Revista especial RPESM N5

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FICHA TÉCNICA

TÍTULO | TITLE Revista Portuguesa de Enfermagem em Saúde Mental | Portuguese Journal of Mental Health Nursing

PUBLICAÇÃO E PROPRIEDADE | PUBLISHING AND PROPERTY

A Sociedade Portuguesa de Enfermagem em Saúde Mental | The Portuguese Society of Mental Health Nursing

DIRETOR | MANAGING DIRECTOR

Carlos Sequeira, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal

COORDENADOR | COORDINATOR

Luís Sá, PhD - Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal

COORDENADOR DA COMISSÃO EDITORIAL | EDITORIAL BOARD COORDINATOR

Francisco Sampaio, MSc – Hospital de Braga, Portugal

COMISSÃO EDITORIAL | EDITORIAL BOARD

Amadeu Gonçalves, PhD - Escola Superior de Saúde, Instituto Politécnico de Viseu Analisa Candeias, MSc - Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho Bruno Santos, MSc – Casa de Sáude do Bom Jesus - Braga Carlos Vilela, MSc - Escola Superior de Enfermagem do Porto Lia Sousa, MSc - Centro Hospital de São João, Porto Lucília Vale de Nogueira, MSc – Centro Hospitalar do Porto Luís Silva, MSc - Hospital de Magalhães Lemos, Porto Odete Araújo, MSc - Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho Olga Cunha Rocha, MSc - Escola Superior de Enfermagem do Porto (Jubilada) Regina Pires, MSc – Escola Superior de Enfermagem do Porto Rita Costa, MSc - Unidade Local de Saúde de Matosinhos, Porto Rosa Silva, MSc - Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto

COMISSÃO CIENTÍFICA | SCIENTIFIC REVIEWERS

Agustín Simónelli Muñoz, PhD - Universidad Católica San Antonio, Múrcia, Espanha Aida Mendes, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal Alexandre Marques Rodrigues, PhD - Escola Superior de Saúde de Aveiro, Aveiro, Portugal Beatriz Araújo, PhD - Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal Carlos Sequeira, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Carme Ferré-Grau, PhD - Universitat Rovira i Virgili. Tarragona, Espanha Elaine Antunes Cortez, PhD - Escola de Enfermagem AAC - Universidade Federal Fluminense, Brasil Elizabete Borges, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Francisca Manso, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Portugal Geilsa Cavalcanti Valente, PhD - Escola de Enfermagem AAC - Universidade Federal Fluminense, Brasil Guilherme Correa Barbosa, PhD – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Brasil Graça Pimenta, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Isilda Ribeiro, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Joaquim Passos, PhD – Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Portugal José António Pinho, PhD – Centro Hospitalar do Porto, Portugal José Carlos Carvalho, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal José Carlos Gomes, PhD - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria, Portugal José Carlos Santos, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal Juan Roldan Merino, PhD - Escuela de Enfermería Sant Joan de Déu (adstrita a la UB), Espanha Júlia Martinho, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Luís Sá, PhD - Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal Margarida Sotto Mayor, PhD - Hospital de Magalhães Lemos, Porto, Portugal Mar Lleixà-Fortuny, PhD - Universitat Rovira i Virgili. Tarragona, Espanha Marluce Miguel de Siqueira, PhD - Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Michell Araújo, PhD - Faculdade Católica Rainha do Sertão - Fortaleza e Hospital de M., Brasil Odete Araújo, PhD - Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho, Portugal Odete Pereira, PhD - Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil Raul Cordeiro, PhD – Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Portalegre, Portugal Teresa Barroso, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal Teresa Lluch-Canut, PhD – Escola Universitària d’Infermeria - Universitat de Barcelona, Espanha Zeyne Scherer, PhD – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, Brasil Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 2


Público-alvo:

Enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e outras pessoas com interesse na área da saúde mental.

Objectivo:

Divulgação de evidências científicas sobre a promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento, reabilitação e reintegração das pessoas com doença mental ao longo da vida.

Âmbito:

Políticas e design dos cuidados de saúde; Avaliação, diagnóstico, intervenções e resultados de enfermagem; Sistemas de informação e indicadores em saúde mental; Direitos e deveres dos doentes mentais; Formação e investigação em enfermagem em saúde mental.

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ISSN:

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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 3


Índice

EDITORIAL CONVIDADO

1

PARTICULARIDADES DA GESTÃO DE ENFERMAGEM EM INSTITUIÇÕES

PSIQUIÁTRICAS .......................................................................................................................... 6

ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO

2

ANSIEDADE, STRESS E DEPRESSÃO RELACIONADOS COM PERTURBAÇÕES DO

SONO-VIGÍLIA E CONSUMO DE ÁLCOOL EM ALUNOS DO ENSINO SUPERIOR ................... 8

3

ANÁLISE FATORIAL CONFIRMATÓRIA DA DEPRESSION ANXIETY STRESS SCALE EM

PESSOAS COM DOENÇA RENAL CRÓNICA ........................................................................... 13

4

PROGRAMA DE LUTA CONTA O ESTIGMA: RESULTADOS OBTIDOS NA FORMAÇÃO

NOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE MENTAL ............................................................................... 19

5

SITUAÇÕES INDUTORAS DE STRESS E BURNOUT EM ESTUDANTES DE

ENFERMAGEM NOS ENSINOS CLÍNICOS

6

SATISFAÇÃO COM O SUPORTE SOCIAL E QUALIDADE DE VIDA DOS DOENTES

COM ESQUIZOFRENIA ............................................................................................................. 33

7

ESCALA DE ENVOLVIMENTO COM O ÁLCOOL PARA ADOLESCENTES (AAIS):

ANÁLISE FACTORIAL CONFIRMATÓRIA

8

NECESSIDADES DOS CUIDADORES FAMILIARES DE PESSOAS COM DEMÊNCIA A

RESIDIR NO DOMICÍLIO: REVISÃO INTEGRATIVA ..................................................................... 45

9

A SAÚDE MENTAL EM ESTUDANTES DO ENSINO SUPERIOR. RELAÇÃO COM O

GÉNERO, NÍVEL SOCIOECONÓMICO E OS COMPORTAMENTOS DE SAÚDE. .................... 51

10

VÍTIMAS E AGRESSORES – MANIFESTAÇÕES DE BULLYING EM ALUNOS DO 6º AO

9º ANO DE ESCOLARIDADE ...................................................................................................... 57

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 4

............................................................................. 25

................................................................................ 39


11

O ADOLESCENTE COM COMPORTAMENTO AUTOLESIVO SEM INTENÇÃO SUICIDA

NO INTERNAMENTO DO SERVIÇO DE URGÊNCIA DE UM HOSPITAL PEDIÁTRICO

DA REGIÃO CENTRO .................................................................................................................. 63

12

COMPORTAMENTO DOS ENFERMEIROS PERANTE ATOS DE BULLYING NO

TRABALHO ................................................................................................................................ 69 13

A COMPONENTE MENTAL: UM ASPETO POSITIVO DA QUALIDADE DE VIDA DE

UMA POPULAÇÃO ...................................................................................................................... 75

14

A ESPERANÇA EM DOENTES INTERNADOS EM UNIDADES DE CUIDADOS

CONTINUADOS

15

PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO PSICOTERAPÊUTICA GRUPAL: IMPLEMENTAÇÃO

E AVALIAÇÃO NUM CONTEXTO DA PRÁTICA CLÍNICA ............................................................ 87

16

GRUPOS DE AUTOAJUDA: A PERCEÇÃO DE GRAVIDADE DO ALCOOLISMO, DA

SAÚDE FÍSICA E MENTAL ......................................................................................................... 93

17

A PLASTICIDADE CRIATIVA POSSIBILITADA PELA SOCIOPOÉTICA: A PERSPECTIVA

DA CRIAÇÃO DE RELAXAMENTO ............................................................................................ 99

18

CONSUMO DE BENZODIAZEPINAS NO IDOSO DEPRIMIDO ............................................... 107

19

NORMAS DE PUBLICAÇÃO DA REVISTA PORTUGUESA DE ENFERMAGEM DE SAÚDE

...................................................................................................................... 81

MENTAL ................................................................................................................................... 113

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 5


Editorial Convidado

1

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0159

PARTICULARIDADES DA GESTÃO INSTITUIÇÕES PSIQUIÁTRICAS

DE

ENFERMAGEM

EM

| João Teles1 |

Todas as organizações, independentemente do seu ramo de atividade, necessitam de uma gestão adequada aos seus objetivos, no sentido de uma melhor eficácia, otimização dos recursos disponíveis, atendendo sempre ao fator de sustentabilidade económica. No caso das organizações de saúde, nomeadamente dos hospitais, a função “ gestão” envolve maior complexidade, pois visa, tanto a satisfação dos seus clientes internos como externos, sempre na procura de atender a padrões de qualidade, previamente estabelecidos e divulgados. Em Portugal, o modelo organizativo dos hospitais tem sofrido alterações significativas no seu estatuto jurídico, sendo a mais recente “a empresarialização “, que introduziu novas dinâmicas de gestão, com ênfase na governação clínica, assegurando que os cidadãos participem nos processos de decisão, através de inquéritos de avaliação de satisfação e apresentação de sugestões. Permite-se deste modo uma interacção constante entre os utilizadores e os gestores favorecendo a melhoria da prestação de cuidados. O HML é, a exemplo dos outros hospitais, uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, nos termos jurídicos do sector público empresarial. A gestão apresenta algumas particularidades, sendo reconhecido aos enfermeiros um papel de relevo na estrutura do hospitalar, constituindo-se estes como um pilar indispensável ao funcionamento dos diferentes serviços e à garantia da prestação de cuidados de saúde de qualidade à população assistida, nomeadamente da prestação de cuidados de enfermagem. Nas instituições psiquiátricas, o gestor de enfermagem, para além do que está definido na Lei, enfatiza uma filosofia do cuidar, da relação entre as pessoas e do trabalho em equipa multidisciplinar, não descurando a valorização e a visibilidade social da qualidade do exercício profissional. O gestor de enfermagem nestas instituições, deparase quotidianamente com particularidades/problemas, para os quais é necessário mobilizar um conjunto de sa-

beres, habilidades e atitudes, para que não se reflitam na motivação dos enfermeiros nem na qualidade dos cuidados de enfermagem, nomeadamente com a ausência de normas para o cálculo de dotações seguras em cuidados de enfermagem e com a aplicação do exposto no artigo 57º do Decreto – Lei 437/98 de 8 de novembro – “compensação pelo exercício de funções em condições particularmente difíceis”. No primeiro caso, o regulamento nº533/2014 de Ordem dos Enfermeiros não comtemplou os serviços de psiquiatria, referindo apenas que urgia a definição de instrumentos de avaliação fiável das necessidades em cuidados de enfermagem, alinhada com o novo plano nacional de saúde mental, o que ainda não aconteceu. Assim, continuam os enfermeiros gestores privados de documento legal que fundamente as suas decisões nesta matéria. No segundo caso, apesar de existir direito à compensação pelo exercício de funções em condições particularmente penosas, em que, e cito “ os enfermeiros que exercem funções em unidades de internamento de psiquiatria …terão direito, ao fim de um ano de trabalho efetivo nestes serviços, a um período adicional de férias de cinco dias úteis. Bem como beneficiar de redução no horário de trabalho de uma hora semanal por cada triénio de exercício efetivo, até ao limite de 30 horas semanais, sem perda de regalias.”, Subsiste o problema de estarem contemplados, apenas, os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas e dentre estes, aqueles que exercem nos serviços de internamento. Ora, como se pode depreender, esta situação torna particularmente difícil a gestão dos recursos humanos de enfermagem, pois, para além de não considerar penoso o exercício de enfermagem no ambulatório, visitas domiciliárias, hospital de dia e reabilitação psicossocial, o que é discutível, não considera, também, os enfermeiros com contrato individual de trabalho que exerçam funções no internamento, elegíveis para beneficiar destas condições.

1 Enfermeiro Diretor do Hospital Magalhães Lemos Citação: Teles, J. (2017). Particularidades da gestão de enfermagem em instituições psiquiátricas (Spe. 5). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 06-07.

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Embora, há alguns anos, tenhamos vindo a alertar as várias entidades para a correção destas desigualdades, o facto é que elas persistem, o que urge corrigir, pois se é verdade que o exercício profissional é particularmente penoso para quem exerce funções em unidades de internamento de psiquiatria, não pode excluir este benefício consoante o vínculo laboral.

Assim, podemos afirmar que a gestão de enfermagem em instituições psiquiátricas tem particularidades únicas, que exigem conhecimento, criatividade e inovação permanente, assente no trabalho em equipa e na comunicação.

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Artigo de Investigação

2

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0160

ANSIEDADE, STRESS E DEPRESSÃO RELACIONADOS COM PERTURBAÇÕES DO SONO-VIGÍLIA E CONSUMO DE ÁLCOOL EM ALUNOS DO ENSINO SUPERIOR | Ana Galvão1; Marco Pinheiro2; Maria José Gomes3; Sílvia Ala4 |

RESUMO CONTEXTO: A transição normativa do ensino secundário para o superior apresenta vários desafios, nomeadamente a saída da casa familiar, o aumento de independência, alterações nos grupos sociais e um acesso aumentado a álcool e drogas. Alguns dos estudantes com estratégias de coping menos adaptativas para lidar com estas alterações, em muitos casos stressantes, podem estar em risco de desenvolver uma má qualidade de sono e comportamentos de risco no que diz respeito ao consumo de álcool. OBJETIVOS: Avaliar a ansiedade, stress e depressão relacionadas com distúrbios de sono e consumo de álcool em alunos do ensino superior, bem como a relação entre a qualidade de sono, stress, ansiedade, depressão e consumo de álcool e as caraterísticas sociodemográficas selecionadas. METODOLOGIA: Estudo, descritivo-correlacional e transversal. Amostra não probabilística e por conveniência de 158 alunos do ensino superior. Os instrumentos de avaliação foram o Alcohol Use Disorders Identification Test-AUDIT, o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh-IQPS e a Escala de Ansiedade, Depressão e Stress-EADS-21. RESULTADOS: A maioria dos estudantes (53.8%) demonstra uma má qualidade de sono apresentando níveis de stress, ansiedade e depressão superiores aos restantes. Uma maioria de estudantes (86.1%) tem um nível de consumo de álcool normal. Existe uma relação entre a qualidade de sono e o nível de consumo de álcool. CONCLUSÕES: Os resultados do estudo confirmam a necessidade da consulta de higiene do sono na Unidade de Psicologia Clínica do Instituto Politécnico de Bragança, de forma a ir ao encontro das queixas evidenciadas nas perturbações no padrão do sono-vigília dos estudantes. PALAVRAS-CHAVE: transtornos do sono-vigília; consumo de bebidas alcoólicas; saúde mental; adulto jovem

RESUMEN

ABSTRACT

“Ansiedad, estrés y depression relacionados con los trastornos de sueño-vigilia y consumo de alcohol en estudiantes de educación superior”

“Anxiety, stress and depression related to sleep wake disorders and alcohol consumption among higher education students”

CONTEXTO: La transición normativa de la educación secundaria a la superior presenta muchos desafíos, en especial la salida del hogar familiar, aumento de la independencia, cambios en los grupos sociales y un mayor acceso al alcohol y drogas. Algunos de los estudiantes con estrategias de afrontamiento poco adaptativos para hacer frente a estos cambios, en muchos casos los factores de estrés, pueden estar en riesgo de desarrollar una mala calidad del sueño y conductas de riesgo con respecto al alcohol. OBJETIVOS: Evaluar la ansiedad, el estrés y la depresión relacionados con los trastornos del sueño y el consumo de alcohol en estudiantes de educación superior, así como la relación entre la calidad del sueño, estrés, ansiedad, depresión y consumo de alcohol y las características sociodemográficas seleccionadas. METODOLOGÍA: Estudio descriptivo-correlacional y transversal. Muestra no probabilística y de conveniencia de 158 estudiantes de educación superior. Los instrumentos de evaluación fueron el Alcohol Use Disorders Identification Test-AUDIT, el Índice de Calidad del Sueño de PittsburghICSP y la Escala de Ansiedad, Depresión y Estrés-EADS-21. RESULTADOS: La mayoría de los estudiantes (53,8%) muestran una mala calidad de los niveles de sueño presentando estrés, ansiedad y depresión por encima de los otros. Una mayoría de los estudiantes (86,1%) tienen un nivel de consumo de alcohol normal. Existe una relación entre la calidad del sueño y el nivel de consumo de alcohol. CONCLUSIONES: Los resultados del estudio confirman la necesidad de la consulta de la higiene del sueño en la Unidad de Psicología Clínica del Instituto Politécnico de Bragança, con el fin de responder a las quejas de manifiesto en las perturbaciones en el patrón de sueño-vigilia de los estudiantes.

DESCRIPTORES: trastornos del sueño-vigilia; consumo de bebidas alcohólicas; salud mental; adulto joven

BACKGROUND: The transition from secondary school to higher education presents a number of challenges, such as leaving the family home, increasing independence, changes in social groups, and increased access to alcohol and drugs. Some of the students with less adaptive strategies to cope with these, often, stressful changes may be at risk of developing poor sleep quality and risky behaviour when it comes to alcohol consumption. AIM: Evaluate anxiety, stress and depression related to sleep disorders and alcohol consumption in students of higher education, as well as the relationship between sleep quality, stress, anxiety, depression and alcohol consumption and the selected socio-demographic characteristics. METHODS: Descriptive-correlational and cross-sectional study. A nonprobabilistic, by convenience sample of 158 higher education students. The Alcohol Use Disorders Identification Test-AUDIT, Pittsburgh Sleep Quality Index-PSQI and the Anxiety, Depression and Stress Scale-EADS-21 were used as instruments. RESULTS: The majority of the students (53.8%) showed poor quality of sleep presenting higher levels of stress, anxiety and depression than the rest. A majority of students (86.1%) have a normal level of alcohol consumption. There exists a relationship between sleep quality and the level of alcohol consumption. CONCLUSIONS: The results of the study confirm the need for consultation of sleep hygiene in the Clinical Psychology Unit of the Instituto Politécnico de Bragança, in order to meet the complaints evidenced in disorders in the sleep-wake pattern of the students.

KEYWORDS: Continuing education; Psychiatric nursing; Working environment Submetido em 18-11-2016 Aceite em 20-03-2017

1 Doutora, Professora Coordenadora, Coordenadora do Departamento de Ciências Sociais e Gerontologia, Escola Superior de Saúde do IP de Bragança, anagalvao@ipb.pt 2 Licenciado, Docente, Assistente Convidado, Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Bragança, Portugal, mpinheiro@ipb.pt 3 Doutora, Docente, Professora Adjunta, Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Bragança, Avenida D. Afonso V, Bragança, Portugal, mgomes@ipb.pt 4 Mestre, Docente, Assistente Convidada, Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Bragança, Avenida D. Afonso V, Bragança, Portugal, silvia.ala@ipb.pt Citação: Galvão, A., Pinheiro, M., Gomes, M.J., & Ala, S. (2017). Ansiedade, stress e depressão relacionados com perturbações do sono-vigília e consumo de álcool. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 08-12. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 8


INTRODUÇÃO A transição normativa do ensino secundário para o ensino superior apresenta vários desafios, nomeadamente a saída da casa familiar, o aumento de independência e responsabilidade académica, alterações nos grupos sociais e um acesso aumentado a álcool e drogas. Alguns dos estudantes com estratégias de coping menos adaptativas para lidar com estas alterações, em muitos casos stressantes, podem estar em risco de desenvolver uma má qualidade de sono e comportamentos de risco no que diz respeito ao consumo de álcool. Não obstante estudos recentes terem promovido o entendimento sobre a importância de bons hábitos de sono nos jovens adultos (Taylor & Bramoweth, 2010), investigação aprofundada sobre a qualidade de sono e a correlação com outros fatores como a saúde mental e o consumo de, entre outros, álcool, ainda é escassa. Também em Portugal a investigação nestas áreas continua escassa, sendo no entanto reconhecido por várias entidades, como, por exemplo, a Direção Geral de Saúde (DGS, 2012), que a saúde mental associada a outros factores de risco, nomeadamente o consumo de álcool, deve ser uma prioridade no acompanhamento dos jovens adultos. Um dos principais problemas na investigação destes temas tem sido os resultados contraditórios em vários estudos, dificultando a fixação de normas e bases de comparação. A título de exemplo, a definição operacional inconsistente de insónia crónica (Lichstein & Perlis, 2003) levam a resultados díspares sobre os níveis de insónia que variam entre 8.7% e 69% (Taylor et al., 2011). Contudo, vários estudos conseguiram concluir que indivíduos com sintomas de insónia reportam uma maior irritabilidade, desequilíbrios nas funções cognitivas, ansiedade, depressão, cansaço e pior qualidade de vida (Walsh, 2004). Adicionalmente, as pessoas que apresentam uma má qualidade sono apresentam um maior risco para desenvolver depressões, ansiedade, abuso ou dependência de substâncias e doenças cardiovasculares (Taylor et al., 2011). Também o consumo excessivo de álcool nos estudantes universitários tem sido foco de grandes preocupações desde há várias décadas. O álcool é a substância mais consumida entre os jovens acarretando o seu consumo em excesso, potenciais consequências negativas para as diversas áreas da vida dos indivíduos, desde a saúde física à psíquica.

Baseados nestas evidências, a prossecução de estudos sobre as variáveis qualidade de sono, stress, ansiedade, depressão e consumo de álcool, apresentamse significativas, em especial na população de jovens adultos, dado a sua susceptibilidade e incapacidade de em muitos casos terem as competências e maturidade suficientes para poderem lidar de forma adaptativa com as alterações que vivenciam. METODOLOGIA Objetivou-se avaliar a ansiedade, stress e depressão relacionadas com as perturbações de sono e consumo de álcool em alunos do ensino superior, bem como a relação entre estas variáveis e as caraterísticas sociodemográficas dos estudantes, através de um estudo, descritivo-correlacional e transversal. O estudo decorreu entre setembro e outubro de 2016. Amostra Amostra, não probabilística e por conveniência de estudantes do Instituto Politécnico de Bragança, composta por 158 indivíduos, dos quais 88.6% pertencentes ao sexo feminino, com o ano de curso mais representativo o primeiro ano (41.1%), com o curso mais representativo a Licenciatura em Ciências Biomédicas Laboratoriais (42.4%) e a larga maioria não é oriunda de Bragança (87.3%). Instrumentos Como instrumento de avaliação foi utilizado um questionário, composto por 4 partes. A primeira parte com questões sociodemográficas bem como questões gerais sobre o consumo de substâncias. As restantes três partes foram compostas por: o Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT), o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (IQSP) e a Escala de Ansiedade, Depressão e Stress (EADS-21). O Alcohol Use Disorders Identification Test de Babor, Higgins-Biddle, Saunders e Monteiro, (2001), versão portuguesa validada por Cunha (2002), é um instrumento de rastreio do consumo excessivo do álcool, desenvolvido para a Organização Mundial da Saúde. É uma escala composta por 10 questões com respostas entre 0 e 4 pontos. A pontuação final é uma resultado composto variando entre 0 e 48. De acordo com os autores da escala, existem 5 zonas de risco de consumo de álcool indicando a respetiva intervenção sugerida: 1-Educação sobre álcool; 2-Aconselhamento simples; 3-Aconselhamento simples com consulta breve e monitorização contínua e; 4-Referenciação para um especialista para avaliação de diagnóstico e tratamento. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 9


O Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh de Buysse, Reynolds, Monk, Berman e Kupfer (1989), na versão portuguesa de Ramalho (2008), é um índice composto por 19 questões, com 4 questões sobre o tempo de sono e as restantes questões sobre a qualidade de sono, respondidas numa escala de 0 a 3 pontos. A escala avalia: qualidade de sono subjetiva, latência do sono, duração do sono, eficiência habitual do sono subjetiva, perturbações do sono, utilização de medicação para dormir e disfunção diurna por sonolência. A pontuação final é um resultado composto, variando entre 0 e 21 pontos. Uma pontuação final acima de 5 pontos, indica uma má qualidade de sono. A Escala de Ansiedade, Depressão e Stress, versão portuguesa adaptada por Ribeiro, Honrado e Leal (2004) da escala original Depression, Anxiety and Stress Scale de Lovibond e Lovibond (1995). É uma escala constituída por 21 questões em que as três dimensões – stress, ansiedade e depressão – são medidas através de 7 questões cada que são respondidas numa escala que varia entre 0 “não se aplicou nada a mim” e 3 “aplicou-se a mim a maior parte das vezes”. Lovibond e Lovibond (1995) sugerem 5 níveis para cada dimensão que variam entre “normal” e “extremo”. No presente estudo as questões foram colocadas com referência a “durante a semana passada”. O tratamento de dados e testes estatísticos foram realizados no IBM SPSS Statistics, versão 23 para macOS. RESULTADOS A primeira fase da análise de dados foi o cálculo dos valores médios e desvios padrão para as quatro dimensões sob estudo – qualidade de sono (M=6.17; DP=2.68), stress (M=5.22; DP=4.2), ansiedade (M=2.77; DP=2.79), depressão (M=3.20; DP=3.70) e consumo de álcool (M=4.03; DP=4.35). Com exceção da qualidade de sono, com uma média acima de 5, ou seja, má qualidade de sono, as variáveis apresentam valores considerados normais. Num segundo momento de análise de dados, subdividiram-se as pontuações obtidas, pelos vários níveis, apresentando os resultados na Tabela 1.

Tabela 1 - Níveis de stress, ansiedade, depressão, consumo de álcool e qualidade de sono com base nos cut-off definidos Número

%

Nivel_Stress

Normal Suave Moderado Severo Extremo Total

122 12 13 9 2 158

77.2% 7.6% 8.2% 5.7% 1.3% 100.0%

Nivel_Ansiedade

Normal Suave Moderado Severo Extremo

115 13 18 6 6

72.8% 8.2% 11.4% 3.8% 3.8%

Nivel_Depressao

Normal Suave Moderado Severo Extremo

122 11 15 7 3

77.2% 7.0% 9.5% 4.4% 1.9%

Nivel_AUDIT

Zone I Zone II Zone III Zone IV

136 18 2 2

86.1% 11.4% 1.3% 1.3%

Qual_Sono

Boa Má

73 85

46.2% 53.8%

Nota: Classificações de acordo com os autores originais

Pode-se observar na Tabela 1 que o peso de respondentes com níveis severos ou extremos de stress, ansiedade e depressão é de respetivamente 7%, 7.6% e 6.3%, 13.9% com níveis de consumo de álcool acima do normal e 53.8% com uma má qualidade de sono. Dada a não normalidade da distribuição dos dados, aferido através dos testes de Kolgomorov-Smirnov e de Shapiro-Wilk, bem como observação visual gráfica, optou-se por testes não-paramétricos. De forma a avaliar a relação entre a ansiedade, stress, depressão, qualidade e sono e consumo de álcool calcularam-se as correlações entre as cinco dimensões, conforme apresentadas na Tabela 2. Tabela 2 - Correlações não-paramétricas (rho de Spearman) entre as variáveis IQSP

Stress

IQSP

1.000

Stress

.406** 1.000

Ansiedade

Depressão

Ansiedade .378** .596** 1.000 Depressão .291** .600** .478**

1.000

AUDIT

-.127

.132

-.123

.043

**. Correlação é significativa ao nível 0.01 (2-tailed).

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 10

AUDIT

1.000


Salientam-se as correlações estatisticamente significativas (p<0.001) entre a qualidade de sono, stress, ansiedade e depressão. Procedeu-se a testes de Mann-Whitney para verificar se a relação entre qualidade de sono, subdividida entre boa e má, o stress, ansiedade e depressão. Os resultados deste teste confirmaram uma relação estatisticamente significativa entre a qualidade de sono e o stress (p<0.001), a ansiedade (p<0.001) e a depressão (p=0.005). O teste de Kruskal-Wallis, realizado para identificar eventuais relações entre a zona de consumo de álcool e o stress, ansiedade e depressão, confirmou que não existe relação estatisticamente significativa. A relação entre a qualidade de sono e a zona de consumo de álcool, é apresentada na Tabela 3. Tabela 3 - Comparação entre a qualidade de sono e nível de consumo de álcool Qualidade de Sono Boa Número Nível AUDIT

Má % Número

%

Zone I

68

93.1%

68

79.9%

Zone II

4

5.5%

14

16.5%

Zone III

1

1.4%

1

1.2%

Zone IV

0

0.0%

2

2.4%

73

100.0%

85

100.0%

Total

Conclui-se que nos indivíduos com má qualidade de sono, existe uma maior percentagem nas zonas de consumo de álcool II a IV (20.1%). De forma a verificar se estas diferenças são estatisticamente significativas, agrupou-se os respondentes por estando na Zona I (consumo normal) ou numa zona superior a I. Procedendo-se a uma comparação da qualidade de sono (boa ou má) com a este novo agrupamento do consumo de álcool, conclui-se que as diferenças são estatisticamente significativas (p=0.018), ou seja, os estudantes com má qualidade de sono apresentam uma maior probabilidade de se encontrar numa zona de consumo de álcool acima do normal. Relacionando com os níveis de stress, ansiedade e depressão, resulta em diferenças que não são estatisticamente significativas. Finalmente, a Tabela 4 apresenta as pontuações médias, por variável sociodemográfica, onde existem diferenças estatisticamente significativas.

Tabela 4 - Dados sociodemográficos com relações estatisticamente significativas com as dimensões sob estudo Género

AUDIT M(DP)

Masculino

7.61(8.08)

Feminino

3.57(3.39)

Exercício Físico

Depressão M(DP)

Sim

2.76(3.53)

Não

4.16(3.94)

Reside junto estabelecimentos noturnos

AUDIT M(DP)

Sim

4.98(5.02)

Não

2.87(2.99)

p 0.040

0.033

0.001

DISCUSSÃO Dos resultados do presente estudo podemos concluir que existe uma relação estatisticamente significativa entre a qualidade de sono e os níveis de stress, ansiedade e depressão e entre a qualidade de sono e comportamentos de risco de consumo de álcool. Num estudo promovido pela Universidade de Aveiro, verificou-se que o consumo de álcool traduz, muitas vezes, uma estratégia de coping de evitamento - quem consome mais álcool perceciona menos stress - constituindo-se como uma estratégia desadaptativa (Rodrigues, Salvador, Lourenço e Santos, 2014). Caetano e Thomaz (2012) analisaram as respostas os jovens e constataram que os hábitos e perturbações do sono, ao influenciarem negativamente a qualidade de vida, também geram a situações de stress, impaciência e indisponibilidade, irritabilidade, agressividade, distrações e apatia, ou e pelo contrário, a situações de hiperatividade, desconforto, dificuldade de interação, tristeza, isolamento, falta de ânimo e de energia. Paiva (2015), por sua vez, afirma que quem dorme bem tem uma grande capacidade de adaptação a circunstâncias adversas, como o stress. A ingestão de álcool, deve-se muito ao facto de os indivíduos terem a crença de que este alivia estados emocionais negativos, funcionando como uma estratégia de coping, ainda que mal-adaptativa, muitas vezes utilizadas para fazer face ao stress, tendo como objetivo “fugir” aos problemas do dia-a-dia ou, simplesmente, desinibição social. Contudo, estes resultados levam-nos igualmente a questionar se a bateria de testes habitualmente utilizados nos estudos em Portugal, especialmente o IQSP, são os mais adequados para estudar estas matérias, uma vez que surgem com maior frequência artigos internacionais que igualmente formulam esta dúvida e cujos resultados, baseados na utilização de baterias Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 11


de teste mais alargadas, evidenciam que há outros instrumentos de medição porventura mais adequados (Taylor, Bramoweth, Grieser, Tatum & Roane, 2013). Assim, futuros estudos sobre a problemática da qualidade de sono, deverão ser precedidos de uma escolha, ou até desenvolvimento, de uma bateria de testes adequados. CONCLUSÕES

Buysse, D. J., Reynolds, C. F., Monk, T. H., Berman, S. R., & Kupfer, D. J. (1989). The Pittsburgh Sleep Quality Index: a new instrument for psychiatric practice and research. Psychiatry research, 28(2), 193-213. Caetano, T., e Thomaz, J. (2012). A Influência do Sono na Qualidade de Vida: Uma Amostra de Estudantes do Ensino Superior de Leiria. Lisboa: Centro de Estudos de Gestão do Instituto Superior Técnico (CEG-IST).

A experiência universitária pode ser frequentemente promotora duma primeira oportunidade de integrar um grupo de pares sem supervisão familiar, tornando os jovens mais vulneráveis a experiências previamente proibidas, principalmente nas festas típicas universitárias: praxe, recepção ao caloiro, semana académica, queima das fitas e outras. O presente estudo, tal como vários outros estudos, conclui que a qualidade de sono entre os estudantes do ensino superior é má e que está relacionada com perturbações mentais como o stress, ansiedade e depressão, bem como com um comportamento de risco no que diz respeito ao consumo de álcool. Não obstante poder-se questionar a adequação dos instrumentos de medição para medir com exatidão todas as dimensões da qualidade do sono, não se poderá ignorar a relação existente entre as variáveis estudadas.

Cunha, J. (2002). Validação da versão portuguesa dos Questionários AUDIT e Five-Shot para identificação de consumo excessivo de álcool. Lisboa: Internato Complementar de Clínica Geral da Zona Sul.

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Ribeiro, J. L. P., Honrado, A. A. J. D., e Leal, I. P. (2004). Contribuição para o estudo da adaptação portuguesa das escalas de ansiedade, depressão e stress (EADS) de 21 itens de Lovibond e Lovibond. Psicologia, Saúde & Doenças, 2, 229-239.

O álcool é considerada a substância mais consumida entre os jovens, e o seu consumo em excesso acarreta potenciais consequências negativas para as diversas áreas da vida dos indivíduos, desde a saúde física e emocional à sua esfera social. É igualmente importante conhecer os hábitos de sono e repouso dos estudantes, bem como as práticas de sono recomendadas e a consequência da falta de repouso. Com base neste estudo, e outros já realizados, bem como na observação das queixas apresentadas pelos estudantes nas consultas de psicologia na unidade de psicologia clínica do Instituto Politécnico de Bragança, encontra–se em fase de abertura a consulta de higiene do sono de forma a ir ao encontro às necessidades elencadas na área das perturbações em estudo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Babor, T. F., Higgins-Biddle, J. C., Saunders, J. B., & Monteiro, M. G. (2001). Audit. The Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT): Guidelines for use in primary care. Geneva, Switzerland: World Health Organization. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 12

Direção-geral da Saúde. (2012). Plano Nacional de Saúde 2012-2016: versão completa. Lichstein, K. L., & Perlis, M. L. (Eds.). (2003). Treating sleep disorders: Principles and practice of behavioral sleep medicine. New York: Wiley & Sons. Lovibond, P. F., & Lovibond, S. H. (1995). The structure of negative emotional states: Comparison of the Depression Anxiety Stress Scales (DASS) with the Beck Depression and Anxiety Inventories. Behaviour Research and Therapy, 33(3), 335-343. Paiva, T. (2015). Bom sono, boa vida. (7aEd.). Alfragide: Oficina do Livro.

Rodrigues, P. F., Salvador, A. C., Lourenço, I. C., e Santos, L. R. (2014). Padrões de consumo de álcool em estudantes da Universidade de Aveiro: Relação com comportamentos de risco e stress. Análise Psicológica, 32(4), 453-466. doi: 10.14417/ap.789 Taylor, D. J., Bramoweth, A. D., Grieser, E. A., Tatum, J. I., & Roane, B. M. (2013). Epidemiology of insomnia in college students: relationship with mental health, quality of life, and substance use difficulties. Behavior Therapy, 44(3), 339-348. Taylor, D. J., Gardner, C. E., Bramoweth, A. D., Williams, J. M., Roane, B. M., Grieser, E. A., & Tatum, J. I. (2011). Insomnia and mental health in college students. Behavioral Sleep Medicine, 9(2), 107-116. Walsh, J. K. (2004). Clinical and socioeconomic correlates of insomnia. The Journal of Clinical Psychiatry, 65 (Suppl 8), 13-19.


Artigo de Investigação

3

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0161

ANÁLISE FATORIAL CONFIRMATÓRIA DA DEPRESSION ANXIETY STRESS SCALE EM PESSOAS COM DOENÇA RENAL CRÓNICA | Luís Sousa1; Cristina Marques-Vieira2; Sandy Severino3; José Carlos Gomes4; Helena Maria Guerreiro José5 |

RESUMO CONTEXTO: A Depression Anxiety Stress Scale (DASS) foi desenvolvida por Lovibond e Lovibond, em 1995, para avaliar os sintomas da ansiedade e da depressão. A versão portuguesa da DASS com 21 itens (DASS-21) confirmou ter propriedades idênticas às da versão original. OBJETIVO: Confirmar a estrutura da DASS-21 em pessoas com doença renal crónica em programa de hemodiálise. MÉTODO: Estudo metodológico. Foi obtida uma amostra representativa de 159 pessoas com doença renal cónica, em programa de hemodiálise, em duas clínicas e num serviço de nefrologia de um Centro Hospitalar, todos em Lisboa, Portugal. Foi realizada colheita de dados de maio a junho de 2015. Desenvolveu-se uma análise fatorial confirmatória com recurso ao software AMOS. Utilizaramse os seguintes parâmetros: rácio entre o Qui quadrado e os graus de liberdade (Χ2/g.l), goodness-of-fit index (GFI), comparative fit index (CFI), Tucker-Lewis index (TLI) e root mean square error of approximation (RMSEA). RESULTADOS: Obteve-se Χ2/g.l=1,980, GFI=0,84, CFI=0,87, TLI=0,85 e RMSEA=0,08, o que demostra ser um bom ajustamento para a hipótese da solução de dois fatores. Não se confirma a solução proposta na versão original e na versão portuguesa (três fatores). CONCLUSÕES: A versão portuguesa da DASS-21 apresenta dois fatores, e é válida para medir stresse/ansiedade e depressão, em pessoas com doença renal crónica. PALAVRAS-CHAVE: Insuficiência Renal Crónica; Depressão; Ansiedade; Estudos de validação.

RESUMEN

ABSTRACT

“Análisis factorial confirmatório da Depression Anxiety Stress Scale en enfermedad renal crónica ”

“Confirmatory Factor Analysis of the Depression Anxiety Stress Scale in Chronic Kidney Disease”

CONTEXTO: La Escala de Depresión Ansiedad Estrés (DASS) fue desarrollada por Lovibond y Lovibond en 1995 con el objetivo de evaluar los síntomas de ansiedad y depresión. La versión en portugués de la DASS con 21 artículos (DASS-21) confirmó que tiene propiedades similares a la versión original. OBJETIVO: Confirmar la estructura de la DASS-21 en las personas con enfermedad renal crónica en hemodiálisis. MÉTODO: Estudio metodológico. Se obtuvo una muestra representativa de 159 personas con enfermedad renal crónica sometidos a hemodiálisis en dos clínicas en la ciudad de Lisboa y en el servicio de nefrología de un hospital también en Lisboa, Portugal. La cosecha se realizó entre mayo y junio de 2015. Se desarrolló un análisis factorial confirmatorio mediante el software AMOS. Los parámetros utilizados fueron: relación de la chicuadrado y los grados de libertad (Χ2 / gl) goodness-of-fit index (GFI), comparative fit index (CFI), Tucker-Lewis index (TLI) y lo root mean square error of approximation (RMSEA). RESULTADOS: Se obtuvieron Χ2 / df = 1,980, GFI = 0,84, CFI = 0,87, TLI = 0,85 y RMSEA = 0,08, lo que demuestra ser un buen ajuste a la hipótesis de la solución de dos factores. No se ha confirmado la solución propuesta en la versión original ni en la versión en Inglés (tres factores). CONCLUSIONES: La versión portuguesa de la DASS 21 tiene dos factores, y es válido para medir el estrés / ansiedad y la depresión en personas con enfermedad renal crónica.

BACKGROUND: The Depression Anxiety Stress Scale (DASS) was developed by Lovibond & Lovibond in 1995 with the objective of evaluating the symptoms of anxiety and depression. The Portuguese version of the DASS with 21 items (DASS-21) confirmed having identical properties as those of the original version. AIM: Confirm the structure of DASS-21 in people with chronic kidney disease on dialysis. METHOD: Methodological study. A representative sample of 159 people with chronic kidney disease on dialysis was obtained in two clinics in the Lisbon region and a nephrology department in a Lisbon hospital center, Portugal. Data collection occurred from may to june 2015. A confirmatory factor analysis was developed using the AMOS software. The following parameters were used: ratio between Chi squared and the degrees of freedom (Χ2/g.l), goodness-of-fit index (GFI), comparative fit index (CFI), Tucker-Lewis index (TLI) and root mean square error of approximation (RMSEA). RESULTS: The following was obtained:Χ2/g.l=1,980, GFI=0,84, CFI=0,87, TLI=0,85 and RMSEA=0,08, which shows being a good adjustment for the hypothesis of the solution of two factors. The solution proposed in the original version and in the Portuguese version is not confirmed (three factors). CONCLUSIONS: The portuguese version of the DASS presents two factors and is valid for measuring Stress/Anxiety and Depression, in people with chronic kidney disease.

DESCRIPTORES: Insuficiencia Renal Crónica; Depresión; Ansiedad; Estudios de validación. Submetido em 22-11-2016 Aceite em 20-02-2017

KEYWORDS: Chronic Renal Insufficiency; Depression; Anxiety; Validation studies.

1 Mestre; Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação; Enfermeiro no Centro Hospitalar Lisboa Central, Lisboa e Professor Adjunto na Universidade Atlântica, Fábrica da Pólvora de Barcarena, 2730-036 Barcarena, Oeiras, Portugal, luismmsousa@gmail.com 2 Mestre; Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação; Professora na Universidade Católica Portuguesa, cristina_marques@ics.lisboa.ucp.pt 3 Mestre; Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação; Enfermeira no Centro Hospitalar Lisboa Central, Lisboa, sandyseverino@gmail.com 4 Doutor em Saúde Pública. Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria. Professor Coordenador na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria. Portugal, jcrgomes@ipleiria.pt 5 Doutor em Enfermagem. Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica. Diretora da Escola de Saúde Multiperfil, Luanda, Angola, helena.jose@multiperfil.co.ao Citação: Sousa, L., Marques-Vieira, C., Severino, S., Gomes, J.C., & José, M.H.G. (2017). Análise fatorial confirmatória da Depression Anxiety Stress Scale em pessoas com Doença Renal Crónia. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 13-18. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 13


INTRODUÇÃO O aumento da prevalência da doença renal crónica (DRC) tem trazido desafios para a saúde pública, sendo esta considerada um problema social e económico em todo o mundo. Está associada a inúmeras comorbidades e a elevados gastos no âmbito da saúde (Fassbinder, Winkelmann, Schneider, Wendland & Oliveira, 2015; Pinho, Silva & Pierin, 2015). A DRC é definida como uma condição progressiva e irreversível das funções endócrinas, tubular e glomerular dos rins e tem como característica principal a diminuição do filtrado glomerular durante um período superior a três meses (Santos, Oliveira, Nunes, Barbosa & Gouveia, 2015). A hemodiálise é o tratamento mais adotado na substituição da função renal. Esta é caracterizada por um processo mecânico e extracorpóreo, que consiste na extração de substâncias tóxicas e do excesso de líquido do organismo, sendo realizado três vezes por semana, com duração média de quatro horas (Costa & Coutinho, 2016).A DRC introduz diversas alterações na vida da pessoa com repercussões a nível físico, psicológico, familiar e social (Ramos et al., 2015). A doença e o stresse gerados pelo tratamento podem desencadear na pessoa com DRC medo, insegurança, ansiedade, depressão, baixa autoestima e sensação de inutilidade (Cavalcante, Lamy, Santos & Costa, 2015). A depressão é das situações mais prevalentes nas pessoas com DRC e mediante o instrumento aplicado, os níveis de depressão podem atingir os 100% (Costa & Coutinho, 2016). A Depression Anxiety Stress Scale (DASS) foi construída por Lovibond e Lovibond (1995) para avaliar sintomas de ansiedade e depressão, contudo, no estudo de validação emergiu uma dimensão relacionada com o stresse. Esta incluía os itens sobre a dificuldade em relaxar, tensão nervosa, irritabilidade e agitação. As versões portuguesas da DASS com 21 itens (DASS21), em pessoas saudáveis, confirmaram o modelo tripartido: depressão, ansiedade e stresse (Ribeiro, Honrado & Leal, 2004; Pinto, Martins, Pinheiro & Oliveira, 2015), assim como, as versões dos Estados Unidos da América (Sinclair et al., 2012), da Indonésia, de Singapura, do Sri Lanka e Tailândia (Oei, Sawang, Goh & Mukhtar, 2013), do Vietname (Tran, Tran & Fisher, 2013), do Brasil (Vignola & Tucci, 2014) e da Austrália (Gomez, Summers, Summers, Wolf & Summers, 2014). Contudo a versão italiana sugere um modelo de distresse geral com três dimensões ortogonais (Bottesi et al., 2015). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 14

Em estudos realizados em Portugal, em pessoas com doença mental (n=101), a DASS-21 revelou uma estrutura bifatorial (Apóstolo, Mendes & Azevedo, 2006), porém, numa amostra recolhida em centros de saúde (n=1.301) confirmou o modelo tripartido (Apóstolo, Figueiredo, Mendes & Rodrigues, 2011). Nesta investigação pretende-se responder à seguinte questão: será que o modelo de três fatores da DASS-21 (Lovibond & Lovibond, 1995), em pessoas com DRC, é o que se ajusta melhor aos dados? De onde emerge o seguinte objetivo: confirmar a estrutura da DASS21 em pessoas com doença renal crónica (DRC) em programa de hemodiálise. METODOLOGIA Estudo metodológico (Lima, 2011), realizado, entre março e junho de 2015, num serviço de Nefrologia de um Centro Hospitalar e em duas unidades de diálise da Clínica Diaverum, ambos na região de Lisboa. A população do estudo foi constituída por pessoas com DRC em programa de hemodiálise. Como critérios de inclusão estabeleceu-se: pessoas com DRC, sujeitas a tratamento hemodialítico há pelo menos seis meses, com idade igual ou superior a 18 anos. Foram excluídas as pessoas com défice cognitivo e doença psiquiátrica ativa. Os dados sobre os critérios de exclusão foram colhidos no processo clínico e validados com o médico assistente de cada pessoa. Foi feita seleção aleatória da amostra. Para a colheita de dados foram utilizados: versão portuguesa da DASS-21 para medir o stresse, ansiedade e depressão (Ribeiro, Honrado & Leal, 2004), e um instrumento para caracterizar o perfil da amostra, tanto ao nível sociodemográfico, como clínico (idade, género, nacionalidade, escolaridade, atividade profissional, estado civil, tempo de diálise, diagnóstico médico de hipertensão arterial e de diabetes). A DASS-21 é constituída por 21 itens que se organizam em três subescalas, depressão, ansiedade e stresse, cada uma constituída por sete itens. Cada escala inclui vários conceitos, designadamente: depressão e disforia (um item); desânimo, (um item); desvalorização da vida (um item); autodepreciação (um item); falta de interesse ou de envolvimento (um item); anedonia (um item); inércia (um item); ansiedade e excitação do sistema autónomo (três itens); efeitos músculo-esqueléticos (um item); ansiedade situacional (um item); experiências subjetivas de ansiedade (dois itens); stresse -dificuldade em relaxar


(dois itens); excitação nervosa (um item); facilmente agitado/chateado (um item); irritável/reação exagerada (dois itens); e impaciências (um item). As três escalas são compostas por sete itens cada, no total de 21 itens. Cada item consiste numa afirmação, que remete para sintomas emocionais negativos. Pede-se ao respondente que verifique a afirmação que melhor se aplica ao que viveu na semana anterior. Para cada frase existem quatro possibilidades de resposta, apresentadas numa escala tipo Likert. Os respondentes avaliam a extensão em que experimentaram cada sintoma durante a última semana, numa escala de quatro pontos de gravidade ou frequência: “não se aplicou nada a mim” até “aplicou-se a maior parte das vezes”. Os resultados de cada subescala são determinados pela soma dos resultados dos sete itens. A escala fornece três classificações, uma por cada subescala, numa variação de zero a 21. As notas mais elevadas em cada escala correspondem a estados afetivos mais negativos. A consistência interna foi examinada com recurso ao Alfa de Cronbach e os resultados encontrados para a EADS foram respetivamente de 0,85 para a escala de depressão, de 0,74 para a de ansiedade e de 0,81 para a de stresse (Ribeiro, Honrado & Leal, 2004). Foi realizada uma análise fatorial confirmatória (AFC) através do software AMOS. Recorreu-se ao método da máxima verosimilhança (Marôco, 2014). Para verificar o ajustamento do modelo foram utilizados os seguintes índices: rácio entre o Qui quadrado e os graus de liberdade (Χ2/g.l); goodness-of-fit index (GFI), root mean square error of approximation (RMSEA); comparative fit index (CFI) e Tucker-Lewis index (TLI) (Marôco, 2014; Sousa, Marques-Vieira, Carvalho, Veludo & José, 2015). Estes índices podem ser classificados em índices absolutos e índices relativos. Os índices absolutos avaliam a qualidade do modelo, sem comparar com outros modelos. Os índices mais utilizados nesta família (Χ2/g.l) são: quando for igual a 1 o ajustamento é perfeito, quando inferior a 2 o ajustamento é bom, é aceitável quando inferior a 5 e é inaceitável quando superior a 5. Root Mean Square Residual (RMSR) determina-se ao dividir a raiz quadrada da matriz dos erros, pelos graus de liberdade. Assim, quanto menor for o RMSR melhor será o ajustamento. Quando RMSR igual a 0 indica que o ajustamento é prefeito. O goodness of fit index (GFI) explica a proporção da covariância observada entre as variáveis manifestas, explicadas pelos modelos ajustados.

De uma forma geral, no que respeita ao GFI, considera-se que inferior a 0,8 indica modelos com mau ajustamento aos dados, entre 0,9 e 0,95 indica um bom ajustamento, superior a 0,95 indica ajustamento muito bom e igual a 1 ajustamento perfeito. Os índices relativos avaliam a qualidade do modelo sob teste, relativamente ao modelo com pior ajustamento possível e/ou ao modelo com o melhor ajustamento possível. O comparative fit index (CFI) compara o ajustamento do modelo em estudo (Χ2) com os graus de liberdade (gl), com o ajustamento do modelo basal com os graus de liberdade. Geralmente aceita-se que para CFI inferior a 0,9 indica modelos com mau ajustamento, entre 0,9 e 0,95 indica um bom ajustamento, superior a 0,95 ajustamento muito bom e igual a 1 ajustamento perfeito. O Tucker-Lewis index (TLI), também conhecido por Bentler-Bonett-non-normed fit index (NNFI), em que os valores do TLI variam entre 0 e 1. Os valores próximos de 1 indicam ajustamento muito bom (Marôco, 2014). No respeito pelos princípios éticos foi concedida autorização para utilização pelos autores das versões portuguesas da DASS-21 (Ribeiro et al., 2004), bem como o estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Diaverum (nº1/2015) e pela Comissão de Ética do Centro Hospitalar em causa (175/2015). Neste estudo os participantes foram informados sobre os direitos de garantia de sigilo dos seus dados, de desistência sem prejuízo para o próprio e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.

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RESULTADOS A amostra foi constituída por 159 pessoas que cumpriam os critérios de elegibilidade. O perfil sociodemográfico e de saúde encontra-se exposto na tabela 1. Tabela 1 - Características das pessoas com DRC avaliadas nas duas clínicas Amostra

Frequência Percentagem %

Sexo Feminino Masculino

62

62

97

97

Análise fatorial confirmatória Numa amostra de 159 pessoas, aplicou-se a AFC para a solução de dois fatores (figura 1). Fez-se uma covariação dos erros de algumas variáveis manifestas, estabelecendo entre si uma correlação moderada. Obteve-se Χ2/g.l=1,980, RMSEA=0,08, GFI=0,84, CFI=0,87e TLI=0,85. Figura 1 - Modelo Bidimensional da DASS-21 em pessoas com DRC

Local de colheita de dados Hospital

12

7,5

Clínica 1

80

50,3

Clínica 2

67

42,2

Nacionalidade Portuguesa

127

80,4

Outra

31

19,6

Analfabeto

3

1,9

4º Ano do Ensino Básico

62

39,7

6º Ano de Escolaridade

32

20,5

9º Ano do Ensino Secundário

23

14.7

12º Ano do Ensino Secundário

21

13,5

Licenciatura

13

8,3

Mestrado e Doutoramento

2

1,3

Escolaridade

Atividade profissional Reformado

115

76,2

Ativo

36

23,8

Solteiro(a)

44

27,8

Casado(a)

87

55,1

Viúvo(a)

16

10,1

Divorciado/separado

11

7,0

Estado civil

Hipertensão Arterial Não

61

38,9

Sim

96

61,1

Diabetes mellitus Não

118

74,7

Sim

40

25,3

Nesta amostra, a média de idade era de 58,5 anos (±15). A maioria eram do sexo masculino (61%), de nacionalidade portuguesa (80,4%), tinham 4 anos de escolaridade (39,7%), estavam reformados (76,2%) e eram casados (55,1%). Relativamente aos dados de saúde, estavam em programa de hemodiálise há 72,17 meses (±55,6), 61,1% apresentavam hipertensão arterial e 25,3% diabetes. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 16

DISCUSSÃO Os resultados da AFC demonstraram ter um bom ajustamento (Marôco, 2014) para a hipótese da solução de dois fatores, mas, os índices apresentam valores abaixo de 0,9. Não se confirmou a solução proposta na versão original e na versão portuguesa (Ribeiro, Honrado & Leal, 2004), mas confirmou-se uma estrutura idêntica à versão portuguesa do DASS21 em pessoas com doença mental (Apóstolo, Mendes & Azeredo, 2006). Neste estudo os resultados obtidos na AFC são diferentes dos encontrados nos estudos com versões da DASS-21 na língua inglesa (Sinclair et al., 2012) e em outras culturas (Oei et al., 2013; Tran et al., 2013) que apontam para uma estrutura de três fatores. Estes resultados sugerem diferenças na estrutura quando comparadas com a versão portuguesa (Ribeiro, Honrado & Leal, 2004) e com a escala original (Lovibond & Lovibond, 1995), contudo aproxima-se de uma outra versão portuguesa que apresenta uma solução bifatorial (Apóstolo et al., 2006). No que concerne às limitações deste estudo elas prendem-se, essencialmente, com a falta de financiamento e a dificuldade em conseguir uma amostra maior.


Na realização desta investigação foi usada uma amostra representativa de pessoas com DRC em programa de hemodiálise. No entanto, recomenda-se em estudos futuros, a realização de uma AFC numa amostra superior a 300 pessoas.

Costa, F. G., & Coutinho, M. D. P. L. (2016). Síndrome depressiva: um estudo com pacientes e familiares no contexto da doença renal crônica. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 7(1), 38-55. doi:10.5433/22366407.2016v7n1p38.

CONCLUSÃO

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Fassbinder, T. R. C., Winkelmann, E. R., Schneider, J., Wendland, J., & Oliveira, O. B. D. (2015). Capacidade funcional e qualidade de vida de pacientes com doença renal crônica pré-dialítica e em hemodiáliseUm estudo transversal. Jornal Brasileiro de Nefrologia, 37(1), 47-54. doi: http://dx.doi.org/10.5935/01012800.20150008.

Estas medidas de stresse/ansiedade e depressão podem ser integradas, no momento da avaliação inicial, na avaliação continua da monitorização e no final das intervenções de enfermagem para monitorizar ganhos sensíveis aos cuidados de enfermagem no âmbito da saúde e bem-estar.

Gomez, R., Summers, M., Summers, A., Wolf, A., & Summers, J. J. (2014). Depression Anxiety Stress Scales-21: Factor structure and test-retest invariance, and temporal stability and uniqueness of latent factors in older adults. Journal of Psychopathology and Behavioral Assessment, 36(2), 308-317.

A DASS-21, versão portuguesa, apresenta dois fatores, e é válida para medir stresse/ansiedade e depressão em pessoas com DRC.

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Artigo de Investigação

4

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0162

PROGRAMA DE LUTA CONTA O ESTIGMA: RESULTADOS OBTIDOS NA FORMAÇÃO NOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE MENTAL | Francisco Javier Barrantes1; Carlos Violante2; Luís Graça 3; Isabel Amorim4 |

RESUMO Os utentes dos serviços de saúde mental sentem-se estigmatizados pelos profissionais. Analisam-se os resultados obtidos numa ação formativa, dirigida aos profissionais da Casa de Saúde São João de Deus-Barcelos. Construiu-se um estudo comparativo: 1º/ Efetuou-se um diagnóstico de situação; 2º/ avaliaram-se os resultados após intervenção. Utilizado o instrumento AQ-27, versão portuguesa. Não se observam diferenças significativas, à exceção do evitamento. As ações informativas devem integrar-se em processos interativos, não serem “informação sobre” mas sim “conhecimento de / junto de”, havendo uma maior interatividade (colaboradores-utente). PALAVRAS-CHAVE: Estigma social; saúde mental; profissionais da saúde; formação continua

RESUMEN

ABSTRACT

“Programa de lucha contra el estigma: resultados obtenidos en la formación dirigida a los profesionales de la Salud Mental”

“Fight against Stigma Program: results obtained in the training of Mental Health Professionals”

Los clientes de los servicios de salud mental se sienten estigmatizados por los profesionales. Analizamos los resultados obtenidos en una formación dirigida a profesionales. Se elaboró un estudio comparativo: 1º/ Se efectuó un diagnóstico; 2º/ Se valoraron los resultados obtenidos después de esta intervención. Utilizado instrumento AQ-27, versión portuguesa. No se observan diferencias significativas, excepto en el factor Evitación. Las acciones informativas deben integrarse en procesos interactivos, no siendo sólo “acciones de información sobre” y sí “conocimiento de/junto de”.

The users of mental health services feel stigmatized by professionals. In this article are analysed the results obtained in a workshop/course, directed to the Institution professionals. A comparative study was elaborated, in two moments: 1º/, Diagnosis was made; 2º/ it was intended to evaluate the results after intervention. The instrument AQ-27, Portuguese version. No significant differences were observed, with the exception of avoidance. It is stated that workshops/courses should be integrated in interactive processes, not only “information about” but, rather “knowledge of / with who (employees-users).

DESCRIPTORES: Estigma social; salud mental; profesionales de la salud; formación continua

KEYWORDS: Social stigma; mental health; health professionals; continuing education Submetido em 15-12-2016 Aceite em 20-05-2017

1 Máster en Terapia Ocupacional en Salud Mental; Mestre em Reabilitação Psicossocial; Terapeuta Ocupacional; Coordenador do Serviço de Terapia Ocupacional da Casa de Saúde São João de Deus - Barcelos, Avdª Paulo Felisberto, 2005, 4750-194 Arcozelos-Barcelos, Portugal, francisco.barrantes@isjd.pt 2 Mestre em Gestão das Organizações –Ramo de Gestão de Unidades de Saúde; Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria; Diretor de Enfermagem, Casa de Saúde São João de Deus - Barcelos, Avdª Paulo Felisberto, 2005, 4750-194 Arcozelos-Barcelos, Portugal, carlos.violante@isjd.pt 3 Doutor em Enfermagem; Professor-adjunto; IPVC – Escola Superior de Saúde, 4900-314 Viana do Castelo, Portugal, luisgraca@ess.ipvc.pt 4 Doutor em Saúde Mental; Professor coordenador Escola Superior de Saúde - Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Portugal, isabelamorim@ess.ipvc.pt Citação: Barrantes, J.F., Violante, C., Graça, L., & Amorim, I. (2017). Programa de Luta contra o estigma: resultados obtidos na formação nos profissionais de saúde mental. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 19-24. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 19


INTRODUÇÃO Segundo a conceptualização clássica (Goffman, 1963, p.6) o estigma é um atributo profundamente depreciativo que transforma o portador, passando de ser uma pessoa normal para outra desonrada e menosprezada ou sendo simplesmente estranha às pessoas que a identificam. Hoje em dia, de acordo com alguns autores (Corrigan, 2004a; Lopez et al., 2004), é estabelecida a diferença entre “estigma público e privado”. “Estigma público” é o fenómeno característico de grandes grupos sociais que apoiam determinado estereótipo e agem em conformidade contra um grupo estigmatizado (ex. pessoas com doença mental); “Estigma privado ou Auto-Estigma” é definido como a perda de auto-estima e auto-eficácia que decorre de a pessoa interiorizar o Estigma Público. Tanto o Estigma Público, como o Privado compõem-se de traços cognitivos – comportamentais. Estes traços cognitivos ou atitudes diferenciam-se entre estereótipos (crenças negativas sobre a pessoa com perturbação mental) e preconceitos (reações emocionais que resultam da transferência dos estereótipos). A perigosidade, a imprevisibilidade do comportamento, a incompetência do indivíduo, a infantilidade, a culpabilidade e o contágio são os estereótipos negativos associados às pessoas com doença mental e que resultam em reações emocionais ou preconceitos, também negativas, nomeadamente o medo, a raiva, a pena e a repugnância. Estas atitudes originam comportamentos discriminatórios tais como a coação, o evitamento e a pouca consideração às necessidades apresentadas por parte das pessoas com experiência em doença mental. A estigmatização inicia-se com a distinção, etiquetado ou “labeling” e identificação de alguma diferença que afeta a pessoa com doença mental. Posteriormente haverá uma associação, destas pessoas diagnosticadas, com etiquetas desagradáveis condicionadas por crenças culturais prevalentes. Segue-se uma consideração, para com estes indivíduos, como sendo um grupo diferente, estabelecendo-se uma divisão entre “eles” e “nós”. Existindo estas divisões, aparecem repercussões emocionais que afetam, quem estigmatiza (medo, ansiedade, irritação e compaixão) e quem fica estigmatizado (medo, ansiedade e vergonha). O resultado deste processo é que os indivíduos estigmatizados podem perder o seu status dentro dos grupos sociais onde estão inseridos (não serem aceites como amigos, vizinhos, empregados, maridos, esposas, colegas de estudo…). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 20

Esta situação restringe os seus direitos e oportunidades, por motivo destes preconceitos funcionarem como uma barreira no acesso à vida social plena e aos serviços de todo tipo que possam necessitar, ficando desta forma, dependentes dos “outros”. Segundo a literatura científica (Angermeyer, 2006; Arvanti et al., 2008; Corrigan e Watson, 2002) os utentes dos serviços de saúde mental sentem-se estigmatizados também pelos profissionais, por diversos motivos: a falta de interesse manifestado pelos profissionais em relação ao utente e à sua história de vida; sentimento generalizado de um tratamento farmacológico (dosagem e tipo de drogas) estandardizado; perceção de diagnósticos associados a prognósticos negativos; informação insuficiente em relação ao tratamento e opções de acompanhamento terapêutico na comunidade. Um outro aspeto que poderá contribuir para esta estigmatização e discriminação são os efeitos secundários da medicação. Considerando o novo paradigma de abordagem da doença mental torna-se de fundamental importância romper com este ciclo que se constitui como um grande obstáculo à participação social e ao “recovery” destas pessoas, pelo facto de restringir as oportunidades a que elas têm direito. Neste contexto, percebendo, quer as dificuldades sentidas pelos profissionais da Casa de Saúde S. João de Deus (CSSJD) – Barcelos (estabelecimento do Instituto S. João de Deus, cujo âmbito de intervenção é a doença mental e cujo objetivo se centra na filosofia hospitaleira da Ordem de S. João de Deus), quer as dificuldades ao nível da população da área onde se encontra localizada a Instituição, surgiu em 2013, uma proposta de Projeto de Intervenção, em parceria com vários agentes locais, na e para a comunidade, que se denominou “Luta contra o Estigma”. Este projeto trabalhou, através das suas diferentes atividades, a identificação e consequente intervenção para eliminação ou diminuição dos estereótipos que ainda pudessem existir, utilizando, para isso, os princípios referidos na literatura científica para a luta contra o estigma, nomeadamente: Mobilização social e protesto, informação e educação referentes à doença mental e o contato e interação social com pessoas com experiência em doença mental, apresentando como objetivos principais: Diminuir o impacto do estigma da doença mental na comunidade, fomentando o debate público acerca da doença mental e do estigma associado;


Desmistificar a doença mental, difundindo imagens positivas e possibilitar o empowerment e recovery dos indivíduos com doença mental. No âmbito deste projeto, foi levada a cabo uma atividade de formação para os colaboradores da Instituição cujo objetivo fundamental seria fomentar a reflexão e a mudança de atitudes acerca da doença mental nos próprios profissionais de saúde mental. Com vista a podermos proceder à avaliação da atividade desenvolvida com os profissionais da Instituição, num primeiro momento efetuamos uma avaliação inicial relativamente ao estigma face à doença mental, e após a intervenção procedemos a nova avaliação, entre os profissionais que participaram na formação. Com este trabalho pretendemos apresentar alguns dos resultados obtidos acerca das perceções tidas pelos profissionais antes e após a ação de sensibilização referida. O objetivo do estudo é avaliar o contributo de uma intervenção junto dos profissionais da CSSJD - Barcelos relativamente às atitudes perante o estigma na doença mental. METODOLOGIA Face ao objetivo, construiu-se um estudo comparativo, em dois momentos, ainda que não haja completa coincidência entre os grupos. No primeiro momento efetuou-se um diagnóstico de situação e no segundo momento pretendeu-se avaliar resultados após a intervenção. A população é constituída pelos profissionais que em todo ou em parte exercem funções na CSSJD - Barcelos. A amostra ficou constituída pelos profissionais que se disponibilizaram a colaborar no estudo e com informação suficiente nos questionários. Assim ficou constituída no primeiro momento por 46 profissionais, e no segundo momento por 27 profissionais. O presente estudo sustenta-se na hipótese que a intervenção desenvolvida, contribuiu para a diminuição do estigma relativamente à doença mental. A intervenção consistiu numa ação de formação de duas horas com o tema “Estigma face à doença mental – Atitudes dos profissionais de saúde”, que teve como objetivos contextualizar o estigma face à doença mental e fomentar a reflexão e a mudança de atitudes nos profissionais de saúde. Foram utilizadas como técnicas pedagógicas a exposição de conteúdos e a discussão crítica com recurso a exemplos práticos.

Os conteúdos programáticos definidos foram um enquadramento teórico da temática, onde foram definidos conceitos como “estereótipo”, “preconceito” e “discriminação”; foram contextualizados termos como “estigma público” e “estigma privado” fazendo paralelo com fenómeno social do estigma e com o estigma sentido pelo próprio; foi efetuada uma reflexão acerca das atitudes estigmatizantes e discutidos os motivos de tais perceções; foram apresentados os resultados iniciais da colheita de dados desenvolvida na Instituição referente a esta temática, refletindo e discutindo alguns indicadores de possíveis atitudes estigmatizantes e por fim foram expostas algumas medidas que possam garantir uma mudança de atitude, por parte dos profissionais. Esta intervenção constitui-se como variável Independente. Face ao objetivo do estudo a nossa variável dependente foi o estigma face à doença mental, avaliado através do “The Attribution Questionnaire 27” de Corrigan (2004) na versão portuguesa de Sousa, Queirós, Marques, Rocha e Fernandes (2008). O Questionário de Atribuição AQ-27 (“The Attribution Questionnaire 27”) de Corrigan (2004) é utilizado para medir os elementos do preconceito relativo às pessoas com doença mental. O AQ-27 tem sido utilizado em alguns estudos e tem demonstrado ser um questionário sensível para medir as várias atitudes, assim como outras reações prejudiciais sofridas pelas pessoas com uma doença mental. Conforme Corrigan et al. (2004) o questionário é constituído por 27 itens divididos em nove fatores/domínios (três itens por fator/domínio): Responsabilidade, Pena, Irritação, Perigosidade, Medo, Ajuda, Coação, Segregação e Evitamento. Cada item é operacionalizado numa escala ordinal com nove atributos. Quanto maior a pontuação em cada um destes fatores/domínios, mais estigma está representado no sujeito. Os três itens do domínio Evitamento (7, 16 e 26) têm uma cotação invertida. Nesta investigação o questionário revelou boa consistência interna (Alfa de Cronbach – 0,817). A versão portuguesa do questionário é acompanhada por quatro histórias alternativas ou vinhetas. Todas se centram em histórias de uma pessoa com diagnóstico de esquizofrenia, embora cada uma delas apresente diferentes condições: sem perigo, perigo, perigo sem controlo de causa e perigo com controlo de causa. Neste estudo foi apresentado o José com a condição de perigo, visto que este é um dos estereótipos comumente partilhado por muitos dos profissionais da saúde mental e poderá representar situações que podem ocorrer nas unidades/serviços em estudo. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 21


Tendo por referência o objetivo do presente trabalho, recorreu-se a técnicas estatísticas descritivas. Posteriormente procedeu-se à análise da homogeneidade entre os grupos, uma vez que os dados não permitiam o emparelhamento, utilizando-se testes para amostras independentes. Assim, recorreu-se ao teste de independência de qui-quadrado, ao teste U-MannWhitney e ao teste t student. Para a avaliação da normalidade de distribuição utilizou-se o teste de Shapiro-Wilk. Considerou-se um nível de significância de 5% e o software utilizado foi o Statistical Package for the Social Sciences- versão 21. A investigação foi conduzida com o princípio do respeito pela autonomia e dignidade da pessoa, pelo que se respeitou o direito à confidencialidade, anonimato e privacidade. RESULTADOS No que se refere às características sociodemográficas, quanto ao sexo predomina o masculino (63,0%). As idades variam entre os 20 e os 60 anos, com média de 40,97±12,04 anos e mediana 42 anos. Quando consideramos os grupos etários, o mais representado é o com 50 anos e mais (31,5%) apresentando os restantes grupos etários distribuição idêntica. No que se refere à escolaridade a maioria tem o ensino básico (45,2%), seguido dos com Licenciatura (37,0%), sendo que 2,7% tem como habilitações o mestrado. Quanto ao estado civil são maioritariamente casados ou vivem em união de facto (56,2%), sendo o grupo menos representado o dos divorciados (9,6%), sendo que 2,7% não responderam. Relativamente à idade não se observou normalidade de distribuição (ShapiroWilk: momento 1 – 0,920; gl 46; sig 0,004; momento 2 – 0,897; gl 27; sig 0,011), no entanto também não se observou assimetria ou kurtose severas, pelo que se utilizou o teste de t para amostras independentes. Em nenhuma das variáveis sociodemográficas se observou diferenças estatisticamente significativas entre os momentos. As características profissionais referem-se à ocupação, onde predominam os empregados auxiliares (63,0%), seguidos dos enfermeiros com 37,0%, apresentando os restantes grupos profissionais distribuições muito menores (de 1,4% a 5,5%). No que se refere ao local de trabalho a maioria exerce funções exclusivamente em unidades de internamento (79,5%) ou unidades de internamento e outras unidades (5,5%), trabalhando os restantes 15,1% em unidades sem internamento. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 22

O desempenho dos profissionais faz-se maioritariamente junto de doentes com patologia crónica (60,3%), seguido dos que prestam serviço junto de doentes crónicos e agudos (24,7%). Para efeitos da análise da homogeneidade entre os momentos optámos por agrupar a ocupação em dois grupos, um em que se incluem os profissionais de saúde com formação diferenciada em saúde e outro com os restantes profissionais sem formação específica em saúde. Relativamente ao local de trabalho constituíram-se dois grupos: um em que os profissionais exercem atividade no todo ou em parte no internamento e outro em que não exercem atividades em internamento. Entre os momentos observam-se diferenças quanto ao local de trabalho, não se observando nas restantes variáveis. Da análise de resíduos ajustados standardizados observam-se mais profissionais com atividade em unidades de internamento que o esperado, enquanto no segundo momento se observa maior proporção de profissionais com atividade em serviços sem internamento que o esperado. Constata-se que no primeiro momento não havia nenhum profissional cuja atividade fosse só em unidades sem internamento. Quadro 1 - Mediadas de estatística descritiva das dimensões do “Attribution Questionnaire 27” Min-Max. Média±D.P Mediana

P25-P75

Responsabilidade

3 - 18

8,39±3,70

8,0

5,0 – 11,0

Pena

3 – 27

17,89±5,84

18,0

13,0 – 23,0

Irritação

3 – 27

8,73±4,19

8,0

5,0 – 11,0

Perigosidade

5 - 26

14,23±5,57

14,0

10,5 – 18,0

Medo

3 – 25

11,30±6,14

9,0

6,0 – 17,0

Ajuda

7 – 27

22,03±4,44

22,0

19,0 – 26,0

Coação

8 – 27

18,89±3,91

19,5

17,0 – 21,75

Segregação

4 – 26

15,32±5,17

15,0

12,0 – 19,0

Evitamento

3 - 27

15,82±5,65

16,0

13,0 – 19,0

As dimensões do estigma, foram avaliadas através do AQ-27. Relativamente aos domínios (quadro nº 1) é na responsabilidade e na irritação que se observam as médias mais baixas (8,39±3,70 e 8,73±4,19, respetivamente), apresentando medidas de posição idênticas (P25 e P75). A perigosidade, a Segregação e o Evitamento apresentam médias semelhantes. A média mais elevada observa-se na ajuda (22,03±4,44), que apresenta também uma das menores amplitudes (727).


De uma forma geral observa-se normalidade de distribuição e nas situações em que não se observa, à exceção da Irritação no primeiro momento, não se observa assimetria ou kurtose severas. Assim para a análise das diferenças entre os dois momentos, optouse pelo teste de t para amostras independentes, à exceção da irritação, que se recorreu ao teste U-MannWhitney. Quadro 2 - Análise das diferenças entre os momentos quanto ao estigma

Variável

Valor de teste

gl

Sig

Responsabilidade*

-0,646

69

0,520

Pena*

-0,785

71

0,435

Irritação**

493,000

-

0,142

Perigosidade*

1,281

71

0,204

Medo*

0,952

71

0,344

Ajuda*

-1,615

71

0,111

Coação*

0,444

70

0,658

Segregação*

1,586

71

0,117

Evitamento*

2,791

71

0,007

*teste de t para amostras independentes; **teste U Mann-Whitney

Entre os momentos não se observam diferenças significativas, à exceção do evitamento, em que os valores do primeiro momento são significativamente mais elevados que no segundo (17,17±5,42 vs 13,52±5,37). DISCUSSÃO Está demonstrado que a experiência pessoal com os utentes com perturbação psiquiátrica reduz as valorações negativas atribuídas aos mesmos, porque diminui, entre outras, a perceção de perigosidade e imprevisibilidade associadas à perturbação. Na bibliografia revisada é referido que o medo e a perigosidade são duas atitudes geradoras de comportamentos discriminatórios e que podem, consequentemente, condicionar também os outros domínios estudados na escala. De referir que esta intervenção pretendia, impedir a perpetuação, junto dos colaboradores, do processo de estigmatização, como forma de eliminar os preconceitos que pudessem ainda existir. Os resultados revelaram valores superiores, no primeiro momento do estudo, no domínio de Evitamento. A interpretação destes resultados tem de ser tomada com cautela, visto que não existem até ao momento, muitos estudos específicos que abordem o estigma dos profissionais da Saúde junto de pessoas com uma doença mental relacionado com este domínio específico.

Contudo, os dados obtidos parecem demostrar que não será o tempo de serviço na saúde mental que determinará o resultado obtido. Porém, as habilitações académicas parecem ser um dos fatores que nos pode ajudar a explicá-los dado que a amostra mais significativa faz referência aos colaboradores com ensino básico. Assim, o baixo nível de habilitações pode ser um dos aspetos que condiciona a formulação de atitudes mais positivas perante as pessoas doentes: Havendo menos conhecimentos em relação às doenças mentais, existem mais dificuldades em filtrar adequadamente as informações erróneas que são transmitidas através dos meios de comunicação social, por exemplo, que apresentam estes utentes, como sendo pessoas não capacitadas para trabalhar ou mesmo para serem vizinhos. Evidenciamos aqui que, o facto de estes colaboradores terem participado na atividade formativa, terá tido efeitos positivos no que concerne à diminuição dos estereótipos e mais especificamente no domínio do Evitamento. Outro aspeto relevante é o facto de 31,5% da amostra, que corresponde em grande parte aos empregados auxiliares da Instituição, terem uma idade superior a 50 anos, tendo a sua residência nas imediações do seu local de trabalho. Estes dois fatores poderão ter influenciado nos resultados apresentados. Os hospitais psiquiátricos têm sido, com frequência, construídos no campo, crescendo, nas zonas circundantes dos hospitais, lojas para os profissionais que trabalhavam nestas instituições e para os próprios utentes, tornando-se frequente e comum a tradição familiar de trabalhar como profissional de saúde no hospital. Assim, nas instituições mais antigas, várias gerações podiam ser empregadas desta forma, desenvolvendose uma cultura de cuidados com um cariz particularmente protetor. Os domínios de Pena e de Medo, que serão aqueles mais diretamente relacionados e influenciados com o cariz protetor, por exemplo, não tiveram grandes diferenças nos dois momentos do estudo, situação que explica o facto de estes estereótipos estarem, por enquanto, bastante cristalizados nestes colaboradores, apesar de terem participado na formação e conviverem, quase diariamente, com pessoas doentes. A tipologia de unidades em que se trabalha, segundo os diferentes estudos, pode influenciar a perpetuação dos estereótipos. Num estudo desenvolvido anteriormente (Barrantes, 2010) evidenciouse que as unidades de longo internamento seriam um fator importante de estigmatização, situação que não foi verificada neste novo estudo. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 23


CONCLUSÃO Embora a formação por si só não garanta mudanças efetivas nas atitudes nem nos comportamentos dos colaboradores, como se evidenciou no estudo, é preciso dar informação correta segundo os objetivos, conteúdos e grupos profissionais, preferencialmente integrados nos sistemas habituais das tarefas/procedimentos a executar dentro da Instituição, evitando que este tipo de formações sejam um momento de, simplesmente, “dar a conhecer”. Assim a informação deve integrarse em processos dinâmicos e interativos, não serem “informação sobre” mas sim “conhecimento de / junto de”, havendo uma maior interatividade entre colaboradores e utentes em fase de recovery, favorecendo o contato e conhecimento do dia-a-dia das pessoas com estas incapacidades. Para além do referido, é preciso identificar, dentro da Instituição, quais as fontes que promovem o aparecimento ou continuidade destes estereótipos, apesar de referido que estas ideias são geralmente infundadas mas influenciadas por fontes que deverão ser devidamente reconhecidas, sem a qual dificilmente será possível mudar os possíveis preconceitos existentes. Saliente-se ainda que as notícias nos meios de comunicação social, na maior parte das vezes, quando relacionadas com as pessoas com incapacidade psicossocial, associam-nas a acontecimentos negativos que promovem estes mesmos estereótipos, sendo da responsabilidade dos colaboradores filtrar e discutir estas informações, como forma de não condicionar o seu trabalho diário. Também compete à Instituição dar a conhecer aspetos positivos do desempenho dos utentes. Desta forma, evidencia-se que, apesar de incapacidades, o utente tem capacidade para escolha, decisão e competências para desenvolver uma vida com qualidade. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA São recomendadas algumas medidas que possibilitarão a mudança de atitudes, de forma a evitar o estigma: Incrementar a sensibilização perante o poder “estigmatizante” do diagnóstico clínico na saúde mental, o que inclui a necessidade de saber se certas informações têm de ser ou não transmitidas aos próprios utentes, impedindo a estigmatização do mesmo; Fomentar, dentro da Instituição, o empoderamento e empowerment dos utentes, como forma de diminuir o cariz protetor dos colaboradores; Envolver significativamente o utente e os seus familiares nos programas anti-estigma; Garantir uma correta atenção por parte dos serviços sócio-sanitários, baseada nos modelos do recovery. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 24

É necessário planificar e manter a longo prazo os programas implementados com o objetivo de erradicar o estigma, combinados com campanhas de sensibilização focadas em reduzir a descriminação, através da reflexão sobre as atitudes e as conceções sobre a doença mental. Informar e educar nas escolas, nos centros de trabalho, na rede sócio - sanitária e nas empresas de comunicação social, são passos para suprimir os mitos, aceitar a doença mental e lograr a integração das pessoas que estão diagnosticadas, Defendendo-se igualmente o “contacto” com estas pessoas, como sendo este um dos fatores que mais influenciam na mudança de atitudes, em combinação com os anteriores. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Angermeyer, M., & Dietrich, S. (2006). Public beliefs about and attitude towards people with mental illness: A review of population studies. Acta Psychiatrica Scandinavica, 113, 163-179. doi:10.1111/j.16000447.2005.00699.x Arvaniti, A., Samakouri, M., Kalamara, E., Bochtsou, V., Bikos, C., & Livaditis, M. (2008). Health service staff´s attitudes towards patients with mental illness. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemmiology, 44, 658665. doi: 10.1007/s00127-008-0481-3. Barrantes, F. (2010) O estigma na esquizofrenia: Atitude dos profissionais da Saúde Mental. Tese de Mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Portugal. Corrigan, P. (2004a). Beat the stigma and discrimination! Four lessons for mental health advocates. [Em linha]. Disponível em: http://www.dmh.ca.gov/PEIStatewideProjects/docs/CorriganBeattheStigmaandDiscrimination.pdf. [Consultado em: 06/06/2016]. Corrigan, P., Markowitz, F., & Watson, A. (2004). Structural levels of mental illness stigma and discrimination. Schizophrenia Bulletin, 30(3), 481-491. Corrigan, P., & Watson, A. (2002). Understanding the impact of stigma on people with mental illness. World Psychiatry, 1(1), 16-20. Goffman, E. (1988). Estigma. Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Guanabara. López, M., Laviana, M., Fernández, L., López, A., Rodríguez, A., & Aparício, A. (2008). La lucha contra el estigma y la discriminación en salud mental. Una estrategia compleja basada en la información disponible. Revista Asociación Española de Neuropsiquiatría ,28(101), 43-83.


Artigo de Investigação

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Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0163

SITUAÇÕES INDUTORAS DE STRESS E BURNOUT EM ESTUDANTES DE ENFERMAGEM NOS ENSINOS CLÍNICOS | Conceição Martins1; Sofia Campos2; João Duarte3; Rosa Martins4; Teresa Moreira5; Cláudia Chaves6 |

RESUMO CONTEXTO: A exposição recorrente a situações de Stress pode levar a Burnout, síndrome psicológica em resposta a fatores de Stress crónicos no trabalho. O ensino de Enfermagem desperta interesse relativamente ao Stress e Burnout dos futuros enfermeiros, pois considera-se que os estudantes vivenciam situações, que sendo stressantes para os enfermeiros, também o podem ser para eles. OBJETIVO(S): Identificar situações indutoras de Stress e Burnout em estudantes de enfermagem nos ensinos clínicos; Analisar a influência das variáveis sociodemográficas e académicas no Stress e Burnout. METODOLOGIA: Estudo quantitativo e descritivo e correlacional. Amostra de 236 estudantes em ensino clínico, recolha de dados com questionário sociodemográfico e caracterização académica, Escala KEZKAK e Inventário de Burnout de Maslach. RESULTADOS: A amostra demonstra índices de saúde baixos; Os enfermeiros estão vulneráveis ao stress; O stress produzido pelas circunstâncias organizacionais, a totalidade da amostra revela elevados índices de stress e o seu bem-estar biopsicossocial, manifestamente afetado. CONCLUSÕES: Amostra maioritariamente feminina (78.4%), idade média 21.17 anos (±2.487 Anos); prevalências de estudantes a frequentarem o 3º e 4º ano (42.8% vs. 43.2%). Predomínio de Stress moderado (47.0%). Situações que causam Stress aos estudantes: “Não controlar a relação com o doente/utente” 49.36 (±16.458), “Falta de competência” (M=48.55; ±21.043), “Relação com supervisor e colegas” (M=44,95), “Sobrecarga” (M=40,85), “Impotência e incerteza” (M=44.43). Prevalência de baixo Burnout com percentuais mais elevados em todas as variáveis sociodemográficas e académicas. As variáveis sociodemográficas e académicas com significado estatístico no Burnout foram o sexo, a idade e a coabitação em tempo de aulas. PALAVRAS-CHAVE: Stresse Psicológico; Esgotamento Profissional; Educação em Enfermagem; Estudantes de Enfermagem

RESUMEN

ABSTRACT

“Situaciones inductores de estrés y el desgaste en los estudiantes de enfermería en enseñanzas clínicos”

“Stress and burnout induction situations in nursing students in clinical teaching”

ANTECEDENTES: La exposición repetida a situaciones de estrés puede conducir al desgaste, síndrome psicológico en respuesta a factores de estrés crónico en el trabajo. La formación de enfermería despierta el interés en relación con el estrés y agotamiento de las enfermeras futuro ya que se considera que los estudiantes experimentan situaciones que son estresantes para las enfermeras, también puede ser para ellos. OBJETIVO (S): Identificar situaciones inductoras de estrés y agotamiento de los estudiantes de enfermería en la enseñanza clínica; Para analizar la influencia de las variables sociodemográficas y académicas sobre estrés y agotamiento. MÉTODOS: Estudio cuantitativo y descriptivo y correlacional. Muestra de 236 estudiantes en la formación clínica, la recopilación de datos con el cuestionario sociodemográfico y caracterización académica, Escala KEZKAK y Maslach Burnout Inventory. RESULTADOS: La muestra presenta bajos indicadores de salud; Las enfermeras son vulnerables al estrés; El estrés producido por circunstancias de la organización, toda la muestra revela altos niveles de estrés y su bienestar biopsicosocial claramente afectado. CONCLUSIONES: Muestra en su mayoría mujeres (78,4%), años de edad promedio 21:17 (± 2.487 Años); prevalencia de estudiantes del 3º y 4º año (42,8% vs. 43,2%). Predominio de estrés moderado (47,0%). Situaciones que causan estrés a los estudiantes: “No controlar la relación con el paciente / usuario” 49.36 (± 16.458), “falta de competencia” (M = 48.55; ± 21 043), “Relación con el supervisor y colegas” (M = 44, 95), “sobrecarga” (M = 40.85), “La impotencia y la incertidumbre” (M = 44.43). Baja prevalencia de la quemadura con porcentajes más altos en todas las variables sociodemográficas y académicas. Las variables sociodemográficas y académicas con significación estadística en el agotamiento fueron el sexo, la edad y la convivencia en las clases de tiempo.

CONTEXT: Recurrent exposure to Stress can lead to Burnout, psychological syndrome in response to chronic Stress factors at work. Nursing education arouses interest in future nurses’ Stress and Burnout, as it is considered that students experience situations that are stressful for nurses, so can they be for them. OBJECTIVE (S): To identify situations inducing Stress and Burnout in nursing students in clinical teaching; To analyze the influence of sociodemographic and academic variables on Stress and Burnout. METHODOLOGY: Quantitative and descriptive and correlational study. Sample of 236 students in clinical teaching, data collection with sociodemographic questionnaire and academic characterization, KEZKAK Scale and Maslach Burnout Inventory. RESULTS: The sample shows low health indexes; Nurses are vulnerable to stress; The stress produced by the organizational circumstances, the entire sample shows high stress levels and their biopsychosocial well-being, manifestly affected. CONCLUSIONS: A predominantly female sample (78.4%), mean age 21.17 years (±.2.487 years); Prevalence of students attending the 3rd and 4th year (42.8% vs. 43.2%). Prevalence of moderate stress (47.0%). Situations that cause Stress to students: “Do not control the relationship with the patient / patient” 49.36 (± 16.458), “Lack of competence” (M = 48.55, ± 21.043), “Relationship with supervisor and colleagues” 95), “Overload” (M = 40.85), “Impotence and uncertainty” (M = 44.43). Prevalence of low Burnout with higher percentages in all sociodemographic and academic variables. The sociodemographic and academic variables with statistical significance in Burnout were gender, age and cohabitation in class time.

DESCRIPTORES: El Estrés Psicológico; Agotamiento Profesional; Educación en Enfermería; Estudiantes de enfermería

KEYWORDS: Stress Psychological; Burnout, Professional; Education, Nursing; Students, Nursing Submetido em 18-12-2016 Aceite em 20-04-2017

1 Doutorada em Ciências da Educação, Professora Coordenadora em Escola Superior de Saúde-Instituto Politécnico de Viseu, Portugal, mcamartinsp@gmail.com 2 Doutorada em Ciências da Educação, Professora Convidada em Escola Superior de Saúde-Instituto Politécnico de Viseu, Portugal, sofiamargaridacampos@gmail.com 3 Doutorado em Ciências da Saúde, Professor Coordenador em Escola Superior de Saúde-Instituto Politécnico de Viseu, Portugal, duarte.johnny@gmail.com 4 Doutorada em Desenvolvimento e Intervenção Psicológica. Professora Coordenadora em Escola Superior de Saúde-Instituto Politécnico de Viseu, rmartins.viseu@gmail.com 5 Mestre em Ciências do Desporto, Professora em Durant Academy Boarding School, St Cuthmans. Midhurst, UK, tmotricidade@gmail.com 6 Doutorada em Ciências da Educação. Professora Adjunta na Escola Superior de Saúde-Instituto Politécnico de Viseu, Portugal, claudiachaves21@gmail.com Citação: Martins, C., Campos, S., Duarte, J., Martins, R., Moreira, T., & Chaves, C. (2017). Situações indutoras de stress e Burnout em estudantes de enfermagem nos ensinos clínicos. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 25-32 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 25


INTRODUÇÃO

METODOLOGIA

A filosofia subjacente ao cuidar advoga que não basta tratar a pessoa na sua dimensão biológica, mas que a pessoa deve ser vista como um todo, de forma holística, contribuindo esta visão para o seu crescimento e desenvolvimento integral e harmonioso, o que implica que se fomentem estes valores nos ensinos clínicos em Enfermagem. Para que se aprofundasse a compreensão da realidade dos ensinos clínicos à luz de “vidas havidas e vidas a haver” (Ferreira, 2015), o que leva a encará-los como um espaço de confluência entre vários agentes – professores, colegas, orientadores, doentes/familiares e outros profissionais de saúde – o que os transforma num nicho primordial de socialização, porque neles interagem múltiplas pessoas, com todas as suas particularidades. Resultam daqui algumas inquietações que jamais ficarão resolvidas, uma vez que a experiência profissional e pessoal será sempre matizada com singularidades (Ferreira, 2015). Tornase, no entanto, fundamental compreender primeiramente o conceito de stress, dado que se apresenta algo complexo e abrangente. O stress constitui um termo de origem anglo-saxónica, cuja tradução para a língua portuguesa foi efetivada em 2003, optando nós pela utilização do termo original, pelo facto de nos fazer mais sentido dada a sua internacionalização. De facto, são vários os autores que se dedicam ao estudo do stress, considerando que as suas repercussões no indivíduo são multivariadas, atingindo a sua esfera social, económica, cultural e biológica, sendo que estas são tanto mais acentuadas, quanto mais intensa e prolongada for a vivência de situações desencadeadoras das mesmas (Serra, 2008). No âmbito destas constatações, emerge a noção do stress provocado pela atividade profissional e as suas repercussões no trabalho, o qual fundamenta a problemática em estudo, sem se querer, contudo, menosprezar as restantes dimensões que o stress abrange. Desde há uns anos que a problemática do stress tem sido estudada e os resultados descrevem que a Enfermagem é uma profissão onde o stress é uma constante. Por outro lado, verifica-se que o contacto com o ensino de Enfermagem desperta interesse relativamente ao stress dos futuros profissionais, pois considera-se que os estudantes em ensino clínico vivenciam situações, que sendo potencialmente stressantes para os enfermeiros, também o podem ser para eles.

É uma investigação quantitativa do tipo descritivo e correlacional que nos permitirá traçar um perfil sociodemográfico dos estudantes de enfermagem em ensino clínico, determinar quais as variáveis sociodemográficas que interferem no Burnout nos estudantes; analisar a relação entre as variáveis académicas e o Burnout, bem como analisar a relação entre o stress com o Burnout em estudantes de enfermagem em ensino clínico Tendo por base a problemática, delinearam-se as seguintes questões que norteiam esta investigação: i) Qual a prevalência de stress e Burnout nos estudantes de enfermagem em ensino clínico? ii) De que modo as variáveis sociodemográficas interferem no Burnout nos estudantes de enfermagem em ensino clínico? iii) Que variáveis académicas interferem no Burnout nos estudantes de enfermagem em ensino clínico? iv) Qual a relação do stress com o Burnout em estudantes de enfermagem em ensino clínico? Deste modo, delinearam-se os seguintes objetivos, que vão ao encontro das questões de investigação, determinar a prevalência de stress e Burnout nos estudantes de enfermagem em ensino clínico; identificar quais as variáveis sociodemográficas que interferem no Burnout nos estudantes de enfermagem em ensino clínico; analisar a relação entre as variáveis académicas e o Burnout nos estudantes de enfermagem em ensino clínico; analisar a relação entre o stress e o Burnout em estudantes de enfermagem em ensino clínico. Para a realização deste estudo, considerou-se como população os estudantes de enfermagem em ensino clínico da Escola Superior de Saúde de Viseu, donde se extraiu a amostra, que é não probabilística por conveniência. Assim, a amostra ficou constituída por 236 estudantes de enfermagem em ensino clínico. O protocolo de recolha de dados utilizado foi constituído por um questionário de caracterização sociodemográfica da amostra contém 5 questões, na maioria fechadas (sexo, idade, onde vive habitualmente, com quem vive durante o período letivo, à exceção da questão relativa ao estado civil que é fechada e aberta. Por um questionário de caracterização académica, o mesmo contém duas questões, uma relativa ao ano em que os estudantes estão inscritos (questão fechada) e outra referente ao ensino clínico em que se encontram (questão aberta), ainda, a Escala KEZKAK - Instrumento de medida dos fatores de stress dos estudantes de enfermagem na prática clínica, cujo original de Zupiria Gorostidi e colaboradores (2003), foi traduzido e adaptado para a língua portuguesa por Barroso et al. (2008).

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A escala KEZKAK original foi construída em Castelhano e Basco e é um importante instrumento de medida de situações identificadas por Zupiria Gorostidi et al. (2003) em relação às quais os estudantes expressam a intensidade do stress experienciado numa escala de resposta tipo Likert de quatro níveis: Nada stressante (N) =0; Algo stressante (A) =1; Muito stressante (M) =2; Muitíssimo stressante (MT) =3. A pontuação total permite conhecer como os estudantes consideram as situações em causa e em que medida podem ser stressantes. Assim, valores elevados indicam que os estudantes estão muito preocupados e que as situações são percebidas como stressantes, como também a pontuação total obtida para cada fator permite hierarquizar os fatores particularmente stressantes. Zupiria Gorostidi et al. (2003) realizaram uma análise fatorial aos 41 itens da escala cujos resultados permitiram agregar, por ordem de maior importância, nove fatores: 1-falta de competência; 2-contacto com o sofrimento; 3-relação com orientadores e colegas; 4-impotência e incerteza; 5-não controlar a relação como o doente/utente; 6-implicação emocional; 7-prejudicar-se na relação com o doente/utente; 8-o doente procure uma relação íntima com o estudante e 9-sobrecarga, os mesmos que resultaram da adaptação para a língua portuguesa do questionário KEZKAK realizada em 2008 por Barroso e colaboradores. De acordo com estes autores, o fator 1 “falta de competência” está relacionado com a perceção do estudante sobre a sua competência para executar com qualidade os cuidados de enfermagem. Verificou-se ser o fator mais stressante e integra os itens 15, 16, 13, 4, 2, 6, 26, 1, 3, 17 e 5, relacionados com o receio de errar, não ser capaz de ajudar o doente/utente e de o prejudicar ou causar dano. Pode ser um fator que gradualmente diminua a intensidade stressante ao longo do curso à medida que os estudantes adquiram competências e experiência. Quanto ao fator 2, “contacto com o sofrimento”, diz respeito à forma como os estudantes percecionam a morte e sofrimento, integrando os itens: 27, 39, 18, 10, 9, 31, 32, 29, 14, 34, que se referem a ver morrer um doente ou estar com um doente terminal e família comunicar uma má noticia ou ter que realizar procedimentos que causam dor ao doente. Em virtude das situações de contacto com a dor e sofrimento serem intrínsecas ao cuidar na profissão de enfermagem, e como tal persistentes ao longo da toda a vida profissional, os autores consideram importante que durante a formação inicial se promovam o desenvolvimento de competências e estratégias que permitam uma melhor adaptação face às situações de dor, morte e sofrimento.

Por outro lado, o feedback dos orientadores, a orientar para o alcance dos objetivos e para a mobilização de estratégias de coping, pode ajudar a reduzir o stress e a melhorar o desempenho do estudante. O fator 4, “impotência e incerteza”, que integra os itens: 23, 38, 14, 41, 36, 6, 32, 3, 17, 2, 20, que dizem respeito a situações como a de não encontrar o médico quando é necessária a sua presença, relaciona-se com o sentimento de ajudar as pessoas e ter soluções para todas as situações com que se deparam, receber ordens contraditórias e a diferença entre o que aprendem na escola e o que fazem na prática. Contudo, nos cuidados de enfermagem, os estudantes deparam-se com situações diante das quais se sentem impotentes e com muitas incerteza quanto à evolução das situações clínicas e eficácia dos tratamentos. Este fator permitiu sublinhar a preocupação dos estudantes quanto às diferenças entre o que é aprendido na escola e a realidade da prática dos cuidados. No tocante ao fator 5, “não controlar a relação como o doente/ utente”, dizem respeito os itens: 5, 33, 7, 30, 29, 39, 17, 20, que é constituído por situações como não saber o que dizer e como terminar a conversa com o doente e estar diante de uma situação de urgência. A este fator está subjacente a comunicação com o doente/utente, levando os autores a sugerir uma maior acuidade para o desenvolvimento de capacidades relacionais e comunicacionais. Relativamente ao fator 6, “implicação emocional”, traduzido para a língua portuguesa por “envolvimento emocional” é composto pelos itens: 21, 8, 22, 31, referem-se a situações em que as emoções do doente se projetam no estudante, estar com um doente e ter de ocultar uma má notícia e o forte envolvimento emocional durante a prestação de cuidados. Com efeito, a falta de preparação dos estudantes para comunicar e expressar sentimentos e o estilo predominante de comunicação em enfermagem, centrado na tarefa e impessoal, pode gerar atitudes defensivas (medo de vitimização) que comportem a relação terapêutica. Neste contexto, é importante desenvolver capacidades que permitam o estabelecimento de uma “distância segura” e competências relacionais e comunicacionais que promovam uma efetiva relação de ajuda. O fator 7 “prejudicar-se na relação com o doente/utente”, traduzido para a língua portuguesa por “ser magoado na relação com o doente/utente” ao integrar os itens: 11, 24, 26, 15, 14, referem-se a situações como o receio dos estudantes serem maltratados pelo doente, a falta de respeito e picarem-se com uma agulha infetada. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 27


As consequências negativas que podem advir da relação com o doente constituem fonte de stress e, como tal, interferir na aprendizagem e desenvolvimento pessoal dos estudantes. No que se refere ao fator 8, “o doente procura uma relação íntima com o estudante”, traduzido para a língua portuguesa por “ser magoado na relação com o doente” compreende apenas dois itens: 40 E 37 referem-se a situações em que o doente toca certas partes do corpo do estudante e que o doente de outro sexo se insinue ao estudante. Apontam para aspetos do comportamento que o doente/utente tem no sentido de procurar uma relação mais próxima e íntima com o estudante. De facto, inerente às profissões da saúde e de modo mais particular à profissão de enfermagem, está a atitude profissional de aceitação incondicional e o desejo de reconhecimento (ser aceite) pelo doente, preocupações que sendo extensíveis aos estudantes exigem dos profissionais o acompanhamento no desenvolvimento dos instrumentos básicos de comunicação e na adoção de estratégias de coping para ultrapassar estas situações. Por último, o fator 9 ”sobrecarga” integra os itens: 35, 36, 34, 30, 31, refere-se a situações de excesso de trabalho durante um turno, receber ordens contraditórias, trabalhar com doentes agressivos, prestar cuidados a um doente com o qual é difícil comunicar e estar na presença de doentes aos quais que se ocultou uma má notícia. Por último aplicou-se o Inventário de Burnout de Maslach (MBI), elaborado por Maslach e Jackson em 1978, foi projetado para avaliar a Síndrome de Burnout em trabalhadores. A sua construção partiu de duas dimensões, exaustão emocional e despersonalização, sendo que a terceira dimensão, realização profissional, surgiu após um estudo desenvolvido com centenas de pessoas de uma ampla gama de profissionais (Maslach, 1993) (Carlotto & Câmara, 2007). Inicialmente, o inventário possuía 47 itens que foram administrados numa amostra de 605 sujeitos de várias ocupações profissionais. Dez fatores emergiram e, por meio de uma avaliação criteriosa, foram eliminados seis deles, juntamente com 24 itens que não possuíam peso fatorial superior a 0,40. Após a aplicação numa nova amostra de 420 sujeitos com perfil igual ao anterior, os mesmos quatro fatores emergiram, mas penas três destes apresentaram significância empírica (Maslach & Jackson, 1981, cit. por Carlotto & Câmara, 2007). A consistência interna das três dimensões do inventário é satisfatória, pois apresenta um alfa de Cronbach que vai desde 0,71 até 0,90 e os coeficientes de teste e reteste vão de 0,60 a 0,80 em períodos de até um mês (Maslach & Jackson, 1981, cit. por Carlotto & Câmara, 2007). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 28

O MBI avalia como o trabalhador vivencia o seu trabalho, de acordo com três dimensões conceituais: exaustão emocional, realização profissional e despersonalização. Na sua primeira versão, o inventário avaliava a intensidade e a frequência das respostas com uma escala de pontuação do tipo Likert, variando de 0 a 6 (Maslach & Jackson, 1981; Maslach & Leiter, 1997). A segunda edição do MBI, realizada em 1986, passou a utilizar apenas a avaliação da frequência, pois foi detetada a existência de alta associação entre as duas escalas, sendo que muitos estudos apontaram uma correlação superior a 0,80 (Maslach & Jackson, 1986; Maslach, 1993; Moreno e cols.,1997, cit. por Carlotto & Câmara, 2007). O MBI é um instrumento utilizado exclusivamente para a avaliação da síndrome, não tendo em consideração os elementos antecedentes e as consequências do seu processo. Avalia índices de Burnout de acordo com os scores de cada dimensão, sendo que altos scores em exaustão emocional e despersonalização e baixos scores em realização profissional (esta subescala é inversa) indicam alto nível de Burnout (Maslach & Jackson, 1986). Gil-Monte e Peiró (2008) reforçam a importância de avaliar o MBI como um constructo tridimensional, ou seja, as três dimensões devem ser avaliadas e consideradas, a fim de manter sua perspetiva de síndrome. A escala utlizada neste trabalho é constituída por 22 itens, subdivididos por três fatores: exaustão emocional que é constituída pelos itens 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7; a despersonalização contém os itens 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 e o fator 3 realização pessoal pelos itens 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22. RESULTADOS Os resultados permitiram traçar um perfil sociodemográfico da amostra dos 236 estudantes de enfermagem em ensino clínico, sendo a maioria do sexo feminino (78.4%) com uma idade média 21.17 anos (±.2.487 anos), verificando-se que os estudantes do sexo masculino são em média (M=21.56 anos ±.2.574 anos), mais velhos do que as do sexo feminino. Prevalecem os estudantes solteiros (96.6%), os residentes em zona urbana (65.3%) e os que coabitam com os amigos/residência (54.2%) em tempo de aulas, seguidos dos que vivem com a família (40.7%). Os resultados mais significativos obtidos em relação ao stress nos estudantes de enfermagem em ensino clínico revelam, para o total do stress, um mínimo de 12.00 e um máximo de 99.00, ao que corresponde uma média de 56.58 (±16.576).


Fazendo-se uma leitura global dos resultados, o valor médio mais elevado é registado na dimensão “Não controlar a relação com o doente/utente” 49.36 (±16.458), onde o mínimo é 8.33 e o máximo 75.00, o que revela que esta dimensão é um fator de stress para os estudantes. Segue-se, em termos de média, a dimensão “Falta de competência” (M=48.55; ±21.043), registando-se um mínimo de 0.00 e um máximo de 75.00. Os coeficientes de variação indiciam uma dispersão elevada face às médias encontradas. Os resultados obtidos em relação ao Burnout nos estudantes de enfermagem em ensino clínico revelam um mínimo de 0.00 e um máximo de 86.67 para a exaustão emocional, ao que corresponde uma média de 25.48 (±16.222). Na despersonalização o mínimo encontrado é 0.00 e o máximo 83.33 (±16.222), com uma média de 18.82 (Dp.=15.124). Já na realização profissional, o mínimo registado é 31.25 e o máximo 100.00, com uma média de 65.04 (±14.033). Os coeficientes de variação indiciam uma dispersão elevada, para a exaustão emocional e despersonalização, e uma dispersão baixa, face às médias encontradas. Em relação aos resultados resultantes da análise inferencial e respondendo às questões iniciais, De que modo as variáveis sociodemográficas interferem no Burnout nos estudantes de enfermagem em ensino clínico? Pela aplicação do teste de U-Mann-Whitney, pode considerar-se que a relação entre as variáveis é estatisticamente significativa na despersonalização, existindo relação entre o sexo e a despersonalização (p=0.008). Que variáveis académicas interferem no Burnout nos estudantes de enfermagem em ensino clínico? Existe relação estatística entre a realização profissional e a coabitação, conforme se observou pela aplicação do teste de Kruskal-Wallis (X2=6.996; p=0.030). DISCUSSÃO Apurou-se uma prevalência de baixo Burnout nos estudantes, com percentuais mais elevados em todas as variáveis sociodemográficas e académicas. Estes resultados poderão ser explicados com o facto de não se terem verificado um predomínio de stress moderado (47.0%) na amostra em estudo. Neste âmbito, salientase que as causas do Burnout são multifatoriais, conforme refere Benavides-Pereira (2002). Trata-se da confluência de características pessoais, do tipo de atividade realizada e da constelação de variáveis oriundas da instituição onde o trabalho é realizado.

Os mesmos autores referem que elevados níveis de stress resultam em Burnout, o que não parece ser uma situação aplicada à maioria os estudantes de enfermagem do presente estudo. Alguns estudos confirmam que os estudantes de enfermagem em ensino clínico são confrontados com uma grande variedade de situações vulneráveis, experienciando níveis de stress e ansiedade com maior intensidade (Magalhães, 2004; Barroso, 2009), com repercussões negativas sobre o seu desempenho, saúde física e bem-estar emocional, sintomas depressivos e até Burnout, estando-lhe associado o medo de fracassar. Há a salvaguardar que, segundo Pocinho e Garcia (2008), o stress ocupacional ocorre quando existe a perceção, por parte da pessoa, da sua incapacidade para realizar as tarefas solicitadas, resultando em sofrimento, mal-estar e num sentimento de incapacidade para enfrentar as situações de trabalho. Todavia, salvaguarda-se que, no presente estudo, os resultados sugerem um predomínio de stress moderado, sendo menor o percentual de casos stress elevado, o que pode justificar a pouca prevalência de Burnout. Na mesma linha, Freitas (2012) observou que apenas 20,07% dos estudantes apresentam sinais de Burnout. No que se refere à segunda questão de investigação, através da qual se procurava saber de que modo as variáveis sociodemográficas interferem no Burnout nos estudantes de enfermagem em ensino clínico, começa-se por referir os estudantes do sexo masculino os que revelaram valores de ordenação média mais elevados em todas as dimensões do Burnout, sobretudo na despersonalização (OM=140.92), seguindo-se a exaustão emocional (OM=132.56). As estudantes apresentaram mais realização profissional (OM=118.07). Inferiu-se que existe uma relação estatisticamente significativa entre o sexo e a despersonalização (p=0.008). Freitas (2012), no seu estudo, também verificou que os estudantes do sexo masculino são os que revelaram mais sintomas de exaustão emocional e despersonalização, resultantes do desgaste vivenciado em algumas situações quotidianas dos ensinos clínicos. Contrariamente, Custódio, Pereira e Seco (2009) verificaram que as raparigas evidenciam níveis sintomas de exaustão emocional comparativamente aos rapazes, sendo estas, inclusive, a revelar índices mais elevados de stress. Constatou-se, de igual modo, que os estudantes na faixa etária dos 22-24 anos são os que revelam níveis mais elevados de exaustão emocional (OM=122.92) e de despersonalização (OM=122.09), sendo os estudantes mais velhos a revelarem um nível de realização profissional mais elevado (OM=132.83). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 29


Verificou-se que existe relação estatística entre a exaustão emocional e a idade (X2=9.916; p=0.007). Estes resultados poderão ser explicados com o facto de os estudantes mais velhos já possuírem mais estrutura emocional, advinda de maior maturidade inclusive, em termos de experiência de ensinos clínicos, do que os estudantes mais novos. Barroso (2009) refere, a este propósito, que à medida que aumenta a idade os estudantes vão, nos seus processos desenvolvimentais, adquirindo maturidade e maior familiaridade com as situações, orientadores e colegas e, consequentemente, sentem-se menos “ameaçados”, estando na posse de mais estratégias de coping, que lhes permitem enfrentar melhor as situações mais desgastante, sem que possam entrar em exaustão emocional. Todavia, Garro, Camillo e Nóbrega (2006), através do seu estudo, verificaram que os estudantes mais velhos, no 4º ano, são os que se sentem mais despreparados face à saturação do mercado de trabalho, bem como por já serem praticamente profissionais sentem medo de atuarem sozinhos sem apoio dos orientadores. Concluíram que os estudantes dos 1.º e 3.º anos apresentam menos sintomas indicativos de Burnout. Em relação à terceira questão de investigação, através da qual se procurou saber que variáveis académicas interferem no Burnout nos estudantes de enfermagem em ensino clínico, apurou-se que apenas a coabitação teve interferência estatística, sendo os estudantes que vivem sozinhos em tempo de aulas os que demonstraram níveis mais elevados de exaustão emocional (OM=130.17) e, sobretudo, de despersonalização (OM=160.38). Constata-se que os estudantes a coabitarem com a família são os que apresentam mais realização profissional (OM=128.28). Deste modo, os dados empíricos indicaram que existe relação estatística entre a realização profissional e a coabitação (X2=6.996; p=0.030). Estes resultados poderão ser justificados com o facto de os estudantes que vivem sozinhos não têm tanto suporte social, como o familiar e o apoio dos amigos/colegas. Um estudo conduzido por Costa e Leal (2006), os estudantes que saíram do ambiente familiar e passaram a viver sozinhos, após a entrada no ensino superior, tinham tendência para sentirem mais ansiedade e apresentarem mais problemas de isolamento/solidão e irritabilidade, contrariamente aos que continuaram a viver com a família, que mostravam uma melhor adaptação académica em geral, eram mais otimistas, apresentavam uma maior estabilidade afetiva, melhor equilíbrio emocional, o que pode justificar os resultados encontrados no presente estudo. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 30

CONCLUSÃO Dos resultados do nosso estudo, podemos afirmar que os estudantes de enfermagem revelam que há situações indutoras de stress em contexto de ensino clínico. No entanto, com base nos resultados apurados verificouse um predomínio de stress moderado, onde sobressaem os estudantes do 4º ano e os do 3º ano. Apesar de se ter constatado que há um predomínio de stress moderado, apurou-se que uma grande parte dos estudantes revelou stress intenso, sobretudo os que se encontram nos 3º e 4º anos. Outra situação a referenciar é a de que alguns dos estudantes em ensino clínico de Pediatria/Obstetrícia foram os que mais revelam stress intenso perante as situações vivenciadas, secundados pelos que estão no ensino clínico de Médico-cirúrgica 4/Comunitária 3. Neste âmbito faz-se alusão ao estudo de Barroso (2009) onde ficou demonstrado também que alguns estudantes do 4.º ano, pela proximidade com o mundo do trabalho, apresentam níveis elevados de stress. Pacheco (2008) salienta que um stressor corresponde a qualquer situação provocadora de um estado emocional forte que conduza a uma quebra do equilíbrio interno e externo, que exija do estudante um ajustamento ao ambiente. Assim, o mesmo autor refere algumas as situações de stress experienciadas nos ensinos clínicos, as quais foram corroboradas no presente estudo, designadamente: desconhecimento da estrutura e orgânica do serviço, relação entre colegas/equipa, avaliação, relação entre o estudante com o orientador e com o professor, as quais resultam em alterações fisiológicas, emocionais e comportamentais, favorecedoras de uma diminuição da saúde e do bemestar dos estudantes. Averiguou-se que o valor médio mais elevado, em termos de situações vivenciadas em ensino clínico e que possam causar stress aos estudantes, foi “Não controlar a relação com o doente/utente”, seguindose a “Falta de competência” (M=48.55; ±21.043) e a “Relação com o supervisor e colegas”, “Sobrecarga” e a “Impotência e a incerteza”, o que foi corroborado pelos discursos de alguns estudantes. Neste sentido, Rocha e Carvalho (2013) salientam que a formação recebida durante a aprendizagem profissional possibilita a estruturação da identidade profissional e esta é resultante de um subsequente processo de retradução e de reajustamento, no confronto com as experiências concretas nos contextos de ensino clínico. Pode dizerse que há conformidade entre as respostas obtidas, pois as situações geradoras de stress relacionam-se com o ambiente clínico e com a supervisão clínica.


No que se refere ao ambiente clínico, sobressaiu a relação com o doente, o que lhes pode gerar uma grande tensão emocional. Sobressaiu também a segurança dos cuidados, tendo sido mais valorizado os erros com a medicação, na medida em que o erro na administração da medicação pode por em risco a vida do doente, bem como a impotência e a incerteza face a determinadas situações. Esses fatores geradores de stress foram identificados responsáveis por sobrecarga física e psicológicas, com interferência no bem-estar emocional dos estudantes. Em síntese, ficou demonstrado que existem princípios que se aplicam à realidade do ensino clínico de enfermagem, destacando-se o princípio da relação interpessoal e o princípio da relação intercontextual, os quais podem resultar em elevados níveis de stress, caso os estudantes de enfermagem não tenham acesso a estratégias de coping que os façam superar esses fatores, dando lugar à denominada “adaptação”, pois, caso contrário, se os estudantes não os conseguirem superar podem mesmo atingir o Burnout. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Barroso, I. M. A. C. (2009). O ensino clínico no curso de licenciatura em enfermagem: Estudo sobre as experiências de aprendizagem, situações e fatores geradores de stresse nos estudantes (Dissertação de mestrado, Universidade do Porto). Acedido em https:// repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/20159/2/ DissertaoIsabelBarroso.pdf Benevides-Pereira, A. M. T. (2002). O processo de adoecer pelo trabalho. In A. M. T. Benevides-Pereira (Org.), Burnout: Quando o trabalho ameaça o bemestar do trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo. Carloto, M. S. & Câmara, S. G. (2007). Preditores da síndrome de Burnout em professores. Revista Psicologia Escolar e Educacional, 11(1), 101-110. Costa, E. S., & Leal, I. P. (2006). Estratégias de coping em estudantes do ensino superior. Análise Psicológica, 24(2), 189-199. Custódio, S., Pereira, A., & Seco, G. (2009). Stress e estratégias de coping dos estudantes de enfermagem em ensino clínico. In Actas do X Congresso Internacional Galego-Português de Psicopedagogia (pp. 4670-4683).

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Artigo de Investigação

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Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0164

SATISFAÇÃO COM O SUPORTE SOCIAL E QUALIDADE DE VIDA DOS DOENTES COM ESQUIZOFRENIA | Lara Guedes de Pinho1; Anabela Pereira2; Cláudia Chaves3; Maria da Luz Rocha4 |

RESUMO CONTEXTO: A esquizofrenia, como doença mental grave, traz consequências nefastas para a qualidade de vida dos doentes, envolvendo, na maioria dos casos, um escasso apoio social, pelas características que estão inerentes à sua sintomatologia. Sendo o suporte social uma das variáveis de redução do impacto das perturbações mentais como a esquizofrenia, torna-se importante perceber a associação entre este e a qualidade de vida. OBJETIVO: Avaliar a influência da satisfação com o suporte social na qualidade de vida dos doentes com esquizofrenia. METODOLOGIA: Amostra constituída por 282 participantes com o diagnóstico de esquizofrenia pertencentes a várias instituições de norte a sul de Portugal Continental. Foram utilizados os seguintes instrumentos: Questionário de dados sociodemográficos, Escala de Qualidade de Vida QLS7PT e Escala de Satisfação com o Suporte Social (ESSS). Trata-se de um estudo transversal com análises de regressão linear simples para avaliar a correlação entre as variáveis. RESULTADOS: Obtiveram-se resultados estatisticamente significativos entre os valores da QLS7PT e a satisfação com o suporte social total (p<0,001), a satisfação com os amigos (p<0,001), com a intimidade (p<0,001) e com as atividades sociais (p=0,008). Não se obtiveram resultados estatisticamente significativos entre a QLS7PT e a satisfação com a família (p=0,294). CONCLUSÕES: Os resultados sugerem que quanto maior a satisfação com o suporte social maior a qualidade de vida. Torna-se assim crucial a implementação de intervenções de enfermagem em saúde mental que promovam as relações interpessoais não só dentro do grupo terapêutico mas também na comunidade. PALAVRAS-CHAVE: Esquizofrenia; Suporte Social; Qualidade de Vida

RESUMEN

ABSTRACT

“Satisfacción con el apoyo social y calidad de vida de los pacientes con esquizofrenia”

“Satisfaction with Social Support and Quality of Life in Patients with Schizophrenia”

CONTEXTO: La esquizofrenia es, tal vez, la enfermedad mental grave más devastadora en materia de calidad de vida, envolviendo, en la mayoría de los casos, poco apoyo social, por causa de las características que son inherentes a sus síntomas. El apoyo social es una de las variables de reducción del impacto de los trastornos mentales tales como la esquizofrenia. Por ese motivo, es importante darse cuenta de la asociación entre el apoyo social y la calidad de vida. OBJETIVO: Evaluar la influencia de la satisfacción con el apoyo social en la calidad de vida de los pacientes con esquizofrenia. METODOLOGÍA: La muestra consistió en 282 participantes diagnosticados con esquizofrenia pertenecientes a diversas instituciones de norte a sur de Portugal. Se utilizaron los siguientes instrumentos: Cuestionario de datos sociodemográficos, Escala de la Calidad de Vida QLS7PT y Escala de Satisfacción con el apoyo social (ESSS). Se trata de un estudio transversal y se ha realizado análisis de regresión lineal simples para evaluar la correlación entre las variables. RESULTADOS: Se obtuvo resultados estadísticamente significativas entre los valores de la QLS7PT y de la satisfacción con el apoyo social total (p <0,001), la satisfacción con la familia (p <0,001), con la intimidad (p <0,001) y las actividades sociales (p = 0,008). No han dado resultados estadísticamente significativas entre la QLS7PT y la satisfacción con la familia (p = 0,294). CONCLUSIONES: Los resultados sugieren que cuanto mayor es la satisfacción con el apoyo social, más grande es la calidad de vida. Por tanto, es crucial la implementación de las intervenciones de enfermería en salud mental que promueven relaciones interpersonales no sólo dentro del grupo terapéutico, sino también en la comunidad.

BACKGROUND: Schizophrenia is one of the more devastating mental illnesses. It decreases the quality of life and in most cases there is a lack of social support due to its symptomatology and misunderstanding. Moreover, the social support has a crucial impact on mental diseases, especially in schizophrenia. Consequently, it is important to deeply understand the correlation between schizophrenia and social support. AIM: The aim of this work is to analyse the influence of the social support satisfaction on the quality of life of people with schizophrenia. METHODS: The sample consisted of 282 participants diagnosed with schizophrenia from several charitable institutions of Portugal. The following tools were used: socio-demographic data questionnaire, the Quality of Life Scale (QLS7PT) and the Social Support Satisfaction Scale (“Escala de Satisfação com o Suporte Social” – ESSS). This is a cross-sectional study and simple linear regressions were performed in order to evaluate the correlation between the variables. RESULTS: There were statistically significant results between QLS7PT values and social support satisfaction (p<0.001), QLS7PT values and friendship satisfaction (p<0.001), QLS7PT values and intimacy lever (p<0.001), and QLS7PT values and social activities (p=0.008). There were no statistically significant results between QLS7PT and family satisfaction (p=0.294). CONCLUSIONS: The results suggest that the higher the satisfaction with social support, the higher the quality of life becomes. Thus, it is crucial to implement mental health, e.g., with nursing interventions, that promote interpersonal relationships not only within the therapeutic group but within entire community as well.

DESCRIPTORES: Esquizofrenia; Apoyo social; Calidad de Vida

Submetido em 27-01-2017 Aceite em 20-06-2017

KEYWORDS: Schizophrenia; Social support; Quality of life

1 Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde; Enfermeira Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria; Aluna de doutoramento no Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro, Campus Universitário de Santiago, 3810-193, Aveiro, Portugal, larapinho@ua.pt 2 Doutorada em Psicologia; Professora Associada com Agregação no Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro, Portugal, anabelapereira@ua.pt 3 Doutorada em Ciências da Educação; Enfermeira Especialista em Saúde Comunitária; Professora Associada na Escola Superior de Saúde de Viseu, Instituto Politécnico de Viseu, IPV, CI&DETS, Rua D. João Crisóstomo Gomes de Almeida, n.º 102, 3500-843 Viseu, Portugal, cchaves@essv.ipv.pt 4 Mestre em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Enfermeira Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria; Enfermeira na Casa de Saúde do Bom Jesus em Braga, Rua Dr. António Pacheco Palha, nº 2, Nogueiró, 4715-308, Braga, Portugal, maryrosilva.rocha@gmail.com Citação: Pinho, L. G., Pereira, A., Chaves, C., & Rocha, M. L. (2017). Satisfação com o suporte social e qualidade de vida dos doentes com esquizofrenia. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 33-38. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 33


INTRODUÇÃO A esquizofrenia, como doença mental grave, traz consequências devastadoras para a qualidade de vida dos doentes, pelas características que lhe são inerentes. Vários estudos indicam que os fatores psicossociais e psicopatológicos são os que mais influenciam a qualidade de vida, quando comparados com fatores sociodemográficos, clínicos e neurocognitivos (Chou, Ma, & Yang, 2014). No que respeita aos fatores psicossociais, constatamos que a rede social destes doentes tende a ser diminuída, sendo muitas vezes o isolamento social o primeiro sinal da perturbação. Nos resultados de uma revisão sistemática da literatura, concluiu-se que os doentes com esquizofrenia possuem uma rede social menor que as pessoas sem história de perturbação mental e que, além de terem um menor número de recursos, também os utilizam menos vezes (Ornelas, 1996). Como referido no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM 5), muitos destes doentes não casam ou têm contatos sociais limitados fora do seu ambiente familiar (American Psychiatric Association, 2014). O suporte social é um conceito multidimensional que engloba um conjunto de interações sociais, estando incluídos o casamento, a paternidade e outros laços íntimos, as amizades, as relações com os colegas de trabalho e com os vizinhos ou conhecidos e as relações com as associações religiosas, culturais, sociais, políticas ou recreativas. Assim, o apoio social, através destas redes de suporte, ajuda o indivíduo a mobilizar os seus recursos físicos ou psicológicos (Rausa, 2008). É, ainda, um fator de extrema importância na adaptação à doença crónica (Symister, & Friend, 2003) e corresponde a uma das variáveis de redução do impacto das perturbações mentais como a esquizofrenia (Ornelas, 1996). Portanto, as pessoas com doença mental reconhecem as relações sociais como uma prioridade importante na recuperação (Corrigan, Mueser, Bond, Drake, & Solomon, 2008). Além disso, os indivíduos que têm uma rede social de apoio alcançam, em consequência, melhores condições de vida, menor presença de sintomas e menos internamentos hospitalares do que os que não possuem este apoio (Gutiérrez-Maldonado, Caqueo-Urízar, Ferrer-García, & FernándezDávila, 2012).

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 34

Existem já alguns estudos, que evidenciam que quanto maior o apoio social dos doentes com esquizofrenia, melhor a qualidade de vida (Hamaideh, Al‐Magaireh, Abu‐Farsakh, & Al‐Omari, 2014; Lanfredi et al., 2014; Suttajit, & Pilakanta, 2015). Outros, relacionam a perceção de apoio social destes doentes com esta mesma variável (Adelufosi, Ogunwale, Abayomi, & Mosanya, 2013; Eack, Newhill, Anderson, & Rotondi, 2007; Gutiérrez-Maldonado et al., 2012). No entanto, a satisfação com o suporte social dos doentes com esquizofrenia está ainda pouco estudada, sendo que, nas pesquisas efetuadas não foram encontrados estudos que a relacionem com a qualidade de vida. Neste sentido, delineou-se como objetivo da presente investigação, avaliar a influência da satisfação com o suporte social na qualidade de vida dos doentes com esquizofrenia. Considera-se assim, um estudo inovador nesta área, perspetivando-se que contribua para a implementação de intervenções de enfermagem de acordo com os resultados obtidos. Metodologia Desenho do estudo Estamos perante um estudo transversal, descritivocorrelacional, que pretende avaliar as relações entre as variáveis, sem manipulação experimental. Teve como finalidade avaliar a correlação existente entre a satisfação com o suporte social e a qualidade de vida dos doentes com esquizofrenia. A amostra foi do tipo não probabilístico, por conveniência, sendo constituída pela população alvo elegível que se encontrava acessível e aceitou participar no estudo. É composta por 282 participantes com o diagnóstico de esquizofrenia (critério CID 10), pertencentes a nove instituições de norte a sul de Portugal Continental. Doentes com diagnóstico concomitante de oligofrenia e/ou em fase aguda da doença, com sintomas psicóticos exacerbados e/ou sem qualquer contato com a comunidade foram excluídos da presente investigação. Instrumentos Foi utilizado um questionário de dados sociodemográficos e clínicos e aplicados os instrumentos - Escala de Satisfação com o Suporte Social (ESSS) e Escala de Qualidade de Vida versão reduzida (QLS7PT).


O questionário de dados sociodemográficos e clínicos e o QLS7PT foram preenchidos pela investigadora e a ESSS foi preenchida pelo participante, excetuandose alguns casos que necessitaram de colaboração no preenchimento. O questionário sociodemográfico e clínico foi formado por questões de resposta fechada e teve como objetivo caracterizar a amostra em estudo, tendo sido elaborado especificamente para esta investigação. Os dados sociodemográficos recolhidos foram: género, idade, estado civil, escolaridade, coabitação, região do país e situação laboral. Os dados clínicos foram: duração do diagnóstico e número de internamentos em unidades de Psiquiatria. O instrumento de medida utilizado para avaliar a qualidade de vida foi o QLS7PT que foi validado para Portugal por Pinho, Pereira e Chaves (2017), e é constituído por 7 itens. Cada item é composto por uma escala do tipo Likert de sete pontos, sendo que valores de 5 e 6 indicam o funcionamento normal, de 2 a 4 revelam um considerável prejuízo e 0 e 1 refletem um prejuízo grave no item avaliado. Este instrumento avalia o funcionamento dos doentes com esquizofrenia tendo em conta os sintomas negativos da doença, independentemente da presença ou ausência de sintomatologia positiva. Foi desenvolvido na sua versão original por Heinrichs, Hanlon e Carpenter (1984) e na sua versão reduzida por Fervaha e Remington (2013). Para avaliar a satisfação com o suporte social utilizouse a Escala de Satisfação com o Suporte Social (ESSS) desenvolvida por Pais-Ribeiro (1999; 2011), que tem como objetivo avaliar a satisfação com o suporte social, em relação à família, amigos, intimidade e atividades sociais. Este instrumento é constituído por 15 itens que se subdividem em quatro domínios: satisfação com amigos, intimidade, satisfação com a família e atividades sociais. Cada item é avaliado através de uma escala do tipo Likert de 5 pontos. A pontuação total varia entre 15 e 75, sendo que quanto maior o valor, maior a satisfação com o suporte social (PaisRibeiro, 2011). Para facilitar a interpretação dos dados os valores foram convertidos numa escala de 0 a 100. Procedimento Esta investigação é parte integrante de um estudo de validação da versão Portuguesa da Escala de Qualidade de Vida QLS7PT (Pinho et al., 2017).

Inicialmente foi solicitado parecer à Comissão Nacional de Proteção de Dados, tendo sido despachado favoravelmente (autorização nº 843/2015), bem como a todas as comissões de ética das diferentes instituições envolvidas que também autorizaram a recolha de dados. Posteriormente, foram selecionados os participantes e constituída a amostra, tendo em conta todos os princípios éticos intrínsecos à investigação. Foram então esclarecidos os objetivos do estudo, garantida a confidencialidade dos dados e o anonimato e obtido o consentimento informado de todos os participantes. Desta forma, iniciou-se a recolha de dados através de uma entrevista individual com aplicação dos questionários durante um período de 15 meses (de 2015 até março de 2016). O tratamento estatístico dos dados realizou-se com análises descritivas para caracterizar a amostra do estudo e análises de regressão linear simples para avaliar a relação entre a satisfação com o suporte social e a qualidade de vida. RESULTADOS As análises descritivas correspondentes às características sociodemográficas e clínicas da amostra em estudo, bem como os resultados das escalas QLS7PT e ESSS podem ser visualizadas na tabela 1. A amostra é constituída por 282 indivíduos com esquizofrenia, com uma média de idades de 46,5, entre 20 e 78 anos, sendo maioritariamente do género masculino (60,3%), solteiros (67,4%), a viverem com os pais (37,2%) e com incapacidade para o trabalho (61,7%). No que respeita aos dados clínicos 50,7% tem uma duração do diagnóstico superior a 20 anos e esteve internado em unidades de Psiquiatria entre 2 a 5 vezes (44,35). Relativamente aos resultados da ESSS, verificamos que foram obtidos valores superiores para a satisfação com a família (62,88 ± 33,481) e inferiores para a satisfação com os amigos (46,61± 32,948), obtendo um score da escala total de 51,48 ± 21,299. No que respeita aos resultados da QLS7PT verifica-se um prejuízo considerável na qualidade de vida, uma vez que a média se encontra entre 2 e 4.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 35


Norte

98 (34,8)

Centro

75 (26,6)

Sul

109 (38,7)

Para avaliar a correlação entre os resultados da escala de qualidade de vida QLS7PT e a ESSS foram realizadas regressões lineares simples entre o valor total da QLS7PT e cada um dos domínios da ESSS. Observa-se uma correlação estatisticamente significativa e positiva em todos os domínios, excetuando-se no domínio satisfação com a família (Tabela 2).

Feminino

112 (39,7)

Masculino

170 (60,3)

Tabela 2 - Regressões lineares simples entre a QLS7PT e cada um dos domínios da ESSS

Tabela 1 - Características sociodemográficas e clínicas da amostra (n=282) Variáveis

n = 282

Região do país

Género

Habilitações Literárias

Standardized Coefficients Beta

R2

R2 ajustado

F

p-value

0,156

53,117

<0,001

0,167

0,164

56,084

<0,001

0,063

0,004

0,000

1,107

0,294

Atividades Sociais

0,157

0,025

0,021

7,081

0,008

ESSSTOTAL

0,390

0,152

0,149

50,285

<0,001

1º ciclo do Ensino Básico ou inferior

75 (26,6)

2º ciclo do Ensino Básico

63 (22,3)

3º ciclo do Ensino Básico

69 (24,5)

Satisfação com Amigos

0,399

0,159

Ensino Secundário (12º ano)

54 (19,1)

Intimidade

0,409

21 (7,4)

Satisfação com Família

Formação Universitária Estado Civil Solteiro

190 (67,4)

Casado / União de facto

40 (14,2)

Divorciado / Separado / Viúvo

52 (18,4)

ANOVA

Coabitação Pais/pai/mãe

105 (37,2)

Sozinho

54 (19,1)

Instituição

52 (18,4)

Cônjuge / Companheiro

38 (13,5)

Filho e/ou outros

24 (8,5)

Residência autónoma

9 (3,2)

Situação laboral Empregado / Estudante

26 (9,2)

Não ativo / Desempregado

82 (29,1)

Invalidez

174 (61,7)

Duração do diagnóstico < 5 anos

43 (15,2)

5 a 10 anos

35 (12,4)

10 a 20 anos

61 (21,6)

>20 anos

143 (50,7)

Nº internamentos Psiquiatria Nenhum

22 (7,8)

1

67 (23,8)

2a5

125 (44,3)

6 a 10

43 (15,2)

> 10

25 (8,9)

ESSS Satisfação com Amigos

46,61 ± 32,948

ESSS Intimidade

50,29 ± 23,927

ESSS Satisfação com Família

62,88 ± 33,481

ESSS Atividades Sociais

49,79 ± 28,604

ESSS total

51,48 ± 21,299

QLS7PT

3,86 ± 1,040

Apresentação de dados como n (%) ou média ± desvio padrão Valores da ESSS entre 0 e 100 / Valores da QLS7PT entre 0 e 6 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 36

DISCUSSÃO Analisando as características da amostra deste estudo de investigação podemos verificar alguns fatores que poderão contribuir para uma rede social escassa, como sejam, a elevada taxa de indivíduos sem conjugue ou companheiro (85,8%) e a elevada taxa de sujeitos sem ocupação profissional (90,8%). Estes fatores poderão limitar as oportunidades de estabelecimento de relações interpessoais e influenciar a satisfação com o suporte social. Nos resultados da ESSS constata-se que a satisfação com os amigos é a mais prejudicada (46,61 ± 32,948), seguindo-se as atividades sociais (49,79 ± 28,604), a intimidade (50,29 ± 23,927) e a satisfação com a família (62,88 ± 33,481). Neste sentido, Huang, Sousa, Tsai, & Hwang (2008) referem que os indivíduos com esquizofrenia costumam ter uma perceção pobre de apoio social, especialmente da que provém de não familiares, mantendo parco contato com a comunidade. Quando comparados os resultados de cada um dos fatores da ESSS com os resultados da QLS7PT constatámos que quanto maior qualquer dos domínios, maior a qualidade de vida. Apesar dos constructos avaliados não serem exatamente os mesmos, podemos referir que se encontram resultados concordantes no estudo de Hamaideh et al. (2014), quando conclui que o suporte dos amigos é o melhor preditor de qualidade de vida.


Por fim, alguns estudos apontam para uma melhor qualidade de vida quanto maior o apoio social percebido pelo indivíduo portador de esquizofrenia (Adelufosi et al., 2013; Eack et al., 2007; Gutiérrez-Maldonado et al., 2012), o que vai de encontro aos resultados obtidos. Como limitações a esta investigação podemos referir ser um estudo transversal pelo que não permite verificar se, com a mudança nas redes sociais de apoio, há alterações na satisfação com o suporte social. Também não permite comparar se a satisfação com o suporte social está diretamente relacionada com o número e a qualidade dos contactos sociais ou com défices no funcionamento social do indivíduo, pelo que estudos posteriores deverão avaliar estes constructos. CONCLUSÃO Os resultados evidenciam que a qualidade de vida é influenciada pela satisfação com o suporte social, sendo que quanto maior a satisfação com o suporte social, melhor a qualidade de vida. Assim, as intervenções de enfermagem de saúde mental, devem focar-se na implementação de estratégias que promovam a satisfação com o suporte social, seja através da realização de atividades socias, seja através de atividades dirigidas à interação social entre as pessoas com esquizofrenia e os outros elementos da sociedade, objetivando o aumento da rede social de suporte. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Este é um estudo de grande relevância para a prática clínica dado que alerta os profissionais de saúde para a necessidade de implementar intervenções direcionadas para a promoção de atividades sociais satisfatórias que promovam a interação social dos indivíduos com esquizofrenia com outros elementos da sociedade, permitindo alargar a rede social de suporte. Estas intervenções devem fazer parte integrante dos programas de reabilitação psicossocial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adelufosi, A. O., Ogunwale, A., Abayomi, O., & Mosanya, J. T. (2013). Socio-demographic and clinical correlates of subjective quality of life among Nigerian outpatients with schizophrenia. Psychiatry research, 209, 320-325. doi: 10.1016/j.psychres.2012.12.027

American Psychiatric Association (2014). DSM-5 Manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais (5ª ed.). Lisboa: Climepsi Editores. Chou, C. Y., Ma, M. C., & Yang T.T. (2014). Determinants of subjective health-related quality of life (HRQoL) for patients with schizophrenia. Schizophrenia Research, 154, 83-8. doi: 10.1016/j. schres.2014.02.011 Corrigan, P. W., Mueser, K. T., Bond, G. R., Drake, R. E., & Solomon, P. (2008). Principles and practice of psychiatric rehabilitation: An empirical approach. New York: The Guilford Press. Eack, S. M., Newhill, C. E., Anderson, C. M., & Rotondi, A. J. (2007). Quality of life for persons living with schizophrenia: more than just symptoms. Psychiatric rehabilitation journal, 30(3), 219. doi:10.2975/30.3.2007.219.222 Fervaha, G., & Remington, G. (2013). Validation of an abbreviated quality of life scale for schizophrenia. European Neuropsychopharmacology, 23(9), 1072– 1077. doi: 10.1016/j.euroneuro.2012.11.009 Gutiérrez-Maldonado, J., Caqueo-Urízar, A., FerrerGarcía, M., & Fernández-Dávila, P. (2012). Influencia de la percepción de apoyo y del funcionamiento social en la calidad de vida de pacientes con esquizofrenia y sus cuidadores. Psicothema, 24(2), 255–262. Hamaideh, S., Al‐Magaireh, D., Abu‐Farsakh, B., & Al‐Omari, H. (2014). Quality of life, social support, and severity of psychiatric symptoms in Jordanian patients with schizophrenia. Journal of psychiatric and mental health nursing, 21(5), 455-465. doi:10.1111/ jpm.12112 Heinrichs, D. W., Hanlon, T. E., & Carpenter, W. T. (1984). The quality of life scale: an instrument for rating the schizophrenic deficit syndrome. Schizophrenia Bulletin, 10(3) 388-398. Huang, C. Y., Sousa, V. D., Tsai, C. C., & Hwang, M. Y. (2008). Social support and adaptation of Taiwanese adults with mental illness. Journal of Clinical Nursing, 17(13), 1795–1802. doi:10.1111/j.13652702.2008.02310.x Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 37


Lanfredi, M., Candini, V., Buizza, C., Ferrari, C., Boero, M. E., Giobbio, G. M., Goldschmidt, N., Greppo, S., Iozzino, L., Maggi, P., Melegari, A., Pasqualetti, P., Rossi, G., & Girolamo, G. (2014). The effect of service satisfaction and spiritual well-being on the quality of life of patients with schizophrenia. Psychiatry Research, 216(2), 185-191. doi: 10.1016/j.psychres.2014.01.045 Ornelas, J. (1996). Suporte social e doença mental. Análise Psicológica, 14(2-3), 263-268. Pais Ribeiro, J. L. (2011). Escala de satisfação com o suporte social. Lisboa: Placebo Editora. ISBN: 978989-8463-14-2 Pinho, L. G., Pereira, A. & Chaves, C. (2017). Adaptação portuguesa da escala de qualidade de vida para pessoas com esquizofrenia. Aceite para publicação na Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación – e Avaliação Psicológica.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 38

Rausa, B. A. (2008). Social Support. In S. Loue & M. Sajatovic (Eds), Encyclopedia of aging and public health (pp. 751-754). Springer Science & Business Media. doi: 10.1007/978-0-387-33754-8_410 Suttajit, S., & Pilakanta, S. (2015). Predictors of quality of life among individuals with schizophrenia. Neuropsychiatric disease and treatment, 28(11), 1371-1379. doi: 10.2147/NDT.S81024 Symister, P., & Friend, R. (2003). The influence of social support and problematic support on optimism and depression in chronic illness: a prospective study evaluating self-esteem as a mediator. Health Psychology, 22(2), 123.


Artigo de Investigação

7

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0165

ESCALA DE ENVOLVIMENTO COM O ÁLCOOL PARA ADOLESCENTES (AAIS): ANÁLISE FACTORIAL CONFIRMATÓRIA | Manuela Ferreira1; Gonçalo Valente2; Lídia Cabral3; João Duarte4; Amadeu Gonçalves5; Joana Andrade6 |

RESUMO CONTEXTO: O consumo de álcool na adolescência contribui significativamente para produzir danos físicos e psicológicos e está associado a intoxicações, comportamentos sexuais de risco e tentativas de suicídio. A validação de uma escala que permita avaliar o envolvimento com o álcool para adolescentes é de importância capital para o planeamento de ações promotoras de estilos de vida saudáveis junto deste grupo etário OBJECTIVO: Estudar a validade e fidedignidade da Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes MÉTODO: Recorreu-se a um modelo de investigação quantitativo, transversal, descritiva e correlacional. Participaram 971 estudantes do ensino secundário público e cooperativo. O Instrumento de recolha de dados inclui o questionário sociodemográfico, a Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes de Mayer & Filstead (1979) adaptada por Fonte & Alves (1999). RESULTADOS: Os estudantes com idades compreendidas entre os 14 – 21 anos, são na sua maioria rapazes (50,80%), Revelaram-se bebedores habituais sem problemas (75,30%), com elevadas expectativas face ao álcool (45,10%). Procedemos ao estudo de fiabilidade e validade da Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes e após análise factorial de componentes principais, com rotação ortogonal de tipo varimax, obtivemos 2 factores com raízes lactentes superiores a 1, que no seu conjunto explicaram 55,41% da variância total. O Alfa de Cronbach para a globalidade da escala foi de α=0.900, com um coeficiente de Split-half para a primeira metade = 0,865 e segunda metade = 0,800 CONCLUSÃO: As propriedades psicométricas da escala de envolvimento com o álcool para adolescentes (AAIS) certificam a sua qualidade, enquanto ferramenta a utilizar por profissionais de saúde para avaliação dos comportamentos e sentimentos dos asolescentes face ao alcool PALAVRAS-CHAVE: Adolescentes, Álcool, Escala, Expectativas

RESUMEN

ABSTRACT

“Escala Implicación con Alcohol para Adolescentes (AAIS): análisis factorial confirmatorio”

“Teen Engagement Scale (AAIS): Confirmatory Factor Analysis”

CONTEXTO: El consumo de alcohol en la adolescencia contribuye significativanebte a daños físicos y psicológicos, y se asocia con intoxicaciones, el comportamiento sexual de riesgo y los intentos de suicidio. La validación de una escala para evaluar la implicación con alcohol a los adolescentes es de capital importancia para la planificación de las acciones de promoción de estilos de vida saludables entre este grupo de edad. OBJETIVO: Estudiar la validez y fiabilidad de la Escala de Participación con Alcohol a los Adolescentes. METODOLOGÍA: Recurrido a un modelo de investigación cuantitativa, transversal, analítico, descriptivo y correlacional. Asistieron 971 estudiantes de la escuela pública y cooperativa. El protocolo de evaluación incluye el cuestionario sociodemográfico, la escala de implicación con alcohol a los adolescentes Mayer & Filstead (1979) adaptado por Fonte & Alves (1999). RESULTADOS: Los estudiantes mayores de 14 años - 21, la mayoría de los hombres (50,80%), se dieron a conocer los bebedores normales sin problemas (75.30%) con altas expectativas hacia el alcohol (45,10%). Procederemos Escala de validación Implicación con alcohol para adolescentes y después de un análisis factorial de componentes principales con rotación ortogonal varimax tipo, obtenido dos factores con los infantes raíces superiores a 1, lo que en conjunto explican el 55,41% de la varianza total. El alfa de Cronbach para la escala entera fue α = 0,900, con un coeficiente de división por mitades primera mitad = 0,865, 0,800 segundos = la mitad. CONCLUSIONES: Propiedades psicométricas de la escala de participación con alcohol para los adolescentes (AAI) certificar su calidad como una herramienta para ser utilizado por los profesionales de la salud para evaluar el comportamiento y los sentimientos de adolescentes enfrentan al alcohol.

DESCRIPTORES: Adolescentes, Expectativas, Escala, Alcohol

BACKGROUND: Alcohol consumption during adolescence contributes significantly to physical and psychological harm and is associated with intoxication, sexual risk behavior and suicide attempts. Validating a scale that allows the evaluation of adolescents’ involvement with alcohol is of capital importance in order to plan promoting healthy lifestyles actions. AIM: To validate the Scale of adolescents’ involvement with alcohol. METHODS: We resorted to a quantitative, cross-sectional, analytical, descriptive and correlational research model with a sample of 971 high school students from public and cooperative schools. The evaluation protocol includes a sociodemographic questionnaire, the Scale Adolescents’ Involvement with Alcohol of Mayer & Filstead (1979) adapted by Fontes & Alves (1999). RESULTS: Students aged between 14 and 21 years old, mostly boys (50.80%). They were habitual drinkers without problems (75.30%), with high expectations regarding alcohol (45.10%). We performed the study of reliability and validity for the Alcohol Involvement Scale for Adolescents. After factorial analysis of the main components with orthogonal rotation of the varimax type, we obtained 2 factors with suckling roots higher than 1, which together accounted for 55.41% of the total variance. The Cronbach’s alpha for the whole scale was α = 0.900, with a split-half coefficient for the first half = 0.865 and for the second half = 0.800. CONCLUSIONS: The psychometric properties of the alcohol involvement scale for adolescents (AISA) certify its quality, as a tool to be used by health professionals to assess adolescents’ behaviors and feelings regarding alcohol.

KEYWORDS: Adolescents, Alcohol, Scale, Expectations Submetido em 30-01-2017 Aceite em 30-06-2017

1 Doutora; Professora coordenadora; Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, CI&DETS, Portugal, mmcferreira@gmail.com 2 Mestre; Enfermeiro, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Portugal, goncalo1043@hotmail.com 3 Doutora; professora coordenadora; Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, CI&DETS, Portugal, lcabral@essv.ipv.pt 4 Doutor; Professora coordenador, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, CI&DETS, Portugal, duarte.johnny@gmail.com 5 Doutor; Professora adjunto, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, CI&DETS, Portugal, agoncalvessv@hotmail.com 6 Mestre, Médica, Centro Hospitalar Tondela Viseu, Portugal, joana.andrade99@gmail.com Citação: Ferreira, M., Valente, G., Cabral, L., Duarte, J., Gonçalves, A., & Andrade, J. (2017). Escala de envolvimento com o álcool para adolescentes (AAIS): análise fatorial confirmatória. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 39-43. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 39


INTRODUÇÃO O envolvimento dos adolescentes com o álcool pode assumir duas formas: o situacional e o duradouro. Se o adolescente apresenta já um grande envolvimento com o consumo de bebidas alcoólicas, deixando-se assim, “absorver profundamente nesta actividade”, tal como refere Barros (2003), é urgente intervir de forma a reduzir e/ou eliminar este comportamento de risco, tão nocivo para a sua saúde. Portugal é dos países-membros da União Europeia com um dos maiores consumos de bebidas alcoólicas e de prevalência de problemas ligados ao álcool, associando-se nos últimos anos, à política geral europeia de controlo dos mesmos para uma melhor saúde do indivíduo e da comunidade (Mello, Barrias & Breda, 2001). O aumento do alcoolismo juvenil é uma realidade, para a qual é necessário encontrar soluções. As consequências negativas deste tipo de consumo são elevadíssimas e têm conduzido a uma crescente preocupação, não só da Organização Mundial de Saúde, mas de vários organismos da União Europeia. A longo prazo e de uma forma genérica, o consumo nocivo de álcool acarreta consequências a nível fisiológico, nomeadamente ao nível do sistema metabólico e endócrino, gastrointestinal, nervoso e cardiovascular. Nas últimas décadas desenvolveram-se vários instrumentos de auto-avaliação com o objectivo de proporcionarem uma detecção precoce do consumo abusivo de álcool e a determinação da severidade dos problemas com ele relacionado. Considerando o valor do seu uso em contexto clinico a Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes desenvolvida por Mayer & Filstead em 1979, adaptada para adolescentes portugueses por Fonte & Alves (1999) permite quantificar o grau de envolvimento dos adolescentes com o uso de álcool. Assim foi nosso objectivo estudar a validade e fidedignidade da Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes METODOLOGIA A escala de envolvimento com o álcool para adolescentes (AAIS), desenvolvido por Mayer e Filstead é um questionário de auto-avaliação constituído por 14 questões, dirigido especificamente para populações jovens (Reis et al., 2011), com o objectivo de quantificar o grau de relacionamento destes com o uso do álcool. Foi adaptado para a população adolescente portuguesa por Fonte & Alves (1999). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 40

Os itens versam questões como a frequência, data da ingestão da última bebida alcoólica, motivos para beber, tipo de bebida consumida habitualmente, data e com quem iniciaram o consumo, horas do dia em que costumam beber, quantidade, tipos de companhia, efeitos produzidos pelo álcool, opinião do próprio e dos outros sobre si mesmos (Fonte & Alves, 1999). A pontuação total varia de 0 (zero) a 79 pontos. A cada alínea “a)” corresponde um ponto (excepto nas questões 1, 2, 6, 12, 13 e 14, em que corresponde a zero pontos), cada alínea “b)” dois pontos e assim sucessivamente. Cada questão tem entre 4 a 8 respostas de escolha múltipla, de modo a permitir que o inquirido seleccione a que melhor corresponde à sua situação. Em cada uma das questões pode ser seleccionada mais do que uma alínea, contudo, para efeitos de pontuação, apenas é contabilizada a resposta de maior pontuação. Uma questão não respondida pontua-se com 0 (zero) pontos. Os resultados encontramse agrupados em 5 categorias: abstinentes (0 pontos); bebedores irregulares (1-19 pontos); bebedores habituais sem problemas (20-41 pontos); bebedores habituais com problemas (42-57 pontos) e “alcoholic like” (58-79 pontos) (Fonte & Alves, 1999). Todos os itens da Escala têm um índice de discriminação elevado (> 0,71) e só um item apresenta uma correlação com pontuação total inferior a r= 0,43. Medidas de fiabilidade do questionário apresentam um coeficiente de alfa de cronbach de 0,887. Quanto à análise factorial, na sua validação inicial revela-se uma estrutura constituída por três factores, responsáveis por 58% da variância total (41,9% para o factor 1, 9,2% para o factor 2 e 7,1% para o factor 3) (Fonte & Alves, 1999). A escala foi aplicada numa amostra constituída por 971 alunos do ensino secundário (10º, 11º e 12º anos) que frequentavam o mesmo estabelecimento de ensino. Foram efectuados estudos de fiabilidade (consistência interna e homogeneidade dos itens (Duarte, 2008) com determinação do coeficiente de correlação de Pearson, determinação do coeficiente alfa de cronbache e correlação de split-half. Resultados psicométricos da Escala de Envolvimento com o Álcool em Adolescentes (AAIS) Iniciou-se a avaliação das propriedades psicométricas da escala de envolvimento com o álcool em adolescentes através dos estudos de fiabilidade e de validade. Para o estudo da consistência interna determinamos:


(i) o coeficiente de correlação de Pearson das diversas questões com o valor global; (ii) o coeficiente alfa de cronbach, o qual mede a correlação entre cada item da escala com os restantes que, supostamente, pertencem a um mesmo universo. Os parâmetros variam entre zero (0) e (1), sendo a consistência interna considerada muito boa a partir de 0,8; (iii) correlação de split-half ou método das metades, a qual constitui uma forma de comprovar se uma das metades dos itens da escala se revela tão consistente a medir o constructo como a outra metade (Duarte, 2008). Quanto aos estudos de validade consideramos a validade constructo por ser a mais importante. Recorreu-se à análise factorial dos itens e dos resultados. Usando-se o método dos componentes principais (Pestana & Gageiro, 2008). Na rotação dos factores foi utilizada a rotação ortogonal do tipo varimax por ser a mais recorrente e porque mantém a independência dos factores. Por este processo, os itens que incorporam cada factor são os que se correlacionam mais fortemente com cada um deles (Pestana & Gageiro, 2008). Como critérios de determinação do número correcto de factores a serem extraídos, considerou-se o critério de auto-valor (eigenvalue) superior a 1 e o teste de scree plot de Cattel. Na retenção dos itens cargas factoriais iguais ou superiores a 0,40. Ainda relativamente à análise factorial, alguns autores defendem que no sentido de haver precisão dos factores dela resultante deverá ser tida em consideração a dimensão da amostra. Embora não sendo consensual, Duarte (2008) refere que o “N” da amostra deverá ser no mínimo igual a cinco vezes o número de itens da escala e nunca inferior a 100 indivíduos por análise. Tendo em consideração o tamanho amostral (N= 971), utilizado na análise factorial, e o número de itens que constitui a escala, não se colocam problemas de validação. Inicialmente efectuamos o estudo de consistência interna e como se pode verificar os valores médios oscilaram entre 0,15 no item 14 e os 3,92 no item 2. Não foram eliminados itens uma vez que todos eles apresentaram um valor correlacional superior a 0,2. Os coeficientes de correlação item total corrigido revelaram que o item 14 foi o que apresentou menor valor correlacional (r= 0,229), e menor variabilidade (17,60%) não se revelando por isso homogéneo face aos outros itens. A correlação máxima foi obtida no item 2 (r= 0,762), com uma variabilidade de 80,20%.

Quanto aos coeficientes alfa de cronbach estes foram classificados entre bons e muito bons pois variaram entre 0,885 e 0,904, nos mesmos itens Calculado o índice de fiabilidade pelo método das metades (split-half), obtiveram-se índices mais fracos do que para o alfa global da escala (0,900), sendo para a primeira e segunda metades de 0,865 e 0,800, respectivamente (cf. Tabela 1). Tabela 1 - Consistência interna da escala de envolvimento face ao álcool em adolescentes Item

x

Dp

Correlação item/total

R2

Alfa cronbach item

1 - Com que frequência costuma tomar bebidas alcoólicas?

2,65 1,46

0,717

0,741

0,888

2 - Quando tomou o seu último "copo"?

3,92 1,73

0,762

0,802

0,885

3 - Habitualmente começo a beber:

1,39 0,90

0,497

0,313

0,898

4 - O que é que bebe?

2,41 1,19

0,652

0,504

0,891

5 - Como começou a beber?

2,46 1,64

0,556

0,365

0,896

6 - Quando bebeu pela primeira vez?

3,35 1,44

0,694

0,581

0,889

7 - A que horas do dia costuma beber?

1,87 1,01

0,626

0,445

0,893

8 - Da primeira vez que bebeu porque razão o fez?

1,53 1,13

0,505

0,283

0,897

9 - Quando bebe, quanto bebe?

2,23 1,48

0,712

0,555

0,888

10 - Com quem costumas beber?

2,80 1,33

0,735

0,601

0,888

11 - Qual o efeito mais importante que já teve com a bebida?

1,79 1,50

0,645

0,496

0,891

12 - Qual a maior consequência da bebida que já sentiu em toda a sua vida?

0,93 1,61

0,464

0,369

0,900

13 - Como se sente em relação ao que bebe?

1,18 1,14

0,503

0,289

0,897

14 -Como o acham os outros?

0,15 0,70

0,229

0,176

0,904

Coeficiente Split-half Coeficiente alpha Cronbach global

1º metade 0,865 2ª metade 0,800 0,900

Procedeu-se seguidamente ao estudo da análise factorial da escala e o primeiro passo consistiu em analisar o resultado do teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), o qual afere a qualidade das correlações entre as variáveis.

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Dado o resultado obtido (KMO= 0,919), que foi classificado de excelente, tal como nos refere Marôco (2010) demos continuidade ao estudo factorial da escala. Não foi tido em consideração o teste de Bartlett, uma vez que em grandes amostras, o mesmo leva a rejeitar a hipótese nula. Ao verificar a proporção da variância de cada variável explicada pelos factores, designada por comunalidade após a extracção, a mesma foi classificada de boa já que oscila entre 0,337 nos itens 3 e 8 e 0,803 no item 2. Numa análise mais conservadora os itens com comunalidades inferiores a 0.40 deveriam ser eliminados, mas decidimos pela sua manutenção. Realizada a análise factorial exploratória de componentes principais com os 14 itens, obtiveram-se 2 factores com raízes lactentes superiores a 1, que no seu conjunto explicaram 55,41% da variância total (cf. Tabela 2). O teste de scree plot confirmou a retenção de dois factores. O factor 1, denominado por “hábitos de consumo” explicou 36,90% da variância total e foi constituído pelos itens 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10. O factor 2 foi denominado por “Efeitos, consequências e sentimentos face ao beber” explicou 18,51% da variância total sendo constituído pelos itens 11, 12, 13 e 14. Tabela 2 - Ordenação dos itens por factor Factor Factor 1 2

Item

H2

1 - Com que frequência costuma tomar bebidas alcoólicas?

0,818

0,687

2 - Quando tomou o seu último "copo"?

0,889

0,803

3 - Habitualmente começo a beber:

0,427

0,337

4 - O que é que bebe?

0,747

0,583

5 - Como começou a beber?

0,537

0,393

6 - Quando bebeu pela primeira vez?

0,807

0,668

7 - A que horas do dia costuma beber?

0,702

0,522

8 - Da primeira vez que bebeu porque razão o fez?

0,446

0,337

9 - Quando bebe, quanto bebe?

0,615

0,590

10 - Com quem costumas beber?

0,775

0,661

11 - Qual o efeito mais importante que já teve com a bebida?

0,616

0,585

12 - Qual a maior consequência da bebida que já sentiu em toda a sua vida?

0,755

0,601

13 - Como se sente em relação ao que bebe?

0,568

0,428

14 -Como o acham os outros?

0,739

0,561

Factores

Eigenvalue % Variância

% Variância Acumulada

F1 – Hábitos de consumo

6,291

36,90

36,90

F2 - Efeitos, consequências e sentimentos face ao beber

1,466

18,51

55,41

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Ainda no que diz respeito aos estudos de validade, foram determinados os valores de alfa de cronbach para cada um dos factor. Como se pode verificar pela tabela 3, o primeiro factor revelou uma boa consistência interna com um alfa de cronbach de 0,899). Já com o segundo encontrou-se uma razoável consistência interna ao apresentar um alfa de 0,689. O valor obtido na escala global (0,900) revelou-se superior ao valor obtido na escala do estudo original (0,887) de Fonte & Alves (1999). Tabela 3 - Comparação dos valores de alfa de cronbach do estudo actual com a escala original por factores Factores

Nº Itens

Alfa de Cronbach Split-half

Total

1ª 2ª Estudo Estudo Metade Metade actual original Factor 1 – Hábitos de consumo

10

0,807

0,812

0,899

-

Factor 2 – Efeitos, consequências e sentimentos face ao beber

4

0,692

0,377

0,689

-

AAIS (Global)

14

0,865

0,800

0,900

0,887

Uma contribuição para o estudo da validade da escala é a determinação da matriz de correlação entre os diversos factores e o valor global da escala. Vaz Serra (1994) cit. por Duarte (2008) refere que as correlações não devem ser demasiado elevadas, uma vez que este facto indica-nos que os itens são redundantes, sendo preferível existir uma correlação moderada entre si, facto que nos revela uma sensibilidade a aspectos diferentes do mesmo constructo. As correlações entre os dois factores e com a pontuação global da escala variaram entre 0,582 (F1 vs F2) e 0,970 (F1 vs AAIS Global), sendo altamente significativos. Entre os factores em análise, bem como com a pontuação global da escala verificou-se a existência de correlações positivas, significando que ao aumento ou diminuição da pontuação num dos factores se encontra igualmente associado a um aumento ou diminuição de pontuação no fator com o qual se associa. Tabela 4 - Matriz de correlação de Pearson entre os factores e a pontuação global da AAIS Factores

Factor 1

Factor 2

Factor 2

0,582**

-

AAIS (Global)

0,970**

0,763**

**p < 0,01


DISCUSSÃO A Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes é um questionário de auto-avaliação constituído por 14 questões, dirigido especificamente para populações jovens, com o objectivo de quantificar o grau de relacionamento destes com o uso do álcool. A análise factorial de componentes principais, com rotação ortogonal de tipo varimax. Obtiveram-se 2 factores com raízes lactentes superiores a 1, que no seu conjunto explicaram 55,41% da variância total. O factor 1 foi denominado por “hábitos de consumo” explicou 36,90% da variância total, e o factor 2 foi denominado por “Efeitos, consequências e sentimentos face ao beber” e explicou 18,51% da variância total. Estes resultados diferem dos valores obtidos por Fonte & Alves (1999), os quais obtiveram uma estrutura factorial a 3 factores responsáveis por 58% da variância total. O Alfa de Cronbach para a globalidade da escala foi de α=0.900. Obteve Split-half da Primeira metade = 0,865, da Segunda metade = 0,800 Coeficiente Splithalf da Primeira metade = 0,865, Segunda metade = 0,800. Segunda metade = 0,800 Valores considerados de referencia, Marôco (2010). CONCLUSÃO A Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes (AAIS), desenvolvido por Mayer e Filstead Foi validado para a população adolescente portuguesa por Fonte & Alves (1999). A Revalidação revela boas propriedades psicométricas, indicando que poderá ser utilizada em ensaios futuros no intuito de dar a conhecer os comportamentos de consumo de álcool nesta facha etária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Barros, L. M. D. (2003). O envolvimento da criança de três anos em grupos heterogéneos: Um estudo em contextos pedagógicos diferenciados. Dissertação de mestrado não publicada, Universidade do Minho, Braga. Duarte, J. C. (2008). Privação do sono, rendimento escolar e equilíbrio psico-afectivo na adolescência. Dissertação de doutoramento não publicada, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto. Fonte, A., & Alves, A., (1999). Uso da Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes (AAIS). Avaliação das Características Psicométricas. Alcoologia, Revista da Sociedade Portuguesa de Alcoologia, VII (4), s.p. Acedido em 12, maio, 2011, em http://anibalfonte.home.sapo.pt/AAIS.html. Mayer, J. E. & Filstead, W.J., (1979). The Adolescent Alcohol Involvement Scale: an instrument for measuring adolescent use and misuse of Alcohol. Study. Journal of Studies on Alcohol and Drugs, 40(3), 291-300. Marôco, J., (2010). Análise estatística com o PASW Statistics. Pêro Pinheiro: Report Number, Lda. Mello, M. L. M., Barrias, J., & Breda, J., (2001). Álcool e problemas ligados ao álcool em Portugal. Lisboa: Direcção-Geral da Saúde.

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Pestana, M. H., & Gageiro, J. N., (2008). Análise de Dados para Ciências Sociais: A Complementaridade do SPSS (5ª ed., revista e corrigida). Lisboa: Edições Sílabo.

A qualidade psicómetrica da Escala de Envolvimento com o Álcool para Adolescentes (AAIS) permite a sua utilização enquanto ferramenta de trabalho nas atividades de promoção de estilos de vida saudáveis dos adolescentes.

Reis, A., Barros, J., Fonseca, C., Parreira, L., Gomes, M., Figueiredo, I., & Matapa, S., (2011). Prevalência da Ingestão de Álcool nos Adolescentes – Estudo PINGA. Revista Portuguesa de Clínica Geral, 27, 338 – 346.

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Artigo de Revisão

8

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0166

NECESSIDADES DOS CUIDADORES FAMILIARES DE PESSOAS COM DEMÊNCIA A RESIDIR NO DOMICÍLIO: REVISÃO INTEGRATIVA | Lia Sousa1; Carlos Sequeira2; Carme Ferré-Grau3; Daniela Martins4; Pedro Neves5; Mar Lleixà-Fortuño6 |

RESUMO CONTEXTO: o aumento da incidência e da prevalência da demência constituem um problema significativo de saúde pública, o que implica uma maior atenção às necessidades dos cuidadores familiares, sendo essencial identifica-las. OBJETIVO: identificar as principais necessidades dos cuidadores familiares de pessoas com demência a residir no domicílio. METODOLOGIA: revisão integrativa da literatura, através das bases de dados Pubmed, Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Mediclatina e Medline, utilizando como descritores: cuidadores familiares, avaliação das necessidades de cuidados de saúde, demência e idoso. A pesquisa incluiu publicações entre 2005 e 2015, sendo identificados 8 artigos para revisão que obedeciam aos critérios de inclusão. RESULTADOS: a análise dos dados recolhidos permitiu identificar as necessidades dos cuidadores familiares e elenca-las em três grandes grupos: i) necessidades relacionadas com o cuidador familiar; ii) necessidades relacionadas com o papel de cuidador e iii) necessidades relacionadas com o contexto do cuidar. CONCLUSÕES: foi possível identificar e reunir as necessidades destes cuidadores numa lista, o que pode servir de base para o planeamento dos cuidados dos profissionais de saúde e para o desenvolvimento de serviços de suporte para os cuidadores familiares. PALAVRAS-CHAVE: Cuidadores Familiares; Avaliação das Necessidades de Cuidados de Saúde; Demência; Idoso

RESUMEN

ABSTRACT

“Necesidades del cuidador familiar de personas con demencia que viven en casa: revisión integradora”

“Needs of family caregiver of people with dementia living at home: integrative review”

CONTEXTO: el aumento de la incidencia y prevalencia de la demencia es un problema importante de salud pública, lo que implica una mayor atención a los cuidadores familiares sendo esencial la identificacion de las necesidades. OBJETIVO(S): identificar las principales necesidades de los cuidadores familiares de personas con demencia a vivir en casa. METODOLOGÍA: revisión integradora de la literatura, a través de Pubmed, RECAAP, CINAHL, Mediclatina y Medline, utilizando como descriptores: familiares cuidadores, evaluación de las necesidades de atención de salud, demencia y ancianos. La pesquisa incluyó publicaciones entre 2005 y 2015 y los artículos 8 identificados para su revisión que cumplían los criterios de inclusión. RESULTADOS: el análisis de los datos recogidos nos ha permitido identificar las necesidades de los cuidadores familiares y las enumerar en tres grupos: i) los requisitos relacionados con el cuidador familiar; ii) Requisitos relativos al papel de cuidador y iii) los requisitos relacionados con el contexto de la atención. CONCLUSIONES: fue posible identificar y organizar las necesidades de estos cuidadores en una lista, que pueden servir como base para la planificación de la atención de profesionales de la salud y el desarrollo de servicios de apoyo a los cuidadores familiares.

BACKGROUND: the increased incidence and prevalence of dementia is a significant public health problem, which implies greater attention to the needs of family caregivers, and it is essential to identify them. AIM: to identify the main needs of family caregivers of people with dementia living at home. METHODS: integrative review, through the databases Pubmed, RECAAP, CINHAL, Mediclatina and Medline, using as descriptors: family caregivers, health care needs assessment, dementia and aged. The research included publications between 2005 and 2015, with 8 articles being reviewed because that met the inclusion criteria. RESULTS: the analysis of the data collected allowed the identification of the needs of family caregivers and categorized them into three main groups: i) needs related to the family caregiver; ii) needs related to the role of caregiver and iii) needs related to the context of caring. CONCLUSIONS: It was possible to identify and match the needs of these caregivers in a list, which can serve as a basis for health care provider planning and for the development of support services for family caregivers.

DESCRIPTORES: Cuidadores Familiares; Evaluación de Necesidades; Demencia; Anciano

KEYWORDS: Family Caregivers; Needs Assessment; Dementia; Aged Submetido em 27-01-2017 Aceite em 30-04-2017

1 Doutoranda em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Mestre em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Enfermeira Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria; Enfermeira no Centro Hospitalar de São João, EPE e Assistente Convidada na ESEP, Portugal, liasousa_27@hotmail.com 2 Doutor em Ciências de Enfermagem; Docente na Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal, carlossequeira@esenf.pt 3 Doutora em Antropologia Social; Docente na Universidade de Rovira i Virgili, Carrer de l`Escorxador, 43003 Tarragona, Espanha, carme.ferre@urv.cat. 4 Mestranda em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Enfermeira no Centro Hospitalar Médio Ave, EPE. Braga, Portugal, daniela_martins59@hotmail.com 5 Doutorando em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto; Mestre e Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Enfermeiro graduado na Unidade de Saúde Familiar Horizonte, Matosinhos, R. Alfredo Cunha, 4450-021, Portugal, pedroneves.horizonte@gmail.com 6 Doutora em Pedagogia; Docente na Universidade de Rovira i Virgili, Carrer de l`Escorxador, s/n, 43003 Tarragona, Espanha, mar.lleixa@urv.cat Citação: Sousa, L., Sequeira, C., Ferré-Grau, C., Martins, D., Neves, P., & Lleixá-Fortuño, M. (2017). Necessidades dos cuidadores familiares de pessoas com demência a residir no domicílio: revisão integrativa. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 45-50. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 45


INTRODUÇÃO

METODOLOGIA

Para a Organização Mundial de Saúde (2012), a demência é um crescente problema de Saúde Pública e a família é a primeira linha de cuidados a estas pessoas, sendo cada vez mais chamada a desempenhar o papel de cuidador. O cuidador familiar pode ser caracterizado como uma pessoa que assiste e cuida de um familiar com algum tipo de doença, deficiência ou incapacidade, o que impede o desenvolvimento normal das suas atividades diárias e das suas relações sociais, passando a sua vida a organizar-se em torno do cuidado ao familiar doente (Ferré-Grau, RoderoSánchez, Cid-Buera, Vives-Relats & Aparicio-Casals, 2011). O cuidador familiar desempenha um conjunto de tarefas no quotidiano que necessitam de conhecimento e treino, tais como atividades de vida diárias, resolução de problemas, tomada de decisão, atividades que requerem competências comunicativas e organizacionais, entre outros cuidados antecipatórios e de vigilância (Schumacher, Beck and Marren, 2006). Sem um cuidador familiar, a pessoa com demência necessitará mais precocemente de ser institucionalizada; contudo, o suporte fornecido pelos familiares a estes doentes é cada vez mais difícil devido a questões laborais e socioeconómicas (Brodaty and Donkin, 2009). O desempenho prolongado do papel de cuidador ou a prestação de tarefas complexas de cuidados implicam sobrecarga física, psicológica, emocional e socioeconómica. No processo de cuidar, os cuidadores familiares experienciam várias dificuldades às quais se associam um conjunto de necessidades, alguns referem: alterações do sono, fadiga, coping familiar comprometido, processos familiares disfuncionais, entre outros (Ferré-Grau, Rodero-Sánchez, Cid-Buera, Vives-Relats & Aparicio-Casals, 2011 e Ferré-Grau, et al., 2008). Face a esta realidade, intervir junto destes cuidadores torna-se prioritário. Importa desenvolver instrumentos que apoiem a tomada de decisão dos profissionais de saúde quando prestam cuidados a estas pessoas. Por isso, a identificação das principais necessidades dos cuidadores familiares de pessoas com demência a residir no domicílio é prioritária para os profissionais de saúde e para as instituições. O objetivo deste estudo é identificar as principais necessidades dos cuidadores familiares de pessoas com demência a residir no domicílio.

O método utilizado foi a revisão integrativa da literatura, de acordo com as 6 etapas sugeridas por Mendes, Silveira e Galvão (2008). A pesquisa teve como pergunta de partida: “Quais as principais necessidades dos cuidadores familiares de pessoas com demência a residir no domicílio?”. Os descritores utilizados foram “Family Caregivers” AND “Needs Assessment” AND “Dementia” AND “Aged” e a pesquisa foi realizada em Agosto de 2015 nas bases de dados Pubmed, RCAAP, CINAHL, Mediclatina e Medline. Para a seleção dos artigos utilizaram-se como critérios de inclusão: os estudos abordarem a identificação de necessidades dos cuidadores familiares de pessoas com demência a residir no domicílio, terem sido publicados entre 2005 e 2015, estarem escritos na língua inglesa, portuguesa ou espanhola e o texto integral estar disponível em acesso livre. Os critérios de exclusão incluíram artigos que abordavam pessoas com demência institucionalizadas, necessidades de cuidadores familiares de pessoas com outras patologias e estratégias de intervenção na sobrecarga, adaptação, depressão, stress e ansiedade dos cuidadores. A revisão dos artigos foi levada a cabo pelos vários autores, que para verificarem a aplicação dos critérios de inclusão descritos anteriormente realizaram a leitura do título dos artigos, seguida da leitura do resumo. Os artigos selecionados pelo título e pelo resumo foram lidos na íntegra, sendo selecionados os que cumpriam todos os requisitos desta revisão. No total foram identificados 102 artigos nas bases de dados descritas e após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, selecionaram-se 8 artigos (9%) para integrar a revisão. Na Figura 1 pode verificar-se o processo de eliminação dos artigos.

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Figura 1 - Processo de seleção dos artigos que integraram a revisão.


Na Tabela 1 pode observar-se os resultados das pesquisas nas diferentes bases de dados. Tabela 1 - Resultados obtidos na pesquisa nas bases de dados Base de dados

Artigos Artigos encontrados selecionados após leitura dos títulos e dos resumos

Artigos selecionados após a leitura integral do artigo

Pubmed

35

6

4

RECAAP

11

4

2

Ebscohost (CINAHL, Mediclatina e Medline)

41

10

2

Total

87

20

8

Para facilitar a recolha dos dados criou-se uma grelha com os itens a extrair de cada estudo, que foi preenchida à medida que os artigos selecionados foram analisados.

Os itens a extrair incluíam: nome dos autores, país do estudo, ano, método e amostra e principais necessidades identificadas. A análise e a apresentação dos dados foi realizada de forma descritiva. RESULTADOS Dos 8 (100%) estudos analisados, a maioria, 4 (50%) foi realizada em Portugal, sendo os restantes realizados na Austrália (13%), nos Estados Unidos da América (13%), na Espanha (13%) e na Noruega (13%). Os métodos utilizados são diversos e as amostras variam entre 20 e 184 cuidadores familiares. O perfil típico destes cuidadores indica que são na sua maioria mulheres, habitualmente esposas ou filhas da pessoa com demência, com mais de 50 anos de idade. Na Tabela 2 pode observar-se mais pormenorizadamente os resultados encontrados.

Tabela 2 - Resumo dos Resultados da Revisão Integrativa da Literatura Autores

País

Ano

Método e amostra

Principais necessidades dos cuidadores familiares identificadas

Sequeira

Portugal

2013

Estudo quantitativo, analítico e correlacional. n=184 cuidadores familiares

Necessidade de gerir sintomatologia nervosa, de lidar com problemas relacionais, de aprender a controlar o seu comportamento e emoções e de aprender a lidar com o comportamento da pessoa com demência. Necessidade de gerir o tempo, as alterações das relações sociais e os sentimentos de insegurança durante o cuidar.

Rosness, Haugen, Gausdal, Gjora, e Engedal

Noruega

2012

Estudo Piloto. n=45 cuidadores familiares.

Necessidade de mais informação e aconselhamento; Necessidade de aprender a lidar com sintomatologia psicológica (preocupação sobre o futuro, tristeza e depressão).

Passos, Sequeira, e Fernandes

Portugal

2012

Estudo exploratório. n=75 idosos Necessidades no domínio do sofrimento psicológico; com problemas do foro mental e Necessidades no domínio da informação. 52 cuidadores familiares.

Koenig, Steiner e Pierce

Estados Unidos da América

2011

Estudo não experimental com grupos pré-existentes. Amostragem por conveniência, 2 grupos de cuidadores familiares (33 de pessoas com demência e 40 de pessoas que fazem reabilitação).

10 Necessidades de informação: 1)Lidar com o esquecimento/confusão da pessoa. 2)Lidar com as questões e ações repetitivas da pessoa. 3) Gerir o stress do cuidador. 4) Lidar com o facto de a pessoa perder, esconder ou levar as coisas. 5) Lidar com a desorientação temporal da pessoa. 6) Lidar com as alucinações visuais e auditivas da pessoa. 7) Assumir novos papéis e responsabilidades de cuidador. 8) Lidar com a mudança da relação entre ele e a pessoa. 9) Lidar com a teimosia e falta de cooperação da pessoa e 10) Gerir as emoções de ser cuidador.

Stirling, Andrews, Croft, Vickers, Turner e Robinson

Australia

2010

Estudo exploratório. n=20 pares de cuidador/pessoa com demência.

Necessidade de controlo de sintomatologia psiquiátrica; Necessidade de mais ajuda dos serviços formais; Necessidade de informação sobre a doença.

Guedes e Pereira

Portugal

2013

Estudo quantitativo, descritivo e correlacional. n=50 cuidadores familiares.

Necessidade de desenvolvimento de estratégias de coping. Necessidade de aprender a lidar com sintomatologia psicológica (ansiedade, stress, depressão).

Pereira e Carvalho

Portugal

2012

Estudo quantitativo, descritivo. n=94 cuidadores familiares.

Necessidade de aprender a lidar com sintomatologia psicológica (ansiedade); Necessidade de desenvolvimento de estratégias de coping; Necessidade de desenvolvimento da satisfação conjugal.

Ferré-Grau, Sevilla-Casado, LleixáFortuño, AparicioCasals, Cid-Buera, Rodero-Sánchez, et al.

Espanha

2013

Estudo experimental controlado. n=122 cuidadores familiares.

Necessidade de gerir o nervosismo e a tensão, o sentimento de irritação, a sensação de pouca energia e a ansiedade. Necessidade de resolver problemas e de desenvolver estratégias de tomada de decisão.

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Da síntese das necessidades identificadas na revisão integrativa verifica-se que os cuidadores familiares manifestam mais necessidades relacionadas com o conhecimento, com a gestão de sintomatologia ansiosa e depressiva, com a gestão das relações familiares e sociais e com a falta de apoio institucional/formal. Na interpretação dos dados obtidos, procurou-se organizar e distribuir as necessidades dos cuidadores familiares de pessoas com demência a residir no domicílio de acordo com o seu tipo propondo-se 3 grandes categorias: necessidades relacionadas com o cuidador familiar; necessidades relacionadas com o exercício do papel de cuidador familiar e necessidades relacionadas com o contexto, como consta na Figura 2. Figura 2 - Lista das principais necessidades do cuidador familiar da pessoa com demência a residir no domicílio

DISCUSSÃO As Necessidades Relacionadas com o Cuidador Familiar centram-se na gestão de emoções, exigências e expetativas e no desenvolvimento de estratégias. A gestão de emoções e sentimentos associados ao processo de cuidar pelo cuidador familiar, emerge em todos os estudos que integram a revisão integrativa, pois o cuidar leva ao desenvolvimento de sentimentos de impotência, preocupação, falta de esperança, entre outros. A necessidade de gerir expetativas e exigências associadas ao processo de cuidar relaciona-se com o sentimento de responsabilidade total que os cuidadores familiares sentem relativamente ao familiar, caracterizado pela preocupação com o futuro, a sobrecarga e o sentimento de não aguentar indeterminadamente este papel.

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Estes resultados vão de encontro aos achados de alguns investigadores na área (Ferré-Grau, Rodero-Sánchez, Cid-Buera, Vives-Relats & Aparicio-Casals, 2011; Ferre-Grau, et al., 2013; Passos, Sequeira e Fernandes, 2012 e Sequeira, 2013) e ainda, segundo Silva (2009), uma das necessidades mais sentida pelos cuidadores familiares é partilhar experiências, dificuldades, preocupações e satisfações inerentes á prestação de cuidados. Como resposta às exigências emocionais que o cuidador familiar enfrenta é crucial atender à necessidade de desenvolver estratégias de coping eficazes, como apontam alguns estudos (Guedes e Pereira, 2013 e Pereira e Carvalho, 2012), tal como técnicas de resolução de conflitos e de tomada de decisão, sendo estes resultados corroborados por alguns estudos desenvolvidos em Espanha (Ferré-Grau, Aparicio-Casals, Cid-Buera, Ricomá-Muntane, Rodero-Sánchez & Vives-Relats, 2008 e e Ferre-Grau, et al., 2013). Por último, neste grupo de necessidades relacionadas com o cuidador familiar, temos a necessidade de desenvolver estratégias para manter a saúde física e mental, que é crucial face ao desgaste mental e físico associado ao cuidar prolongado. Os resultados encontrados sugerem um conjunto de alterações percecionadas pelo cuidador familiar na sua saúde, nomeadamente alterações do sono, preocupação com a sua saúde, necessidade de melhorar a sua qualidade de vida, reduzir o cansaço físico e aprender a relaxar. Estas alterações na saúde do cuidador familiar são apresentadas também noutros estudos internacionais (Ferré-Grau, RoderoSánchez, Cid-Buera, Vives-Relats & Aparicio-Casals, 2011; Ferre-Grau, et al., 2013; Passos, Sequeira e Fernandes, 2012 e Sequeira, 2013). Quanto às Necessidades Relacionadas com o Exercício do Papel de Cuidador Familiar, estas são patentes em vários estudos realizados na Península Ibérica (FerréGrau, Rodero-Sánchez, Cid-Buera, Vives-Relats & Aparicio-Casals, 2011; Passos, Sequeira e Fernandes, 2012 e Sequeira, 2013). Este tipo de necessidades englobam as exigências ligadas ao exercício do cuidar e os requisitos que o cuidador familiar deve preencher para poder cuidar da pessoa com demência. Assim, incluem a necessidade de desenvolver conhecimentos sobre a demência e as suas fases, que surge em vários estudos (Rosness, Haugen, Gausdal, Gjora & Engedal, 2012 e Stirling, Andrews, Croft, Vickers, Turner & Robinson, 2010) e a necessidade de adquirir conhecimento sobre alterações psicológicas e comportamentais, que também é referida em alguns estudos (FerréGrau, et al., 2013; Passos, Sequeira e Fernandes, 2012 e Rosness, Haugen, Gausdal, Gjora & Engedal, 2012).


O relatório da Alzheimer Europe (2007) também salienta que estes cuidadores apresentam muitas lacunas de informação; nomeadamente, os cuidadores de pessoas com demência nos vários países europeus referem que não receberam informação suficiente no momento do diagnóstico do seu familiar e que não obtiveram informação suficiente sobre a progressão da doença nem sobre o tratamento farmacológico. Para os cuidadores familiares importa também desenvolver conhecimentos sobre gestão de comunicação e comportamento, pois segundo o relatório da Alzheimer Europe (2007), uma das situações mais problemáticas no exercício do seu papel são as alterações de comportamento do familiar, como a agitação e a agressividade. A aquisição de conhecimento sobre estratégias adaptativas para cuidar da pessoa com demência no quotidiano é crucial; visto que independentemente do estádio da demência, o cuidador familiar necessita de prestar cuidados nas atividades básicas ou instrumentais de vida diária, seja através de supervisão ou assistência, nos estádios inicial ou moderado; seja realizando as atividades pela pessoa que já se encontra totalmente dependente, no estádio grave da doença. Também o relatório da Alzheimer Europe (2007) refere que para os cuidadores familiares uma das situações mais problemáticas no exercício do seu papel é a execução das atividades de vida diárias. Um ambiente estimulante e atividades que promovam a orientação e a estimulação cognitiva geral da pessoa com demência são fundamentais, principalmente nos estádios inicial e moderado. Por isso, é fundamental ensinar, instruir e treinar o cuidador familiar sobre este tipo de estratégias. De fato, as necessidades relacionadas com o conhecimento, nas suas mais variadas vertentes, são prementes para os cuidadores familiares, porque estão diretamente relacionadas com a exigência do papel de cuidador. A falta de conhecimentos para o cuidar e a falta de aconselhamento causa sentimentos negativos aos cuidadores familiares (Sequeira, 2013). Nas Necessidades Relacionadas com o Contexto da Prestação de Cuidados estão incluídas a adaptação do ambiente às necessidades da pessoa, para assegurar um ambiente seguro e estimulante, e a gestão das relações familiares, sociais e laborais. A dificuldade em gerir o tempo, entre as suas diversas e exigentes solicitações é uma dificuldade e preocupação evidenciada pelo cuidador familiar, bem como conhecer recursos na comunidade e procurar apoio de instituições formais.

Achados semelhantes a estes são citados em vários estudos internacionais (Ferré-Grau, Rodero-Sánchez, Cid-Buera, Vives-Relats & Aparicio-Casals, 2011; Ferré-Grau, et al., 2008; Passos, Sequeira e Fernandes, 2012; Sequeira, 2013 e Stirling, et al., 2010). Também o relatório da Alzheimer Europe (2007) refere que grande parte dos cuidadores familiares não foram informados sobre a existência de associações nem sobre os serviços de apoio disponíveis para pessoas com demência. CONCLUSÃO Os cuidadores familiares de pessoas com demência a residir no domicílio manifestam maioritariamente necessidades relacionadas com o conhecimento, com a gestão de sintomatologia ansiosa e depressiva, com a gestão das relações familiares e sociais e com a falta de apoio institucional/formal. Os resultados da revisão integrativa permitem propor uma lista de necessidades dos cuidadores familiares de pessoas com demência composto por três grupos principais – necessidades relacionadas com o cuidador familiar; necessidades relacionadas com o exercício do papel de cuidador familiar e necessidades relacionadas com o contexto. As limitações da revisão integrativa prendem-se com o reduzido número de estudos encontrados que identificam necessidades dos cuidadores familiares e ainda com alguns entraves impostos pelos critérios de inclusão, como a utilização de artigos apenas em Português, Inglês e Espanhol e em acesso livre, o que pode ter limitado o acesso a outros trabalhos relevantes na área. Contudo, estes resultados abrem caminho para futuros estudos que visem aprofundar as necessidades destes cuidadores, bem como, implementar programas/intervenções que lhes deem resposta. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Os resultados obtidos apresentam-se como uma maisvalia em diversos âmbitos: 1º) para os profissionais de saúde, pois a identificação das necessidades dos cuidadores familiares de pessoas com demência permitelhes adequar as intervenções, visando a melhoria da qualidade de vida e, consequentemente, a melhoria dos cuidados prestados à pessoa com demência e a sua permanência por mais tempo no seio familiar; 2º) para os próprios cuidadores, pois o conhecimento destas necessidades possibilita uma melhor preparação para o exercício do papel; 3º) para as instituições de saúde, permitindo que estas adequem os serviços e os

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profissionais, de forma a serem capazes de ajudar os cuidadores familiares a colmatar as suas necessidades, o que se traduzirá em ganhos em saúde; e, 4º) para a educação da sociedade relativamente às necessidades dos cuidadores familiares, fornecendo bases de trabalho para as instituições não-governamentais de apoio a pessoas com demência e às suas famílias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alzheimer Europe. (2007). Dementia in Europe Yearbook 2007. Disponível em: http://ec.europa.eu/health/ archive/ph_information/reporting/docs/2007_dementiayearbook_en.pdf Brodaty, H. & Donkin, M. (2009). Family caregivers of people with dementia. Dialogues in Clinical Neuroscience. 11, (2), 217-228. Disponível em: http://www. ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3181916/ Ferré-Grau, C., Aparicio-Casals, M., Cid-Buera, D., Ricomá-Muntane, R., Rodero-Sánchez, V. y VivesRelats, C. (2008). Valoración del riesgo de claudicación del cuidador em pacientes de Alzheimer, Parkinson, AVC y Depresión. Revista Humanitatis. 12, 72-78. Ferré-Grau, C., Rodero-Sánchez, V., Cid-Buera, D., Vives-Relats, C., & Aparicio-Casals, M. (2011). Guía de Cuidados de Enfermería: Cuidar al Cuidador en Atención Primaria. 1ª ed. Tarragona: Publidisa. Ferré-Grau, C., Sevilla-Casado, M., Lleixá-Fortuño, M., Aparicio-Casals, M., Cid-Buera, D., Rodero-Sánchez, V., & Vives-Relats, C. (2013). Effectiveness of problem-solving technique in caring for family caregivers: a clinical trial study in na urban área of Catalonia (Spain). Journal of Clinical Nursing. 23, (1-2), 288-295. doi: 10.1111/jocn.12485. Guedes, A. & Pereira, M. (2013). Burden, coping, physical symptoms and psychological morbidity in caregivers of functionally dependent family members. Revista Latino Americana de Enfermagem. 21, (4), 935-940. doi: 10.1590/S0104-11692013000400015 Koenig, K.; Steiner, V. & Pierce, L. (2011). Information needs of family caregivers of persons with cognitive versus physical deficits. Gerontology and Geriatric Education. 32, (4), 396-413. doi:10.1080/02701960.2 011.611713 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 50

Mendes, K.; Silveira, R. e Galvão, C. (2008). Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Revista Texto Contexto Enfermagem. 17, (4), 758-764. doi: 10.1590/S0104-07072008000400018 Organização Mundial de Saúde. (2012). Dementia: a public health priority. Disponível em: http://www. humana-mente.com/resources/relatorio-OMS-demencia.pdf Passos, J., Sequeira, C., & Fernandes, L. (2012). The needs of older people with mental health problems: a particular focus on dementia patients and their carers. International Journal of Alzheimer Disease. 1-7. doi: 10.1155/2012/638267. Pereira, M. & Carvalho, H. (2012). Qualidade de vida, sobrecarga, suporte social, ajustamento conjugal e morbilidade psicológica em cuidadores de idosos com dependência funcional. Temas em Psicologia. 20, 369383. Disponível em: http://hdl.handle.net/1822/24744 Rosness, T., Haugen, P., Gausdal, M., Gjora, L., & Engedal, K. (2012). Carers of patients with early-onset dementia, their burden and needs: a pilot study using a new questionnaire – Care-EOD. International Journal of Geriatric Psychiatry. 27, (10), 1094-1098. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/ pubmed/23115780 Schumacher, K., Beck, C., & Marren, J. (2006). Family Caregivers, caring for older adults, working with their families. American Journal of Nursing. 106, (8), 40-49. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ pubmed/16905931 Sequeira, C. (2013). Difficulties, coping strategies, satisfaction and burden in informal Portuguese caregivers. Journal of Clinical Nursing. 22, (3-4), 491-500. doi: 10.1111/jocn.12108. Silva, A. (2009). Efetividade de um programa de intervenção na perceção de sobrecarga dos cuidadores familiares de pessoas idosas com demência. (Dissertação de mestrado). Universidade de Lisboa, Portugal. Stirling, C., Andrews, S., Croft, T., Vickers, J., Turner, P., & Robinson, A. (2010). Measuring dementia carers’ unmet need for services – an exploratory mixed method study. BMC Health Services Research. 10, (122), 1-10. doi: 10.1186/1472-6963-10-122


Artigo de Investigação

9

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0167

A SAÚDE MENTAL EM ESTUDANTES DO ENSINO SUPERIOR. RELAÇÃO COM O GÉNERO, NÍVEL SOCIOECONÓMICO E OS COMPORTAMENTOS DE SAÚDE | Maria José Nogueira1; Carlos Sequeira2 |

RESUMO CONTEXTO: O nível de saúde mental (SM) influência o bem-estar e o sucesso académico dos estudantes do ensino superior (Chow, 2010), contudo esta problemática tem sido pouco estudada em Portugal. A literatura existente é pouco clara e, por vezes, contraditória no que respeita às variáveis psicossociais associadas positiva e/ou negativamente à SM dos estudantes do ensino superior (Eisenberg, et al., 2009). OBJETIVO: (1) Caracterizar a SM dos estudantes do ensino superior; (2) explorar a relação entre a SM, variáveis sociodemográficas e comportamentos em saúde. METODOLOGIA: Trata-se de um estudo descritivo, transversal e correlacional, e de uma amostra não probabilística, composta por estudantes do ensino superior do Distrito de Lisboa do 1º e 2º ano inscritos no 1º ciclo de estudos. Os participantes deram consentimento informado escrito e completaram voluntariamente um inquérito online, que lhe foi enviado para o email do campus, durante outubro e novembro de 2014. Para recolher informação sociodemográfica, dos comportamentos de saúde e sobre a SM dos estudantes foram usados um questionário e o Inventário de Saúde Mental (ISM). RESULTADOS: Globalmente, os resultados indicam níveis satisfatórios de SM, quer na dimensão positiva - Bem-Estar Psicológico como na negativa-Distress Psicológico. Contudo 93 participantes encontram-se com nível baixo de SM. As analises correlacionais mostram que as mulheres apresentam níveis de SM mais baixos que os homens, que à medida que o nível socioeconómico (NSE) aumenta, os níveis de SM melhoram. Os resultados também indicam que a níveis mais elevados de SM estão significativamente associados a participantes que praticam exercício físico regular e que dormem mais horas, em tempo aulas. Nesta amostra não se encontraram associações significativas entre o consumo de álcool e outras drogas e a SM dos estudantes. CONCLUSÕES: Conclui-se que o género feminino e o NSE baixo são variáveis associadas negativamente à SM dos participantes. Enquanto a prática regular de exercício físico e dormir sete ou mais horas por dia se associaram positivamente à SM dos EES.

PALAVRAS-CHAVE: Saúde mental; estudantes do ensino superior; género; comportamentos de saúde

RESUMEN

ABSTRACT

“Salud Mental en Estudiantes de Educación Superior. Relación con el género, el estatus socioeconómico y los comportamientos de salud”

“The Mental Health of Higher Education Students: Relationship with gender, socioeconomic status and health behaviours”

CONTEXTO: El nivel de influencia de la salud mental (SM) el bienestar y el éxito académico de los estudiantes en la educación superior (Chow, 2010), pero este tema ha sido poco estudiado en Portugal. La literatura existente no es clara ya por veces es contradictoria relativamente a las variables psicosociales asociados a la salud mental, positiva o negativa de los estudiantes de educación superior (Eisenberg, et al., 2009). OBJETIVO: (1) caracterizar la SM de los estudiantes de educación superior; (2) explorar la relación entre las variables sociodemográficas, comportamientos de salud y la SM. METODOLOGÍA: Se trata de un estudio descriptivo, transversal y correlacional, y una muestra no probabilística, integrado por estudiantes de educación superior en el Distrito de Lisboa del primer y segundo año, inscritos en el 1er ciclo de estudios. Los participantes dieron su consentimiento informado por escrito y completaron voluntariamente una encuesta online, enviada para el correo electrónico del campus durante octubre y noviembre de 2014. Para recoger la información sociodemográfica, e sobre los comportamientos de salud y la salud mental de los estudiantes se usaron un breve cuestionario y el Inventario de Salud Mental (ISM). RESULTADOS: En general, los resultados indican niveles satisfactorios de SM, ya sea en la dimensión positiva - Bienestar Psicológico como el la dimensión negativa - Distress Psicológico. Sin embargo, son 93 participantes con baja SM. Los análisis de correlación muestran que las mujeres tienen niveles de SM más bajos que los hombres. De igual modo, a medida que aumenta el nivel socioeconómico, los niveles de SM mejoran. Los resultados también indican que los niveles más altos de SM se asociaron significativamente con los participantes que se involucran en el ejercicio regular y dormir más horas en el tiempo de clase. En esta muestra no hubo asociaciones significativas entre el consumo de MS estudiantes de alcohol y otras drogas y. CONCLUSIONES: Concluimos que el sexo femenino y el bajo nivel socioeconómico se asocian negativamente con la SM de los participantes. Mientras que el ejercicio físico regular y dormir más de siete o más horas al día se asoció positivamente con la SM de los participantes.

DESCRIPTORES: Salud mental; estudiantes de educación superior; género; comportamientos de salud

BACKGROUND: The level of mental health (MH) affects the well-being and academic success of students of higher education (Chow, 2010). However, in Portugal, this issue has been rarely studied. The literature is unclear and sometimes contradictory regarding to positive and/or negatively associated psychosocial variables of higher education students (Eisenberg, et al., 2009). AIM: (1) To characterize the MH of higher education students; (2) To explore the relationship between MH and sociodemographic and health behaviors variables. METHODS: This is a descriptive, cross-sectional and correlational study, and a non-probabilistic sample, composed of students of higher education in the District of Lisbon of the 1st and 2nd year enrolled in the 1st cycle of studies. Participants gave written informed consent and, voluntarily completed an online survey, which was sent to campus email during October and November 2014. To collect sociodemographic information, health behaviors and students’ MH, were used a brief questionnaire and the Mental Health Inventory (ISM). RESULTS: Overall, the results indicate satisfactory levels of MH, both in the positive dimension - Psychological Well-Being and in the negative - Psychological Distress. However, 93 participants were found to have low MH level. Correlational analyzes show that women have lower levels of MH than men. Similarly, as the socioeconomic level increases, the levels of MH improve. The results, also, indicate that higher levels of MH are significantly associated with participants who exercise regularly and who sleep more than seven hours, during class period. In this sample, there were no significant associations between alcohol consumption and other drugs with students’ MH. CONCLUSIONS: We conclude that the female gender and the low socioeconomic level are variables negatively associated with the MH of the participants. While regular practice of exercise and sleep seven or more hours per day were positively associated with MH.

KEYWORDS: Mental health; higher education students; gender; health behaviors Submetido em 27-01-2017 Aceite em 30-05-2017

1 PhD; Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; ARSLVT, Av. Estados Unidos da América, 1749-096 Lisboa - Portugal, nogueira.mjc@gmail.com 2 PhD; Professor Coordenador da Escola Superior de Enfermagem do Porto, Porto - Portugal, carlossequeira@esenf.pt Citação: Nogueira, M. J., & Sequeira, C. (2017). A saúde mental em estudantes do ensino superior. Relação com o género, nível socioeconómico e os comportamentos de saúde. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 51-56. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 51


INTRODUÇÃO Os níveis de saúde mental (SM) em estudantes de ensino superior (EES) são inferiores quando comparados com os jovens não estudantes da mesma idade (Oliveira, 2011; Eisenberg, Hunt, & Speer, 2013). Os níveis de SM influenciam a transição bem-sucedida (Meleis, 2011), o sucesso académico (Chow, 2010; Eisenberg, Golberston, & Hunt, 2009) e o desempenho académico (Chow, 2010). A literatura é pouco clara e por vez contraditória no que respeita às variáveis associadas positiva e negativamente à saúde mental dos EES. A investigação indica que existe uma associação negativa entre a SM dos estudantes de ensino superior e o sexo feminino, o baixo nível socioeconómico (NSE) (Verger et al., 2009) e consumos de álcool e de substâncias psicoativas (Nemer, Fausto, Silva-Fonseca, Ciomei, & Quintaes, 2013). Por oposição, são referidas associações positivas com a prática regular de exercício físico (Kenari et al., 2014), o número de horas de sono dormidas (Lopes et al., 2013), e o NSE elevado (Verger et al., 2009). Além disso, em Portugal pouco se conhece sobre o bem-estar ou o distress dos estudantes de ensino superior (Andrade, 2010) ou, sobre as variáveis assocadas, positiva ou negativamente. Deste modo o nosso objetivo foi caracterizar a SM dos estudantes de ensino superior e explorar as relações com variáveis sociodemográficas e comportamentos em saúde. Caracterizar a saúde mental dos EES e as variáveis associadas é importante para os enfermeiros. Esse conhecimento pode fornecer contributos relevantes, nomeadamente para fundamentar intervenções mais ajustadas às necessidades dos EES, no âmbito da promoção da saúde mental. METODOLOGIA Trata-se de um estudo com um design do tipo transversal, descritivo e correlacional e de uma amostra não probabilística de EES do Distrito de Lisboa, que frequentam o 1º e 2º ano do 1º Ciclo de estudos. Os dados foram recolhidos durante o mês de outubro e novembro de 2015 e, ao longo dos procedimentos de recolha dos dados os aspetos formais e Éticos foram assegurados em conformidade com a Declaração de Helsínquia. Foi obtida a autorização escrita dos autores dos instrumentos usados no estudo. Os participantes deram o seu consentimento informado escrito e posteriormente completaram voluntariamente um inquérito anónimo online, contendo as variáveis em Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 52

estudo, que lhe foi enviado para o email do campus. Previamente os participantes foram informados dos objetivos e implicações do estudo e da confidencialidade das suas respostas e foi ainda reforçado de que eram livres de desistir em qualquer altura da recolha dos dados. Cada participante no final do inquérito validou intencionalmente as sua respostas. As variáveis em estudo incluem informação sociodemográfica - género, idade, NSE, estado civil, tipo de ensino, trabalho, bem como informação sobre os comportamentos de saúde - horas de sono dormidas, exercício físico, e consumos de álcool e outras drogas. Foi usado um breve questionário para recolher informação sobre estes itens. Para medir a variável saúde mental dos EES foi usado como instrumento de medida de autopreenchimento: o Inventário de Saúde Mental (ISM: Pais-Ribeiro, 2001). O ISM tem 38 itens distribuídos por uma dimensão negativa - Distress Psicológico, com 3 subescalas (ansiedade, depressão, perda de controlo emocional) e por uma dimensão positiva - Bem-Estar Psicológico, com 2 subescalas (afeto positivo e laços emocionais), e cota numa escala ordinal com 5 e 6 pontos. O tratamento e análise estatística dos dados foi realizado utilizando o Software IBM® SPSS® Statistic Statistical Package for the Social Sciences for Windows, versão 22.0. Os dados foram analisados com recurso a técnicas de análise estatística descritiva, bivariada e inferencial (Marôco, 2011). Foram usados os testes T de Student para comparar dois grupos e a ANOVA quando se comparou três ou mais grupos. Recorreuse a testes Post hoc para destacar quais os grupos que diferem entre si. Sempre que se executou até cinco comparações recorreu-se ao Bonferroni. Foi assumido como nível de significância p value ≤ 0,05. RESULTADOS Participaram no estudo 560 estudantes, maioritariamente mulheres (79,6%), com idade compreendida entre os 18 e os 24 anos e uma média de 19,6 anos (DP=1,6) e a quase totalidade são solteiros (99,3%). Pertencem maioritariamente nível socioeconómico baixo. Metade coabita com os pais (52,7%), mais de um quarto coabita com colegas/amigos (27,3%), em menor percentagem com familiares (10,4%), sozinho 4,1%), com namorado(a) /companheiro(a)(3,2%) ou outra situação (2,3%). Aproximadamente um terço está deslocado de casa, e desses, a maioria vive com colegas/amigos (67,4%).


A maioria não trabalha e quem o faz trabalha entre uma e sessenta horas por semana (M=21 horas; DP=13,3). No que respeita à situação académica, 48,9% frequenta o primeiro ano e 51,1% segundo. A maioria frequenta o ensino público (79,1%) sendo do ensino privado 17,4% e do Militar e Policial 3,5% e, frequentam maioritariamente (61,3%) cursos da área da saúde. Quanto aos comportamentos de saúde verificamos que 5,9% dormem uma media de oito ou mais horas de sono em tempo de aulas, 36,6% dorme entre sete a oito horas, 41,1% dorme entre seis a sete horas e 16,4% dorme entre cinco a seis horas por dia ou menos e, a maioria (64,3%) considera que o tempo que dorme não é o suficiente. Mais de metade (52,5%) pratica exercício físico, e de entre os que pratica exercício físico, a maioria (46,3%) fá-lo duas a três vezes por semana, 28,2% pratica uma vez por semana, 20,1% pratica diariamente e 5,4% faz exercício físico uma vez por semana ou menos. Relativamente à saúde mental dos participantes, os resultados revelaram uma média do ISM de 158,87 (DP=29,49), situando-se a média do Distress Psicológico em 107,41 (DP=19,41) e de Bem-Estar de 52,46 (DP=11,70), o que corresponde a níveis satisfatórios de SM. A Tabela 1 mostra que a maior percentagem dos participantes se situa o nível Moderado, mas no nível Baixo encontram-se 93 estudantes. Tabela 1 - Distribuição amostra por nível de saúde mental Nível de SM

Amostra total n=560

Tabela 2 - Comparação da saúde mental-ISM por género Subescalas ISM

Amostra Total n=560

Género Feminino Masculino n=446 n=114

Teste T

M

M

M

Distress Psicológico

107,41

105,94

113,17

-3,59**

Ansiedade

41,64

40,98

44,21

-3,50**

Depressão

22,34

22,13

23,18

-2,25*

Perda de Controlo Emocional/ Comportamental

42,43

41,83

44,78

-3,87**

Bem-Estar Psicológico

52,46

51,87

54,77

2,37*

Afeto Geral Positivo

40,10

39,56

42,22

2,70**

Laços Emocionais

12,36

12,31

12,55

,74

ISM Global

158,87

156,81

166,94

3,30**

* P <0,05; ** p <0,01

Quanto ao nível socioeconómico, a análise de variâncias revelou diferenças significativas (ANOVA; F(3)=4,24;p=0,01) entre diferentes níveis socioeconómicos (Tabela 3). Constatou-se que os participantes de NSE- Elevado tendem a apresentar melhor saúde mental que os de NSE-Baixo (Bonferroni; o=0,011). Tabela 3 - Comparação da saúde mental-ISM por NSE- ANOVA One-way Nível Socioeconómico Baixo (n=3)

Médio (n=359)

Elevado (n=18)

M

M

M

Distress Psicológico

111,17

107,47

73,00

5,13**

Ansiedade

43,17

41,65

29,33

3,16**

Depressão

22,88

22,38

13,00

6,93**

41,11

42,44

29,67

5,06**

Subescalas ISM

F

n

%

Baixo

93

16,6

Moderado

379

67,7

Perda de Controlo Emocional/ Comportamental

Alto

88

15,7

Bem-Estar Psicológico

42,00

52,37

57,06

2,62ns

Afeto Geral Positivo

32,33

40,02

44,00

2,59ns

Laços Emocionais

9,67

12,35

13,06

1,38ns

114,00

158,84

167,22

4,24**

No que respeita às comparações da saúde mental relativamente ao género, os resultados dos testes T apresentam-se na Tabela 2, que revelam diferenças significativas (t(568)= 3,30; p=0,01) entre géneros em todas as subescalas do ISM, à exceção de laços Emocionais (p>α=0,05). Os participantes do género masculino tendem a apresentar melhor saúde mental que os do sexo feminino, tanto na dimensão positiva Bem-Estar Psicológico, como na dimensão negtiva- Distress Psicológico.

ISM Global **p <0,01;

ns

não significativo

No que respeita ao sono, a Tabela 4 mostra que existe uma correlação negativa e significativa entre a média de horas dormidas por dia em tempo de aulas e todas as subescalas do ISM (p<α=0,01). Os valores médios de saúde mental aumentam com o aumento do número de horas dormidas, sendo que o valor mais robusto se verifica com a subescala da ansiedade (r=-,23).

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 53


Tabela 4 - Comparação da saúde mental por horas de sono dormidas Subescalas ISM

Horas de Sono(a) rho

Distress Psicológico

-,21**

Ansiedade

-,23**

Depressão

-,18**

Perda de Controlo Emocional/ Comportamental

-,16**

Bem-Estar Psicológico

,20**

Afeto Geral Positivo

,20**,

Laços Emocionais

,10*

ISM Global

,21**

*p < 0,05; **p <0,01; (a) média de horas que dorme por dia em tempo de aulas;

No que concerne ao exercício físico, verificou-se que existem diferenças significativas (t(568)=3,54;p=0,001) de saúde mental entre quem pratica e não pratica (Tabela 5). Quem pratica exercício físico tende a ter saúde mental significativamente superior aos que não praticam exercício físico, em todas as subescalas do ISM à exceção de Laços Emocionais. Tabela 5 - Comparação da saúde mental por prática de exercício físico Exercício Físico Subescalas ISM

Pratica (n=294)

Não pratica (n=266)

Teste T

M

M

Distress Psicológico

104,60

109,95

3,26**

Ansiedade

40,28

42,86

3,44**

Depressão

21,77

22,87

2,95**

Perda de Controlo Emocional/ Comportamental

41,55

43,22

2,68**

Bem-Estar Psicológico

54,08

50,68

3,47**

Afeto Geral Positivo

41,65

38,39

4,14**

Laços Emocionais

12,43

12,29

,51 NS

ISM Global

163,03

154,28

3,54**

**p <0,01; ns não significativo

Quanto à relação entre o consumo de álcool e outras drogas e a saúde mental não se verificaram diferenças significativas a nenhum nível do ISM entre quem consumiu e não consumiu. DISCUSSÃO Com este estudo pretendeu-se caracterizar a SM dos EES e analisar as relações com variáveis psicossociais positivas e negativas, e nesse sentido acrescenta importante informação.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 54

Verificamos que a amostra é constituída maioritariamente por participantes de sexo feminino, solteiros e com uma média de idade próxima de 20 anos. Este perfil está em linha com estudos prévios nesta população quer nacionais quer internacionais Eurostudent, 2012-2015 (Hauschildt, Gwosć, Netz, & Mishra, 2015). Constatou-se que taxas de prevalência de consumos de álcool e drogas são ligeiramente inferiores aos valores reportados pela maioria dos estudos (Bayati, Beigi, & Salehi, 2009; Ridner et al., 2015). A prática moderada de exercício físico/desporto pelos participantes é um dado positivo inesperado, contrariando a generalidade os estudos que indicam que os EES deixam de ter disponibilidade para praticar exercício físico (Ferrara, 2009). Para a maioria dos participantes o número de horas que dormem por dia em tempo de aulas não é suficiente, e uma grande proporção dorme 5 a 6 horas ou menos horas por dia, resultados que confirmam valores de estudos prévios (Hershner & Chervin, 2014). No que respeita à saúde mental dos participantes, globalmente, os resultados parecem indicar níveis de SM satisfatórios. Embora os valores de ISM sejam inferiores aos reportados em adultos jovens portugueses não estudantes (ISM=171,3) por Oliveira (2011), estão de acordo com resultados reportados em estudos prévios (Verger et al., 2009). Contudo, constatou-se que 93 participantes se encontram com um nível baixo de saúde mental. As estatísticas bivariadas mostram diferenças no nível de SM entre géneros, as mulheres apresentam níveis significativos mais baixos de SM que os homens. Também o que respeita ao NSE dos participantes, este tem uma relação positiva com a saúde mental, à medida que o NSE aumenta os níveis de SM melhoram, tal como sugerido por vários autores (Bayati et al., 2009; Verger et al., 2009). As estatísticas também confirmam que os níveis mais elevados de SM estão associados aos participantes que praticam exercício físico com mais regularidade à semelhança de outros estudos com populações idênticas. Também se constatou que aqueles que dormem mais horas de sono por dia em tempo aulas têm níveis de saúde mental mais elevados. Os nossos resultados estão em linha com outros estudos recentes nesta população (Ridner et al., 2015; Kenari, 2014). Não se apuraram associações entre o consumo de álcool e drogas e a SM dos participantes.


CONCLUSÃO Conclui-se que o género e o NSE- baixo são variáveis associadas negativamente à SM dos participantes. Enquanto a prática regular de exercício físico e dormir sete ou mais horas por dia está associada positivamente à SM dos EES. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Os resultados deste estudo são um importante contributo para a prática clínica, designadamente da enfermagem de saúde mental. Caracterizar a saúde mental dos EES e conhecer as variáveis, positivas e negativas associadas é essencial para adequar as terapêuticas de enfermagem. Pode igualmente ajudar a implementar estratégias de promoção de SM mais ajustadas às particularidades dos EES. Nomeadamente ao nível dos cuidados de saúde primários - saúde escolar, na preparação para a transição para o ensino superior, uma vez que os enfermeiros atuam na promoção da saúde e nos momentos antecipatórios das transições. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andrade, A., Duarte, P., & Oliveira, L. (2010). Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras. GREA/IPQ-HCFMUSP. Brasília: SENAD: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Bayati, A., Beigi, A., & Salehi, N. (2009). Depression prevalence and related factors in Iranian students. Pakistan Journal of Biological Sciences, 12(20), 1371– 1375. doi: 10.3923/pjbs.2009.1371.1375 Chow, H. (2010). Predicting academic success and psychological wellness in a sample of Canadian undergraduate students. Electronic Journal of Research in Educational Psychology, 8(2), 473–496. Eisenberg, D., Golberstein, E., & Hunt, J. (2009). Mental Health and Academic Success in College. The B.E. Journal of Economic Analysis & Policy, 9(1), 78–88. Eisenberg, D., Hunt, J., & Speer, N. (2013). Mental health in American colleges and universities: variation across student subgroups and across campuses. The Journal of Nervous Mental Disease, 201(1), 60–7. doi:10.1097/NMD.0b013e31827ab077.

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Verger, P., Combes, J., Kovess-Masfety, V., Choquet, M., Guagliardo, V., Rouillon, F., & Peretti-Wattel, P. (2009). Psychological distress in first year university students: Socioeconomic and academic stressors, mastery and social support in young men and women. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 44(8), 643–650. doi: 10.1007/s00127-008-0486-y


Artigo de Investigação

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0168

10 VÍTIMAS E AGRESSORES – MANIFESTAÇÕES DE BULLYING EM

ALUNOS DO 6º AO 9º ANO DE ESCOLARIDADE

| Daniel Silva1; Eliane Tavares2; Ernestina Silva3; João Duarte4; Lídia Cabral5; Conceição Martins6 |

RESUMO CONTEXTO: A violência escolar é uma realidade transversal em todos os países, pode assumir várias formas e algumas delas com algum perigo. Deve a escola estar atenta às situações de violência, procurando prevenir e intervir de forma atempada. OBJETIVOS: Avaliar a existência e as formas de manifestação de bullying em alunos do 6° ao 9º ano de escolaridade e identificar variáveis que podem influenciar os comportamentos de bullying. METODOLOGIA: Estudo transversal, exploratório-descritivo e correlacional, com uma abordagem quantitativa numa amostra de 156 alunos. RESULTADOS: A maioria é do sexo feminino (60,9%) com média de idades de 12,87 anos. A relação com a família é boa (76,3%) e já reprovaram 36,5% dos alunos. Tiveram participação disciplinar 64,1% dos alunos, 10,9% tiveram suspensão de atividades escolares e 85,3% dos pais raramente vêm à escola. Todos os alunos já foram alguma vez vítimas e agressores de bullying. As meninas sofrem mais bullying direto e utilizam mais o indireto e a intimidação. Os que reprovaram têm valores mais elevados em todas as formas de bullying. Existe associação entre a participação disciplinar e o bullying direto. CONCLUSÕES: Todos os alunos já foram vítimas de bullying e também já foram agressores. Os rapazes recorrem mais ao bullying direto e meninas ao indireto e intimidação. Os reprovados têm valores mais elevados de bullying. Os alunos com boa relação familiar têm menos comportamentos de bullying. É importante conhecer a realidade de cada escola quanto aos comportamentos de bullying e devem realizar-se programas de prevenção e intervenção precoce, em parceria com a família. PALAVRAS-CHAVE: Bullying; escola; vítimas; agressores

RESUMEN

ABSTRACT

“Las víctimas y los agresores - manifestaciones de bullying en alumnos de 6º - 9 º año de escolaridad”

“Victims and aggressors - bullying manifestations in students from 6th to the 9th grade schooling”

CONTEXTO: La violencia escolar es una realidad transversal en todos los países, puede asumir varias formas y algunas de ellas con algún peligro. La escuela debe estar atenta a las situaciones de violencia, intentando prevenir e intervenir de forma oportuna. OBJETIVOS: Evaluar la existencia y las formas de manifestación del bullying en alumnos de 6º - 9º año de escuela e identificar variables que pueden influenciar los comportamientos del bullying. METODOLOGÍA: Estudio transversal, exploratorio-descriptivo y correlacional, con un abordaje cuantitativo en una muestra de 156 alumnos. RESULTADOS: La mayoría es de sexo femenino (60,9%) con una media de edad de 12,87 años. La relación con la familia es buena (76,3%) y 36,5% de los alumnos ya reprobaron. Tuvieron participación disciplinar un 64,1% de los alumnos, 10,9% tuvieron suspensión de las actividades escolares y 85,3% de los padres raramente vienen a la escuela. Todos los alumnos ya han sido alguna vez víctimas y agresores de bullying. Las niñas sufren más bullying directo y utilizan más el indirecto y la intimidación. Los que reprobaron tienen valores más elevados en todas las formas de bullying. Existe asociación entre la participación disciplinar y el bullying directo. CONCLUSIONES: Todos los alumnos ya fueron víctimas de bullying y también fueron agresores. Los chicos recurren más al bullying directo y las niñas al indirecto y la intimidación. Los reprobados tienen valores más elevados de bullying. Es importante conocer la realidad de cada escuela en cuanto a los comportamientos de bullying y deben realizarse programas de prevención e intervención precoz, en colaboración con la familia.

BACKGROUND: School violence is a transversal reality in all countries, which can take on many forms, some of which with certain danger. The school should be watchful to situations of violence, seeking to prevent and intervene in a timely manner. AIMS: To evaluate the existence and forms of bullying manifestations in students from 6th to 9th grade schooling and to identify variables which may influence bullying behaviour. METHODS: Transversal, exploratory-descriptive and correlational study with a quantitative approach in a sample of 156 students. RESULTS: The majority are female (60.9%) with a mean age of 12.87 years. Relationship with the family is good (76.3%) and 36.5% of the students have already failed. 64.1% of the students had disciplinary participation, 10.9% were suspended from school activities and 85.3% of parents rarely come to school. All students have, at one time, been bully victims and bully abusers. Girls suffer direct bullying more and use indirect bullying and intimidation more. Those who have failed show higher values in all forms of bullying. There is a connection between disciplinary participation and direct bullying CONCLUSIONS: All students have already been bullied and have also been bullies. Boys resort more to direct bullying and girls to indirect bullying and intimidation. Students who have failed show higher levels of bullying. Students with good family relationships have fewer bullying behaviors. It is important to know the reality of each school regarding bullying behavior and carry out programmes of prevention and early intervention, in partnership with the family.

DESCRIPTORES: Bullying; escuela; víctimas; agresores

KEYWORDS: Bullying; school; victims; aggressors Submetido em 29-01-2017 Aceite em 10-06-2017

1 Doutor em Ciências da Educação; Professor Coordenador; Membro do CI&DETS, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior Saúde de Viseu, dsilva.essv@gmail.com 2 Mestre em Educação para a Saúde, Professora do Ensino Fundamental, Escola de Ensino Fundamental Deputado José Medeiros, Brasil.elianetavares.biologia@hotmail.com 3 Doutora em Bioética, Professora coordenadora; membro do CI&DETS, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior Saúde de Viseu. Portugal, ernestinabatoca@sapo.pt 4 Doutor em Saúde Mental, Professor Coordenador; Membro do CI&DETS, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior Saúde de Viseu. Portugal, jduarte@essv.ipv.pt 5 Doutora em Ciências da Saúde, Professora coordenadora; Membro do CI&DETS, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior Saúde de Viseu, lcabral@essv.ipv.pt 6 Doutor em Ciências da Educação; Professor Coordenador; Membro do CI&DETS, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior Saúde de Viseu. mcamartinsp@gmail.com Citação: Silva, D., Tavares, E., Silva, E., Duarte, J., Cabral, L. & Martins, C. (2017). Vítimas e agressores – manifestações de bullying em alunos do 6º ao 9º ano de escolaridade. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 57-62. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 57


INTRODUÇÃO A escola é uma instituição que deve procurar promover a educação, desenvolvimento pessoal e interpessoal e o convívio social. O ambiente escolar é um local privilegiado para se debaterem ideias, integrar grupos, partilhar interesses e aprender a gerir conflitos. Cabe à escola desenvolver competências sociais, relacionais e emocionais nos seus estudantes de modo a torná-los responsáveis e envolvidos em atividades de cidadania. A escola atual está inserida numa sociedade onde é frequente a educação dos filhos passar em muitos casos a ser totalmente remetida para a escola. A sociedade por vezes está marcada por diferenças sociais que se podem traduzir em situações de maior ou menor violência. A escola não fica alheia a este fenómeno e por vezes dentro da escola vivem-se situações de violência que perturbam o normal desenvolvimento das crianças e jovens. A violência pode assumir várias formas desde comportamentos menos ajustados, hiperatividade, indisciplina, até agressividade e comportamentos de bullying. A violência escolar não é um problema novo mas nas últimas décadas o ensino massificado trouxe alterações na dinâmica escolar que influenciaram a convivência e o nível de tolerância e a mudança de alguns valores. O comportamento de violência escolar sempre existiu e no contexto escolar bullying significa comportamento agressivo de intimidação em que os mais fortes maltratam os mais frágeis, fazendo deles objetos de diversões e prazer e onde as brincadeiras disfarçam o propósito de maltratar. Para haver bullying terá de haver premeditação ou intencionalidade, ser repetido ao longo do tempo como ato continuado ou persistente e com desequilíbrio de poder (Olweus, 2013). Normalmente é dirigida a um sujeito e não a um grupo e sem haver aparente provocação. O mesmo autor (Olweus, 1993, p.9) já o referia da seguinte forma: “A student is being bullied or victimized when he or she is exposed repeatedly and over time, to negative actions on the part of one or more students”. O bullying é diferente de uma brincadeira inocente, sem intuito de ferir pois não se trata de um ato de violência pontual. Segundo Olweus (1993) o bullying pode ser qualificado em bullying direto e bullying indireto. O primeiro compreende agressão de um aluno contra outro, contendo vocábulos, sinais, expressões faciais e contato físico bater, chutar, tirar pertences. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 58

O segundo pode acontecer por atitudes de indiferença e difamação por divulgação de fatos desagradáveis e depreciativos levando à descriminação e gerando a saída da vítima de seu grupo de pares. A escola de hoje tornou-se um espaço onde por vezes acontecem episódios violentos e esta agressão está a generalizar-se não apenas contra os alunos, mas contra professores e funcionários (Grocholski, 2010, Silva, 2010). Os professores têm de estar atentos e falar sobre violência em sala de aula para que as crianças comuniquem as situações de bullying e compreendam que o bullying pode acontecer dentro e fora do ambiente escolar. As consequências referentes ao bullying são variadas e não são somente as vítimas que sofrem as consequências. Os agressores e as testemunhas também podem sofrer consequências tanto no âmbito emocional quanto na aprendizagem. Chalita (2008, p.86) afirma que os autores do bullying, normalmente “são alunos populares que necessitam de plateia para agir. Conhecidos como valentões, oprimem e ameaçam suas vítimas por motivos comuns, apenas para impor domínio”. De acordo com Barros, Carvalho e Pereira (2009) os “bullies” têm dificuldade em respeitar a lei e dificuldade de inserção e de relacionamento afetivo e social, envolvendo-se mais tarde em problemas de conduta, droga, álcool e crimes. Por outro lado Neto (2005) e Silva (2010) afirmam que as vítimas do bullying não sofrem apenas consequências na vida escolar, mas têm predisposição a contraírem alterações psicológicas relacionadas com a baixa auto-estima, de relacionamento social e familiar e tornarem-se pessoas inseguras. A família deve estar atenta aos sinais que podem identificar situações de bullying com os seus filhos, quer enquanto vítimas (recusa em ir à escola, tristeza, diminuição do rendimento escolar, isolamento, sinais físicos de agressão, queixas de mal estar e alterações do sono), quer enquanto agressores (atitudes desafiadoras e agressivas, arrogante no falar e no vestir e demonstrar superioridade, trazer da escola objetos ou dinheiro). METODOLOGIA Realizámos um estudo quantitativo, de caráter descritivo em alunos dos 6° ao 9º ano de uma escola de ensino fundamental, localizada em Alagoas, Brasil, com um total de 341 alunos. A amostra foi não probabilística, intencional por conveniência e constituída por 156 alunos sendo 44 alunos do 6º ano, 39 do 7º ano, 36 do 8º ano e 37 do 9º ano.


Constituíram critérios de inclusão estar em sala de aula quando foi aplicado o questionário. O instrumento teve como referência os questionários de Olweus (2007) e “My life in school checklist” de Arora & Thompson (1987). O nosso questionário recolheu informações sobre os alunos, a escola e o envolvimento dos alunos em diferentes comportamentos de bullying (agressor e vitima) e foi utilizado em Portugal por Sousa (2011). A escala com os dados relativos à prática de bullying é constituída por 22 itens direcionados para comportamentos enquanto vitima e os mesmos 22 itens direcionados para comportamento enquanto agressor e constituindo 3 fatores designados da seguinte forma. 1 - Bullying direto verbal e/ou fisico; 2 - Bullying indirecto ou relacional e 3 – Intimidação. Para a colheita de dados em sala de aula solicitámos autorização à diretora da escola e a quem explicámos o contexto da investigação, o projeto em causa e os objetivos do estudo. Foi entregue um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para cada aluno levar para os seus pais lerem e assinarem no caso de consentirem a participação de seus filhos. A recolha de dados foi efetuada por nós em sala de aula e os alunos foram convidados a participar de forma voluntária. A resposta foi anónima e autopreenchida e os questionários preenchidos foram colocados em envelope sem identificação. A escala de bullying apresentava cinco posições em que os valores mais elevados correspondiam a maior número de vezes que o comportamento de bullying aconteceu. Utilizámos alguma estatística paramétrica e não paramétrica (Teste t de student, ANOVA, Teste de KruskalWallis, Teste de U Mann-Whitney) e correlações de Pearson. Para a análise estatística utilizámos o nível de significância de 5% (p=0,05). RESULTADOS Na amostra de 156 alunos o sexo feminino representa 60,9%, as idades situam-se entre os 11 e os 16 anos, com uma média de 12,87 anos e desvio padrão de 1,404. A maioria (72,1%) vive com os pais ou avós e 27,6% vivem apenas com a mãe/madrasta ou com o pai/padrasto. A maioria refere ter uma boa relação com a família (76,3%). No seu percurso escolar, dos 156 alunos, já reprovaram 57 (36,5%) e destes 57 alunos já reprovaram duas vezes 15 alunos (26,3%).

No que se refere ao comportamento na escola 64,1% já tiveram participação disciplinar e 10,9% já foram suspensos alguma vez das atividades escolares. Sobre a vinda dos pais ou encarregados de educação à escola, 85,3% dos alunos responderam que isso ocorre raramente e 5,1% respondem que nunca vieram à escola. A maioria dos alunos gosta da turma e da escola e consideram-na segura. A maioria dos alunos respondeu nunca ter magoado um colega com intenção de fazer mal (85,9%) e 14,1% já o fizeram com essa intenção. Referiram que já faltaram algumas vezes à escola por medo de lhe fazerem mal, 13,5% dos alunos. Quanto ao tipo de agressões na prática de bullying verificamos que enquanto vítimas são mais referidas as seguintes: “Ameaçaram-me” (32,1%)”; “Bateramme (deram-me um estalo ou murro) (27,6%)”;“Espalharam falsos rumores sobre mim (26,9%)”; “Gozaram comigo” e “Obrigaram-me a fazer uma coisa que não queria fazer (25,6%”); “Obrigaram-me a dar dinheiro que eu tinha (24,4%)”. Enquanto agressores o tipo de agressões mais referidas foram as seguintes: “Metê-los em confusão (32,1%)”; “Esconder e danificar uma coisa dele/dela (27,6%)”; “Desprezá-lo completamente (26,9%)” e “Chamar de nomes feios (25,6%)”. Quanto às formas de bullying (direto verbal e/ou físico; indirecto ou relacional e Intimidação) verificámos que todos os alunos já sofreram e também já praticaram algumas dessas formas. Verificamos uma correlação negativa entre quem sofre intimidação e quem sofre bullying direto (r= -.141) e indirecto (r= -.073) ou seja quando aumenta a intimidação diminui o bullying direto e indirecto. Esta correlação negativa também acontece entre quem pratica intimidação e quem pratica o bullying direto (-.064) e indirecto (-.032). Quanto ao género, não há diferenças estatísticas significativas nas formas de bullying contudo as meninas sofrem mais bullying direto e os rapazes sofrem mais bullying indireto e intimidação. Como agressores as meninas utilizam mais o bullying indireto e intimidação e os rapazes mais o bullying direto. No grupo etário, quer enquanto vítima quer enquanto agressor, não se verificaram diferenças estatísticas entre as idades dos alunos e as diversas formas de bullying (bullying direto (p=.707), indirecto (p=.293) e intimidação (p=.0861).

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Não há diferenças significativas entre relação familiar e as formas de bullying mas os alunos com uma boa relação familiar apresentam valores mais elevados enquanto vítimas de bullying direto e indireto e menos elevados na forma de intimidação. Enquanto agressores os que têm boa relação familiar têm valores mais baixos em todas as formas de bullying. No que respeita à relação entre as reprovações e os tipos de bullying, os que reprovaram apresentam valores mais elevados em todos os tipos de bullying enquanto vítimas. Relativamente ao sentimento/gosto dos alunos em relação à turma e à escola que frequentam e as formas de bullying, quer enquanto vítima quer enquanto agressor, verificamos que não há diferenças significativas. DISCUSSÃO A maioria coabita com os pais e tem uma boa relação familiar. Contudo os pais raramente vão à escola o que pode demonstrar falta de envolvimento no acompanhamento da vida da escola e pode dificultar a criação de uma parceria no combate ao bullying. Chalita (2008) ressalva que é importante os pais preocuparemse e participarem da vida social e escolar dos filhos. Por outro lado a família deve estar atenta aos sinais que podem identificar situações de bullying e proporcionar uma comunicação franca e fácil de forma a auxiliar na identificação das causas, caso a criança esteja a ser vítima ou agressora (Silva, 2011). Os nossos resultados tendem para que os alunos com uma melhor relação familiar apresentem menores probabilidades de desencadear comportamentos de bullying. Grocholski (2010) reforça a ideia de que nos factores desencadeadores de violência, para além da pouca ou inexistente atração pela escola, está o mau relacionamento com a família e a desagregação familiar. Os modelos parentais influenciam o comportamento das crianças e, como diz Carvalhosa, Lima e Matos (2001), a falta de atenção e afeto e a falta de controlo de comportamento agressivo em casa ou falta de supervisão, são favorecedores de comportamentos agressivos e de bullying. Muitas vezes a falta de respeito para com a autoridade começa em casa com pais negligentes e permissivos e Lourenço, Pereira, Paiva, e Gebara (2009) acrescentam que os jovens que passam mais tempo sem a companhia de adultos e/ou com um pobre envolvimento afetivo com os pais, praticam mais o bullying com seus pares. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 60

Nas variáveis escolares verificamos que 64,1% dos alunos tiveram participação disciplinar e 10,9% já foram suspensos alguma vez das atividades escolares. Cerca de um terço dos alunos já reprovaram. Consideramos estas taxas de reprovação elevadas e este fato pode levar a comportamentos desviantes, pois, como nos diz Pereira (2008), quanto mais reprovações uma criança tiver, mais probabilidade tem de ser agressivo. Apesar da maioria gostar da turma e da escola, os que não gostam são mais agressores na forma de bullying direto e indireto. Follman (2012) refere que o gosto pela escola influencia a aprendizagem, desempenhos satisfatórios e os relacionamentos positivos e quando a criança não gosta da escola é mais fácil surgirem comportamentos geradores de violência. Foi referido por 13,5% dos alunos que já faltaram algumas vezes à escola por medo. Isto pode denotar a existência de bullying de forma a alguns alunos se sentirem inseguros. Encontramos alguns resultados aparentemente contraditórios entre a participação disciplinar e a prática de bullying (agressor), pois pelo teste de Mann-Whitney as ordenações médias são mais elevadas nos praticantes de bullying que não tiveram participação disciplinar, o que nos leva a pensar em impunidade de alguns agressores ou estratégias que os próprios utilizam para enganar os professores ou ameaçar as vitimas para não os revelarem. Pelo menos uma vez por semana os alunos (enquanto vítimas) referem que lhes bateram e deram pontapés. Quanto às atitudes como agressores, pelo menos uma vez por semana os alunos referem os seguintes tipos de agressão: “gozar com ele”; “não o escolher para fazer parte de minha equipe”; “danificar uma coisa dele” e “meter em confusão”. Encontramos diferenças nas formas de bullying entre o grupo de vítimas e de agressores: no bullying direto os valores são mais elevados enquanto vítimas o que poderá indicar que os agressores têm várias vítimas de bullying direto ou os agressores (ao contrário das vítimas) não entendem as suas atitudes como bullying direto. Enquanto agressores as meninas utilizam mais o bullying indireto e intimidação e os rapazes utilizam mais o bullying direto quer seja de forma física ou de forma verbal. Os resultados do nosso estudo vão de encontro a outros citados por Martins (2005), Pereira (2008), Chalita (2008) e Grocholsky (2010) que referem que nas raparigas é mais frequente a difamação e a exclusão. Silva (2010) refere que os meninos usam mais a força física e com modos mais aparentes. Nas formas de bullying e a idade não verificámos diferenças estatísticas e poderá ficar a dever-se ao fato das idades serem muito próximas.


CONCLUSÃO A raiz da violência na escola é um problema complexo em que intervêm múltiplas causas e este estudo veio evidenciar a importância dos contextos sociais do jovem nos comportamentos de bullying. A família, o envolvimento escolar, a relação com os professores e o estabelecimento de laços de amizade com os pares são variáveis que devem ser trabalhadas no sentido de prevenir situações de desenvolvimento de violência. Neste estudo a relação com a família é boa contudo referem que raramente os pais vêm à escola. A maioria gosta da turma e da escola mas alguns alunos já faltaram à escola por medo. Enquanto vítimas referem as agressões diretas (verbais ou físicas) como mais frequentes e enquanto agressores referem o bullying indireto (verbal e ou físico). Enquanto agressores as meninas utilizam mais o bullying indireto e intimidação e os rapazes utilizam mais o bullying direto quer seja de forma física ou de forma verbal. A escola deve preparar-se para enfrentar a complexidade dos problemas atuais e as relações interpessoais entre alunos, pais, professores e funcionários. A violência na escola não pode ser entendida como um facto banal, pois pode tornar-se cada vez mais frequente em todas as instituições escolares (Neto, 2005). Deve a escola procurar eliminar a violência e preocupar-se na prevenção do bullying e das formas de violência em geral. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA Os comportamentos desajustados e indisciplinados e a violência são uma realidade nas nossas escolas e é preocupante pelas sequelas imediatas e futuras que pode provocar. Embora as variáveis familiares isoladamente não expliquem o fenómeno do bullying (Oliveira, Silva, Yoshinaga, e Silva, 2015), reportamos como sugestões dos nossos resultados o maior envolvimento da família com a escola e a necessidade de estar atenta a sinais que possam precocemente identificar nos seus filhos comportamentos de vítima de bullying ou de agressor. As escolas devem elaborar procedimentos e normas (regulamentos) que previnam comportamentos agressivos (normas antibullying), definir as penalizações e torna-las claras para todos. Os alunos devem ser envolvidos também na criação dessas normas, serem atendidas as suas sugestões e serem estimulados a comunicar as situações de bullying. A criação de zonas seguras e haver pessoas chave de referência para situações de bullying a quem os alunos possam recorrer, pode ser facilitador da prevenção de situações de bullying.

Poderão identificar-se os locais onde é mais provável que se dê o abuso e estabelecer uma vigilância discreta podendo mesmo recorrer-se a câmaras de videovigilância (Haber & Glatzer, 2009). Torna-se necessário que a família e a escola percebam que a ação de educar é uma responsabilidade de ambos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Arora, C., & Thompson, D. (1987). Defining bullying for a secondary school. Education and Child Psychology, 4, 110-120. Barros, P., Carvalho, J., e Pereira, M. (2009). Um estudo sobre o bullying no contexto escolar. In IX Congresso Nacional de Educação, EDUCERE e III Encontro Sul Brasileiro de Psicopedagogia. Paraná: PUCPR. Chalita, G. (2008). Pedagogia da Amizade: Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores. São Paulo: Editora Gente. Carvalhosa, S., Lima, L., e Matos, M. (2001). Bullying: A provocação/vitimação entre pares no contexto escolar português. Análise Psicológica, 19(4), 523- 537. Follman, J. (2012). O bullying no contexto escolar (Monografia de Especialização, Instituto Superior de Educação do Vale do Juruena, Brasil). Recuperado de http://biblioteca.ajes.edu.br/arquivos/monografia_20130522103513.pdf Grocholski, A. (2010). Violência escolar: Bullying (Monografia de Licenciatura, Universidade Estadual de Londrina, Brasil). Recuperado de http://www.uel. br/cef/demh/graduacao/arquivosdownload/tcc2011/ antigos_tcc_ef_licenciatura/Juliana_Grocholski_ LEF200_2010.pdf Haber, J., & Glatzer, J. (2009). Bullying: Manual antiagressão. Alfragide: Casa das Letras. Lourenço, L. M., Pereira, B., Paiva, D. P., e Gebara, C. (2009). A gestão educacional e o bullying: Um estudo em escolas portuguesas. Interações, 13, 208-228. Martins, M. J. D. (2005). O problema da violência escolar: Uma clarificação e diferenciação de vários conceitos relacionados. Revista Portuguesa de Educação, 18(1), 93-115. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 61


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Pereira, B. (2008). Para uma escola sem violência: estudo e prevenção das práticas agressivas entre crianças (2ª ed.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Artigo de Investigação

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0169

11 O ADOLESCENTE COM COMPORTAMENTO AUTOLESIVO SEM

INTENÇÃO SUICIDA NO INTERNAMENTO DO SERVIÇO DE URGÊNCIA DE UM HOSPITAL PEDIÁTRICO DA REGIÃO CENTRO | Maria Edite Trinco1; José Carlos Santos2 |

RESUMO CONTEXTO: A adolescência é reconhecidamente um período de transição entre a infância e a idade adulta, onde ocorrem múltiplas transformações físicas, psíquicas, sociais, familiares, que exigem do adolescente uma permanente adaptação a esta fase do desenvolvimento. OBJETIVO(S): caracterizar os adolescentes com comportamento autolesivo que recorreram no serviço de urgência de um hospital pediátrico; categorizar os comportamentos autolesivos; identificar o motivo que levou ao comportamento autolesivo. MÉTODOLOGIA: estudo qualitativo, descritivo, tendo como base de pesquisa o estudo de casos múltiplos. RESULTADOS: Da análise dos dados podemos inferir que as raparigas com uma média de idade de 15,5 anos são quem mais tem comportamentos autolesivos. As intoxicações medicamentosas são as que têm maior relevância, seguido das automutilações. Sendo que 55% dos adolescentes referem que o motivo para o ato é o sofrimento psíquico em que se encontram, 39,5% referem disfunção familiar, a escola e as relações entre pares também aparecem como motivo para o ato. CONCLUSÃO: O adolescente que tem um comportamento autolesivo sem intenção suicida está em sofrimento psíquico, e utiliza este comportamento para aliviar esse mesmo sofrimento. As raparigas são quem mais adota este tipo de comportamento, com a ingestão medicamentosa voluntária a prevalecer em relação aos restantes métodos. PALAVRAS-CHAVE: adolescente, comportamento autodestrutivo; emergência

RESUMEN

ABSTRACT

“El adolescente con comportamiento autolesivo no suicida en el ingreso en el servicio de urgencias de un hospital pediátrico de la región centro”

“Teenagers with self-injurious behaviour and no suicidal intention in the ER of a paediatric hospital in the centre region of the country”

CONTEXTO: La adolescencia se considera un periodo de transición entre la infancia y la edad adulta, en el que se producen múltiples transformaciones físicas, psíquicas, sociales y familiares, que exigen al adolescente una permanente adaptación a esta fase del desarrollo. OBJETIVO(S): caracterizar a los adolescentes con comportamiento autolesivo que ingresaron en el servicio de urgencias de un hospital pediátrico; clasificar los comportamientos autolesivos; identificar el motivo que provocó el comportamiento autolesivo. METODOLOGÍA: estudio cualitativo, descriptivo, que tiene como base de investigación el estudio de casos múltiples. RESULTADOS: del análisis de los datos podemos deducir que las niñas con una media de edad de 15,5 años son las que muestran más comportamientos autolesivos. Las intoxicaciones medicamentosas presentan una mayor relevancia, seguidas de las automutilaciones. El 55 % de los adolescentes señala como motivo para tal comportamiento el sufrimiento psíquico que soportan, mientras que el 39,5 % señala la disfunción familiar; el colegio y las relaciones con sus compañeros también aparecen entre los motivos. CONCLUSIONES: el adolescente con comportamiento autolesivo no suicida padece sufrimiento psíquico y utiliza este comportamiento para aliviar dicho sufrimiento. Las niñas adoptan con mayor frecuencia este tipo de comportamiento y la ingesta medicamentosa voluntaria prevalece sobre los demás métodos.

BACKGROUND: Youth is recognised as a transition period between child and adulthood, when several physical, psychic, social, family changes take place, which require of the teenager adjustment to this stage of his development. AIM: Characterising teenagers with self-injurious behaviour who were assisted in emergency in a paediatric hospital; classifying self-injurious behaviour; identifying the motives for self-injurious behavior. METHODS: qualitative, descriptive study, with research based on multiple case studies. RESULTS: One infers that girls with an average age of 15.5 years show self-injurious behaviour the most. Drug poisoning is at the top of the list, followed by selfmutilation. As for the motives, 55% of teenagers mention the psychological distress they find themselves in, 39.5% allude to family dysfunction, while school and peer relations are also given as reasons. CONCLUSIONS: The teenager with self-injurious behaviour and no suicidal intention is in psychological distress, and resorts to such behaviour to alleviate the suffering. This is more common among girls, with voluntary drug administration prevailing over the other methods.

KEYWORDS: teenager; self-destructive behavior; emergency Submetido em 29-01-2017 Aceite em 20-05-2017

DESCRIPTORES: adolescente; comportamiento autodestructivo; emergencia 1 Mestre em psicossociologia da saúde, enfermeira especialista em saúde infantil e pediátrica, centro hospitalar e universitário de Coimbra-hospital pediátrico, serviço de pedopsiquiatria. Urb. Ferreira Jorge, 3040-016 Coimbra, Portugal, edite.trinco@hotmail.com 2 Doutorado em Saúde Mental, Professor coordenador na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. 3046-851 Coimbra, Portugal, jcsantos@esenfc.pt Citação: Trinco, M. E., & Santos, J.C. (2017). O adolescente com comportamento autolesivo sem intenção suicida no internamento do serviço de urgência de um hospital pediátrico da região centro. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 63-68. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 63


INTRODUÇÃO O início e o términus da adolescência está longe de obter consenso. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a adolescência abrange o período do ciclo vital que vai desde os 10 aos 19 anos. (WHO, 2011). É um período em que o adolescente revela um modo de vida muito peculiar transitando num longo trajeto entre o final da infância até ao início da idade adulta, onde as alterações físicas e psicossociais estão estritamente sujeitas e influenciadas pela interação do adolescente com o meio envolvente e seus contextos (Shaffer & Kipp, 2007; Sampaio, 2006). A adolescência é reconhecidamente um período de transição entre a infância e a idade adulta, onde ocorrem múltiplas transformações físicas, psíquicas, sociais, familiares, que exigem do adolescente uma permanente adaptação a esta fase do desenvolvimento, prevalecendo a organização e reorganização da sua própria identidade (Brito, 2011). Este processo decorre habitualmente de forma segura e saudável no desenvolvimento da sua complexidade (Salgado & Neves, 2011; WHO, 2005). Contudo, durante esta transição, o adolescente depara-se com desafios e conflitos, e, o modo de resposta interna e externa aos mesmos, vai influenciar substancialmente o sucesso ou o fracasso desta evolução do ciclo da vida (Santos & Neves, 2014). Podendo assim inferir-se que a adolescência representa um período de metamorfose individual, onde o adolescente constrói o seu processo de vida com o intuito de atingir a sua autonomia e responsabilidade, perfazendo o caminho de resolução das múltiplas tarefas desenvolvimentais, procurando a consolidação da sua própria identidade. (Santos et al,2014). É nesta transição, que por vezes o adolescente sente dificuldade de ajuste saudável e uma necessidade de procura incessante da construção da identidade que poderão ter a sua origem nos mais variados fatores psicológicos, biológicos, familiares e sociais, subsistindo um modelo de causalidade multifatorial complexa, que necessita de uma compreensão adequada de forma a ajudar o adolescente na resolução dos seus conflitos, mitigando assim a probabilidade da adoção de comportamentos autolesivos (Whitlock, 2010; Sociedade Portuguesa de Suicidologia, 2014). Ao longo do tempo a literatura tem sido pouco consensual e consistente na definição dos comportamentos autolesivos, assim como na diferenciação destes comportamentos com características diferentes.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 64

Esta definição tem comportado termos como: parassuicido, automutilação, cutting, violência autodirigida, selfmutilation, deliberate self harm, self injury, self inflicted violence (Rodham & Hawton, 2009; Klonsky et al, 2014). Apesar da dificuldade de consenso na definição é transversal aos vários autores de que se trata de: um ato não fatal exercido pelo adolescente, sem intervenção de outros, em que deliberadamente ingere uma substância em excesso de dosagem terapêutica, tem um comportamento com intenção de causar lesão ao próprio corpo (cortes, queimadura) ingere uma substancia ilícita ou outra não ingerível (DGS, 2013). Da literatura por nós revisitada, verificamos que os comportamentos autolesivos apresentam uma maior prevalência na adolescência (Laye-Gindhu & Schonert-Reichl,2005; Sampaio, 2006; Matos et. al., 2012), com tendência para a remissão natural na idade adulta. É de salientar que os métodos mais utilizados nestes comportamentos são as intoxicações e sobredosagens medicamentosas assim como as automutilações (Santos, 2000; Kapur et al, 2013), sendo mais frequentes no género feminino (Guerreiro et al 2014; Zetterqvist, 2015), contrastando com o comportamento suicida, que é mais relevante no género masculino (Santos, 2000; Shaffer et al, 2001; Sampaio, 2009). Os comportamentos autolesivos em adolescentes são considerados um problema de saúde pública necessitados de entendimento e acompanhamento na sua complexa interação biopsicossocial, relacional e familiar devido ao seu manifesto crescimento sobretudo entre adolescentes comprometendo um desenvolvimento saudável (Trinco e Santos, 2015; Guerreiro et al, 2014; Muehlenkamp et al, 2012; Nock & Favazza, 2009). A nossa prática é concordante com os autores, assim sendo e perante esta problemática compete ao enfermeiro compreender como é que os adolescentes vivem estas situações. E é nesta senda de vulnerabilidade e mudança com as quais o adolescente ainda não sabe viver harmoniosamente que poderá surgir a adoção de comportamentos de risco (Vrouva et al., 2010) entre eles os comportamentos autolesivos, que podem servir de modelo de regulação emocional como forma de expressar e externalizar emoções intensas (Nock, Prinstein & Sterba, 2009), ou por outro lado, são utilizados como um meio de comunicação, quando existe um défice na mesma ou simplesmente ela não existe, dependendo das condições e da capacidade de resposta às necessidades internas, readaptações externas e dos meios de ajuda do contexto familiar, afetivo, académico e sociocultural (Trinco & Santos, 2015).


De acordo com a DGS (2013), os comportamentos autolesivos são frequentes em adolescentes, sobretudo nas raparigas. Mas os dados epidemiológicos são parcos, deixando assim uma lacuna na verdadeira realidade deste flagelo. Os estudos de Gmitrowlcz, et al. (2014) e de Morey, et al. (2008), dizem-nos que apenas 14% dos adolescentes procurou os cuidados de saúde após um comportamento autolesivo. Já para Guerreiro, et al (2014), só 13% recorreram ao hospital, essencialmente nos casos de intoxicações. Assim sendo, crê-se que seja um problema de grande relevância, carente de investigação (Cordovil. et al, 2009). Perante tais considerações delineámos como objetivos: caracterizar os adolescentes com comportamento autolesivo que recorreram no serviço de urgência; categorizar os comportamentos autolesivos; e identificar o motivo que levou ao comportamento autolesivo, de forma a identificamos os adolescentes em risco de comportamentos da esfera suicidária, possibilitandonos um cuidado holístico. METODOLOGIA Para a consecução dos objetivos e atendendo à natureza do fenómeno que se pretende investigar, a investigação direciona-se para a metodologia qualitativa de orientação para um estudo de casos múltiplos, em cuja pesquisa será desenvolvida a análise de entrevista aos pais que acompanharam o filho durante este internamento, processo clinico do adolescente e notas de campo do investigador. As entrevistas tiveram como base um guião composto por uma caracterização sociodemográfica da família e uma pergunta aberta para perceber o motivo do adolescente para o comportamento. O estudo de caso como método de pesquisa permite ao investigador utilizar múltiplas fontes de evidência, e quando a investigação coloca questões do tipo “como” e porquê”, de forma que os dados convirjam para uma melhor análise em profundidade do objeto de investigação de forma holística preservando as características significativas dos acontecimentos da vida real (Yin,2001). População e amostra O estudo decorreu no serviço de urgência de um hospital pediátrico da região centro, de Janeiro a Novembro de 2015, com um total de admissões de 55 507 crianças e adolescentes, sendo a população adolescente, com idade compreendida entre os 13 e os 17 anos e 364 dias, de 5 163, dos quais 413 são adolescentes com sofrimento mental.

A amostra é constituída por 38 adolescentes, provenientes dos distritos de Coimbra, Aveiro, Leiria e Guarda, que tiveram uma intoxicação medicamentosa voluntária e/ou uma automutilação sem intenção suicida que ficaram internados no referido serviço. Procedimento de colheita de dados Os instrumentos de colheita de dados foram a entrevista semiestruturada aos pais, após cumprimento de todas as formalidades ético-deontológicas, o processo clinico do adolescente e as notas de campo. Para perceção mais profícua de todos os dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, com apoio do programa informático NVIVO8. RESULTADOS Parece-nos pertinente caracterizar o adolescente que teve o comportamento autolesivo, para uma melhor e mais abrangente compreensão do contexto. Quadro 1 - Caracterização do adolescente segundo o género Adolescente

n

%

Raparigas

30

78,94

Rapazes

8

21,06

Total

38

100,00

Relativamente ao género, são as raparigas quem mais tem comportamentos autolesivos, o que está de acordo com os estudos nacionais e internacionais. Quadro 2 - Caracterização do adolescente segundo a idade Idade do adolescente

n

%

13 anos

6

15,79

14 anos

6

15,79

15 anos

9

23,68

16 anos

9

23,68

17 anos

8

21,06

Total

38

100,00

No que respeita à idade do adolescente, a média situase nos 15,5 anos. Os estudos de Ferrey et al (2015), também obtiveram dados idênticos. Quadro 3 - Caracterização do motivo de internamento Motivo do internamento

n

%

Intoxicação

32

84,21

Automutilação

6

15,79

Intoxicação + automutilação

20

52,63

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 65


Quanto ao motivo do internamento, as intoxicações medicamentosas têm maior predominância com 84,21% do total dos internamentos. Contudo não podemos deixar de referir que 52,63% tiveram dois ou mais comportamentos associados no mesmo momento, com um tempo médio de internamento de 5 dias. Similarmente os estudos de Santos (2000), Cordovil, et al (2009) e Ferrey et al (2015), chegaram a resultados semelhantes. Quadro 4 - Caracterização da amostra segundo a proveniência Proveniência

N

%

Coimbra

28

73,68

Aveiro

4

10,52

Leiria

3

7,90

Guarda

3

7,90

Total

38

100,00

Os adolescentes são provenientes da região centro do país (Coimbra, Aveiro, Leiria e Guarda), sendo Coimbra o distrito com maior relevância (73,68%), muito pelo facto de ser este o hospital de referência da área de residência. A análise dos dados visou obter contributos para uma melhor compreensão sobre o que leva um adolescente a ter um comportamento autolesivo sem intenção suicida. Da pesquisa sobressaiu o sofrimento psíquico como categoria principal, que se subdividiu em três subcategorias: disfunção familiar, escola e relação entre pares. DISCUSSÃO Sofrimento psíquico O comportamento autolesivo é um fenómeno multideterminado, ou seja, existem múltiplos fatores que concorrem para a concretização do mesmo, contudo e é transversal a todos os estudos nacionais e internacionais que na sua génese está o sofrimento psíquico do adolescente que vê neste comportamento a fuga à sua dor (Vieira et al, 2016). Disfunção familiar Nesta subcategoria sobressaem os conflitos familiares como fator desencadeante para o ato, não havendo diferenciação em relação ao sexo. Os adolescentes têm sobretudo discussões com os pais e ciúmes dos irmãos, também os problemas financeiros foram referidos como motivo para agravar os conflitos familiares. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 66

Os resultados obtidos no estudo reforçam os dados de Gmitrowlcz, et al. (2014) e Lundh et al, (2011), tendo a disfunção familiar um maior relevo nos comportamentos autolesivos sem intenção suicida. Escola A escola assume uma área de transição na vida do individuo, tornando-se fundamental sobretudo na adolescência, sendo o elo entre dois mundos, o grupo familiar e o grupo social (Marcelli & Braconnier, 2005). Estes resultados são concordantes com o estudo de Brito & Oliveira (2013), que nos dizem que existe uma correlação positiva entre: bullying, angústia, baixa autoestima e a perda de confiança do adolescente, podendo ainda verificar-se o abandono escolar e/ou comportamentos autolesivos e em casos extremos o suicídio. Relação entre pares A escolha do grupo e a sua aproximação são cruciais na adolescência para, simultaneamente, entrepor algum distanciamento entre a família e a aprendizagem de socialização tão necessária ao seu futuro, mas, simultaneamente é um fator de risco, quando esta escolha não é bem conseguida (Braconnier & Marcelli,2000). Foi verificada uma conexão expressiva entre a presença de comportamento autolesivo e a existência de conflito entre pares, sobretudo na rutura do namoro e dificuldade na socialização. CONCLUSÃO O adolescente que tem um comportamento autolesivo sem intenção suicida está em sofrimento psíquico, mas a abordagem não deve ser centrada somente no comportamento ou no sintoma, tem que ser abrangente, porque estes comportamentos são muitas vezes a ponta do iceberg da desesperança destes adolescentes. Dos adolescentes internados, foram as raparigas com uma idade média de 15,5 anos, quem mais adotou este tipo de comportamento, com a ingestão medicamentosa voluntária a prevalecer em relação aos restantes métodos e os conflitos familiares na sua origem. A maioria referiu que o comportamento serviu para atenuar a dor sentida naquele momento. O internamento destes adolescentes é um momento de excelência para a compreensão do comportamento autolesivo na adolescência, tornando-se essencial, para definir estratégias que proporcionem ao adolescente um crescer saudável, onde a crise individual, social e familiar estão intricadas e poderão ser promotoras da sua autorregulação.


IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Assim, salienta-se a relevância do estudo e da sua continuidade para delinear intervenções pertinentes para um melhor cuidar destes adolescentes e prevenção de recidivas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Braconnier, A., & Marcelli, D. (2000). As mil faces da adolescência. Lisboa. Climepsi Editores. Brito, C., & Oliveira, M. (2013). Bullying and self-esteem in adolescents from public schools. Jornal de Pediatria. 89 (6): 601–607. doi: 10.1016/j.jped.2013.04.001 Brito, I. (2011). Ansiedade e depressão na adolescência. Dossier: adolescência. Revista Portuguesa de Clinica Geral. 27(2): 208-214. Cordovil, C., Crujo, M., & Guerreiro, D. (2009). Tentativas de Suicídio em Adolescentes Internados na Unidade de Internamento de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar de Lisboa Central. Rev. de Saúde Mental. On line in: repositorio.chlc.min-saude.pt/…17/…/ Rev%20Saude%20Mental%202009_XI_15.pdf. em 2016.08.23. Ferrey, A., Hughes, N., Simkin, S., Locock, L., Stewart, A., Kapur, N., & Hawton, K. (2015). The impact of self-harm by young people on parents and families: a qualitative study. BMJ open, 6 (1), doi: http://dx.doi. org/10.1136/bmjopen-2015-009631 Gmitrowicz, A., Kostulski, A., Kropiwnicki, P., & Zalewska-Janowska (2014) A. Cutaneous deliberate selfharm in Polish school teenagers – an inter-disciplinary challenge. Acta Dermato-Venereologica.; 94(4): 448– 453. doi: 10.2340/00015555-1690. Guerreiro, D.F., Sampaio, D., & Figueira, M.L. (2014). Relatório de investigação “Comportamentos autolesivos em adolescentes: características epidemiológicas e análise de fatores psicopatológicos, temperamento afectivo e estratégias de coping”. Clinica Universitária de Psiquiatria e Psicologia. Universidade de Lisboa. On line in: http://www.spsuicidologia.pt/generalidades/ biblioteca/143. relatorio da investigação comportamentos autolesivos em adolescentes. em 2016.09.14.

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Artigo de Investigação

12 COMPORTAMENTO

DOS BULLYING NO TRABALHO

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.070

ENFERMEIROS

PERANTE

ATOS

DE

| Antónia Teixeira1; Teresa Ferreira2; Elisabete Borges3 |

RESUMO CONTEXTO: O ser humano passa grande parte da sua vida em contexto de trabalho, pelo que a sua qualidade de vida depende, entre outros fatores, das condições do local de trabalho. Comportamentos de violência, nomeadamente de bullying, são uma realidade nas organizações de saúde. A investigação tem demonstrado que os enfermeiros vivenciam este fenómeno com repercussões a nível individual, organizacional e social. OBJETIVO: Descrever o comportamento dos enfermeiros perante atos de bullying no trabalho, enquanto vítimas e enquanto testemunhas. METODOLOGIA: Estudo de natureza qualitativa. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas a 12 enfermeiros, cuja seleção foi efetuada através da técnica de amostragem por redes. A informação foi submetida a uma análise categorial temática segundo Bardin (2009). RESULTADOS: Os participantes que se identificaram como vítimas referiram os seguintes comportamentos, quando sujeitos a atos de bullying: confrontar o agressor, ignorar, suporte informativo, suporte emocional e medicação antidepressiva. Aconselhar e apoiar a vítima, advogar junto do agressor, desvalorizar e passividade foram os comportamentos descritos pelos participantes que testemunharam atos de bullying. CONCLUSÕES: Os atos de bullying mostram ter um impacto a nível emocional das vítimas, sendo referida a procura de suporte emocional e o recurso a medicação antidepressiva. Consideramos que a consciencialização deste fenómeno, das suas implicações e a capacitação dos enfermeiros para a atuação em situações de atos de bullying, pode ser um fator protetor e promotor de ambientes de trabalho saudáveis. PALAVRAS-CHAVE: Bullying; Enfermeiros; Saúde ocupacional

RESUMEN

ABSTRACT

“Comportamiento de los enfermeros ante actos de acoso laboral”

“Behavior of nurses facing bullying at work”

CONTEXTO: El ser humano pasa gran parte de su vida en el lugar de trabajo, por lo que su calidad de vida depende, entre otros factores, de las condiciones del lugar de trabajo. Comportamientos de violencia, incluido el acoso, son una realidad en las organizaciones de salud. La investigación ha demostrado que los enfermeros experimentan este fenómeno con consecuencias a nivel individual, organizacional y social. OBJETIVO: Describir el comportamiento de los enfermeros ante actos de acoso, como víctimas y como testigos. METODOLOGÍA: Estudio cualitativo. Las entrevistas semiestructuradas se llevaron a cabo con 12 enfermeros, cuya selección se hizo a través de la técnica de muestreo por redes. La información fue entregada a un análisis de las categorías temáticas según Bardin (2009). RESULTADOS: Los participantes que se identificaron como víctimas reportaron los siguientes comportamientos cuando son sometidos a actos de acoso: confrontar al agresor, ignorar, apoyo informativo, apoyo emocional y medicación antidepresiva. Asesorar y apoyar a la víctima, abogar por la víctima con el agresor, devaluar y la pasividad eran los comportamientos descritos por los participantes que fueron testigos de actos de acoso. CONCLUSIONES: Los actos de acoso revelan tener un impacto en el nivel emocional de las víctimas, mencionando la búsqueda de apoyo emocional y el uso de medicación antidepresiva. Consideramos que la toma de conciencia de este fenómeno, sus implicaciones y la formación de los enfermeros para actuar en situaciones de acoso pueden ser un factor protector y promotor de ambientes de trabajo saludables.

DESCRIPTORES: Violencia laboral; Enfermeros; Salud laboral

BACKGROUND: The human being spends a large part of his or her life in a working context, so that his/her quality of life depends on the working environment, among other factors. Behaviors of violence, particularly bullying, are a reality in healthcare organizations. Research has shown that nurses experience this phenomenon with repercussions at the individual, organizational and social level. AIM: To describe the behavior of nurses in relation to acts of bullying at workplace, as victims and witnesses. METHODS: A qualitative study. Through the network sampling technique, semi-structured interviews were conducted to 12 nurses. The information was submitted to a categorical thematic analysis according to Bardin (2009). RESULTS: Participants who identified themselves as victims reported the following behaviors, when subjected to acts of bullying: confronting the aggressor, ignoring, information support, emotional support and antidepressant medication. Advising and supporting the victim, advocating with the aggressor, devaluing and passivity, were the behaviors described by participants who witnessed acts of bullying. CONCLUSIONS: The acts of bullying have proven to have an emotional impact on the victims, being mentioned the search for emotional support and the use of antidepressant medication. We consider that the awareness of this phenomenon, its implications and the training of nurses to act in situations of bullying can be a protective factor and as well as a promoter of healthy working environments.

KEYWORDS: Bullying; Nurses; Occupational health Submetido em 31-01-2017 Aceite em 20-06-2017

1 Mestre em Enfermagem Comunitária; Enfermeira; Centro Hospitalar São João, Alameda Prof. Hernâni Monteiro, 4200- 451 Porto, Portugal, u009637@hsjoao.min-saude.pt 2 Doutora em Psicologia da Saúde; Professora Coordenadora na Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072 Porto, Portugal, teresarodrigues@esenf.pt 3 Doutora em Enfermagem; Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072 Porto, Portugal, elisabete@esenf.pt Citação: Teixeira, A., Ferreira, T., & Borges, E. (2017). Comportamento dos enfermeiros perante atos de bullying no trabalho. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 69-73 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 69


INTRODUÇÃO A qualidade de vida no trabalho é um princípio básico para a realização pessoal e profissional. A violência é um dos riscos psicossociais emergentes no local de trabalho (European Agency for Safety and Health at Work [EU-OSHA], 2007; Borges e Ferreira, 2015; Neto, 2015). Enquanto um tipo de violência, o bullying caracteriza-se pela vitimização, persistente e sistemática, de um colega ou um subordinado, com o uso repetido de vários tipos de comportamentos agressivos, durante um longo período de tempo e numa situação em que as vítimas têm dificuldade em se defender (Einarsen, Hoel, Zapf, & Cooper, 2011). Outros termos, como mobbing ou assédio moral, têm sido usados para descrever a violência em ambiente de trabalho que se apresenta de forma repetida e continuada no tempo (EU-OSHA, 2007). O bullying é uma problemática que está presente nas instituições de saúde, de forma significativa, mas que é pouco notificado por diversos motivos, como o receio de ser rotulado de conflituoso e pensar que nada mudará ao notificar (Carter et. al, 2013). Um dos contextos de trabalho, onde o bullying tem sido investigado, é o dos enfermeiros. Este fenómeno, de interesse crescente, tem sido associado a graves consequências nos profissionais, utentes e organizações (Purpora, Cooper, & Sharifi, 2015). O bullying afeta negativamente os enfermeiros e revela uma forte associação ao burnout, pelo que a sua prevenção é crucial (Allen, Holland, & Reynolds, 2015). Nielsen, Magerøy, Gjerstad e Einarsen (2014) verificaram uma associação entre a exposição ao bullying e problemas a nível da saúde mental. A realização deste trabalho tem como objetivo descrever o comportamento dos enfermeiros perante atos de bullying no trabalho, enquanto vítimas e enquanto testemunhas. É um estudo de natureza qualitativa, exploratório, descritivo e transversal, cuja finalidade é sensibilizar os enfermeiros para esta temática e promover a sua saúde no trabalho, através da consciencialização desta problemática. METODOLOGIA A realização deste trabalho teve como objetivo descrever o comportamento dos enfermeiros perante atos de bullying no trabalho, enquanto vítimas e enquanto testemunhas. É um estudo exploratório, descritivo e transversal, de natureza qualitativa. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 70

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas a 12 participantes que exerciam funções de Enfermagem há, pelo menos, 10 anos, selecionados através do método de amostragem por redes. Foi solicitado o consentimento informado aos participantes e as entrevistas foram realizadas de acordo com a disponibilidade dos participantes e em local privado. A informação foi sujeita a uma análise de conteúdo categorial de Bardin (2009). Os participantes são maioritariamente do sexo feminino (83,3%), com idades compreendidas entre os 31 e os 49 anos, sendo a média de 35,9 anos. Quanto ao estado civil, 50% dos participantes são solteiros e 50% são casados. O tempo médio de exercício de funções como enfermeiro é de 13,7 anos e somente um dos participantes (8,3%) exerce funções, no serviço atual, há menos de um ano. Sete dos participantes (58,3%) detêm o Curso de Licenciatura em Enfermagem e cinco (41,7%) frequentaram formação pós-graduada. A maioria dos participantes (83,3%) trabalha em contexto hospitalar. A categoria de enfermeiro é comum a todos os participantes. RESULTADOS Dos 12 participantes, oito referiram conhecer alguém que já tenha vivenciado situações de bullying no trabalho. No entanto, dois casos não foram considerados para a descrição das vivências porque foram referenciados como casos únicos ou esporádicos, como mostram as seguintes unidades de registo: “… um familiar de um doente deu um empurrão à colega…” (E4); “… todos os colegas acabaram, por numa ou outra situação… sentir-se pressionados relativamente a alguns doentes…” (E5). Relativamente às vivências enquanto vítima, seis participantes consideram que já foram vítimas de bullying no trabalho. Porém, um dos participantes referiu que “… nem numa situação nem noutra eu acho que foi uma situação persistente no tempo… não sei se se pode considerar bullying, se calhar não…” (E2). Esta descrição não foi considerada como caso de bullying, bem como a descrição de situações pontuais relatadas por outro dos participantes. Desta forma, para as vivências como vítima, consideraram-se os atos de bullying descritos por quatro participantes.


DISCUSSÃO Comportamento das Vítimas Perante Atos de Bullying Perante os atos de bullying a que foram sujeitos, os participantes referiram que, confrontar o agressor, ignorar, suporte informativo, suporte emocional e medicação antidepressiva, foram os comportamentos adotados, como ilustra a tabela n.º 1. Tabela 1 - Comportamento das vítimas perante atos de bullying CATEGORIA – COMPORTAMENTO DAS VÍTIMAS PERANTE ATOS DE BULLYING SUBCATEGORIA

UNIDADES DE REGISTO

Confrontação

“… às vezes a situação em si dá para confrontar a pessoa…” (E1)

Ignorar

“… às vezes acabo mesmo por ignorar um bocadinho os comportamentos delas…”(E1) “… as pessoas falavam e eu ignorava…” (E11)

Suporte informativo “… procurar informação…” (E7) “… procurava perceber a melhor forma de fazer as coisas… tentar, junto de outros colegas… saber como é que eles faziam para tentar saber se eu realmente fazia assim tão mal…” (E11) Suporte emocional

“… Éramos várias, apoiávamo-nos umas às outras…” (E9) “… do resto da equipa fui muito bem recebida…” (E9) “… valia a pena pela parte dos doentes, e pela parte de alguns colegas que… foram capazes de me reconhecer algum valor, mesmo apesar de estar a começar a trabalhar…” (E11) “… é um bocado refugiar na família…” (E11)

Medicação antidepressiva

“… fiz medicação antidepressiva… precisei de fazer durante uns meses…” (E7)

Confrontar o agressor foi mencionado por um dos participantes (E1). Comunicar ao agressor, que o seu comportamento é inaceitável, é um dos desafios para os gestores, quando tomam conhecimento de comportamentos de bullying nas suas equipas (Oade, 2009). Existem diferentes tipologias de agressores; uns são capazes de aceitar feedback, pedir desculpas e tomar medidas para mudar o seu comportamento, enquanto outros sentem satisfação ao infligir dor e sofrimento aos outros (McCulloch, 2010). Ignorar também foi um comportamento que emergiu dos relatos dos participantes (E1, E11).

Segundo Hirigoyen (2002), as consequências a nível psíquico tornam-se mais graves quando a pessoa toma consciência de que existe uma intenção de a magoar. Os dados obtidos neste estudo não permitem aferir se os participantes, para além de ignorarem os comportamentos do agressor, ignoraram a intencionalidade de serem prejudicados. A procura de suporte informativo foi outro comportamento referido (E7, E11). No caso de um dos participantes (E7), a necessidade de procura de informação resultou de uma mudança de serviço, de forma a colmatar a falta de apoio sentida quando ingressou no novo serviço. No outro caso (E11), o participante menciona que essa necessidade surgiu das críticas constantes ao seu trabalho, sendo esta uma estratégia para comprovar se as críticas tinham ou não fundamento. Este dado vai ao encontro da investigação de Hallberg e Strandmark (2006), onde a vítima luta pela confirmação de que o bullying foi injusto e não foi por sua culpa. Os participantes referiram ter recorrido ao suporte emocional, nomeadamente ao apoio de colegas e familiares. Uma participante (E9) descreve o apoio mútuo com outras colegas, que ingressaram no serviço juntamente com ela e que passaram pelo mesmo processo de integração dificultadora, evidenciando a ideia de partilha de experiências e de suporte pelos pares. Os familiares e amigos podem dar um valioso contributo no apoio às vítimas (Oade, 2009). Hirigoyen (2002) verificou, no seu inquérito, que 39% das vítimas de assédio moral procurou ajuda junto de colegas e que a gravidade das consequências para a saúde depende da vulnerabilidade da vítima, onde se inclui a falta de apoio familiar ou de amigos. O apoio social, onde se inclui o apoio emocional, contribui para a saúde e o bem-estar das pessoas (Borges e Ferreira, 2013; Serra, 2011). Borges e Ferreira (2015) constataram que um maior recurso ao suporte social conduziu à perceção de melhor qualidade de vida. O suporte emocional pode ser, deste modo, um fator protetor para as vítimas. O recurso a medicação antidepressiva foi referido por um participante (E7). Vartia (2001) verificou que as vítimas de bullying recorriam mais vezes a indutores do sono e sedativos do que as pessoas que não eram vítimas deste tipo de violência. O bullying contribui substancialmente para estados de ansiedade e depressão, afetando a satisfação no trabalho (Hauge, Skogstad, & Einarsen, 2010).

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Comportamento das Testemunhas Perante Atos de Bullying Aconselhar e apoiar a vítima, advogar junto do agressor, desvalorizar e passividade foram os comportamentos descritos pelos participantes que testemunharam atos de bullying, como se ilustra na tabela n.º 2. Tabela 2 - Comportamento das testemunhas perante atos de bullying CATEGORIA – COMPORTAMENTO DAS TESTEMUNHAS PERANTE ATOS DE BULLYING SUBCATEGORIA UNIDADES DE REGISTO Aconselhar a vítima

“… tentar arranjar com ela… mecanismos de defesa para não se deixar afetar…” (E1) “… arranjar uma estratégia para tentar mudar isso mesmo… mas ser ela própria a tomar essa decisão…” (E3)

Apoiar a vítima

“… Eu fui sempre um ouvinte dessa pessoa… tentar compreendê-la, confortála… dar-lhe apoio…” (E3)

Advogar junto do agressor

“… dizer que exagera…” (E1) “… eu tentava sempre demonstrar que as pessoas… que são recém-formadas, não podem ter os mesmos conhecimentos… (E12)

Desvalorizar

“… tentar desvalorizar… porque normalmente este tipo de pessoas… não aceitam…” (E1)

Passividade

“… Não foi nenhuma, não foi nada… uma pessoa também acaba por querer-se resguardar um bocadinho…” (E6)

Aconselhar e apoiar a vítima de bullying foram comportamentos referidos pelas testemunhas. Domínguez, Gil-Monte e Devis (2011) identificaram que, quanto maior o apoio social no trabalho, menor o bullying sofrido pelo trabalhador. O aconselhamento permite conter o sofrimento das pessoas envolvidas no fenómeno de bullying (Tehrani, 2011). Perante o agressor, advogar e desvalorizar foram os comportamentos mencionados. Ao advogar junto do agressor, a testemunha poderá promover a tomada de consciência do agressor relativamente aos seus atos. Desvalorizar foi referido por um participante (E1), que deixa presente a noção de que é difícil o agressor aceitar que se lhe diga algo relativamente à situação. Um dos participantes mencionou que não tomou nenhuma atitude, fundamentando que “… uma pessoa também acaba por quererse resguardar um bocadinho…” (E6). Uma das causas mais apontadas pelos enfermeiros que experienciaram condutas de mobbing, no estudo de Carvalho (2007), foi a solidariedade com os outros colegas e não virar as costas à injustiça. O receio de ser prejudicado pode ter contribuído para esta atitude de passividade. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 72

CONCLUSÃO Este estudo teve como objetivo descrever o comportamento dos enfermeiros perante atos de bullying no trabalho, enquanto vítimas e enquanto testemunhas. Os participantes que se identificaram como vítimas referiram os seguintes comportamentos: confrontar o agressor, ignorar, suporte informativo, suporte emocional e medicação antidepressiva. Aconselhar e apoiar a vítima, advogar junto do agressor, desvalorizar e passividade foram os comportamentos descritos pelas testemunhas de atos de bullying. Podemos concluir que os atos de bullying têm impacto a nível emocional das vítimas, na medida em que houve procura de suporte emocional e recurso a medicação antidepressiva. Nenhum dos participantes referiu ter denunciado os atos de bullying. Consideramos necessária mais investigação para se compreender o motivo pelo qual não foram efetuadas denúncias. O comportamento humano depende de vários fatores. A informação sobre o fenómeno poderá ser um dos fatores que contribui para o comportamento das pessoas envolvidas. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Consideramos que a consciencialização deste fenómeno, e das suas implicações, pode ser um fator importante no comportamento das pessoas envolvidas, pelo que a sua divulgação, junto dos profissionais e dos estudantes de Enfermagem, se torna fundamental. Salientamos também a importância da capacitação dos enfermeiros para a atuação em situações de atos de bullying. É essencial o desenvolvimento de planos de atuação, que incluam suporte emocional, e, essencialmente, projetos de prevenção do bullying. A sua prevenção torna-se essencial para contextos de trabalho mais saudáveis para os profissionais e mais seguros para a população que recebe os seus cuidados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Allen B. C., Holland P., & Reynolds, R. (2015). The effect of bullying on burnout in nurses: the moderating role of psychological detachment. Journal of Advanced Nursing 71(2), 381–390. doi: 10.1111/jan.12489 Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo (5ª ed.). Lisboa: Edições 70. (Tradução do original em francês L´analyse de contenu. S.l.: Presses Universitaires de France, 1977).


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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 73


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Artigo de Investigação

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0171

13 A COMPONENTE MENTAL: UM ASPETO POSITIVO DA QUALIDADE

DE VIDA DE UMA POPULAÇÃO

| Ana Guerra1; Ana Silva2; Clementina Sousa3; Luísa Ferreira4; Helena Carvalho5; Sandra Silva6 |

RESUMO Saúde é uma dimensão importante da Qualidade de Vida (QV), que integra outros domínios para além da Saúde. Perante esta perspetiva, os profissionais de saúde orientam a sua prática com vista à prestação de cuidados que visam proporcionar às pessoas o máximo bem-estar e QV ao longo de todo o ciclo vital. Uma melhor QV constitui um dos objetivos mais ambicionados pela generalidade dos seres humanos representando, deste modo, uma crescente relevância na prática clínica de Enfermagem. Neste sentido constitui-se objetivo do estudo avaliar a perceção da QV da população de Paredes de Coura, no ano 2015. Para tal desenhou-se um estudo quantitativo, de natureza descritiva, com uma amostra de 447 indivíduos selecionada pelo método de amostragem probabilística e aleatória estratificada. Como instrumento de recolha de dados utilizou-se um questionário de caracterização sociodemográfica e o questionário do Estado de Saúde (MOS SF-36v2). Os resultados evidenciam que a população de Paredes de Coura apresenta uma melhor perceção de bem-estar psicológico e social; as piores perceções dizem respeito à Vitalidade e Saúde Geral. A maioria da população refere ausência de dor e de limitações associadas à mesma, sendo a perceção global de QV tendencialmente positiva. Em conclusão, a população de Paredes de Coura apresenta uma perceção de QV positiva, destacando-se a Componente Mental. PALAVRAS-CHAVE: Saúde; Promoção de Saúde; Qualidade de Vida; Enfermagem em Saúde Comunitária

RESUMEN

ABSTRACT

“Componente Mental: un aspecto positivo en la calidad de vida de una población”

“The Mental component: a positive aspect of the Quality of Life of a population”

La Salud es una dimensión importante de Calidad de Vida (CV), que integra otras áreas distintas de la Salud. Ante esta perspectiva, profesionales de la salud guían su práctica con el fin de proporcionar el cuidado que tienen como objetivo dar a las personas el máximo de bienestar y calidad de vida a lo largo del ciclo de vida. Una mejor calidad de vida es uno de los objetivos más ambiciosos de la mayoría de los seres humanos, lo que constituye un aumento de relevancia en la práctica clínica de la Enfermería. En este sentido, constituye objetivo del estudio para evaluar la percepción de la calidad de vida de la población de Paredes de Coura en 2015. Para ello se diseñó un estudio cuantitativo, descriptivo, con una muestra de 447 individuos seleccionados por el método de muestreo aleatorio probabilístico y estratificado. Como instrumento de recolección de datos se utilizó el cuestionario socio demográfico y el cuestionario del Estado de Salud (MOS SF-36v2). Los resultados muestran que la población de Paredes de Coura tiene una mejor percepción de bienestar psicológico y social; las peores percepciones se relacionan con la Vitalidad y la Salud Mental General. La mayor parte de la población informó de ausencia de dolor y limitaciones asociadas con el mismo, siendo atendida la percepción positiva en general la calidad de vida. En conclusión, la población de Paredes de Coura tiene una percepción de la CV positiva, destacando el componente mental.

Health is an important dimension of Quality of Life (QoL), that also integrates other aspects besides health. In this line of perspective, health professionals conduct their practice with the aim of providing their patients with the care that assures the maximum well-being and life’s quality during all their life. A better QoL is one of the most ambitioned objectives by the generality of human beings, having, this way, a growing relevance in Nursing clinical practice. Therefore, the objective of the study is to understand the perception of QoL of the individuals of Paredes de Coura, in the year of 2015. A quantitative study was designed, of descriptive nature, with a sample of 447 individuals, selected by the method of probabilistic and stratified random sampling. As data collection instrument it was used a questionnaire of sociodemographic characterization and the questionnaire of State of Health (MOS SF-36v2). The results evidence that the population of Paredes de Coura presents the better perception in relation to psychological and social well-being parameters; the worst perceptions are related to Vitality and General Health. Most of the population refers absence of pain and associated limitations, being the global perception of QoL tendentiously positive. Concluding, the population of Paredes de Coura shows a positive QoL perception, with a highlight in the Mental Component.

DESCRIPTORES: Salud; Promoción de la Salud; Calidad de Vida; Enfermería en Salud Comunitaria

KEYWORDS: Health; Health Promotion; Quality of Life; Nursing in Community Health Submetido em 31-01-2017 Aceite em 30-06-2017

1 Enfermeira; Licenciatura em Enfermagem, Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Viana do Castelo 2 Enfermeira; Licenciatura em Enfermagem, Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Viana do Castelo. 3 Professor-Adjunto, Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Mestrado em Enfermagem, clementinasousa@ess.ipvc.pt 4 Enfermeira; Licenciatura em Enfermagem, Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Viana do Castelo 5 Enfermeira; Licenciatura em Enfermagem, Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Viana do Castelo 6 Enfermeira; Licenciatura em Enfermagem, Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Viana do Castelo Citação: Guerra, A., Silva, A., Sousa, C., Ferreira, L., Carvalho, H., & Silva, S. (2016). A componente mental: um aspeto positivo da qualidade de vida de uma população. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 75-80. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 75


INTRODUÇÃO A saúde revela-se um conceito amplo e holístico, na medida em que engloba a pessoa nas suas múltiplas dimensões, estando profundamente ligada com o modo de viver da população, sendo influenciada pelo conhecimento, ambiente físico, social, económico e cultural em que os indivíduos se inserem (Lourenço, 2013). Além disso, implica bem-estar, isto é, as pessoas referem ter saúde quando se sentem bem e capazes de realizar as atividades de vida diária. O bem-estar abrange também a existência de trabalho, habitação e, igualmente, a satisfação das necessidades básicas, de alimentação, de educação, da afetividade e perspetivas positivas para o futuro. Segundo Praça (2012 citando Albuquerque e Matos, 2006) a saúde é um desafio, um conceito dinâmico difícil de definir e medir, podendo ser entendida como uma dimensão da QV. Esta é promovida por acontecimentos positivos que contribuem para a QV, partindo dos contextos de proximidade e das relações imediatas do indivíduo com o meio envolvente. A forma como o indivíduo se posiciona nestes contextos e nas interações consigo próprio e com o meio envolvente depende das suas características pessoais, cognitivas e comportamentais e emocionais e físicas (Gonçalves, 2008 citando Parreira, 2006). Assim, a QV representa uma perceção individual que é influenciada, de forma significativa por estes determinantes, daí que seja considerada um constructo eminentemente humano. Assim como a saúde, a QV é também um conceito difícil de definir considerando o seu caráter subjetivo, inter-relacional e multidimensional (Zamberlan, Calvetti, Deisvaldi e De Siqueira, 2010). Frequentemente são utilizados como sinónimos apesar de possuírem diferentes conceções, contudo reconhece-se a relação existente entre si. A saúde é portanto encarada como um dos domínios mais importantes da QV, sendo que uma mudança no estado de saúde de um indivíduo pode-se constituir significativa para a perceção de QV do mesmo (André, 2005; Martins, 2006), ou seja o estado de saúde pode influenciar a perceção de QV de um indivíduo. Neste sentido surgiu a importância de se avaliar a perceção de QV de várias populações, onde vários autores tiraram as suas inferências, nomeadamente Coelho e Pedroso (2012) que concluíram que a dimensão Função Social (FS) e Desempenho Emocional (DE) obtiveram melhores resultados. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 76

Já o pior resultado diz respeito à Dor Corporal (DC) Estes autores, a par de Almeida (2013), referem que, nos indivíduos acima dos 65 anos, os valores tendem a ser mais positivos na Componente Mental do que na Física. Um estudo de Fernandes (2014), no que diz respeito ao concelho de Paredes de Coura, os domínios SG e VT são os que apresentam os valores mais baixos, ao contrário da FS e DE que apresentam os valores mais elevados. A SM apresenta valores superiores a 70%. No estudo de Correia (2012), com uma amostra constituída apenas por idosos, constatou-se que as dimensões com valores mais baixos foram a Saúde Geral (SG) e a Vitalidade (VT), a par das dimensões FS e DE que são de avaliação muito positiva. Num estudo de Ayama, Rodrigues, Silva e Feriancic (2009), com uma amostra exclusivamente constituída por octogenários os resultados mais elevados são na dimensão FS e os valores mais baixos pertencem à Componente Física. Braga et al. (2011) e Praça (2012) acrescentam-nos que a perceção de QV diminui com a idade, o que poderá justificar-se com as afirmações de Fechine & Trompieri, em 2012 (Sousa, 2013) que nos dizem que inerente ao processo de envelhecimento natural, ocorre um conjunto de alterações que levam a um declínio funcional que afeta vários órgãos e sistemas, debilitando o organismo, nomeadamente o sistema musculosquelético. No panorama nacional, o Inquérito Nacional de Saúde de 2005 e 2006, revela que 48,6% da população residente avalia a sua QV como boa ou muito boa e apenas 44,5% como nem má, nem boa (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2009). De referir ainda que segundo os Censos 2011, pouco mais de metade (51,23%) da população de Paredes de Coura apresentava idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos, sendo esta a faixa etária mais representativa, seguida da faixa etária dos 65 ou mais anos com 26,88% (INE, 2012). A nível municipal, o 2º e 3º Inquérito Municipal de Saúde (IMS), realizados em freguesias do Município de Viana do Castelo, a maioria da população classifica a sua QV como boa ou muito boa (Inquérito Municipal de Saúde [IMS], 2011; IMS, 2012a). No sentido destes vários estudos, pretendeu-se com este responder à seguinte questão de investigação “Qual a perceção de Qualidade de Vida da População de Paredes de Coura”, com o intuito de contribuir para a definição de estratégias de intervenção em saúde e, designadamente, em Enfermagem mais adequadas às reais necessidades da população, promovendo, assim, a melhoria de cuidados e contribuindo para a criação do Perfil de Saúde do Município de Paredes de Coura.


Partindo destes pressupostos, traçou-se como objetivo geral avaliar a perceção da QV da população de Paredes de Coura no ano de 2015. METODOLOGIA Com o intuito de dar resposta ao objetivo, optou-se por um estudo do tipo descritivo, inscrito no paradigma quantitativo. Constituiu a população alvo do estudo, a população de 8 freguesias representativas das 21 que integram o concelho de Paredes de Coura, onde residem cerca de 2272 indivíduos, dos quais foi extraída uma amostra pelo método de amostragem probabilístico e aleatório estratificado. Definiu-se uma amostra de 603 indivíduos, considerando como critérios de inclusão: ser residente em Paredes de Coura e responder voluntariamente ao questionário. Para a avaliação da QV foi considerada uma amostra de 447 indivíduos, por se considerar também como critérios de inclusão: ser o próprio a responder e ter idade igual ou superior a 15 anos. Os instrumentos de colheita de dados foram: um questionário de caracterização sociodemográfica e o questionário do Estado de Saúde (MOS SF-36v2), desenvolvido por John Ware e traduzido e validado para a população portuguesa por Ferreira (1998). O questionário é constituído por 36 itens distribuídos por oito dimensões. A Função Física (FF), o Desempenho Físico (DF), a DC, e a SG constituem a Componente Física. Por sua vez, a VT, a FS, o DE, e a Saúde Mental (SM), constituem a Componente Mental. Para além dos itens referidos, o SF-36 contempla ainda uma escala de Mudança de Saúde (MS) (item 2), que não faz parte de nenhuma das componentes, pois a resposta da pessoa a este item refere-se à perceção que esta tem acerca da mudança da sua saúde relativamente ao que acontecia há um ano atrás (Ferreira, 2000). Para a avaliação da perceção da QV há itens que são recodificados, de forma a que a valores maiores correspondam a uma perceção mais positiva. Os scores são obtidos pelo somatório dos itens, procedendo-se posteriormente a uma transformação para números índice (base 100). O instrumento apresenta uma boa consistência interna (valores de alfa de Cronbach variam entre 0,791 e 0,963). A aplicação do questionário procedeu-se porta a porta, por entrevista e quanto à escolha dos respondentes adotou-se o método de Kish. Nos casos em que os selecionados se encontravam ausentes, sempre que possível procedeu-se a um agendamento posterior de forma a priorizar a resposta do próprio.

Na realização do presente estudo, os princípios éticos foram respeitados e orientaram todos os momentos desta investigação. Além disso, foi salvaguardada a privacidade dos indivíduos, pelo que os dados recolhidos foram tratados de forma a garantir o anonimato dos respondentes, bem como a confidencialidade dos dados. Para a análise dos dados foram utilizadas medidas de estatística descritiva incluindo as distribuições de frequência, as medidas de tendência central e de dispersão, utilizando-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23. RESULTADOS Caracterização Sociodemográfica Os resultados da caracterização sociodemográfica reportam-se às 603 pessoas incluídas no estudo. Quanto ao sexo, a população é maioritariamente do sexo feminino (56,2%). A idade varia entre 5 meses e 99 anos, com média de 56,49 ± 21,67 anos e mediana de 62 anos. A faixa etária mais representada é a de 65 ou mais anos com 46,3%. Em relação à coabitação, a população vive maioritariamente em famílias com agregados compostos por mais de 2 pessoas (50,2%), sendo que 14,8% vivem sozinhas. No que concerne ao número de elementos que compõem o agregado familiar, este varia entre 1 e 8, com média de 2,72 ± 1,27 e mediana de 3. A amostra é quase exclusivamente composta por pessoas de nacionalidade portuguesa, com 98,3%. No que diz respeito ao estado civil, predominam os casados ou em união de facto (56,1%), seguidos de 22,6% que são solteiros. Relativamente às habilitações literárias, 17,2% não frequentaram qualquer tipo de ensino e a maioria concluiu o 1º ciclo do ensino básico (46,4%). De referir ainda que 13,2% frequentaram o ensino pós-secundário ou superior. No que respeita à ocupação principal nas duas últimas semanas, verifica-se que a maioria dos inquiridos é reformada/aposentada (38,5%), seguindo-se os que exercem uma profissão, têm um trabalho, mesmo não remunerado para uma pessoa da família (24%). Considerando os dados relativos à profissão, a maioria inclui-se no grupo dos Trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices (33,8%). Face à situação profissional verificase que 71,0 % trabalha por conta de outrem, seguindose aqueles que trabalham por conta própria (27,6%). Qualidade de Vida Os resultados relativos à Qualidade de vida são relativos às 447 pessoas que apresentavam critérios de inclusão para a sua avaliação. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 77


Analisando a tabela 1, constata-se que os valores médios mais elevados verificam-se na FS e DE, com médias de 84,4 ± 23,4 e 82,0 ± 24,5, respetivamente. Em ambas as dimensões referidas, 50% ou mais da amostra têm uma perceção da FS e do DE que se encontra no limite máximo. Os valores mais baixos correspondem às dimensões SG (51,6 ± 20,1) e VT (56,3 ± 20,3). Nas dimensões FF, DF e DC, 25% ou mais da amostra têm uma perceção que se encontra no limite máximo. A QV total, decorrente de todas as dimensões apresentadas na tabela, varia entre o mínimo de 11,6 e o máximo de 95,9, com média de 68,6 ± 18,7, sendo que 50% ou mais das pessoas têm uma perceção de QV positiva. Tabela 1 - Qualidade de Vida da população de Paredes de Coura (n=447) CompoDinente mensão

Física

Mental

Mín – Máx

Média ± Desvio Padrão

Mediana

Percentis 25

75

FF

0 - 100,0

75,9 ± 27,7

85,0

55,0

100,0

DF

0 - 100,0

75,8 ± 27,7

87,5

56,3

100,0

DC

0 - 100,0

72,6 ± 28,0

74,0

52,0

100,0

SG

0 - 100,0

51,6 ± 20,1

52,0

35,0

67,0

SM

0 - 100,0

67,0 ± 21,7

70,0

55,0

85,0

DE

0 - 100,0

82,0 ± 24,5

100,0

66,7

100,0

FS

0 - 100,0

84,4 ± 23,4

100,0

75,0

100,0

VT

6,3 - 100,0

56,3 ± 20,3

56,3

43,8

68,8

QV total

11,6 - 95,9

68,6 ± 18,7

72,6

56,2

83,9

Relativamente à MS, a maioria da população considera que a sua saúde em comparação há um ano se mantém aproximadamente igual (60,9%). Apenas 1,8% avalia a sua saúde como muito melhor. DISCUSSÃO No que concerne à faixa etária, analisando os dados com os obtidos pelo INE (2012), observa-se uma desigualdade mais evidente na faixa etária dos 65 ou mais anos, pelo que se poderá concluir que há uma sobrerepresentação da população idosa e uma subrepresentação da população mais jovem. Esta particularidade pode trazer repercussões na perceção de QV desta população, tal como referido por Braga et al. (2011) e Praça (2012). Os resultados obtidos neste estudo são corroborados pelos de Correia (2012) e aos de Fernandes (2014). Quanto ao estudo de Coelho e Pedroso (2012) os resultados são sobreponíveis à exceção da dimensão DC. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 78

No estudo de Ayama, et al. (2009) os resultados são igualmente sobreponíveis, o que poderá estar relacionados com o facto da amostra de ambos ser predominantemente idosa, aliando-se às afirmações de Fechine & Trompieri, em 2012 (Sousa, 2013). As dimensões da QV que apresentam melhores valores (DE e FS) estão inseridas na Componente Mental, o que também poderá estar relacionado com a elevada percentagem de idosos, tal facto é corroborado pelo estudo de Almeida (2013) e pelo de Coelho e Pedroso (2012). Atendendo a estes resultados, poder-se-á admitir que a população de Paredes de Coura apresenta uma melhor perceção do bem-estar psicológico e social, contrariamente à perceção do bem-estar físico. No que concerne aos resultados obtidos relativamente à FS, é de salientar que estes indicam que 25% ou mais da população realiza as suas atividades sociais normais sem interferência de problemas físicos ou emocionais (Louro, 2009 citando Pais-Ribeiro, 2005). Já em relação ao DE, 25% ou mais da população não tem dificuldades no trabalho ou nas atividades diárias como consequência de problemas emocionais (idem). Por outro lado, no que diz respeito à VT, os resultados indicam que 25% ou mais da população se sente cansada e exausta a maior parte do tempo (idem). Importa ainda referir os resultados relativos às dimensões FF e SM. Na primeira constata-se que 50% ou mais da população apresenta valores positivos, sendo que, pelo menos 25% tem uma perceção da FF que se encontra no limite máximo. Estes valores indicam que a maioria da população realiza todo o tipo de atividade física sem limitações devido a motivos de saúde (idem). No que toca à SM, 50% ou mais da população apresenta valores positivos, significando que metade ou mais da população se sente em paz, calma e feliz (idem), estando em conformidade com os resultados obtidos por Fernandes (2014). No que diz respeito à DC, menos de 25% da população apresenta valores baixos da perceção desta, o que indica que apenas uma pequena parte da população refere dor elevada e limitativa das atividades (Louro, 2009 citando Pais-Ribeiro, 2005). O estudo de Coelho e Pedroso (2012) opõe-se a estes resultados. No presente estudo, a QV total, ou seja, a perceção que cada pessoa tem, apresenta valores tendencialmente positivos (68,6 ± 18,7), aproximando-se da realidade nacional (INE, 2009) e municipal (IMS, 2011; IMS, 2012a).


Relativamente à MS, a população do Município de Paredes de Coura na sua maioria considera que, comparativamente há um ano atrás, a sua saúde mantémse aproximadamente igual. Estes resultados podem influenciar a perceção que a população tem da sua QV, segundo André (2005) e Martins (2006). Quanto às limitações do estudo é de salientar que, as recusas em responder ao questionário, a ausência dos alojamentos ou as unidades de habitação não habitadas, poderão ter influenciado negativamente a representatividade da amostra. Espera-se que este estudo contribua para futuras investigações, de forma a contribuir para o melhor conhecimento do Perfil de Saúde do Alto Minho alargando, a outros Municípios. Também com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre a QV de determinadas populações seria importante incluir o estudo de outras componentes objetivas e subjetivas. Assim, recomenda-se a utilização de um questionário em complementaridade ao SF-36. Finalmente, espera-se que os resultados sejam utilizados no sentido da melhoria da QV e da saúde da população de Paredes de Coura, bem como contribuir para alargar conhecimentos e fornecer bases a futuros estudos nesta mesma área e, por ventura, nesta mesma comunidade. CONCLUSÕES A QV é influenciada por uma variedade de fatores que vão para além da saúde de cada indivíduo, incluindo várias condições que afetam a perceção individual. Tendo em conta o quadro de referências, e dando resposta aos objetivos delineados, concluiu-se que: • A população do Município de Paredes de Coura é maioritariamente idosa, com predomínio do sexo feminino e com um baixo nível de escolaridade; • A perceção da qualidade de vida é globalmente positiva. Os melhores valores são relativos às dimensões Desempenho Emocional e Função Social que estão inseridas na Componente Mental, o que denota que a população de Paredes de Coura apresenta melhor perceção do bem-estar psicológico e social na sua QV, que na Vitalidade e Saúde Geral, pertencentes à Componente Mental e Física, onde se observa pior perceção; • Na sua maioria a população considera que, comparativamente há um ano atrás, a sua saúde mantém-se aproximadamente igual. Em síntese, a população do Município de Paredes de Coura, na sua globalidade, apresenta uma perceção de QV positiva, destacando-se a Componente Mental.

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Para a Enfermagem estes estudos revelam-se importantes na medida em que permitem o acesso a mais informação em saúde, bem como das dimensões que mais afetam positiva ou negativamente a sua QV. Deste modo, torna-se possível que os profissionais de saúde possam orientar melhor a sua ação através de estratégias de intervenção mais sustentadas e adequadas com vista a produzirem mais ganhos em saúde e QV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Almeida, M. C. B. M. (2013). Motivação e Comportamentos de Saúde: Relação com a Qualidade de Vida em Adultos da Comunidade. Tese de Doutoramento, Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Porto, Portugal. André, C. M. (2005). Qualidade de Vida e Doença Coronária. Coimbra, Portugal: Formasau - Formação e Saúde, Lda. Ayama, S., Rodrigues, L. A., Silva, R. B. L. e Feriancic, M. M. (2009). Análise da Qualidade de Vida e Independência em Octogenários. III Congresso Iberoamericano de Psicogerontologia. Braga, S. F. M., Peixoto, S. V., Gomes, I. C., Acúrcio, F. A., Andrade, E. I. G., e Cherchiglia, M. L. (2011). Fatores associados com a qualidade de vida relacionada à saúde de idosos em hemodiálise. Revista Saúde Pública, 45 (6), 1227-1236. doi.org/10.1590/S003489102011000600015 Coelho, E. S. P., e Pedroso, M. F. B. P. (2012). Avaliação da Qualidade de Vida em Idosos Residentes no Município de Santos / SP. Revista Ceciliana, 1 (4), 4-8. Correia, C. S. L. (2012). A Qualidade de Vida e a Solidão em idosos institucionalizados e na comunidade. Tese de Mestrado, Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa, Portugal. Fernandes, F. J. F. (2014). “Perceção do estado de saúde da população idosa do Alto Minho: um contributo para o planeamento em saúde”. Tese de Mestrado, Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Viana do Castelo, Portugal.

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Artigo de Investigação

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0172

14 A ESPERANÇA EM DOENTES INTERNADOS EM UNIDADES DE

CUIDADOS CONTINUADOS

| Rosa Martins1; Micaela Domingues2; Ana Andrade3; Madalena Cunha4; Conceição Martins5 |

RESUMO CONTEXTO: A vulnerabilidade da pessoa humana emerge quando a doença surge como uma ameaça, provocando desmoralização, desespero e sofrimento. O binómio saúde/doença parece ser afetado de forma positiva pela esperança, ajudando a pessoa/família a lidar com as incertezas do futuro de uma forma mais eficaz. OBJETIVOS: Avaliar níveis de esperança em doentes internados em Unidades de Cuidados Continuados (UCCs), e identificar determinantes sociodemográficas, clínicas e psicossociais correlacionadas com esse constructo. METODOLOGIA: Estudo quantitativo, transversal, descritivo e correlacional. Foi realizado em duas UCCs da região Centro de Portugal e o questionário foi aplicado a 92 doentes, com uma média de idade de 74,39 anos. O instrumento de recolha de dados integrou, variáveis sociodemográficas, clínicas, a escala de Esperança (Herth Hope Index), a escala de Qualidade de Vida (Functinal Assessement of Cancer Therapy) e o Questionário de Sono de Oviedo RESULTADOS: Os dados mostram que 45,7% dos inquiridos apresentam esperança reduzida, 39,1% esperança elevada e 15,2% esperança moderada. Apenas o “bem-estar funcional” da QDV e os “fenómenos adversos” da escala do sono se correlacionam significativamente (p=0,000; p=0,035) com a esperança explicando respetivamente 55,2% e 31,1% da sua variância. Já o género, idade, estado civil, situação profissional, escolaridade, rendimento mensal, tipologia e número de internamentos, mostraram não se correlacionar com a esperança. CONCLUSÕES: A esperança é uma crença ou virtude inerente ao Homem, que assume níveis diferenciados, e acompanha o ser humano no seu processo de viver e de morrer condicionando ajustes nos momentos de crise, afetando e/ou sendo afetada pelo bem-estar e a qualidade de vida. PALAVRAS-CHAVE: Esperança; Doentes; Cuidados Continuados; Qualidade de Vida

RESUMEN “A Esperanza en Doentes Internados en Unidades de Cuidados Continuos” CONTEXTO: Una vulnerabilidad da pessoa humana surge cuando una enfermedad surge como una amenaza, provocando desmoralización, desespero y sofrimento. O binómio saúde/ enfermedad parece estar afectado de forma positiva por la esperanza, ayudando a persona e familia a lidar com las incertezas de futuro de una forma más eficaz. OBJETIVOS: Avaliar los niveles de esperanza en los internados en UCCs, identificando determinantes sociodemográficas, clínicas y psicossociales correlacionadas con este constructo. METODOLOGÍA: Estudo cuantitativo, transversal, descritivo y correlacional. Se realizó en dos UCCs de la región Centro de Portugal y se aplicó un cuestionario a 92 pacientes, con una media de edad de 74,39 años. El instrumento de recogida de datos integrava, variables sociales y clínicas, una escala de esperanza, una escala de calidad de vida y el cuestionario de Sono de Oviedo. RESULTADOS: Los datos muestran que 45,7% de los enfermos presentan esperanza reducida, 39,1% esperanza elevada y 15,2% esperanza moderada. Sólo el bienestar funcional de la QDV y los fenómenos adversos de la escala del sueño se correlacionam significativamente (p=0,000; p=0,035) con la esperanza explicando respetivamente 55,2% y 31,1% de su variância. Ya el género, edad, estado civil, situación profesional, escolaridad, rendimiento mensual, tipología y número de internamentos, mostraron no se correlacionar con la esperanza. CONCLUSIONES: La esperanza es una creencia o virtud inherente al Hombre, que asume niveles diferenciados, y acompaña el ser humano en su proceso de vivir y de morir condicionando ajustes en los momentos de crisis, afectando y/o siendo afectada por el bienestar y la calidad de vida.

DESCRIPTORES: Esperanza; Enfermos; Cuidados Continuados; Calidad de Vida

ABSTRACT “Hope in Hospitalized Patients on Continuous Care Units” BACKGROUND: The vulnerability of the human person emerges when the disease appears as a threat, causing demoralization, despair and suffering. The binomial health / disease appears to be affected positively by hope, helping the person / family to deal with the uncertainties of the future more effectively. AIM: To assess levels of hope in patients admitted to Continuous Care Units (CCU), and to identify sociodemographic, clinical, and psychosocial determinants correlated with this construct. METHODS: Quantitative, transversal, descriptive and correlational study. It was performed in two CCU of the central region of Portugal and the questionnaire was applied to 92 patients, with a mean age of 74.39 years. The data collection instrument integrated, sociodemographic, clinical, Hope Scale (Herth Hope Index), the Quality of Life Scale (Functinal Assessement of Cancer Therapy) and Sleep Questionnaire Oviedo. RESULTS: The data show that 45.7% of the respondents present less hope, 39.1% high hope and 15.2% moderate hope. Only the Quality of Life, “functional well-being” and the “adverse phenomena” of the sleep scale correlate significantly (p = 0.000; p = 0.035) with the expectation explaining respectively 55.2% and 31.1% of their variance. The gender, age, marital status, professional status, schooling, monthly income, typology and number of hospitalizations showed no correlation with hope. CONCLUSIONS: Hope is a belief or virtue inherent in man, which assumes different levels, and accompanies the human being in the process of living and dying conditioning adjustments in times of crisis, affecting and / or being affected by the well-being and quality of life.

KEYWORDS: Hope, Patients, Continuing Care, Quality of Life Submetido em 31-01-2017 Aceite em 30-05-2017

1 Doutor; Professor Coordenador; Instituto Politécnico de Viseu, Unidade Cientifica-Pedagógica de Enfermagem de Reabilitação, Portugal, rmartins.viseu@gmail.com 2 Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação; Unidade de Cuidados Continuados de Seia, Portugal, micas84@gmail.com 3 Doutor; Professor Adjunto; Instituto Politécnico de Viseu, Unidade Cientifica-Pedagógica de Enfermagem em Saúde Comunitária, Portugal, aandrade@essv.ipv.pt 4 Doutor; Professor Adjunto; Instituto Politécnico de Viseu, Unidade Cientifica-Pedagógica de Enfermagem de Medico Cirúrgica, Portugal, madalenacunhanunes@gmail.com 5 Doutor; Professor Coordenador; Instituto Politécnico de Viseu, Unidade Cientifica-Pedagógica de Enfermagem de Medico Cirúrgica, Portugal, mcamartinsp@gmail.com Citação: Martins, R., Domingues, M., Andrade, A., Cunha, M., & Martins, C. (2017). A esperança em doentes internados em unidades de cuidados continuados. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 81-85.. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 81


INTRODUÇÃO Atualmente as pessoas com doenças crónicas e de evolução prolongada são cada vez mais, uma realidade nos serviços de internamento dos Hospitais e das Unidades de Cuidados Continuados Integrados (UCCI). Os utentes que permanecem nestas unidades são geralmente pessoas que apresentam dependência funcional por falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, resultante ou agravada por doença crónica, demência orgânica, sequelas pós -traumáticas, deficiência, doença severa e ou incurável em fase avançada (Querido, 2010). Estes quadros no seu conjunto são indutores de grande sofrimento, levando muitas vezes a pessoa a questionar-se sobre o sentido da vida, razão pela qual o “focus” da esperança nestes doentes assume uma importância fundamental. O interesse pelo estudo da esperança tem estado associado aos doentes oncológicos, porém qualquer pessoa em situação de doença, mesmo que seja uma fase transitória se sente ameaçada e insegura. No caso dos doentes crónicos, estes sentimentos aumentam à medida que a doença evolui, com a instalação da debilidade física associada, incapacidade funcional, perda de papéis e consequentemente perda progressiva da esperança. A relevância e o reconhecimento do conceito de esperança tem vindo a crescer de forma significativa na Saúde e tem vindo a ter um impacto fulcral na prestação de cuidados de enfermagem (Gaspar, 2013). O conceito de esperança tem sido entendido não apenas como um sentimento individualizado e subjetivo, mas como uma experiência de sentido e propósito para a vida, que representa um componente essencial da prática de cuidados (Querido e Dixe, 2010). Na verdade, e de acordo com os mesmos autores, a literatura tem vindo a realçar a importância da esperança nas pessoas doentes, descrevendo-a como força interior promotora de vida, facilitadora da transcendência da situação presente e transição para uma nova consciência e enriquecimento do ser. Inerente à vida humana, a esperança ou a falta dela, aparece associada às várias dimensões da nossa existência, na esfera pessoal, profissional, familiar e social. O seu grau de intensidade, e a importância que assume na hierarquia de prioridades, varia ao longo da vida. É nesta riqueza multimodal de dimensões, enfoques e determinações que o profissional de saúde poderá constituir-se num ponto de ancoragem na atribulada viagem e transformações constante da esperança perante as vicissitudes da doença (Barbosa, 2010). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 82

Como oposto da esperança, mas também referida com alguma frequência na literatura, encontramos a desesperança. Carpenito (2011) define-a como um estado emocional, subjectivo em que a pessoa não é capaz de perspectivar ou encontrar alternativas para os seus problemas pessoais ou para alcançar um bem que deseja. Não acredita que possa ser ajudada por terceiros, não conseguindo deste modo concentrar-se nem mobilizar o esforço necessário para alcançar os objectivos definidos. Para Parker-Oliver (2012), existem quatro estadios ou fases da esperança: esperança de cura; de tratamento; de prolongamento da vida e de uma morte serena. Este entendimento reforça a ideia de dinamismo e mudança constante de foco da esperança ao longo do tempo, frequentemente modificada, realinhada e redimensionada. Também Martins & Mestre (2014), defendem que a esperança possui um potencial intencional para a terapêutica, apoiando e justificando a posição na expectativa de alguma melhoria, tornando-se, desta forma, fundamental à mobilização de forças para o restabelecimento do estado de saúde do doente, ao nível biopsicossocial, uma vez que este é um importante preditor da saúde e da Qualidade de Vida. Pelas razões apontadas, entendemos que a promoção da esperança é uma tarefa desafiante e da máxima importância no cuidar, também nas UCCIs, uma vez que harmoniza no doente um sentido de bem-estar profundo. E neste sentido, Dias & Ribeiro (2014) dizemnos, que o Enfermeiro é o profissional de saúde privilegiado pela proximidade de relação com o doente quer em meio hospitalar quer nas UCCI, e por isso deve estar alertado e sensibilizado para o despiste de sinais de desesperança. Também Pinto (2012), defende que o enfermeiro, poderá ser uma peça fundamental na promoção da esperança, ajudando a pessoa a melhorar as crenças que tem nas suas capacidades através de intervenções que se podem revelar muito úteis, nomeadamente: evitar esconder ou disfarçar a verdade, ajudar o doente a estabelecer objetivos realistas, apoiar a revisão de vida e valorizar as conquistas obtidas, envolver a pessoa ativamente nos cuidados e orientar a família na promoção de fatores encorajantes. Perante a complexidade situacional envolvente dos doentes em UCCI, torna-se fundamental que os profissionais de saúde desenvolvam interesse e compreensão acerca da relação entre a esperança e o sentido de vida, uma vez que ambos proporcionam coragem e um estado de “imunidade” que se vai focalizar num futuro com legitimas possibilidades, ainda que nalguns casos breve.


METODOLOGIA Trata-se de um estudo quantitativo, transversal, descritivo e correlaciona, que utilizou uma amostra do tipo não probabilístico, por conveniência, constituída por 92 doentes internados em duas UCCs da região Centro de Portugal. Os critérios de seleção estabelecidos foram: estar internado em UCCI e ter capacidade cognitiva para auto-avaliação (de acordo com o Mini Mental State Examination). A colheita de dados decorreu entre Dezembro de 2015 e Março de 2016 e o instrumento de colheita de dados utilizado integrava questões sociodemográficas, clínicas e as escalas da Esperança (Herth Hope Index), a escala de Qualidade de Vida (Functinal Assessement of Cancer Therapy) e o Questionário de Sono de Oviedo. A Herth Hope Index-PT é um instrumento que avalia a esperança e é constituído por um total de 12 itens, organizados numa única dimensão, podendo a pontuação final variar entre 12 e 48 pontos, sendo que quanto maior for a pontuação obtida, maior o nível de esperança. (Viana, Dixe & Barbosa, 2010). Todos os procedimentos foram efetuados segundo uma rigorosa conduta ética, (com autorizações por parte dos Conselhos de Administração das Instituições e respetivas Comissões de Ética), garantindo-se o anonimato e confidencialidade dos dados recolhidos. O tratamento estatístico foi efectuado através do programa Statiscal Package Social Science versão 19.0 para o Windows e Word Microsoft, e foi processado utilizando estatística descritiva e estatística inferencial. RESULTADOS A amostra é constituída por 92 participantes, sendo 54 (58,7%) do sexo feminino e 38 (41,3%) do sexo masculino. A idade oscila entre um valor mínimo de 46 e um máximo de 92 anos, correspondendo-lhe uma média de 74,39 anos, um desvio padrão de 13,15 e um coeficiente de variação de 17,67%. A média de idades para o sexo feminino ( =81,22) é superior à do sexo masculino ( = 64,68), apresentando os dois grupos uma dispersão moderada em torno da média. O maior grupo percentual (41,33%) da amostra é casada ou vive em união de facto, encontra-se em situação de reforma (84,8%), reside em meio rural (63,0%), apresenta baixa escolaridade (52,2% ensino básico) e aufere de rendimentos mensais equivalentes ao ordenado mínimo nacional (87,0%).

Em termos clínicos, verificámos que a maioria (71,7%) dos doentes estão internados em Unidades de Media Duração e Reabilitação (71,7%) e Unidades de Longa Duração e Manutenção (28,3%), com outros internamentos anteriores (89,1%). Os diagnósticos atuais com maior incidência são as fraturas (30,4%), os AVCs (17,4%), as depressões (15,2%) e as doenças respiratórias (10,9%) enquanto os motivos principais do internamento são a reabilitação funcional (95,7%) e cognitiva (17,4%). Os antecedentes pessoais mais relatados são a hipertensão arterial (45,7%), a diabetes Mellitus (26,1%), e o alcoolismo (15,2%). A qualidade de vida global dos inquiridos é tendencialmente má, (< 2pontos) e os valores menos positivos foram encontrados aos níveis do bem estar físico ( =1,64) emocional ( =1,78) funcional ( =1,62) e qualidade de vida total ( =1,84). Já o bem-estar social/familiar é positivo ( =2,25). Similarmente, a qualidade do sono dos doentes é divergente já que 45,7% tem sono com qualidade, 15,2% com qualidade moderada e 34,8% sem qualidade. A esperança dos nos nossos doentes, oscila entre um valor mínimo de 21 e um máximo de 45 pontos, (valores possíveis min.=12 e máx.=48 pontos) com um valor médio de 33,39, um desvio padrão de 6,46 e um coeficiente de variação de 19,34% (dispersão moderada em torno da média). A média da esperança para o sexo feminino ( =32,85) é ligeiramente inferior à do sexo masculino ( = 34,15), porém as diferenças estatísticas não são significativas (p=0,060). Na constituição de grupos com base na fórmula (Média ± 0.25 dp), verificámos, que 45,7% dos doentes apresenta esperança reduzida, 39,1% esperança elevada e 15,2% esperança moderada (cf. tabela 1) Tabela 1 - Níveis de esperança dos Participantes em função do sexo TOTAL NIVEIS DE ESPERANÇA N % Esperança reduzida

42

45,7

Esperança moderada

14

15,2

Esperança elevada

36

39,1

Na associação entre variáveis constatámos que apenas as dimensões “bem-estar funcional” da escala de QDV e os “fenómenos adversos” da escala do sono se correlacionam significativamente (p=0,000; p=0,035) com a esperança explicando respetivamente 55,2% e 31,1% da sua variância. Já o género, idade, estado civil, situação profissional, escolaridade, rendimento mensal, tipologia e número de internamentos, mostraram não se correlacionar de forma significativa (p>0,05) com a esperança destes doentes. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 83


DISCUSSÃO Os resultados deste estudo mostram que a esperança é de facto um sentimento individualizado, subjetivo e experienciado de forma diferente de pessoa para pessoa uma vez que 45,7% dos doentes apresentam esperança reduzida, 39,1% esperança elevada e 15,2% esperança moderada. Estes dados diferem dos de Martins & Mestre (2014) ao afirmarem que 52% dos idosos investigados, apresentavam níveis elevados de esperança, contudo corroboram Querido (2005), ao defender a existência de um processo de manutenção da esperança ao longo da vivência da situação de doença, em que a capacidade humana para manter a esperança face à adversidade é na verdade considerável.A compreensão do contexto sociodemográfico e clinico dos doentes torna-se fundamental na análise da esperança se tivermos em conta que esta constitui uma fonte de energia que engloba aspetos físicos e psicossociais de busca de sentido. A amostra é maioritariamente feminina (58,7%), com uma média de idade de 74,39 anos, baixa escolaridade (52,2% ensino básico) reformada, a residir em meio rural (63,0%) e com baixos rendimentos. São dados que correspondem aos caracterizadores do Relatório de Monitorização da RNCCI (2015), em que o perfil de utentes da rede tem evidenciado uma população envelhecida, maioritariamente feminina, com baixo nível de escolaridade e carenciada. Em termos clínicos, existe um perfil de doentes com história de mais de um internamento (89,1%), com diagnósticos principais de fraturas (30,4%), AVCs (17,4%), depressões (15,2%) e doenças respiratórias (10,9%). Apresentavam antecedentes pessoais de hipertensão arterial (45,7%), diabetes Mellitus (26,1%), e alcoolismo (15,2%). Trata-se portanto de pessoas com quadros clínicos de patologias crónicas incuráveis e de evolução progressiva, em que muitos aspectos da vida são afectados e inter-relacionados acarretando ao doente e família um determinado tipo de sofrimento que põe em causa as suas conceções de esperança (Gaspar, 2013). Pudemos ainda constatar, que os motivos principais do internamento nas UCCs são essencialmente a reabilitação funcional (95,7%) e cognitiva (17,4%) correspondendo estas aspirações às finalidades da RNCCI que visam prestar cuidados de saúde, centrados na pessoa e adaptados às suas necessidades, promovendo a restauração e manutenção do bem-estar, conforto e qualidade de vida da pessoa (Petronilho, 2012). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 84

Os doentes apresentam má QDV em todas as dimensões, excepto no bem estar social e familiar que é positivo ( =2,25). Também estes dados corroboram os de Oliveira (2014) quando afirma que a perda de bemestar se traduzem em fenómenos únicos e subjetivos e o doente em sofrimento necessita da atenção de outras pessoas, sendo os amigos e família as principais fontes de o apoio. A dimensão “bem-estar funcional” da QDV correlaciona-se com a esperança de forma altamente significativa (p=0,000) explicando 55,2% da sua variância. Este dado mostra a importância das UCCs na reabilitação do doente, uma vez que a melhoria do seu estado funcional pode constituir só por si possíveis caminhos de esperança (Martins & Mestre, 2014). Por fim a qualidade do sono dos nossos doentes é diversificada, já que 45,7% tem sono com qualidade, 15,2% com qualidade moderada e 34,8% sem qualidade. São vários os estudos epidemiológicos sobre a população adulta em geral que indicam uma prevalência de má qualidade de sono entre os 15% e os 35%, contudo sabemos que dormir bem é fundamental, pois a quantidade e a qualidade do sono são importantíssimos no processo de recuperação do doente (Silva, 2015). A dimensão “fenómenos adversos” da escala do sono correlaciona-se significativamente (p=0,035) com a esperança explicando 31,1% da sua variância. Não é ainda clara a relação entre a qualidade do sono qualidade de vida e a esperança, contudo a negatividade duas primeiras dimensões traduzem-se inevitavelmente em sofrimento, que por vezes leva o doente à desesperança. CONCLUSÃO As principais conclusões deste estudo vêm robustecer o paradigma de que os doentes internados nas UCCs são portadores de doenças crónicas, com evolução prolongada onde a doença leva á perda de bem-estar e ao sofrimento. Este não se reduz ao domínio físico mas ultrapassa-o nos seus domínios afetivos, cognitivos e espirituais, levando a Pessoa ao questionamento existencial e a procurar sentido para a vida. Percebemos que a esperança se traduz num sentimento individualizado e subjetivo, é vivida de forma única e pessoal, distribuindo-se num continuum que vai desde a esperança reduzida (47,7%) esperança moderada (15,2%) á esperança elevada (39,1%). De destacar também o contexto que rodeia cada doente, nomeadamente o contexto sociodemográfico, clinico e psicossocial, sendo estes também sustentados na consciência que os próprios doentes tem de si próprios.


De facto as condições sociodemográficas (idade avançada, baixa escolaridade e parcos recursos económicos), clinicas (incapacidades físicas e emocionais), psicossociais (má QDV e perturbações do sono) que caracterizam estes doentes, não são facilitadoras da busca de um sentido para a vida, levando-os por vezes a formas de esperança perdida que é a desesperança. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Estas constatações levam-me a reforçar sugestões já apresentadas por outros autores, sobre a importância fulcral e o papel determinante dos profissionais de saúde em especial os enfermeiros na abordagem da problemática da esperança no contexto do doente internado em UCCs. Não temos dúvidas de que os enfermeiros estão numa posição privilegiada podendo influenciar os sentimentos de esperança de quem cuidam. Porém e para que isso seja possível, o enfermeiro terá de estar desperto e saber auscultar o significado que o doente atribui às ameaças, aos esforços adaptativos que abraça, aos contextos (pessoais, sociais e clínicos) promotores da esperança onde as suas intervenções especializadas podem atuar, no sentido do doente se adaptar a uma vida possivelmente reconstruída e modificada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Barbosa, A. (2010). A espiritualidade. In A. Barbosa, & I. G. Neto (Coords), Manual de cuidados paliativos (2ª ed., pp. 595-659). Lisboa: Faculdade de Medicina de Lisboa, Centro de Bioética. Carpenito, L. J. (2011). Manual de diagnósticos de enfermagem (13ª ed.). Porto Alegre: Artmed Editora. Dias, E. M., & Ribeiro, J. P. (2014). Intervenção psicológica positiva em grupo: forças e virtudes na reabilitação pós-avc. Psicologia, Saúde & Doenças, 15(1), 201- 218. doi.org/10.15309/14psd150117 Gaspar, S. M. C. (2013). Construindo laços de esperança num cuidar especializado ao doente em situação crítica. Dissertação de Mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa Portugal. Acedido em http://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/14785 Martins, R. M. L., & Mestre, M. A. (2014). Esperança e qualidade de vida em idosos. Millenium, 47, 153-162.

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Revista Portuguesa de Enfermagem de SaĂşde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 86


Artigo de Investigação

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0173

15 PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO PSICOTERAPÊUTICA GRUPAL:

IMPLEMENTAÇÃO E AVALIAÇÃO NUM CONTEXTO DA PRÁTICA CLÍNICA | Francisco Sampaio1; Manuela Peres2; Graça Ribeiro3; Alice Barreto4; Susana Teixeira5; Madalena Fernandes6 |

RESUMO CONTEXTO: O Regulamento n.º 129/2011 aponta os enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental como tendo competência para prestar cuidados de âmbito psicoterapêutico, socioterapêutico, psicossocial e psicoeducacional. Contudo, nos contextos da prática clínica em Portugal, apesar de se acreditar que são realizadas intervenções psicoterapêuticas por parte dos mesmos é escassa a divulgação dessas práticas. OBJETIVO: Apresentar um percurso de implementação e avaliação de programas de intervenção psicoterapêutica grupal realizados num contexto da prática clínica. MÉTODOS: Artigo de divulgação de boas práticas. Foram selecionados intencionalmente 153 participantes, divididos por programas de intervenção psicoterapêutica grupal dirigidos aos focos de Enfermagem “Autoestima”, “Ansiedade” e “Sono”, no período compreendido entre 23 de março e 31 de dezembro de 2015. RESULTADOS: Todos os programas de intervenção são compostos por um conjunto de cinco sessões com duração entre 50 e 60 minutos. É realizada uma avaliação a priori e a posteriori dos focos alvo da intervenção com recurso a instrumentos psicométricos. Os programas de intervenção dirigidos aos focos “Ansiedade” e “Sono” revelaram a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os scores inicial e final. CONCLUSÕES: Parecem existir benefícios, para os utentes, da realização de programas de intervenção psicoterapêutica grupal dinamizados por enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental. Estes são dados que podem ser utilizados para argumentar junto dos gestores hospitalares e dos decisores políticos acerca do potencial e capacidade destes mesmos enfermeiros especialistas para executar intervenções deste género.

PALAVRAS-CHAVE: Enfermagem psiquiátrica; Psicoterapia; Unidade hospitalar de psiquiatria

RESUMEN

ABSTRACT

“Programas de intervención psicoterapéutica grupal: Implementación y evaluación en un contexto de la practica clínica”

“Group psychotherapeutic intervention programmes: Implementation and evaluation in a clinical practice context”

CONTEXTO: El Reglamento nº 129/2011 señala los enfermeros especialistas en Salud Mental como competentes para proporcionar asistencia psicoterapéutica, socioterapéutica, psicosocial y psicoeducativa. Sin embargo, en el contexto de la práctica clínica en Portugal, aunque se considera que se llevan a cabo intervenciones psicoterapéuticas por los mismos, hay poca divulgación de este tipo de prácticas. OBJETIVO: Para presentar una trayectoria de implementación y evaluación de programas de intervención psicoterapéutica grupal llevados a cabo en uno contexto de la práctica clínica. MÉTODOS: Artículo de divulgación de buenas prácticas. Fueron seleccionados intencionalmente 153 participantes, divididos por los programas de intervención psicoterapéutica grupal dirigidos a los focos de atención de enfermería “Autoestima”, “Ansiedad” y “Sueño”, en el período comprendido entre el 23 de marzo y el 31 de diciembre de 2015. RESULTADOS: Todos los programas de intervención se componen de un conjunto de cinco sesiones que duran entre 50 y 60 minutos. Se lleva a cabo una evaluación a priori y a posteriori de los focos albo de intervención con recurso al uso de instrumentos psicométricos. Los programas de intervención dirigidos a los focos “Ansiedad” y “Sueño” revelaron la existencia de diferencias estadísticamente significativas entre las puntuaciones inicial y final. CONCLUSIONES: La realización de programas de intervención psicoterapéutica grupal conducidos por enfermeros especialistas en Salud Mental parece ser beneficiosa para los pacientes. Estos son datos que pueden ser utilizados para discutir con los administradores hospitalarios y con los responsables políticos acerca del potencial y de la capacidad de estos enfermeros especialistas para llevar a cabo intervenciones de este tipo.

BACKGROUND: Regulation No 129/2011 states that providing psychotherapeutic, sociotherapeutic, psychosocial and psychoeducational care is a competence of mental health nurses. However, in the clinical practice in Portugal, although we believe that mental health nurses perform psychotherapeutic interventions, these are little publicised. AIM: To present an implementation and evaluation path of group psychotherapeutic intervention programmes carried out in the clinical practice. METHODS: Article of dissemination of good practices. One hundred and fifty-three (153) participants were intentionally selected and they were distributed into different group psychotherapeutic intervention programmes, which intended to address the nursing focuses “Self-Esteem”, “Anxiety” and “Sleep”, between 23rd March and 31st December 2015. RESULTS: All the intervention programmes consist of a set of five sessions lasting between 50 and 60 minutes. An a priori and a posteriori evaluation of the target focus of the intervention was carried out by using psychometric instruments. The intervention programmes that addressed the focuses “Anxiety” and “Sleep” revealed the existence of statistically significant differences between the initial and the final scores. CONCLUSIONS: Patients seem to benefit of group psychotherapeutic intervention programmes performed by mental health nurses. These data can be used to argue with decision makers and policy makers about the potential and capability of mental health nurses to perform interventions of this kind.

DESCRIPTORES: Enfermería psiquiátrica; Psicoterapia; Servicio de Psiquiatría en Hospital

Submetido em 31-01-2017 Aceite em 30-04-2017

KEYWORDS: Psychiatric nursing; Psychotherapy; Psychiatric department, hospital

1 Mestre em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Doutorando em Ciências de Enfermagem no ICBAS; Assistente Convidado na ESEP; Investigador no Center for Health Technology and Services Research, Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica no Hospital de Braga, francisco.sampaio@hospitaldebraga.pt 2 Licenciada em Enfermagem; Enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica no Hospital de Braga, maria.manuela.lopes@hospitaldebraga.pt 3 Licenciada em Enfermagem; Enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica no Hospital de Braga, Portugal, graca.ribeiro@hospitaldebraga.pt 4 Licenciada em Enfermagem; Enfermeira especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica no Hospital de Braga, Portugal, maria.barreto@hospitaldebraga.pt 5 Licenciada em Enfermagem; Enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica no Hospital de Braga, Portugal, susana.teixeira@hospitaldebraga.pt 6 Licenciada em Enfermagem; Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica; Enfermeira-Chefe no Hospital de Braga – Serviço de Psiquiatria, 4710243 Braga, Portugal, maria.madalena.silva@hospitaldebraga.pt Citação: Sampaio, F., Peres, M., Graça, R., Barreto, A., Teixeira, S., & Fernandes, M. (2017). Programas de intervenção psicoterapêutica grupal: implementação e avaliação num contexto da prática clínica. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 87-92. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 87


INTRODUÇÃO A intervenção psicoterapêutica pode ser definida como uma atividade que envolve contactos sistemáticos e limitados no tempo entre uma pessoa em distress e alguém que tenta reduzir esse mesmo distress produzindo mudanças nos sentimentos, atitudes e comportamento da pessoa que apresenta sofrimento, por via de uma relação terapêutica (Frank in Bloch, 2006; Frank & Frank, 1993). A definição apresentada parece apontar para a possibilidade de profissionais de saúde de áreas disciplinares diferentes realizarem intervenções psicoterapêuticas em contexto clínico, ideia essa que é corroborada pelo Regulamento n.º 129/2011 (p. 8672) que, pese embora a sua ausência de valor legal, aponta os enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental como tendo competência para prestar “cuidados de âmbito psicoterapêutico, socioterapêutico, psicossocial e psicoeducacional”. O Regulamento n.º 356/2015, relativo aos Padrões de Qualidade dos Cuidados Especializados em Enfermagem de Saúde Mental, refere que a realização de intervenções psicoterapêuticas por parte dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental deve assentar, naturalmente, no estabelecimento de uma relação psicoterapêutica, caraterizando-se esta pela “evolução técnica e processual da ligação entre duas pessoalidades (o cliente individual ou grupal e a pessoa do enfermeiro) e uma profissionalidade (o enfermeiro e a profissão de enfermagem)” (p. 17040). Ainda assim, não é clara a tipologia de intervenções psicoterapêuticas que pode ser realizada pelos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental sendo que, para um melhor entendimento deste aspeto, é necessário o recurso à literatura de referência no que concerne às intervenções de Enfermagem (Bulechek, Butcher, & Dochterman, 2010), que aponta exemplos de intervenções psicoterapêuticas que se enquadram no domínio disciplinar e profissional de Enfermagem, tais como a reestruturação cognitiva (4700), o treino de controlo de impulsos (4370), e o aconselhamento (5240). Ainda que existam dúvidas regulamentares, decorrentes da pouca clareza dos documentos oficiais elaborados relativamente a esta matéria, é absolutamente claro o reconhecimento da competência dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental, que poderia ser reforçada pela criação de um Modelo de Intervenção Psicoterapêutica em Enfermagem, sendo que já existe investigação a ser empreendida nesse Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 88

sentido (Sampaio, Sequeira, & Lluch Canut, 2015; Sampaio, Sequeira, & Lluch Canut, 2016; Sampaio, Sequeira, & Lluch Canut, 2017). Contudo, nos contextos da prática clínica, e especificamente em Portugal, apesar de se acreditar que são realizadas intervenções psicoterapêuticas, de forma estruturada, por parte dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental, é escassa a divulgação dessas práticas junto da comunidade científica. Tendo em conta os dados anteriormente apresentados, e visando divulgar uma boa prática de Enfermagem realizada num serviço de saúde em Portugal, o presente artigo científico tem por objetivo apresentar um percurso de implementação e avaliação de programas de intervenção psicoterapêutica grupal realizados num contexto da prática clínica (Serviço de Internamento de Agudos de Psiquiatria de um Hospital da Região Norte de Portugal). Programas de Intervenção Psicoterapêutica Grupal No Quadro 1 são apresentadas as principais caraterísticas dos programas de intervenção psicoterapêutica grupal desenvolvidos para dar resposta aos focos de Enfermagem “Ansiedade”, “Sono” e “Autoestima”. Quadro 1 - Caraterísticas dos Programas de Intervenção Psicoterapêutica Grupal Foco

Ansiedade

Sono

Número de Sessões

5

Duração das Sessões

50 a 60 minutos

Procedimento Genérico

Autoestima

Sessões diárias, de 2ª a 6ª feira, no período da manhã, em cada uma das alas (feminina e masculina) do Serviço

Avaliação da A priori e a Intervenção posteriori com recurso à Escala de Avaliação da Ansiedade de Hamilton

A priori e a posteriori com recurso ao Índice da Qualidade do Sono de Pittsburgh

A priori e a posteriori com recurso à Escala de Autoestima de Rosenberg

Conteúdo da Intervenção Intervenção baseada nos princípios teóricos do treino de resolução de problemas

Uma sessão de Educação para a Saúde + quatro sessões de relaxamento (treino de relaxamento muscular e relaxamento por imaginação guiada

Intervenção baseada nos princípios teóricos do treino de resolução de problemas


Os grupos de intervenção são fechados e compostos por um máximo de oito participantes que devem apresentar um problema comum (diagnóstico de Enfermagem previamente identificado, relacionado com um dos focos para os quais foram elaborados programas de intervenção). As sessões de intervenção psicoterapêutica grupal são executadas por um enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica que, nos dias úteis, tem como plano de trabalho único para o turno da manhã a realização das mesmas. Implementação dos Programas de Intervenção Psicoterapêutica Grupal Sob o ponto de vista dos procedimentos adotados, numa primeira fase foi elaborado um projeto (aprovado pela Direção de Enfermagem da organização hospitalar) que tinha em vista a implementação de programas de intervenção terapêutica e psicoterapêutica grupal num Serviço de Internamento de Psiquiatria de um Hospital da Região Norte de Portugal, sendo que o presente artigo apenas se irá debruçar sobre os programas de intervenção psicoterapêutica grupal. Assim, numa fase inicial, e por se considerar que esses seriam os focos de Enfermagem mais relevantes no contexto da prática clínica (não houve a possibilidade de realizar um estudo de incidência prévio devido à ausência de parametrização da totalidade dos focos de Enfermagem do âmbito da Saúde Mental e Psiquiátrica no sistema de informação em uso), foram criados programas de intervenção psicoterapêutica grupal para os focos de Enfermagem “Ansiedade”, “Autoestima”, e “Sono”. Para a avaliação dos programas de intervenção selecionaram-se participantes com recurso a técnicas de amostragem não probabilísticas por seleção racional, sendo que os utentes a excluir do programa de intervenção psicoterapêutica grupal deveriam ser aqueles que apresentassem um ou mais dos seguintes critérios de exclusão: não aceitação de participação na intervenção; défice cognitivo grave; elevada dificuldade de concentração; estado confusional; sintomatologia positiva exacerbada; agitação psicomotora; agressividade latente; hostilidade (Cordioli in Cordioli, 2008). O enfermeiro responsável pela seleção dos utentes era igualmente responsável por definir qual o foco de Enfermagem que deveria ser alvo de intervenção em cada semana, mediante a análise realizada pelo mesmo das necessidades de cuidados apresentadas pelos utentes.

Após a aplicação destes critérios, e ao longo do período de intervenção compreendido entre 23 de março de 2015 e 31 de dezembro de 2015, atingiu-se uma amostra total de 153 participantes. Considerações Éticas Todos os utentes que participaram nos programas de intervenção psicoterapêutica grupal foram respeitados na sua autonomia, tendo aceitado participar nos mesmos sabendo que da sua recusa não resultariam quaisquer repercussões para o seu tratamento. Os dados recolhidos foram documentados nos processos clínicos dos utentes (na medida em que as intervenções em causa se inserem no domínio da prestação de cuidados habitualmente disponibilizada aos utentes) mas, para efeitos de análise estatística e divulgação dos resultados, todos os dados foram codificados de modo a garantir a sua confidencialidade. Análise de Dados Para a caraterização da amostra recorreu-se à análise de frequências absolutas e relativas. Para a avaliação dos eventuais ganhos em saúde (comparação dos resultados – scores – antes e após a realização dos programas de intervenção psicoterapêutica) recorreu-se à estatística inferencial, particularmente à utilização de testes t de Student para amostras emparelhadas e à análise do effect size (d de Cohen). O nível de significância estatística, no presente trabalho, foi previamente fixado em 0,05. A análise dos dados foi realizada com recurso ao IBM SPSS Statistics 21.0 para Macintosh (IBM Corp. Released 2012). RESULTADOS Caraterização da Amostra As caraterísticas dos participantes no estudo foram alvo de análise a três níveis: número de participantes em função do foco de Enfermagem ao qual foi dirigida a intervenção (Quadro 2); número de sessões nas quais os utentes participaram ao longo do programa de intervenção (Quadro 3); distribuição da amostra por género (Quadro 4). Quadro 2 - Número de Participantes em Função do Foco de Enfermagem Focos de Enfermagem n % do Total da Amostra Autoestima

44

28,76

Ansiedade

37

24,18

Sono

72

47,06

Total

153

100

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Quadro 3 - Número de Sessões nas quais os Utentes Participaram Número de Sessões por n % do Total da Amostra Utente 3 Sessões

1

0,65

4 Sessões

56

36,60

5 Sessões

96

62,75

Total

153

100

Quadro 4 - Distribuição da Amostra por Género Género

n

% do Total da Amostra

Feminino

84

54,90

Masculino

69

45,10

Total

153

100

Ganhos em Saúde No que concerne ao programa de intervenção psicoterapêutica grupal dirigido ao foco de Enfermagem “Autoestima”, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os scores inicial e final da Escala de Autoestima de Rosenberg (t=1,78; gl=43; p=0,083). Igualmente, o nível de significância prática foi reduzido (d=0,25). Relativamente ao programa de intervenção psicoterapêutica grupal dirigido ao foco de Enfermagem “Ansiedade”, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os scores inicial e final da Escala de Avaliação da Ansiedade de Hamilton (t=6,28; gl=36; p<0,001). O nível de significância prática foi elevado (d=0,87). Finalmente, em relação ao programa de intervenção psicoterapêutica grupal dirigido ao foco de Enfermagem “Sono”, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os scores inicial e final do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (t=4,46; gl=71; p<0,001). Adicionalmente, foi identificado um nível elevado de significância prática (d=0,85). DISCUSSÃO Analisando os resultados alcançados, é possível verificar que os programas de intervenção psicoterapêutica grupal parecem ter sido, de forma global, eficazes. Assim, a única exceção foi verificada no programa de intervenção dirigido ao foco de Enfermagem “Autoestima”. Realizando uma análise ao programa de intervenção em causa e a quais podem ter sido os fatores que estiveram na origem do seu relativo insucesso, a abordagem ao foco (centrada na técnica de resolução Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 90

de problemas e, portanto, tendo por base as dificuldades apresentadas pelos utentes) parece não ter sido eficaz na medida em que, de acordo com a literatura, a autoestima deve ser abordada, sob o ponto de vista da intervenção, de uma forma positiva (Mruk, 2013). Considerando estes dados, o programa de intervenção em causa foi alvo de alterações que, de acordo com uma análise preliminar aos resultados mais recentes, aponta já para uma melhoria significativa dos mesmos. Relativamente aos restantes programas de intervenção psicoterapêutica grupal, dirigidos aos focos de Enfermagem “Ansiedade” e “Sono”, os resultados são francamente positivos. Tal está em linha com outros estudos que avaliaram a eficácia de programas de intervenção psicoterapêutica grupal que visavam reduzir a ansiedade (e.g., van Ingen & Novicki, 2009) e melhorar a qualidade do sono (e.g., Belber, De La Fuente, & Canellas, 2013). Considerando os resultados tendencialmente positivos que têm sido alcançados importa, no futuro, desenvolver programas de intervenção psicoterapêutica grupal que permitam dar resposta a outros focos de Enfermagem. Nesse sentido, em outubro de 2015 foi já criado um programa de intervenção psicoterapêutica grupal dirigido ao foco “Abuso de Álcool”, que tem como objetivo reduzir o risco de recaída dos utentes internados para desabituação do consumo de álcool. Apesar de já existirem alguns resultados (positivos) relativos a esse programa, os mesmos não são apresentados no presente artigo na medida em que, até ao final de 2015, apenas três utentes tinham sido alvo de avaliação inicial e final e, como tal, os achados existentes carecem ainda de confirmação numa amostra de maior dimensão. Limitações O presente trabalho, por não se tratar primariamente de um trabalho de investigação, apresenta diversas limitações metodológicas, pelo que os resultados devem ser analisados com ponderação. Assim, desde logo, importa referir que os achados apresentados não podem ser atribuídos, única e exclusivamente, aos programas de intervenção psicoterapêutica grupal realizados, na medida em que existem variáveis estranhas não controladas que podem ter afetado os mesmos (como, por exemplo, as alterações realizadas na terapêutica medicamentosa ao longo do período dos programas de intervenção).


Assim, seria importante a realização de um estudo clínico controlado randomizado na medida em que o recurso a uma técnica de amostragem probabilística, o controlo de algumas variáveis, e a existência de um grupo de controlo permitiriam a obtenção de resultados com nível de evidência significativamente superior. CONCLUSÕES O presente trabalho aponta para a tendencial existência de benefícios para os utentes de um Serviço de Internamento de Agudos de Psiquiatria da realização de programas de intervenção psicoterapêutica grupal dinamizados por enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental. Nesse sentido, e pese embora as limitações apresentadas anteriormente, importa utilizar os achados apresentados como forma de argumentar junto dos gestores hospitalares e dos decisores políticos acerca do potencial e capacidade destes mesmos enfermeiros especialistas para executar intervenções deste género, tendo como fim último a melhoria dos cuidados de saúde disponibilizados aos cidadãos. A concretização destes programas de intervenção apenas foi possível devido à existência de um enfermeiro especialista em Saúde Mental no contexto da prática clínica onde o presente trabalho foi realizado que, durante os dias úteis, tem como plano de trabalho único para o turno da manhã a consecução dos mesmos. Assim, este parece ser também um trabalho que pode ser utilizado para argumentar relativamente à importância das dotações seguras nos contextos de Saúde Mental e Psiquiatria, como forma de otimizar a prestação de cuidados aos utentes, permitindo que estes tenham acesso a cuidados especializados. No futuro, seria importante tentar perceber os efeitos deste tipo de programas de intervenção nas taxas de reinternamento de utentes em contextos de Saúde Mental e Psiquiatria. Desse modo, e caso se verificassem resultados positivos, poder-se-iam somar os benefícios económicos aos evidentes benefícios sociais deste tipo de intervenção. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA O presente trabalho pode ser considerado relevante para a prática clínica na medida em que a apresentação de resultados positivos relativos à consecução de programas de intervenção psicoterapêutica grupal dinamizados por enfermeiros especialistas em Enfermagem

de Saúde Mental pode ser considerada como uma base para que este tipo de práticas se tornem mais comuns e possam vir a ser adotadas noutros contextos da prática clínica de Saúde Mental e Psiquiatria. Para além disso, a disseminação de boas práticas de Enfermagem pode ser assumida como uma mais-valia, na medida em que parece existir um desfasamento substancial entre as boas práticas realizadas em contextos da prática clínica e a divulgação das mesmas, tornando pouco visíveis as intervenções autónomas de Enfermagem e os ganhos em saúde que das mesmas podem advir. Finalmente, o trabalho desenvolvido pode ser considerado relevante para a gestão em Enfermagem na medida em que este vem reforçar a ideia de que com dotações mais adequadas é possível exercer a profissão com maior autonomia, prestando cuidados mais diferenciados e, dessa forma, contribuir para que a Enfermagem possa ser mais significativa para as pessoas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Belber, M., De La Fuente, L., & Canellas, F. (2013). Insomnia group therapy. Sleep Medicine, 14(Suppl. 1), e87. doi: 10.1016/j.sleep.2013.11.181 Bulechek, G. M., Butcher, H. K., & Dochterman, J. M. (2010). NIC: Classificação das Intervenções de Enfermagem (5ª ed.). Loures: Lusodidacta. Cordioli, A. V. (2008). As principais psicoterapias: Fundamentos teóricos, técnicas, indicações e contraindicações. In A. V. Cordioli (Coord.), Psicoterapias: Abordagens atuais. Porto Alegre, RS: Artmed. Frank, J. D. (2006). What is psychotherapy? In S. Bloch (Ed.), An introduction to the psychotherapies (pp. 5976). Oxford, NY: Oxford University Press. Frank, J. D., & Frank, J. B. (1993). Persuasion and healing: A comparative study of psychotherapy (3ª ed.). Baltimore, MD: The John Hopkins University Press. IBM Corp. Released. (2012) IBM SPSS Statistics for Macintosh, Version 21.0. Armonk, NY: IBM Corp. Mruk, C. J. (2013). Self-esteem and positive psychology: Research, theory, and practice (4ª ed.). New York, NY: Springer Publishing Company.

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Regulamento n.º 129/2011. D.R. 2ª Série. N.º 35 (201102-18), pp. 8669-8673. Regulamento n.º 356/2015. D.R. 2ª Série. N.º 122 (2015-06-25), pp. 17034-17041.

Sampaio, F. M. C., Sequeira, C., & Lluch Canut, M. T. (2017). Contributes for the development of a psychotherapeutic intervention model in nursing: A focus group study in Portugal and Spain. Perspectives in Psychiatric Care.

Sampaio, F. M. C., Sequeira, C., & Lluch Canut, M. T. (2015). Nursing psychotherapeutic interventions: A review of clinical studies. Journal of Clinical Nursing, 24(15-16), 2096–2105. doi: 10.1111/jocn.12808

van Ingen, D. J., & Novicki, D. J. (2009). An effectiveness study of group therapy for anxiety disorders. International Journal of Group Psychotherapy, 59(2), 243-251. doi: 10.1521/ijgp.2009.59.2.243

Sampaio, F. M. C., Sequeira, C., & Lluch Canut, M. T. (2016). Content validity of a psychotherapeutic intervention model in nursing: A modified e-Delphi study. Archives of Psychiatric Nursing.

AGRADECIMENTOS

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Agradece-se aos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica João Paulo Dias, Júlio Guerra e José Manuel Sousa pela colaboração na colheita de dados que esteve na base do presente artigo científico.


Artigo de Investigação

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0174

16 GRUPOS DE AUTOAJUDA: A PERCEÇÃO DE GRAVIDADE DO

ALCOOLISMO, DA SAÚDE FÍSICA E MENTAL | Olga Sousa Valentim1; Célia Santos2; José Pais Ribeiro3 |

RESUMO O alcoolismo é uma doença crónica com efeitos previsíveis de degradação do bem-estar. A perceção da gravidade da doença e da saúde poderá influenciar a adesão e a eficácia do tratamento. Os Grupos de Autoajuda (GA) encontram-se associados a melhores resultados durante e após o tratamento. OBJETIVO(S): Descrever a relação entre a perceção de gravidade do alcoolismo e a perceção de saúde física e mental em pessoas que frequentam ou não GA. METODOLOGIA: Estudo descritivo, correlacional e transversal. Aplicámos o questionário de Estado de Saúde (SF-36V2) e a dimensão “consequências” do Revised Illness Perception Questionnaire (IPQ-R) para avaliar a perceção da gravidade da doença a 444 pessoas com alcoolismo diagnosticado há pelo menos um ano. Recorremos à análise exploratória, descritiva e de regressão múltipla (método stepwise). RESULTADOS: A gravidade da doença, não mostra uma correlação estatisticamente significativa com a perceção de saúde física ou mental e entre quem frequenta ou não GA. A regressão linear mostra que, para a “saúde física” as variáveis preditoras explicam 10% da variância, permanecendo na equação o “GA” (p<0,03). Na “saúde mental”, explicam 31% da variância, ficando na equação por ordem de variância explicada: “idade” (p<0,02), “GA” (p<0,03) e “sexo” (p<0,05). Os indivíduos que frequentavam GA tiveram valores mais elevados de “saúde física” e “mental”. CONCLUSÕES: A gravidade percebida não explica o funcionamento físico nem mental. No entanto a participação em GA constitui um preditor de melhor saúde mental e física. Destaca-se na intervenção de enfermagem a articulação com os GA. PALAVRAS-CHAVE: Grupos de Autoajuda; Alcoolismo; Perceção; Saúde

RESUMEN

ABSTRACT

“Grupos de autoayuda: percepción de la gravedad del alcoholismo, salud física y mental”

“Self-help groups: the perception of the severity of alcoholism, physical and mental health”

El alcoholismo es una enfermedad crónica progresiva, cuyas condiciones clínicas tienen efectos previsibles en la degradación de bienestar. La percepción de la gravedad de la enfermedad puede influir en la adherencia y la efectividad del tratamiento. Varios estudios muestran que los grupos de autoayuda están asociados con un período mayor de abstinencia al alcohol y también a mejores resultados durante y después del tratamiento. OBJETIVO(S): Describir la relación entre la percepción de la gravedad del alcoholismo y la percepción de la salud física y mental entre personas con alcoholismo que asisten e no asisten a grupos de autoayuda. METODOLOGÍA: Estudio descriptivo, correlacional y transversal. Aplicamos los cuestionarios de Estado de Salud (SF-36V2) y la dimensión “consecuencias” del Cuestionario Revisado de la Percepción Enfermedad (IPQ-R) para evaluar la percepción de la gravedad del alcoholismo en 444 personas con diagnóstico de alcoholismo, por lo menos hace un año. Se utilizó el análisis exploratorio, descriptivo y de regresión múltiple (método por pasos). RESULTADOS: No se encontraron correlaciones estadísticamente significativas entre la percepción de la gravedad del alcoholismo y la “salud mental”, “ salud física” y “frecuencia de los grupos de autoayuda”. La regresión lineal muestra que para las variables de predicción “ salud física” explican 10% de la varianza y que se queda en la ecuación “GA” (p<0,03). La “salud mental” explica el 31% de la varianza, se quedaron en la ecuación la “edad” (p<0,02), “GA” (p<0,03) y “sexo” (p<0,05). Las personas que asisten a GA tenían niveles más altos de “salud física” y “mental” que los que no asisten. CONCLUSIONES: La percepción de la gravedad no explica el funcionamiento físico o mental. Sin embargo, la participación en GA es un predictor de mejor salud mental y física. Se destaca que en la intervención de enfermería es importante articular con los GA.

Alcoholism is a chronic and progressive disease with clinic conditions that may have predictable deteriorating effects on well-being. Patient’s perception on the severity of the disease may influence treatment adherence and efficacy. Selfhelp groups are associated with better results during and after treatment. AIM: to describe the relation between perception on alcoholism severity, and the perception of physical and mental health among those patients who attend or not self-help groups. METHODS: this is a descriptive, correlational and cross-sectional study. Both Health Status Questionnaires (SF-36V2) and the “consequences” dimension of the Revised Illness Perception Questionnaire (IPQ-R) were used to evaluate alcoholism severity perception on 444 patients diagnosed for at least one year. An exploratory, descriptive and multiple regression analysis were carried out (stepwise method). RESULTS: there were no significant statistic correlations between alcoholism severity perception and physical health and mental health perception between patients that attend or not self-group. Linear regression shows that, concerning “physical health” the predictor variables explain 10% of the variance, keeping self-help groups in the equation (p<0.03). In “mental health”, variables explain 31% of the variance, keeping the following: “age” (p<0.02), “self-help groups” (p<0.03) and “gender” (p<0.05). Patients attending self-help groups scored more positive values of physical and mental health. CONCLUSION: the perception on alcoholism severity does not explain physical and mental health. However, participation in self-help groups proved to be a predictor of better physical and mental health. We consider nursing intervention is fundamental on what concerns articulation with self-help groups.

DESCRIPTORES: Grupos de Autoayuda; Alcoholismo; Percepción; Salud

KEYWORDS: Self-Help Groups; Alcoholism; Perception; Health Submetido em 31-01-2017 Aceite em 20-04-2017

1 Doutorada em Enfermagem; Enfermeira Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria/Docente; Professora Adjunta, Universidade Atlântica, Lisboa, Portugal, ommvalentim@ gmail.com 2 Doutorada em Psicologia; Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, Porto, Portugal, celiasantos@esenf.pt 3 Doutorado em Psicologia; Professor Associado, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto, Portugal, jlpr@fpce.up.pt Citação: Valentim, O. S., Santos, C., & Ribeiro, J. P. (2017). Grupos de autoajuda: a perceção de gravidade do alcoolismo, da saúde física e mental. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 93-97. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 93


INTRODUÇÃO O consumo de álcool tem “acompanhado” todas as civilizações com a finalidade e expetativa de procurar “um outro estado mental”, um estímulo dos processos imaginativos, facilitando a fuga de vivências que provocam dor, sofrimento ou angústia. De acordo com o Global Status Report on Alcohol and Health (WHO, 2014), prevê-se que existam cerca de 2 biliões de pessoas em todo o mundo que consomem bebidas alcoólicas e 76,3 milhões com perturbações relacionadas com o consumo do álcool. Segundo o relatório “Álcool na União Europeia” da Organização Mundial de Saúde, os portugueses consomem uma média anual de 13,4 litros de álcool, sendo Portugal um dos países da Europa onde se bebe mais álcool, ocupando, assim, o nono lugar entre 34 países da Europa (Anderson, Møller, & Galea, 2012). O alcoolismo sendo uma doença crónica e progressiva tem efeitos previsíveis de degradação do bem-estar, estando entre as doenças mentais mais onerosas para a sociedade (DGS, 2013). A Organização Mundial de Saúde (WHO, 2016) explica que o termo alcoolismo é genericamente utilizado para se referir a um período continuado e crónico de consumo de álcool, caracterizado por ausência de controlo sobre o consumo, episódios frequentes de intoxicação, preocupação com o álcool e o uso do álcool, apesar das consequências adversas. A doença ou a manutenção da saúde (física e mental) encontram-se relacionadas com a interpretação que a pessoa faz do mundo que a envolve, dos recursos de que dispõe, dos estímulos, do seu autocontrolo e da sua capacidade de adaptação (Leventhal, Brissete, & Leventhal, 2003; Sinadinovic, Wennberg, Johansson, & Berman, 2014). Os comportamentos adotados pelo indivíduo, relativamente à manutenção da saúde e evitamento e controlo da doença, dependem das suas crenças individuais sobre a saúde e a doença (Leventhal et al., 2003). Estas crenças são influenciadas, quer por fatores internos (perceção da gravidade, perceção da saúde/doença), quer externos (contacto com pessoas significativas, profissionais de saúde, grupos de autoajuda entre outros), e desenvolve-se ao longo da vida, dependendo do contexto e vivências. O modo como a pessoa perceciona cognitivamente a gravidade da sua doença, influencia o seu comportamento perante a mesma e, obviamente, vai influenciar também a forma como procura ajuda, adesão a Grupos de Autoajuda (GA) ou ao próprio tratamento e, consequentemente, a eficácia do mesmo (Leventhal et al., 2003; Sinadinovic et al., 2014). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 94

Os GA, encontram-se associados a um maior período de abstinência de consumo de bebidas alcoólicas e a melhores resultados durante e após o tratamento (Alvarez, 2013; Alvarez, Gomes, Oliveira, & Xavier, 2012; Guimarães, Fernandes, & Pagliuca, 2015; Kelly & Yeterian, 2011). A dependência do álcool e as suas consequências constituem um sério problema para a saúde pública, representando um alto custo social e comprometendo diversas áreas da saúde. Os GA são uma mais-valia na recuperação da doença, no entanto existem poucos estudos de enfermagem nesta área. Logo, o presente estudo teve como objetivo conhecer a relação entre a perceção de gravidade do alcoolismo e a perceção de saúde física e mental e entre as pessoas que frequentam ou não GA, apontando orientações para a prática de enfermagem. METODOLOGIA Estudo descritivo, correlacional e transversal. Participantes: 444 pessoas com alcoolismo, tratando-se de uma amostra não probabilística, de conveniência. A amostra foi selecionada em serviços e/ou consulta de alcoologia e GA. Considerámos como critérios de inclusão: a idade igual ou superior a 18 anos; diagnóstico clínico de alcoolismo há, pelo menos, um ano; com capacidade de leitura e compreensão de português. Material: Questionário de caracterização sociodemográfica e clínica (idade, sexo, anos de escolaridade, frequência de GA, inicio do consumo de álcool, tempo de diagnóstico de alcoolismo); Questionário de Estado de Saúde SF-36V2 (Ferreira & Santana, 2003), classicamente usado para avaliar a perceção de saúde. Possui 36 itens que se distribuem por oito dimensões, que por sua vez, se agrupam em dois componentes: saúde mental e saúde física. Os resultados das subescalas e componentes variam entre 0 e 100. Os resultados mais elevados representam uma melhor perceção de saúde. Neste estudo, usámos os dois componentes como variável dependente (de critério ou explicadas). As variáveis independentes estudadas foram: (1) a participação ou não em GA (variável dummy), (2) o sexo (variável dummy), (3) a idade e (4) a perceção da gravidade da doença, mensurada pela dimensão “consequências” do Revised Illness Perception Questionnaire (IPQ-R) versão portuguesa (Figueiras, Machado & Alves, 2002). A subescala consequências expressa as crenças individuais relativas à gravidade da doença e o seu impacto no funcionamento físico, social e psicológico, é composta por 6 itens variando o seu score entre 6 e 30.


Quanto maior é o valor do score, mais grave é a perceção das consequências da doença. Procedimentos: Os dados foram colhidos em janeiro de 2010, respeitando os critérios definidos pela Declaração de Helsínquia. Obteve-se a autorização, por parte das Unidades de Alcoologia, dos GA, dos autores das respetivas escalas e o consentimento informado escrito dos participantes. Utilizou-se o Statistical Program for Social Sciences (SPSS), versão 20.0 para a análise exploratória e descritiva dos dados, bem como para a análise de regressão múltipla (método stepwise) para avaliar o relacionamento de uma variável dependente com diversas variáveis independentes. Os resultados foram considerados significativos para um nível de significância de p≤0,05. RESULTADOS A amostra consistiu em 362 pessoas do sexo masculino (idade média de 45,19 anos, DP= 9,43), e 76 do sexo feminino (idade média de 46 anos, DP=8,66). A escolaridade dos indivíduos do sexo masculino apresentaram uma média de 7,40 anos (DP=3,44) e os do sexo feminino de 8,64 anos (DP=4,46), diferença que é estatisticamente significativa (t(422)=2,64, p=0,002). A percentagem de indivíduos dos dois sexos que frequentam GA é semelhante, e não se diferenciam estatisticamente. A amostra é maioritariamente casada/união de facto (42,3%) e não se encontra ativa (41,9% está desempregada e 13,3%, reformada). A idade em que teve início o consumo de bebidas alcoólicas ronda os 17,86 anos (DP=8,11) e o período de diagnóstico foi em média 7,73 anos (DP=7,17). A maioria dos inquiridos não frequentava grupos de autoajuda (62,8%). Aqueles que os frequentavam faziam-no em média há 2,25 anos (DP=4,24), variando entre uma semana (0,02 anos) e 22 anos. A maioria (61,1%) referiu que frequentava os Alcoólicos Anónimos. Em relação ao conhecimento do grupo de autoajuda, a maioria (55,4%) alegou ser através de um profissional de saúde (enfermeiro, médico, psicólogo, outro). Todavia há um número significativo de pessoas (32,2%) que referiram que foi através de um familiar/amigo. Também classificam o grupo de autoajuda como muito eficaz (43,8%) e eficaz (40,1%). Apenas uma minoria afirmou que o grupo de autoajuda é indiferente no processo de recuperação (4,3%), ineficaz (2,5%) e muito ineficaz (2,5%). A gravidade da doença, não mostra correlações estatisticamente significativas com a perceção de saúde física ou mental, e entre quem frequenta e quem não frequenta GA.

Para a variável dependente “saúde física” a regressão linear mostra que as variáveis preditoras explicam 10% da variância (R2(adj)= 0,10), permanecendo apenas na equação o “grupo de autoajuda”, (p<0,03), com os indivíduos que frequentam os GA com valores mais positivos de “saúde física” (M=62,77 versus M=59,17). Para a saúde mental, as variáveis preditoras explicam 31% da variância (R2(adj)= 0,31), F (3,368)=4,88, p=0,002, permanecendo na equação, e por ordem de variância explicada, a “idade”(p<0,02), o “grupo de auto ajuda” (p<0,03), e o “sexo” (p<0,05), com os que participaram em grupos de auto ajuda com valores mais elevados de “saúde mental” (M=53,43 versus M=50,40). Os indivíduos do sexo masculino expressaram valores mais positivos de saúde mental (M=52,61) do que os do sexo feminino (M=45,75), e a idade com uma correlação estatisticamente significativa com a saúde mental (p=0,05), onde os mais velhos exibem melhor perceção de funcionamento de saúde mental. A verificação de qualidade do modelo estatístico mostra que o fator de inflação da variância (VIF) está próximo de 1 (1,01) o que significa que podemos assumir que a colinearidade não é um problema neste modelo. O diagnóstico Durbin-Watson =1,83 mostra que não existe autocorrelação. A gravidade da doença não exibiu correlação estatisticamente significativa com a perceção de saúde física e mental, e foi excluída da equação. DISCUSSÃO As pessoas do nosso estudo são predominantemente homens e iniciaram o consumo de bebidas alcoólicas, em média, com cerca de 18 anos, o que está, em parte, de acordo com Balsa, Vital, & Urbano (2014), os quais constataram que a maioria dos indivíduos teve o seu primeiro contacto com o álcool na adolescência, entre os 15 e os 17 anos. A dependência alcoólica é responsável por muitos dos problemas que afetam os indivíduos, com graves consequências, tanto físicas como psíquicas (DGS, 2013; WHO, 2016). Porém no presente estudo não se verificou uma relação estatisticamente significativa da perceção da gravidade da doença com a saúde física e mental e com os grupos de autoajuda. Estes resultados poderão estar associados a um deficiente conhecimento das consequências da dependência alcoólica, ou, por outro lado, a estratégias de coping de evitamento. Estes inquiridos, face aos problemas de saúde, poderão estar a evitar ou a minorar sentimentos, como a angústia, para, posteriormente, encontrar o equilíbrio inicial (Ralston, Palfai, & Rinck, 2013). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 95


A maioria dos participantes não frequentava GA (62,8%) e os que frequentavam tiveram conhecimento do grupo, através de um técnico de saúde (55,4%) ou de familiares/amigos (32,2%). Estes resultados sugerem a necessidade de um maior investimento na divulgação pública, através dos meios de comunicação (rádio, televisão, jornal e outros) assim como, através dos próprios grupos de autoajuda e dos profissionais de saúde. A maioria dos inquiridos frequentava os Alcoólicos Anónimos (mais comumente conhecidos como AA), cujo programa de recuperação é baseado nos doze passos e doze tradições, com o objetivo de ajudar as pessoas com alcoolismo a manter a abstinência O método dos AA tem-se revelado bastante eficaz, com sucesso num número elevado de pessoas. Além de proporcionar apoio aos seus membros, oferece uma oportunidade para aprender novas estratégias para enfrentar os problemas (Alcoólicos Anónimos, 2004; Alvarez, 2013; Alvarez et al., 2012). Identicamente neste estudo, a maioria da amostra classifica os GA como muito eficazes. Estes grupos são importantes fontes de apoio, pois reúnem pessoas com os mesmos objetivos, dificuldades, necessidades e podem contribuir com o apoio necessário às pessoas com alcoolismo (Alvarez, 2013; Alvarez et al., 2012; Guimarães et al., 2015). Os GA têm inúmeras vantagens: são gratuitos, constituem uma rede vasta, os participantes não têm que estar abstinentes para ir a uma reunião, são aplicáveis a populações bastante diversas e são eficazes. Além disso, estimulam as interações sociais, através de atividades de grupo ou relações individuais, com o propósito específico de reabilitar e apoiar as pessoas, proporcionando-lhes bem-estar (Alvarez et al., 2012; Kelly & Yeterian, 2011). O modelo estatístico sugere que as variáveis escolhidas como preditoras ou independentes (grupos de autoajuda, idade e sexo) devem ser consideradas e exploradas nos programas de apoio a esta população. Destaca-se a relevância da prevenção de comportamentos de ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, por exemplo no que é designado por “event specific drinking” (Riordan, Flett, Lam, Conner, & Scarf, 2016), essa modalidade de intervenção poderia ser implementada na prevenção de eventuais recaídas.

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CONCLUSÃO Para que o tratamento do alcoolismo tenha sucesso, este deverá ser multidisciplinar e realizado a longo prazo, com o objetivo de conseguir uma abstinência satisfatória. Os grupos de autoajuda poderão ser um recurso válido para a recuperação da pessoa com alcoolismo (Alvarez, 2013; Guimarães et al., 2015). Os resultados mostraram que, quer a idade quer o sexo são variáveis a considerar na intervenção de enfermagem além de confirmarem a importância dos GA na perceção positiva da saúde mental e física. Tal constatação sugere, portanto, que os esforços a desenvolver pelos enfermeiros, nesta área, se deverão centrar num melhor conhecimento da pessoa com dependência alcoólica e a articulação com os GA. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA A alcoolismo apresenta sintomas graves, que persistem ao longo do tempo e que, por isso, podem passar despercebidos ou ser confundidos com doenças físicas resultantes da dependência. Além disso, tem implicações físicas, psicológicas, sociais, profissionais e familiares, logo o tratamento, para que tenha sucesso, deverá ser multidisciplinar e realizado a longo prazo. As orientações do Ministério da Saúde apontam para o desenvolvimento de atividades de mobilização de recursos comunitários. Nesse sentido, destacam a vantagem da articulação intersectorial com vários recursos, entre eles, os grupos de autoajuda, que poderão ser uma mais-valia para a recuperação da pessoa com alcoolismo e familiares. (Alvarez, 2013; Alvarez et al., 2012; Guimarães et al., 2015). O enfermeiro é elemento central na equipa multiprofissional na abordagem do cuidado a pessoas com alcoolismo e sua família, oferecendo a possibilidade de recuperação, visando atingir o seu máximo de bem-estar. Consideramos que o enfermeiro se encontra numa situação privilegiada, pois é dos profissionais de saúde que mais contacto tem com a pessoa com alcoolismo e familiares. Este estudo sensibiliza os enfermeiros para a necessidade de uma atenção especial nas suas intervenções, relativamente às mulheres, a pessoas mais novas, e às que não frequentam GA, pois apresentaram piores valores de saúde física e mental. Os enfermeiros precisam de estar informados sobre o funcionamento dos GA e qual a sua relevância como recurso de tratamento no continuum dos cuidados de saúde.


Deste modo, podem melhorar o encaminhamento de pessoas que deles necessitem. Para tal, o profissional de saúde poderá participar como observador nas reuniões abertas e conhecer o trabalho desenvolvido, estabelecendo contactos com os grupos locais, de forma a melhorar o encaminhamento. Sugerimos estudos longitudinais para investigar a perceção da gravidade da doença da pessoa com alcoolismo e dos familiares em momentos diferentes da dependência alcoólica e a sua relação com a frequência de grupos de autoajuda. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alcoólicos Anónimos. (2004). Alcoólicos Anónimos (2ª ed). (Escritório de Serviços Gerais de Alcoólicos Anónimos, Trad.). Lisboa: Portugal (Obra original publicada em 1955). Alvarez, A. A. (2013). Fatores que favorecem a abstinência no alcoolismo. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, 5(12), 60-80. Alvarez, S. Q., Gomes, G. C., Oliveira, A. M. N., & Xavier, D. M. (2012). Grupo de apoio/suporte como estratégia de cuidado: importância para familiares de usuários de drogas. Revista Gaúcha de Enfermagem, 33, 102-108. doi:10.1590/S1983-14472012000200015 Balsa, C., Vital, C., & Urbano, C. (2014). III Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral – Portugal 2012. Lisboa: Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências. DGS (2013). Portugal - Saúde mental em números – 2013. Programa nacional para a saúde mental. Lisboa: Direcção-Geral da Saúde. Ferreira, P. L., & Santana, P. (2003). Percepção de estado de saúde e de qualidade de vida da população activa: contributo para a definição de normas portuguesas. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 21(2), 15-30. Figueiras, M., Machado, V. & Alves, N. (2002). Os Modelos de Senso-comum das Cefaleias Crónicas nos Casais: Relação com o Ajustamento Marital. Análise Psicológica, 20(1), 77 -90.

Guimarães, J., Fernandes, C., & Pagliuca, F. (2015) Intervenções para enfrentamento do abuso de álcool: revisão integrativa. Revista eletrónica de enfermagem, 17(3). doi:org/10.5216/ree.v17i3.29290. Kelly, J. F. & Yeterian, D. (2011). The Role of Mutual­ Help Groups in Extending the Framework of Treatment. Alcohol Research & Health, 33(4), 350-355. Leventhal, H., Brissete, I., & Leventhal, E. (2003). The common-sense model of self-regulation of health and illness. In L. Cameron, & H. Leventhal (Eds.), The selfregulation of health and behaviour (pp.42-65). London: Routledge. Ralston, T. E., Palfai, T. P., & Rinck, M. (2013). The influence of depressed mood on action tendencies toward alcohol: The moderational role of drinking motives. Addictive Behaviors, 38(12), 2810-2816. doi: 10.1016/ j.addbeh.2013.07.013. Riordan, B., Flett, J., Conner, T., & Scarf, D. (2016). Text message interventions for alcohol use: Current research and future directions. In: Winston Gutierrez (edt). Alcohol Consumption: Patterns, Influences and Health Effects (pp.187-191). New York (NY): Nova Science Publishers, Inc. Sinadinovic, K., Wennberg, P., Johansson, M., & Berman, H. (2014). Targeting individuals with problematic alcohol use via webbased cognitive-behavioral self-help modules, personalized screening feedback or assessment only: A randomized controlled trial. European Addiction Research, 20(6), 305-318. doi: org/10.1159/000362406 WHO (2014). Global status report on alcohol and health. Geneva, Switzerland: World Health Organization. WHO (2016). Lexicon of alcohol and drug terms published by the World Health Organization. Retirado em agosto de 2016 de http://www.who.int/substance_ abuse/terminology/who_lexicon/en/

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Artigo de Investigação

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0175

17 A PLASTICIDADE CRIATIVA POSSIBILITADA PELA SOCIOPOÉTICA:

A PERSPECTIVA DA CRIAÇÃO DE RELAXAMENTOS

| Paula Isabella Nunes da Fonseca1; Pamela Gioza da Silveira2; Cláudia Mara de Melo Tavares3; José Carlos Carvalho4 |

RESUMO OBJETIVO: Destacar a plasticidade criativa presente no processo de criação das técnicas de relaxamento inerente a etapa de produção de dados na pesquisa sociopoética. MÉTODO: Análise crítica dos relaxamentos utilizados na produção de trabalhos académicos baseados segundo a pesquisa qualitativa e numa abordagem da perspetiva da Sociopoética. Realizou-se análise com base nos princípios constitutivos da Sociopoética dispostos em literatura de base e em artigos sobre a abordagem dispostos na Biblioteca Virtual em Saúde. RESULTADOS: Por compreender o homem como ser político, social, com igualdade de direitos e que considera o corpo, a criatividade e a espiritualidade na construção do conhecimento (Gauthier, 2005) para produção e assimilação dos dados, a Sociopoética permitiu a construção de relaxamentos contextualizados com os temas estudados de modo que seu alinhamento junto às técnicas de produção de dados corroboraram para o desvelar mais espontâneo e libertário por parte dos co-pesquisadores nas investigações. CONCLUSÃO: A liberdade criativa oferecida pela Sociopoética na construção dos relaxamentos não engessa esta etapa, o que possibilita o diálogo entre os objetivos do estudo e os passos da produção de dados, a começar pelo relaxamento. Deste modo, amplia-se e se potencializa a expressão dos co-pesquisadores na pesquisa a ser desenvolvida. PALAVRAS-CHAVE: Relaxamento; Coleta de dados, Enfermagem Psiquiátrica; Saúde Mental

RESUMEN

ABSTRACT

“Plasticidad creativa posible por la sociopoética: una perspectiva de creación de los relajaciones”

“Plasticity creative possible by sociopoetic: a perspective of relaxation´s creation”

OBJETIVO: Resaltar la plasticidad creativa presente en el proceso de creación de las técnicas de relajación inherente a la etapa de producción de datos en la sociopoética. MÉTODOLOGIA: Análisis crítico de las relajaciones utilizadas na prodición de trabajos académicos según lo método cualitativo y enfoque metodológico la sociopoética. Se realizó un análisis basado en los principios subyacentes de la Sociopoética dispuestas sobre la literatura de base y artículos sobre el enfoque dispuestos en la Biblioteca Virtual en Salud. RESULTADOS: Por comprender el hombre como ser político, social, con igualdad de los derechos y considerar el cuerpo, la creatividad y la espiritualidad en la construcción del conocimiento (Gauthier, 2005) para la producción y asimilación de datos, la Sociopoética permitió la construcción de relajaciones contextualizadas con los temas estudiados de manera que su alineación junto con las técnicas de producción de datos ayudan en lo descubrimiento más espontáneo y libertario por los co-investigadores en las investigaciones. CONCLUSIÓN: La libertad creativa que ofrece la Sociopoética en la construcción de relajaciones no paraliza este paso, que permite el diálogo entre los objetivos del estudio y los pasos de los datos de producción, empezando con la relajación. Por lo tanto, se expande y aumenta la expresión de los co-investigadores en la investigación que se desarrolla.

OBJECTIVE: Highlight the creative plasticity present in the process of creating the relaxation techniques inherent to the data production stage in sociopoetic research. METHODS: Critical analysis of relaxations used in the academic studies production and based on qualitative research and on a sociopoetic approach. It conducted analysis based on the underlying principles of Sociopoética arranged on the basis of literature and articles on the willing approach Virtual Health Library. RESULTS: Such an approach includes the man as a political, social and equal rights and considers the body, creativity and spirituality in the construction of knowledge (Gauthier, 2005) for production and assimilation of data, Sociopoética allowed the construction of relaxations contextualized with the themes studied so that its alignment with the data production techniques to corroborate the unveiling more spontaneous and libertarian by the co-investigators in the investigations. CONCLUSION: The creative freedom offered by Sociopoética in the construction of relaxations not paralyzes this step, which enables dialogue between the objectives of the study and the steps of the production data, starting with the relaxation. Thus, it expands and enhances the expression of the co-researchers in the research to be developed.

DESCRIPTORES: Relajación; Recolección de datos; Enfermería Psiquiátrica; Salud Mental

KEYWORDS: Relaxation; Data Collection; Psychiatric Nursing; Mental Health Submetido em 20-11-2016 Aceite em 20-02-2017

1 Enfermeira. Doutoranda SandWish do Programa de Pós Graduação em Ciências do Cuidado em Saúde da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, Universidade Federal Fluminense e Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal. Bolsista FAPERJ. Rio de Janeiro/RJ , Brasil, paulaisabellafonseca@gmail.com 2 Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciências do Cuidado em Saúde da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, Universidade Federal Fluminense, pamelagioza@hotmail.com 3 Pós Doutora em Enfermagem. Profª Titular do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Psiquiatria da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, da Universidade Federal Fluminense. Niterói, RJ, Brasil, claudiamarauff@gmail.com 4 Doutor em Enfermagem. Professor Adjunto na Escola Superior de Enfermagem do Porto, ESEP, zecarlos@esenf.pt Citação: Fonseca, P. I. M. N., Silveira, P. G., Tavares, C. M. M., & Carvalho, J. C. (2017). A plasticidade criativa possibilitada pela sociopoética: a perspectiva da criação de relaxamentos. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 99-106. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 99


INTRODUÇÃO Idealizada por Jacques Gauthier, filósofo e educador francês, há pouco mais de 20 anos, a Sociopética foi definida em seu primeiro livro como: uma revolução epistemológica. Uma tentativa entre outras de responder as perguntas dos pesquisadores de hoje sobre o sentido sociopolítico da produção dos conhecimentos (Santos e Gauthier, 2013). É uma abordagem do conhecimento que compreende o homem como ser político, social e com igualdade de direitos e que considera o corpo, a criatividade e a espiritualidade na construção do conhecimento (Gauthier, 2005) para produção e assimilação dos dados. Como método, a Sociopoética defende a construção coletiva do conhecimento por parte dos pesquisadores e sujeitos de pesquisa, e possui como pressuposto básico que todos possuem saberes diversos, seja intelectual, sensível, emocional, intuitivo, teórico, prático, gestual, e, sendo estes iguais em direito, transformam o ato de pesquisar num acontecimento poético (do grego poiesis = criação) (Santos, 2005). Estudos nessa temática tem possibilitado transcender o instituído, ousar, representando uma espécie de desbloqueio das amarras cartesianas, um disparador para o alcance do imaginário. Isso tem levado a ampliação do aprendizado e entrega, de pesquisadores à co-pesquiadores (como são chamados os participantes das pesquisas na Sociopoética), ao lúdico, ao sensível, ao espiritual potencializando assim os corpos e reflexões (Fonseca et al., 2015). Quanto à composição teórica constituinte da abordagem sociopoética, declara-se que: “[...]a Sociopoética [...] nasceu na encruzilhada de orientações metodológicas e teóricas que marcaram a década de 60 e 70 e continuam inspirando pesquisas inovadoras: análise institucional, pesquisa-ação e pesquisa participante, pedagogia do oprimido, grupos operativos, arte-educação, pedagogia simbólica, etc.” (Gauthier, 2012, p. 75) Embora atualmente sejam remontadas as influências sociopoéticas nas orientações teóricas acima citadas, logo num momento inicial de construção do método as linhas teóricas de base, foram: a releitura dos ensinamentos de Paulo Freire, acompanhado de outras inspirações tais como a Análise Institucional, a EsquizoAnálise, o Teatro do Oprimido de Augusto Boal e a Escuta Mitopoética de René Barbier (Gauthier, 2012; Petit, 2002). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 100

Boal (1995) com seus exercícios pensados para preparar seus atores no teatro é um dos inspiradores do uso do relaxamento na pesquisa sociopoética, momento previsto para acontecer antes da produção de dados. Outras influencias também são citadas por Gauthier, como Freud que usava o relaxamento para enfraquecer as censuras, de modo que se permitisse passar os conteúdos pré-conscientes e inconscientes na busca da libertação pessoal; Marx com a ideia da libertação coletiva; e o Tai Chin Do (forma inicial do Tai Chi Chuan) que possibilita tornarem as energias corporais mais fluídas ao se flexibilizar os movimentos igualmente ao pensamento, favorecendo a integração do ser, ao relacionarem emoção e razão, sensações e intuição (Gauthier, 2012). O autor cita no livro base para o aprendizado de conceitos primários da Sociopoética, que “existem formas de relaxamento silenciosas inspiradas em disciplinas orientais de meditação e ioga dinâmica, e outras também, [...], que esgotam os corpos e disponibilizam-nos para a aceitação simples e imediata dos conteúdos que surgem à mente.” (Gauthier, 2009, p.12) Sobre isso, é possível afirmar que existem diferentes tipos de técnicas de relaxamento, contudo alguns critérios devem ser contemplados na opção por um determinado método. Estes devem ser de fácil aprendizagem e aplicação, não requererem equipamento complexo, serem passíveis de utilizar com grupos pequenos e servirem para todas as idade (Payne, 2002). Ademais, ressalta que o mais importante do exercício do relaxamento é fazer cessar a racionalização de tudo, promovendo por parte dos que participam da pesquisa, uma entrega a ela, permitindo que deixem surgir os conteúdos sem censura, sem ter tempo para refletir, avaliar, ou “melhorar” o que vai surgindo. Outros autores entendem o relaxamento como usualmente utilizado na referência a momentos de alívio de tensão, em oposição, a momentos de contração muscular (Payne, 2002); um estado de consciência caracterizado por sentimentos de paz e alívio de tensão, ansiedade e medo (Borges e Ferreira, 2013). Com este argumento, a regra imposta ao relaxamento é proporcionar ao co-participante, da melhor maneira possível, a libertação de suas amarras inconscientes de modo que este se sinta mais confortável para refletir abertamente sobre o tema que irá ser negociado para ser discutido com o grupo. Assim, ampliam-se as possibilidades de serem pensados diferentes modos de se aplicar este relaxamento.


Ratifica-se que não se pode fugir aos princípios estabelecidos pela sociopoética, uma vez que o relaxamento aplicado está contido numa sequência lógica de etapas a serem percorridas, que tem como objetivo final a produção de dados consistentes para a pesquisa que está sendo desenvolvida. Diante da relevância do relaxamento no preparo multidimensional dos participantes o estudo objetivou destacar a plasticidade criativa presente no processo de criação das técnicas de relaxamento inerente a etapa de produção de dados na pesquisa sociopoética. MÉTODO Trata-se de uma análise crítica de experiências com relaxamento realizadas em estudos sociopoéticos desenvolvidos pelos autores, que ressalta a plasticidade criativa possibilitada pela abordagem metodológica Sociopoética na criação dos relaxamentos realizados em dois estudos com níveis de aprofundamento teórico, temas e participantes distintos. São descritos os relaxamentos implementados em uma monografia de final de curso de graduação e uma tese de doutorado, ambas do curso de enfermagem e que utilizaram a Sociopoética como abordagem metodológica. A primeira – trata-se da monografia intitulada “Estratégias de promoção à saúde mental com gestantes que convivem com doenças crônicas” - desenvolvida em setembro de 2015, por meio de três oficinas, com seis gestantes com Hipertensão Arterial Crônica e Diabetes Mellitus em atendimento no Ambulatório de Pré-Natal do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) - Niterói/RJ. A segunda - é a tese de doutorado intitulada “O autoconhecimento e sua multidimensionalidade aplicada à equipes de transplantes” - desenvolvida com nove coordenadores avançados em transplantes, nas dependências da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), e para este ensaio foram recortadas duas oficinas, desenvolvidas em abril de 2016. Ressalta-se que ambos os projetos foram aprovados no Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense sob o número CAAE nº: 45480915.5.0000.5243 e CAAE nº: 51110915.5.0000.5243, respectivamente. Realizou-se análise dos relaxamentos com base nos princípios constitutivos da Sociopoética dispostos em literatura de base e em artigos sobre a abordagem dispostos na Biblioteca Virtual em Saúde e na Revista Entrelugares, sem delimitação de período de publicação.

Tais princípios são: o grupo-pesquisador como dispositivo; a valorização das culturas dominadas e de resistência; a arte como ferramenta de produção; a responsabilidade ética, política, noética e espiritual do grupo-pesquisador e a valorização do corpo na produção de conhecimento (Gauthier, 2012). E é neste último princípio que está embasada a prática do relaxamento, pois o corpo inteiro é considerado como fonte de conhecimento, sendo ele composto pelas emoções, sensações, intuições, gestualidade, imaginação. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os estudos sociopoéticos não podem abrir mão do relaxamento, tendo este, importância ímpar nas sessões de produção de dados (Gauthier, 2012). É desejável que o relaxamento ocorra em cada sessão, no início e no final, não sendo obrigatória a realização nestes dois momentos, mas ao menos em um deles, sendo o momento inicial o mais utilizado em estudos sociopoéticos (Elias, Tavares, Cortes, 2013; Marcondes et al., 2015; Silva et al., 2015), assim como aconteceu nos estudos explorados para esta investigação. Neles foram utilizados relaxamentos voltados para atender os aspectos que seus respectivos pesquisadores julgaram importantes de constarem no momento de preparação dos co-participantes para a aplicação da técnica de produção de dados, pois “o objetivo do relaxamento é desencadear o potencial imaginativo do grupo, diminuindo o nível de controle consciente, para que possam expressar os saberes enterrados e imersos, os ventos raros, as larvas congeladas pela história coletiva e individual” (Gauthier et al., 1998). Na monografia que trata das estratégias de promoção à saúde mental com gestantes com doenças crônicas, os aspectos levados em consideração para a construção do relaxamento foram: remeter ao desprendimento de problemas que pudessem trazer algum tipo de desconforto ou impedimento para que as gestantes atingissem o nível de relaxamento, tais como problemas familiares, dificuldades financeiras ou preocupações relacionadas ao desenvolvimento da gestação de risco. Além disso, os acontecimentos alegres e difíceis também foram suscitados, a fim de aflorar detalhes importantes que poderiam ser relatados após o início da oficina proposta. Tais elementos estavam sempre aliados a existência do bebê, o qual era a principal motivação para enfrentarem as circunstâncias impostas pela gravidez e desenvolverem a gestação de uma forma saudável. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 101


Desta forma, seguiu-se a construção do relaxamento intitulado “Linha da Vida”. Relaxamento Oficina “Linha da Vida” “Nesse momento agora eu vou pedir para vocês soltarem as bolsas, descruzarem os braços, as pernas, fiqucarem livres de qualquer objeto. Fechem os olhos e respirem lentamente, puxando o ar pelo nariz e soltando pela boca, nesse momento eu começo a me desprender dos problemas lá de fora, das preocupações, das dificuldades encontradas diariamente. E continuo a respirar lentamente, limpando minha mente e me esvaziando de tudo que não me faz bem. Agora imagine um bosque, onde existam muitas árvores e flores. Na medida em que caminhe, sinta os raios de sol ultrapassarem os galhos das árvores e chegarem até você... Agora, coloque sua barriga de fora e sinta os raios de sol aquecerem seu corpo... Nesse momento, passe a mão na sua barriga e sinta os movimentos do seu bebê, seu pensamento está voltado para ele e esse se torna um momento único, somente seu e dele... Continue a caminhada pelo corredor do bosque adquirindo toda a energia transmitida pelos raios de sol e observando a paz que o balanço do vento naquelas árvores e flores te traz... Pense em todos os momentos vividos durante essa gestação, tanto os alegres quanto os de dificuldade e lembre que em todos eles o seu companheiro mais fiel foi meu bebê, foi junto dele que percorreu todo o caminho e chegou até aqui.... Continue a passar a mão em sua barriga e a respirar lentamente.... Respire lentamente e profundamente... E aos poucos abrindo os seus olhos.” Na sociopoética o corpo é visto como desencadeador de potências criadoras. Durante as oficinas é estimulado a sensibilidade do corpo, possibilitando uma forma de produção de conhecimento que não seja apenas racional (Silveira et al., 2008). O relaxamento que antecede a oficina prepara o co-pesquisador de uma maneira melhor para a dinâmica de grupo, uma vez que permite sua imersão no lúdico e através desta, são acessados conteúdos do inconsciente até então não explorados por outros métodos. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 102

As dinâmicas das oficinas tornam os participantes desinibidos, comunicativos, com maior capacidade crítico-reflexivo, evoluindo sua autonomia, autocuidado e autoestima, tornando-os passíveis de mudanças para eles mesmos, para os outros e para o meio em que convivem (Said, 2001). É possível perceber o estímulo a esta potência criadora corporal no relaxamento acima, em respeito ao princípio da corporeidade ditado pela abordagem, ao observarmos que há uma provocação à gestante quanto a prática da gestualidade sensível amplamente ancorada em seu imaginário afetivo. Em ambos estudos utilizou-se a música associada ao relaxamento, visando um maior aprofundamento criativo e libertador em cada co-pesquisador. Sobre isso, o autor da Sociopoética não se posiciona a favor do uso da música no relaxamento, como traz no trecho “muitos facilitadores e facilitadoras gostam de apoiarse em músicas para favorecer o relaxamento, mas pessoalmente prefiro evitar tudo que poderia, de maneira aberta ou mais sutil, induzir certos dados e impedir outros.” (Gauthier, 2012). No entanto, a música é a expressão artística do homem que mais o atinge diretamente, e para a maioria das pessoas, a vivência musical, seja ouvida ou tocada, proporciona sensações relaxantes e prazerosas. Geralmente observarmos a presença da música na rotina das pessoas e o quanto ela proporciona prazer e relaxamento, aliviando tensões, emocionando, sensibilizando nossos sentidos e sentimentos mais profundos (Polo, 2010).A abordagem terapêutica da música durante o período gravídico permite as gestantes uma ligação forte com os seus bebês, e este vínculo crescerá ainda mais utilizando como recurso os afetos transmitidos através da música, melhorando assim, a qualidade da gravidez, do trabalho de parto e do nascimento do bebê, e reduzindo o nível de ansiedade da futura mãe (Castro, 2012). Delabary (2008) revela em seu estudo que a música com seus elementos e possibilidades, pode proporcionar um espaço onde a confiança e o acolhimento complementa o clima propício para que a futura mãe pense nela própria, tenha um verdadeiro encontro consigo mesma, seja o centro das atenções naquele momento. O relaxamento através da música é visto de forma especial para gestantes, pois enquanto ocorre propicia um momento único entre mãe-filho, fazendo com que consigam relaxar, sentir os movimentos do bebê, aliviar as tensões, diminuir o estresse, manter uma respiração suave e diminuir as preocupações relacionadas a gravidez, patologia e família.


Baseado nestas informações, portanto, optou-se pela utilização da música nos relaxamentos. Através da experiência citada acima, em que foi possível lançar mão de um comprovado agente beneficiário aos participantes, podemos observar a capacidade oferecida pela sociopóetica de versatilidade criativa ao permitir que o relaxamento se adapte conforme a particularidade do grupo-pesquisador, visando a preparação dos co-pesquisadores para estarem mais entregues, abertos, dispostos a realização da produção de dados. Quanto aos relaxamentos utilizados na tese de doutorado, estes foram baseados nos 4 elementos da natureza: água, ar, fogo e terra. A ideia de trabalhar com os elementos fundamentais está ancorada em Bachelard (1990A) citado por Tavares (1998) que acredita que cada um dos 4 elementos materiais pode se associar a um tipo de devaneio que comanda as crenças, o ideal, as paixões, a filosofia de vida, sendo que para cada um dos elementos há uma estética personalizada, assim como um temperamento, uma psicologia, uma poética específica, uma moral. O autor firma a lei dos quatro elementos que classifica as diferentes imaginações materiais tal qual seja sua ligação, com o fogo, com a água, com a terra ou com o ar. E esta lei é o princípio fundamental da poética de Bachelard (1990A) citado por Tavares (1998) que não se preocupa com a qualidade mecânica fundamental de cada elemento, já que ao buscar uma linguagem na materialidade, sugere que o elemento de origem possa explicar o mundo ao prodigalizar certezas ambivalentes, sugerir confidencias secretas e mostrar imagens resplandescentes. Ao afirmar que cada devaneio, para prosseguir, necessita encontrar sua matéria, sendo necessário que um elemento material lhe dê sua própria substância, sua própria poética específica e sua própria regra, Bachelard (1990B) citado por Tavares (1998) destaca o papel dos quatro elementos. Estes por sua vez, são fundamento do que o autor compreende por imaginação material, que é inspirado em filosofias tradicionais e cosmologias antigas. Desta maneira, os quatro elementos são estimados como hormônios da imaginação, uma vez que cada um deles acionam grupos de imagens que auxiliam na compreensão íntima do real (Bachelard 1990B citado por Tavares 1998). Tendo por base este argumento, nestes relaxamentos buscou-se expandir a imaginação criadora e a movimentação dos corpos, mesmo que de modo sutil, com a intencionalidade de quebrar as tensões que são construídas com a exposição da imagem em grupo.

Neste caso, a parte do relaxamento voltado para o uso do corpo foi marcadamente importante visto que os participantes são da região sul do país, carregando consigo em face de sua cultura maior controle sobre a expressividade corporal, influenciados pela forte presença alemã e italiana na composição familiar. A união dos movimentos corporais ao imaginário de modo a colocar o pensamento em fluxo no contexto atual, exige do corpo movimentos em sintonia com afetos e ideias, o que coloca em relação certas forças de invenção do mundo e de si mesmo. Indubitavelmente, isto implica romper com um tipo de alienação entendida como inatividade física, mas também com outras formas de alienação: diminuição da capacidade de pensar e agir por conta própria, crescente sentimento de solidão e isolamento, inércia intelectual, embotamento da criatividade e da expressão, indiferença e falta de cuidado com os outros e o mundo, perturbação mental, falta de sensibilidade (Amaral e Gentini, 2012). Em prosseguimento, seguem abaixo os relaxamentos: Relaxamento oficina 1 – elemento terra “Este momento é para relaxarmos. Neste curso vamos trabalhar com as emoções, com o autoconhecimento, então assim é um momento para a gente tentar se esforçar em deixar os plantões ou a rotina. É o momento de vocês fecharem os olhos. Vou pedir para vocês respirarem fundo, inspirando pelo nariz e soltando pela boca. Vou pedir para vocês fazerem isso de maneira tranquila. Que todo o ar saia, que toda a preocupação saia. Todo ar que sai, saia com aquilo que eu não quero que esteja aqui neste momento. Eu inspiro tranquilamente e expiro devagar. Eu vou começar a deixar os meus ombros soltos, mexendo-os para trás, sentindo-os. Sentindo o peso dos meus ombros. Inspiro e expiro. Eu vou deixando meus braços pesados, soltando minhas mãos, deixando meus dedos livres. Inspiro e expiro. Vou sentindo minha musculatura abdominal. Vou relaxando. Estou relaxando e ficando mais pesado. Começo a pensar num sol nascendo num campo verde. Eu inspiro uma brisa suave tocar meus poros, o inspiro até chegarem aos meus alvéolos e esse ar me limpa... me revigora. Meu corpo está relaxado e eu caminho tranquilamente sobre este campo. Há flores, há muita calma neste campo. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 103


Eu sinto meus pés relaxarem, sinto meus pés caminhando vagarosamente, sem pressa. Meu corpo está relaxado. Eu estico meus braços para frente, e solto meus braços lentamente. Eu inspiro fundo e expiro fundo, e faremos três inspirações e expirações para finalizarmos. Uma [pausa], duas [pausa], três [pausa]. Bem vindos de volta! Podem se sentar.” Relaxamento oficina 2- elemento ar “Feche os olhos e respire profundamente por 3 vezes. Você vai preparar o seu corpo para uma viagem pela imaginação. Neste momento, se aproxima de você uma grande bolha transparente. Seu corpo é sugado pela bolha. Respire. A bolha começa a se movimentar com você. Preste atenção aos movimentos da bolha. A bolha ti leva a vários lugares das vivências emocionais. Comece a se movimentar pelos lugares das vivências emocionais. Ande pelos lugares das vivências emocionais. Procure percorrer inclusive os lugares que você não conhece. Como você está se sentindo nos lugares das vivências emocionais? Como são estes lugares? De repente, você tenta pegar na bolha, não consegue. A bolha fura e você cai num lugar escuro. Você olha ao redor e percebe que está numa sala rodeada de imagens de vivências emocionais. Respire fundo e abra os olhos.” Destaca-se que a respiração é o item que dá início aos relaxamentos do segundo estudo. A literatura base da Sociopoética destaca que a técnica mais simples de se realizar o relaxamento é relacionada à percepção consciente da respiração, do sopro, de cada parte do corpo (Gauthier, 2012). Desta maneira, a respiração profunda, calma, sentida pelo co-pesquisador o aproxima do estado de relaxamento, como é possível observar sendo realizado no “Relaxamento do elemento terra”, em que se fragmenta o corpo respiratório por meio de seus acessos e caminhos: boca, pulmões, diafragma. Exercícios como estes são conhecidos como exercícios de respiração mindfulness, nos quais os participantes são convidados a dirigir a sua atenção para a respiração, sendo guiados para diferentes partes do corpo onde poderiam sentir a respiração (nariz, pescoço, peito, abdómen, diafragma, região abdominal). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 104

Estudo afirma que focar a atenção nas diferentes partes do corpo através da respiração traz resultados seja em nível físico, seja em nível mental, por exemplo, ao focar a atenção no diafragma ou na parte abdominal, abranda-se a respiração, e acalma-se a mente, reduzindo a tensão ou ansiedade (Lima, Oliveira e Godinho, 2011). A possibilidade de humanização está ligada à aplicação de tecnologias simples que muitas vezes não são valorizadas em detrimento das mais sofisticadas (Carraro, 2000) e a respiração controlada e sentida é uma dessas tecnologias que podem ser usadas em nosso favor. Outro elemento que esteve presente nos relaxamentos do segundo estudo foi a música relaxante. Esta foi utilizada como pano de fundo para possibilitar uma imersão mais completa dos co-pesquisadores no que estava proposto nas atividades. A música pode ser considerada uma tecnologia simples se considerarmos que nossa cultura é muito musical (Carraro, 2000). Podemos também apontar a música como uma tecnologia inovadora de cuidado se for organizada como uma atividade ao mesmo tempo sistemática e criativa, pois facilita a expressão de emoções, a comunicação interpessoal e a possibilidade de se focalizar aspectos saudáveis do outro (Bergold e Alvim, 2009). Estudo que faz um apanhado geral sobre a aplicação de técnicas criativas na abordagem Sociopoética, ressalta que dinâmicas de relaxamento/sensibilização foram utilizadas em todos os artigos levantados. Ora com músicas propícias para relaxamento ora com massagem e alongamento, mas todas com o intuito de desbloquear as emoções dos sujeitos e possibilitar o encontro com seus imaginários (Fonseca et al., 2015). Como é possível perceber o relaxamento marca o encontro ritualístico do grupo e sua institucionalização como grupo-pesquisador, favorecendo o encontro entre os copesquisadores, a confiança mútua, a expressão espontânea, o encontro e superação dos medos, a formação de um coletivo acolhedor que, por outro lado, não deixe de mobilizar um forte espírito crítico e autocrítico. Acolhimento e espírito crítico crescem juntos (Gauthier, 2012). Diferente do primeiro estudo, os relaxamentos produzidos no segundo estudo não guardaram relação com a ocupação dos co-pesquisadores, pois não envolveram o tema doação de órgãos ou transplantes. Ainda sim, os relaxamentos cumpriram o objetivo do pesquisador de libertar os conteúdos racionais dos co-participantes da melhor maneira possível, pois estimularam não


somente o movimento corpóreo, mas também o imaginário, o fantasioso e o lúdico, conforme se prevê como resultado desta etapa que antecede a produção de dados. Sendo assim, o relaxamento representa um momento - até certo ponto, já que tem princípios a serem seguidos – um tanto desprendido das amarras das regras metodológicas, trazendo consigo uma plasticidade criativa que encontra limites somente no potencial inovador de quem o cria. CONSIDERAÇÕES FINAIS A liberdade criativa oferecida pela Sociopoética na construção dos relaxamentos não engessa esta etapa, o que possibilita o diálogo e alinhamento entre os objetivos do estudo e os passos da produção de dados, a começar pelo relaxamento. Deste modo, amplia-se e se potencializa a expressão dos co-pesquisadores na pesquisa a ser desenvolvida. Nos relaxamentos trazidos neste estudo foi possível observar que há possibilidade de se construir esta atividade, consonante com o tema a ser desenvolvido na pesquisa, criando um ambiente, em alguns casos, mais confortável para os co-pesquisadores, e também há a possibilidade de se desenvolver relaxamentos que não necessariamente estejam envolvidos com o tema a ser negociado. Nestes últimos, os objetivos traçados para serem alcançados são diversos, como os utilizados na tese de doutorado que buscaram, trabalhar com questões como a timidez do grupo, trabalhar a construção de um ambiente mais liberto das amarras institucionais e com a quebra de alguns comportamentos culturais. Diante disto, sugere-se a realização de mais estudos que avaliem os tipos de relaxamentos aplicados em pesquisas sociopoéticas de modo que verifiquem se há ou não, alinhamento destes com as técnicas de produção de dados elencadas pelos pesquisadores, podendo ainda observar se isto causa impacto na participação dos co-pesquisadores e consequentemente na qualidade final dos dados produzidos. REFERÊNCIAS Amaral, A., Gentini, A. (2012). Emergências do corpo nos processos de educação ambiental: inventos e outros modos de existência. In: Adad, S., Júnior, F. (Orgs.) Corpografia: Multiplicidades em fusão. Fortaleza. Edições UFC.

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Artigo de Investigação

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0176

18 CONSUMO DE BENZODIAZEPINAS NO IDOSO DEPRIMIDO

| Amadeu Gonçalves1; Manuela Ferreira2; Ricardo Florentim3; Andreia Sousa4; Magda Reis5; Lídia Cabral6 |

RESUMO ENQUADRAMENTO: O envelhecimento propicia o desenvolvimento de um processo depressivo, encontrando-se prevalências muito elevadas de depressão e ansiedade na população geriátrica institucionalizada (Montenegro & Silva, 2007). Associada ao envelhecimento a depressão pode considerar-se um problema de saúde pública, com implicações para o próprio indivíduo, família e para a sociedade. Torna-se necessário intervir nestes quadros clínicos, quer através da psicoterapia (nomeadamente a terapia cognitivo-comportamental), mas também de uma abordagem farmacológica do problema com recurso a medicamentos antidepressivos, muitas vezes associados a ansiolíticos do grupo das benzodiazepinas (BZD´s). OBJETIVOS: Avaliar se o tratamento através das benzodiazepinas (BZD´s) exerce influência na sintomatologia depressiva e no funcionamento cognitivo do idoso institucionalizado. METODOLOGIA: Trata-se de um estudo quantitativo de cariz transversal e correlacional. Os dados foram recolhidos numa Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) na região centro de Portugal (Covilhã). Para além do questionário sociodemográfico utilizaram-se três escalas de avaliação psicológica: o Mini-Mental State Examination (MMSE) com objetivo de avaliar cognitivamente os participantes; a Escala da Depressão Geriátrica (GDS-15) para medir a sintomatologia depressiva e a Escala da Ansiedade Geriátrica (GAI-SF). Todas estas escalas estão devidamente aferidas à população portuguesa e apresentam boas características psicométricas. Os dados foram introduzidos e analisados com recurso ao Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 23.0. RESULTADOS: Verificámos que 54.8% da amostra consome BZD´s diariamente, sendo a mais consumida o lorazepam (58.8%), e a especialidade médica que mais os prescreve é a psiquiatria, 35.5%. Dos participantes que consomem BZD`s a maioria é do género feminino. Com base nos resultados obtidos do MMSE, na GDS-15 e na GAI-SF parece que o consumo de BZD´s tem impacto negativo no défice cognitivo e no género feminino dos participantes, dado que foram encontradas diferença estatisticamente significativas. CONCLUSÕES: Os resultados mostram que são os idosos que consomem BZD´s que apresentam maior sintomatologia depressiva e ansiosa e os que denotam maior défice cognitivo. O uso inadequado de benzodiazepinas nos idosos institucionalizados é um problema bem conhecido e por isso deve ser monitorizado. Porém, pelo facto de a amostra ser reduzida e da existência da polimedicação nos idosos, os resultados obtidos, deverão ser interpretados com alguma prudência e sem generalizações.

PALAVRAS-CHAVE: Benzodiazepinas, idosos, depressão, ansiedade e funcionamento cognitivo

RESUMEN

ABSTRACT

“El uso de benzodiacepinas en los ancianos con depresión”

“Benzodiazepine use in the depressed elderly”

CONTEXTO: El envejecimiento permite el desarrollo de un proceso depresivo, la búsqueda de la prevalencia de la depresión y la ansiedad en muy alta población geriátrica institucionalizada (Montenegro y Silva, 2007). Asociada con el envejecimiento puede ser considerado como un problema de salud pública, con implicaciones para la persona y para la sociedad. Sin embargo, es inevitable intervenir clínicamente en estos entornos clínicos. Además de psicoterapia (terapia cognitivo conductual) y otras medidas no farmacológicas, es el uso y abuso de la terapia farmacológica en los antidepresivos y benzodiacepinas (BZD) son de los que más predominan. OBJETIVOS:Esta investigación tiene como objetivo principal evaluar si el tratamiento através de las benzodiacepinas (BZD) influencia los síntomas depresivos, ansiógenos y el funcionamiento cognitivo. METODOLOGÍA: Se trata de un estudio cuantitativo de naturaleza transversal y correlacional. Los datos fueron recolectados en un marco residencial para ancianos (ERPI) en la ciudad de Covilhã, Esta institución tiene una capacidad máxima para 167 clientes institucionalizados, que son en su mayoría ancianos. Además del cuestionario sociodemográfico se utilizaron tres escalas de evaluación psicológica: el estado de examen Mini-Mental (MMSE) para evaluar los participantes cognitivamente; Escala de Depresión Geriátrica (GDS-15) para medir los síntomas depresivos y la escala de ansiedad geriátrica (GAI-SF). Todas estas escalas se evaluaron adecuadamente para la población portuguesa y tienen buenas características psicométricas. Después de la autorización de la Dirección del ERPI se procedió a la recogida de datos, que se realiza en un formato de entrevista inmediatamente después de obtener el consentimiento informado de los participantes. Posteriormente se introdujeron y se analizaron mediante el programa de análisis estadístico de los datos, llamado el Paquete Estadístico para Ciencias Sociales (SPSS) versión 23.0. RESULTADOS: Da análisis se encontró que el 54,8% de los consumos de la muestra diaria de BZD, la más consumida es el lorazepam, el 58,8%, y la especialidad médica que más prescribe es la psiquiatría, 35,5%. Los participantes que consumen la mayor parte son mujeres. Sobre la base de los resultados obtenidos en el MMSE, el GDS-15 y SF-GAI, parece que el consumo de BZD tiene un impacto negativo sobre el deterioro cognitivo y el sexo femenino, ya que presentan una diferencia estadísticamente significativa. CONCLUSIONES: Se puede concluir que son los participantes que consumen BZD aquellos que tienen mayor sintomatología depresiva y ansiógena y los que tienen un mayor deterioro cognitivo.

BACKGROUND: Aging leads to the development of a depressive process, with very high prevalence of depression and anxiety in the institutionalized geriatric population (Montenegro & Silva, 2007). Associated with aging, depression can be considered a public health problem, with implications for the individual, family and society. It is necessary to intervene in these clinical settings, either through psychotherapy (namely cognitive-behavioral therapy), or through a pharmacological approach to the problem using antidepressant medications, often associated with benzodiazepine anxiolytics (BZD’s). OBJECTIVES: To evaluate whether treatment with benzodiazepines (BZD’s) exerts an influence on the depressive symptomatology and on the cognitive functioning of the institutionalized elderly. METHODOLOGY: This is a cross-sectional and correlational quantitative study.The data were collected in a Residential Structure for the Elderly (ERPI) in the central region of Portugal (Covilhã). In addition to the sociodemographic questionnaire, three psychological assessment scales were used: the Mini-Mental State Examination (MMSE) with the objective of cognitively assessing the participants; The Geriatric Depression Scale (GDS-15) to measure depressive symptomatology and the Geriatric Anxiety Scale (GAI-SF). All these scales are duly adapted to the Portuguese population and have good psychometric characteristics.The data were introduced and analyzed using the Statistical Package for Social Sciences (SPSS) version 23.0. RESULTS: We found that 54.8% of the sample consumed BZDs daily, with lorazepam being the one most consumed (58.8%), and the medical specialty that prescribes them the most is psychiatry, 35.5%. Of the participants who consume BZD`s the majority is of the feminine gender. Based on MMSE results in GDS-15 and GAI-SF, it appears that BZD consumption has a negative impact on the participants’ cognitive and gender deficits, since a statistically significant difference was found. CONCLUSIONS: The results show that it is the elderly who consume BZD’s who present greater depressive and anxious symptomatology and those that denote a greater cognitive deficit. Inappropriate use of benzodiazepines in the institutionalized elderly is a well-known problem and therefore should be monitored. However, the fact that the sample is reduced and considering the existence of polymedication in the elderly, the results obtained should be interpreted with some caution and without generalizations.

DESCRIPTORES: Benzodiazepinas, Ancianos, Depresión, Ansiedad, funcionamiento cognitivo

KEYWORDS: Benzodiazepines, elderly, depression, anxiety and cognitive functioning

Submetido em 31-01-2017 Aceite em 20-06-2017

1 Doutor; Professor Adjunto; Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, CI&DETS, Portugal, agoncalvessv@hotmail.com 2 Doutora; professora coordenadora; Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, CI&DETS, Portugal, mmcferreira@gmail.com 3 Mestre; Enfermeiro, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar da Cova da Beira, Covilhã, Portugal, rjpinta@gmail.com 4 Mestre, Psicóloga Clínica no Lar de São José, Covilhã, Portugal, andreia.luisa.sousa22@gmail.com 5 Mestre, Psicóloga Clínica no Lar de São José, Covilhã, Portugal, magdareis@gmail.com 6 Doutora; professora coordenadora; Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, CI&DETS, Portugal, lcabral@essv.ipv.pt Citação: Gonçalves, A. I., Ferreira, M., Florentim, R., Sousa, A., Reis, M. & Cabral, L. (2017). Consumo de benzodiazepinas no idoso deprimido. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Spe. 5), 107-111. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 107


INTRODUÇÃO A depressão na população idosa constitui uma das doenças mais prevalentes e incapacitantes a nível mundial. Esta realidade toma maiores proporções se forem considerados os idosos institucionalizados, uma vez que esta pode desencadear estados depressivos, a ida de um idoso para o lar acontece, na grande maioria dos casos, após a perda do cônjuge, em que para além desta perda, o idoso deixa a sua casa, deixa de ter as suas referências, ficando desta forma mais vulnerável à doença. A depressão pode ser uma consequência normal no processo de envelhecimento pelo isolamento, pela dependência de outrem, pelo desenvolvimento de doenças crónicas e pelo declínio gradual das funções cognitivas. Todavia, torna-se inevitável intervir clinicamente nestes quadros clínicos. Além da psicoterapia (nomeadamente a terapia cognitivo-comportamental) e de outras medidas não farmacológicas, faz-se o uso terapia farmacológica, onde os antidepressivos e as benzodiazepinas (BZD´s) são aquelas que mais predominam. As BZD´s podem criar dependência e intolerância com o seu uso prolongado. Assim, podem provocar efeitos mais graves do que a simples sonolência diurna, como a perda de funções cognitivas, perda de memória e desequilíbrio (Sim et al. 2007). Neste sentido, Graça e Coelho (2014) referem que a longo prazo, a toma de BZD´s para a resolução de um problema como o sono, muitas vezes pontual, passa a ser um problema crónico de exigência de toma contínua, sem que a qualidade deste seja restabelecida, pondo em risco a segurança do doente. O uso prolongado de benzodiazepinas nos idosos institucionalizados é, assim, um problema de saúde pública bem conhecido e por isso se torna particularmente relevante a sua monitorização e implementação de soluções adequadas. O seu uso abusivo, para além dos riscos de dependência fisiológica e psicológica, tem efeitos nas capacidades psicomotoras e pode estar associado com quedas, resultando em traumatismos, além de promover o défice cognitivo. Deste modo, torna-se essencial uma triagem clínica das situações que realmente requerem este tipo de farmacologia, no intuito de evitar a sua dependência a todos os níveis, com as repercussões biopsicossociais que daí advêm. Tendo em conta que os idosos já são um grupo fragilizado, pela idade avançada e pelas suas múltiplas patologias, é fundamental que a cronicidade destas não se alie ao potencial uso crónico das benzodiazepinas. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 108

Este estudo tem como principal objetivo avaliar se o tratamento através das benzodiazepinas (BZD´s) exerce influência na sintomatologia depressiva, ansiógena e no funcionamento cognitivo numa amostra de idosos institucionalizados. METODOLOGIA Trata-se de um estudo quantitativo de cariz transversal e correlacional. Os dados foram recolhidos numa Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) na cidade da Covilhã, nomeadamente o Lar de São José que se enquadra juridicamente como uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS). Esta instituição tem lotação máxima para 167 utentes institucionalizados, sendo estes principalmente idosos. Definiram-se critérios para selecionar os participantes, sendo excluídos sujeitos com idade inferior a 65 anos, idosos com algum tipo de atraso mental, comprometimento cognitivo severo, portadores de demência em estado moderado a avançado e participantes com défices visuais e auditivos moderados a graves. Assim, dos 158 utentes institucionalizados no momento da recolha de dados apenas foram admitidos para o presente estudo 31 sujeitos com o diagnóstico de depressão. Para além do questionário sociodemográfico utilizaram-se três escalas de avaliação psicológica: o Mini-Mental State Examination (MMSE) com objetivo de avaliar cognitivamente os participantes; a Escala da Depressão Geriátrica (GDS-15) de Apóstolo, et al. 2014 para medir a sintomatologia depressiva e a Escala da Ansiedade Geriátrica (GAI-SF) de Byrne e Pachana, 2011. Estas escalas estão devidamente aferidas à população portuguesa e apresentam boas características psicométricas. Após a devida autorização da Direção da ERPI procedeu-se à recolha de dados, sendo esta realizada em formato de entrevista logo após a obtenção do consentimento informado do participante. Os dados foram introduzidos e analisados no programa de análise estatística, designado de Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 23.0. A análise da consistência interna revelou boa fiabilidade. RESULTADOS Dos 31 participantes da amostra todos eles apresentam diagnóstico de depressão e, em comorbilidade, 19.4% também tem diagnóstico de demência em fase inicial.


A amostra apresenta uma média de idades de 81.68 anos (oscilando entre os 65 e os 92 anos) e a maioria é do sexo feminino (64.5%). Na Tabela 1, estão sintetizadas as características sociodemográficas da nossa amostra institucionalizada. Tabela 1 - Caracterização sociodemográfica da amostra (n=31) Frequência Percentagem absoluta (Fi) (%)

Variável Género Consumo de BZD´s

BZD´s mais consumidas

Especialidade médica que prescreve o tratamento com BZD´s

Feminino

20

64.5

Masculino

11

35.5

Consome BZD´s

17

54.8

Não consome BZD´s

14

45.5

Bromazepam

2

11.8

Lorazepam

10

58.8

Zolpidem

1

5.9

Diazepam

2

11.8

Oxazepam

1

5.9

Alprazolam

1

5.9

Psiquiatria

11

35.5

Neurologia

1

3.2

Medicina Geral e Familiar

4

12.9

No que concerne ao consumo de BZD´s, como se pode verificar 54.8% toma BZD´s diariamente, isto é, pelo menos uma vez por dia, sendo a mais consumida o lorazepam, (58.8%). Este tratamento excede o tempo recomendado na literatura, dado que estes participantes já o toma há mais de 6 meses, sendo deste modo considerado consumo crónico. De referir ainda que a especialidade médica que mais prescreve este tratamento é a Psiquiatria (35.5%), seguido da Medicina Geral e Familiar (12.9%) e a Neurologia (3.2%). Esta prevalência de consumo de BZD´s obtida na nossa amostra coincide com outras investigações realizados com populações geriátricas institucionalizadas, como o estudo realizado na Bélgica por Bourgeois et al. (2015) e um estudo desenvolvido por Anabela e André (2014) em território português. De referir que, tal como na nossa amostra, em Portugal, parece ser efetivamente o lorazepam a BZD´s mais consumida entre os utentes institucionalizados (Anabela & André, 2014; Rosa, 2011). Já em amostras de populações idosas da comunidade geral, no Brasil parece ser o bromazepam (56.1 %) o medicamento mais prescrito, seguido do lorazepam (14.9%) (Huf, Lopes & Rozenfeld, 2000) ao passo que, em Cuba parece ser o diazepam (Ricardo & Gárciga, 2010).

Ao analisar a Correlação Ponto-Bisserial entre os instrumentos de avaliação utilizados no protocolo de investigação e o consumo de BZD´s, apenas se verificou uma associação estatisticamente significativa entre o funcionamento cognitivo e o consumo de BZD´s (rpb= - ,404 , p> .024), ou seja, maior défice cognitivo está associado aos participantes que consomem BZD´s. Estes nossos resultados não corroboram com os estudos de Bourgeois e colaboradores (2015) que, ao explorar o impacto do consumo crónico das BZD´s sobre o declínio cognitivo de uma amostra de idosos institucionalizados constataram que, embora o funcionamento cognitivo dos sujeitos medido através do MMSE se deteriore ao longo do tempo, essa diferença não foi estatisticamente significativa entre os sujeitos que consomem BZD´s em relação aos que não consomem. Ainda assim, está bem patente na literatura que o uso prolongado de BZD´s constitui num fator de risco no aumento do declínio cognitivo em pessoas idosas (Bierman et al. 2007; Moura, 2014; Paterniti, Dufouil & Alpérovitch, 2002; Zhang et al. 2016) e, consequentemente, num aumento da incidência do desenvolvimento de perturbações neurocognitivas como a demência (Gage et al. 2012; Gallacher, et al. 2012), principalmente a Demência de Alzheimer (Rosenberg et al. 2012). Paralelamente não foram encontradas diferenças significas entre o consumo de BZD´s e a sintomatologia depressiva medida pela GDS-15 (r pb = .118 , p<.528) e a sintomatologia ansiógena mediante os resultados obtidos GAI-SF(r pb = .130 , p<.486). Porém, como se pode verificar na análise descritiva da Tabela 2, são os participantes que consomem BZD´s que apresentam maior sintomatologia depressiva (M = 7.82; DP = 3.69) e ansiógena (M = 3.88; DP = 1.27). Estes dados parecem não corroborar com os preconizados na literatura, em que os mesmos salientam uma associação significativa entre a depressão e o consumo de BZD´s em idosos institucionalizados (Bourgeois et al. 2015). Em contrapartida, em populações idosas da comunidade parece ser evidente a associação entre o consumo de BZD´s e a depressão relatada pelos participantes (Lorenzet, Chatkin & Nogueira, 2015). Tabela 2 - Análise descritiva dos participantes que “consomem ou não BZD´s” GDS-15 GAI-SF MMSE Não consome BZD´s (n=14)

M

6.93

3.50

22.42

DP

4.10

1.74

3.96

Consome BZD´s (n=17)

M

7.82

3.88

18.53

DP

3.69

1.27

4.98

M

7.42

3.71

20.29

DP

3.84

1.49

4.87

Total (N=31)

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Através da análise estatística realizada com o teste do Qui-Quadrado foi evidenciada uma associação significativa entre o género dos participantes (X2(1) = 5.231, p> .022). Deste modo, no género feminino a maioria (70%) toma BZD´s e no género masculino, a maioria (72.7%) dos participantes não faz este tipo fármacos. Da mesma forma, estudos desenvolvidos por Fourrier et al. (2001), no sudoeste de França, e por Lorenzent, Chatkin e Nogueira (2015) numa região a sul do Brasil, constataram igualmente uma relação significativa entre o consumo de BZD´s e o género em amostras geriátricas residentes na comunidade, sendo igualmente o género feminino o que apresenta maior consumo de BZD´s quando comparado com o género masculino. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PRÁTICAS As benzodiazepinas são dos psicofármacos mais consumidos a nível mundial e que causam maiores níveis de dependência, mesmo assim, são amplamente prescritos e consumidos por pessoas idosas. O consumo destes fármacos a longo prazo apresenta consequências negativas (físicas e/ou psicológicas), que comprometem a qualidade de vida do idoso.

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Na nossa amostra, todos os idosos institucionalizados apresentam o diagnóstico de depressão, na sua maioria são as mulheres que consomem BZD´s. Os resultados mostram que são os idosos que consomem BZD´s os que apresentam maior ansiedade e depressão e por conseguinte maior défice cognitivo. Face a estes resultados, consideramos necessária uma maior sensibilização dos profissionais de saúde relativamente à prescrição/administração das benzodiazepinas, privilegiando outras abordagens terapêuticas (não farmacológicas) na tentativa de minimizar este problema. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Anabela, G. & André, C. (2014). Consumo de benzodiazepinas por idosos institucionalizados: Inapropriação, qualidade de sono e contributo para a segurança na medicação. In P. Sousa, F. Serranheira, A. SousaUva (Eds.), Proceedings do 4º Congresso Internacional de Qualidade em Saúde e Segurança do Doente (pp. 33-39). Lisboa: Congresso Internacional de Qualidade em Saúde e Segurança do Doente, Escola Nacional de Saúde Pública.


Apóstolo, J. L. A., Loureiro, L. M. J., Reis, I. A. C., Silva, I. A. L. L., Cardoso, D. F. B., & Sfetcu, R. (2014). Contributos para a adaptação da Geriatric Depression Scale-15 para língua portuguesa. Revista de Enfermagem Referência, 4(3), 65-73. doi:10.12707/RIV14033

Lorenzet, I., C., Chatkin, M. N., & Nogueira, L. M. (2015). Baixa prevalência do uso de benzodiazepinas por idosos atendidos em Pelotas (RS). Geriatrics, Gerontology and Aging, 9(3), 100-105. doi:10.5327/ Z2447-2115201500030005

Bierman, E. J. M., Comijis H. C., Gundy, C. M., Sonnenberg , C., Jonker, C., Bougeois, J., … & Stichele, R. H. R. (2015). The impact of chronic benzodiazepine use on cognitive evolution in nursing home residents. Human Psychopharmacology: Clinical and Experimental, 30, 85-93. doi:10.1002/hup.2456.

Moura, M. (2014). Uso de benzodiazepínicos em idosos, declínio cognitivo e risco de quedas. Brasília Med, 51 (1), 36-41

Byrne, G. & Pachana, N. A. (2011). Development and validation of a short form of the Geriatric Anxiety Inventory: the GAI-SF. International Psychogeriatrics, 23(1), 125-131. doi: 10.1017/S1041610210001237 Fourrier, A. Latenneur, L. Dartigues, J. F. Moore, N., & Bégaud, B. (2001). Benzodiazepine use in an elderly community-dwelling population: Characteristics of users and factors associated with subsequent use. European Journal of Clinical Pharmacology, 56(5), 419425. doi:10.1007/s002280100326 Gage, S. B., Bégaud, B., Bazin, F., Verdouxe, H., Dartigues, J. F., Pérès, K., … & Pariente, A. (2012). Benzodiazepine use an drisk of dementia: Prospective population based study. thebmj, 345, 1-12. doi:10.1136/bmj. e6231 Gallacher, J., Elwood, P., Pickering, J. Bayer, A., Fish, M., & Ben-Shlomo, Y. (2012). Benzodiazepine use an drisk of dementia: Evidence from the caerphilly prospective study (CaPS). Journal of Epidemiology & Community Health, 66, 869 – 873. doi:10.1136/jech2011-20314 Graça, A., & Coelho, A. (2014). Consumo de benzodiazepinas por Idosos institucionalizados: Inapropriação, qualidade de sono e contributo para a Segurança na Medicação. Dissertação de Mestrado, Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, Lisboa. Huf, G., Lopes, C. S. & Rozenfeld, S. (2000). Uso prolongado de bezodiazepínicos em mulheres de um centro de convivência para idosos. Cadernos de Saúde Pública, 16(2), 351- 362. doi:10.1590/S0102311X2000000200006

Organização Mundial de Saúde (2002). Relatório Mundial de Saúde:Saúde Mental: Nova concepção, nova esperança. (M. d. Saúde, Ed.) Lisboa: DirecçãoGeral de Saúde. Paterniti, S., Dufouil, C., & Alpérovitch, A. (2002). Long-term benzodiazepine use and cognitive decline in the elderly: The epidemiology of vascular aging study. Journal of Clinical Psychopharmacology, 22(3), 285-293. Ricardo, L. I. S., & Gárciga, F. F. H. (2010). Consumo de benzodiazepinas en pacientes geriátricos del consultório #12, policlínico “Campo Florido”. Revista Cubana de Farmácia, 44 (3), 345-353. Rosa, M. A. F. (2011). O circuito do medicamento nos lares de idosos. Dissertação de Mestrado. Universidade da Beira Interior, Covilhã. Rosenberg, P. B.; Mielke, M. M.; Leoutsakos, J. S.; Lyketsos C.G.; Rabins P. V.; Zandi, P., …& Tschanz, J. T. (2012). The association of psychotropic medication use with the cognitive, functional, and neuropsychiatric trajectory of Alzheimer’s disease. Jounal Geriatric Psychiatry, 27(12), 1248-1257. doi:10.1002/gps.3769. Sim, M. G. Khong, E., & Wain, T. D. (2007). The prescribing dilemma of benzodiazepines. Australian Family Physician, 36(11) 923-926. Zhang, Y., Zhou, X. H., Meranus, D. H., Wang, L., & Kukull, W. A. (2016). Benzodiazepine use and cognitive decline in elderly with normal cognition. Alzheimer Disease & Associated Disorders, 30(2), 113117. doi:10.1097/WAD.0000000000000099

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19 NORMAS

DE PUBLICAÇÃO DA ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL

REVISTA

PORTUGUESA

DE

A Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental é publicada duas vezes por ano, em junho e dezembro, tratando-se de uma revista indexada em bases de dados nacionais e internacionais. A Revista apresenta, atualmente, as seguintes secções: Artigos de Investigação; Artigos de Revisão (Narrativa, Sistemática e Integrativa) da Literatura; Artigos de Boas Práticas/Reflexão. 1 – Procedimentos de Submissão do Artigo: 1.1 – Submissão eletrónica: os artigos devem ser sempre submetidos eletronicamente no sítio da Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental: http://www.aspesm.org/. 1.2 – Para a submissão dos artigos, deverão sempre ser enviados os seguintes documentos: a) Artigo integral, obedecendo às normas da revista; b) Checklist de autoverificação, preenchida na totalidade c) Declaração de Cedência de Direitos de Autor e de Observação dos Princípios Éticos da Investigação, provando que os autores concordam que o artigo, uma vez aceite, fique da propriedade d’ ASPESM, não podendo, por isso, ser publicado noutra fonte, e que foram cumpridos todos os princípios éticos inerentes a um trabalho de investigação. Nota: a Direção da Revista reserva-se o direito de retirar um artigo do processo de revisão ou das bases de dados (no caso dos artigos publicados), sempre que se verifique que os autores publicaram uma versão idêntica noutra Revista. 2 – Processo de Revisão: Os artigos propostos são apreciados num processo Double Blinded (duplamente cego). Neste processo, o artigo é enviado por dois Peer Reviewers (Pares Revisores), os quais o examinam e arbitram sobre a sua qualidade, dando as recomendações que julgarem convenientes. Sempre que não se verifique acordo entre os dois revisores, o Diretor da Revista reserva-se o direito de indicar um terceiro revisor. A Direção da Revista enviará ao autor informação sobre a eventual aceitação definitiva, aceitação com alterações, ou não aceitação. No caso da aceitação com alterações, os autores receberão os pareceres e recomendações sugeridas pelos Peer Reviewers. O autor deve efetuar as alterações e reenviar o documento, via eletrónica, no tempo regulamentado. Nota: caso não se verifique o cumprimento rigoroso do tempo estipulado para correção do artigo, este pode ser excluído do processo de revisão. Cada artigo será, posteriormente, verificado pelo Diretor e Coordenador da Revista, que analisam a primeira versão do artigo e a versão corrigida, em função das recomendações dos Peer Reviewers. O processo de revisão será efetuado online. As fases do processo de revisão e recomendações encontram-se descritos no quadro abaixo: Fase Receção do Artigo Revisão Reformulação do Autor Verificação Redatorial Publicação

Procedimento Após o envio do artigo, este será submetido a um processo de revisão técnica (revisão dos aspetos formais e de normalização, de acordo com as normas de publicação da Revista). O artigo é enviado para 2 Peer Reviewers, que o examinam e arbitram sobre a sua qualidade, dando as recomendações convenientes. A Direção da Revista enviará ao autor informação sobre a aceitação definitiva, aceitação com alterações, ou não aceitação, bem como os pareceres e recomendações dos Peer Reviewers. As alterações a efetuar pelo autor deverão ir, rigorosamente, de acordo com as recomendações dos Peer Reviewers. Cada artigo deverá ser verificado pelo Diretor e pelo Coordenador da Revista, que analisam a primeira versão do artigo e a versão corrigida, em função das recomendações dos Peer Reviewers. A oportunidade de publicação é da inteira responsabilidade da Direção da Revista.

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3 – A decisão final acerca da oportunidade de publicação dos artigos é da responsabilidade do Diretor da Revista. 4 – O artigo: 4.1 – Tipo de artigo: devem ser artigos científicos originais e versarem temas de saúde mental, Enfermagem de saúde mental ou educação em saúde mental. O conteúdo dos artigos é da exclusiva responsabilidade dos seus autores, aos quais compete respeitar os princípios éticos da investigação e cumprir as normas da edição da Revista. A Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental poderá incluir artigos em língua portuguesa, espanhola, inglesa ou francesa, consoante a origem dos artigos. 4.2 – Estrutura do artigo 4.2.1 - Título: o artigo deverá incluir um título informativo (que vá de encontro ao âmbito do trabalho) e sucinto (em português, espanhol e inglês); máximo de 16 palavras, sem abreviaturas e sem a indicação da localização geográfica da investigação. 4.2.2 - Autores: os autores devem estar devidamente identificados, com o nome, habilitações académicas, categoria profissional, instituição onde exercem funções, contactos (morada, e-mail e telefone institucionais) e informação no caso de o artigo ser extraído de Dissertação ou Tese (indicando o título, ano e instituição onde foi apresentada). O nome e afiliação dos autores deve surgir imediatamente após o título em português. As afiliações devem estar por extenso (ex.: Local de Trabalho – Escola Superior de Enfermagem do Porto). Os endereços de correio eletrónico dos autores dos artigos devem estar com hiperligação (com link disponível). 4.2.3 - Resumo: o resumo do trabalho deve ser apresentado em português, espanhol e inglês, e não deve exceder as 250 palavras, devendo incluir a descrição do contexto, objetivo(s), metodologia, resultados e conclusões. 4.2.4 - Palavras-Chave: o artigo deve apresentar, no máximo, 4 palavras-chave, transcritas de acordo com os descritores MeSH (em português, ver DeCS), em português, espanhol e inglês. 4.2.5 - Corpo do artigo: O artigo (tratando-se de um trabalho de investigação) deve ser estruturado em secções, devendo incluir os seguintes capítulos: Introdução, Metodologia, Resultados, Discussão, Conclusão, e Implicações para a Prática Clínica). Os artigos de revisão e de boas práticas/reflexão não têm que obedecer, necessariamente, a esta divisão. 4.3 - Formato: • O texto deve ser apresentado em formato Word, letra Arial, tamanho 11, espaçamento 1,5, páginas em formato A4, em coluna única, evitando negritos e sublinhados, variação do tipo de letra, fundos de cor, etc.; • Todas as margens devem ter 2,5 cm.; • Não devem ser incluídas notas de rodapé. • O artigo não deve ultrapassar as 15 páginas incluindo resumo (em português, espanhol e inglês), referências, tabelas, quadro e figuras. • O artigo não deverá ser paginado. • Os parágrafos não devem ser indentados. • O artigo deve ser redigido de acordo com o Novo Acordo Ortográfico (caso não o seja, a Comissão Editorial reserva-se o direito de realizar a conversão). Nota: caso o(s) autor(es) se recuse(m) a redigir o artigo segundo o Novo Acordo Ortográfico devem, aquando do seu envio, manifestar essa posição de forma clara e inequívoca. • Na primeira utilização de uma sigla esta deve estar, primeiramente, por extenso, por exemplo: Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). • Quando se realizarem citações de três a cinco autores, todos os nomes devem ser mencionados na primeira vez que a citação é feita (ex.: Bradley, Ramirez, & Soo, 1999). Nas vezes seguintes, deve utilizar-se apenas o nome do primeiro autor seguido de “et al.” (ex.: Bradley et al., 1999). Caso a citação seja de seis ou mais autores, logo na primeira vez em que a citação é feita deve utilizar-se apenas o nome do primeiro autor seguido de “et al.”. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 114


• No corpo do artigo, ao citar autores coletivos, na primeira vez que a citação é feita, deve ser mencionado o nome por extenso (ex.: National Institute of Mental Health [NIMH], 2003). Nas vezes seguintes, pode ser utilizada a abreviatura (ex.: NIMH, 2003). • Os títulos dos capítulos devem seguir a seguinte estrutura: Nível do Título Formato 1 Centrado, Negrito, com Maiúsculas e Minúsculas 2 Alinhado à Esquerda, Negrito, com Maiúsculas e Minúsculas 3 Indentado, negrito, em minúsculas terminando com ponto final. 4 Indentado, negrito, itálico, em minúsculas terminando com ponto final. 5 Indentado, itálico, em minúsculas terminando com ponto final. 4.3.1 - Tabelas, quadros, gráficos e figuras: devem ser incluídos apenas os que sejam absolutamente essenciais para a compreensão do artigo e numerados por ordem de inclusão no texto, em função de cada tipo. As tabelas e quadros devem apresentar o título em cabeçalho e os gráficos e figuras devem apresentar o título por baixo. Para tabelas e quadros o tamanho da letra pode ser reduzido até um mínimo de 9 e sem espaçamentos. As tabelas, quadros, gráficos e figuras devem surgir imediatamente após o parágrafo em que é feita referência às mesmas. 4.3.2 - Citações: todos os autores citados no artigo devem constar da lista de referências bibliográficas. Exemplo: Sequeira (2006), (Sequeira, 2006), ou “Em 2006, Sequeira (...)”. Deve indicar-se o número de página, no caso de citação textual, tal como nos exemplos: Sequeira (2006, p. 32) ou (Sequeira, 2006, p. 32). Quando citar dois ou mais autores numa mesma paráfrase, deve ordená-los por ordem alfabética, tal como no exemplo: (Miller, 1999; Shafranske & Mahoney, 1998). Nota: utilizar o símbolo “&” apenas nas paráfrases em que os autores citados sejam de países em que o português não é uma língua oficial (ex.: EUA, Reino Unido, etc.). 4.3.3 - Referências Bibliográficas: • As referências selecionadas devem permitir evidenciar as publicações mais representativas do “estado da arte” da problemática em estudo (últimos 5 anos, extensíveis a 10 anos para problemáticas que tenham sido pouco estudadas), resultando da pesquisa de bases de dados de revistas indexadas nacionais e internacionais. • As referências bibliográficas devem estar elaboradas de acordo com as normas da 6ª Edição da American Psychological Association (APA). Todas elas deverão estar citadas no artigo. • Nas referências bibliográficas, independentemente do número de autores, estes devem ser todos referidos, não sendo permitido o uso de “et al.”. • O título das revistas nunca deve ser abreviado nas referências bibliográficas. Por exemplo, não se deve escrever “RPESM”, mas sim “Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental”. • Sempre que se inclua um site nas referências bibliográficas, a sua hiperligação deve estar presente e funcionante. Nota: as fontes devem ser alvo de seleção criteriosa, em função da sua pertinência, e não devem ultrapassar um total de 20 referências, organizadas por apelido do autor e ordenadas por ordem alfabética. APA 6ª Edição (Exemplos – consultar http://www.apastyle.org/) 4.3.3.1 Modelo de referências (indicar o nome de todos os autores – não usar “et al.”): Livros Shotton, M. A. (1989). Computer addiction? A study of computer dependency. London, England: Taylor & Francis. Trabalho académico (Dissertação/Tese) Healey, D. (2005). Attention deficit/hyperactivity disorder and creativity: An investigation into their relationship. Tese de Doutoramento, University of Canterbury, Christchurch, New Zealand. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 115


Trabalho académico (Dissertação/Tese) Healey, D. (2005). Attention deficit/hyperactivity disorder and creativity: An investigation into their relationship. Tese de Doutoramento, University of Canterbury, Christchurch, New Zealand. Editor literário Barkley, R. A. (Ed.) (2008). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: Manual para diagnóstico e tratamento (3ª ed.). Porto Alegre: Artmed. Capítulos de livros Haybron, D. M. (2008). Philosofy and the science of subjective well-being. In M. Eid & R. J. Larsen (Eds.), The Science of subjective well-being (pp. 17-43). New York, NY: Guilford Press. Autor coletivo American Psychological Association. (2010). Publication manual of the American Psychological Association (6ª ed.). Washington, DC: Author. Artigos de publicações periódicas Com DOI Herbst-Damm, K. L. & Kulik, J. A. (2005). Volunteer support, marital status, and the survival times of terminally ill patients. Health Psychology, 24, 225-229. doi: 10.1037/0278-6133.24.2.225 Sem DOI Light, M. A. & Light, I. H. (2008). The geographic expansion of Mexican immigration in the United States and its implications for local law enforcement. Law Enforcement Executive Forum Journal, 8(1), 73-82. Documentos eletrónicos Livros Schiraldi, G. R. (2001). The post-traumatic stress disorder sourcebook: A guide to healing, recovery, and growth [Adobe Digital Editions version]. doi: 10.1036/10071393722 Artigos de publicações periódicas Wheeler, D. P. & Bragin, M. (2007). Bringing it all back home: Social work and the challenge of returning veterans. Health and Social Work, 32(1), 297-300. Acedido em http://www.naswpressonline.org Outros (póster, comunicação livre, etc.) Leclerc, C. M. & Hess, T. M. (2005, agosto). Age diferences in processing of affectively primed information. Póster apresentado na 113ª Annual Convention of the American Psychological Association, Washington, DC. Nota: no caso de os autores serem de países de língua oficial portuguesa, nas referências bibliográficas o “&” deve ser substituído por “e”. 5 – Formato Padrão do Artigo a submeter: Primeira Página • Título (em português, espanhol e inglês) • Nome dos autores (separados por ponto e vírgula); • Afiliações dos autores (uma afiliação por linha); • Indicação caso o artigo seja extraído de Dissertação/Tese. Nota: esta página, posteriormente, é retirada pelo Coordenador da Comissão Editorial, sendo atribuído um número codificado que identifica o artigo junto dos revisores Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ESPECIAL 5 (AGO.,2017) | 116


Segunda Página • Titulo (em português); • Resumo (em português); • Palavras-Chave (em português); • Título (em espanhol); • Resumen; • Descriptores; • Titulo (em inglês); • Abstract; • Keywords. Páginas Seguintes: • Introdução; • Metodologia; • Resultados; • Discussão; • Conclusões; • Referências bibliográficas; • Apêndices (se existentes), agradecimentos (se existentes), conflitos de interesses (se existentes), fontes de financiamento (se existentes), e contribuições dos autores (se aplicável).

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