


RESULTADOS En el análisis de las entrevistas surgieron las categorías: rememorando la vida de cuidador, la transición del postcuidar y la nueva vida como postcuidador. En la primera categoría se engloban aquellos aspectos referentes a la organización de la vida como cuidador. Cabe destacar que en el discurso de todos los participantes estaba muy presente esta etapa anterior y la mayoría definían su paso como cuidadores como la vocación y finalidad de su vida. Esta consideración se debe tener en cuenta para poder comprender la posterior transición. La segunda y terceras categorías se exponen a continuación. En el inicio de la investigación no se contempló la posibilidad de estudiar la transición de los postcuidadores desde la Teoría de Meléis. Al profundizar en el análisis de los discursos se observó que los elementos que estructuraban la transición de los postcuidadores familiares coincidían con las bases teóricas de la Teoría de las Transiciones de Meléis. A continuación, se presentan los resultados con la finalidad de analizar y comprender la transición de los postcuidadores familiares. Si consideramos la fase de postcuidar como una etapa propia en la vida de las personas que han cuidado, identificamos que la naturaleza de la transición es de tipo situacional y organizativa, ya que el enfrentamiento a la nueva condición de postcuidador implica aprender a adaptarse a una nueva realidad que les obliga a modificar y asumir nuevos roles, les ha hecho cambiar sus rutinas, generadas en la etapa como cuidador, y ha modificado sustancialmente su vida diaria. En cuanto a los patrones que sigue la transición son múltiples, ya que el postcuidador, en muchas ocasiones, debe hacer frente a cambios de domicilio, cambios organizativos y redefiniciones de su papel en el núcleo familiar, laboral y social. Paralelamente, experimentan la transición para superar la pérdida de su familiar: marido, esposa, hijo, hija, padre o madre. En muchos aspectos, las dos transiciones presentan aspectos similares, lo que hace que se fusionen en una misma transición. Así pues, la transición del postcuidar engloba también aspectos referentes a la muerte y al proceso de duelo (Hash, 2006). En algunos casos, la transición se inicia días, incluso meses antes de que el familiar muera, dado que hay una preparación previa en la que el cuidador empieza a ser consciente e incluso desea el desenlace para evitar sufrimientos innecesarios a la persona que cuidan. Esto marca un proceso de duelo anticipado. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 40

Podemos decir que la conciencia está presente en la transición, ya que las personas son conscientes de la proximidad del cambio. Sin embargo, el conocimiento de la situación de la persona cuidada no mantiene una coherencia con los aspectos emocionales del cuidador como la falta de expectativas, o expectativas negativas, la inexistencia de expectativas positivas y de preparación, sumado a la falta de motivación y de voluntad de dejar la tarea de cuidar reflejan esta ausencia de compromiso. En la Tabla 2 se resume la naturaleza de la transición. Tabla 2 - Naturaleza de la Transición del Postcuidar Naturaleza de la transición del postcuidar Tipo: Situacional, organizativa Patrón: Múltiple Propiedades: Consciencia: Consciencia de la muerte de la persona cuidada. Conexión: Falta de voluntad / Compromiso. Cambio: Abandono tarea cuidar, pérdida de roles, pérdida i duelo familiar, romper con su vida. Puntos críticos: Muerte del familiar, superación del duelo, tomar consciencia de los cambios, movimiento hacía la nueva vida, descubrimiento nuevas motivaciones, pérdida del rol familiar.

Las condiciones de la transición son las circunstancias que influyen en la forma como una persona moviliza los recursos hacia la transición. Estas condiciones facilitan o inhiben el progreso hacia una transición saludable. En este apartado se incluyen tanto los condicionantes personales como el significado, las creencias y actitudes personales (como han hecho frente a la transición), el estado socioeconómico, la preparación y el conocimiento, la comunidad y la sociedad, han hecho que la transición haya sido saludable o no. Me siento solo siempre, pero es que creo que la persona nace y vive sola, se tiene que adaptar a toda una serie de circunstancias, pero de vivir estamos siempre solos. (PC6) En relación con las condiciones personales, cabe destacar que el significado que otorgan los postcuidadores a su nueva situación es un elemento que influye significativamente en ellos y, en muchas ocasiones, actúa como inhibidor. A los informantes les cuesta encontrar un significado o finalidad a su nueva vida, un elemento antagonista del significado es ocupar el tiempo en actividades de ocio o de voluntariado, lo que hace que la persona se sienta útil.


La búsqueda de actividades para ocupar el tiempo facilita el paso hacia la transición saludable. Te encuentras con un vacío muy grande, has estado 24 horas al día durante cinco años cuidado de alguien y te encuentras que de repente esa responsabilidad ya no la tienes, por lo tanto estás tú solo con tu vida y con todo el tiempo del mundo para decidir lo que hacer con ella. (PC7) Las creencias y actitudes culturales, en nuestra muestra, las configuran las creencias religiosas y las actitudes sociales y culturales, que influyen en la etapa del duelo y que hacen que los postcuidadores mantengan el recuerdo positivo y/o idealizado de la etapa en la que cuidaron a su familiar, lo que les hace vivir una transición basada en un recuerdo selectivo. El estado socioeconómico es otro de los condicionantes de la transición de la tarea de postcuidar, este concepto engloba aspectos económicos, pero también todos los trámites de cierre, tales como bajas administrativas, cambios de titularidades, las dificultades encontradas en algunos de estos aspectos pueden obstaculizar la transición hacia una nueva vida. Tal como se ha descrito anteriormente, la mayoría de los cuidadores de familiares dependientes conocían la cercanía de la muerte y estaban preparados para aceptarla, no obstante, no tenían referentes del cómo podían afrontar la transición hacia una nueva etapa de su vida, más allá del duelo por la pérdida del familiar cuidado. Los postcuidadores deben estar preparados para romper con la que había sido su vida cotidiana hasta el momento de la muerte de su familiar y empezar a construir una nueva identidad. En cuanto a los condicionantes de la comunidad y la sociedad son elementos clave en la transición. Entendemos comunidad como el entorno donde el postcuidador estructura sus relaciones y vive su vida, ésta comprende la familia, las amistades y las personas más cercanas a los participantes. Aunque refieren cambios en las amistades, y en algunos casos en el núcleo familiar, la relación y el apoyo por su parte es un elemento que evita el aislamiento del postcuidador. El apoyo profesional, podría actuar como un elemento facilitador, pero los informantes no han percibido ningún apoyo de carácter profesional, y, por tanto, puede ser un aspecto a trabajar para mejorar la atención a las personas que dejan de ser cuidadores.

En cuanto a la sociedad, nos referimos a una sociedad global en la que los postcuidadores están inmersos, comprende los recursos que pueden tener a su alcance. Como se ha descrito anteriormente, la burocracia administrativa puede hacer inhibir la transición, mientras que la sociedad ofrece recursos como las asociaciones que pueden servir como facilitadores. En la siguiente tabla se detallan aquellos condicionados que han emergido del discurso de los participantes y se clasifican en facilitadores e inhibidores. Me llevo dos años arreglar 80.000 papeles. (PC12) En la Tabla 3 se presentan las condiciones de la transición del postcuidar. Tabla 3 - Condiciones de la Transición del Postcuidar Condiciones de la transición del postcuidar Personales: Significado Facilitadores

Búsqueda de una finalidad en la vida. Recuerdo positivo de la etapa de cuidador.

Inhibidores Falta de fin en la vida. Cambio en el significado de les relaciones. Tristeza. Depresión.

Personales: Creencias y actitudes culturales Facilitadores

Creencias religiosas. Inhibidores Rituales y ceremonias religiosas de homenaje al difunto. Recuerdo positivo del familiar.

Personales: Estado socioeconómico Facilitadores

Ocupar el tiempo en actividades sociales. Actividad laboral.

Inhibidores Pérdidas económicas. Dependencia de los hijos.

Personales: Preparación y conocimiento Facilitadores

Duelo anticipado

Inhibidores Falta de preparación para abandonar la figura de cuidador.

Soporte familiar. Soporte amistades Soporte vecinal en núcleos rurales Ayuda a otros cuidadores.

Inhibidores Perdía amistades antiguas. Compasión per parte de terceras persones. No aceptación del su dolor.

Voluntariado. Asociaciones. Grupos de ayuda mutua.

Inhibidores Burocracia administrativa.

Comunidad Facilitadores

Sociedad Facilitadores

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 41


Con el transcurso del tiempo, en la transición van apareciendo indicadores que evidencian respuestas de “toma de conciencia” de la necesidad de reformular una nueva identidad. Los participantes que se han movido hacia una transición positiva, caracterizada por respuestas saludables, se sienten conectados y desarrollan elementos de afrontamiento. No obstante, observamos en los postcuidadores la necesidad de seguir con tareas que los mantengan conectados, aunque sea desde el recuerdo, con su vida como cuidadores. A veces iba a ver a Pedro porque me daba pena, y él se alegraba pero el pobre estaba muy mal […] fue el compañero de habitación de mi marido, y me daba mucha pena, un chico joven y con esa vida, y a mí no me costaba nada y él se alegraba y así veía a la gente del hospital. (PC3) Este recuerdo, por un lado, puede ser físico y social, como es el caso de la mayoría de los informantes que se dedican a actividades sociales y de voluntariado relacionadas, en cierto modo, con el cuidado, y desarrolladas en asociaciones en las que ellos habían participado cuando eran cuidadores. Por otro lado, se encuentra el recuerdo emocional de su familiar, un recuerdo que en momentos de su día a día está presente. Tal como nos expresaban los participantes: durante la comidas, en las celebraciones, cuando se realiza alguna actividad como coger un avión, ir a algún lugar donde iban con el familiar, hace encender la chispa del recuerdo positivo. Por lo tanto, este recuerdo positivo y la superación de sentimientos negativos relacionados con el recuerdo pueden ser considerados como un indicador de resultado (Tabla 4). Tabla 4 - Indicadores de una Transición Saludable Indicadores de una transición saludable Indicadores de proceso: Desarrollar afrontamiento y confianza Mejorar problemas psicológicos Interactuar los postcuidador con otras personas Ocupar el tiempo Indicadores de resultado: Bienestar, satisfacción. Recuerdo positivo. Reconstrucción de una nova vida cuotidiana.

La primera medida de la terapéutica de enfermería de Meleis implica un esfuerzo multidisciplinar para conocer el cliente: valorando cada condición de la transición para crear un perfil individual de preparación del cliente. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 42

De esta investigación se derivan los elementos comunes que actúan como condicionantes de la transición de los postcuidadores y, por tanto, pueden servir de utilidad en la atención de enfermería a personas que estén experimentando una transición similar. El segundo supuesto valora la preparación para la transición como una terapéutica enfermera. Así pues, la preparación para la transición incluye empoderar la persona para crear las condiciones óptimas para la transición. Referente a los postcuidadores, la enfermera mediante sus intervenciones puede enseñarles técnicas de control del estrés, afrontamiento de las dificultades y darle apoyo en el proceso de (re) estructuración de su vida. Una buena medida puede ser trabajar con las personas la técnica de resolución de problemas (TRP). La TRP es una herramienta que facilita al profesional de enfermería poder ayudar a reflexionar y, al mismo tiempo, formar al postcuidador en la mejora de la toma de decisiones relacionadas con una situación o problema difícil de resolver. Esta técnica ha demostrado su efectividad en el afrontamiento activo de situaciones difíciles, y en la reducción de los niveles de ansiedad y de depresión de los cuidadores familiares activos (Montesó et al., 2012) En tercer lugar, en relación con la terapéutica de enfermería de Meleis se considera la suplementación del rol. En los postcuidadores familiares sería el abandono del rol de cuidador y la ayuda en la identificación y construcción de nuevos roles que den sentido a su nueva etapa. Así pues, una entrevista terapéutica llevado a cabo por las enfermeras, que conocen al post-cuidador y le han apoyado durante el proceso de cuidados puede ser un buen elemento para desarrollar las intervenciones enfermeras. DISCUSIÓN Los resultados permiten la aplicación de la teoría de medio rango de las transiciones descrita por Meleis et al. (2000). Las transiciones del postcuidar que vivieron los participantes fueron, en su mayoría saludables, de acuerdo con los resultados y con el marco conceptual orientador de la teoría de las transiciones. Este trabajo es el primer estudio que aborda la transición del postcuidar des de la Teoría de las transiciones, no obstante, se ha demostrado la utilidad de dicha teoría para comprender algunas situaciones como cuidar de un hijo con pluridiscapacidad (Rodero-Sánchez, Vives-Relats, Ferré-Grau, y Cid-Buera, 2004) el embarazo (Canaval, Jaramillo, Haydee, y Germán, 2007) la jubilación (Perez, 2011) y la inmigración (GonzalezJuarez, Noreña-Peña, y Cibanal-Juan, 2014) entre otras.


La misión de enfermería es la de proporcionar cuidados para promover y mantener la salud, y para prevenir problemas físicos y emocionales que pueden derivar en problemas psicosociales crónicos. La enfermera puede dar apoyo en los momentos críticos que refieren lo postcuidadores en el proceso de reconstrucción de su vida cotidiana y redefinición de su identidad.

Hash, K. (2006). Caregiving and post-caregiving experiences of midlife and older gay men and lesbians. Journal of Gerontological Social Work, 47(3/4), 121-138.

CONCLUSIONES

Ling, S., Chen, M., Li, C., Chang, W., Shen, W., & Tang, S. (2013). Trajectory and influencing factors of depressive symptoms in family caregivers before and after the death of terminally ill patients with cancer. Oncology Nursing Forum, 40(1), 32-40.

La Teoría de las Transiciones posee un cuerpo de conocimientos que nos hacen comprensibles las situaciones que viven los postcuidadores y nos permiten comprender la diversidad de sus experiencias. Conociendo el proceso transaccional y analizando los factores que lo condicionan, se podrá modificar la práctica asistencial adaptándola a la realidad de los postcuidadores familiares y aportando cuidados más acordes con las necesidades percibidas por ellos. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Canaval, E., Jaramillo, C., Haydee, D., y Germán, M. (2007). La teoría de las transiciones y la salud de la mujer en el embarazo y en el posparto. Aquichan, 7(1), 8-24. Cronin, P., Hynes, G., Breen, M., McCarron, M., McCallion, P., & O’Sullivan, L. (2015). Between worlds: The experiences and needs of former family carers. Health and Social Care in the Community, 23(1), 88-96. Ferré-Grau, C., Rodero-Sánchez, V., Vives-Relats, C., y Cid-Buera, D. (2008). El mundo del cuidador familiar: Una visión teórica y un modelo práctico para el cuidado. Tarragona: Silva. Gonzalez-Juarez, L., Noreña-Peña, A. L., y Cibanal-Juan, L. (2014). Immigration experience of Latin American working women in Alicante, Spain: An ethnographic study. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 22(5), 857-865. doi: 10.1590/0104-1169.3559.2490 Glaser, B., & Strauss, A. (1967). The discovery of grounded theory: Strategies for qualitative research. New York: Adline Publishing Company.

Larkin, M. (2009). Life after caring: The post-caring experiences of former carers. British Journal of Social Work, 39(6), 1026-1042.

McGartland, D., Berg-Weger, M., Tebb, Susan, S., & Parnell, L. (2001). Comparing the well-being on postcaregivers and noncaregivers. American Journal of Alzheimer’s Disease and Other Dementias, 16(2), 97-101. Meleis, A., Sawyer, L., Im, E., Messias, D., & Schumacher, K. (2000). Experiencing transitions: An emerging middle-range theory. Advances in Nursing Science, 23(1), 12-28. Meleis, A. (2010). Transitions theory: Middle range and situations specific theories in nursing research and practice. New York: Springer Publishing Company. Montesó, P., Ferré, C., Lleixa, M., Aguilar, C., Sanchez, A., & Lejeune, M. (2012). Depression in the elderly: Study in a rural city in southern Catalonia. Journal of Psychiatric and Mental Health Nursing, 19(5), 426-429. Pereira, H. R., & Botelho, M. A. R. (2011). Sudden informal caregivers: The lived experience of informal caregivers after an unexpected event. Journal of Clinical Nursing, 20, 2448-2457. doi: 10.1111/j.13652702.2010.03644.x Perez, I. (2011). Dona i Jubilació (Tesis de Doctorado). Universitat Rovira i Virgili, Tarragona, España. Rodero-Sánchez, V., Vives-Relats, C., Ferré-Grau, C., y Cid-Buera, D. (2004). Tener un hijo diferente: Estudio cualitativo desde la teoría de transición de Afaf Meleis. Enfermería Comunitaria, 10(1).

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 43


Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 44


Artigo de Revisão

6

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0201

A FELICIDADE EM PESSOAS COM DOENÇA MENTAL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

| Paulo Seabra1; Alexandra Sarreira-Santos2; Lurdes Medeiros-Garcia3; Alexandre Costa4; Idália Cardoso5; Amélia S. Figueiredo6 |

RESUMO CONTEXTO: A forma como cada pessoa vive e sente satisfação com a sua experiência de vida, tem naturalmente uma dimensão subjetiva mas reveladora de aspetos intrínsecos da dimensão humana. A felicidade pode ser um conceito agregador dessas dimensões embora de difícil definição para pessoas com ou sem doença mental. OBJETIVO: Identificar a perceção de felicidade em pessoas com doença mental, os fatores que contribuem para aumentar ou menorizar essa perceção. MÉTODOS: Revisão Integrativa da Literatura. Pesquisa em bases de dados internacionais, realizada em agosto de 2016. Foi aplicado um conjunto de descritores e critérios de inclusão. Obteve-se uma amostra final de 7 estudos, publicados entre 2006-2014. RESULTADOS: Não se encontraram definições aprofundadas do conceito expressas pelos participantes. Emerge como aproximação ao conceito a capacidade para interação social ou enquanto fenómeno intrinsecamente relacionada com a religiosidade. A felicidade depende pouco de eventos externos e reforça-se com fatores duradouros e de uma dimensão mais interior e predeterminada previamente à doença. Os fatores que contribuem são essencialmente de ordem pessoal, familiar, suporte social alargado e emocional. Os que contribuem para menorizar a felicidade são de ordem pessoal, efeitos secundários da medicação, escassez de suporte social alargado, disfunção afetiva e emocional. A família não surgiu enquanto fator associado a menor felicidade. CONCLUSÕES: A felicidade está interligada à vivência social e ao bem-estar, à resiliência, a fatores protetores internos da própria pessoa. PALAVRAS-CHAVE: Felicidade; Transtornos mentais; Qualidade de vida

RESUMEN

ABSTRACT

“La felicidad en las personas con enfermedad mental: Una revisión integradora de la literatura”

“The happiness of people with mental illness: An integrative literature review”

CONTEXTO: La forma que cada persona vive y siente la satisfacción con su experiencia de vida, es por supuesto una dimensión subjetiva, pero revelador de aspectos intrínsecos de la dimensión humana. La felicidad puede ser un concepto unificador de estas dimensiones, aunque difícil definir para personas con o sin enfermedad mental. OBJETIVO: Identificar la percepción de felicidad en personas con enfermedad mental, los factores que contribuyen a aumentar o disminuir esta percepción. METODOLOGÍA: Revisión Integradora de Literatura. Búsqueda en bases de datos internacionales efectuada en Agosto, 2016. Se ha aplicado un conjunto de descriptores y criterios de inclusión. Esto produce una muestra final de 7 estudios publicados entre 2006-2014. RESULTADOS: No se ha encontrado definiciones en profundidad expresadas por los participantes. Surge como aproximación al concepto la capacidad para la interacción social o como fenómeno estrechamente ligado a la religiosidad. La felicidad depende menos de eventos externos y se refuerza con factores de larga duración y de dimensión más interior, predeterminada antes de la enfermedad. Los factores que contribuyen son personales, familiares, de apoyo social extendido y emocional. Aquellos que contribuyen para reducirla son factores personales, efectos secundarios de la medicación, falta de apoyo social extendido, disfunción afectiva e emocional. La familia no surgió como factor asociado a la felicidad inferior. CONCLUSIONES: La felicidad está conectada a la vida social y al bienestar, la capacidad de recuperación, factores protectores internos de la persona.

DESCRIPTORES: Felicidad; Enfermedades mentales; Calidad de vida

BACKGROUND: The way each person lives and feels satisfaction with their life experience, naturally has a subjective but revealing dimension of intrinsic aspects of the human dimension. Happiness can be an aggregating concept of these dimensions although difficult to define for people with or without mental illness. AIM: To identify the happiness perception in people with mental illness, the factors that contribute to increase or reduce this perception. METHODS: Integrative Literature Review. Research in international databases, held in August 2016. A set of descriptors and inclusion criteria were used. A final sample of 7 studies, published between 2006-2014, was obtained. RESULTS: There were no in-depth definitions of the concept expressed by participants. It emerges as an approach to the concept, the capacity for social interaction or as an intrinsically phenomenon related to religiosity. Happiness depends little on external events and is reinforced by enduring factors and a more inward and predetermined dimension prior to illness. The factors that contribute are essentially personal, family, extended social support and emotional. Those that contribute to lower happiness are personal, side effects of medication, lack of broad social support, affective and emotional dysfunction. The family did not arise as a factor associated with less happiness. CONCLUSION: Happiness is intertwined with social experience and well-being, with resilience, with person internal protective factors.

KEYWORDS: Happiness; Mental disorders; Quality of life Submetido em 30-03-2017 Aceite em 29-11-2017

1 Doutor em Enfermagem; Professor Auxiliar Convidado na Universidade Católica Portuguesa, pauloseabra@ics.lisboa.ucp.pt 2 Doutoranda em Enfermagem; Mestre em Gestão dos Serviços de Saúde; Assistente de 2º Triénio na Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, alexantos@ics.lisboa.ucp.pt 3 Doutoranda em Enfermagem; Mestre em Ciências da Educação; Assistente de 2º Triénio na Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, mgarcia@ics.lisboa.ucp.pt 4 Doutorando em Formação de Adultos Ciências da Educação; Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, alexandrecoelhocosta@gmail.com 5 Enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Enfermeira Chefe no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, idalia_cardoso@hotmail.com 6 Doutora em Educação; Professora Auxiliar na Universidade Católica Portuguesa, Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde, simoesfigueiredo@ics.lisboa.ucp.pt Citação: Seabra, P., Sarreira-Santos, A., Medeiros-Garcia, L., Costa, A., Cardoso, I., & Figueiredo, A. S. (2018). A felicidade em pessoas com doença mental: Uma revisão integrativa da literatura. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (19), 45-53. doi: 10.19131/rpesm.0201 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 45


INTRODUÇÃO A desigualdade verificada no acesso aos cuidados de saúde e a vivência com “doença mental”, seja de forma institucionalizada, ou autónoma, pode levar-nos a uma reflexão sobre a auto perceção do estado de saúde das pessoas com doença mental. Nesse sentido, e tendo em conta, aspetos mais subjetivos relacionados com a saúde mental e com a qualidade de vida, e no que isso tem de intrínseco com a forma como cada um vive e sente satisfação com a sua experiência de vida, surgiu, a reflexão sobre a perceção de “felicidade” em pessoas com doença mental. A procura da felicidade é um objetivo humano fundamental pois mais felicidade está associada a mais saúde (Agid et al., 2012; World Healt Organization [WHO], 2011). Para se compreender a perceção de felicidade em pessoas com doença mental, alguns aspetos são determinantes. No que se refere às pessoas com esquizofrenia, é evidenciada maior dificuldade em obter melhores resultados face aos sintomas negativos, em contraponto dos positivos, e é evidenciada a diminuição progressiva das capacidades sociais e ocupacionais desde a jovem idade adulta (Agid et al., 2012). Para estas dificuldades, intervenções promotoras de reabilitação, de relações sociais e de sentido de vida, permitem maior perceção da felicidade, fundamental para o recovery. É preciso identificar barreiras para experienciar a felicidade, implementar estratégias para que possam assumir a responsabilidade pela sua vida, procurar experiências que lhes tragam felicidade, pois estas promovem esperança e o estabelecimento de uma identidade positiva (Buckland, Schepp, & Crusoe, 2014). A fase da doença surge como fator importante pois os mais jovens tendem a ter mais expetativas e esperança que os doentes há mais tempo (Kaplan, Salzar, & Brusilovskiy, 2012). A felicidade é uma emoção básica caracterizada por um estado emocional positivo, com sentimentos de bem-estar e de prazer, associados à perceção de sucesso e à compreensão coerente e lúcida do mundo (Ferraz, Tavares, e Zilberman, 2007). Desempenha um papel importante na dimensão física, mental/bem-estar, nas relações sociais, nas emoções e cognição, no desenvolvimento moral e no desempenho (Martens, 2006), no entanto, não existe uma definição consensual, (Palmer, Martin, Depp, Glorioso, & Jeste, 2014). É um fenômeno predominantemente subjetivo, mais subordinado a traços psicológicos, socioculturais e até genéticos, do que estritamente a fatores ou eventos isolados e externamente determinados (Ferraz et al., 2007; Palmer et al., 2014). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 46

Pessoas com a mesma doença não percecionam felicidade da mesma maneira (Buckland et al., 2014). Para alguns autores, a felicidade não é um bom indicador para a qualidade de vida das pessoas com doença mental porque, o seu humor tende a refletir estados psicológicos alterados e não, circunstâncias objetivas das suas vidas, embora, as dúvidas, sobre se as pessoas conseguem julgar as suas vidas adequadamente, pela distorção possível ao nível afetivo e cognitivo, se estendam à população em geral, pois não se investigam estas perceções quando as pessoas estão em estado psicótico (Bergsma, Veenhoven, Have, & de Graaf, 2011). Por outro lado, na população em geral, uma percentagem elevada dos que não se sentem felizes nos últimos dias, têm psicopatologia (Bergsma & Veenhoven, 2011a; Bergsma et al., 2011),ou seja, é um indicador importante em qualquer população. Apesar desta subjetividade, a felicidade tem sido defendida como um indicador a ter em conta nas decisões futuras sobre a vida das pessoas (Loewenstein & Ubel, 2008; WHO, 2011) pois, é considerada por muitos, como uma efetiva avaliação de qualidade de vida, sendo coisas diferentes. A felicidade tem uma dimensão cognitiva (Veenhoven, 2009) e para alguns autores, a qualidade de vida é uma condição prévia, mais do que uma experiência intrínseca de felicidade (Agid et al., 2012). Tem-se verificado, que a satisfação com a vida e a felicidade, não é muito baixa nas pessoas com doença mental, o que pode sugerir que essa perceção não se deve a eventos exteriores e circunstanciais, que a falta de insight aumenta a perceção de uma forma não justificável ou ainda, que a sua perceção não esteja consonante com o resto da população (Bergsma et al., 2011). Surge muitas vezes, em pessoas com esquizofrenia, valores positivos, e até equivalentes à população em geral (Palmer et al., 2014). As pessoas com esquizofrenia tendem a ter os mesmos objetivos de vida que tinham antes da doença, o que provoca sofrimento pela diminuição da funcionalidade (Agid et al., 2012). O facto de muitas pessoas com doença mental viverem em ambientes protegidos como residências com algum apoio social, surge associado a mais felicidade que naqueles que vivem sozinhos ou com as suas famílias (Buckland et al., 2014; Palmer et al., 2014). Importa a reflexão sobre as intervenções que combatem um dos fatores que mais contribuem para perceção negativa da felicidade, a anedonia (Agid et al., 2012). Na população em geral a felicidade pode ainda ser um fator preditivo e promotor de bem-estar, pois tem sido associada à diminuição de possíveis perturbações (Agid et al., 2012; Bergsma et al., 2011; Homayouni, 2010).


Já no que se refere às pessoas com doença mental, os que se sentem felizes com frequência têm menos absentismo, recorrem menos aos serviços de saúde, usam menos medicação analgésica, funcionam melhor psicologicamente, são menos neuróticos, têm melhor autoestima, mais energia e uma atitude mais relaxada que os que se sentem felizes menos vezes (Bergsma et al., 2011). Mesmo lidando com sintomas da sua perturbação, as pessoas sentem-se felizes muitas vezes (Bergsma & Veenhoven, 2011a). É nesta complexa relação entre a perceção de felicidade e a doença mental, e na variabilidade de análise do fenómeno, que elaboramos a seguinte questão de investigação: Qual a perceção de felicidade nas pessoas com doença mental? Traçamos como objetivos: - Identificar na literatura a forma como é percecionada a felicidade em pessoas com doença mental. - Identificar na literatura que fatores contribuem para aumentar a perceção de felicidade. - Identificar na literatura que fatores contribuem para menorizar a perceção de felicidade. MÉTODOS Decidimos pela realização de uma revisão integrativa da literatura (RIL), método de investigação que deve seguir seis fases distintas: identificação do tema e seleção da hipótese ou questão norteadora da revisão integrativa; estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/ amostragem ou pesquisa de literatura; definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; interpretação dos resultados; e apresentação da revisão/ síntese do conhecimento (Whittemore & Knafl, 2005). Nesta perspetiva e face à natureza da questão de investigação, mobilizou-se o método PEOS da Cochrane para definir os critérios de inclusão e exclusão (Quadro 1).

Quadro 1 - Critérios de Seleção dos Estudos Critérios de seleção

Critérios de inclusão

Critérios de exclusão

População (Population)

Pessoas adultas com doença mental crónica.

Pessoas com outra tipologia de doença mental ou física. Amostra que integre crianças

Exposição (Exposure)

Acompanhadas ou não por equipas de saúde.

--

Resultados (Out- Perceção da felicidade comes) Fatores relacionados com a felicidade

Não referência a fatores que promovem ou menorizam a perceção da felicidade

Tipo de estudo (Study)

Estudos secundários noutros idiomas, publicados antes de 01/08/2006; Que exijam pagamento para con¬sulta.

Estudos primários com abordagem quantita-tiva, quali¬tativa ou mista; em português, in-glês ou es¬panhol; publicados entre 01/08/2006 – 31/07/2016; disponíveis de forma gratuita através de bases de dados ou plataformas

A pesquisa foi realizada de 1 a 8 de agosto de 2016, nas seguintes plataformas eletrónicas de bases de dados e motores de busca. • B-ON (Biblioteca do conhecimento On line) - Annual Reviews, Elsevier - Science Direct; PUBMED; SpringerLink, Taylor & Francis, Wiley; EBSCO, Web of Science (ISI), ISI Proceedings; RCAAP. • EBSCO - CINAHL Plus; MEDLINE; Cochrane Central Register of Controlled Trials; Cochrane Database of Systematic Reviews; Database of Abstracts of Reviews of Effects; Library, Nursing & Allied Health Collection; British Nursing Index; MedicLatina; Health Technology Assessments, NHS Economic Evaluation Database, ERIC. • BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) – (Lilacs, Bireme, Scielo, Medcaribe, Cochrane, Medline, Mediclatina). Os termos para a pesquisa foram validados na terminologia e conteúdo consultando os descritores Mesh e Decs. Fizemos diferentes configurações de pesquisa, recorrendo aos operadores booleanos. A palavra “felicidade” foi o conceito que pretendíamos que estivesse explicitado nos estudos (Quadro 2).

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Quadro 2 - Conjugações de Pesquisa Plataforma eletrónica de base de dados

Fórmula de pesquisa

B-On

TITLE (happiness) AND SUBJECT TERMS (mental disorders) OR (mental health) OR (psychiatry) OR (mental illness) OR (mental well-being) OR (quality of life) OR (emotion) OR (elderly) OR (rehabilitation) OR (revovery) OR (satisfaction)

EBSCO

TITLE (happiness) AND ABSTRACT (mental disorders) OR (mental illness) OR (recovery) OR (psychiatry) TITLE (happiness) OR (wellbeing) OR (life satisfaction) AND ABSRACT (psychiatry) OR (inpatient)

BVS

TITLE (happiness) AND ABSTRACT (mental disorders) OR (mental illness) OR (mental health) OR (recovery)

Para a seleção dos estudos seguimos as guidelines PRISMA para a identificação, seleção, elegibilidade e inclusão dos estudos na RIL (Moher, Liberati, Tetzlaff, Altman, & Group, 2009). Cada artigo foi analisado por dois investigadores, de forma independente, com o objetivo de averiguar a concordância na seleção. Naqueles em que não havia concordância, o artigo era revisto por um terceiro investigador para se tomar uma decisão. Com a conjugação dos descritores e operadores referidos no Quadro 2, apurou-se uma amostra de 193 estudos, da qual se obteve uma amostra final de 7 que foram analisados (Fluxograma 1). Fluxograma 1 - Processo de seleção dos artigos

Elaboramos uma grelha de caracterização para descriminar os elementos mais relevantes de cada artigo, ou seja, uma síntese narrativa: título, autores, ano de publicação, país, caracterização dos participantes, desenho, instrumentos, perceção de felicidade, e por fim, os fatores que contribuem para elevar essa perceção e fatores que minimizam a perceção. RESULTADOS O país onde se publicaram mais estudos foi a Holanda (quatro). Os estudos foram publicados entre 2006 e 2014, embora não se encontrasse entre 2007-2009 e 2015-2016. A perceção de felicidade em pessoas com doença mental surge naturalmente acompanhada em muitos estudos, por um conjunto vasto de conceitos que permitem analisar a forma como as pessoas vivem no seu dia-a-dia (qualidade de vida, bem-estar, satisfação, etc.). Sistematizamos em quadros a informação mais relevante (Quadros 3 a 9). Quadro 3 - Dados do Estudo 1 Nº

Referência do artigo

1

“Defining Happiness for Young Adults with Schizophrenia: A Building Block for Recovery” (Buckland et al., 2014)

Participantes / Intervenção /País

Método / Recolha de dados

Participantes: 11 Média de idades 27 [23-25]. Habilitações: 6 com ensino secundário, 7 com estudos acima do ensino secundário. Intervenção a que são sujeitos: Serviços de saúde mental comunitária e grupos de autoajuda. País: EUA

Tipo de estudo: Estudo piloto descritivo. Método misto. Amostra de conveniência intencional por “bola de neve”. Análise interpretativa de conteúdo quantificando perceções. Três entrevistas semiestruturadas a cada participante (intervalo temporal de 6 semanas), com o referencial do conceito de reabilitação e utilizando o inquérito apreciativo.

Felicidade – Definição / Características definidoras / Dimensões Fatores que contribuem para a felicidade: Sentir ajuda de outras pessoas (categoria social e dimensão relacional); Desenhar (categoria cognitiva, propriedade criativa, dimensão individual); frequentar serviço religioso (categoria espiritual e social); ter namorada (categoria social); ter amigos (relações sociais), manter laços familiares; ser tratado como normal. Barreiras / fatores que contribuem para menorizar a felicidade: Medo (relacionado com a insegurança); isolamento; medicação (apesar de valorizada, provoca dificuldades em: estar alerta, iniciativa, controlar peso, compromisso com atividades agradáveis, ter um sentimento positivo em relação à sexualidade e autoestima, diminuição da libido, não ser considerado “normal” (estigma e auto estigma)).

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Quadro 4 - Dados do Estudo 2

Quadro 6 - Dados do Estudo 4

Referência do artigo

Referência do artigo

2

“Do They Know How Happy They Are? On the Value of Self-Rated Happiness of People With a Mental Disorder” (Bergsma et al., 2011)

4

“The happiness of people with a mental disorder in modern society” (Bergsma & Veenhoven, 2011b)

Participantes / Intervenção /País

Método / Recolha de dados

Participantes / Intervenção /País

Método / Recolha de dados

Participantes: 1135. Intervenção a que são sujeitos: nenhum programa clínico. País: Holanda

Tipo de estudo: Prospetivo com avaliação aos 0, aos 12 e aos 36 meses (coorte). Instrumentos quantitativos: Perceção da felicidade (1 item SF 36); Bem-estar mental (General Health Questionnaire (GHQ-12)); Lócus de Control (Mastery Scale); Neuroticismo (Groninger Neuroticism Questionnaire); Autoestima (Rosenberg Self-esteem Scale)

Participantes: 7076. Idade 18-64 anos. Intervenção a que são sujeitos: nenhuma País: Holanda

Tipo de estudo: Quantitativo, transversal Instrumentos: Perceção da felicidade (1 item do SF 36).

Felicidade – Definição / Características definidoras Fatores que contribuem para a felicidade: - Não ter perturbação mental (nem como estado num determinando momento, nem como diagnóstico único ou associado); Menores problemas psicológicos; Mais autoestima, estabilidade emocional, ter controlo e satisfação com a sua vida, recreação social, sentir-se com energia, satisfação com a sua família; Receber uma remuneração pelo trabalho. Barreiras / fatores que contribuem para menorizar a felicidade: - Ter perturbação mental (perturbação do humor, da ansiedade e abuso de substâncias); Duplo diagnóstico; Maior número de episódios de perturbação mental (mais crónicos).

Quadro 5 - Dados do Estudo 3 Nº

Referência do artigo

3

“Wellness within illness: Happiness in schizophrenia” (Palmer et al., 2014)

Participantes / Intervenção /País

Método / Recolha de dados

Participantes: 1º grupo: 72 utentes (54,2% mulheres); Média de idade 50,1 anos [23-70]; média de 24,4 anos de doença; Média de idade de aparecimento da doença 25,8 anos; 2º grupo: 64 (não doentes); média de idade de 50,7 anos; Intervenção a que são sujeitos: Seguidos em estruturas de apoio ambulatório País: EUA

Tipo de estudo: Comparativo, transversal, correlacional Instrumentos: Percepção de felicidade: (4 questões / CES-D); Severidade da psicopatologia (Positive and Negative Symptoms Scales / Brief Symptom Inventory-Anxiety subscale (BSI-A)); Qualidade de vida (SF 36); Impacto das comorbilidades (Cumulative Illness Rating Scale for Geriatrics (CIRS-G)); Perceção de stress (Perceived Stress Scale); Resiliência (Hardy–Gill Resilience Scale (HGRS)); Otimismo (Life Orientation Test-Revised (LOT-R)); Suporte social (Duke Social Support Index (DSSI)); Lócus de controlo (Personal Mastery Scale (PMS)); Atitude face ao envelhecimento (Philadelphia Geriatric Center (PGC)); Experiência espiritual (Brief Multidimensional Measure of Religiousness/Spirituality (BMMRS)); Cognição (Telephone Interview for Cognitive Status-Modified)

Felicidade – Definição / Características definidoras Fatores que contribuem para a felicidade: - Fatores de suporte psicossocial Barreiras / fatores que contribuem para menorizar a felicidade: - Ter doença mental

Quadro 7 - Dados do Estudo 5 Nº

Referência do artigo

5

“Happiness and Related Remission in Patients with Antisocial Personality Disorder” (Martens, 2006)

Participantes / Intervenção /País

Método / Recolha de dados

Participantes: 1 Tipo de estudo: Estudo de caso Intervenção a que é sujeito: Instrumentos: Unidade de psiquiatria forense País: Holanda Felicidade – Definição / Características definidoras - Ter capacidades para interação social Fatores que contribuem para a felicidade: - Aumento da capacidade / atitudes emocionais e desenvolvimento moral; Acabar o ensino básico; Ajuda neurobiológica para o controlo de impulsos e terapia cognitiva; Aumentar as competências sociais (para menorizar isolamento); Relaxamento e privacidade; Bem-estar espiritual. Barreiras / fatores que contribuem para menorizar a felicidade: - Tédio, solidão (tornaram-no primitivo, violento e selvagem); Isolamento social. - Atitudes desviantes e disfunção socio emocional (desconfiança, mente fechada, falta de empatia, indiferença).

Felicidade – Definição / Características definidoras Fatores que contribuem para a felicidade: - Fatores psicossociais (Melhor perceção da qualidade de vida; maiores níveis de resiliência no que se refere ao traço e a eventos de vida, otimismo e melhor lócus de controlo). Barreiras / fatores que contribuem para menorizar a felicidade: - Perceção de maior stress. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 49


Quadro 8 - Dados do Estudo 6 Nº

Referência do artigo

6

“A Survey on the role of religious orientation, mental health and happiness in the senile people” (Homayouni, 2010)

Participantes / Intervenção /País

Método / Recolha de dados

Participantes: 80 Intervenção: Não referem País: Irão

Tipo de estudo: Correlacional; amostra randomizada. Instrumentos: Orientação religiosa (Allport´s religious orientation scale (AROS)); Felicidade (Argyle´s happiness inventory (AHI)); Saúde Mental (General Health Questionnaire (GHQ)).

Felicidade – Definição / Características definidoras - Associado à religiosidade. Fatores que contribuem para a felicidade: - Ter maior religiosidade intrínseca contribui para a esperança e felicidade em todos os momentos da vida. Barreiras / fatores que contribuem para menorizar a felicidade: - Componentes da doença mental

Quadro 9 - Dados do Estudo 7 Nº

Referência do artigo

7

“Happiness in first-episode schizophrenia” (Agid et al., 2012)

Participantes / Intervenção /País

Método / Recolha de dados

“Happiness in firstepisode schizophrenia” (Agid et al., 2012) Participantes: 31 (doentes), Média de idade de 24,4 anos [18-35]; 29 (controlos) Intervenção: Unidade de 1º episódio de esquizofrenia País: Canadá

Tipo de estudo: Misto. Comparativo, randomizado, de autorrelato Instrumentos: Sintomas da esquizofrenia (Positive and Negative Syndrome Scale for Schizophrenia (PANSS) / Clinical Global Impression scale (CGI)) ; Depressão (Calgary Depression Scale (CDS)); Insigth (Schedule for Assessment of Insight (SAI)); Cognição (Brief Assessment of Cognition in Schizophrenia, version 3.0 (BACS)), Felicidade (Subjective Happiness Scale (SHS); Satisfação com a vida (Satisfaction with Life Scale (SWLS); Funcionalidade (Social Functioning Scale (SFS)

Felicidade – Definição / Características definidoras Fatores que contribuem para a felicidade: - Mais satisfação com a vida, melhor funcionamento social e ocupacional; Performance independente e relações interpessoais. Barreiras / fatores que contribuem para menorizar a felicidade: - Depressão, sintomas negativos.

DISCUSSÃO Os estudos foram realizados na Holanda (três), nos EUA (dois), Irão e Canadá (um), maioritariamente de natureza quantitativa. Quanto aos participantes, as amostras são díspares, desde 1 até 7076 participantes.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 50

Os estudos onde as amostras têm maior dimensão, são de base populacional alargada, com apuramento daqueles que se podiam incluir nos critérios de perturbação mental. O estudo com mais pessoas identificadas com doença mental foi o estudo de Palmer e colaboradores (Palmer et al., 2014) no qual foram entrevistados 72 doentes de unidades de apoio ambulatório. Em apenas dois estudos, verificamos que a idade média dos participantes era inferior a 30 anos (Agid et al., 2012; Buckland et al., 2014) e estes, estavam a ser acompanhados em unidades de apoio a pessoas com esquizofrenia. Nesta faixa etária, os dados apontam perceções numa fase inicial da doença, associadas a mais esperança e espectativas, com repercussão positiva na sua qualidade de vida e funcionalidade (Kaplan et al., 2012). Sobre a perceção de felicidade das pessoas com doença mental, a contribuição dos estudos para a definição do conceito e as suas características definidoras, é reduzida. Em nenhum dos estudos, se encontra uma definição aprofundada do conceito, expressa pelos participantes. Em apenas um dos estudos (com a perceção de um participante) a felicidade é definida como ter “capacidade para interação social” (Martens, 2006). Outro, não definindo o conceito, evidencia que felicidade é intrinsecamente relacionada com a religiosidade (Homayouni, 2010). O facto de os resultados não nos aproximarem de uma definição conceptual, surge na linha da dificuldade identificada noutros estudos (Ferraz et al., 2007) mas, dá suporte aos que defendem que felicidade depende menos de eventos efémeros e externos mas reforça-se com fatores duradouros e de uma dimensão mais interior e predeterminada previamente à doença (Palmer et al., 2014). Na análise interpretativa, relativa aos fatores que contribuem para perceção da felicidade, é clara a abordagem na dualidade social (Dubar, 2006; Goodson, 2008). Assim, os artigos sustentam os resultados entre duas transações, uma subjetiva, mais relacionada com o self, ou com o individuo na relação consigo próprio, na forma de se capacitar para a relação com os outros e outra, relacional, em múltiplos contextos sociais de trabalho, família, religião etc. Sobre os fatores que contribuem para aumentar a perceção de felicidade, sistematizamos em diferentes dimensões.


Na dimensão pessoal: não ter perturbação mental, ter menos problemas psicológicos, mais autoestima (Bergsma et al., 2011), estabilidade emocional (Bergsma et al., 2011; Martens, 2006), controlo e satisfação com a sua vida (Agid et al., 2012; Bergsma et al., 2011), sentir-se com energia (Bergsma et al., 2011), mais resiliência, mais otimismo e locus de controlo (Palmer et al., 2014), bem-estar espiritual e desenvolvimento moral (Martens, 2006), relaxamento (Martens, 2006), religiosidade intrínseca (Homayouni, 2010), atividades de base recreativa como desenhar (Buckland et al., 2014). Na dimensão interpessoal / relacional apuramos fatores de três categorias. Fatores relacionados com a família, como a manutenção de laços efetivos (Bergsma et al., 2011; Buckland et al., 2014). Fatores relacionados com suporte social alargado: sentir ajuda por parte de outras pessoas (Buckland et al., 2014), suporte psicossocial profissional (Bergsma & Veenhoven, 2011b), ajuda neurobiológica para o controlo de impulsos e terapia cognitiva (Martens, 2006), ser tratado como normal (Bergsma & Veenhoven, 2011b; Buckland et al., 2014), ter amigos (Buckland et al., 2014), interação social e ocupacional (Agid et al., 2012), receber uma remuneração pelo trabalho (Bergsma et al., 2011), treino de capacidades sociais, estudos básicos, privacidade (Martens, 2006). Fatores a nível afetivo: ter namorada (Buckland et al., 2014). O contributo para a felicidade emerge essencialmente na dimensão interpessoal, tal como noutros estudos, associado a um suporte alargado (Ferraz et al., 2007; WHO, 2011). Sobre os fatores que contribuem para menorizar a felicidade, utilizando as mesmas categorias, destaca-se na dimensão pessoal: a medicação que apesar de valorizada, surge associada a várias dificuldades (estar alerta, ter iniciativa, controlar peso, compromisso com atividades agradáveis, sentimento positivo em relação à sexualidade e autoestima, diminuição da libido). A toma da medicação surge associada ainda ao medo de não ser considerado “normal” (Buckland et al., 2014). Os outros fatores identificados foram, ter perturbação mental ou duplo diagnóstico associado (Bergsma & Veenhoven, 2011b; Bergsma et al., 2011; Homayouni, 2010), cronicidade da perturbação mental (Bergsma et al., 2011), perceção de maior stress (Palmer et al., 2014), depressão, sintomas negativos (Agid et al., 2012).

Na dimensão interpessoal / relacional, surgiram fatores relacionados com suporte social alargado nomeadamente o medo (relacionado com a insegurança), solidão e isolamento (Buckland et al., 2014; Martens, 2006), ausência de atividades ocupacionais e disfunção social (Martens, 2006). Fatores a nível afetivo: disfunção emocional (Martens, 2006). Não se apuraram fatores a relacionados com a família. Sobre os aspetos que menorizam a felicidade, evidenciam-se mais aspetos do domínio pessoal, que interpessoal, aproximando esta discussão do que alguns autores defendem, que a perceção de felicidade tem maioritariamente uma essência pessoal, individual, mais da forma como a pessoa vivencia os acontecimentos de vida, e menos de eventos pontuais e exteriores (Ferraz et al., 2007; Palmer et al., 2014). O acesso ou a falta de apoio igualmente não emergiram como fatores promotores de menor felicidade (Bergsma et al., 2011), embora a sintomatologia ou mesmo a patologia mental é fator determinante para esta menor perceção (Buckland et al., 2014). Sistematizando os estudos apresenta valores muitos semelhantes de felicidade e satisfação com a vida em geral, embora ligeiramente superiores naqueles sem doença (Bergsma et al., 2011; Martens, 2006; Palmer et al., 2014), apontando para o facto de esta diferença não estar na psicopatologia mas em factos da vida, diminuindo sim, quando é menor a resiliência (Palmer et al., 2014). Esta resiliência surge como determinante para mais saúde mental, promotora de bem-estar e protetora para aqueles que têm doença mental (Aburn, Gott, & Hoare, 2016). Por vezes, conclui-se que a falta de insight pode levar a assinalar valores injustificáveis, mas não há consenso sobre esta afirmação. Enquanto fator protetor para agudização ou cronicidade da pessoa com perturbação, a felicidade pode ser um fator preditivo pois, contribui para diminuir essa possibilidade, contribui para o recovery (Agid et al., 2012; Bergsma et al., 2011; Martens, 2006). Verifica-se igualmente que é nas pessoas com perturbação do humor, que a felicidade é normalmente mais baixa (Bergsma & Veenhoven, 2011b).

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CONCLUSÃO A diferença da perceção de felicidade entre pessoas com ou sem perturbação mental é, em muitos estudos, pequena e sem significado estatístico, embora, nesta RIL se apure diferenças entre 2,7% e os 27%, superior naqueles sem perturbação. As condições necessárias para a felicidade também se assemelham, o que deve ser enquadrado na perspetiva que a diferença não está na psicopatologia, mas em factos da vida. Em alguns estudos não se verificam diferenças consoante variáveis socio demográficas, duração da doença, severidade dos sintomas positivos e negativos, função física, comorbilidades e funcionamento cognitivo. A felicidade aumenta a capacidade social, emocional e moral. As pessoas com doença mental sentem-se mais felizes se tiverem as características associadas a uma boa saúde mental, têm uma perceção positiva da felicidade. Sobre os fatores que condicionam de forma negativa a perceção da felicidade, salientam-se as transações subjetivas e os fatores inerentes à própria doença, como a medicação, os sintomas negativos, o estigma e a autoestima. Apesar do número reduzido de estudos sobre a temática, os dados apontam para que mesmo com doença, os que vivem na comunidade tem valores superiores de felicidade. Esta RIL contribui para o debate acerca do estudo de um fenómeno, subjetivo e de difícil definição em qualquer grupo populacional. A felicidade está interligada à vivência social e ao bem-estar, à resiliência, a fatores protetores internos da própria pessoa. Defende-se que a intervenção profissional deve promover melhor interação social, recursos associados a realização pessoal com o próprio, apoio familiar e emocional, apoio medicamentoso mas, principalmente promover suporte social alargado. Suporte social não muito diferente de qualquer outro grupo populacional sem doença mental. Sobre a fiabilidade dos estudos sobre este conceito subjetivo, devido a falta de insight que em algumas situações podem levar as pessoas a assinalar valores injustificáveis, estes achados sugerem-nos que nos doentes, o funcionamento cognitivo e o insight, não tiveram efeito nos ratings de felicidade. Aliás, os dados apontam para que não seja necessário excluir as pessoas com perturbação, dos estudos da felicidade na população em geral, porque as medidas podem ser as mesmas. São limitações desta RIL a dificuldade de sistematizar dados de alguns dos estudos principalmente relacionados com a percentagem dos participantes com doença mental. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 52

Os instrumentos utilizados foram de tal maneira díspares, que é difícil fazer comparação de dados. Não se apuraram estudos sobre esta temática em pessoas com doença crónica de evolução prolongada e institucionalizadas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aburn, G., Gott, M., & Hoare, K. (2016). What is resilience? An integrative review of the empirical literature. Jounal of Advanced Nursing, 72(5), 980-1000. doi: 10.1111/jan.12888 Agid, O., McDonald, K., Siu, C., Tsoutsoulas, C., Wass, C., Zipursky, R. B., Foussias, G., & Remington, G. (2012). Happiness in first-episode schizophrenia. Schizophrenia Research, 141(1), 98-103. doi: 10.1016/j. schres.2012.07.012 Bergsma, A., & Veenhoven, R. (2011a). The happiness of people with a mental disorder in modern society. Psychology of Well-Being: Theory, Research and Practice, 1(1), 2. doi: 10.1186/2211-1522-1-2 Bergsma, A., & Veenhoven, R. (2011b). The happiness of people with a mental disorder in modern society. Psychology of Well-Being: Theory, Research and Practice, 1(1), 2. doi: 10.1186/2211-1522-1-2 Bergsma, A., Veenhoven, R., Have, M., & de Graaf, R. (2011). Do they know how happy they are? On the value of self-rated happiness of people with a mental disorder. Journal of Happiness Studies, 12(5), 793-806. doi: 10.1007/s10902-010-9227-5 Buckland, H., Schepp, K., & Crusoe, K. (2014). Defining happiness for young adults with schizophrenia: A building block for recovery. Archives of Psychiatric Nursing, 27(5), 235-240. doi: 10.1016/j.apnu.2013.07.002 Dubar, C. (2006). A crise das Identidades: A Interpretação de uma mutação. Porto: Afrontamento. Ferraz, R., Tavares, H., e Zilberman, M. (2007). Felicidade: Uma revisão. Revista de Psiquiatria Clínica, 34(5), 234-242. Goodson, I. (2008). Conhecimento e vida profissional estudos sobre educação e mudança. Porto: Porto Editora.


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Artigo de Revisão

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Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0202

EFICÁCIA DOS PROGRAMAS PSICOEDUCACIONAIS NA SOBRECARGA NOS FAMILIARES CUIDADORES DE PESSOAS COM DEMÊNCIA: REVISÃO INTEGRATIVA | Mafalda Silva1; Luís Sá2; Lia Sousa3 |

RESUMO CONTEXTO: As demências causam grande impacto no seio familiar, aumentando a sobrecarga emocional, de todos os membros do agregado familiar, mas principalmente do cuidador e gerando conflitos na dinâmica familiar. Como tal, torna-se emergente a necessidade de implementação de programas de apoio para os cuidadores familiares. OBJETIVO: Avaliar qual a eficácia dos programas psicoeducacionais na sobrecarga dos cuidadores de pessoas com demência. MÉTODOS: Revisão integrativa da literatura sobre programas psicoeducacionais para cuidadores, publicados entre janeiro de 2010 e dezembro de 2015 nas bases de dados PubMed e b-on, utilizando as seguintes palavras-chave: “psychoeducation, dementia, caregiver, burden”, “psicoeducação, cuidador, demência, sobrecarga”. RESULTADOS: Foram analisados 9 artigos que avaliam os efeitos da aplicação de um programa psicoeducacional na sobrecarga dos familiares de cuidadores de pacientes com demência. Verifica-se que existe uma melhoria substancial do bem-estar dos cuidadores; um aumento da aquisição de estratégias de resolução de problemas e de técnicas de gestão de stress; aumento do conhecimento acerca dos recursos na comunidade e de como lidar com situações de crise nas diferentes fases da doença. CONCLUSÃO: Os resultados sugerem que a aplicação de programas psicoeducacionais em cuidadores familiares de pessoas com demência tem resultados positivos na sobrecarga do cuidador e na melhoria do seu bem-estar. PALAVRAS-CHAVE: Cuidadores familiares; Demência; Sobrecarga; Psicoeducação

RESUMEN

ABSTRACT

“Efectividad de los programas psicoeducativos en la carga de los cuidadores de personas con demencia de la familia: Una revisión integradora”

“Efficacy of psychoeducational programs in the overload of family caregivers of people with dementia: Integrative review”

CONTEXTO: Las demencias causan gran impacto en el seno familiar, aumentando la sobrecarga emocional, de todos los miembros del hogar, pero principalmente del cuidador y generando conflictos en la dinámica familiar. Como tal, se hace emergente la necesidad de implementar programas de apoyo para los cuidadores familiares. Se entiende por sobrecarga del cuidador un conjunto de problemas físicos, psicológicos, emocionales, sociales y financieros experimentados por cuidadores de pacientes con algún tipo de compromiso. OBJETIVO: Evaluar cuál es la eficacia de los programas psicoeducativos en la sobrecarga de los cuidadores de personas con demencia. MÉTODOS: Revisión integrada de artículos sobre la literatura programas psicoeducativo para cuidadores, publicados entre enero de 2010 y diciembre de 2015, PubMed y b-On, utilizando las siguientes palabras: “psicoeducación, la demencia, el cuidador, carga” “psicoeducación, cuidador, la demencia, la sobrecarga”. RESULTADOS: Se analizaron 9 artículos que evalúan los efectos de la aplicación de un programa psicoeducativo en la sobrecarga de los familiares de cuidadores de pacientes con demencia. Parece que hay una mejora sustancial del bienestar de los cuidadores; un aumento en la adquisición de estrategias de resolución de problemas y técnicas de manejo del estrés; un mayor conocimiento acerca de los recursos de la comunidad y cómo hacer frente a situaciones de crisis en las diferentes etapas de la enfermedad. CONCLUSIÓN: Los resultados sugieren que la aplicación de programas psicoeducativos en cuidadores familiares de personas con demencia tiene resultados positivos en la sobrecarga del cuidador y en la mejora de su bienestar.

DESCRIPTORES: Cuidadores familiares; Demencia; Sobrecarga; Psicoeducación

BACKGROUND: Dementias have a major impact on the family, increasing the emotional overload of all household members, but mainly the caregiver and generating conflicts in the family dynamics. As such, the need to implement support programs for family caregivers emerges. Caregiver overload is understood as a set of physical, psychological, emotional, social and financial problems experienced by caregivers of patients with some type of impairment. AIM: To evaluate the effectiveness of psychoeducational programs in the overload of caregivers of people with dementia. METHODS: Integrative review of the literature on psychoeducational programs for caregivers, published between January 2010 and December 2015 in the PubMed and b-on databases, using the following keywords: “psychoeducation, dementia, caregiver, burden”. RESULTS: We analyzed 9 articles that evaluate the effects of the application of a psychoeducational program on the overload of family members of caregivers of patients with dementia. There is a substantial improvement in the well-being of caregivers; An increase in the acquisition of problemsolving strategies and stress-management techniques; Increase knowledge about resources in the community and how to deal with crisis situations in the different phases of the disease. CONCLUSION: The results suggest that the application of psychoeducational programs in family caregivers of people with dementia has positive results in the caregiver’s overload and in the improvement of their wellbeing.

KEYWORDS: Family caregivers; Dementia; Burden; Psychoeducation Submetido em 30-09-2017 Aceite em 22-01-2018

1 Doutoranda na Universidade Católica Portuguesa, Instituto de Ciências da Saúde – Porto, Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde, Assistente na Escola Superior de Saúde de Santa Maria, mafaldassilva@hotmail.com 2 Professor Auxiliar na Universidade Católica Portuguesa, Instituto de Ciências da Saúde – Porto, Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde, lsa@porto.ucp.pt 3 Doutoranda em Ciências de Enfermagem na Universidade do Porto, ICBAS; Enfermeira especialista e Mestre em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Assistente Convidada na Escola Superior de Enfermagem do Porto; Investigadora no CINTESIS; Enfermeira no Centro Hospitalar de São João, liasousa_27@hotmail.com Citação: Silva, M., Sá, L., & Sousa, L. (2018). Eficácia dos programas psicoeducacionais na sobrecarga nos familiares cuidadores de pessoas com demência: Revisão integrativa. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (19), 54-60. doi: 10.19131/rpesm.0202 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 54


INTRODUÇÃO A incidência da demência a nível global tem aumentado exponencialmente ao longo das últimas décadas. A nível mundial, prevê-se que em 2050 existam 115,4 milhões de pessoas com demência (HelpAge International, 2017). A demência (transtorno neurocognitivo major) é uma síndrome, que implica deterioração da cognição, alterações do comportamento e prejuízo funcional (American Psychiatric Association, 2013). Apesar do caracter progressivo da demência é necessário continuar a estimular o envolvimento das pessoas afetadas nas atividades de vida diária, de forma a manter as suas capacidades o maior tempo possível. Atualmente, a maioria das pessoas com demência são cuidadas pelos familiares, o que acarreta sobrecarga física, emocional, social e económica (American Psychiatric Association, 2013), por isso é urgente implementar programas de apoio para os cuidadores familiares de pessoas com demência a residir no domicílio. A sobrecarga do cuidador entende-se como um conjunto de problemas físicos, psicológicos, emocionais, sociais e financeiros, experienciados por cuidadores de pacientes com algum tipo de comprometimento comprometendo a capacidade para lidar com o paciente. A saúde mental dos cuidadores familiares tende a ser afetada, aumentam os sentimentos de desesperança, quadros depressivos e irritabilidade emocional que advém da necessidade de prestarem cuidados diariamente (Marques, 2007). Atualmente, a psicoeducação tem assumido especial destaque na intervenção com cuidadores familiares. As intervenções psicoeducativas visam dotar os cuidadores de conhecimentos e capacidades para cuidar e a sua implementação tem vindo a demostrando uma diminuição da sobrecarga emocional, física, um aumento substancial do conhecimento da doença e de estratégias para lidar com a sintomatologia da pessoa com demência (Cardoso, 2011). A psicoeducação integra uma componente educativa e de suporte, numa perspetiva multidisciplinar caracterizando-se por ser delimitada no tempo, estruturada em sessões, focada na atualidade e na técnica de resolução dos problemas, incide principalmente na literacia sobre a demência, sobre os sinais e sintomas, diagnóstico, etiologia, prognóstico, tratamentos farmacológicos e não farmacológicos, retardamento da institucionalização e apoios sociais (Sousa, Mendes, e Relvas 2007).

O objetivo deste estudo foi avaliar qual a eficácia dos programas de psicoeducação na sobrecarga dos cuidadores de pessoas com demência. MÉTODOS O método utilizado foi a revisão integrativa da literatura, de acordo com os passos sugeridos por Mendes, Silveira e Galvão (2008). Com a revisão procurou-se responder à pergunta “Qual a eficácia dos programas psicoeducacionais na sobrecarga dos cuidadores de pessoas com demência?”. Utilizaram-se as seguintes palavras-chave: psychoeducation, family caregivers, burden, dementia e os respetivos termos em Português. Os estudos foram pesquisados nas bases de dados PubMed e b-on. Na base de dados Pubmed foram utilizadas as seguintes combinações: (psychoeducational[All Fields] AND (“family caregivers”[MeSH Terms] OR “family caregivers”[All Fields]) AND burden[All Fields] AND (“dementia”[MeSH Terms] OR “dementia”[All Fields])) AND (“loattrfree full text”[sb] AND “2010/12/08”[PDat] : “2015/12/06”[PDat] AND (English[lang] OR Portuguese[lang]) AND (medline[sb] OR jsubsetn[text])). Os critérios de inclusão foram: artigos publicados entre 2010 e 2015, em língua portuguesa e inglesa, revisões sistemáticas relevantes para o estudo da problemática, artigos originais e randomizados publicados entre 2010 e 2015 e disponíveis em free full text. Os artigos foram lidos na íntegra e analisados segundo os objetivos, tipo de estudo, amostragem e os resultados obtidos. Foram excluídos os artigos relativos a estudos de caso, relato de experiências, estudos de intervenções psicoeducacionais aplicados em outros diagnósticos e, após a leitura na íntegra dos artigos, foram excluídos os artigos que não apresentavam o programa estruturado nem os instrumentos utilizados. RESULTADOS Foram encontrados 6 artigos na base PubMed e 3 artigos na b-on, tendo sido incluídos 9 artigos, de acordo com os critérios de inclusão estabelecidos. Os estudos encontrados (n=9) apresentaram características diferentes quanto aos modelos teóricos e metodológicos utilizados, no entanto, verifica-se a utilização frequente das abordagens teóricas de Lazarus e Folkman (1984). Na Fig. 1 apresentamos a seleção de estudos realizada segundo os critérios de inclusão estabelecidos.

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Figura 1 - Seleção dos estudos publicados sobre intervenções psicoeducacionais em cuidadores de pacientes com demência 123 estudos identificados (99 B -­on e 24 PubMed) Após leitura do título

106 estudos seleccionados (99 B-­on e 6 PubMed)

Após leitura dos resumos

65 estudos preencheram critérios de inclusão (58 B-­on e 6 PubMed)

Da pesquisa realizada foram identificados 9 estudos (n= 3 em Portugal; n=1 Brasil; n= 1 Hong Kong; n=1 Canadá, n=1 Perú, n=1 Reino Unido e por último n=1 proveniente da Alemanha, Suíça e Áustria). Estes apresentam diferentes objetivos, de forma, a estudar a sobrecarga nos cuidadores, embora alguns estudos incluam a díade cuidador-paciente. Relativamente às metodologias utilizadas são estudos quantitativos com a aplicação de diferentes instrumentos de avaliação. Quanto à duração das sessões é variável, de acordo, com os conteúdos programáticos que foram transmitidos. Os artigos identificados encontram-se detalhados no Quadro 1.

Após leitura na íntegra dos artigos

62 artigos incluídos (55 B-­on e 6 PubMed)

Excluídos o s a rtigos que não apresentavam o programa estruturado nem os instrumentos utilizados.

9 artigos incluídos (3 B-­on e 6 PubMed)

Quadro 1 -Artigos Incluídos na Revisão Autor(es) (Ano)

Origem

Objetivos

População / amostra

Método

Instrumentos

Tipo de Resultados: intervenção Demonstra/ Duração ção da eficácia do programa

Alves, Brandão, Teixeira, Azevedo, Duarte, Ribeiro e Paúl (2015)

Portugal (Cuidar em Casa)

Avaliar a 53 Cuidadores saúde física e mental, sobrecarga, distress psicológico e gratificação;

Estudo clínico randomizado controlado

Informação sociodemográfica; Medical Outcomes Survey -Short-Form 12 Health Survey; Modified Caregiver Strain Index; Escala dos Aspetos Positivos do Cuidar; General Health Questionnaire.

7 Sessões semanais de 120 minutos cada Total de 14h.

Diminuição do stress psicológico;

Pereira, F. (2015)

Portugal Reduzir os (CUIDA) níveis de sobrecarga do cuidador;

Entre 8 e 16 díades de cuidadores e Paciente

Estudo clínico randomizado controlado

Cuidador: Informação Biográfica; Escala de Zarit; Questionário de Necessidades Paciente: Escala de Barthel; Indice de Lawton e Brody; Mini Mental Scale; Global Deterioration Scale.

8 Sessões de 180 minutos semanais.

Sobrecarga aumenta com a evolução da doença.

Livingston, G., Barber, J., Rapaport, P., Knapp, M., Griffin, M., King, D., & Cooper, C (2013)

Reino Unido (Programa START)

Avaliar a ansiedade e depressão no cuidador.

260 Cuidadores

Estudo clínico randomizado controlado

Hospital anxiety and depression scale; Health status questionnaire mental health domain; Quality of life Alzheimer’ s disease; Modified conflict tactics scale.

8 Sessões semanais/ 90 minutos.

Melhoria na qualidade de vida dos cuidadores;

Ducharme, Lachance, Lévesque, Kergoat, & Zarit (2012)

Canadá

Estudar os efeitos positivos da aplicação do programa;

97 Cuidadores

Estudo clínico randomizado controlado

8-item Preparedness for Caregiving Scale; Self-Efficacy Scale; Revised Scale for Caregiving Self-Efficacy; Planning for Future Care Needs Scale; Knowledge of Services Scale; The Carers’ Assessment of Managing Index; 27-item Inventory of Socially Supportive Behaviors; The Family Caregiver Conflict Scale; Psychological Distress Index.

7 Sessões individuais/ semanais com duração de 90min.

Melhoria pouco significativa nos indicadores de saúde do cuidador e qualidade de vida;

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Lopes e Cachioni (2012)

Brasil

Avaliar o impacto do programa para cuidadores de pessoas com demência, relacionando com o bem-estar subjetivo.

21 Cuidadores

Estudo clínico randomizado controlado

Ficha de caracterização sociodemográfica; Escala de satisfação geral com a vida; Escala de ânimo positivo e negativo; Escala de depressão geriátrica.

Entrevistas antes e depois da aplicação do programa; 15 Sessões

Wang, & Chien (2011)

Hong Kong (Family Mutual Support Program in Dementia)

Desenvolver competências de resolução de problemas familiares.

80 Pacientes

Estudo clínico randomizado controlado

Family Caregiving Burden Inventory; World Health Organization Quality of Life Measure, Abbreviated version; Six-item Social Support Questionnaire; MMS-E.

8 Sessões Melhoria quinzenais de significativa na 120 minutos. sobrecarga e na qualidade de vida; Atraso na deterioração física e cognitiva dos pacientes e melhoria no suporte social.

Guerra, Ferri, Fonseca, Banerjee, e Prince (2010)

Peru Helping carers to care: the 10/66 dementia research group’s

Testar a 58 Cuidadores efetividade do programa de intervenção.

Estudo clínico randomizado controlado

Cuidador: Zarit Burden Interview, psychological distress, quality of life. Paciente: scales assessing behavioral and psychological symptoms (NPIQ), quality of life (DEMQOL).

5 Semanas com sessões semanais de 30 min.

Kurz, Wagenpfeil, Johannes, SchneiderSchelte, & Jansen (2010)

Alemanha, Suíça e Áustria

Transmitir informação sobre a Doença de Alzheimer

Estudo Entrevista de aconselhamento não clínico estruturada; randomizado controlado

Deutsche Alzheimer Gesellschaft DAG)

292 Cuidadores

Impacto positivo no bem-estar subjetivo, na satisfação geral com a vida, no envolvimento social e no equilíbrio entre afetos positivos e negativos.

Diminuição da sobrecarga;

7 Sessões Melhoria não quinzenais de significativa na 90 min cada qualidade de vida psicológica dos cuidadores; Ausência de efeito na depressão e nº de internamentos.

DISCUSSÃO A maioria dos programas avaliados apresentam resultados positivos relativamente à diminuição da sobrecarga dos cuidadores de pessoas com demência após a intervenção psicoeducacional. Nos estudos realizados por Ducharme, Lachance, Lévesque, Kergoat e Zarit (2012) referem que para promoção da saúde mental dos cuidadores é imperioso adequar as intervenções como a avaliação cognitiva do stress, uso de estratégias de resolução de problemas, gestão de stress e sintomatologia. Através do estudo realizado verificou-se uma melhoria pouco significativa nos indicadores de saúde do cuidador. Segundo Guerra, Ferri, Fonseca, Banerjee e Prince (2010) os resultados observados mostraram uma diminuição na sobrecarga, no entanto, não evidenciaram diferenças na qualidade de vida dos cuidadores e pacientes. A Associação Alemã de Alzheimer (Deutsche Alzheimer Gesellschaft - DAG) baseou o seu programa em intervenções breves na vertente educativa e na técnica de resolução de problemas. Verificamos que no estudo realizado o efeito da intervenção é pequeno na qualidade de vida psicológica dos cuidadores não refletindo qualquer efeito na diminuição da sintomatologia depressiva dos cuidadores, assim como, a admissão em lares e o número de internamentos aumentou no grupo de intervenção. Verifica-se neste estudo uma melhoria do estado psicológico dos cuidadores não sendo possível atribuir fatores específicos, remetendo-nos para o suporte social fornecido. O programa Family Mutual Support Program in Dementia foi desenvolvido para 80 pacientes chineses residentes em Hong Kong e seus cuidadores, com especial atenção nos aspetos culturais e valores, os cuidadores mais experientes são os formadores dos novos cuidadores. Neste estudo verificou-se uma melhoria significativa na sobrecarga e na qualidade de vida dos cuidadores, atraso na deterioração física e cognitiva dos pacientes e melhoria no suporte social. O START – Strategies for Relatives, é um programa implementado no Reino Unido por psicólogos sem experiência clínica e individualmente, de forma a melhorar o encontro com os cuidadores, durante as sessões e diminuindo os custos do programa. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 57


Os resultados do programa START foram estatisticamente significativos, detetou-se diminuição do número de casos clínicos de depressão e diminuição dos níveis de ansiedade e, por conseguinte, melhoria na qualidade de vida dos cuidadores e diminuição dos comportamentos abusivos do cuidado. O programa psicoeducacional de apoio a cuidadores de doentes com demência – CUIDA foi realizado no âmbito da tese de doutoramento de Pereira (2015) verificou-se que a sobrecarga aumenta com o estadio da doença onde existe um agravamento da sintomatologia, como as alterações comportamentais e psicológicas e a perda de autonomia. O programa psicoeducacional desenvolvido por Lopes e Cachioni (2012), no Brasil, de forma a avaliar o impacto deste programa para cuidadores familiares de pacientes com demência, relacionando com o bemestar subjetivo. Verificamos que após a aplicação do programa os cuidadores apresentaram satisfação de um modo geral com a vida e socialmente. Detetou-se que os rendimentos auferidos pelo agregado familiar estão interligados à satisfação geral com a vida, bem como, o sexo, género, parentesco, rendimentos, idade e tempo disponibilizado para o cuidar. Obteve-se um impacto positivo no bem-estar subjetivo, na satisfação geral com a vida, no envolvimento social e no equilíbrio entre afetos positivos e negativos. Segundo as variáveis estudadas verifica-se que em relação ao género, os cuidadores masculinos tiveram um aumento na satisfação geral com a vida, a nível social e dos afetos positivos com diminuição da sintomatologia depressiva. Por outro lado, as mulheres beneficiaram do aumento da satisfação com a capacidade mental e dos afetos positivos após a intervenção. Quanto à variável idade os cuidadores do sexo masculino foram os que mais beneficiaram, com idade inferior a 60 anos, os filhos e outros parentes (como irmãos, sobrinhos e netos), os cuidadores com menores rendimentos e os que cuidavam há mais de 12 meses. As diferenças entre os graus de parentesco de relação cuidador/idoso mostraram que os filhos aumentaram a satisfação geral com a vida, saúde, capacidade mental, envolvimento social e aumento dos afetos positivos, no entanto houve diminuição da satisfação com a capacidade física. Já os cuidadores cônjuges foram os que menos beneficiaram pois verificou-se alterações somente na satisfação a nível social. Os cuidadores com rendimentos baixos estão mais adaptados fazendo face aos problemas de uma forma mais eficaz verificandose melhoria na capacidade mental, envolvimento social e aumento dos afetos positivos, devido às informações fornecidas e ao suporte social que antes não possuíam. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 58

Os cuidadores com mais recursos financeiros sentemse mais insatisfeitos, possivelmente, pelas expectativas que tinham para este momento da vida e não em exercer o papel de cuidador levando ao desgaste emocional. Quando avaliada a variável do tempo de cuidado verificou-se que os cuidadores mais jovens e que cuidavam há mais de 12 meses tiveram aumento da satisfação com a saúde e socialmente, diminuição da sintomatologia depressiva e aumento de afetos positivos, possivelmente, pelo facto de estarem já acomodados a esta condição de cuidar. Por outro lado, os cuidadores que cuidavam há menos tempo tiveram ligeiro aumento da satisfação pessoal. No estudo “Cuidar em Casa”, verifica-se que existe uma diminuição dos níveis de stress psicológico, após a implementação do programa, devendo ser abordado de forma multidisciplinar, de modo a adotar estratégias mais eficazes de coping, aquisição e desenvolvimento de competências. CONCLUSÕES A sobrecarga é um fator que influencia a qualidade de vida dos pacientes e dos seus cuidadores. Os resultados dos programas psicoeducacionais apontam para uma melhoria não só da sobrecarga, mas também para um aumento do bem-estar, aquisição de estratégias de resolução de problemas, aumento das competências para lidar nas atividades de vida diárias, diminuição de sentimentos de desesperança, fortalecimento na comunicação e colaboração, através de uma melhor perceção sobre o grau de comprometimento que a pessoa com demência apresenta. Contudo, nos programas avaliados verifica-se que não existe uma padronização da intervenção, relativamente aos conteúdos programáticos, ao número de participantes e duração das sessões, o que dificulta a comparação dos resultados obtidos e a implementação desses resultados. A avaliação da eficácia dos programas é superficial, tornando-se necessário perceber a necessidade da manutenção dos ganhos obtidos no decorrer do tempo e os custos associados a estas intervenções As limitações da revisão integrativa prendem-se com os critérios de inclusão estabelecidos, como a utilização de artigos e Português, Inglês e Espanhol e em acesso livre, o que pode ter limitado o acesso a outros trabalhos relevantes já realizados. Contudo, apesar dos programas de intervenção psicoeducativa, a nível internacional, serem alvo de estudo; a nível nacional, verificam-se ainda poucos estudos acerca dos programas de intervenção psicoeducativa, evidenciando a pertinência de se aprofundar esta problemática.


IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA De acordo com os resultados obtidos neste estudo verifica-se que os programas interdisciplinares de educação e suporte para cuidadores, proporcionam a redução dos níveis de sobrecarga do cuidador. Por conseguinte, é necessário a implementação e ampliação de intervenções efetivas, de forma a melhorar quer a qualidade de vida do cuidador, quer da pessoa com demência, e incentivar os profissionais para a realização destes programas, abordando também técnicas para gerir sintomas psicológicos e comportamentais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). Washington DC: American Psychiatric Press. Aakhus, E., Engedal, K., Aspelund, T., & Selbæk, G. (2009). Single session educational programme for caregivers of psychogeriatric in patients: results from a randomized controlled pilot study. International Journal of Geriatric Psychiatry, 24, 269-274. Alves, S., Brandão, D., Teixeira, L., Azevedo, M. J., Duarte, M., Ribeiro, O., e Paúl, C. (2015). Intervenções psicoeducativas e distress psicológico em cuidadores informais: Análise comparativa de dois projetos comunitários. Revista Eletrónica de Psicologia, Educação e Saúde, 5(1), 94-112. Cardoso, M. J. S. P. O. (2011). Promover o bem-estar do familiar cuidador: Programa de intervenção estruturado (Doutoramento). Porto: Universidade Católica Portuguesa. Chien, W. T., & Lee, Y. M. (2008). A disease management program for families of persons in Hong Kong with dementia. Psychiatric Services, 59(4), 433-436. Chien, L. Y., Chu, H., Guo, J. L., Liao, Y. M., Chang, L. I., & Chen C. H. (2011). Caregiver support groups in patients with dementia: A meta-analysis. International Journal of Geriatric Psychiatry, 26(10), 1089-1098. Cruz, J., Barbosa, A., Figueiredo, D., Marques, A., e Sousa, L. (2015). Cuidar com sentido(s): Guia para cuidadores de pessoas com demência. Aveiro: Universidade de Aveiro.

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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 59


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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 60

Sequeira, C. (2010). Cuidar de idosos com dependência física e mental. Lisboa: Lidel. Sousa, L., Mendes, A., e Relvas, A. P. (2007). Enfrentar a velhice e a doença crónica. Lisboa: Climepsi. Wang, L., & Chien, W. (2011). Randomised controlled trial of a family-led mutual support programme for people with dementia. Journal of Clinical Nursing, 20, 2362-2366.


Artigo de Revisão

8

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0203

REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE COMO PRODUTORAS DE CUIDADO EM SAÚDE MENTAL: UMA ANÁLISE REFLEXIVA | Carlos Bruno Silveira1; Lourdes Suelen Pontes Costa2; Maria Salete Bessa Jorge3 |

RESUMO Objetivou-se analisar a produção científica brasileira acerca das redes de atenção à saúde (RAS) para o cuidado em saúde mental. Trata-se de um estudo bibliográfico com abordagem reflexiva acerca da temática do cuidado integral nas RAS no período de 2012 a 2016. Foi realizado um levantamento na biblioteca eletrônica Scielo, utilizando as palavras-chaves: Redes de Atenção à Saúde; Atenção Primária à Saúde e Atenção à Saúde Mental, sendo encontrados 51 artigos, que, após a leitura dos títulos e resumos, resultaram em 24 artigos para serem analisados. Mapeou-se quantitativamente a produção científica publicada acerca da RAS e foram identificados os significados e sentidos que constituem a produção selecionada. Utilizou-se da Análise Categorial Temática para inferência dos resultados, abordando as redes de cuidado com enfoque na integralidade, no processo de cuidado, reflexões, entraves e estratégias, além da formação dos profissionais de saúde com foco nas suas contribuições e seus desafios. As relações interligadas e preconizadas em redes de saúde ainda não foram consolidadas em sua totalidade, o que tem dificultado a concretização do cuidado integral à saúde, principalmente quando se refere à rede de saúde mental. PALAVRAS-CHAVE: Assistência à saúde; Atenção primária à saúde; Saúde mental

RESUMEN

ABSTRACT

Redes de Atención a la Salud como productoras de cuidado en salud mental: Un análisis reflexiva”

“Health Care Networks as producers of mental health care: A reflective analysis”

Se objetivó analizar la producción científica brasileña acerca de las redes de atención a la salud para el cuidado en salud mental. Se trata de un estudio bibliográfico con abordaje reflexivo acerca de la temática del cuidado integral en las RAS en el período de 2012 a 2016. Se realizó un levantamiento en la biblioteca electrónica Scielo, utilizando las palabras clave: Redes de Atención a la Salud; La atención primaria a la Salud y Atención a la Salud Mental, se encontraron 51 artículos, que, después de la lectura de los títulos y resúmenes, resultaron en 24 artículos para ser analizados. Se mapeó cuantitativamente la producción científica publicada acerca de la RAS y se identificaron los significados y sentidos que constituyen la producción seleccionada. Se utilizó el análisis categorial temático para inferencia de los resultados, abordando las redes de cuidado con enfoque en la integralidad, en el proceso de cuidado, reflexiones, obstáculos y estrategias, además de la formación de los profesionales de salud con foco en sus contribuciones y en sus desafíos.Las relaciones interconectadas y preconizadas en redes de salud aún no han sido consolidadas en su totalidad, lo que ha dificultado la concreción del cuidado integral en salud, principalmente cuando se refiere a la red de salud mental.

The objective was to analyze the Brazilian scientific production about health care networks for mental health care. This is a bibliographical study with a reflexive approach on the theme of integral care in the RAS in the period from 2012 to 2016. A survey was carried out in the Scielo electronic library, using the following keywords: Health Care Networks; Primary Health Care and Mental Health Care, being found 51 articles, which, after reading the titles and abstracts, resulted in 24 articles to be analyzed. It is mapped quantitatively the scientific literature published about the RAS and the meanings have been identified and senses that constitute the selected production. For this purpose, the Thematic Categorical Analysis was used, addressing care networks with a focus on completeness, as well as the process of care, reflections, obstacles and strategies, as well as the training of health professionals with a focus on their contributions and challenges. The interconnected and recommended relationships in health networks have not yet been consolidated in their entirety, which has made it difficult to achieve comprehensive health care, especially when it refers to the mental health network.

DESCRIPTORES: Asistencia sanitaria; Atención primaria en salud; Salud mental

KEYWORDS: Health care; Primary health care; Mental health Submetido em 31-09-2017 Aceite em 14-02-2018

1 Enfermeiro; Mestrando em Saúde Coletiva na Universidade Estadual do Ceará, Av. Dr. Silas Munguba, 1700, 60741-000 Fortaleza - CE, Brasil, cbrunosilveira@hotmail.com 2 Enfermeira; Mestre em Saúde Coletiva; Doutoranda em Saúde Coletiva na Universidade Estadual do Ceará, 60741-000 Fortaleza - CE, Brasil, lourdespsuelen@gmail.com 3 Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Pós-doutorada em Saúde Coletiva; Coordenadora e Docente na Universidade Estadual do Ceará, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, 60741-000 Fortaleza - CE, Brasil, maria.salete.jorge@gmail.com Citação: Silveira, C. B., Costa, L. S. P., & Jorge, M. S. B. (2018). Redes de Atenção à Saúde como produtoras de cuidado em saúde mental: Uma análise reflexiva. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (19), 61-70. doi: 10.19131/rpesm.0203 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 61


INTRODUÇÃO A proposta de atenção integral à saúde no Brasil baseiase na construção de uma rede única de atenção à saúde, articulada em todas as suas instâncias, atendendo a população de forma regionalizada, integrada, hierarquizada e formada por diferentes dispositivos de atenção à saúde. Nesse sentido, a Rede de Atenção à Saúde (RAS) emerge como proposta que deve conter serviços organizados em níveis de complexidade tecnológica, na qual se estabelecem suas ações e seus serviços, permitindo satisfazer as necessidades da pessoa no cuidado com a sua saúde, de modo a criar um itinerário sanitário racional e identitário, sem obstáculos burocráticos, com economia processual e temporal, racionalidade nos gastos e nos exames de apoio diagnóstico, entre outros elementos (Santos, 2017). A coordenação da RAS pela Atenção Primária à Saúde(APS) pressupõe ser um processo complexo. Há um tensionamento de forças que se estabelecem no intra e nos interserviços de saúde, cujo vetor resultante poderá aproximar-se ou distanciar-se das ideias pensadas para o fortalecimento dessa proposta (Lapão, Arcenio, Popolin, e Rodrigues, 2017). No âmbito da Saúde Mental, preconiza-se, mediante a implantação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), ações e serviços que, mesmo sendo diversos e especializados em diferentes níveis de complexidade, se mantenham integrados por sistemas de apoio capazes de atender o sujeito em toda a sua singularidade, para além de partes isolada e fragmentadas como ocorre no modelo biomédico. Destaca-se a relevância da APS para a promoção de saúde nas comunidades, principalmente no desenvolvimento de ações que visem o rastreamento, encaminhamento e cuidado dos clientes que possuem necessidades de saúde mental, dado o impacto assistencial e financeiro que essas demandas trazem para a saúde pública (Organização Pan-americana da Saúde, 2001). A incorporação do modelo psicossocial (orientado por serviços substitutivos de base territorial) ainda não está plenamente consolidada, pois existe oscilação entre as práticas de saúde orientadas pelo paradigma biomédico, cuja ações desenvolvidas são curativas e centradas no médico, em detrimento de outras necessidades individuais e coletivas que revelam a incorporação de um modelo ligado à proposta da saúde coletiva, que considera a prevenção e a promoção da saúde (Campos, Ferrer, Gama, Campos, Trapé e Dantas, 2014). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 62

É incontestável o avanço promovido pelo modelo de Atenção Psicossocial, contudo, a consolidação desse modelo exige a transformação não apenas estrutural, mas também dos profissionais que são formados numa lógica positivista, centrado em um modelo biomédico, pautado em práticas curativas e medicamentosas o que dificulta sobremaneira a realização de uma assistência integral que privilegie a subjetividade da pessoa. Dessa forma, infere-se que o processo de construção desse cuidado requer constante revisão e atualização, por isso, diante dessas lacunas e aberturas, destaca-se a necessidade de uma nova estratégia de composição dessa rede de assistência (Acioli e Amarante, 2013). Assim, Franco (2015) considera que o estudo da RAS se tornou numa das discussões mais desafiantes dos tempos atuais. Em primeiro lugar, pela atualidade, pois é prioridade em diversos países a organização dos serviços em redes e que estão em pleno processo de efetivação. Em segundo lugar, pela complexidade que o tema alcança, ao supormos que o trabalhador tem altos graus de liberdade no exercício do seu trabalho e, portanto, está apto a realizar as redes com altos graus de singularidade, diferenciando em muito do que é prescrito pelas normatizações oficiais. Dito isto, surge à questão sobre como são discutidas as publicações científicas sobre o tema das redes de atenção à saúde para o cuidado em saúde mental no Brasil? Portanto, o estudo tem como objetivo analisar a produção científica brasileira acerca das redes de atenção à saúde para o cuidado em saúde mental. MÉTODOS Trata-se de um estudo bibliográfico com abordagem reflexiva acerca da temática do cuidado integral em saúde mental nas RAS entre os anos de 2012 a 2016 pois, nesse período tal questão ganha propulsão na efetivação da integralidade. Esse tipo de estudo envolve toda a bibliografia publicada sobre o tema em estudo, desde publicações avulsas a revistas, pesquisas e outros, propiciando a construção de um novo arcabouço sobre um determinado assunto e inovando com considerações críticas (Marconi e Lakatos, 2011). Foi realizado um levantamento das bases de dados do campo da saúde, sendo definida a biblioteca eletrônica Scielo, que constitui uma biblioteca com amplo acesso a periódicos e artigos científicos e tem por objetivo o desenvolvimento de uma metodologia comum para a preparação, o armazenamento, a disseminação e a avaliação da produção científica em formato eletrônico.


Para a seleção do material empírico deste estudo, utilizou-se os descritores cadastrados no DECS: “Atenção Primária à Saúde”, “Atenção à Saúde Mental” e a palavra-chave “Rede de Atenção à Saúde”. Optou-se por esta última, uma vez que não foi encontrado no DECS descritor que se assemelhasse às definições propostas anteriormente por Santos (2017) e Franco (2015). Dessa forma, realizou-se o cruzamento dos termos supracitados através do operador booleano “AND”. Para tanto utilizou-se como critérios de inclusão, artigos completos produzidos no Brasil, disponíveis na íntegra, publicados no período de 2012 a 2016 e nos idiomas português, inglês e espanhol. Os critérios de exclusão foram: artigos de revisão, teses, dissertações e editoriais. Destarte, inicialmente, foram encontrados 51 artigos que se aproximavam da temática em questão, contudo oito eram artigos repetidos, restando 43 dos quais realizou-se a leitura dos títulos e resumos, sendo ainda excluídos os artigos que não tratavam diretamente da temática proposta (redes de atenção à saúde e cuidado em saúde mental). Ao final, restaram 24 para serem analisados. Os mesmos serão apresentados de forma sintética no Quadro 1, a seguir.

4

2015

Rézio, Moro, Marcon e Fortuna.

Contribuições do PET-Saúde/ Redes de Atenção Psicossocial à Saúde da Família

Qualitativo/ Exploratório e Descritivo

Analisar o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde em uma unidade de ESF.

5

2015

Teixeira, Couto e Delgado.

Repercussões do processo de reestruturação dos serviços de saúde mental para crianças e adolescentes na cidade de Campinas, São Paulo.

Quantitativo/ Exploratóriodescritivodocumental

Descrever e analisar as mudanças na rede de SMCA.

6

2015

Lima, Soares, Bilton, Dias, Ferrioll e Perracini.

Fatores relacionados à sonolência diurna excessiva em idosos da comunidade: um estudo exploratório.

Quantitativo/ Exploratório

Investigar a prevalência de EDS e seus correlatos sociodemográficos, de saúde física e mental entre idosos.

7

2015

Jorge, Diniz, Lima e Penha.

Apoio matricial, projeto terapêutico singular e produção do cuidado em saúde mental.

Qualitativo

Compreender o apoio matricial, projeto terapêutico singular, e a produção do cuidado em saúde mental.

8

2015

Hirdes.

A perspectiva dos profissionais da Atenção Primária à Saúde sobre o apoio matricial em saúde mental.

Qualitativo/ Descritivoanalítico

Investigar o Apoio Matricial em saúde mental na APS.

9

2015

Tszesnioski, Nóbrega, Lima e Facundes.

Construindo a rede de cuidados em saúde mental infantojuvenil: intervenções no território.

Qualitativo/ Pesquisaação

Descrever a rede de cuidados de crianças em sofrimento psíquico.

10

2014

Costa, Dimenstein e Leite.

Estratégias de cuidado e suporte em saúde mental entre mulheres assentadas.

Qualitativo

Investigar as estratégias de cuidado e suporte psicossocial à mulheres.

11

2014

Fortes, Menezes, Athié, Chazan, Rocha, Thiesen, Ragoni, Pithon e Machado.

Psiquiatria no século XXI: transformações a partir da integração com a Atenção Primária pelo matriciamento.

Qualitativo

Analisar o papel da Psiquiatria nos sistemas assistenciais na APS.

Quadro 1 - Caracterização da Produção Científica acerca das Redes de Cuidados em Saúde, na APS e Saúde Mental Nº Ano Autores

Título

Tipo de Objetivo Estudo/ Metodologia

1

Paiva, Torrenté, Landim, Branco, Tamboril e Cabral.

Sofrimento psíquico e a abordagem da comunidade na voz do agente comunitário de saúde.

Qualitativo/ Pesquisa de base empírica (Transversal)

Desvelar modos de perceber e de lidar com a doença em contextos específicos.

Portugal, Campos, Correia, Gonçalves, Ballester, Tófoli, Mari, Gask, Dowrick, Bower e Fortes.

Rede de apoio social, saúde mental e qualidade de vida: um estudo transversal na atenção primária.

Quantitativo/ Estudo Transversal

Identificar a associação entre angústia emocional e redes de apoio social na APS.

Conceição, Vicentin, Leal, Amaral, Fischer, Kahhale, Rosa, Spolaor e Saes.

Interferências criativas na relação ensino-serviço: itinerários de um Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde).

Qualitativo/ Analítico

Discutir a integração ensinoserviço no âmbito do PET-Saúde Mental.

2

3

2016

2016

2015

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 63


12 2014 Hori e Nascimento.

O Projeto TerQualitaapêutico Singu- tivo lar e as práticas de saúde mental nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) em Guarulhos (SP), Brasil.

Analisar as possibilidades de construção de PTS pelas equipes de saúde mental.

13 2014 Wetzela, Pinho, Olschowsky, Guedes, Camatta e Schneider.

A rede de atenção à saúde mental a partir da Estratégia Saúde da Família.

14 2014 Vello, Popim, Carazzai e Pereira.

Saúde do Idoso: Qualitapercepções tivo relacionadas ao atendimento.

Compreender como o idoso percebe o atendimento na APS.

15 2014 Queiroz, Gomes, Reis, Knupp e Aquino.

Repertórios Quantitainterpretativos tivo de profissionais da rede de saúde mental e APS de Belo Horizonte sobre uso de drogas.

Levantar concepções sobre drogas de profissionais de saúde mental\APS.

16 2014 Drummond, Fatores sociais Radicchi e associados a Gontijo. transtornos mentais com situações de risco na atenção primária de saúde.

QualiDiscutir a tativo/ RASM a Avaliativo partir do cotidiano de uma ESF.

Quantitativo/ Transversal

Avaliar portadores de transtornos mentais atendidos nas unidades de APS.

17 2013 Moliner e Lopes.

Saúde mental Qualitana atenção tivo básica- possibilidades para uma prática voltada para a ampliação e integralidade da saúde mental.

Conhecer como vem se configurando as práticas em saúde mental na APS.

18 2013 Jorge, Sousa e Franco.

Apoio matricial- dispositivo para resolução de casos clínicos de saúde mental na Atenção Primária à Saúde.

Qualitativo/ Estudo de Caso

Compreender a constituição do apoio matricial no âmbito da APS.

19 2013 Paes, Schimith, Barbosa e Righi.

Rede de atenção em saúde mental na perspectiva dos coordenadores de serviços de saúde.

Qualitativo/ Descritivo-exploratório

Compreender como coordenadores de serviços de saúde percebem a RASM.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 64

20 2012 Moura, Guedes, Freire, Bessa, Braga, e Silva.

Planejamento familiar de mulheres com transtorno mental- o que profissionais do CAPS têm a dizer.

Qualitativo/ Estudo de campo

Verificar demandas de planejamento familiar que chegam ao CAPS.

21 2012 Minozzo, Kammzetser, Debastiani, Fait e Paulon.

Grupos de saúde mental na atenção primária à saúde.

Qualitativo/ Pesquisa Intervenção

Analisar as práticas de cuidado nos grupos de saúde mental.

22 2012 Pini e Waidman.

Fatores interferentes nas ações da equipe da Estratégia Saúde da Família ao portador de transtorno mental

Qualitativo/ Exploratóriodescritivo

Conhecer os fatores que interferem nas ações ao portador de transtorno mental.

23 2012 Almeida, Nunes, Camey, Pinheiro e Schmidt.

Transtornos mentais em uma amostra de gestantes da rede de atenção básica de saúde no Sul do Brasil.

Estudo de coorte

Estimar a prevalência de transtornos mentais na gestação.

24 2012 Chiavagatti, Kantorski, Willrich, Cortes, Jardim e Rodrigues.

Articulação entre Centros de Atenção Psicossocial e Serviços de Atenção Básica de Saúde

Qualitativo/ descritivo

Analisar as formas de articulação entre o CAPS e a APS.

Posteriormente, fez-se a leitura exaustiva dos textos, através da síntese de cada artigo e da delimitação do eixo temático correspondente. Os dados foram analisados através da articulação de abordagens quantitativa e qualitativa. Mapeou-se quantitativamente a produção científica publicada acerca da RAS, referentes a ano de publicação, tipo de produção, centro de estudo, área do conhecimento, periódicos, local do estudo, abordagem, objetivos, técnicas de análise, síntese dos resultados e eixos temáticos. Para a fase qualitativa, buscou-se entender os significados e sentidos que formam a produção relacionada com o tema da pesquisa na base de dados escolhida. Trabalhou-se, portanto, com a Análise Categorial Temática proposta por Minayo (2010) e retraduzida por Assis e Jorge (2010). Extraíram-se, então, das produções analisadas, possíveis convergências, divergências e complementaridades, seguindo a ordem das fases: pré-análise; exploração do material; categorização; tratamento dos resultados obtidos e interpretação (Assis e Jorge, 2010; Minayo, 2010).


RESULTADOS E DISCUSSÕES Por meio da análise dos artigos coletados, emergiram três categorias temáticas que serão o mote das discussões apresentadas a seguir, sendo estas: Redes de cuidado na atenção psicossocial com enfoque na integralidade; Processo de cuidado em saúde mental: reflexões, entraves e estratégias para a integralidade; Formação dos profissionais de saúde para atuar em saúde mental: contribuições e desafios. Pode-se perceber na literatura que houve momentos de oscilações nas publicações científicas sobre a temática das RAS, revelando um decréscimo no último ano, 2016. O Gráfico 1 representa a distribuição dos estudos selecionados e inclui os trabalhos publicados no período de 2012 a 2016. Gráfico 1 - Distribuição absoluta da publicação científica no período de 2012 a 2016

Concernente à região onde os estudos foram desenvolvidos, identificou-se maior concentração nas Regiões Sudeste e Sul do Brasil, sendo encontrados nove e oito artigos respectivamente. Destes, destacam-se os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, com seis publicações cada. A Região Nordeste aparece com seis publicações e o estado do Ceará concentrando a maior parte dos estudos encontrados, quatro. A Região Centro-Oeste aparece com dois estudos e a Região Norte com nenhuma publicação. Em um dos trabalhos encontrados, a pesquisa foi realizada em duas cidades de regiões diferentes simultaneamente, no caso, Sudeste e Centro-Oeste. Os estudos encontrados foram desenvolvidos em vinte centros de pesquisas, dos quais dezoito são oriundos de universidades públicas, sendo doze federais e seis estaduais, e cinco universidades de iniciativa privada. Esses números demonstram que a maioria das pesquisas é desenvolvida em universidades públicas, revelando que, apesar do contexto de crise política vigente, são delas que partem os maiores investimentos. A iniciativa privada ainda investe pouco no desenvolvimento de pesquisas nesse âmbito. Quando analisadas as áreas de conhecimento, constatou-se que a categoria que mais se destacou foi a Enfermagem, com nove publicações.

A Psicologia aparece com três publicações e a Medicina com duas. Dez das publicações foram consideradas como de categoria multiprofissional, uma vez que pelo menos um dos autores possuía formação acadêmica diferente dos demais. Nesse sentido, considera-se os periódicos que publicaram os trabalhos selecionados como referências para as estratégias de cuidado integral, ganhando destaque as seguintes revistas apresentadas no Quadro 2. Quadro 2 - Lista de Periódicos e Quantidade de Artigos Encontrados em Cada Periódico no Período de 2012 a 2016 Periódico

Quantidade

Acta Paul Enferm

1

Cad. Saúde Pública

2

Ciência & Saúde Coletiva

3

Esc Anna Nery

1

Estudos de Psicologia

1

Fractal, Rev. Psicol

1

Interface – Comunicação Saúde Educação

2

Physis Revista de Saúde Coletiva

1

Rev Bras Enferm

1

Rev Bras Epidemiol

2

Rev Esc Enferm USP

3

Rev Gaúcha Enferm

1

Revista Colombiana de psicologia

1

Saúde Debate

1

Saúde Soc.

1

Texto Contexto Enferm

1

Trab. Educ. Saúde

1

Quanto à abordagem dos estudos, 18 artigos pesquisados apresentam-se como de abordagem qualitativa e seis de abordagem quantitativa. Os tipos de estudos evidenciados na investigação são variados, porém os descritivos prevalecem quando comparados aos outros, no entanto os demais apresentam abordagens próprias de estudos qualitativos, como estudos de caso, pesquisaação, avaliação e outros, como exposto no Gráfico 2. Gráfico 2 - Tipos de estudos referentes aos artigos de 2012 a 2016

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Quanto às técnicas de análise, encontrou-se que a mais utilizada foi a proposta por Bardin - Análise de Conteúdo (7), em seguida a Análise Temática - Minayo (4) e aparecem ainda Análise Documental (3), Hermenêutica e Dialética (2), Metodologia da Problematização (2), Análise Inferencial (1), Avaliação de Quarta Geração (1) e Avaliações por Escalas Quantitativas (4). No que diz respeito às características dos artigos publicados no período entre 2012 e 2016 sobre a temática da RAS como produtora de cuidado no âmbito da saúde mental, destaca-se que os estados do Sul e Sudeste do País alavancam as pesquisas, sendo estas em sua maioria de abordagem qualitativa, demonstrando a importância da natureza desses estudos. No que se refere à análise qualitativa, emergiram três categorias temáticas de acordo com os temas mais discutidos nos artigos analisados: a primeira trata especificamente das redes de cuidado e de suas especificidades, com ênfase na integralidade e na atenção psicossocial; a segunda já se refere principalmente às estratégias utilizadas para se conseguir fazer com que o cuidado em saúde mental aconteça em rede; e a terceira traz a formação do trabalhador como essencial à construção desse modelo de atenção. Na primeira categoria, intitulada “Redes de cuidado na atenção psicossocial brasileira: enfoque na integralidade”, foram identificados artigos que destacaram a necessidade de estreitar as relações das ações entre Atenção Primária à Saúde e Saúde Mental, devendo estas se constituírem como estratégias fundamentais para a consolidação da rede, considerando a dinamicidade desse processo de construção. Identifica-se que é essencial ao Sistema Único de Saúde (SUS) unir os entes federativos em uma determinada região para delimitar o seu campo de atuação e organizar as referências de serviços dadas suas complexidades sanitárias, tecnológicas e financeiras. Sem esse formato organizacional, não se consegue viabilizar um sistema integral, universal e igualitário (Santos, 2017). As práticas clínicas de cuidado relacionadas ao adoecimento psíquico ainda se expressam em uma tecnologia de biopolítica de gestão, entendida como medicalização social, que se mostra difundida e aceita na contemporaneidade. As ações priorizam o diagnóstico orgânico, as terapias medicalizantes e, principalmente, medicamentalizantes, as quais perfazem caminhos unidirecionais em que, ao sujeito, não restam muitas escolhas além de adaptarem-se ao processo de cuidado oferecido (Bezerra, Morais, Paula, Silva e Jorge, 2016). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 66

Com isso, ressalta-se que as ações de saúde ainda são desenvolvidas com foco no atendimento às condições agudas (não minimizando sua importância), contudo torna-se primordial descortinar esse cenário e trazer à cena os demais elementos necessários para a garantia da integralidade. Outro entrave que vale destacar é que há um consenso entre os profissionais relatando que a relação de referência/contrarreferência realizada com a especialidade de saúde mental e demais carece de melhoria. Alguns médicos foram até mais enfáticos na crítica a esse modelo (Campos e Amarante, 2015). Uma alternativa seria as Redes de Referenciação que regulam as relações de complementaridade e de apoio técnico entre as entidades intervirem por meio de um prontuário eletrônico, de forma a promoverem o acesso dos clientes aos cuidados e serviços de que efetivamente necessitam, bem como sustentarem o sistema integrado de informação interinstitucional (Lapão et al., 2017). Identifica-se que a articulação da assistência em saúde mental, por meio de uma rede interativa e articulada, constitui desafio no atual cenário inconstante das políticas públicas de saúde no Brasil. Corrobora-se também a prerrogativa de que a APS tem papel fundamental na promoção da qualidade de vida de pessoas que vivem com algum sofrimento psíquico, cabendo a esta ordenar a rede de cuidados, acolhendo e orientando sempre que necessário. A segunda categoria refere-se ao processo de cuidado em saúde mental no Brasil: reflexões, entraves e estratégias para a integralidade. Nesta, as principais concepções debatidas nos artigos versam acerca da produção de arranjos organizacionais do sistema de saúde, de modo a diminuir a fragmentação dos processos de trabalho e valorizar o cuidado multi e interdisciplinar, considerando os clientes nos seus contextos, para que possa ser construído um projeto terapêutico adequado, singular e contínuo. Porém, os artigos destacam que o processo saúde-doença mental atende ainda predominantemente ao modelo clínico individual, organicista e biológico na maneira de conceber o transtorno mental, contrapondo-se ao modelo de atenção psicossocial, bem como à atual política de organização dos serviços de saúde na perspectiva da Reforma Psiquiátrica (Campos e Amarante, 2015). Na maioria das vezes, os clientes descrevem o acesso ao serviço da APS como algo burocrático e demorado, desde o tempo de espera do agendamento até o dia da consulta. Atribuem essas dificuldades à falta de profissionais médicos e à alta rotatividade destes.


O acolhimento é apontado como um espaço de escuta aos seus problemas e de orientação, mas o criticam por constituir-se em uma forma de controlar o acesso àquilo que é mais esperado: a consulta médica (Campos et al., 2014). A rotatividade dos profissionais é tema constante nas discussões sobre APS, agravada pela precariedade dos vínculos trabalhistas e pela ausência de uma política para gestão do trabalho. Por conseguinte, todos os esforços empreendidos para capacitação e educação permanente que visam melhorar o processo de trabalho estão sempre recomeçando, comprometendo a longitudinalidade do cuidado (Almeida, Santos, Santos e Silveira, 2016). Com isso, destaca-se que a corresponsabilização faz-se elemento relevante na relação entre as pessoas quando se estabelece o cuidado, quer seja de medicamentos, quer seja de relações interpessoais entre o cuidador e o sujeito que é cuidado. Na concepção do cuidado em que há predominância do modelo centrado no médico, os sujeitos não possuem o poder de decidir sobre seu tratamento, o que implica em ausência de autonomia (Bezerra et al., 2016). É possível que a mudança de compreensão por parte da população, a respeito da importância das diversas “clínicas” na área da saúde e da necessidade do estabelecimento de fluxos e regulações, possa ocorrer por meio de uma atividade pedagógica desenvolvida pela própria equipe. Percebe-se a necessidade de trocas e diálogos entre os profissionais - que são portadores de saberes técnicocientíficos - e a população, de modo que possa ser construído de forma compartilhada um conceito sobre o processo saúde-doença (Campos et al., 2014). Os estudos analisados também apontam o Apoio Matricial como importante articulador da rede de serviços de saúde, aumentando o leque de possibilidades e a circulação dos clientes nos diversos equipamentos do sistema de saúde, com destaque para os serviços de atenção primária. Assim, o apoio matricial entre equipes pode ser apreendido como uma metodologia de trabalho que garante a retaguarda especializada, tanto em nível assistencial como técnico-pedagógico. Com isso, o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) que possui a função de serviço especializado, não estaria desresponsabilizando-se pelo cuidado, mas passaria a atuar a partir da descentralizar esse cuidado, levando-o para mais próximo do usuário (Chiavagatti, Kantorski, Willrich, Cortes, Jardim, e Rodrigues, 2012).

No entanto, apesar de ter sido reconhecido de maneira unânime como ferramenta essencial à efetivação do cuidado em saúde mental, o Apoio Matricial ainda tem enfrentado múltiplos entraves. Dentre eles, destacam-se a insuficiente adesão dos profissionais às atividades, a falta de conhecimentos específicos em saúde mental, a rotatividade dos profissionais nos serviços e a falta de envolvimento das gestões dos serviços e do município no processo de planejamento e execução das atividades (Tatmatsu e Araújo, 2016). Além destes, foram identificados os aspectos relacionados às noções de interdisciplinaridade; a relação de longitudinalidade que propicia o vínculo; o tempo para a escuta; o sigilo; o respeito; a não dissociação de saúde física e mental; a sensibilidade para identificar o sofrimento; as necessidades próprias da pessoa; as rupturas nas formas de cuidado nos grupos de saúde mental na APS; a forma de ajuda; e o interesse de ambos em qualificar a atenção em saúde mental e diminuir o sofrimento. Dessa forma, o trabalho de Tszesnioski, Nóbrega, Lima e Facundes (2015) reitera a necessidade de práticas intersetoriais para a promoção da independência e autonomia dos sujeitos. Entende-se que novos arranjos e esforços deveriam ser efetivados com a finalidade de reestruturar o processo de trabalho das equipes na APS e dos núcleos de apoio e de aumentar a capacidade de dar resposta às necessidades de saúde integral da população. É imprescindível que os processos de trabalho produzam cuidado e para tal se faz necessária a utilização de tecnologias leves, dos afetos, dos vínculos e da corresponsabilização a fim de estimular o compromisso de trabalhadores, clientes e familiares com a produção do cuidado. Na terceira categoria, emergiu o tema da formação dos profissionais de saúde brasileiros para atuar em saúde mental: contribuições e desafios, destacando a necessidade de intervenções a nível macro através de políticas governamentais destinadas a favorecer a prática assistencial interdisciplinar para garantir a integralidade e assim subsidiar melhorias nas condições de saúde. Faz-se de suma importância que o profissional da APS se integre com a comunidade para compreender o seu papel psicossocial e espiritual, buscando interpretar a realidade vivida por cada integrante, seja individual ou coletivamente, para que possa direcioná-lo para uma vida saudável através do empoderamento e assim, fomentar ações de promoção em saúde (Campos e Amarante, 2015). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 67


A capacidade de comunicação entre os integrantes de uma equipe é fundamental ao seu bom funcionamento, o que se reverte em melhoria da qualidade dos serviços de saúde e da capacidade de adaptação. O processo formativo de um clínico passa por aprender e contextualizar conhecimentos com os que sabem através da ação, o que leva paulatinamente a um maior aperfeiçoamento (Lapão et al., 2017). Parte-se, então, de uma concepção de cuidado que implica a atuação dentro dos espaços de convivência dos clientes, por isso, torna-se importante a criação de novos circuitos de socialização para que se construa uma rede que funcione com base na participação social em diversas áreas. Assim, são necessários equipamentos intersetoriais, espaços em que diferentes setores possam contribuir para o cuidado e o desenvolvimento da autonomia do indivíduo (Acioli e Amarante, 2013). Para atuar na APS e realizar um atendimento tecnicamente consistente, é necessária uma formação que amplie o campo de percepção clínica, sob o risco de se desenvolver uma atuação profissional superficial, ineficiente e de baixa resolutividade (Campos e Amarante, 2015). Um mecanismo inovador foi a instituição do plano de carreira aos trabalhadores vinculados à APS em Portugal, contexto que difere do Brasil, acarretando prejuízos como a dificuldade de fixação de profissionais de saúde, somada à desmotivação, ao cumprimento parcial de carga-horária, à falta de conhecimento sobre os atributos da APS e a uma visão retrógrada baseada em atividades programáticas sobre a organização dos serviços (Lapão et al., 2017). São necessárias intervenções a nível macro, através de políticas governamentais destinadas à formação dos profissionais, a fim de reduzir essas diferenças e construir uma saúde com mais qualidade. Considera-se, pois, que ações diretas no nível dos serviços da ponta podem gerar grandes avanços para a saúde da população. Coloca-se, ainda, a função que as instituições fomentadoras das políticas de saúde devem exercer como provedoras da formação dos profissionais de saúde.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS As relações interligadas e preconizadas em redes de saúde ainda são incipientes e insuficientes para a concretização do cuidado integral em saúde, principalmente quando se refere à rede de saúde mental. Para que a assistência não fique restrita aos eventos agudos, precarizando o enfoque preventivo e promotor de saúde, algo tão importante, porém pouco desenvolvido no contexto da atenção psicossocial no cenário brasileiro, assim reitera-se a importância da interligação tanto no nível micro como macro. Esse processo deve perpassar desde a prática da interdisciplinaridade durante o desenvolvimento dos processos de trabalho até o âmbito da corresponsabilização dos serviços em seus diversos níveis de complexidade, destacando os serviços substitutivos com suas diversas características necessárias para assistência aos sujeitos em sofrimento mental. A APS, que deveria atuar como coordenadora do cuidado no interior das RAS, ainda não consegue exerce tal função com plenitude, fazendo com que as ações de cuidado não sejam prestadas de forma contínua. Assim, reitera-se a necessidade de fortalecimento da APS para o fortalecimento da temática das RAS, bem como para a garantia da integralidade do cuidado, ou seja, uma assistência contínua aos indivíduos com ênfase nas suas necessidades e particularidades, não sendo restrita ao adoecimento mental, mas considerando todas as dimensões que constituem o sujeito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Acioli, M. L., e Amarante, P. D. C. (2013). O acompanhamento terapêutico como estratégia de cuidado na atenção psicossocial. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(4), 964-975. Almeida, M. S., Nunes, M. A., Camey, S., Pinheiro, A. P., e Schmidt, M. A. (2012). Transtornos mentais em uma amostra de gestantes da rede de atenção básica de saúde no Sul do Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 28(2), 385393. doi: 10.1590/S0102-311X2012000200017 Almeida, P. F., Santos, A. M., Santos, V. P., e Silveira Filho, R. M. (2016). Integração assistencial em região de saúde: Paradoxo entre necessidades regionais e interesses locais. Saúde e Sociedade, 25(2), 320-335. doi: 10.1590/S0104-12902016153295


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Artigo de Boas Práticas

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Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0204

A TERAPIA COMUNITÁRIA - CRIANDO REDES SOLIDÁRIAS EM UM CENTRO DE SAÚDE DA FAMÍLIA | Michell Araújo1; José Girão2; Keylla de Souza3; Geordany Esmeraldo4; Francisca de Farias5; Ângela Souza6 |

RESUMO A terapia comunitária constitui uma estratégia do enfermeiro na atenção primária em saúde, pois acolhe a demanda do serviço, direciona os casos mais graves e possibilita integração comunitária. O objetivo deste artigo é relatar a experiência da Terapia Comunitária como estratégia de promoção da saúde mental em um Centro de Saúde da Família na cidade de Fortaleza-Ceará-Brasil. Ao realizarmos a terapia não trabalhamos simplesmente os sintomas, mas especialmente os sentimentos, os desejos e as necessidades das pessoas, elas são convidados a mergulharem em suas raízes culturais, religiosas e comunitárias, aprendem a partilhar com outros, suas dores e histórias de vida, constroem seus próprios caminhos a partir de si mesmas e conseguem transformar seu sofrimento em crescimento pessoal. Percebemos que a Terapia Comunitária mostra-se uma eficaz estratégia de primeira escuta comunitária, e vemos claramente sua importância como um trabalho viável que cuida não somente de pessoas doentes, mas especialmente promove a saúde mental. PALAVRAS-CHAVE: Promoção da saúde; Saúde mental; Saúde da família

RESUMEN

ABSTRACT

“La Terapia Comunitaria - creación de redes de solidaridad en un Centro de Salud Familiar”

“The Community Therapy - creating networks solidarity in a Family Health Center”

La terapia comunitaria es una estrategia de la enfermería en la atención primaria de la salud, que da la bienvenida a la demanda del servicio, dirige los casos más graves y permite la integración comunitaria.El objetivo de este trabajo es reportar la experiencia de la terapia comunitaria como una estratégia para promover la salud mental en un Centro de Salud de la Familia de Fortaleza-CearáBrasil. Al realizarmos la terapia no trabajamos sólo los síntomas, pero sobre todo los sentimientos, los deseos y necesidades de las personas, se les invita a sumergirse en sus comunidades culturales, religiosas y aprender a compartir con los demás sus tristezas y sus historias de vida, construir sus propios caminos desde sí mismos y transformar su sufrimiento en el crecimiento personal. Nos dimos cuenta de que la terapia resulta em una estrategia eficaz de primera escucha comunitaria, y vemos claramente su importancia como una tarea factible que no sólo se ocupa de los enfermos, pero sobre todo promueve la salud mental.

Community therapy is a nursing strategy in primary health care, it welcomes the demand of the service, directs the most serious cases and enables community integration. The objective of this article is to tell the experience of Community Therapy as strategy of mental health promotion in a Family Health Center of FortalezaCeará-Brazil. When accomplishing therapy we don’t work only symptoms, but especially feelings, desires and people’s needs, they are invited to go deep in their cultural, religious and community bases, learning how to share with others their pain and history of life, they build their own ways from themselves and are able to transform their suffering in personal growth. We noticed that Community Therapy is an effective strategy of first community listening and we clearly see its importance as a viable work that takes care not only of sick people but especially promotes mental health.

DESCRIPTORES: Promoción de la salud; Salud mental; Salud de la familia

KEYWORDS: Health promotion; Mental health; Family health Submetido em 30-03-2016 Aceite em 05-01-2018

1 Enfermeiro; Doutor em Enfermagem; Docente na Universidade Federal do Ceará, Rua Alexandre Baraúna, 1115, 60430-160 Fortaleza, Ceará, Brasil, micenf@yahoo.com.br 2 Enfermeiro; Bacharel em Enfermagem, evangleyson_01@yahoo.com.br 3 Enfermeira; Doutora em Saúde Coletiva; Gestora na Prefeitura Municipal de Fortaleza, Unidade de Atenção Primária à Saúde Benedito Artur de Carvalho, 60810-480 Fortaleza, Ceará, Brasil, keyllanurse@yahoo.com.br 4 Enfermeira; Mestre em Saúde Pública; Docente na Universidade de Fortaleza, 60811-905 Fortaleza, Ceará, Brasil, geordanyrose@yahoo.com.br 5 Enfermeira; Doutora em Enfermagem Psiquiátrica; Docente na Universidade de Fortaleza, 60811-905 Fortaleza, Ceará, Brasil, luceliafarias@unifor.br 6 Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Docente na Universidade Federal do Ceará, 60430-160 Fortaleza, Ceará, Brasil, amasplus@yahoo.com.br Citação: Araújo, M. Â. M., Girão, J. E. P., Souza, K. M. M., Esmeraldo, G. R. O. V., Farias, F. L. R., & Souza, Â. M. A. (2018). A Terapia Comunitária – criando redes solidárias em um Centro de Saúde da Família. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (19), 71-76. doi: 10.19131/rpesm.0204 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 71


INTRODUÇÃO Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) 20% da população mundial sofre de algum transtorno mental no mundo. No Brasil esse número é um pouco menor, mas não menos preocupante. De acordo com o Ministério da Saúde 12% da população brasileira passa por algum sofrimento psíquico. Esse número é alarmante quando pensamos na necessidade de apoio e tratamento para as pessoas com algum sofrimento, trazendo repercussões para a gestão da saúde e principalmente para os serviços que recebem a demanda cada dia maior (Mielke & Olschowsky, 2011). A elaboração de estratégias faz-se mister, a fim de assegurar uma atenção de qualidade, respeitando a dignidade e a cidadania dos indivíduos conforme recomenda a Reforma Psiquiátrica Brasileira. Nas discussões sobre as novos modos de fazer saúde no Brasil a partir dos movimentos de redemocratização, das conferências de saúde, sobretudo a VIII Conferência e a criação do Sistema Único de Saúde, a saúde mental passou a ser pauta importante nas mudanças necessárias, do modelo manicomial para um modelo comunitário e de reabilitação psicossocial (Amarante, Lepre, Gomes, Pereira, e Dutra, 2011). A atenção primária tem papel importante na assistência psiquiátrica e de saúde mental. Desde a Conferência de Alma Ata em 1978, esse nível de atenção tem sido evidenciado como fundamental à promoção da saúde, principalmente na colaboração da reorganização do setor (Kemppainen et al., 2012). A Conferência de Promoção da Saúde realizada em Ottawa em 1986 que estabelece a direção das novas políticas de saúde reafirmam a justiça social, a equidade, a defesa da saúde e a mediação política para alcançá-la. Em um dos cinco campos de atuação para a promoção da saúde identificados em Ottawa encontra-se a reorganização dos serviços de saúde. Assim como em Alma Ata, essa conferência dispensa especial atenção ao nível primário de saúde para assegurar e organizar os serviços básicos e indispensáveis a população e de toda a rede inclusive os níveis de maior complexidade (Kemppainen et al., 2012). Poderíamos nos perguntar: por que privilegiar o nível primário em saúde? É nesse nível que se encontra a maior possibilidade de atuação e aproximação da família e da comunidade, favorecendo assim o manejo de casos mais simples, criando uma porta de entrada para serviços especializados e favorecimento do apoio, da socialização comunitária e da participação popular (Mielke & Olschowsky, 2011). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 72

Como enfermeiros e profissionais de saúde, observando a demanda e os principais problemas de saúde das pessoas atendidas no centro de saúde da família que atuamos, notamos que há um alto índice de uso de benzodiazepínicos, casos de depressão, tentativas de suicídio e muitos casos de fobias, síndrome do pânico e dependência química, além de dificuldades familiares, financeiras, ambientais e religiosas que envolvem não somente a família, mas a comunidade de modo geral. Muitos questionamentos surgiram a partir dos problemas detectados: Como atender essa demanda? Encaminhar aos serviços de saúde mental? Trazer profissionais de saúde mental para atender no centro de saúde? Seríamos capazes de prestar assistência a essas pessoas? Como faríamos? Pensamos em muitas possibilidades de atendimento dessa demanda no próprio centro de saúde da família. Uma das estratégias que resolvemos implementar foi a Terapia Comunitária (TC), por tratar-se de uma tecnologia leve de cuidado em saúde, por isso não teria muitos custos ou dificuldades (Padilha, Oliveira, 2012). Essa estratégia foi criada pelo psiquiatra Adalberto de Paula Barreto, professor da Universidade Federal do Ceará, ao encontrar no bairro Pirambú, na periferia de Fortaleza, uma demanda humanamente impossível para um único médico realizar atendimento. Ele começou a fazer grupos e tentar praticar a escuta terapêutica, descobriu que o próprio grupo é sábio e pode encontrar suas respostas nele mesmo. Percebeu que sua atuação deveria ser cada vez menos intervencionista, encontrou assim um modo de potencializar a auto-estima dessa comunidade e despertá-la para a busca, a partir de si mesma, de soluções para os problemas (Barreto, 2011). Tem como pilares: o pensamento sistêmico, a antropologia cultural, a teoria da comunicação, a pedagogia de Paulo Freire e a resiliência. A contribuição da TC na promoção da qualidade de vida das pessoas tem chamado a atenção de autoridades governamentais. Estes benefícios fundamentaram o posicionamento dessa estratégia como uma política pública em várias áreas como a educação, saúde, segurança pública, justiça e ação social. O baixo custo, a alta efetividade, o empoderamento das comunidades e a partilha de soluções participativas alicerçam a TC como uma política pública adequada no atendimento das diversas e complexas demandas (Baratieri, 2013; Barreto, 2011). Outro dado relevante que favoreceu o apoio governamental diz respeito à grande capilaridade do movimento da TC no Brasil.


A rede é ampla, contando com 30.000 terapeutas comunitários que atuam em suas comunidades como voluntários ou associando a TC à sua atuação profissional pública ou privada (Lazarte, 2015). A formação e o acompanhamento dos grupos também encontram-se estruturados. Todas as regiões brasileiras possuem pólos de formação, num total de 36, e os terapeutas comunitários estão organizados pela Associação Brasileira de Terapia Comunitária. A TC ainda conta com uma experiência exitosa fora do país, como no caso da França e dos EUA (Carvalho, Romero, e Ferreira Filha, 2013; Barreto, 2011; Carvalho et al., 2013). A sessão é conduzida por um terapeuta comunitário e um co-terapeuta que sempre começam com acolhimento onde as pessoas são apresentadas, utilizando para isso músicas, dinâmicas e vivências. Relatam-se as regras: respeito quando o outro falar; evitar os conselhos e julgamentos; utilizar somente a primeira pessoa do singular em sua fala; e valorizar o conteúdo da partilha dos outros participantes, entre outras. Em seguida as pessoas são convidadas a partilhar com o grupo seus sofrimentos, problemas e dificuldades, cada participante tem espaço para falar e ser escutado. Dentre as histórias relatadas apenas uma é escolhida e discutida naquela sessão. Feita a escolha da história, as pessoas podem fazer perguntas esclarecedoras, nunca curiosas, sobre a história em discussão. Aprofundado o problema, o terapeuta lança o mote, que é a pergunta que envolve a todos, um exemplo é o mote simples: “quem aqui já passou por isso e o que fez para resolver?”. É nesse momento onde ocorrem as trocas de experiências e modos de resoluções dos problemas vivenciados. Finaliza-se a terapia com a conotação positiva (valorização dos participantes), agradecimentos e breve avaliação do grupo (Barreto, 2011). A TC surge como estratégia de primeira escuta comunitária, o terapeuta não necessariamente é um profissional de nível superior ou integrante da equipe de saúde da família, podem ser líderes comunitários ou pessoas da comunidade devidamente treinadas e formadas para atuarem como terapeutas. Esse fato possibilita o envolvimento das pessoas da própria comunidade na rede de saúde e os torna co-responsáveis nas decisões e resoluções dos problemas locais. Vemos claramente a importância de utilizarmos estratégias viáveis na saúde mental, para não somente cuidarmos de pessoas doentes, mas especialmente na promoção de saúde, nisso a terapia comunitária constitui estratégia ímpar à atenção primária e para o programa de saúde da família.

O objetivo desse artigo é relatar a nossa experiência ao utilizar a terapia comunitária como estratégia de promoção da saúde mental na atenção primária em um centro de saúde da família da cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil. MÉTODOS Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência. Organizamos para descrever o relato a seguinte sequência de apresentação: o cenário, os participantes, a terapia, a avaliação das sessões. Os resultados são descritos e discutidos para evidenciar os efeitos da Terapia Comunitária nos participantes e sua importância para os enfermeiros de saúde mental (Brito et al., 2013; Sobrinho et al., 2011) O Cenário: O relato da experiência aconteceu no espaço do Centro de Saúde da Família Benedito Artur de Carvalho (CSF-BAC), situado no município de Fortaleza-CE. O CSF-BAC conta com quatro equipes de Saúde da Família, além de ginecologia, pediatria, clínica geral, psicologia, nutrição, enfermagem, odontologia e profissionais de nível médio. A população coberta pela unidade é de 25.107 habitantes (Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, 2015). O Sistema Municipal de Saúde de Fortaleza em 2015, contava com 248 equipes de Saúde da Família distribuídas em 86 Centros de Saúde da Família. Apresentava capacidade instalada para a realização de serviços primário, secundário e terciário. Integra a rede regionalizada e hierarquizada do SUS, sendo referência em âmbito micro, macrorregional e interestadual. A gestão do Sistema, em âmbito local, é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Saúde (Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, 2015). Os Participantes: as pessoas foram encaminhadas por meio de consultas médicas, de enfermagem e odontológicas, dos agentes comunitários de saúde, do serviço de psicologia, do acolhimento do centro de saúde, da demanda espontânea, ou mesmo trazidas pelas pessoas que já participaram da terapia, além de diversos serviços de saúde da Regional II. As pessoas que freqüentavam eram em sua maioria mulheres que apresentam ansiedades leves, depressão e problema gerais como: baixa auto-estima; problemas familiares; sintomas psicossomáticos; inadequação social; dificuldade financeira, dependência química ou de algum familiar; distúrbios mentais graves; adaptação ao climatério e/ou ao envelhecimento; idéias ou tentativa de suicídio. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 73


Não havia nenhuma avaliação prévia, qualquer pessoa que comparecer a sessão é acolhida e incentivada a participar. Somente depois da sessão, no momento da avaliação entre o terapeuta e o co-terapeuta, alguns encaminhamentos foram realizados, principalmente ao se tratar de pessoas com doença mental grave ou que tinham uma demanda para psicoterapia individual. A Terapia: todo o processo era registrado em um diário de campo desde o planejamento das sessões, as sessões em si e suas avaliações. Ocorriam semanalmente, às terças-feiras às 18h e tinha duração de duas horas. Em média participam 12 pessoas, era um grupo aberto, podendo cada sessão ter pacientes novos e veteranos, não se determinava limite máximo de participantes a não ser pelo espaço restrito na unidade de saúde, eram em sua maioria adultos e alguns idosos. Já passaram pela terapia segundo nosso registro mais de 127 pessoas desde o inicio das sessões no final de 2007 até 2015. Os pacientes apresentavam em sua maioria queixas difusas, não havia diagnósticos médicos estabelecidos em todos, acorriam para o grupo pessoas ansiosas, deprimidas, com doenças crônicas e que apresentavam sofrimento de âmbito pessoal, familiar, laboral e socioeconômico. Eram encaminhados pelas equipes de saúde da família ou participavam espontaneamente aqueles que sabiam que havia terapia no centro de saúde. Nas sessões havia sempre a presença de um terapeuta e um co-terapeuta, mas contávamos com uma equipe de quatro terapeutas, que se revezavam, conforme escala estabelecida pela equipe de terapeutas, no caso eram enfermeiros das equipes de saúde da família com formação em terapia comunitária. A Avaliação: a cada sessão realizávamos duas avaliações, no final de cada sessão com os participantes e após finalizarmos a terapia uma avaliação era realizada entre os terapeutas. Utilizávamos três perguntas simples com os participantes com os terapeutas: O que houve de bom na sessão? O que não deveria ter acontecido na sessão? E como melhorar as próximas sessões? Mesmo tratando-se de um relato de experiência todos os princípios éticos forma seguidos, conforme as recomendações nacionais e internacionais de pesquisa. Obtivemos a anuência da instituição pesquisada para realizar a experiência e relatá-la posteriormente.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO Os efeitos sobre as pessoas que participaram da terapia: Muitas vezes chegavam completamente comprometidas, sofridas e com vidas interrompidas devido aos sintomas. Muitas pessoas não conseguiam mais trabalhar, estudar e realizar suas atividades cotidianas, principalmente pelos sintomas como: medo, insônia, dor no peito, palpitação, falta de ar e tremores. Na terapia não trabalhávamos simplesmente os sintomas, mas especialmente os sentimentos, os desejos e as necessidades. Solicitávamos que se desprendessem dos sintomas e começassem a olhar pra si mesmas. Na TC havia espaço propício à escuta, pessoas que nunca se permitiram falar foram incentivadas a abrirem à boca, mesmo que considerassem o conteúdo sem importância, ao participarem sentiam-se valorizadas e respeitadas. De modo simples foi explicado o processo saúde/doença mental, foram lembradas com os ditados populares que esse processo acontece durante a vida e muitos dos sintomas surgem em decorrência de problemas não enfrentados ou negados, exemplos desses ditados são: quando a boca cala o corpo fala e quem guarda azeda, quando azeda estraga, quando estraga estoura, quando estoura fede. As pessoas foram convidadas a quebrar esse processo de adoecimento com sua partilha, ao deixar a boca falar, o corpo tende a calar e, além disso, foram admoestadas a não guardar nada, tentar resolver seus problemas no aqui e agora, não reservando espaço para a mágoa ou ressentimentos (Barreto, 2011). Nos encontros as pessoas têm permissão de serem elas mesmas, toda a sessão foi intercalada de expressões espontâneas, com o uso da música, da poesia, das piadas e dos ditados populares. O choro como modo de expressar os sentimentos reprimidos foi acolhido com belas cantigas de antigamente, entre elas: encosta tua cabecinha no meu ombro e chora e conta logo tuas mágoas todas para mim... e se algum dia na vida você de mim precisar, saiba que sou seu amigo pode comigo contar.... Ou ainda deixa a luz do céu entrar, abre bem as portas do teu coração e deixa a luz do céu entrar... Havia uma descoberta na terapia que foi proporcionada pelo processo grupal, descobre-se lá que eu não sou o único sofredor no mundo, há muitos outros que sofrem tanto quanto eu ou mesmo, o meu problema não chega perto em grau de dificuldade em comparação ao do outro (Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim, 2010).


A valorização da história pessoal de cada participante foi ressaltada porque constitui ponto importante da terapia, toda a trajetória de vida foi profundamente explorada quando se solicita que relate quem enfrentou problema semelhante e o que fez para resolver. Foi salientada a força, as vitórias e os obstáculos transpostos, mesmos se forem pequenas coisas realizadas. Revisitando as histórias de vida dos participantes, podíamos descobrir coisas nunca antes analisadas ou percebidas, encontrar respostas e soluções dentro de nós mesmos, isso a terapia propiciou, pois fez circular as experiências acumuladas. Outro efeito que é preciso ressaltar nos participantes foi a rede solidária formada a cada sessão. Muitos encontros se desdobravam na mobilização de todos para ajudar a resolver determinados problemas. Em outros as resoluções e oportunidades surgiam no contato das pessoas entre si quando relatavam seus problemas para o grupo. Surgia a partir desse encontro um sentimento de pertença, que criava um ambiente acolhedor e convidativo para o próximo encontro. Os relacionamentos sociais que se estabelecem entre grupos terapêuticos propiciam o estar com o outro em diversas perspectivas e a relação com eles ocorre segundo variados níveis de proximidade, profundidade e anonimato na vivência (Nasi e Schneider, 2010). A resiliência é algo que precisa ser destacado. Nesse princípio os participantes descobriam sua pérola. Fazendo analogia com a história da ostra que ao abrirse para se alimentar deixa entrar grãos de areia em seu interior que ferem seu corpo, mas ao ferir, a ostra produz uma substancia que envolve o grão dando origem à pérola, em outras palavras, é a capacidade de acabar com o sofrimento usando ele próprio e a partir dele buscar melhorar, a isso chamamos resiliência (Béné et al., 2014). A resiliência revelada pela terapia nada mais é que a transformação do sofrimento em crescimento pessoal. Produzindo resposta a pergunta: O que você está fazendo com o seu sofrimento, crescendo ou sofrendo? Também presente em sua história de vida havia coisas importantes que o sofrimento pode trazer: aprendizado, maturidade, fortaleza, paciência e realizar uma transmutação do fraco em forte, do infantil em maduro, do desesperado em otimista. Dentro dessa perspectiva, essa transformação realizada se reveste na descoberta das minhas competências, muitas delas provenientes dos sofrimentos vividos e por sua vez no fortalecimento da rede de apoio criada no grupo.

Víamos pessoas que já não mais precisavam das terapias, mas continuavam participando, sem terem consciência muitas vezes, que sua função era agora ajudar as pessoas que enfrentavam os mesmos problemas que haviam enfrentado anteriormente. Foram estimuladas a partilhar sua experiência de dor e os caminhos percorridos para a resolução. Esse ínterim surge mais um indagação: quem mais apropriado para entender um sofredor que outro sofredor? A resiliência nos ensina que o sofrimento pode gerar competência e a terapia comunitária teve o objetivo de mostrar esse processo e sua possibilidade na vida das pessoas. Longe de fazermos apologia ao sofrimento, que se confunde com masoquismo, lembrávamos que os sofrimentos evitáveis precisavam ser resolvidos, mas as pessoas eram lembradas que as dificuldades da vida servem para aprendermos e nos tornarmos pessoas mais fortes, esses momentos difíceis nos instrumentalizam para enfrentarmos adequadamente, sem sucumbir ao desespero ou ao desenvolvimento de sintomas psíquicos ou psicossomáticos. Ao invés de tentarmos nos livrar dos sintomas ou sofrimentos, fomos incentivados na terapia a perguntar o que eles queriam nos comunicar, ao ouvirmos a voz proveniente do corpo, a ansiedade pode diminuir e assim contribuir com a resolução do problema. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Observamos que a presença da Terapia Comunitária no centro de saúde da família contribuiu para demonstrar a importância do enfermeiro em saúde mental e desmistificar suas ações na atenção básica, mesmo que ainda a grande demanda das sessões seja de pessoas classificadas socialmente como doentes mentais. A Terapia Comunitária constituiu uma estratégia viável de promoção da saúde ao passo que reorganizamos o serviço de saúde, evitando assim encaminhamentos desnecessários dos casos simples aos centros de atenção psicossociais. Além do que disponibiliza um serviço de saúde mental na própria comunidade, servido de acolhimento e triagem da demanda. Outro ganho que não poderíamos deixar de relatar foi o empoderamento que a TC proporcionou aos seus participantes, aprenderam no circular da partilha comunitária, que são importantes e sábios, ao passo que encontraram as saídas para suas dificuldades, favoreceram sua auto-estima e se tornaram transformadores da realidade. Descobriram e redescobriram suas potencialidades humanas, geradoras de saúde. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 75


Nos encontros as pessoas mergulhavam em suas raízes culturais, religiosas e comunitárias, aprendiam a partilhar com outros suas dores e histórias de vida, construíam seus próprios caminhos a partir delas próprias e conseguiam transformar seu sofrimento em crescimento pessoal. CONCLUSÃO A Terapia Comunitária criada a partir da necessidade de uma comunidade carente na periferia de Fortaleza tem seu foco principal na promoção da saúde, visto que leva o indivíduo a se tornar consciente do seu processo de saúde e de seus fatores de fortalecimento e desgaste. Nossa experiência não muito diferente da original, também se deu na periferia, em um espaço de pobreza, exclusão e abandono. A demanda de pessoas com sofrimento psíquico nessas condições é sempre crescente, a solução mais cômoda seria para as equipes de saúde da família encaminharem para serviços especializados mais próximos ou prescreverem ansiolíticos, como é feito muitas vezes nesses casos, isso somente aumentaria os problemas dos serviços de saúde e dos pacientes. Seguindo a política municipal de saúde oferecemos a nossa comunidade um espaço de promoção da saúde mental, onde são discutidos problemas pessoais e comunitários, em uma roda onde não existe a figura do doutor ou do salvador que cura e salva. As pessoas foram levadas a pensar as soluções a partir de si mesmas, não longe de seus problemas e de seus sofrimentos, mas imbricados neles, não de modo individualista e solitária, mas coletiva e solidária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Amarante, A. L., Lepre, A. S., Gomes, J. L. D., Pereira, A. V., & Dutra, V. F. D. (2011). Nursing mental health care strategies in brazilian family health program. Revista Texto & Contexto Enfermagem, 20(1), 85-93. Baratieri, T. (2013). Evaluation of primary health care in Brazil: A literature review. Primary Health Care, 144(3), 2-5. Barreto, A. P. (2011). Terapia comunitária passo a passo. Fortaleza: Grática LCR. Béné, C., Newsham, A., Davies, M., Ulrichs, M., & Godfrey-Wood, R. (2014). Review article: Resilience, Poverty and Development. International Development, 26(5), 598-623. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 76

Brito, S. S., Nóbrega, R. V., Santos, S. R., Bezerra, E. P., Costa, K. N. F. M., & Costa, M. M. L. (2013). Systematization of nursing assistance in primary care to hipertensive: Experience report. Revista de Enfermagem da UFPE on line,7(8), 5345-5350. Carvalho, M. A. P., Dias, M. D., Miranda, F. A. N., & Ferreira Filha, M. O. (2013). Contributions by integrative community therapy to users of Psychosocial Care Centers (CAPS) and family members: Thematic oral history. Caderno de Saúde Pública, 29(10), 2028-2038. Carvalho, M. A. P., Romero, R. O. G., & Ferreira Filha, M. O. (2013). Community Therapy in the Center of Psychosocial Support: Concepts of nursing students. Revista de Enfermagem UFPE on line, 7(5), 4389-4394. Lazarte, R. (2015). Sociología y terapia comunitária integrativa. Revista Uruguaya de Enfermería, 7(1), 67-76. Kemppainen, V., Tossavainen, K., & Turunen H. (2012) Nurses’ roles in health promotion practice: An integrative review. Health Promotion International, 28(4), 490-501. Mielke, F. B., & Olschowsky, A. (2011). Actions of mental health in family health strategy and the health technologies. Escola Anna Nery, 15(4), 762-768 Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim. (2010). Cantos, Dinâmicas e Poesias. Fortaleza: Encaixe. Nasi, C., & Schneider, J. F. (2010). Social relationships in the quotidian of users of a psychosocial care center: A phenomenological study. Online Brazilian Journal of Nursing, 9(1). Padilha, C. S., & Oliveira, W. F. (2012). Community therapy: Practice reported by professionals within SUS in Santa Catarina, Brazil. Revista Interface, 16(43), 1069-1086. Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. (2015). Relatório de Gestão. Fortaleza: Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. Sobrinho, T. A. O., Medeiros, C. P. P., Maia, M. R., Reis, T. C., Miranda, L. P., & Costa, P. F. (2011). Academic and multiprofessional Integration in the PET – Health Program: Experiences and Challenges. Revista da ABENO, 11(1), 39-42.


Artigo de Boas Práticas

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0205

10 MODELO DE INTERVENÇÃO PSICOTERAPÊUTICA EM ENFERMAGEM: PRINCÍPIOS ORIENTADORES PARA A IMPLEMENTAÇÃO NA PRÁTICA CLÍNICA | Francisco Sampaio1; Carlos Sequeira2; Teresa Lluch Canut3 |

RESUMO CONTEXTO: Apesar de, em Portugal, se encontrar regulamentada a competência dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental para realizar intervenções psicoterapêuticas, não existia até agora qualquer modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem que permitisse sistematizar essa prática. Tendo este sido desenvolvido e avaliado quanto à sua eficácia, importa agora que a sua utilização seja clara para que este possa ser transposto para a prática clínica. OBJETIVO: Descrever os passos necessários para a operacionalização do modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem nos contextos da prática clínica. MÉTODOS: Este trata-se de um artigo de boas práticas no qual são apresentadas as estratégias a adotar para a operacionalização do modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem na prática clínica, bem como algumas dificuldades relacionadas com a sua utilização. RESULTADOS: Numa sessão 0 o utente deve ser avaliado no sentido de apreciar se este cumpre os critérios de inclusão e não apresenta qualquer critério de exclusão para ser intervencionado com recurso ao modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem. Após a identificação do(s) diagnóstico(s) de Enfermagem prioritário(s) (CIPE ou NANDA-I) importa compreender a origem/causa do(s) problema(s) e, de acordo com a mesma, selecionar a(s) intervenção/ões psicoterapêutica(s) de Enfermagem (NIC) a utilizar (mediante o preconizado na obra “Ligações NANDANOC-NIC: Condições clínicas: Suporte ao raciocínio e assistência de qualidade”). CONCLUSÕES: O modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem parece ser uma mais-valia pela possibilidade de sistematizar a prática dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental. Contudo, é ainda necessário criar ferramentas que permitam simplificar a sua transposição para a prática clínica.

PALAVRAS-CHAVE: Enfermagem; Enfermagem psiquiátrica; Prática profissional; Psicoterapia

RESUMEN

ABSTRACT

“Modelo de intervención psicoterapéutica en enfermería: Principios orientadores para la implementación en la práctica clínica”

“Psychotherapeutic intervention model in nursing: Guiding principles for implementation in clinical practice”

CONTEXTO: Aún que, en Portugal, esté regulada la competencia de los enfermeros especialistas en Enfermería de Salud Mental para realizar intervenciones psicoterapéuticas, no había hasta ahora ningún modelo de intervención psicoterapéutica en Enfermería que permitiría sistematizar esta práctica. Al haber sido desarrollado y evaluado en cuanto a su eficacia, es importante que su utilización sea clara para que éste pueda transponerse a la práctica clínica. OBJETIVO: Describir los pasos necesarios para la operacionalización del modelo de intervención psicoterapéutica en Enfermería en los contextos de la práctica clínica. MÉTODOS: Este se trata de un artículo de buenas prácticas en el cual se presentan las estrategias a adoptar para la operacionalización del modelo de intervención psicoterapéutica en Enfermería en la práctica clínica, así como algunas dificultades relacionadas con su utilización. RESULTADOS: En una sesión 0 el paciente debe ser evaluado en el sentido de apreciar si éste cumple los criterios de inclusión y no presenta ningún criterio de exclusión para ser intervenido con recurso al modelo de intervención psicoterapéutica en Enfermería. Después de la identificación del/de los diagnóstico(s) de Enfermería prioritario(s) (CIPE o NANDA-I), es importante comprender el origen/causa del/de los problema(s) y, de acuerdo con la misma, seleccionar la(s) intervención(es) psicoterapéutica(s) de Enfermería (NIC) a utilizar (mediante el preconizado en la obra “Vínculos de NOC y NIC a NANDA-I: Soporte para el razonamiento crítico y la calidad de los cuidados”) CONCLUSIONES: El modelo de intervención psicoterapéutica en Enfermería parece ser una plusvalía por la posibilidad de sistematizar la práctica de los enfermeros especialistas en Enfermería de Salud Mental. Sin embargo, aún es necesario crear herramientas que permitan simplificar su transposición a la práctica clínica.

BACKGROUND: Although in Portugal the competence of psychiatric nurses to perform psychotherapeutic interventions is regulated, there was no psychotherapeutic intervention model in nursing available to systematize this practice. Having a model been developed and evaluated for its efficacy, it is now important to make its use clear in order to transpose it into clinical practice. AIM: To describe the necessary steps for the operationalization of the psychotherapeutic intervention model in nursing in the clinical practice contexts. METHODS: This is an article of best practices in which the strategies to be adopted for the operationalization of the psychotherapeutic intervention model in nursing into clinical practice are presented, as well as some difficulties related to its use. RESULTS: In a session 0 the patient should be evaluated in order to assess whether he/she meets the inclusion criteria and does not present any exclusion criterion to be intervened using the psychotherapeutic intervention model in nursing. After identifying the priority nursing diagnosis/es (ICNP or NANDA-I) it is important to understand the origin/cause of the problem(s) and, according to it, to select the psychotherapeutic intervention(s) (according to what is recommended in the book “NOC and NIC linkages to NANDA-I and clinical conditions: Supporting critical reasoning and quality care”). CONCLUSIONS: The psychotherapeutic intervention model in nursing seems to be an added value for the possibility of systematizing the practice of the psychiatric nurses. However, it is still necessary to develop tools in order to simplify its transposition into clinical practice.

DESCRIPTORES: Enfermería; Enfermería psiquiátrica; Práctica profesional; Psicoterapia

KEYWORDS: Nursing; Psychiatric nursing; Professional practice; Psychotherapy Submetido em 28-03-2018 Aceite em 14-04-2018

1 Doutor em Ciências de Enfermagem; Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica no Hospital de Braga, Assistente Convidado na ESEP; Investigador Integrado no CINTESIS , grupo de investigação “NursID – Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem”; Francisco.Sampaio@hospitaldebraga.pt 2 Doutor em Ciências de Enfermagem; Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Investigador Principal no CINTESIS, grupo de investigação “NursID – Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem”; Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal, carlossequeira@esenf.pt 3 Doutora em Psicologia; Enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Professora Catedrática na Universitat de Barcelona, Espanha, tlluch@ub.edu Citação: Sampaio, F., Sequeira, C., & Lluch Canut, T. (2018). Modelo de intervenção psicoterapêutica em enfermagem: Princípios orientadores para a implementação na prática clínica. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (19), 77-84. doi: 10.19131/rpesm.0205 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 77


CONTEXTO Ao longo dos tempos recentes tem vindo a considerarse, crescentemente, que aquilo que distingue, na prática clínica (execução de cuidados), um enfermeiro de cuidados gerais de um enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica (ESMP) é, sobretudo, a competência específica que este último tem para prestar cuidados de âmbito psicoterapêutico. Esta trata-se de uma competência assumida em Diário da República e expressa no Regulamento n.º 129/2011. Apesar da expressão regulamentar da competência supramencionada os enfermeiros especialistas em ESMP não dispunham, de acordo com a pesquisa bibliográfica realizada, de qualquer modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem que permitisse guiar e sistematizar as suas práticas. Tendo por base essa lacuna que, crê-se, dificulta uma consistente transposição da intervenção psicoterapêutica para a prática clínica por parte dos enfermeiros especialistas em ESMP, foi criado um modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem baseado, mormente, em teorias de Enfermagem, nos princípios basilares do processo de Enfermagem e em taxonomias de Enfermagem (Sampaio, Sequeira, & Lluch Canut, 2017a). O modelo em causa foi avaliado, no que diz respeito à sua eficácia a curto prazo, junto de utentes psiquiátricos adultos com o diagnóstico de Enfermagem “Ansiedade”, tendo apresentado resultados positivos, estatisticamente significativos, tanto no que concerne ao nível de ansiedade como ao autocontrolo da ansiedade (inclusivamente por comparação com o grupo de controlo, submetido exclusivamente a terapêutica psicofarmacológica) (Sampaio, Araújo, Sequeira, Lluch Canut, & Martins, 2018). Ainda que o desenvolvimento de um modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem, cuja estrutura parece adequada face aos resultados decorrentes do estudo de avaliação da sua eficácia, seja encarado como um passo importante para a sistematização das práticas psicoterapêuticas dos enfermeiros especialistas em ESMP, torna-se essencial que estes profissionais se familiarizem com o mesmo, isto é, compreendam claramente os pressupostos inerentes à sua utilização na prática clínica. Previamente à apresentação do modelo e da sua operacionalização em contextos da prática clínica importa referir que este se trata de um modelo de intervenção psicoterapêutica de Enfermagem e não de Psicoterapia. Na distinção dos conceitos ressalvase que a Psicoterapia envolve um contacto sistemático e limitado no tempo entre uma pessoa em distress e Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 78

alguém que procura reduzir esse distress por via da produção de mudanças nos sentimentos, atitudes e comportamento com recurso a uma relação terapêutica (Frank & Frank, 1993; Frank in Bloch, 2006). Por outro lado, a intervenção psicoterapêutica de Enfermagem consiste na aplicação informada e intencional de técnicas de Psicoterapia e assenta nos seguintes princípios: a) é uma intervenção estruturada, sistematizada, progressiva e sequencial; b) é realizada por um enfermeiro especialista em ESMP ou por um enfermeiro de cuidados gerais com formação específica e competências certificadas pela Ordem dos Enfermeiros; c) é uma intervenção baseada em um ou mais racionais teóricos de Psicoterapia; d) é uma intervenção decorrente da identificação de um diagnóstico de Enfermagem no âmbito da Saúde Mental; e) é uma intervenção na qual o utente apresenta um papel ativo e tem, necessariamente, alguma consciência de si; f) é uma intervenção com um número de sessões entre três e doze; g) é uma intervenção que tem, na sua base, a relação terapêutica e a comunicação interpessoal entre o enfermeiro e o utente; h) é uma intervenção cujo objetivo é a mudança ou a redução de um estado percebido como negativo pelo utente através da definição prévia de metas mútuas entre o enfermeiro e o utente (Sampaio, Sequeira, & Lluch Canut, 2014). De forma sumária, a intervenção psicoterapêutica de Enfermagem distingue-se da Psicoterapia “tradicional” pelo facto de ser mais limitada no tempo, ter como ponto de partida um diagnóstico de Enfermagem, poder decorrer noutros settings que não, exclusivamente, o de gabinete / consultório e por se circunscrever à utilização de técnicas de Psicoterapia sob a forma de intervenções integradas na Classificação das Intervenções de Enfermagem (NIC) (por exemplo, reestruturação cognitiva [4700] ou treino de controlo de impulsos [4370]) (Bulechek, Butcher, Dochterman, & Wagner, 2012). OBJETIVO Com o presente artigo pretende-se, acima de tudo, apresentar os dados necessários para a operacionalização do modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem desenvolvido. Desse modo, como fim último, pretende-se que os enfermeiros especialistas em ESMP tenham acesso a toda a informação entendida como necessária para a aplicação do modelo nos contextos da prática clínica visando a sua transposição para os mesmos.


MÉTODOS Este trata-se de um artigo de boas práticas no qual se apresenta o modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem desenvolvido. Para a criação do modelo em causa foram realizados, inicialmente, uma revisão narrativa da literatura (visando identificar as comunalidades relativas à intervenção psicoterapêutica conduzida por enfermeiros) (Sampaio, Sequeira, & Lluch Canut, 2015) e um estudo de focus groups (visando perceber as caraterísticas que, de acordo com um grupo de peritos composto por enfermeiros portugueses e espanhóis, deveria apresentar um modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem) (Sampaio, Sequeira, & Lluch Canut, 2017b). Tendo por base o cruzamento dos dados obtidos nos dois estudos iniciais foi criado um esboço do modelo tendo este sido submetido a um grupo de peritos, previamente selecionados com recurso a critérios de inclusão pré-definidos, por via de um estudo e-Delphi modificado para validação do conteúdo do mesmo (Sampaio, Sequeira, & Lluch Canut, 2017a). Para além da estrutura do modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem desenvolvido, neste artigo de boas práticas apresentar-se-ão alguns princípios orientadores para a utilização do mesmo nos contextos da prática clínica. Assim, este trata-se de um artigo que tem também uma finalidade informativa / formativa que deverá servir para potenciar a translação do conhecimento produzido para a prestação de cuidados, com potencial benefício para os utentes. RESULTADOS E DISCUSSÃO O modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem trata-se, essencialmente, de um modelo estrutural (“chapéu de chuva”) ao qual podem ser alocadas todas as intervenções psicoterapêuticas realizadas por enfermeiros especialistas em ESMP. Destaca-se no modelo, para além da sua estrutura-base, o facto de este assentar integralmente em taxonomias de Enfermagem, incluindo a da NANDA International, Inc. (NANDA-I), a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), a NIC e a Classificação dos Resultados de Enfermagem (NOC). O recurso a diversas taxonomias relaciona-se com o aumento da potencialidade de se utilizar o modelo em localizações geográficas diversas (Fig. 1). Figura 1 - Modelo de intervenção psicoterapêutica em enfermagem.

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Antes de se avançar para a execução de intervenção psicoterapêutica integrada no modelo importa, numa sessão 0, realizar uma avaliação mental abrangente do utente. Assim, nessa avaliação devem ser tidos em consideração os aspetos apresentados na Tabela 1 visando, igualmente, apreciar se o utente pode ou não ser incluído na intervenção (por via da avaliação da presença de um ou mais dos critérios de exclusão) (Sampaio, 2017). Tabela 1 - Domínios da Avaliação Inicial e Critérios de Exclusão de Utentes Avaliação Inicial (Domínios a Considerar) Comportamento

Preservação do status mental

Processos de pensamento

Linguagem

Estado afetivo

Dificuldades de perceção

Memória

Status físico e satisfação das necessidades

Capacidade de adaptação

Capacidade funcional

Aparência física

Necessidade de conhecimentos em saúde

Risco de agressão auto ou heterodirigida Critérios de Exclusão de Utentes Estado confusional

Défice cognitivo grave

Agitação psicomotora

Sintomatologia heteróloga grave

Tratando-se este de um modelo que assenta numa abordagem integrativa é realizada uma combinação de diferentes técnicas (intervenções), oriundas de diversas escolas de Psicoterapia, que visa ir de encontro às reais necessidades do utente (Norcross in Norcross & Goldfried, 2005). Essa abordagem, patente na Fig. 2, implica necessariamente que o enfermeiro especialista em ESMP, ao selecionar a “linha” psicoterapêutica a utilizar, faça uso dos princípios inerentes à mesma. Assim, por exemplo, caso o enfermeiro considere que o utente tem capacidade intrínseca para a resolução de determinado problema e, como tal, opte por uma intervenção psicoterapêutica da linha humanista (ex.: aconselhamento), é essencial que este mantenha uma postura assente na congruência, na empatia e na aceitação incondicional, que encare o utente tendo em conta a sua natureza individual e não segundo o seu contexto patológico, e que o ajude na concretização da sua tendência autoatualizante. Importa, ainda assim, distinguir claramente a abordagem integrativa preconizada pelo modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem do ecletismo técnico. Assim, enquanto neste último se defende uma combinação paradigmática de técnicas com base na eficácia clínica observada ou presumida (Safran & Messer, 1998), sem que seja estritamente necessário adotar o sistema teórico associado a estas, a abordagem integrativa envolve, igualmente, a ligação entre a teoria, a evidência e a técnica, isto é, foca-se na relação entre a prática e as suas bases teóricas e empíricas (Norcross in Norcross & Goldfried, 2005).

Figura 2 - Abordagem integrativa do modelo de intervenção psicoterapêutica em enfermagem

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Porquanto, é essencial que, ao fazer uso do modelo desenvolvido, o enfermeiro especialista em ESMP se baseie em alguns princípios teóricos já existentes, não apenas no que concerne à postura a adotar mediante a(s) intervenção/ões selecionada(s) mas também ao nível das intervenções passíveis de ser selecionadas para dar resposta ao(s) diagnóstico(s) de Enfermagem identificado(s). Para a realização deste trabalho é fulcral o recurso ao livro “Ligações NANDA-NOC-NIC: Condições clínicas: Suporte ao raciocínio e assistência de qualidade” (Johnson et al., 2013). Assim, o exercício a realizar deve passar por procurar o diagnóstico de Enfermagem identificado (ex.: “Baixa autoestima situacional”) e qual o resultado que se pretende alcançar (ex.: promover a autoestima, traduzido pelo resultado NOC “Autoestima”). De entre as intervenções (principais, sugeridas e opcionais) alocadas ao diagnóstico de Enfermagem “Baixa autoestima situacional” – resultado “Autoestima”, importa selecionar unicamente aquelas que se tratam de intervenções psicoterapêuticas de Enfermagem (ver Fig. 1, coluna “Intervenções”) (Tabela 2). Tabela 2 - Ligações entre o Diagnóstico de Enfermagem “Baixa Autoestima Situacional”, as Intervenções Psicoterapêuticas NIC e os Resultados NOC Diagnóstico de Enfermagem (código CIPE/ NANDA-I)

Intervenções de Enfermagem (código NIC)

Resultados de Enfermagem (código NOC)

Baixa autoestima Intervenção Principal Autoestima situacional Melhoria do coping (5230) (1205) (10000844/00120) Melhoria da autoestima (5400) Intervenções Sugeridas Treino da assertividade (4340) Reestruturação cognitiva (4700) Aconselhamento (5240) Intervenção na crise (6160) Facilitação do processo de pesar (5290) Intervenções Opcionais Melhoria da socialização (5100) História de vida

No exemplo apresentado o enfermeiro especialista em ESMP, necessariamente (por se tratar de uma intervenção principal), deve realizar as intervenções psicoterapêuticas NIC “Melhoria do coping” e “Melhoria da autoestima”. Adicionalmente pode realizar uma ou mais das intervenções sugeridas e/ou opcionais mas privilegiando, naturalmente, as primeiras.

A intervenção “História de vida” não se encontra classificada na NIC mas, pelo facto de esta classificação não conter quaisquer intervenções do domínio psicodinâmico / psicanalítico, considerou-se relevante a sua inclusão no modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem. Pelo facto de, claramente, a autoestima poder ser tratada por via da abordagem psicodinâmica (ex.: Ritter, Leichsenring, Strauss, & Stangier, 2013), optou-se também por incluir a intervenção como “opcional” para o diagnóstico de Enfermagem “Baixa autoestima situacional”, devendo recorrer-se à mesma no caso de o enfermeiro considerar que a baixa autoestima apresentada pelo utente tem relação com life events passados. É evidente neste processo que, pese embora a lógica metodológica, a sua operacionalidade é limitada pela necessidade de consulta e análise de um livro que, mesmo que presente nos contextos da prática clínica, torna o processo algo moroso e pouco intuitivo. Este é, claramente, um dos aspetos a melhorar para que se cumpra a pretensão de ver o modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem implementado nos contextos da prática clínica. Assim, parece necessário desenvolver um documento (manual de suporte) no qual, com maior rapidez e facilidade, os enfermeiros especialistas em ESMP consigam identificar as intervenções psicoterapêuticas NIC passíveis de ser realizadas para dar resposta ao(s) diagnóstico(s) de Enfermagem nomeado(s), bem como os resultados NOC que podem ser utilizados para proceder à avaliação da eficácia das intervenções. Outra hipótese, mais inovadora, passaria por criar uma aplicação (app), utilizável com recurso a um computador, tablet ou smartphone, que tornasse acessível aos enfermeiros, de forma intuitiva, a informação supramencionada (eventualmente incluindo um sistema de apoio à decisão que os auxiliasse a decidir qual/quais a(s) intervenção/ões mais adequada(s) face ao(s) problema(s) apresentado(s) pelo utente). Adicionalmente, e pese embora o Regulamento n.º 129/2011 afirme que os enfermeiros especialistas em ESMP têm a competência específica para prestar cuidados de âmbito psicoterapêutico, fica a ideia da necessidade de formação adicional dos mesmos neste domínio. Assim, crê-se que a criação de uma Pós-Graduação em Intervenção Psicoterapêutica em Enfermagem poderia ser útil para: a) clarificar e treinar as atividades que concretizam cada intervenção psicoterapêutica NIC; b) clarificar e treinar a operacionalização do modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 81


Na prática clínica, e aquando da implementação do modelo, a principal dificuldade identificada foi, indubitavelmente, o baixo nível de literacia em saúde dos utentes. É sabido que Portugal, em comparação com os oito países participantes no estudo Health Literacy Survey (Áustria, Alemanha, Bulgária, Espanha, Grécia, Irlanda, Holanda e Polónia), apresentou valores ligeiramente mais baixos no índice geral de literacia em saúde do que a média desses países (Pedro, Amaral, e Escoval, 2016). No contexto psiquiátrico, sendo frequente o contacto com utentes que se apresentam muito vulneráveis no campo da literacia em saúde (pelo baixo nível de escolaridade, rendimentos inferiores a 500€, doença[s] prolongada[s] e/ou “má” autoperceção de saúde) (Espanha, Ávila, e Mendes, 2016), a situação parece ainda mais problemática. Assim, sendo evidente a tendencial crença numa abordagem essencialmente psicofarmacoterapêutica, não raras vezes os utentes apresentaram alguma desconfiança relativamente à (adicional) abordagem psicoterapêutica proposta embora, paradoxalmente, a taxa de dropouts do grupo experimental (31%) tenha estado em linha com a apresentada na literatura internacional para a intervenção psicoterapêutica limitada no tempo (Sledge, Moras, Hartley, & Levine, 1990). Adicionalmente, foram sentidas dificuldades relacionadas com a disponibilidade dos utentes para a intervenção. Assim, e sobretudo para os ativos empregados, a marcação de sessões semanais, não raras vezes, implicava com o horário laboral dos utentes. Como tal, houve a necessidade de concentrar muitas sessões de intervenção no final da tarde e, ocasionalmente, até mesmo em horário pós-laboral (impraticável num contexto [real] de Consulta Externa dado o horário de encerramento da mesma). Finalmente, o facto de os utentes apresentarem, com alguma frequência, um discurso e/ou comportamento sugestivo de um Quociente de Inteligência (QI) relativamente baixo, foi também dificultador do trabalho inerente à intervenção psicoterapêutica. Estudos (ex.: Mortensen, Sørensen, Jensen, Reinisch, & Mednick, 2005) indicam que o score médio obtido pelas pessoas com doença mental em testes de QI é relativamente baixo e que estes resultados não refletem, necessariamente, efeitos da doença mental, mas antes valores que vão de encontro ao QI pré-mórbido. Assim, em muitas sessões, dada a dificuldade de se realizar trabalho psicoterapêutico propriamente dito, entenda-se, visando a mudança de cognições, comportamentos e/ou emoções, Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 82

fez-se uso da escuta ativa enquanto técnica de comunicação predominante para a construção e manutenção da relação terapêutica, tendo sido privilegiada a comunicação expressiva por parte do utente em detrimento do incentivo ao raciocínio orientado para a mudança. CONCLUSÕES Ao longo dos últimos cinco anos tem vindo a ser realizada investigação no sentido de desenvolver e avaliar um modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem. Tendo-se chegado à sua versão final e avaliado a sua eficácia a curto prazo, em contexto de ambulatório, em utentes psiquiátricos adultos que apresentavam o diagnóstico de Enfermagem “Ansiedade”, tanto no que concerne ao nível de ansiedade como ao autocontrolo da mesma, importava apresentar alguns princípios orientadores que permitissem aos enfermeiros especialistas em ESMP transpô-lo para os contextos da prática clínica. O presente artigo visou servir esse desígnio, descrevendo os passos a seguir para a implementação do modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem. Ficam evidentes algumas limitações ainda existentes para que se cumpra esse objetivo mas, acima de tudo, importa destacar os aspetos a atender na investigação futura para que o modelo desenvolvido possa tornar-se cada vez mais comprovado cientificamente e funcional. Assim, para fins de investigação futura, os aspetos seguidamente enumerados afiguram-se como extremamente relevantes: a) realizar estudos clínicos controlados randomizados que visem avaliar a eficácia do modelo para outros diagnósticos de Enfermagem, não apenas a curto mas também a longo prazo (exemplo: follow-up três e/ou seis meses após o término da intervenção); b) realizar estudos de custo-efetividade que permitem avaliar se, para além dos benefícios sociais, existem também benefícios económicos, para o Serviço Nacional de Saúde, decorrentes da implementação do modelo nos contextos da prática clínica. Adicionalmente, como forma de tornar a intervenção ainda mais sistematizada, coloca-se a hipótese de desenvolver programas de intervenção, recorrendo a intervenções psicoterapêuticas NIC, para dar resposta a cada diagnóstico de Enfermagem incluído no modelo. Porém, e ainda que pareça importante testar esta ideia em contexto de investigação, a mesma apresenta dois riscos:


a) tornar a intervenção psicoterapêutica de Enfermagem estandardizada, ao invés de apenas sistematizada, colocando em causa a individualização na prestação de cuidados; b) reduzir o envolvimento do enfermeiro na intervenção em decurso da limitação do seu papel no processo de tomada de decisão. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA O presente artigo e, mais concretamente, o modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem desenvolvido apresenta implicações para a Enfermagem a três níveis: a) prática clínica; b) ensino; c) investigação. No que diz respeito à prática clínica existe agora um modelo que permite aos enfermeiros especialistas em ESMP guiar e sistematizar a intervenção psicoterapêutica por si conduzida, modelo esse que apresentou resultados positivos no primeiro estudo realizado para avaliação da sua eficácia (a curto prazo) e que, como tal, parece traduzir-se numa mais-valia para os utentes. Caso os estudos de custo-efetividade venham a comprovar, também a esse nível, uma relação favorável, então sob o ponto de vista político o modelo desenvolvido pode traduzir-se numa alternativa viável para o Serviço Nacional de Saúde, que permita ajudar a garantir a sustentabilidade económica do mesmo. No que concerne ao ensino de Enfermagem as implicações parecem ganhar particular relevo, sobretudo, ao nível do Curso de Pós-Licenciatura de Especialização. Sendo a intervenção psicoterapêutica uma competência específica do enfermeiro especialista em ESMP, a introdução da sua lecionação na formação pós-graduada poderá vir a constituir uma mais-valia num contexto formativo no qual, frequentemente, os profissionais referem a necessidade da existência de modelos que sirvam como guidelines para a sua prática. Finalmente, no que diz respeito à investigação o modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem deixa em aberto uma linha de investigação neste domínio. Tendo sido realizado unicamente um estudo de avaliação da eficácia (a curto prazo) do modelo, para apenas um diagnóstico de Enfermagem, fica em aberto a necessidade de realização de estudos para avaliação da eficácia a curto e longo prazo da eficácia do modelo para todos os outros diagnósticos de Enfermagem integrados no mesmo, bem como de estudos de custoefetividade.

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11 NORMAS

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PORTUGUESA

DE

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Procedimento Após o envio do artigo, este será submetido a um processo de revisão técnica (revisão dos aspetos formais e de normalização, de acordo com as normas de publicação da Revista). O artigo é enviado para 2 Peer Reviewers, que o examinam e arbitram sobre a sua qualidade, dando as recomendações convenientes. A Direção da Revista enviará ao autor informação sobre a aceitação definitiva, aceitação com alterações, ou não aceitação, bem como os pareceres e recomendações dos Peer Reviewers. As alterações a efetuar pelo autor deverão ir, rigorosamente, de acordo com as recomendações dos Peer Reviewers. Cada artigo deverá ser verificado pelo Diretor e pelo Coordenador da Revista, que analisam a primeira versão do artigo e a versão corrigida, em função das recomendações dos Peer Reviewers. A oportunidade de publicação é da inteira responsabilidade da Direção da Revista.

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3 – A decisão final acerca da oportunidade de publicação dos artigos é da responsabilidade do Diretor da Revista. 4 – O artigo: 4.1 – Tipo de artigo: devem ser artigos científicos originais e versarem temas de saúde mental, Enfermagem de saúde mental ou educação em saúde mental. O conteúdo dos artigos é da exclusiva responsabilidade dos seus autores, aos quais compete respeitar os princípios éticos da investigação e cumprir as normas da edição da Revista. A Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental poderá incluir artigos em língua portuguesa, espanhola, inglesa ou francesa, consoante a origem dos artigos. 4.2 – Estrutura do artigo 4.2.1 - Título: o artigo deverá incluir um título informativo (que vá de encontro ao âmbito do trabalho) e sucinto (em português, espanhol e inglês); máximo de 16 palavras, sem abreviaturas e sem a indicação da localização geográfica da investigação. 4.2.2 - Autores: os autores devem estar devidamente identificados, com o nome, habilitações académicas, categoria profissional, instituição onde exercem funções, contactos (morada, e-mail e telefone institucionais) e informação no caso de o artigo ser extraído de Dissertação ou Tese (indicando o título, ano e instituição onde foi apresentada). O nome e afiliação dos autores deve surgir imediatamente após o título em português. As afiliações devem estar por extenso (ex.: Local de Trabalho – Escola Superior de Enfermagem do Porto). Os endereços de correio eletrónico dos autores dos artigos devem estar com hiperligação (com link disponível). 4.2.3 - Resumo: o resumo do trabalho deve ser apresentado em português, espanhol e inglês, e não deve exceder as 250 palavras, devendo incluir a descrição do contexto, objetivo(s), metodologia, resultados e conclusões. 4.2.4 - Palavras-Chave: o artigo deve apresentar, no máximo, 4 palavras-chave, transcritas de acordo com os descritores MeSH (em português, ver DeCS), em português, espanhol e inglês. 4.2.5 - Corpo do artigo: O artigo (tratando-se de um trabalho de investigação) deve ser estruturado em secções, devendo incluir os seguintes capítulos: Introdução, Metodologia, Resultados, Discussão, Conclusão, e Implicações para a Prática Clínica). Os artigos de revisão e de boas práticas/reflexão não têm que obedecer, necessariamente, a esta divisão. 4.3 - Formato: • O texto deve ser apresentado em formato Word, letra Arial, tamanho 11, espaçamento 1,5, páginas em formato A4, em coluna única, evitando negritos e sublinhados, variação do tipo de letra, fundos de cor, etc.; • Todas as margens devem ter 2,5 cm.; • Não devem ser incluídas notas de rodapé. • O artigo não deve ultrapassar as 15 páginas incluindo resumo (em português, espanhol e inglês), referências, tabelas, quadro e figuras. • O artigo não deverá ser paginado. • Os parágrafos não devem ser indentados. • O artigo deve ser redigido de acordo com o Novo Acordo Ortográfico (caso não o seja, a Comissão Editorial reserva-se o direito de realizar a conversão). Nota: caso o(s) autor(es) se recuse(m) a redigir o artigo segundo o Novo Acordo Ortográfico devem, aquando do seu envio, manifestar essa posição de forma clara e inequívoca. • Na primeira utilização de uma sigla esta deve estar, primeiramente, por extenso, por exemplo: Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). • Quando se realizarem citações de três a cinco autores, todos os nomes devem ser mencionados na primeira vez que a citação é feita (ex.: Bradley, Ramirez, & Soo, 1999). Nas vezes seguintes, deve utilizar-se apenas o nome do primeiro autor seguido de “et al.” (ex.: Bradley et al., 1999). Caso a citação seja de seis ou mais autores, logo na primeira vez em que a citação é feita deve utilizar-se apenas o nome do primeiro autor seguido de “et al.”. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 86


• No corpo do artigo, ao citar autores coletivos, na primeira vez que a citação é feita, deve ser mencionado o nome por extenso (ex.: National Institute of Mental Health [NIMH], 2003). Nas vezes seguintes, pode ser utilizada a abreviatura (ex.: NIMH, 2003). • Os títulos dos capítulos devem seguir a seguinte estrutura: Nível do Título Formato 1 Centrado, Negrito, com Maiúsculas e Minúsculas 2 Alinhado à Esquerda, Negrito, com Maiúsculas e Minúsculas 3 Indentado, negrito, em minúsculas terminando com ponto final. 4 Indentado, negrito, itálico, em minúsculas terminando com ponto final. 5 Indentado, itálico, em minúsculas terminando com ponto final. 4.3.1 - Tabelas, quadros, gráficos e figuras: devem ser incluídos apenas os que sejam absolutamente essenciais para a compreensão do artigo e numerados por ordem de inclusão no texto, em função de cada tipo. As tabelas e quadros devem apresentar o título em cabeçalho e os gráficos e figuras devem apresentar o título por baixo. Para tabelas e quadros o tamanho da letra pode ser reduzido até um mínimo de 9 e sem espaçamentos. As tabelas, quadros, gráficos e figuras devem surgir imediatamente após o parágrafo em que é feita referência às mesmas. 4.3.2 - Citações: todos os autores citados no artigo devem constar da lista de referências bibliográficas. Exemplo: Sequeira (2006), (Sequeira, 2006), ou “Em 2006, Sequeira (...)”. Deve indicar-se o número de página, no caso de citação textual, tal como nos exemplos: Sequeira (2006, p. 32) ou (Sequeira, 2006, p. 32). Quando citar dois ou mais autores numa mesma paráfrase, deve ordená-los por ordem alfabética, tal como no exemplo: (Miller, 1999; Shafranske & Mahoney, 1998). Nota: utilizar o símbolo “&” apenas nas paráfrases em que os autores citados sejam de países em que o português não é uma língua oficial (ex.: EUA, Reino Unido, etc.). 4.3.3 - Referências Bibliográficas: • As referências selecionadas devem permitir evidenciar as publicações mais representativas do “estado da arte” da problemática em estudo (últimos 5 anos, extensíveis a 10 anos para problemáticas que tenham sido pouco estudadas), resultando da pesquisa de bases de dados de revistas indexadas nacionais e internacionais. • As referências bibliográficas devem estar elaboradas de acordo com as normas da 6ª Edição da American Psychological Association (APA). Todas elas deverão estar citadas no artigo. • Nas referências bibliográficas, independentemente do número de autores, estes devem ser todos referidos, não sendo permitido o uso de “et al.”. • O título das revistas nunca deve ser abreviado nas referências bibliográficas. Por exemplo, não se deve escrever “RPESM”, mas sim “Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental”. • Sempre que se inclua um site nas referências bibliográficas, a sua hiperligação deve estar presente e funcionante. Nota: as fontes devem ser alvo de seleção criteriosa, em função da sua pertinência, e não devem ultrapassar um total de 20 referências, organizadas por apelido do autor e ordenadas por ordem alfabética. APA 6ª Edição (Exemplos – consultar http://www.apastyle.org/) 4.3.3.1 Modelo de referências (indicar o nome de todos os autores – não usar “et al.”): Livros Shotton, M. A. (1989). Computer addiction? A study of computer dependency. London, England: Taylor & Francis. Trabalho académico (Dissertação/Tese) Healey, D. (2005). Attention deficit/hyperactivity disorder and creativity: An investigation into their relationship. Tese de Doutoramento, University of Canterbury, Christchurch, New Zealand. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 87


Trabalho académico (Dissertação/Tese) Healey, D. (2005). Attention deficit/hyperactivity disorder and creativity: An investigation into their relationship. Tese de Doutoramento, University of Canterbury, Christchurch, New Zealand. Editor literário Barkley, R. A. (Ed.) (2008). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: Manual para diagnóstico e tratamento (3ª ed.). Porto Alegre: Artmed. Capítulos de livros Haybron, D. M. (2008). Philosofy and the science of subjective well-being. In M. Eid & R. J. Larsen (Eds.), The Science of subjective well-being (pp. 17-43). New York, NY: Guilford Press. Autor coletivo American Psychological Association. (2010). Publication manual of the American Psychological Association (6ª ed.). Washington, DC: Author. Artigos de publicações periódicas Com DOI Herbst-Damm, K. L. & Kulik, J. A. (2005). Volunteer support, marital status, and the survival times of terminally ill patients. Health Psychology, 24, 225-229. doi: 10.1037/0278-6133.24.2.225 Sem DOI Light, M. A. & Light, I. H. (2008). The geographic expansion of Mexican immigration in the United States and its implications for local law enforcement. Law Enforcement Executive Forum Journal, 8(1), 73-82. Documentos eletrónicos Livros Schiraldi, G. R. (2001). The post-traumatic stress disorder sourcebook: A guide to healing, recovery, and growth [Adobe Digital Editions version]. doi: 10.1036/10071393722 Artigos de publicações periódicas Wheeler, D. P. & Bragin, M. (2007). Bringing it all back home: Social work and the challenge of returning veterans. Health and Social Work, 32(1), 297-300. Acedido em http://www.naswpressonline.org Outros (póster, comunicação livre, etc.) Leclerc, C. M. & Hess, T. M. (2005, agosto). Age diferences in processing of affectively primed information. Póster apresentado na 113ª Annual Convention of the American Psychological Association, Washington, DC. Nota: no caso de os autores serem de países de língua oficial portuguesa, nas referências bibliográficas o “&” deve ser substituído por “e”. 5 – Formato Padrão do Artigo a submeter: Primeira Página • Título (em português, espanhol e inglês) • Nome dos autores (separados por ponto e vírgula); • Afiliações dos autores (uma afiliação por linha); • Indicação caso o artigo seja extraído de Dissertação/Tese. Nota: esta página, posteriormente, é retirada pelo Coordenador da Comissão Editorial, sendo atribuído um número codificado que identifica o artigo junto dos revisores Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 19 (JUN.,2018) | 88


Segunda Página • Titulo (em português); • Resumo (em português); • Palavras-Chave (em português); • Título (em espanhol); • Resumen; • Descriptores; • Titulo (em inglês); • Abstract; • Keywords. Páginas Seguintes: • Introdução; • Metodologia; • Resultados; • Discussão; • Conclusões; • Referências bibliográficas; • Apêndices (se existentes), agradecimentos (se existentes), conflitos de interesses (se existentes), fontes de financiamento (se existentes), e contribuições dos autores (se aplicável).

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